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Livro da Vida

Titulo: Livro da Vida


Autor: Joanus Frater
Copyright © Movimento Nova Era
Todos os direitos reservados

Depósito Legal 71748/93


ISBN 972-8122-00-4

2ª edição revista
1993, 2005

contacto:
libervitae@gmail.com

O Livro da Vida é uma obra escrita por inspiração, por Joanus Frater.
Pela universalidade do seu conteúdo, não se inclui em nenhuma religião ou corrente filosófica
conhecida.

É um livro destinado à humanidade, pelo que a sua distribuição é livre, devendo a sua
integridade e fidelidade ser respeitada.
Que ele vá livre pelo mundo, de coração em coração e toque a alma de cada homem.
Livro da Vida
E quando vos perguntarem
Onde fica o Templo em que floresce a cruz
Direis: nós somos esse Templo
E sobre nós a Rosa vive
E alimenta a Cruz que é o Mundo.
1
1.1 O Livro da Vida é aquele onde estão os nomes dos que serão salvos nos tempos que
estão próximos, nos tempos do fim.
1.2 Nele estão os nomes dos escolhidos, os nomes que o Anjo do Senhor há-de nomear,
quando a hora da manifestação da Criança tiver soado.
1.3 No Livro da Vida estão os nomes de todos aqueles que o Senhor recebeu no Seu seio e
que escolheu de entre os vivos e os mortos, para semearem a terra das nações com a Sua
palavra e levarem a boa nova a todos os crentes: essa palavra é a religião dos Santos da
Cruz, essa palavra é a do Santo Espírito.

1.4 O Livro da Vida é o Livro da Revelação para os tempos que estão próximos: os tempos
do fim. É também a continuação de dois outros livros: o Evangelho de João e o Apocalipse.
1.5 Nele se explicarão estes dois e se traçará um terceiro, que será a sua síntese. Esta
síntese diz respeito à Era da Criança e ao futuro do mundo.

1.6 A palavra é o nome e o nome é a palavra. A Palavra é o Verbo, e o Verbo é o Cristo.


1.7 A Palavra tem de ser proferida para que os escolhidos acordem do sonho e percorram a
terra semeando uma nova era de paz e harmonia.
1.8 Esta Palavra é os seus nomes e é a força que os criou e anima. Esta Palavra vem
através da Criança e daqueles que a anunciam: os seus profetas. Esta Palavra está viva.

1.9 Não é uma palavra comum, mas uma força viva. Pronunciá-la é invocar a força e é
ressuscitar os adormecidos. É retirá-los do limbo e fazê-los viver.
1.10 A Palavra nasce do Pai e só a Criança a pode dizer.

1.11 Na Palavra está o segredo dos que dormem. As suas vidas estão ali, prestes a nascer de
novo. Mas quem a dirá antes que a Criança o possa fazer? Os profetas a dirão e o ciclo
começará assim.

1.12 Há doze nomes no Livro da Vida, doze vezes doze vezes doze.
1.13 Os primeiros são os mestres condutores, são a semente que há-de florir; os segundos
são as suas sombras neste mundo, os seus duplos de carne e os terceiros são todos os
escolhidos para anunciar a boa nova ao mundo.

1.14 Os primeiros são a Palavra pura, os segundos são aqueles que ouviram a Palavra e a
transformaram em acção, os terceiros são aqueles que nasceram do encontro entre a
Palavra e a acção: são as mãos do Senhor.

1.15 Nos primeiros o Senhor impôs a Sua vontade, nos segundos o Seu amor e nos terceiros a
Sua acção tornou-se visível.
1.16 Este é o ciclo do Senhor, que há-de dar fruto na Criança que selará a manifestação do
Santo Espírito. Ele a selará pelo Verbo e pela imposição da Sua mão direita erguida.

1.17 Do Homem nascerá a Criança, como da flor brotam as sementes que a perpetuam.
1.18 A Criança é fruto do Homem, e o Homem é fruto de Deus. A Criança é fruto e salto
sobre o futuro, aquele que continua e aquele que está para lá da continuação, pois com ela
começa um novo tempo, e este não tem génese.

1.19 Com ela se iniciam os novos tempos: os da realização integral do homem sobre a terra,
os da grande irmandade entre todas as coisas vivas.
1.20 A Criança há-de abrir as portas que o mal encerrou: as portas de cada homem e de
todos os homens, como se cada um de nós fosse um quarto selado. A Criança abrirá a porta,
e nós nasceremos outra vez.
1.21 Este é o mistério da Criança, e o seu poder está nesta vida.
1.22 Ela é a inocência e a pureza daquilo que nada maculou. Ela é o branco cristalino.
1.23 Mas quando a sua mão se ergue, é o Senhor que se ergue nela; quando a sua voz soar,
será a voz do Senhor que soará, e ai daquele que se recusar a segui-la! Esse será confundido
e precipitado no abismo do esquecimento.

2
2.1 Este é o Livro de Ioan, aquele em cuja linhagem nasceram os que anunciam a vinda do
Senhor.
2.2 Eles vêm para anunciar o Senhor e desbravar os Seus caminhos e anunciar o Seu pacto
com o mundo. Eles vêm para profetizar a boa nova.

2.3 Este é o Livro da última geração do profeta IOAN. O livro que fecha o ciclo iniciado
com a manifestação de IESUS, o Cristo.
2.4 É também o testemunho dos santos dos últimos dias, aqueles que escolheram a nação
da luz para se manifestarem, antes do advento da Criança. Esses que usaram o nome de
Rosa-Cruz, e no seio dos quais a mensagem do profeta permaneceu viva ao longo das eras.

2.5 Nele estão os mistérios da Rosa-Cruz, e aqueles que o profeta encarnou em si. Nele
está a revelação da Criança e o plano do Senhor para o Seu mundo. Nele está o Verbo que o
tempo transformará em palavra, através da acção dos que o Senhor escolheu para O
seguirem.
2.6 Nele está ainda a mão do Senhor, aberta sobre o Seu mundo. Mão onde brilha a pedra
branca, que é o olho do Senhor aberto e fixo. Essa luz não projecta sombra, antes torna
tudo transparente e difuso.

2.7 Este é o Livro que os profetas usarão, e sobre o qual testemunharão nos últimos dias.
Nele estará a Lei, e a Lei será a Palavra, e através da Palavra viva se verá o Senhor.
2.8 O Senhor vive na Palavra, como a canção vive nos lábios do cantor. E quando a Palavra
é dita, o Senhor está nela e dá-lhe a vida.
2.9 É por isso que a Palavra do Senhor salva e redime aquele que a ouve e a recebe dentro
de si, ou cala e emudece aquele que está cheio de vaidade e vento. O Senhor sopra nele
como num balão e ele desaparece no céu para se perder no abismo.

3
3.1 Eis o livro da geração dos seres, onde Aquela que tudo fez nascer de Si se revelará aos
que forem capazes de romper a barreira do sonho e despertar. Onde se revelarão os enganos
e as armadilhas que se escondem nos labirintos da alma humana, pois a menos que o sonho
seja límpido e aquele que sonha o faça em consciência e posse de si, a nada o poderá levar.

3.2 O mistério da Mãe é o da caverna sombria. É lá que se esconde a fera que nos há-de
devorar. E a menos que sejamos devorados e que a experiência dessa morte seja assumida,
nenhuma luz poderemos alcançar.

3.3 O caminho do despertar é o caminho da fera, é o caminho do adversário que nos


espreita da escuridão sombria, essa escuridão onde dormem os sonhos e os receios, onde
dorme a vida, também.

3.4 E a vida é como uma pedra translúcida, um ovo onde dorme escondido e oculto um
ser, metade trevas metade luz.
3.5 Em cada ciclo doze Senhores se juntam em redor do ovo e o levam para a caverna mais
profunda e escondida.
3.6 Nesse local o colocam sobre um altar, e depois no ventre da Mãe que o há-de dar à
luz.
3.7 Chegado o momento do parto, das entranhas da terra nascem aqueles que vão
combater pela posse do mundo: os que têm a pele clara e que vivem sob o signo do sol, a
que rendem culto; e os que têm a pele escura e que vivem sob o signo da lua, que cultuam.

3.8 Estas duas raças não se cruzam, senão no começo e fim dos ciclos: no começo para
dividirem o mundo entre si e separarem os poderes e as funções que cabem a cada um; e no
fim para a suprema luta, de cuja solução dependerá a sobrevivência dos próprios deuses,
que velam, algures.

3.9 Um dia, diz-se, do ovo nascerá uma terceira raça. Raça tardia e diáfana, em que os
deuses e os demónios se unirão em síntese.
3.10 Mas isso só acontecerá quando os últimos dias estiverem próximos, e os próprios
deuses e demónios, esgotados pela longa espera, já não tiverem para o homem objectivo
algum.

3.11 Então o fogo se unirá ao gelo e procriará luz. Uma luz tão crua e transparente, que ser
algum poderá olhar de frente sem enlouquecer. Luz que transformará o próprio mundo e o
fará parecer uma estrela.
3.12 Será nessa época o último parto da terra. E aqueles que nasciam na caverna, nascerão
no centro do mundo, lá onde existe um sol invisível, um sol de fogo.
3.13 Daí, desse sol transformado em útero materno e apocalíptico, nascerão aqueles que
farão o último mergulho e ousarão o último voo, antes de se fundirem uns nos outros, e cada
um em tudo.
3.14 Esses serão os últimos a ver a luz e as trevas. Depois deles só haverá o um que nasceu
dos muitos, e que é aquele que transporta dentro de si a Vontade do Pai e o Amor da Mãe:
aquele que é, real e visivelmente, o vértice do triângulo divino. Esse é também o Cristo.

3.15 Da sua geração (ou da sua semente) nascerão os doze Senhores do ciclo futuro -
Aqueles que têm por missão ir de mundo em mundo, para selar os pactos e refazer a
unidade. E assim a Obra terá continuação.

3.16 Eis o segredo: quem puder entender que entenda. E entendendo ou não o que foi
escrito, que a sua alma silencie e fique atenta à voz que vem do íntimo. Pois as verdades
profundas não se excluem umas às outras, antes se integram numa só verdade maior. Pelo
que é preciso escutar e estar atento.

3.17 Cada homem deve ser uma ferramenta dócil em que o espírito que vem do céu e
aquele que nasce da terra se misturem em partes iguais.
3.18 Já que a função do homem é ser canal e forno alquímico, para a celebração das
núpcias entre os poderes celestes e terrestres, e a criação do hermafrodita, sendo este a
ponte viva que une os dois mundos e que, realizando-os dentro de si, os realiza nas suas
respectivas dimensões.

4
4.1 A vida dos seres é a dor da alma. Porque vivendo estes no limiar da realidade, vivem
afastados das leis do Pai e em contradição com elas.
4.2 A alma sofre com este afastamento, com esta rotura, tanto mais que foi criada para
unir. União que se faz através do amor, servindo ela de ponte.

4.3 É dor e é crescimento. É também tensão que estabelece a procura do retorno, pois
quanto maior for o afastamento do centro, maior será a atracção exercida sobre a periferia.
Até que, num máximo de tensão, a polaridade se inverta, e aquilo que levou ao afastamento
se transforme naquilo que há-de conduzir ao retorno, para fazer a síntese e criar a unidade.
4.4 Entretanto a alma estabelece relações, filtra a realidade integral antes desta atingir o
nível do ser, para que este seja tocado e se possa recordar, um dia; mas não para o impedir
de experimentar, de acordo com as suas necessidades e as ferramentas que o destino lhe
dá.
4.5 É ingrata esta tarefa, que nem sempre o êxito coroa, pois o ser pode regredir e
ultrapassar o limite em que a vida se torna possível; ou pode preferir a aniquilação e
precipitar-se no limbo.

4.6 À alma cabe esperar, como aquele que medita sobre uma parede vazia, onde só o
silêncio e o olhar perdido na distância anunciam um despertar, algures.
4.7 Esperar e estar atenta, já que o mínimo sinal pode indicar o momento de agir e,
perdido este, tudo se confundir de novo.

4.8 Tarefa de mãe que vela o sonhar do filho, ou de amante que vela pelo prazer do
amante, ou ainda de musa que espreita o momento de se transformar em guia de inspiração
e símbolo de transcendência.
4.9 Visão também, mas de realidades que fogem ao rotineiro dos traços e da ordem que
nós queremos pôr em tudo.
4.10 Visão de elementos em estado natural, como o da luz sem o leito do fogo para se
exprimir e, também, da confluência das linhas com que os deuses tecem a manta do destino
para todas as coisas. Manta que joga no absurdo e no irracional, como única forma de se
exprimir cabalmente.

4.11 Tudo isto a alma vê, e se não vê como nós vemos, sente. Daí que o seu contacto
consciente possa transformar escalas de valores, e tornar possível o que antes o não era.
Como se as portas do milagre se abrissem para aquele que se deixa tomar por esta imagem
que assume todos os traços que o nosso ideal criou e deu ao feminino. O que explica essas
sobreposições, de imagem ou símbolo, entre aqueles seres que se depositaram sobre os
altares dos templos, para significar a Mãe, e essa outra que trazemos connosco quando
vindos à manifestação. Onde a terrena indicará a anímica ou, pelo menos, nos dará a
conhecer os seus traços fundamentais. O que explica a diversidade dos rostos que, para
alguns, serão maternais e, para outros, doces ou diabólicos. Desta forma se nos revelam os
terrores do labirinto e também a fascinação do abismo.
4.12 Dupla verdade e dupla fantasia: verdade no que haverá de transcendente no símbolo,
fantasia no que há de projecção e receio dessa mãe que foi física.

4.13 O caminho da alma é o da transcendência dos limites com que nascemos: como tudo
quanto é fundamental.
4.14 A sua acessibilidade é também uma barreira. Os seus véus de Ísis são os da realidade
aparente, que para alguns serão muros de pedra intransponível, onde o jogo das mascaras e
dos rostos se sucede sem fim e sem finalidade aparente, o que desnorteia aquele que não
sabe ver dentro de si próprio e deter o carrossel do acaso.

5
5.1 A Grande Mãe é a alma de todas as coisas. Ela anima a Natureza e cada um dos seres
que a integram, servindo de canal às forças celestes sobre a terra, ou servindo de ligação
entre o Pai e cada um dos Seus filhos.

5.2 Casada com a terra, procriou todos os seus frutos: animados e inanimados, carnais ou
subtis, deuses ou demónios.
5.3 Casada com o Pai deu origem aos Seus filhos: deu origem ao Plano Divino para o
mundo.
5.4 Casada com a terra, transformou-se no mundo. Não apenas no solo que tudo alimenta,
mas sobretudo na força que o anima e cria.
5.5 Casada com o Pai, transformou-se na Sua sombra, no Seu duplo, corporizado
cósmicamente pela Lua, Sua face visível.

5.6 Para os seres vivos, é o laço que os une aos poderes celestes. Laço que todos os seres
podem tornar mais forte, solidarizando-se uns com os outros; ou enfraquecer, ligando-se
àqueles que tendem ao aniquilamento e à dissolução.

5.7 É também a ponte que urge percorrer, se queremos retornar à fonte de onde tudo
brotou, fazendo o caminho inverso ao da manifestação, e usando, mais uma vez, esse laço
invisível que tudo une: o amor, a Senhora, assumindo-nos, como parte Sua, integral e
consciente, e tomando-A como esposa e mãe. Melhor ainda: como destino a talhar dia a dia,
barro que o sangue, a saliva e o esperma penetrarão de vida, pois que todo o processo é de
ordem alquímica, e é preciso realizar essa cópia de vida a que os antigos chamaram
homúnculo, transferindo para ele a consciência, e dando-lhe a liberdade de ser diferente.
5.8 Já que, por não ter nascido da mulher, à carne não estará submetido, nem os poderes
dos deuses sobre ele pesarão.
5.9 Recriação da obra divina, feita à sua revelia, e tomando pelos atalhos que toda a obra
contém, mas querendo o mesmo, ou seja, a imortalidade tripla:
5.10 Da matéria que é a base do mundo, da alma que é o sangue ou a Senhora, e do espírito
que é aquilo que há de eterno em tudo.

5.11 E só a Senhora permite tal, por transcender o mundo e ser uma só com ele,
alimentando-o com o Seu leite alvo, que é esse telurismo que, em contacto com a terra, se
faz vermelho como o sangue. Ou invocando sobre o mundo a esfera do Pai, e fazendo cair
sobre ele para a fusão das energias - esse outro leite que nasce da mente do Eterno e que,
atingindo o plano físico, se transforma em tudo que é verde.

5.12 Duas energias que Ela une e transforma, dando origem aos seres que são metade
físicos e metade anímicos. Barro onde Ela soprou vida, para que o céu possa ser tomado por
aqueles que são a síntese, o ponto de convergência do espaço e do tempo, realizando o
propósito divino, pois que o céu é, acima de tudo, ponto de retorno e cadinho alquímico,
onde os melhores irão, para renovar as forças fundamentais e dar ao Pai a possibilidade de
escalar mais um degrau na escala do infinito.

5.13 Eis a génese do mal, ou da inversão do propósito primeiro, feito através da mulher ou,
o mesmo é dizer, dessa lua negra que a esconde e oculta. Propósito que os deuses querem e
abençoam, ou não existiria.
5.14 Fraco é o nosso entendimento sobre isto, pois que as eras se alternam entre si e aquilo
que era branco, é agora negro e o inverso é também verdade. O que obriga a desacreditar
dos textos e apela, unicamente, ao contacto directo e sem fronteiras com a alma divina.

5.15 Já que a luz, de tão forte na sua origem, pode cegar aqueles que a fitam e, cegos para
ela, podem imaginar que a sua escuridão lhes é transmissível; ou quererem vê-la sempre da
mesma maneira, ignorando que, de mundo para mundo e de era para era, muda a sua cor e
a sua finalidade se altera.

5.16 Nada é definitivo a não ser Deus. Só Esse ignora a transformação das coisas e,
mudando com elas, permanece sereno e imutável. O Seu centro, feito de tempo congelado e
matéria que não foi plasmada, não conhece o ritmo da mudança nem a paixão da
realização. Permanece e basta-lhe.

5.17 Mas saídos desse ponto onde tudo é o que é, mudam-se as forças e cai-se no
escorregadio das ilusões e das realidades sem fim. Penetra-se no véu de Ísis e toma-se por
eterno o que já não o é.

5.18 Descidos à matéria, submetidos às suas leis de metamorfose contínua, importa abrir as
portas da percepção, e não tomar por definitivo o que não lhe foi dado sê-lo.
5.19 A menos que a Senhora, desvelando-se e abrindo-nos o seio, nos faça participes do
banquete com que Deus honra os escolhidos. Mas aí só se chega no fim de tudo.

6
6.1 O Livro da Vida é o livro da geração dos seres. Nele estão os mistérios da criação e as
vozes daqueles que partiram sem deixar rasto. Nele está a vida para quem o quiser ver.

6.2 Submete-te, e renascerás. Tal como a espuma do mar nasce das ondas e a água brota
das fontes, assim tu nascerás de ti e farás milagres, pois o milagre é dom da vida e vem com
aquele que vive. Vive no Pai, e serás tu próprio um milagre vivo.

6.3 A voz do Senhor ecoa no silêncio da alma: é preciso escutar. Mas só escuta bem aquele
que aprendeu a quietude e a receptividade. Esse já nada oculta a si próprio e aos outros,
esse já nada espera. Tal ausência torna-o receptivo. O seu milagre está nisto.

7
7.1 Quando a Palavra soar, quem a dirá? Quem estará atento à passagem do Senhor? Só os
justos. A Palavra soará sobre a terra como um trovão, como um raio de luz, como um sol
que repentinamente se descobre entre as nuvens.
7.2 A Palavra cegará todo aquele que a fitar de frente. Tal como o rosto do Senhor, de tão
intenso, ofusca o coração que não está preparado para o receber.

7.3 A sabedoria do homem deve ser a da Palavra do Senhor, pois fora dela só há iniquidade
e arrebatamento no vazio. Fora dela só há lugar para o caos da descrença e do discurso vão.
7.4 Eis porque a Palavra purifica e emudece aquele que ainda quer fazer concessões ao
mundo, e tolerar.
7.5 Que só haja lugar para uma coisa naquele que serve o Senhor: obediência e fusão, para
que aqueles que o olham vejam nele a carne trespassada de luz, a face da eternidade viva.

7.6 Ai daquele que só escuta as trevas. Ai daquele que só escuta a Babilónia dos sentidos.
Esse já morreu. E a menos que o Senhor desça sobre ele e o faça atravessar o limbo, a sua
morte não terá nascimento.
7.7 Desconfiai das trevas e das suas promessas fáceis. Desconfiai dos vossos sentidos,
porque eles estão comprometidos com as trevas e querem a vossa aniquilação.
7.8 Desconfiai de todos aqueles que vos fizerem promessas em meu nome: são as trevas
que falam nas suas bocas.

7.9 O meu caminho está coberto de espinhos, e poucos são os que me seguem. Eu nada
prometo. Mas quando a minha mão cai sobre vós, arranca-vos às trevas e vós viveis. Esse é o
meu pacto convosco.
7.10 Tirar-vos das trevas é a minha meta. Assim fôsseis dignos. Mas vós preferis a facilidade
da morte, a facilidade do aniquilamento inútil. E a morte vem para vos satisfazer. Enquanto
a morte tiver maior peso sobre os vossos destinos eu não terei lugar aí.
7.11 Tereis de escolher entre as trevas e a luz, entre o dom da vida e o dom da morte. E
tereis de vir até mim por vossa vontade, conquistando cada pedaço de caminho. Só assim
tereis lugar na minha tenda, e juntos poderemos celebrar.

7.12 Estais enganados na vossa fé. Aquilo que amais nada vale. Aqueles que idolatrais, nem
para barro os queria, quanto mais para altar onde celebrar os meus desígnios.
7.13 Tereis de despertar. Mas como acordareis se não houver sofrimento? Far-vos-ei sofrer,
para que possais acordar e saber. Então podereis ver por vós o que se esconde nas entranhas
do mundo e amar o que sou (e vós o sois também), ou o que as sombras querem; mas antes
tereis de poder ver.
7.14 Eis o que me traz até vós de novo: fazer-vos ver. E de tudo lançarei mão na tarefa que
me propus: até do engano que amais tão facilmente, até da promessa vã e inútil. De tudo
lançarei mão para vos seduzir, pois o momento está perto e a hesitação mata aquele que
está perto de mim.

7.15 Amais a carne: mas que interessa a carne? Amais o mundo: mas que importa o mundo?
A carne e o mundo são o meu manto: só eu importo.
7.16 É porque só olhais para as trevas, que vedes a carne e o mundo, e os amais. Olhásseis
para mim e veríeis essa carne e esse mundo como um véu diáfano. Não um limite, mas uma
meta, transposta a qual tudo vos seria possível.
7.17 Eis a sabedoria: ver-me em tudo. Porém só o justo me tem no seu coração como a
medida exacta de cada coisa. Tereis de vos transformar em justos, ou não sereis salvos. E
que não haja engano nessa justiça, pois eu só amo o puro.
7.18 Tende cuidado: purificai-vos antes de me receber, pois eu sou um fogo que ilumina,
mas também uma chama que destrói. Ai de vós se não fordes justos! O meu fogo não se
engana.

7.19 Se me quereis, transformai-vos em taças. Taças nuas onde mergulharei para vos
preencher. Taças que os meus sacerdotes erguerão no mistério da comunhão universal entre
todos os seres vivos.
7.20 Eles vos usarão como canais entre o meu centro imóvel e a vossa periferia. Eles vos
darão a servir, a todos que têm fome e sede de justiça, da minha justiça. Essa será a vossa
purificação e nela estará o meu contentamento. Pois para que serve uma taça, senão para
conter o meu espírito? E para que serve o meu espírito, senão para ligar todos os que me
amam numa fraternidade imensa?
7.21 Eis o meu mistério. Eis o vosso mistério. Transformai-vos em taças e eu vos farei canais
de mim.

7.22 Temeis a morte? Renunciai a ela e eu vos farei viver em mim. Mas melhor seria que a
não temêsseis, e que viésseis até mim por amor ao que sou. Melhor seria que pudésseis ver
nas minhas mãos essa balança universal que dá a vida e a morte de igual maneira, pois só eu
importo.
7.23 Ensinaram-vos a separar e distinguir. Ensinaram-vos a ter medo e o medo transformou-
se para vós na semente de tudo quanto sois.
7.24 Medo e trevas, eis o que vejo. E escondida e velada, a minha luz. É por ela que
respondo ao vosso apelo. É em seu nome que lanço a minha mão sobre o mundo, como um
sinal que podeis seguir até mim.
7.25 Mas a minha luz está oculta, e em cada dia mais oculta há-de estar, até que só reste
trevas e medo em vós e, levados ao último medo, tenhais de escolher.
7.26 É isso que eu quero para vós. Eis porque o mundo sofre e agoniza e os homens
escolheram o caminho da guerra e da tribulação. Tudo isso deixei que acontecesse para que
alguns possam chegar a mim.

7.27 Rasgarei as vossas cortinas de medo e ilusão, para que possais ver-me, e a Mãe vos
receberá no Seu seio, terna e doce uma vez mais. Ide até ela, caminhai. Em tudo eu estou.

8
8.1 No ovo está o gérmen, no gérmen está a vida. A vida é a lição dos homens, a lição que
eles devem aprender e cumprir.
8.2 A vida é um livro em branco, onde cada homem deve lançar as suas derrotas e vitórias.
E quando o livro estiver escrito e o homem realizado, o Senhor há-de colher ambos ao
mundo, e acolhê-los em Si.
8.3 Através do livro, o homem realiza o milagre da consciência, o milagre que o leva a
transcender a carne e o mundo e a superá-los.
8.4 O livro é como um mapa inscrito sobre a rota do destino dos seres: olhando-o, e
pesando o que há nele de bom e de mau, o homem sabe o que deve fazer e porquê, como se
de uma bitola se tratasse, ou dos pratos de uma balança, para que da união dos dois surja a
unidade e a realização.
8.5 O homem que escreveu o seu livro até ao fim e que agora o traz nas suas mãos para o
oferecer ao Senhor, tornou-se consciente, realizou a transmutação: tornou-se livre.

8.6 O mundo é um outro livro por escrever: livro amplo, onde cabem todas as coisas dos
homens e dos deuses. Nesse livro, o Senhor escreveu a lei fundamental, o mandamento
supremo do qual todos os outros nasceram. Essa lei é a própria vida; vida que significa
unidade; unidade que significa mão de Deus, objectivo e vontade do Senhor.
8.7 Que não tente o homem ultrapassar o seu próprio Deus, sob pena de perecer. Cuidado
com o orgulho, cuidado com a vaidade. Sob a face do Senhor tudo é pequeno e vão.

8.8 A mão do Senhor é a vontade dos homens. O Seu dedo indica-lhes o caminho para a
realização: o caminho curto e estreito que leva aos Seus pés, ao cume da Sua montanha, no
cimo da qual arde o fogo branco do espírito livre. Todos os homens são convidados para esta
ceia, para o banquete nupcial que em cada era abre e encerra o ciclo das coisas.
8.9 Nessa hora, o Senhor transforma-se no pão e no vinho consagrados, e dá-se àqueles
que forem dignos. Ou transforma-se em fogo e devora-os.
8.10 Mudados por dentro, feitos sacerdotes do Deus único, eles regressam ao mundo como
profetas, ou santos, ou mártires destinados ao sacrifício e à oferenda. Neste sacrifício se
realizam os seres.

8.11 Benditos aqueles que vêm em nome do Senhor! Benditos aqueles que falam pela Sua
boca! Benditos aqueles que se transformaram no Seu bordão, no prolongamento da Sua mão,
na continuação da Sua vontade.
8.12 Esses conhecerão os milagres e a realização das profecias. Esses hão-de orar no templo
do Senhor, no último momento da criação e, no momento seguinte, serão pedra do Senhor:
a pedra base e cúpula do templo da criação; ou colunas de sustentação do firmamento.
8.13 Em cada um o Senhor há-de inscrever uma letra, ou um signo, ou um número: e na
leitura de tudo isso, para aqueles que o lerem, estará o código que permite a renovação do
mundo e da realidade, a palavra perdida da criação, o nome escondido do Senhor.

8.14 Só há um servo perante a face desvelada do Pai: todos os restantes são cópias Suas,
prolongamentos no tempo e no espaço (ilusão dos seres), desde sempre destinados à
absorção das suas pequenas chamas numa grande fogueira que arde de uma ponta do
universo à outra, e engloba todos os tempos.
8.15 Aí todos entrarão para tornar mais belo o Senhor, pois Ele alimenta-se desse fogo vivo
que os seres, na realização das suas consciências, vão tornando mais amplo e mais forte, em
cada momento que passa.
8.16 Tal é o destino para todos e cada um, tal é a lei que trazemos inscrita na face e no
coração. Lei que é o dom de Deus para as Suas criaturas, já que, enquanto caminhando para
o fogo, dele se alimentam também. Mas se dele se afastassem, mesmo que por um instante,
perderiam a vida e o dom da existência. É a vontade do Senhor, nelas viva, que as alimenta
e faz caminhar rumo à comunhão.

8.17 O Senhor plantou uma árvore no início do mundo: árvore que assinala o centro exacto
de onde tudo emanou. Na árvore, duas energias se misturam: as celestes e as terrestres. As
suas raízes e os seus ramos são grandes e fortes. Raízes que vão até ao centro do mundo e
penetram no fogo vermelho do seu núcleo; ramos que ascendem até à cúpula do mundo,
onde o fogo verde do Senhor nasce e dimana.
8.18 Perante a face do Senhor foi lançada uma semente de eternidade. Tal semente deu
origem ao mundo e aos seres que o habitam.
8.19 Em cada ser o Senhor tem a Sua mão e a Sua vontade: mão e vontade que os hão-de
realizar. Tudo se resume nisso.

9
9.1 Eis a génese dos mundos: do ovo nasceu a unidade, da unidade a duplicidade, da
duplicidade todos os opostos. Com os opostos veio a fragmentação. Com a fragmentação
nasceu o caos. Atingido o máximo da dissolução que o caos propõe aos seres, virá a luz.

9.2 O ovo contém a luz. O ovo contém as trevas. O ovo é Deus, e Deus é luz e trevas; não
os opostos, mas a sua síntese; não a separação, mas a união de ambos.
9.3 Deus estende as Suas mãos sobre a face do homem: numa vai o perdão, na outra a
justiça. Com uma mão Ele abençoa, com a outra castiga. No fim, junta as duas mãos, como
que em oração, e o homem é reconciliado.

9.4 Tal é a verdade de Deus, e, para o homem, tal é ainda a sua verdade, que ele vive sem
consciência, mas vive ainda.
9.5 A consciência é como uma pérola que cresce sem cessar. A pérola cresce no lugar
escondido, na caverna obscura, no sanctum da alma. Cresce alimentando-se da alma. E o
ser, pouco a pouco, transforma-se nessa pérola, transforma-se nessa alma.
9.6 Um dia, repentinamente, o ser é só uma pérola gigantesca, uma alma gigantesca e um
brilho derradeiro assinala a sua transformação.

9.7 A vida começa na alma e termina na pérola. Começa na entrega e termina na


rendição. Deus, que participa de tudo isso, observa e espera. Atingido o máximo da
concentração e da entrega, Ele estende a mão e colhe a pérola acabada de nascer.

9.8 Então Ele a sorve, ou a coloca no centro da Sua testa ou a envia de novo para o
espaço, para que ela se transforme no núcleo de um sol.
9.9 Três destinos diferentes, mas uma só realidade: Deus. Sorvida, Ele a recebe em si e a
transforma em integralidade; colocada na Sua testa, alimentará a Sua visão e enriquecerá o
Seu olhar sobre os seres; arremessada ao espaço, prolongará a vontade do Senhor e fará
obra de criação.

9.10 Do ovo nasce a possibilidade dos seres serem o que são: é o primeiro nascimento. Da
pérola, nasce a integralidade dos seres: é o segundo nascimento. No primeiro nascimento,
Deus observa e espera; no segundo nascimento, Deus participa e cala.
9.11 Do ovo nasce o mundo e o mundo é matéria. E a matéria imobiliza os seres e torna
estreito o corredor que leva à luz e mais estreito ainda o corredor que da luz leva ao
Senhor.
9.12 Do ovo nasce a luz opaca, a luz que se transforma em matéria, que é matéria. Da
pérola nasce a transcendência da carne, a transcendência da limitação que a carne impõe.

9.13 Ovo ou pérola. Duas coisas distintas na aparência, mas uma só realidade, que começa
na forma e termina na origem de todas as formas: Deus.
9.14 Ele próprio, porque uno e central, idêntico também a esse arquétipo universal, onde
todos os pontos periféricos ficam a igual distância do centro. Ou seja, onde toda a criação
(representada pela periferia) participa directamente da consciência divina (representada
pelo centro imóvel).
10
10.1 As hostes do Senhor vêm sobre o mundo como uma lança que um gigante empunhasse:
um gigante dos últimos dias. Escondido na sombra das nossas ilusões, visível e invisível, está
o Senhor. Ele usa o gigante para desbravar as suas veredas e ceifar as vidas que as trevas
conquistaram há muito. Ele usa-o como um mensageiro, para que os povos saibam que a dor
chegou, e testemunhem.

10.2 No gigante está o nosso temor e a nossa esperança de redenção, pois ele é a ponte que
nos pode unir ao Senhor. Através dele, formando pactos de sangue, podemos refazer a
aliança quebrada, e erguer uma nova era para o mundo. Mas cuidado, porque no gigante
estão também os poderes da morte, e o caos é forte ali.

10.3 Que aqueles que chegarem perto da fonte da vida saibam que a morte está lá
presente, e que as suas faces se misturam. Eis porque o gigante tem dois rostos, opostos no
olhar mas unos em si. E se ele vem para anunciar a redenção dos povos, vem também para
anunciar que nenhum crime ficará impune.

10.4 Quem de nós não terá mácula, nem algo a esconder da face do Senhor? Cuidado,
porque Deus é justo! A Sua lança ergue-se como uma torre cravada de pólo a pólo, unindo os
opostos e tornando a terra una. Mas onde a Sua mão repousa, um abismo existe, como uma
fenda entre mundos distintos, o que obriga ao salto e à confiança, ou precipitará a queda,
se o espírito não for grande.

10.5 Todos são pequenos perante a face do Altíssimo. Impossível olhá-lo nos olhos sem que
as trevas se abatam sobre nós, ou descortinar nos Seus passos mais do que a força cega do
destino. E, no entanto, se pudéssemos ver, haveria aí um traçado igual ao das estrelas sobre
o céu, pois o Senhor constrói em cada momento os corpos e os espíritos daqueles que O
servem: e todos O servem.

10.6 Só aqueles que não têm rosto O podem olhar sem morrer. Só aqueles a quem Ele
tomou a alma O podem seguir sob a borda do abismo do tempo. Só os Seus profetas, só
aqueles que o Seu fogo devorou e reduziu à essência última, só esses podem suportar a Sua
dureza sem perecer; só esses podem ouvir a Sua voz, bramindo nos desertos do mundo, e
decifrar as Suas palavras e dizê-las aos que estão prontos.

10.7 A Palavra do Senhor é como um raio. Ela ordena o caos e dá início à criação: à criação
que levará à luz. A voz do Senhor é como um trovão rolando sobre a planície. O espírito do
Senhor é como um fogo sem brilho e sem calor, mas tão intenso, que cria a escuridão
naquele que O olha de frente e não sabe ver. A mão do Senhor é como um vento
tempestuoso, um vento de ciclone que arrasta, e não consente senão a rendição. O amor do
Senhor é como uma metamorfose súbita e total, onde o ser passa dos extremos ao núcleo
fundido, e se transforma em rocha sólida, para que Ele possa fundar o Seu templo. A
vontade do Senhor é como uma explosão que, partindo do centro para a periferia, nada
deixa intacto.
10.8 Tais são os milagres que o Senhor opera naqueles que se lhe entregam de corpo, alma
e espírito; milagres que os néscios julgam ser a mão do destino, ou do acaso, quando atrás
de ambos está Ele, o Inominável, Aquele que não tem nome nem rosto.
10.9 Só os devorados, só os ungidos O podem olhar de frente, olhos nos olhos, e não ter
medo. Mas para esses o mundo e a realidade do mundo são uma só coisa, e tudo isso não é
mais do que o verbo do Pai em contínua progressão.
10.10 Quem poderá determinar a rota do infinito? Deter o mundo é tarefa vã, a menos que o
Senhor o ordene. Antes entrar em sintonia com Ele e testemunhar sobre o altar do
sacrifício, para que o nosso gesto não seja fútil.
11
11.1 O espírito do Senhor vigia. Do cimo da Sua montanha, visível e invisível, Ele vigia o
mundo e aqueles que O buscam. Para esses, Ele prepara armadilhas e labirintos e paixões da
carne, para que as provas purifiquem e encaminhem (ou afastem) o candidato, pois é certo,
e foi dito, que muitos serão os chamados, mas poucos os escolhidos.

11.2 O mundo é uma peneira que estreita a sua malha consoante aquele que busca e o grau
da sua busca, para que nada passe que não tenha valor; para que nada chegue perto do
Senhor sem o Seu selo.
11.3 Estreita é a porta que conduz ao Senhor, e mil vezes mais estreita é a porta que
conduz do Senhor ao Seu mundo, para que o espírito seja consumido.

11.4 Há duas fogueiras: numa consome-se a carne e os sentidos, na outra arde o espírito e a
visão de Deus. E a menos que ambas sejam consumidas e o ser libertado, a realização última
não será possível.
11.5 Que aquele que começa o caminho para Deus saiba que até Deus é um limite a menos
que seja transcendido e integrado.
11.6 Tal é o destino daqueles que foram até ao fim: queimar todos os ídolos, desmontar
todas as armadilhas, olhar para lá de todos os horizontes, ignorar os lamentos da alma e não
ter medo. Porque o medo há-de vir, e ai daquele que o receber no seu coração.

11.7 Deus e o Seu mundo são uma só coisa e são um labirinto. O mundo é um labirinto
físico, Deus é um labirinto espiritual. No conjunto formam um puzzle de dimensões infinitas,
cuja decifração nos dará a chave do mistério fundamental, a posse da palavra perdida.
11.8 Aquele que procura terá de galgar estes labirintos, terá de ascender acima deles, se os
quiser entender, já que o caminho no solo só pode confundir e iludir, pois o fio de Ariadna
(ou da alma) tem dimensões finitas, enquanto que o labirinto tem dimensões infinitas.

11.9 Deus é um labirinto cuja decifração é impossível. A razão humana detem-se antes de
conseguir olhar para tão longe. O pensamento hesita sobre a borda deste abismo que o pode
devorar. A solução tem de ser outra. Aquele que busca o caminho para a totalidade tem de
voar tão alto, que a sua visão se torne indistinta e una, ou não poderá ver o essencial.

11.10 O caminho para Deus é o caminho da transcendência, é o caminho da loucura sagrada,


é o caminho da rotura: não há outro.
11.11 Aquele que quer saber o segredo tem de estar disposto a sacrificar tudo, inclusive a
sua ideia de Deus, inclusive a sua tentativa de O encontrar.
11.12 Só no despojamento total, na total entrega, na total rendição, Deus se torna coisa
nossa, parte nossa, tão nossa que não é distinta.
11.13 O homem racional separa e distingue: é por isso que está dividido; o homem sensorial
distingue também: porque as sensações são diferentes; o homem transcendente não separa
nem distingue: porque a sua visão do mundo é igual à sua visão de todas as coisas em estado
puro, e essa visão una tem o nome de Deus. Ele é a bitola com que pesa tudo, a medida
exacta para todas as coisas, o valor extrínseco e intrínseco que valoriza os seres e o mundo.

11.14 Algures, entre os níveis da realidade, misturando-se em todos eles, a visão do Senhor é
a de um braço que segura uma balança. O homem transcendente é o fiel dessa balança
cósmica, é ele que mantém os pratos em equilíbrio.
11.15 O Senhor suspende a balança sobre os Seus mundos, como uma promessa de redenção.
Aquele que O buscou sem descanso, que se esgotou na busca, fita o alto e vê a balança. E
porque ganhou asas na sua busca, eis que se eleva e toma da mão do Senhor o encargo de
pesar as coisas fundamentais.
12
12.1 A verdade do Senhor está na Sua Palavra: esta Palavra é santa, esta Palavra é o Verbo.
Através dos Seus profetas o Senhor dá-a a conhecer àqueles que a esperam, àqueles que
estão em sintonia com Ele. Ele dá-a a conhecer para que os homens se ponham em marcha e
realizem o Seu plano para o mundo.

12.2 Que aqueles que esperam meditem na Palavra do Senhor: esta palavra é Unidade.
Através do profeta João esta palavra veio ao mundo, para que o mundo a ouvisse e pudesse
escolher.

12.3 Dois caminhos se abrem àquele que quer saber: o caminho da salvação (que é o
caminho do Senhor) e o caminho da negação (que é o caminho da carne e da sombra da
carne). Por isso o Senhor lançou o Seu fogo entre os homens, e esse fogo deteve-se sobre um
deles, e esse foi o escolhido para escrever o Livro da Vida, a Palavra do Senhor.

12.4 A Palavra do Senhor significa unidade. Esta unidade nasce do Verbo, nasce da
transcendência do mundo e da carne. Que aquele que percorre os caminhos da montanha
medite e entenda.

13
13.1 Eis o livro há muito esperado. Eis a Palavra do Senhor pela boca do Seu profeta João, o
ungido, o devorado: aquele que pode olhar o sol de frente sem cegar, e de cuja carne o
Senhor fez o Seu cajado, a que se ampara para percorrer a terra.
13.2 Este é o livro que vem encerrar os quatro que já foram escritos, este é o quinto livro -
o do Homem. Assim, aquilo que foi começado terá um fim, e desse fim um outro começo.
13.3 Eis o livro do Homem, eis o livro da Criança.

13.4 Que os escolhidos meditem na Palavra do Senhor e se ponham em marcha para cumprir
os Seus desígnios. Que o Homem acorde e tome posse da terra e a entregue ao Senhor, pois
Dele tudo nasce e a Ele tudo retorna, cumprido que seja o seu fado.

13.5 Esta é a Palavra do Senhor para o Homem. Ela nasce da boca do Senhor e transforma-
se num hino de ascese e esperança. Que a escutem aqueles que a podem ouvir. Que a
escutem aqueles que podem falar Dela a gentes estranhas, pois a Palavra do Senhor salva e
redime e é perdão e arrependimento, ou justiça para os justos. Que a escutem os puros.

13.6 Eis que o Senhor se manifesta de novo e é João que O dá a conhecer. João, o ignorado,
o esquecido, o discípulo oculto, aquele que ficou até que o Senhor regressasse ao Seu
mundo, nos últimos dias. O momento chegou.
13.7 Que os discípulos se ergam e semeiem a terra com o meu espírito, o espírito da
reconciliação. Eis a nova era. Eis a nova aliança.

14
14.1 Este é o Livro do Senhor. Para que a Sua Palavra seja ouvida entre os povos da terra, e
estes possam escolher entre o dom da morte e o dom da vida.
14.2 Pelos povos o Senhor veio de novo à manifestação através do Seu Filho Ungido: o
Cristo. Ele o trouxe à manifestação para que aqueles que esperam não esperem em vão;
para que aqueles que seguem a Sua Lei não a sigam em vão, antes tenham no Seu Filho uma
medida e uma meta.

14.3 Tudo vem do Senhor. Tudo chega ao mundo pela Sua mão. A lei dos homens é o reflexo
da Sua Lei. O amor dos homens é o reflexo do Seu amor por eles. Nada existe para o homem
que não tenha a sua origem e o seu fim no Senhor, pois Nele vivemos, temos a nossa
existência e o nosso ser.
14.4 O Senhor é a base e o firmamento da terra: as Suas mãos são o tecto do mundo; na Sua
boca se geram os ventos que a varrem; no Seu hálito está o fogo que a devora e vivifica; no
Seu ventre arde a chama que é o espírito; do Seu coração se derramam as águas que dão a
vida e o sentido da caminhada.
14.5 Eis o que é o Senhor para as Suas criaturas: meta e limite, meta e amor.

14.6 Sobre a face do Senhor uma nuvem passa: são os pecados dos homens, é a sua tirania.
O dom da vida foi transformado por eles no dom da morte, no dom de perecer e a terra
cobre-se de cadáveres. A árvore do mundo, contaminada nas suas raízes pela maldade dos
homens, cobre-se de frutos amargos.
14.7 Ai daquele que semeia a destruição, ai daquele que envenena o coração dos seus
irmãos e que os põe uns contra os outros. Sobre esse a minha espada cairá e o meu fogo será
como um raio, para que só restem cinzas.
14.8 Ai daquele que trabalha contra mim e a favor das trevas: a esse recusarei a luz, para
esse fecharei o cofre do meu coração e ficará perdido.

14.9 Escutai, vós que andais perdidos: o milagre do amor é o milagre da transcendência, é o
milagre da entrega. Como podeis alcançar-me, se não vos derdes uns aos outros? Se me
quereis para vós, tendes de me encontrar naqueles que estão a vosso lado, pois eu sou um
só com eles e nada existe que nos separe.
14.10 Pode o vento dispersar o trigo sobre o campo, que, caído sobre a terra, de novo
teremos um campo de trigo. Assim é com o homem. Que não se turve pois o vosso
entendimento sobre aquilo que eu quero para vós e para mim.
14.11 E quando o meu vento soprar sobre a vossa carne, e a dispersar sobre a face do
mundo, deixai-o soprar e ide com ele: é assim que eu quero. Mas quando ele vos depositar
aqui ou ali, ficai e trabalhai nesse lugar, para riqueza maior do que sou, já que essa é a
minha vontade para vós. Não cuideis demasiado de vós, que o meu vento sabe o que fazer e
eu estou nele.

14.12 Se me amais, amareis também o meu vento e o meu fogo, quando ele semear a vossa
aniquilação; e a minha espada, quando ela vos transformar em sangue derramado na terra,
para que a terra dê novos frutos.
14.13 Pensais acaso que o meu amor é vão? Cuidado com as promessas vãs daqueles que vos
enganam. Só eu sou a vossa Lei, só eu sou o vosso Senhor. Perante a minha face vireis um a
um e eu vos julgarei, pois o meu amor é uma balança onde sereis pesados, e ai daqueles que
nada tiverem consigo. A esses eu esquecerei, pois nada construíram.

14.14 Sede rectos, sede justos. Que a vossa rectidão seja o gume da minha espada; que a
vossa justiça seja o fiel da minha balança, pois a rectidão e a justiça que não nascerem de
mim, nada valem. Chamo rectidão e justiça ao dom do amor, não à cobiça ou à tirania.
14.15 Já vos disse: cuidado, para que não sejais confundidos pelos falsos profetas, por
aqueles que tudo vos prometem e que nada vos dão. Cuidado, para que não fiqueis contra
mim.

14.16 O grão de trigo que cai fora do terreno fértil será dado às pedras e será pisado. Que o
vosso destino seja guiado pela minha mão e pelo meu amor, pois onde eu não estou impera
a cobiça e a tirania, e onde não existe o meu amor, só existem pedras.

14.17 Só o meu amor vos pode guiar. O meu amor é esse que vos enviei para vos guiar e
consolar, pois não descansarei enquanto não vos unirdes de novo em mim, para celebrarmos
juntos uma boda e darmos graças.

15
15.1 A Palavra do Senhor é um dom concedido àqueles que estão prontos para a escutar:
essa Palavra está no Livro da Vida. Ele a contém e a explica. Ele é um caminho para o
Senhor: o caminho dos filhos da aurora, o caminho dos filhos do anoitecer.
15.2 Para aqueles que a esperam e para aqueles que já não esperam, eis o caminho. Quem
puder entender que entenda.

15.3 Estais cansados da longa espera: por isso vim até vós com a Palavra. Quando estiverdes
cansados da Palavra, podereis então vir até mim, livres como os pássaros que percorrem o
céu. Mas tende cuidado, porque eu sou a Palavra e o som que a profere.
15.4 Cansai-vos da Palavra, cansai-vos de todas as palavras, mas tende cuidado para não
negardes o essencial da Palavra, sob pena de me negardes a mim.

15.5 Eu estou na Palavra. Vós sois a minha Palavra. Se a negardes, é a vós e a mim que
negais. E aquele que me nega e se nega a si próprio, como o poderei eu receber?
15.6 Percorrei o caminho da Palavra: é o vosso caminho que percorreis. E levai-a até ao
fim, para que vos esgoteis. Mas não negueis a Palavra, para que não haja negação em mim.

15.7 No meu livro está a minha Palavra para vós. Em vós está a minha Palavra secreta. Vós
sois o meu livro. Vós sois a minha Palavra. Guardai-a da profanação, como um tesouro da
cobiça alheia. Assim a deveis vigiar, para que não caia em mãos alheias e seja misturada e
confundida.

16
16.1 No coração do mundo brilha um tesouro: esse tesouro é uma pérola de sangue e fogo,
esse tesouro é uma chama. Aquele que for até esse local e que toque nesse tesouro, esse
não morrerá mais. Tal como aquele que, indo até aos pés da Senhora, perante Ela se curve e
lhe renda homenagem, esse também viverá.
16.2 A Senhora é o mundo e o mundo é a pérola. Só aqueles que forem devorados, em vida,
pelo fogo que arde no centro do mundo, só esses poderão continuar o trabalho iniciado no
começo de tudo.
16.3 Sobre esses o Senhor colocará a Sua mão aberta e dela correrão os óleos que os hão-de
consagrar ao Seu ministério. E esses serão chamados de patriarcas por aqueles que virão
depois, perto dos últimos dias: esses que terão o sinal do Senhor sobre a testa e o sinal da
Mãe sobre o coração. Esses não morrerão, nem a sua carne será corrompida. Esses serão os
santos dos últimos dias. Assim está escrito, assim será.

16.4 Olhai e vede: abro o meu coração para vós. Nele arde o fogo que vos há-de devorar,
nele arde a chama que os deuses deixaram para iluminar o mundo, quando tudo era ainda
trevas e dor.
16.5 Eu sou o Fogo Vivo. Eu sou o Espírito que vos há-de consumir. Pois a menos que
renasçais pelo Espírito como podereis ir perante o Pai e ser consagrados?
16.6 Eu vos devoro na carne, eu vos devoro na alma. Ele, o Senhor vosso Deus, vos devorará
no Espírito e então renascereis.

16.7 Eu e o Pai: as duas metades do Segredo. Os dois elos da corrente de ouro, onde deuses
e homens entram em sintonia para prolongar o meu gesto e levar a minha mensagem até
àqueles que me escutam.

16.8 Uma corrente de ouro, eis o que somos. E cada um de vós, vindo até mim e
comungando comigo, tornar-se-á em elos dela. E quando a hora chegar e os ciclos se
cumprirem, eu e o Pai lançaremos a nossa corrente sobre a face do abismo, e todos aqueles
que a ela estejam ligados, se salvarão. Corrente e ponte, para que ninguém se perca, e
aquele que começou a caminhar possa levar os seus passos até ao nosso altar e aí comungar
em sangue e espírito.

16.9 Vós, os que caminhais, sois a minha oferta ao Pai. Eu vos ergo como ergo o cálice
perante a face do Altíssimo, para que sejais consagrados e redimidos. E Ele vos toca e
transforma em luz, que eu colho e deposito na minha fonte, para que quando os vossos
irmãos chegarem até mim, todos juntos possais prolongar a vontade do vosso Pai e o meu
amor.

16.10 Vós sois a minha semente. Eu a lançarei entre os homens para que dê fruto, e esse
fruto se converta em seara e nela muitos se alimentem. Vós sois o pão da terra: quem
comer de vós não terá fome.

16.11 As minhas mãos se abriram sobre vós e tocaram as vossas faces como uma carícia. Eis o
amor da Mãe derramado sobre os Seus filhos. Ele vos protege e encaminha. Ele vos guarda
das armadilhas do mundo e vos indica o caminho recto a seguir. Ele vos edifica por dentro,
para que os vossos actos não desmintam as vossas palavras, nem haja contradição no que
sois. O meu amor é como uma luz pousada sobre uma montanha: ele vos guia em direcção
ao Pai.
16.12 Que o vosso coração seja o espelho da vossa alma, pois nele eu estarei sempre
presente.

16.13 Escutai-me, ó vós que estais perdidos, e eu vos salvarei. Escutai-me no silêncio da
manhã ou na quietude do anoitecer. Escutai-me quando as portas da minha caverna se
abrem entre os mundos, e homens ou deuses podem passar em liberdade. Escutai-me ainda
na sombra dos vossos sonhos.
16.14 Pois eu estarei neles, velada para aqueles que ainda não me olharam face a face, ou
descoberta para aqueles que já vieram até mim em carne e espírito, e comigo celebraram o
seu casamento - e eu os devorei.
16.15 Em tudo isto eu estarei presente, esperando por vós, para que não venhais em vão.
Pois não há dor maior do que a daqueles que andaram enganados e, em lugar de pão para a
boca, têm pedras.

17
17.1 O Senhor é fogo, um fogo que queima e subtiliza. Aqueles que se aproximam do Senhor
transformam-se em carvões ardentes, em varas de fogo vivo. Assim Ele os faz passar do
estado humano ao divino, Ele os transforma e os faz vivos.
17.2 Este é o mistério do Senhor, a Sua Palavra e o Seu verbo. Quem puder entender que
entenda.

17.3 O Senhor passeia-se pelo mundo como uma coluna de fogo ardente. Por vezes, detem-
se sobre uma montanha e fica a pairar durante algum tempo. Então os homens olham-na
com respeito e reverência e fazem dela local de culto.
17.4 Isto tem acontecido desde o início das eras e é por isso que as montanhas são locais
sagrados.

17.5 Aquele que quer olhar o Senhor face a face tem de subir à Sua montanha e esperar que
o fogo o devore, antes de se tornar digno. Só então verá, com olhos que já não são carne, o
Templo do Senhor brilhante e ígneo; e no seu centro, sobre o altar dos sacrifícios, a sua
própria imagem. Pois a menos que o Senhor o sacrifique, as portas do Templo não lhe serão
abertas.

17.6 Os anjos guardam as quatro portas do Templo. Sobre os quatro pontos cardeais elas
estão postas. Das portas partem quatro caminhos de luz em direcção ao horizonte do
mundo. Por estes caminhos afluem ao Templo e dele partem todos aqueles que servem o
Senhor.
17.7 Este não está visível, excepto para aquele que vê para lá da forma, para aquele que vê
para lá da luz, pois o Senhor é um só com o Seu Templo e todos os objectos são parte Sua.
17.8 Que aquele que O quer olhar nos olhos faça primeiro a abstracção de tudo quanto vê,
pois a menos que o Templo se transforme em poeira, o Senhor não será acessível. Que
aquele que O quer olhar, olhe para lá do próprio Templo.

17.9 O Senhor tem duas espécies de servos na sua casa: os devorados e os ungidos.
17.10 Os devorados são aqueles que foram até Ele para serem absorvidos no Seu seio e que
agora são o Seu bastão e o Seu amparo sobre os caminhos pedregosos do mundo. O Senhor os
porta na Sua mão direita, e quando invoca as forças da criação, do limbo do tempo, é a eles
que ergue sobre os elementos primordiais.
17.11 Os ungidos são aqueles que Ele consagrou para O anunciarem, são os Seus profetas e
aqueles que escrevem o Seu Livro. Esses proferem o Verbo Santo no meio dos homens e
abrem caminho aos novos ciclos. Esses são a Sua espada e o Seu cálice; a espada que fere o
coração do Homem e o cálice que recolhe o sangue, que é o espírito.
17.12 E em ambos o Senhor tem a Sua vontade e ambos O servem, de acordo com os Seus
desígnios.
17.13 Estes são os servos do Senhor e neles está o Seu sinal: uma mão aberta, no centro da
qual o olho do Senhor fita. Quem puder ver que veja.

17.14 No Templo do Senhor os Seus servos habitam: os ungidos e os devorados.


17.15 Os ungidos são os Seus sacerdotes, são aqueles que trabalham sobre o altar, e que
fazem os sacrifícios.
17.16 Eles mantêm o fogo aceso no centro do Templo, que é o centro do altar e que é o
centro do mundo. Eles mantêm o mundo vivo e cada centelha, dentro de cada homem, viva
também. Eles são os guardiães da vida e velam para que a chama não se apague.
17.17 De tempos a tempos, o Senhor emana de Si uma centelha sobre a face do Seu mundo:
e um Cristo nasce.
17.18 Antes do Cristo nascer, o Senhor ordena a um dos Seus servos que prepare e anuncie a
Sua chegada.
17.19 E o Seu servo veste-se de carne e nasce entre os homens e vai para o deserto (que é o
centro do mundo) e profetiza e a semente da nova era é lançada à terra. Este é o ministério
dos ungidos.
17.20 Os devorados são as colunas do Templo do Senhor: são aqueles que suportam a
abóbada celeste.
17.21 Eles fazem a ligação entre o mundo de baixo e o de cima, entre as potências da terra e
as dos céus. Eles são a balança do Senhor, a balança com que Ele pesa as almas e pesa os
mundos.
17.22 Eles são também o fogo do Senhor, o fogo que irradia sobre os mundos e que os faz
girar nas suas órbitas, o fogo que os mantêm vivos e coesos. E são ainda o próprio Templo, a
realidade una que é o Templo; a realidade una que é o mundo e que é o Senhor.

17.23 Os devorados são as mãos e os olhos do Senhor. São também a Sua Palavra. E o Senhor
lança o Seu cântico sagrado sobre a face dos mundos e os mundos transformam-se. A cortina
da realidade fecha-se e abre-se de novo, os mundos precipitam-se no limbo e adormecem.
De novo a Palavra do Senhor soa e eles despertam dos seus sonhos e rompem a cortina da
ilusão. Tudo isto o Senhor faz por amor aos Seus filhos.

17.24 Os ungidos e os devorados: a dupla face do Senhor. A Sua dupla ilusão também.
Invisível e secreto, fora de tempo e espaço, o Seu terceiro rosto vela oculto.
17.25 Uma escada sem fim, eis a parábola do Senhor para os Seus filhos. E aqueles que O
amam têm de a subir degrau a degrau, não lhe vendo o começo nem lhe adivinhando o fim.
Tem de subir em silêncio e solidão, para que um dia, repentinamente, o Templo se faça
presente perante eles e as suas quatro portas e os seus anjos. E por uma delas, consoante a
sua raça e o seu ciclo, ele penetre finalmente no Santo Graal, no onfalos do mundo do
Senhor.

17.26 Então, levado ao altar, a um gesto do Pai ele será ungido ou devorado. E mais um
sacerdote ou uma coluna nascerá para servir o Altíssimo. Eis o ofício sagrado, eis o Mistério.

18
18.1 A Palavra do Senhor queima os lábios daquele que a profere, os ouvidos daquele que a
escuta e os olhos daquele que a olha de frente. A Palavra do Senhor é uma coluna de fogo,
uma chama imensa e rodopiante.
18.2 Ela penetra no coração do homem e irradia para todo o seu ser. Depois, quando este
foi reduzido a cinzas, ela brota dessas cinzas e constrói um corpo novo: um corpo de luz: e o
Senhor passa a habitar ali.
18.3 Esta é a alquimia do Senhor e todos os homens a podem fazer, desde que sejam
dignos.

18.4 O sangue é um fogo adormecido: deixai-o despertar; o hálito é um fogo adormecido:


deixai-o despertar. Tudo no homem é um fogo adormecido, à espera do despertar. E o dedo
do Senhor aponta para vós, Ele vos promete que despertareis, Ele é o vosso despertar.
18.5 Implorai ao Senhor e acordareis desse sonho de serdes carne apenas, e carne morta.
Carne onde o fogo está congelado e onde o Senhor aguarda há muito.
18.6 Implorai ao Senhor a dádiva do Seu fogo vivo, do Seu fogo rodopiante e ele virá sobre
vós, como a chuva sobre os campos semeados, para que as vossas sementes dêem fruto e
haja colheita.

18.7 O fogo do Senhor é como um tesouro oculto. Para chegardes até ele tendes de
entender o seu segredo: esse segredo chama-se vida.
18.8 Na caverna mais profunda do mundo, no centro imóvel da roda que gira eternamente
parada, ele lá está, contido e contendo tudo. Se lhe tocardes, parecerá frio e inerte. Assim
o Senhor o quis. Mas se sobre ele derramardes o vosso sangue, eis que ele é um sol, uma
fornalha ardente. Eis o segredo do fogo do Senhor: esse segredo chama-se vida.
18.9 Se quereis beber do fogo, tendes de despertar, tendes de o alimentar. Derramai o
vosso sangue, enchei a Taça Sagrada, e sereis transformados.

18.10 Num templo oculto, todo feito de luz, sobre o altar está a Taça Sagrada: ela é o Graal.
Nela derramareis o vosso sangue, até que transborde. E só depois podereis beber dela, gota
a gota, para que o vosso espírito não vos enlouqueça.
18.11 Só tereis uma loucura: a do meu fogo, a do meu espírito, a da minha Palavra. Só eu vos
poderei enlouquecer, enlouquecer e transformar, antes de vos possuir. Pois vós sois o pão
da minha boca e a água que me mata a sede quando caminho solitário sobre os desertos do
mundo.
18.12 Pão e água, eis o que sois. Água e barro. E eu vos moldarei um corpo novo, cozido no
meu fogo, um corpo onde o espírito esteja presente.
18.13 A vossa carne é o meu alimento. Por isso a transformarei em fogo: no meu fogo.

19
19.1 A mão do Senhor está suspensa sobre as Suas criaturas: para abençoar ou para
condenar.
19.2 A mão do Senhor é como um sol imenso e rodopiante, que roda sobre um eixo fixo:
esse eixo é o do mundo.
19.3 No centro do mundo brilha o Seu coração: é uma taça vermelha cheia de sangue,
sangue que o Homem tem derramado ao longo das eras.
19.4 Eis o Graal místico, a bebida que dá a sabedoria aos puros e a imortalidade aos sábios.
Eis o domínio da Palavra, também. Que o justo medite e entenda!

19.5 O Senhor caminha entre as Suas criaturas, oculto e desconhecido. Ele caminha levado
pelo vento. Nos Seus olhos e coração arde um fogo branco e translúcido.
19.6 Por vezes o Senhor detem-se perante um homem e olha-o nos olhos. Nesse instante o
homem transforma-se: torna-se um sábio, um santo, ou enlouquece: porque aquele que olha
o Senhor face a face e não é inteiramente puro de alma, esse corre perigo de se perder para
os homens e para o mundo.

19.7 Os passos do Senhor são os do errante, são os daquele que vagueia sem objectivo, ou
cujo objectivo não podemos apreender. O Senhor vagueia, desde que o sol se ergue até que
se põe.
19.8 Quando o sol se ergue, o Senhor saúda-o; quando o sol se põe, o Senhor saúda-o. O
Senhor é o sol que brilha sobre a face do mundo, e se, se veste de carne, é apenas para
estar no meio dos homens.

19.9 O sol que brilha sobre o mundo: assim é a mão do Senhor, aberta. Ele a impõe sobre o
mundo e sobre tudo o que vive na face da terra; Ele alimenta o mundo e alimenta as
criaturas do mundo; Ele é o leite e mel que se derrama.
19.10 Que aquele que tem fome vá até Ele. Que aquele que tem sede vá também. O Senhor
os alimentará e lhes dará a conhecer os segredos do mundo, para que não mais tenham
fome nem sede.

19.11 Não procureis a justiça: procurai-me, a mim, eu que sou justo. Só eu vos posso
libertar, só eu vos posso condenar. Nas minhas mãos estendidas vos depositarei e, consoante
o vosso peso, sereis julgados. Assim, as minhas mãos se inclinarão ora para a terra ora para
o céu.
19.12 Que o vosso alimento seja o essencial ao homem, não para alimentar a carne, mas
para vos manter vivos, de olhos fitos em mim, para que quando vos colher, venhais leves e
possais ascender livremente.
19.13 Que o vosso corpo não vos engane, e em lugar de por ele me alcançardes a mim,
cuidado para que não tombeis sob o jugo da matéria.

20
20.1 Na tua geração escreverei um livro; e esse será o Livro da Revelação. Por ele falarei
aos homens, e aquele que me escutar não estará perdido.
20.2 Tu e a tua geração são como uma videira plantada no coração dos homens. Eu a farei
dar fruto, e esse fruto os levará à realização.

20.3 Eu sou o teu Senhor, aquele pela mão de quem caminhas nos caminhos do mundo,
desde que vieste à manifestação. Tu e todos os teus caminham em mim.
20.4 Em ti e nos teus eu tenho o meu bordão, e esse bordão dará flor quando o sol e a lua
se unirem. Esse será o momento da Revelação e todo aquele que estiver presente viverá em
mim.

20.5 Que no teu coração só haja uma fé: a minha. Pois eu quero para ti um coração uno e
não um coração dividido. Um coração onde reine a verdade e a justiça, e não um coração
onde as trevas vivam.
20.6 E que nas tuas mãos só haja uma ferramenta: aquela que eu lá ponho, pois não é bom
para o homem tentar chegar a mim por muitos caminhos.
20.7 Com a minha ferramenta tu trabalharás a minha seara e a cultivarás, até que ela dê
fruto. E dela cuidarás noite e dia, sem pausa nem temor, para que o seu fruto seja bom e a
colheita farta.
20.8 Assim tu farás por vontade minha, pois vieste ao mundo para realizar o que eu sou e
não o que tu és. E só na minha realização a tua existe.

20.9 Tu és o meu servo muito amado. Sobre a tua cabeça eu derramei os meus óleos, e
nesses óleos o espírito desceu sobre ti. Ele encarnou em ti e em todos os teus e, ao longo
das eras, tu e eu temos percorrido os caminhos dos homens para semear a terra e adubar a
sementeira.
20.10 E assim faremos sempre, pois eu sou um Deus que ama o homem e que tem nele o Seu
testemunho. A minha realização é a dele, e só nele e com ele eu me realizo.

20.11 Cresce em revelação para que eu cresça em ti: ó ungido, ó devorado. E escreve o meu
livro com o sangue. Só o sangue eleva a alma e a torna digna. Assim farás, assim faremos e
tudo se realizará.

20.12 A minha luz cega-te. É bom que te cegue, para que as coisas do mundo se tornem para
ti vãs e inúteis. E quando cegares completamente, a minha luz te guiará então e tu falarás
como o trovão e o raio falam ao homem na tempestade.
20.13 E então serás seguido sobre o precipício que separa os mundos, e eles te seguirão,
seguindo-me a mim. Em ti verão a minha luz, e a minha luz os cegará também, e os
consumirá por amor de mim.
20.14 Isto eu farei acontecer através de ti e de todos os teus, para que os tempos se
cumpram e aqueles que me esperam tenham um sinal de mim.

20.15 Andais nas trevas: eu vos farei andar na luz. E da confusão e do ódio entrareis no reino
do amor e da abundância. Assim é o meu espírito para aquele que me ama e é uno comigo:
amor e abundância. Uma terra fértil e viva.
20.16 Estais perdidos porque o mundo perde todo aquele que não é puro de coração, mas eu
vos guiarei através do deserto e da desolação, para que chegueis até mim. Nada deveis
temer, porque só há um Senhor e um servo, e aquele que me escolhe já foi escolhido por
mim.
20.17 Que o mundo não vos turve nem vos engane: a semente e a sementeira são minhas. Só
eu colherei esse fruto e o lançarei no espaço rumo ao infinito e ele será com um sol no meio
das estrelas.
20.18 E nele estará o meu sinal, e esse sinal será a minha mão direita e ela estará aberta e
no seu centro brilhará o meu olho fixo em vós, pois eu sou a Justiça e a minha balança não
descansa até encontrar o seu fiel e, nele, o fiel do mundo.

20.19 Cuidai da minha seara e cuidareis de mim. E a minha balança será clemente e tereis
tudo o que o homem pode ter do seu Deus: amor e justiça.
20.20 Cuidai da minha Palavra e fazei-a frutificar como uma semente. Lançai-a no meio dos
homens e vigiai para que o seu fruto seja aquele que convém, aquele que traz o amor e a
justiça, pois há muita desconfiança na mente dos homens e muita confusão no seu coração,
e até a minha Palavra poderá confundir.
20.21 Vigiai e vede, para que o fruto corresponda à sementeira e não empobreça a árvore
que o lançou à terra.
20.22 Assim fareis por amor uns aos outros e por amor a mim. E eu vos levarei de terra em
terra, para falar do Livro e lançar as bases do meu Templo. E esse Templo, uma vez
construído, não poderá ser mais tocado pela mão do homem. Antes será como um farol, nos
tempos que hão-de vir.
20.23 Semeai bem e colhereis, para que a morte não vos apanhe antes do tempo certo.
Semeai sem descanso: eu semearei convosco.

20.24 Alguns de vós ainda duvidam. O tempo da dúvida acabará em breve, porque o Livro é o
sinal para os meus filhos se erguerem e tomarem o mundo por mim. Tomarem-no e regerem-
no.
20.25 E quando eles o fizerem, serei eu que verdadeiramente o faço neles. E eu guiarei o
mundo das trevas para a luz e o receberei nos meus braços e cuidarei dele como de uma
criança recém-nascida. E a vossa Mãe o fará também. E o mundo será limpo e purificado,
para que uma nova raça venha à manifestação e herde a terra e a reconduza no seu destino.

20.26 Não temais, ó filhos da alvorada! O vosso destino é seguir-me. E que melhor destino
haverá do que esse? Serdes meus filhos: eis o que eu chamo uma benesse. Não uma
consolação para o coração dos fracos, pois não há fraqueza em mim, mas uma benesse, uma
terra fértil onde podeis crescer e dar fruto. Que mais podeis querer? E quando chegar o
Inverno e a carne enfraquecer, a minha mão que vos colha e traga à minha boca para que
vos devore e ilumine e vos devolva ao mundo uma vez mais.
20.27 Não há maior benesse do que servir-me, servindo-vos uns aos outros. Servir-me e
construir-me, pois eu sou uma criação permanente e não um acto acabado. Eu vivo e cresço
em vós, tomando a vossa carne e dando-lhe o fogo que a ilumina: o meu espírito.

20.28 Eis o que eu chamo amor: dar e receber. Assim eu vos amo e vós me amais a mim. E
juntos construiremos uma nova terra e um novo céu.
20.29 Depois de nós tudo será novo. Eis a nova Jerusalém. Eis a terra da promissão cumprida.
Eis o meu nome novamente recuperado. Que aquele que sabe medite no que aqui está
escrito, pois tudo será repetido novamente.
20.30 Os mistérios que aconteceram voltarão a dar-se aqui. Eu farei nascer um Salvador no
meio de vós, para vos conduzir nos últimos dias. E vós o conhecereis e seguireis.
20.31 Mas antes disso segui a João, o meu profeta, aquele que me anuncia. Segui-o e guardai
o meu Livro. Segui-o e guardai a sua Palavra, porque sou eu que falo nele. E se o seguirdes é
a mim que seguis, mas quando ele vos der sinal de partida, é porque o Salvador veio e foi
reconhecido.
20.32 Então fareis o que o meu Filho vos disser e entre vós e os outros serão escolhidos
aqueles que irão com ele. Preparai-vos para isso.

21
21.1 Este é o Livro que já era antes de existir. Este é o dedo do Senhor apontado ao Seu
mundo. Dedo que acusa, mas que também aponta o caminho da salvação, o caminho
estreito da ascese, o carreiro pedregoso que conduz ao cimo da montanha onde o Senhor
montou guarda, esperando pelos Seus filhos. E estes, desde que o sol se ergue até que se
põe, não cessam de ir até Ele, para lhe render homenagem e retomarem o que são.

21.2 Este é o Livro Consagrado, a mensagem que todos os profetas trouxeram ao mundo, a
Palavra Sagrada do Senhor. E alguns ouvem-na e semeiam uma semente farta e colhem
muito, e outros fingem ouvi-la e não semeiam nem colhem. E outros não a ouvem, e por não
a ouvirem são condenados.
21.3 A Palavra do Senhor é como um fogo invisível, uma luz em plena escuridão, uma mão
que se abre e transforma em fonte de água pura.
21.4 Aqueles que percorrem o deserto e definham à sede, esses bebem-na sem pausas nem
precaução. E aqueles outros que escalam a grande montanha do mundo, esses também a
bebem e matam a sede. Mas aqueles que vivem no conforto e na opulência, e que olham
para as coisas do mundo com desdém e fingimento, esses não a bebem nem matam a sede.

21.5 Pequeno é o homem que procura e não encontra e que se perde na sua busca, mas
grande será o seu merecimento se, perdendo-se, encontrar o Senhor e O reconhecer, pois
voltará a nascer e as suas cinzas serão lançadas ao rio para que se dissolvam no grande mar.
21.6 Grande é o prémio daquele que tudo perder e encontrar o Senhor. Esse há-de sentar-
se aos Seus pés, como um guardião e um servo muito amado. Esse há-de saber o segredo,
pois a mão do Senhor estará sobre ele e o abençoará.
21.7 Mas maior é aquele que parte em procura do essencial e que nunca se perdeu, e que
teve no Senhor a sua marca, e que percorreu os caminhos da terra semeando e dando
graças. Nesse o Senhor se realiza totalmente, e através dele faz chegar a Sua mensagem aos
homens. Nele tem uma espécie de filho ignorado e oculto, mas muito santo.
21.8 Tais homens são a glória do Senhor e são a Sua profecia. Neles o tesouro está
desvelado, para que aqueles que procuram um caminho para o Pai o encontrem, e aqueles
outros que procuram a luz, a possam ver também e ninguém se perca, mas todos encontrem
a câmara nupcial.

21.9 O Verbo é o segredo: quem puder entender que entenda. E no nome está o Verbo, a
Palavra Oculta. Assim o Senhor a proferiu e lhe deu vida. E esta vida é a do homem e é a
Sua marca nele e é destino que o move.
21.10 O Senhor o marcou no início do mundo: um nome lhe deu. E neste nome está tudo. Luz
para quem a vê. Símbolo para quem o vê.
21.11 Eis o Senhor e eis a criatura e entre os dois uma corrente de luz e trevas: uma
corrente de matéria viva, para que a carne saia do limbo e palpite, o mundo se povoe de
criaturas e um dia, gastas as esperanças e as ilusões e enriquecidos os seres, e o Senhor com
eles, regressem ao Pai que os emanou de si. Esta é a verdade do mundo.

22
22.1 Que aquele que caminha olhe sempre em frente, pois os seus passos não tiveram
origem nem hão-de ter fim, excepto quando encontrar o Senhor, e perante Ele toda a busca
cessará. Que aquele que caminha siga a estrela da manhã, aquela que anuncia o raiar do dia
do mundo e o nascimento do nosso dia.

23
23.1 A vida dos seres é a glória do Senhor. Como um sol no meio das estrelas, assim é o
Senhor. A Sua face brilha com um fogo oculto. Nas linhas do Seu corpo podemos encontrar
as linhas do destino dos seres, os caminhos do mundo, como se o Seu corpo fosse a imagem
invisível das coisas visíveis.
23.2 E penetrando nele e nele se fundindo, se descobre, simultaneamente, tudo quanto é
oculto e secreto, pois que o Senhor é mestre supremo da suprema iniciação e todos os
mestres não são mais do que servos Seus. O Senhor os trouxe à manifestação, o Senhor os
levará quando o momento vier.
23.3 Nada está longe de Si. Tudo é parte Sua. Que aquele que procura os mistérios do
mundo, O procure primeiro a Ele. Que aquele que quer partir para o deserto em busca da
sabedora última, penetre no deserto do Senhor, pois não há maior mistério nem deserto
mais árido. E tendo-o a Ele, que interessará possuir outras coisas?

23.4 Perante o Senhor todo o joelho se dobra e toda a alma se rende, pois Ele é o amante e
o amado, a criatura e o criador, a voz e a semente da voz, o gesto e a mão que o articula.

24
24.1 O sangue é o espírito crucificado: a matéria o crucifica, encerrando-o nas malhas
estreitas dos átomos. Se o ser se eleva, este movimento atómico cresce e, com ele, cresce a
liberdade espiritual: acontece a alquimia do ser, acontece a iniciação.
24.2 Mas se o ser se entrega à ilusão da matéria e se petrifica, a sua energia decresce e o
movimento diminui e em lugar de se libertar, cai e morre.

25
25.1 O fogo do Senhor cai sobre a alma dos escolhidos. Ele cai como a chuva sobre a terra,
para que a semente escondida dê fruto e toda a criatura viva dela se alimente.
25.2 Assim é a alma daquele que o Senhor fecundou: alimentícia, farta de bens e de
benesses, pois o Senhor a escolheu para sinal e a pôs no meio dos homens, para que aqueles
que têm fome e sede possam ser alimentados, de acordo com as profecias. Esta é a vontade
do Senhor para as Suas criaturas.
25.3 O fogo do Senhor vivifica aquele que está doente, dá a vida àquele que está morto e
acorda aquele que está adormecido. E em cada homem ele faz obra diversa, segundo a
necessidade própria, em ninguém se repetindo, tal como o Senhor que sendo um só, é
muitas coisas.

25.4 Assim o Seu fogo abre caminho por entre os homens, como se caminhasse pela floresta
e lançasse nela os alicerces de uma cidade nova: a nova Jerusalém. Pois o fogo do Senhor é
também sinal dos novos tempos e vem para dar a conhecer a Nova Idade.
25.5 Que não se turve, portanto, o nosso entendimento, quando o fogo do Senhor nos
escolher para templo e pedra de base. Pois há nisso um destino que urge cumprir e uma
recordação que interessa manter, para que o fogo vivifique, em lugar de reduzir a cinzas; e
nos conduza ao alto da montanha, em lugar de nos precipitar no abismo, pois o fogo é
imenso e só lhe podemos obedecer. Ai daquele que quer ser dique e conter. Esse será
devorado.

25.6 Só há uma medida para o homem acordado: a do seu fogo. E se tiver nele a mão do
Pai, esse fogo há-de caminhar à sua frente, como um sinal; tal como a Palavra caminha à
frente do profeta, ou o ungido caminha à frente do seu Senhor.
25.7 Em tudo isso há uma mensagem e um segredo: o dedo do Senhor apontado às criaturas,
para que elas vejam e saibam.

26
26.1 A Palavra do Senhor é como uma noz. Aquele que quiser ir até Ele terá de quebrar a
casca para alcançar o fruto. O fruto é o segredo, o fruto é o Senhor. O Senhor está oculto
por detrás do véu que é a casca e que é o mundo.

26.2 Só aquele que ousar quebrar as mil cascas do mundo poderá ir até Ele e comer do fruto
oculto. Este fruto chama-se Sabedoria. E a Sabedoria está na Palavra e a Palavra é o sinal do
Senhor. O sinal que Ele põe sobre as coisas que ama, para que aqueles que O procuram O
possam achar e para que não se percam na busca.
26.3 Tal é a promessa do Senhor aos Seus filhos: que aqueles que O procuram O achem.

26.4 O amor do Senhor é grande. Ele ama aquele que procura, aquele outro que se perdeu
na sua busca e aquele que O encontrou.
26.5 O amor do Senhor é um sinal sobre o coração do homem. Um sinal que queima, que
devora a carne, até que ela se transforme em espírito, para que o Senhor possa ter voz aí.
26.6 E quando a voz do Senhor encheu o homem, este transborda de si e dá-se aos outros.
Torna-se num rio sem margens, num rio caudaloso que busca o mar sem fim. O mar é o
Senhor e aquele que nele desagua torna-se um só na eternidade.
26.7 Eis o que o Senhor preparou para os Seus filhos: um mar sem fim, pois não há limitação
no espírito e toda a carne é espírito quando o Senhor lança o Seu fogo sobre ela. Espírito e
Luz. E Vontade do Pai também, para que nada esteja separado, pois não seria bom que a
criatura desconhecesse o Criador. E conhecendo-O e sabendo-se parte dele, que outra coisa
lhe resta do que consumar-se nele?
26.8 Consumação: eis a Palavra Oculta que o Senhor semeou nos Seus filhos. E todo o seu
impulso reside nela. E toda a sua busca é por ela existir, pois que filhos e Pai há muito são
uma só coisa, mesmo que os filhos o não saibam.

26.9 Vinde a mim e eu vos farei ver: diz o Senhor àquele que está perdido no mundo. Vinde
a mim e eu vos farei saber. Tal é a Palavra do Senhor.
26.10 E aquele que a escuta já não está perdido, antes passou das trevas para a Luz e pode
olhar a face do Senhor, se de tanto for digno. Essa face que é como um sol no meio das
estrelas, um sol de raro brilho.
26.11 Eis a recompensa para aquele que O buscou: ser absorvido no Seu amor. Morrer na
carne para nascer no espírito.
26.12 E aquele que olha o Senhor face a face, morre e nasce mil vezes, pois o olhar do
Senhor é como uma vertigem, um abismo sem fundo, onde tomba aquele que quer ser.
26.13 E se não tombar, de que lhe serve ter ido até aí? que caia e vá até ao fundo: é a
vontade do Senhor para ele, para que nasça então e possa falar.

27
27.1 A carne do homem é como um campo por lavrar. Um campo que espera pela mão que
o faça passar das trevas para a luz. Um campo que espera pelo seu Senhor.
27.2 Receptiva e inerte, tal é a carne do homem que ainda não nasceu. E assim
permanecerá enquanto o Senhor aí não lançar a Sua semente, pois só a semente dá a vida.

27.3 O Senhor é como uma semente de imortalidade. Uma semente que aduba a terra
daquele que está pronto.
27.4 A semente cai na terra e penetra-a profundamente. Então, partindo do centro do
mundo, uma luz nasce pouco a pouco: é a sabedoria do homem que ultrapassa o
entendimento. É a luz do Senhor que brilha na escuridão. E o homem colhe-a como uma flor
e recebe-a de mãos abertas. E depois planta-a no seu coração e no seu cérebro - para que o
amor e a razão se esclareçam. Munido com esta dupla verdade o homem pode ver.

28
28.1 A génese dos seres começa em Adam, repete-se em Abraão e continua em João. Ela
começa na Mãe e prolonga-se através dos Seus filhos. Estes são as colunas de um templo que
nunca teve início nem terá fim, pois não foi feito pela mão do homem, mas pela mão de
Deus.
28.2 Com estas colunas a Mãe se realizou no meio dos homens e lhes deu a conhecer o Seu
sagrado fruto: esse fruto é a realização do Seu amor, é o Seu filho, o Cristo mil vezes
renascido e mil vezes sacrificado.
28.3 Ela o deu a conhecer por intermédio das Suas colunas e dos Seus profetas e de todos
aqueles que A amam. Ela o deu a conhecer para que entre Ela e o mundo haja um caminho.
Esse caminho é o do sacrifício. Que aquele que queira ir até Ela o entenda e realize.
28.4 Todo o dom da morte que vem da Mãe é ainda uma benesse que Ela concede. E todo
aquele que Ela sacrifica sobre a terra e a quem faz derramar o sangue, esse Ela elege de
entre os outros. Assim a Mãe se aproxima dos Seus filhos e lhes revela o Seu coração. Assim
Ela os ama e glorifica.

28.5 O templo da Mãe é o mundo. O Senhor o gerou por um acto de vontade e o arremessou
de si e o colocou no espaço; e lhe deu um movimento próprio e uma lei.
28.6 No seu centro Ele colocou um carvão incandescente, que é o Seu coração. E junto a
esse carvão Ele fez um trono onde colocou a Mãe, para que Ela guiasse os destinos dos
homens e de todas as criaturas do Seu mundo.
28.7 E da Mãe fez sair todas as criaturas. Assim, Adam, o primeiro antes do princípio, foi
concebido e realizado pelo Senhor; ele que não teve origem na raça do homem, mas na
semente que o Senhor lançou no útero da terra.
28.8 E a terra procriou Adam, que procriou os muitos que há e houve. E desta geração
sagrada nasceu Abraão, que foi segundo no tempo. E Abraão cobriu a terra com a sua
semente e esta deu flor; e o Senhor lançou a Sua mão sobre ela e colheu os seus frutos.
Então o Senhor a contemplou e viu que ela era boa e a aprimorou e a devolveu ao útero da
terra com o nome de João. E da geração deste nasceu o futuro.
28.9 Com João veio o tempo do homem. E este tempo se realizou naqueles que guardaram
o segredo da Mãe e que velam por ele. A este segredo alguns chamaram o Graal.
28.10 E alguns dos seus se juntaram numa nação nos confins da terra e em cavernas
profundas, esconderam os seus testemunhos. Estes hão-de ser revelados quando a Mãe se
unir ao Filho, para procriar o Santo Espírito; esse que não tem semente de homem e que já
nasceu oculto.
28.11 A ele, quando vier, alguns renderão homenagem, e essa homenagem os há-de salvar,
pois com ele está o Senhor e na Sua sombra está Aquela de quem tudo partiu: a Mãe.
28.12 Isto há-de acontecer nos últimos dias, e depois pouco distará do fim.

28.13 João lançou a sua geração e esta tomou forma numa nação de esplendor, de esplendor
oculto; pois essa é a vontade do Senhor. Mas dia virá em que a luz se mostrará aos homens
para que eles a vejam e se deixem guiar por ela, e por aqueles que a guardam, nos últimos
dias; nos dias da revelação do Senhor.
28.14 E esses dias serão de luz e de trevas e de grande aflição. E ai daqueles que, na sua
soberba e vaidade, não virem esses sinais e não os entenderem, pois o Senhor se mostrará
neles, e essa visão só durará um hausto. E depois voltarão as trevas e tudo será engolido.
28.15 Que aquele que tem fé medite e ore, pois o tempo do Senhor será como o relâmpago e
o trovão e durará menos que um instante. Mas para aquele que for digno e que se entregue
na Sua mão, esse tempo será sem fim, e nunca mais a luz se apagará nele.

28.16 Altas são as colunas do templo do Senhor e eterno é o seu esplendor, pois que têm a
sua base no centro da terra e o seu cume no firmamento; e alimentam-se nas raízes do
mundo e a Mãe as sustém no Seu ventre farto, donde partem, quais aves diáfanas e
transparentes. Aves do Senhor. Anjos Seus. E o Senhor as suporta na Sua mão e as arremessa
sobre o Seu mundo, para que elas levem ao conhecimento do homem o Seu Santo Nome. E
elas vão de alma em alma falando Nele. Assim o mundo se realiza.

28.17 Da nação oculta nascerá o Ungido. Ele vem para anunciar a redenção. Ele vem para
falar em nome daquele que há-de vir, Esse que é primeiro antes dele. Esse que vindo no fim
já era antes.
28.18 O Senhor o enviou à frente do Seu Filho, para que a terra inteira saiba e espere na fé e
na esperança. E para que as trevas não tomem o lugar que pertence à luz. Pois está escrito:
só eu sou o vosso Senhor, só eu sou a vossa Lei. E onde eu puser a minha mão e soprar o meu
hálito, esse será um comigo e nenhum poder da terra terá forma aí.
28.19 Ai daquele que atentar contra mim e contra aqueles que eu envio em meu nome. A
esse até o meu fogo negarei, pois o meu fogo devora e dá a luz. Esse entregarei às trevas e
as trevas o devorarão e tomarão para si. E será esquecido.

28.20 Olhai, vós que procurais o rasto do Senhor. Ele lançou o Seu fogo no meio dos homens
e esse fogo tomou corpo. E é corpo de homem e tem nome.
28.21 Abri o vosso coração ao amor do Senhor e realizai a Sua Lei, para que Ele se vos revele
como coisa natural, para que Ele vos revele o Seu segredo: o segredo do Seu Filho e daquele
que veio para o anunciar; o segredo dos últimos dias. Tudo isso vos será revelado se fordes
dignos.
28.22 Fazei claro o vosso coração, pois o Senhor vê nele como por uma porta aberta, nada
lhe podendo ser oculto. Que o vosso segredo seja apenas este: o amor que tendes ao mundo
e a espera que fazeis do Senhor do mundo. E tanto vos há-de bastar.

29
29.1 E no terceiro mês e no terceiro dia o profeta foi devorado. Ido perante a Mãe, Ela se
desvelou e revelou-lhe a Sua face resplandecente, a Sua face nocturna: aquela que só é
visível quando a noite vem sobre o mundo e o discípulo passa a porta e descerra o véu.
29.2 Sobre as suas mãos estendidas, Ela derramou fogo vivo e lhe deu o dom da cura e o
dom da vida e o dom da norte, mas este Ela o reservou para si própria. E tendo-lhe dado
estes dons, Ela se transformou perante os seus olhos e o profeta viu a esfinge milenar e o
dragão: E sob esta forma Ela o interrogou.

29.3 Tendo o profeta dito a tudo a verdade, Ela lhe disse que seria devorado. Um fogo
rubro o penetrou em todas as células da carne e esta foi consumida. Veio então o Pai por
detrás, qual coluna ardente, e a Mãe pela frente, unindo-se ambos no profeta e o tomaram
à carne e o devoraram nela. E tudo isto ele o assumiu perante Eles e perante o seu Mestre,
que também é um só com Eles. E assim se fez.

29.4 Eis o profeta do Senhor, eis o Seu bordão. O Senhor é um peregrino sobre a face do
mundo. Ele percorre a terra em busca daqueles que trazem o sinal do céu sobre a cabeça e
daqueles que trazem o sinal da terra sobre o ventre.
29.5 E perante uns e outros o Senhor lhes sopra sobre os olhos e os faz ver os mistérios e
tudo o mais que está oculto ao homem. E depois de verem as coisas tais como são, o Senhor
os leva consigo, para servos da Sua casa e sacerdotes do Seu templo e mestres do Seu
ministério.
29.6 Assim o Senhor semeia o mundo com uma semente pura e imaculada, para que em
cada estação haja fruto e haja colheita. E assim o mundo permanece. Isto tudo o Senhor faz
por amor ao homem e para respeitar o desígnio que tem para ele.

29.7 O Senhor o escolheu para bordão. E com esta vara Ele penetra o céu e a terra e une
ambos. Eis a árvore do Senhor. Ela sustenta o firmamento, e o Senhor senta-se à sua sombra
e descansa.
29.8 Quando a noite chega, o Senhor colhe os seus ramos e lhes lança fogo e com eles
ilumina a escuridão. E depois da escuridão passar e da manhã nascer, o Senhor ergue-se
novamente sobre a face do mundo, como um sol imenso, e se põe a caminho para Ocidente,
para o país dos mortos.

29.9 Com Ele caminha o Seu servo, aquele que foi por Ele ungido e devorado. Aquele que é
a Sua voz e o Seu rosto. Pois o Senhor o tomou há muito e o refez para si e só lhe deixou um
corpo vazio. E tendo-o tomado, lhe soprou o Seu fogo nos olhos e na boca e em todas as
aberturas do corpo, para que nada houvesse ali que não fosse parte Sua.
29.10 E desde então o Senhor o envia à Sua frente, em cada ciclo das coisas, para que
desbrave os Seus caminhos e anuncie o Seu santo nome, e assim tem sido feito.

29.11 Este é aquele que foi chamado de João. E no seu nome está a essência do seu espírito
e o segredo da sua geração. Ele é uno com o Senhor. E vindo à manifestação, ele vem para
baptizar em nome daquele que há-de vir: o Cristo muitas vezes renascido.
29.12 O Senhor o envia à frente do Seu Filho; o envia com o mistério da água que dá a vida e
com a palavra que dá a esperança. Ele o envia como um sinal para os que esperam.
29.13 E o profeta escreve o Livro da Vida, que é o livro do Senhor e da Mãe, e baptiza em
nome daquele que vem depois dele, mas que é primeiro que ele perante o trono do Pai.
29.14 E aqueles que ouvirem o seu chamado, o chamado do Livro, esses não perecerão, antes
ficarão repletos da Palavra do Senhor e aguardarão a vinda do Seu Filho.
29.15 Tal é a missão que o Senhor deu ao Seu servo, aquele que foi devorado e ungido.

29.16 Um espírito de fogo contido em carne: eis o profeta perante o seu Senhor. Um espírito
que o Senhor moldou pelas Suas mãos e que encerrou com os sete selos da profecia, para
que desse testemunho.

29.17 E o Senhor lhe deu a forma de uma ave de olhos de ouro e o lançou, como uma lança,
por entre as estrelas e o céu, rumo ao infinito.
29.18 Este é o sinal do Senhor, que brilhará no céu nos últimos dias: uma lança de fogo
ardendo, para que todos vejam e saibam que a hora chegou: a hora do Senhor, a hora do
Seu Filho. E o Senhor empunhará a Sua lança e a atirará sobre a terra. E ela trará fogo e dor
ao homem, mas sementes de esperança também, pois nesse fogo e nessa dor há uma
transformação e uma nova aliança entre o Senhor e os Seus filhos.

29.19 Eis a vontade do Senhor para os Seus filhos: dor e esperança. E comunhão também. E
na dor se há-de encontrar a esperança da revelação e na revelação se há-de encontrar o
caminho que leva ao Senhor. E encontrado, toda a busca e toda a dor cessam e toda a
esperança se revela inútil, pois o amante e o amado são uma só coisa e aquele que procura
e aquele que encontra são um só e como unidade se realizam no Senhor: eis a aliança que o
Pai tem para os Seus filhos.
29.20 Por isso Ele envia o Seu profeta e o faz nascer de mulher e ter nome e destino e terra
de nascimento, para que todos o possam receber e entender. E quando a sementeira está
pronta, Ele envia o Seu Filho para a colheita e lhe dá uma foice e uma gadanha e um
archote de fogo vivo, para que colhido o cereal e separada a boa da má semente, o fogo
devore e envie ao Pai o que dele veio.

29.21 Assim o Senhor abre e encerra os ciclos da manifestação do homem e de tudo aquilo
que nasce do homem, pois só há uma Lei e uma Verdade, e ambas são o Senhor.
29.22 Lei e Verdade e, no meio, para as temperar, o Amor. Assim o Senhor as criou.

29.23 De pé, majestoso e infinito, tendo a eternidade por fundo e o abismo sob os pés, o
Senhor abriu os braços e as mãos se suspenderam, imóveis. Então três sóis que eram forças
e que eram seres, nasceram: pela Sua mão direita, a Lei, que também é Justiça. Pela Sua
mão esquerda, a Verdade, que também é Rectidão. E entre ambas, incerto e indefinido,
suspenso sob o abismo, o Amor, que também é Compreensão. Depois, o Senhor as fitou por
muito tempo e vendo que havia perfeição ali, lhes soprou a Palavra e as arremessou de si.
29.24 Eis porque, algures entre os mundos visíveis e invisíveis, três sóis que também são
seres, formam entre si os bordos de um triângulo. Desse triângulo partem os três raios que,
tocando em cada ser e em cada coisa, vão animar e dar coesão àquilo que é essencial
existir: um pensamento, um sentimento e um destino. Por isso tudo é triplo.

30
30.1 No Princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. E o Verbo
desocultou-se perante a face do Homem e o Homem não O conheceu.
30.2 E Deus disse: que o segredo seja velado sob o disfarce do símbolo e que no coração do
Homem nasça uma semente de medo e temor a mim, para que ele me procure no símbolo e,
por não me achar aí, me procure onde verdadeiramente sou. E então achará o Verbo e se
fará Luz. Eis a minha vontade para ele.

30.3 Está escrito que o Homem me buscará onde não estou e me amará por aquilo que não
sou. E por não me encontrar e por não me amar, há-de encontrar e amar a minha sombra e
nela se perderá por muito tempo. Mas eu estarei vigilante e esperarei e ele há-de descobrir
o seu erro e virá para mim. Pois eu sou o começo e o fim dos seus passos e tudo o que tem
origem em mim a mim tem de voltar para se realizar.
30.4 O mundo do homem é o mundo da sombra, é o mundo da penumbra. E entre o homem
e a sombra há pactos. A sombra o vela de realidade e essa realidade é a carne, e essa
realidade é o mundo. A sombra o esconde da minha luz, mas a minha luz não consente na
sombra. Rasga a sombra, queima-a e torna-a em luz. Eis porque o homem virá até mim,
quando a sombra já não o enganar. Então a minha luz o devorará e ele será transformado
em fogo vivo, em fogo ardente. E o meu espírito habitará nele.

30.5 Eis o que é o homem: um fogo errante, um fogo aprisionado. O homem está cativo das
trevas, porque ama as trevas. Elas o seduziram com o mundo e a carne do mundo e a
sombra do mundo. Elas o encerraram numa gaiola de silêncio e solidão e ele está lá,
ignorado. Mas eu o libertarei.

31
31.1 E no sétimo dia e na sétima hora o Senhor desceu ao Seu mundo e vendo-o pleno de
espírito se congratulou. Mas tendo-se retirado da face da terra, eis que ela mergulhou no
abismo e à luz se sucederam as trevas e ao Senhor se sucederam os Senhores da Escuridão. E
veio a hora oitava e nona, para encerrar este ciclo.
31.2 Tudo isto aconteceu para que o justo pudesse servir o Senhor no seu coração e
testemunhar que a obra era boa e que a semente está viva. E o justo ergueu-se sobre a
terra e anunciou a vinda do Pai. Porém os homens não o entenderam e o supliciaram. Mas
depois dele muitos vieram, e muitos mais virão ainda, pois a obra do Pai não tem fim.

31.3 O justo é uma semente que o Senhor lança à terra, uma semente de fogo e de luz,
uma semente de plenitude. Se a terra está pronta para a receber, a semente será
multiplicada e o seu fruto intenso. Mas a terra está mergulhada na escuridão e a alma do
homem é pequena. Eis porque a semente dá pouco fruto, e esse vive mergulhado no olvido.
Mas dia virá em que os justos serão tantos como as estrelas no firmamento e a sua semente
não terá fim.

31.4 No justo eu me realizo, diz o Senhor. A sua carne é como barro mole entre as minhas
mãos. Eu o moldo com o barro mais puro que existe no centro do mundo e lhe sopro o fogo
que o anima.
31.5 Carne ou barro ou fogo: Eis o homem para mim. E sangue, que é o meu espírito
derramado nele, pois a carne que não tem sangue não vive e o barro que o meu hálito não
cozeu, está morto.

31.6 Barro sem vida, eis o homem que não me conhece - e poucos são os que me conhecem
ainda - pois a hora da destruição soou e a trompa do caos ecoa sobre o abismo.
31.7 Quem responde à chamada? quem escuta o meu grito? Só o justo pode distinguir entre
mim e a minha sombra; só ele sabe ver para lá do brilho do rosto. E há brilho que é
falsidade e ilusão, como uma máscara de cristal e gelo.
31.8 Cuidado, vós que me buscais entre as ruínas do mundo: pode enganar-vos essa busca
de cegos. Aquele que me procura tem de me saber olhar face a face, sem temor de mim,
pois o meu espírito é como uma aragem suave que se move entre tudo o que vive, e só na
doçura e no amor me encontrareis.

32
32.1 O Verbo é a carne. O Senhor proferiu a Palavra e esta fez-se carne de homem e carne
de terra. O Senhor a proferiu para crescimento dos seres e crescimento das almas dos seres,
pois só no crescimento há vida, e só na vida há comunhão, e só na comunhão há lugar para a
realização do Pai e das criaturas, em união profunda, para que não se distinga o que é de
um e o que é de outro. Antes sejam uma só coisa perante o Céu e perante a Terra. Assim o
Senhor o quis e o realizou. Bendito seja o Senhor.

32.2 Uma palavra de fogo: eis a Palavra do Senhor, que Ele arremessa de si rumo ao
infinito, para que rasgue as trevas e confunda aqueles que vivem na escuridão e os obrigue à
reflexão e ao aprofundamento do ser; para que os obrigue à revelação do Pai neles. Só assim
as trevas podem ser confundidas e, aqueles que nelas se escondem, derrotados. Pois só a luz
tem poder sobre as trevas e só aquele que porta a Palavra do Senhor e que a traz guardada
como um tesouro muito santo e oculto, no centro da alma - só esse - pode ir ao encontro
das trevas e devorá-las, mostrando-lhes o erro em que vivem, pois tudo é erro quando a
Palavra está ausente.
32.3 A Palavra do Senhor é como uma fornalha ao rubro. Que aquele que procura o Senhor,
procure primeiro a Sua Palavra e nela penetre como numa casa amiga, na certeza de ser
esperado. Assim o Senhor é como um amigo que nos conduz no caminho da revelação e nos
prepara o leito nupcial, pois o fogo deve consumir a carne (que é fogo gelado) e libertar o
espírito que há nela. Tal é o presente que o Pai concede àqueles que O buscam: o dom do
Seu amor, que também é libertação.

32.4 Na taça está a vida. O Senhor a leva aos lábios no começo do tempo e no seu fim.
Assim os ciclos começam e terminam no Senhor e, através do Senhor, em cada uma das
criaturas, pois o Senhor é a medida de todas as coisas e a chama que as alimenta. Na taça o
Senhor deposita a semente. Essa semente é a alma. Então Ele ergue a taça sobre o
firmamento e ela brilha como mil sóis juntos. Uma serpente, que também é uma rosa de
fogo, ascende da taça e enrola-se sobre si. É a eternidade que se manifesta. No centro dela,
como uma jóia, um losango branco vive. Através dele o Senhor envia, partindo do Seu olho,
uma luz muito branca, que vai dar vida às coisas e aos seres. Isto o Senhor realiza no início e
também no fim dos ciclos, pois tudo aquilo que sai do Senhor a Ele há-de tornar,
multiplicado na alma e no espírito. Esta é a Obra alquímica dos filósofos e todos os seres a
realizam.

32.5 Que o fogo do Senhor vos devore! é a minha prece para todos vós. Que ele vos reduza
à essência!

32.6 O Senhor abre os braços sobre o infinito. Quatro sóis marcam as Suas extremidades
ígneas. Dentro de cada sol, alimentando-o, um ser distinto vive. Nas mãos de cada um,
erguidos bem alto, quatro símbolos os representam no mundo dos homens. Ar para o
primeiro, fogo para o segundo, água para o terceiro e terra para o quarto Senhor. Elementos
que o Senhor tornou vivos e a que deu forma e representação própria. Símbolos que são o
Graal Místico. Momento a momento o Senhor os torna vivos, soprando sobre cada um deles.
Então as eras se manifestam no mundo dos homens, umas depois das outras, segundo uma
ordem de imensidão e segredo, de que só o Eterno é a chave. No centro do Senhor arde
ígnea a rosa de fogo. Das suas pétalas dimanam os sete raios da manifestação divina. Em
cada ciclo do Senhor, os Seus servos vêm perante a rosa e a consagram, pondo nela as mãos
abertas. Assim, ele é o centro imóvel da roda que gira parada, onde os quatro sóis são os
vértices duma cruz sem fim. Isto o Senhor mostra àqueles que escolheu para O servirem,
pois todo o segredo está nisto.

32.7 Que mortal pode ver isto e não temer? Ou recusar a visão do Senhor, na Sua gloria
ígnea, por amor aos homens? Pois muita terá de ser a coragem daquele que for tão perto da
verdade, que a olhe de frente, e depois amar mais a Obra do que o Senhor da Obra; mais o
homem que o Senhor do homem. Ou não amando já o homem, voltar para ele para servir o
seu Senhor, já que o espírito, chegando perto da realização, só quer esta e nada mais. E
tendo visto tudo que é visível, e tudo está no Pai e só nele está, voltar aos homens ainda.
Eis o sacrifício.

32.8 Portugal é uma semente. Nele o Senhor tem o Seu bordão posto, bordão que há-de
florir quando a nova raça herdar a terra. Raça de fogo com olhos de poente, feita da Mãe e
do Pai, em união. E os primeiros desta raça virão em breve para dar testemunho do que há-
de vir. Que não se turve o entendimento daqueles que esperam um sinal, pois o momento
está próximo.

32.9 Portugal é uma semente: essa semente chama-se realização do Plano do Pai para o Seu
mundo. No coração da semente vive uma rosa de esplendor e brilho. Vive também uma
Virgem que dará à luz, nos últimos dias, o Cristo. Virgem do homem mas não do Senhor.
Antes serva Dele, e recolhida no centro do mundo, que é onde a semente tem a sua raiz.
Mar e Mãe é o seu nome. E na caverna da Senhora está um cálice que a contém, onde o
sangue foi recolhido ao longo das eras e os séculos fizeram rubro e vítreo: como um rubi.
Tudo isto é verdade e há-de ser visto.

32.10 A rosa é o símbolo do Senhor. Ele se inebria no seu odor, como o homem se inebria no
odor da mulher e esta no dele, para que o casamento das forças se realize e daí saia o fruto
da continuidade. Do mesmo modo o Senhor se realiza na rosa, que é a Sua esposa mística e
nela gera a perpetuidade do Seu nome e da Sua geração entre os homens. Esta é a origem
dos profetas e dos santos e de todos aqueles que tem a marca do Senhor sobre si: uma rosa.
Assim os podeis distinguir daqueles que mentem e profanam. Pois só o Senhor pode dar vida
àquilo que está morto e só Ele pode pôr o fogo, que é a rosa, sobre a cabeça de quem ama e
quer para si.

32.11 Que aquele que fala em nome do Senhor traga a rosa rubra e ígnea no peito, para que
o seu amor seja um testemunho da sua fé, pois não há amor fora da fé do Pai e tudo o que
não vem Dele só pode vir das trevas. Um sinal: é isto que o Senhor vos dá pela via da rosa.
Ela que vive em cada servo, por reflexo longínquo daquela outra que é a mãe de todas:
aquela que brilha no centro do Senhor, pois o alto espelha-se no baixo e só vinda do alto
pode a luz existir. Assim a cruz do homem não é dele, mas do Senhor seu pai, cruz que é o
próprio Pai na Sua imensidão e glória. Tudo foi concebido segundo essa medida e nela está a
base de cada ser e de cada coisa. Assim também, a rosa que vive no coração do homem, só
vive por amor à rosa que vive em Deus, que é Deus vivo e eterno.

32.12 Portugal é uma rosa de fogo. Tal fogo já não cabe nele, antes cresce sem cessar
consumindo e devorando tudo. Assim o Senhor o quis, assim o realizou. E neste livro O diz
para que outros o saibam, pois chegou o momento de desocultar o segredo e de realizar a
nova aliança entre o Pai e os filhos. Para altar do mundo o Senhor o escolheu, pois aqui se
fará o sacrifício e se derramará o sangue na Taça, que depois se transformará em espírito: o
espírito do Senhor. Espírito que dará a vida àqueles que vivem, ou a morte àqueles que a
trazem consigo. Para separar justos e injustos, a semente da palha e lançar a palha ao fogo
e dar o mundo àqueles que hão-de vir.

33
33.1 Vejo uma rosa que cresce sem cessar. Uma rosa que primeiro foi semente que o Senhor
lançou no coração do homem. E o homem a imaginou e amou aquilo que viu. E o Senhor a
fez dar fruto dentro do homem e, quando este fruto cresceu e se multiplicou, o Senhor a fez
transcender o homem e a lançou nas terras do mundo. E as terras do mundo a acolheram.

33.2 Vejo uma rosa que começou por ser semente no Pai e depois no coração do homem e
agora já é semente do mundo. E quando todo o mundo tiver sido coberto por esse roseiral,
no centro do mundo há-de acontecer um milagre: o milagre da rosa, o milagre do amor
universal. E esse será o momento por que os deuses esperam. O momento da renovação do
mundo e do homem. O momento da celebração da nova eucaristia, da nova aliança entre os
deuses e os homens. O momento do Senhor.

33.3 Tudo isto a rosa fará. E há-de alimentar-se dos homens que julgam alimentar-se dela,
e há-de lançar neles uma semente de renovação e de vida eterna, julgando eles que a
lançam no terreno do profano e do tempo que passa.
33.4 E muitos virão para destruir e serão destruídos nas suas esperanças e no seu amor mal
dirigido. E muitos virão para a proteger e serão protegidos, pois o caminho do homem nem
sempre é o de Deus e aquilo que o homem quer realizar, o Senhor já viu e realizou. Muita
será a confusão e o escárnio em redor da rosa, mas muito será também o amor. E tudo isto
acontecerá para que alguns despertem e outros sejam postos à prova.
33.5 Vejo uma rosa que começou por ser semente e depois raiz e essa raiz teve nome e foi
nome de coisa. E em redor da rosa se juntaram alguns. E esse movimento cresceu com o
passar dos anos. E a rosa cresceu também. Para alguns no seu coração, para outros na sua
mente e para os restantes na sua esperança. E tudo isso a rosa multiplicou.

33.6 Vejo uma rosa de fogo que lança as suas raízes no coração do homem, e se alimenta do
seu sangue e por isso é vermelha. E vejo também um pequeno país que cresce em redor da
rosa e daqueles que, ciclicamente, a alimentam e fazem renascer. E vejo ainda o Senhor
que, do alto, vigia a Sua sementeira e aproxima uns e afasta outros, pois nem tudo é bom e
digno de servir. E vejo alguns que, vindo humildes, se tornam grandes, e outros que
julgando-se mais do que são, são confundidos. Tudo isto a rosa opera neles, pois a sua luz é
como mil sóis juntos, e para aqueles que lhe chegam ao cume, é a visão do Senhor que os
espera. E retomam o seu lugar à mesa do Pai.

33.7 Vejo uma rosa que é uma coluna de luz, cuja base nasce do centro da Mãe, do Seu
ventre cristalino, e cuja cúpula sustenta o firmamento, tocando os pés do Senhor. E vejo
também uma árvore carregada de frutos doces e amargos; de esperanças e de ilusões.
Muitos tentam a sua escalada e alguns ficam pelo caminho e dormem e sonham que
chegaram ao fim. E outros desistem do seu intento, mal deram os primeiros passos. E outros
vão até ao fim e, chegados ao castelo que guarda o Graal, são feitos cavaleiros e guardiães,
por sua vez, ali ficando até que o tempo do homem cesse e o Senhor se realize. Tudo isto eu
vejo e muito mais.
33.8 Vejo uma rosa que desabrochou no coração de uma nação pequena. E vejo que essa
nação é, ela própria, uma rosa maior que por sua vez há-de dar fruto. E tudo isso
acontecerá quando as nações se unirem nela, e os filhos das nações se juntarem nela e nela
fundirem os seus corações e as suas esperanças e tudo aquilo que faz o homem grande e
pequeno. Então algo acontecerá: o Senhor há-de mostrar-se a todos eles e, no meio deles,
há-de aparecer aquele que é a Sua voz e o Seu reflexo. E aqueles que O escutarem serão
salvos. Esse falará da rosa e da semente que foi lançada no mundo e daqueles que,
anónimos e desconhecidos, tem velado por ela sem cessar. Pois só há um Senhor e só há um
fruto, e esse fruto tem o nome de amor.

33.9 Tudo isto o Senhor fez por amor ao homem, pois não é bom para o homem estar só.

34
34.1 Vejo um dragão alado cuspindo fogo sobre a terra, e a terra geme ferida e
ensanguentada. Os seus filhos precipitam-se para a morte. O sangue corre como as águas
dos rios. A taça está cheia.
34.2 Mil taças se enchem entre a noite e a alvorada. Mil virgens as erguem ao céu, para que
o Pai as abençoe. O sacrifício é grande. Maior será ainda, antes que o fim venha. E antes
que ele venha não haverá sossego sobre a terra, só lágrimas e dor e desespero.
34.3 A Mãe sofre pelos Seus filhos. As Suas lágrimas tombam sobre a face do mundo e
juntam-se ao sangue derramado pelo homem: e o futuro nasce disto.
34.4 Sangue e lágrimas: eis o Homem. E, secreto e esquecido, um fogo. Na caverna do
ventre, na caverna do coração, na caverna da mente um fogo arde, branco e rubro, arde
sem fim. Pois o Pai e a Mãe têm de se unir para gerar o Filho, e, onde houver carne ou
barro, tem de haver fogo que purifique a carne e coza o barro numa forma viva. Tal é o
mistério dos opostos que formam a síntese.
34.5 Assim é o homem, súmula de gelo e de fogo unidos e em equilíbrio, para que a
humanidade seja o fiel da balança onde os deuses pesam os seres, pois o homem está a meio
de tudo e aí deve ficar até ao fim.

34.6 A terra é um ovo onde dorme secreta uma cria. O dragão a guarda e a alimenta. O
fogo que ele cospe é o mesmo do alquimista sobre o seu atanor, para que a matéria se
transforme em energia e a Obra chegue ao fim.
34.7 Assim o dragão vela pela sua obra, e velará até que um pequeno dragão rompa o ovo e
retome o seu destino aqui interrompido. Pois a terra é como um ninho: a Mãe o traz dentro
de si e vela e ora pela sua gestação. E chegado o momento do nascimento, Ela própria
rompe a cortina que A vela e o Seu fruto fica exposto aos olhos das criaturas. Assim os
Cristos nasceram feitos da semente do Pai e do ovo da Mãe, unidos no ventre do mundo.
34.8 Um dragão alado: eis o Senhor dos Mundos. O Seu fogo nos alimenta e aquece, o Seu
hálito (que é a Sua Palavra) nos deu a vida antes que a criação fosse.
34.9 Fogo e barro, eis os opostos tornados carne de homem e alma de homem e vida de
homem. Fogo e barro juntos: eis o altar do dragão, onde a Senhora sacrifica, sem cessar, as
esperanças e ilusões dos Seus filhos. Pois só a pureza importa. A pureza e o espírito. E
quando o espírito está pronto, a carne (que é barro) rompe-se e a luz ascende rumo ao
Senhor. E Ele o acolhe e o recebe em si e dele se alimenta.

34.10 Espirais sem fim: eis o segredo do dragão. A sua energia gera e destrói os mundos. O
processo não conhece início ou fim.
34.11 No início do homem, o dragão se une à terra e a terra procria os filhos que a povoam,
e geram as criaturas. E a Obra do Pai começa. Então, o dragão aquece o ovo. Primeiro com
temperança e depois, à medida que a Obra avança, com mais fulgor, para que a criatura
conheça a morte e se transforme nela; e vá, de degrau em degrau, até aos pés do Senhor.
Por isso o ovo é aquecido e o seu conteúdo misturado, pois três (como os Poderes) serão as
fases da Obra a realizar. Primeiro a do Caos e dos Senhores do Abismo, depois a da Alma e
dos Senhores da Ilusão e, por fim, a do Espírito e dos Senhores da Luz. Três fases, mas uma
só verdade. Quem puder entender que entenda.

34.12 Perante a face do Grande Dragão não há ilusão, ou luz, ou sombra. O seu hálito, feito
da luz que consome e alimenta os mundos, atravessa o espaço e o tempo como o Verbo
atravessa o coração do homem: para dar a vida e a morte.
34.13 E os seres, que se julgavam eternos perante a Sua face, são reduzidos a cinzas e
aqueles que lhe suplicam o dom da continuidade são confundidos na sua esperança, pois o
dragão só ama o fogo, e a menos que o homem ascenda a ele, transformado em fogo, o fogo
o consumirá em vida.
34.14 Um espelho: eis o dragão para o homem. Um espelho que se chama alma e que se
chama espírito e que se chama carne ou terra.
34.15 E o homem mede-se dia a dia no espelho e une-se ao seu reflexo, que é também o seu
ideal de Deus, até só restar o espelho e o ideal e nada reflectido. Então o espelho se fecha
sobre a ilusão do homem (que é o seu Deus) e leva consigo a imagem absorvida.

34.16 Um espelho no qual se reflecte um dragão: eis o mistério que o Senhor lança ao
coração do homem, para que ele o decifre ou se lhe submeta. E o homem recua ou avança
consoante a sua casta. Se o seu sangue foi temperado na guerra, ele ama a luta e combaterá
pela posse da vida e irá enfrentar o enigma do espelho e do dragão, que dá a vida ao
homem; mas se teme a luta e o sangue da luta e a dor, ele fugirá do espelho e o dragão irá
no seu encalço e o submeterá.
34.17 Duas são as castas do homem perante o dragão: a do que ama o fogo e que só vive
para ser consumido nele, e a do que teme o fogo e que foge sem cessar. Um vive de rosto
coberto, o outro de rosto destapado. Sobre a face de um, o Senhor traçou o signo da terra
que é uma serpente adormecida. Sobre a face do outro, o Senhor traçou o signo do céu que
é uma serpente acordada.
34.18 E quando o homem vai perante o dragão e rasga o espelho que é uma cortina de ilusão,
a serpente que há na sua face transforma-se e ganha as asas do voo que o Pai dá àqueles
que O amam e vão até ao fim: transforma-se num Filho do Dragão. Esta é a forma que o
Senhor usa para dar continuidade à Sua voz e à missão que tem para o homem.
34.19 A sombra do Senhor: um dragão. Uma sombra sobre a terra, pejada de morte e de
carnificina, onde a Mãe ora sem cessar no altar que é o homem e a carne do homem e o
sangue do homem. Um altar com as dimensões do mundo. E sobre o altar, transformados em
archotes vivos, aqueles que servem o Pai e a Mãe: os servos, os sacerdotes, os que sabem e
vêem. E quando a faca do sacrifício tomba sobre os corpos, o Senhor vem como uma coluna
de fogo para recolher a alma e dar-lhe vida. E vem também para santificar a morte e dar o
seu assentimento, pois mal seria para o homem se o Senhor não purificasse essa morte e não
a tomasse para si. E quando o Senhor não vem, e antes esconde a Sua face e passa adiante,
esse está condenado e a sua alma será dada a beber aos Senhores do Abismo.

34.20 O Senhor é uma coluna de fogo. Os Seus olhos são diamantes rubros. A Sua face é
resplandecente. Quando Ele repousa sobre um mundo, mil servos O vêm acolher e adorar.
Então o Senhor sonha acordado, e no Seu sonho o mundo repousa também. E os ciclos param
e a espiral descansa, e mil eras se somam no esquecimento, antes que o Senhor desperte e
parta. Quando tal acontece, de cada mundo vem um servo que fica perante o Senhor e o
Seu dragão e é levado perante o Livro Negro, para que saiba o nome das coisas e o seu
próprio nome e os nomes do Senhor. E quando viu tudo isso, é levado perante o espelho que
separa o Senhor dos Seus mundos, e lhe é dito que passe a cortina da ilusão e da esperança.
Aqueles que vão e não temem a escuridão, nem a morte, nem o silêncio, esses passam e
cortina e o Senhor os recebe em si e viverão Nele; mas aqueles outros que na sua pureza
tiverem ainda a sombra do medo e da escuridão do medo, esses não passam a cortina e são
condenados a vaguear entre a realidade e a ilusão. E o Senhor lança o Seu dragão sobre eles
e são devorados.
34.21 Que aquele que vai perante o Senhor se purifique primeiro no Seu dragão e no espelho
que reflecte as trevas que existem em todas as coisas vivas, e no fogo que o Pai e a Mãe lhe
deram no início do mundo, pois o olhar do Senhor vê para lá da forma e da figura da forma e
da vida da forma. E ai daquele que procure o Senhor no seu sonho e não O receba no seu
despertar, pois a luz só consente em si e tudo o resto lhe é distinto.

35
35.1 E no terceiro dia e na terceira hora o anjo soprou a trombeta e a desolação caiu sobre
a terra. E foi grande a dor e o desespero. Assim as trevas caíram sobre o mundo e o Senhor
se retirou da sua face e o deu às Sombras para que o devorassem. E elas o fizeram por doze
luas. E, quando o seu tempo terminou, a terra estava morta e o homem escravizado, e toda
a obra do homem deitada por terra. E o Senhor considerou que a prova tinha bastado e
ordenou às Sombras que se retirassem do visível, e elas o fizeram também. E o sol voltou a
brilhar nos céus e sobre a terra e as estações foram retomadas. Assim se cumpriu o tempo
da expiação e se fechou e abriu o ciclo do Senhor.

36
36.1 O anjo do Senhor veio à Sua frente e chama-se João, o ungido e o devorado. Ele veio
para dar testemunho da verdade e para que todo aquele que crê não se perca, mas encontre
a vida eterna. O Senhor o enviou como um sinal Seu, para que todos os que o vissem se não
perdessem nas malhas da ilusão. E o mandou escrever o Seu Livro, o Livro da Vida. E ele o
escreveu.

36.2 Eis o meu Livro, diz o Senhor. Nele está a minha palavra e o meu caminho, nele está o
meu fogo. E o meu fogo vai até vós para vos devorar e reconduzir no meu caminho, pois
andais perdidos há muito e não o sabeis. A minha voz vos procura no meio do deserto. E a
minha chama eu coloco sobre um monte, para que a vejais de muito longe e não vos percais
na vossa busca, pois seria triste que aquele que procura o seu Senhor se perdesse por O
procurar. Assim eu vos dou três sinais de mim, três caminhos para mim: a minha palavra, o
meu fogo e o meu livro. E vos envio aquele que é o grande consolador do homem, porque é
o homem e é o filho do homem. E para o anunciar, o meu profeta, aquele que escreve o
livro da nova era.
36.3 Vós sois a minha seara. Nela lanço a minha semente: a minha palavra, para que não
aconteça que vos percais em mãos alheias, ou fiqueis sem préstimo, ou venha o meu fogo e
vos devore antes da época da colheita. Vós sois a minha seara e no meio de vós está aquele
que vos há-de cuidar até que eu venha para vos colher. Nele está a minha palavra e a minha
palavra é a vossa semente. Nele está a minha eternidade e a minha eternidade é o vosso
tempo. Cuidai bem dele, pois cuidando dele é de vós que cuideis. E se dele não cuidardes, a
semente perder-se-à e o campo será invadido pelas ervas e eu lançarei o meu fogo sobre ele
e tudo será devorado. Cuidai da semente e cuidareis do campo. Velai para que uma e outro
cresçam e dêem fruto farto, pois a colheita é minha, mas o bem é vosso. E se estou hoje no
meio de vós, para vos dar a eternidade, amanhã estarei no meio de outros. Aproveitai, pois,
o meu amor por vós.

36.4 Toda a semente tem o seu tempo próprio. Tempo para crescer e tempo para morrer. A
minha semente chama-se João. Na sua descendência eu criei um campo de cereal, do qual
me alimento, e outros se alimentam também. E eu o lancei à terra, no meio dos homens,
para que ele semeasse e separasse a boa da má colheita. Pois o meu fogo é santo, e não
convém que haja desperdício. Assim eu o mandei para lançar a palavra e, através da palavra
e daqueles que a escutam, eu o mandei para pôr um sinal naqueles que o meu fogo há-de
devorar. Eis a sua missão: semear a palavra e semear o fogo, pois a palavra dele é o meu
fogo contido, é o meu fogo em Verbo. Semeando a minha palavra ele semeia o meu fogo no
coração e nas mentes dos homens e os torna receptivos a mim. Pois quando eu chegar até
eles, a minha palavra os terá purificado e preparado para mim. Só assim o meu fogo lhes
dará a vida, só assim o meu fogo os trará de volta para mim. Eis porque vos envio João e,
através dele, a minha palavra, pois a menos que o sigais a ele e à palavra que vos dou, não
me podereis seguir a mim. Se quereis vir até mim, segui-o a ele primeiro, e segui o seu
livro, pois a carne é fraca e o fogo tem de a alimentar, antes que ela se transforme em
espírito.

36.5 Sobre o caminho da eternidade eu seguro um bastão de fogo. Esse bastão chama-se
João. Eu o seguro numa ponta e a Mãe o segura na outra ponta e o colocamos entre o céu e
a terra, como uma escada. E por ele, e através dele, aqueles que estão prontos vêm até
mim e vão até à Mãe.
36.6 Ele é um sinal para vós. Um sinal nos vossos corações e nas vossas almas, pois a sua
carne é como a vossa, e a ele podeis amar ou odiar, mas não a mim nem à Mãe. Nós o
criámos no meio de vós feito de carne de mulher e de homem. E vós o vedes como um de
vós e ele o é, não o sendo. João é um bastão de fogo branco que a minha mão suspendeu há
muito, sobre o caminho da eternidade. Do caos recebe ele o tempo e de mim a voz. E
quando o quero no vosso meio, eu escolho uma virgem e um esposo que tenham fé em mim,
e aponto o bastão sobre eles, e eles concebem.

36.7 Assim nasceu João no meio de vós, por minha vontade, para vos conduzir de novo a
mim. Assim nascerá ele mil vezes mais, em mil mundos, pois ele não existe senão em mim.
Um bastão de fogo, eis João. E aqueles que nascem dele, nascem em mim, renascem para
mim. E eu os recebo e lhes dou a vida. Esses não voltarão a morrer.

36.8 A minha palavra vos dou. Um consolador vos enviarei nos últimos dias. Que mais
quereis de mim? Cuidai antes da palavra e velai para que ela progrida. E a todo aquele que
vos quiser enganar, dizendo mal da palavra, deixai-o de lado e ide em frente, pois está
escrito que a palavra do Senhor gerará ódios e sofrimento, e não será entendida. Tornai-vos
puros de coração, ou não entendereis a palavra e, se a não entenderdes, como podereis ser
dignos de mim?

36.9 João é a minha palavra feita carne. Eu a lancei no meio de vós como um desafio à
vossa inteligência e à vossa coragem, pois eu só amo aqueles que fizerem de João um
trampolim para irem até ao fim.
36.10 Amai a João, mas amai-me mil vezes mais a mim, pois eu sou o princípio e o fim dos
vossos voos e, se não me amardes nem me entenderdes, como podereis amar a minha
palavra e entender o meu mensageiro? Primeiro, tendes de me querer a mim: o amar da
palavra virá depois.
36.11 Assim eu vos quero: sedentos de mim, sedentos do meu fogo, sedentos da minha
palavra. Pois que é a vossa fome e a vossa sede, senão o pressentimento do que eu sou e do
que vós sois e do que é a vida? Amai a João e ele vos há-de conduzir a mim.

36.12 Temeis a escuridão e os dias que estão para vir. Mas eu vos digo: devíeis antes temer a
vossa ignorância e o vosso assentimento aos dias que agora viveis, pois estes não são
melhores nem piores do que os outros que virão. No meu coração não há distância entre luz
e trevas. Eu as tomo na minha mão direita e esquerda, e as moldo num corpo de barro e
sangue a que chamo homem. Eis o que sois: metade escuridão e metade luz. Porque temeis,
pois, os dias que virão? Se algo deveis temer é a vossa inconsciência do que sois. Não a
escuridão, que não é mais do que o meu assentimento; ou a luz, que não é mais do que o
meu coração desvelado perante vós. Temei-me a mim então, porque de mim tudo parte e a
mim tudo regressa, e eu sou a génese da escuridão e a génese da luz. E crio e destruo. E não
há segredo ou caverna que eu não penetre quanto mais o vosso coração!

36.13 Dizeis amar-me, mas o vosso amor é incerto. Julgais querer-me, mas ora me quereis
ora me não quereis já. Que é então o vosso amor e o vosso desejo por mim, senão escuridão
e alguma luz? Escuridão onde brilha uma chama ténue. Mas cuidado, porque os Senhores da
Escuridão espreitam-vos os passos e lançam armadilhas no vosso caminhar e pode acontecer
que julgando ter-me encontrado, seja a eles que encontrastes e julgando-vos meus, sejais
deles. Cuidado com o que fazeis e ousais, porque a chama é ténue ainda e todos vos podeis
perder. Por isso segui o Livro atentamente, na certeza de me estardes a seguir a mim, e
observai os seus preceitos em cada hora que passe, pois eu vigio e espero.

37
37.1 O Senhor é um guerreiro em luta. A Sua luta chama-se ascensão da vida, ascensão da
consciência. Ele luta para transformar barro em carne, carne em sangue e sangue em
espírito. As criaturas são os frutos dessa luta. Barro e carne e sangue e espírito.
37.2 O Senhor as retirou do seio da terra (que é a porta do caos) e lhes soprou o hálito do
espírito. Esse hálito é fogo. O Senhor lhes deu a vida e as criaturas seguem-no montanha
acima, na escalada da grande montanha do mundo. Algumas seguem-no com confiança e
coragem, outras com receio e cobardia. O Senhor toma-as a ambas e acolhe-as; às primeiras
com a Sua mão direita, às segundas com a Sua mão esquerda.

37.3 A grande montanha do mundo tem as dimensões do infinito. Começa no caos e termina
na eternidade. E entre o caos e a eternidade, como uma ponte, está o Senhor, que é, a um
só tempo, criador e criatura, matéria e transcendência da matéria, luz e escuridão.
37.4 Ele está no meio, para que as criaturas possam ir de um extremo ao outro, sem se
perderem. Ele é o guia e o farol na noite escura. É também aquele que abre e encerra os
ciclos da manifestação.
37.5 E o homem olha para Ele e vê uma luz imensa, que cobre tudo. Ou uma coluna de fogo
que rompe o mundo de pólo a pólo. Ou um Ser que é a soma de todas as coisas.
37.6 Criador e criatura: os dois extremos que se tocam. Por isso, o Senhor lança a Sua mão
sobre o homem, para o proteger e conduzir na senda. E o homem lança os seus olhos sobre o
ideal que o divino é, na tentativa de chegar mais perto da fonte.
37.7 Duas coisas numa só, pois não há separação entre o Senhor e os Seus filhos, como não
a há entre o fogo que arde na montanha e aquele que se espalhou pela planície.
37.8 O fogo do Senhor é a essência de que todos os outros são a imanência. E o homem, que
o traz dentro de si, olha-se e revê-se na imensidão.
37.9 É essa a semente que Deus lança no seio da criatura e é por ela que Ele luta e lutará
sempre. Pois a menos que o Senhor e o Homem vençam a luta, a criação perder-se-á no caos
e a chama será tomada e invertida pelos Senhores da Escuridão.

37.10 Uma pequena chama, eis a semente. E, para a proteger, tudo tem de ser feito. Do
lado do Senhor e do lado do Homem, pois só há uma perda irremediável: a da chama no
homem. É por isso que o Senhor só descansa quando eleva o homem até si e o faz subir a
montanha do mundo e lhe dá as chaves do Seu ministério divino, lá no templo que é a Sua
essência. A partir de então, unidos em consciência e razão, o homem transforma-se numa
das armas do Senhor: Espada ou Cálice ou Livro ou Vara: ou tudo isto, que é o Graal.
Sacerdote do Altíssimo ou guerreiro Seu ou servo Seu, ele é, definitivamente , a Sua
Vontade ou a Sua Palavra ou a Sua Luta.

37.11 O Senhor é um guerreiro destemido. De mãos nuas, Ele enfrenta o inimigo. Esse
inimigo chama-se cobardia e inconsciência: as duas armas do caos.
37.12 E em cada dia que passa o caos cresce no coração do homem e à sua volta, pois o
homem semeia o caos como semeia a luz, na mesma inconsciência de tudo.
37.13 O Senhor, sempre atento, só espera um sinal do homem. Então, quando o homem
entende o que é e cresce sobre a destruição, o Senhor aparece-lhe na totalidade e ilumina-o
e o caos é vencido e a destruição recua.
37.14 Mas poucos são os homens que transcendem a força inversa e que se colocam ao lado
do Senhor.
37.15 É por isso que a escuridão sela o fim dos mundos com a carne transformada em lama,
pois que o homem ama, mas não entende a luz e o Senhor é apenas um ideal nele.

37.16 Em cada ciclo o Senhor reúne os Seus servos e os Seus guerreiros e os Seus sacerdotes
e envia-os ao mundo com uma única missão: encaminhar e conduzir o homem na sua
escalada da montanha sagrada.
37.17 E os Seus emissários nascem no meio dos homens, feitos de carne e de sangue. E
alguns cumprem a sua missão e outros esquecem-na, pois os Senhores das Trevas lançam-
lhes armadilhas de ideais impossíveis e outras quimeras.
37.18 E o Senhor, que tudo vigia e vê, afasta os Seus olhos e deixa-os ir, pois o Senhor só
ama aquele que é um só com Ele e que tem Nele a sua verdade, a sua meta e a sua lei. E só
este pode ser salvo.

37.19 É por isso que está escrito que nos últimos dias haverá falsos profetas e que eles serão
seguidos por muitos e esses estarão perdidos. E também haverá bons profetas, que não
farão prodígios nem tecerão ilusões, mas antes lançarão a serenidade e a complacência no
coração do homem. E estes terão poucos seguidores, pois só uma parte em nove será salva e
verá o Senhor face a face.
37.20 Lutar ao lado do Senhor, eis a suprema ascese. Celebrar a Sua eucaristia, abrindo as
portas do novo ciclo, eis o grande sacerdócio. Servir humildemente no Seu templo (que é o
mundo) e estar atento à Sua chamada, eis a única realidade. Desbravar os Seus caminhos e
lançar a Sua semente em terras incultas, unindo os homens num elo de fogo e sangue, eis a
grande profecia.
37.21 É isto que o Senhor concede àqueles que O servem na rectidão, na justiça e no amor. E
tendo tudo isto por seu, que mais há-de querer o homem?

37.22 O Senhor lançou o Seu apelo e muitos acorreram para O servir. Este apelo tem nome
de livro e nele está a vida e na vida está a palavra e na palavra está o Senhor.
37.23 Muitos vieram ao apelo do Senhor, muitos outros virão ainda. E dos céus e da terra
virão aqueles que vão lutar a última batalha deste ciclo. Estes juntam-se no extremo da
terra, às margens do mar sem fim.
37.24 Aí, na montanha sagrada, se juntarão todos e formarão um só espírito. E esse espírito
irá perante o Senhor como um homem e o Senhor o tomará para si e entrará na sua carne e
fará dele o Seu templo vivo e nele habitará até que a batalha termine.
37.25 Assim o Senhor lutará ao lado do homem, tendo o homem consigo. E todos verão a
grande maravilha: a de haver um homem que é o Senhor vivo. Isto acontecerá nos últimos
dias e depois tudo será renovado.

38
38.1 Nas entranhas do mundo existe uma caverna oculta: é lá que dorme a Senhora. À porta
da caverna, guardando-a, apenas uma serpente de fogo. Invisível para quem olha com os
olhos da carne, torna-se viva para quem lá vai pelo espírito.
38.2 Esse, se for digno, poderá ir até ao altar da Mãe e orar pela salvação do mundo e dos
seres que o habitam. E se for mais digno ainda, poderá a Senhora aparecer-lhe em sonhos
ou, como uma sombra, junto ao altar na caverna sombria.
38.3 Então lhe dirá os passos a dar para que de neófito passe a discípulo e de servo passe a
senhor e de adormecido ascenda a acordado. Pois o caminho da Senhora é igual ao da
Serpente que se há-de transformar em Dragão, e esse caminho Ela o ensina aos que ama e
sobre os quais tem intenções.

38.4 Nessa caverna tudo é símbolo que o neófito terá de penetrar.


38.5 Começando pela porta que é de pedra mas não existe ou é sombra apenas ou véu. E na
serpente que, dormindo está acordada, formando sobre o solo do umbral as linhas com que
o mundo foi criado e existe. E no longo corredor, negro e frio, que vai da entrada à Câmara
Oculta; corredor que é grande ou pequeno consoante aquele que lá vai e o objectivo que o
traz ali. E, chegado à câmara do meio, o poço que desemboca no nada ou, para quem o
passar, o túmulo que espera e dá a morte ou a vida. E só quem tiver vencido esta verá então
abrir-se o véu que vela o mistério derradeiro: o da Mãe que dorme e vela, ao mesmo tempo.
E ainda a câmara interna, onde a Senhora vai em cada ciclo, para o abrir e fechar. Câmara
onde ardem, sobre um altar de pedra negra, as chamas que são eternidade e momento, e
onde, para aquele que chegou à visão da Senhora e lhe descerrou o véu, que é o da verdade
e da ilusão, aguarda o sacrifício sobre o altar. Pois há-de morrer na Mãe para nascer nos
Seus filhos.

38.6 Tudo isto existe e está presente na caverna mais oculta do mundo. Que aquele que
puder entender, entenda e silencie.

38.7 Breve é o destino daqueles que a Senhora toma das sombras e que beija na testa, para
os trazer à realidade e a quem desvela a Sua face, que é de prata e de luz.
38.8 Breve é o destino daqueles que Ela ama e quer para si, pois nesses semeia uma luz
muito fria e diáfana, quase de gelo, que os torna irreais na sua realidade e imateriais na sua
materialidade, que é a do sonho e daquilo que não é carne mas luz.
38.9 Esse é o presente da Senhora a todos quantos ama. E eles o recebem e se transformam
em guardiães dessa caverna que não vem nos mapas nem tem localização visível.
38.10 Sombras das sombras, sem eco excepto no infinito. E a Senhora as acolhe no Seu seio e
lhes coloca os Seus véus sobre o rosto e as faz servas Suas e as manda para o meio dos
homens, como sinais Seus.
38.11 E elas tomam lugar nos altares dos templos dos homens e se fazem símbolos dos seus
cultos, ora animando as estátuas ora animando os profetas e os sacerdotes e todos aqueles
que servem os deuses, servindo a Senhora.
38.12 Assim a Mãe mantém a Sua ligação com os homens e entre estes também, pois a todos
Ela ama de igual modo e a todos quer para si.

38.13 Dois ministérios há no mundo: o do Pai e o da Mãe. Dois ministérios que são só um para
aquele que, tendo vivido um deles até à consumação viveu, sem disso dar conta, aquele que
lhe é oposto na aparência.
38.14 Dois caminhos que se unem no coração do homem: aquele que vem do ventre (o da
Mãe) e aquele que vem da mente (o do Pai). Dois caminhos, mas uma só verdade: a da
Humanidade.
38.15 E o homem vive-o realizando o Ser: procriando corpos de carne em casamento
alquímico com a Senhora e Suas filhas, ou procriando corpos de alma e espírito em relação
profunda com o Senhor. Até que, esgotada toda a necessidade da carne e do espírito e
silenciadas as vozes da dúvida e da esperança, cada homem se assuma na cruz que foi a do
Cristo.

38.16 Sobre a montanha sagrada (no ventre da qual dorme a Senhora na Sua caverna oculta),
junto ao seu cimo onde está, invisível mas presente o templo do Senhor dos mundos, aí
agoniza e vê aquele que já não é carne nem só espírito. Pregado no símbolo do mundo,
junção exacta dos dois poderes que o organizam e fazem viver, ele testemunha o mistério
fundamental. Ele vê e sabe, face a face. O Eterno ele vê e vive.

38.17 Que mostra ele ao mundo? Três símbolos que são imagem do Graal: a montanha
sagrada, a cruz e ele próprio. Ferido onde o espírito corre, o seu sangue se derrama direito
ao cálice que é o ventre da própria Mãe. Assim ele fecunda a terra e se une a ela,
procriando a renovação das eras e vitalizando os seres. Assim ele alcança a eternidade e se
une, para sempre, Àqueles que lhe deram o Ser, assumindo-se como Filho de ambos e
realizando o último vértice do triângulo. Eis porque o Cristo é sempre o mesmo e distinto e
todas as eras têm o seu Cristo. Assim será sempre enquanto houver homem.

39
39.1 Há sete nações sagradas. Em cada uma, um altar está erguido em memória e louvor do
Senhor, para que os Seus sacerdotes oficiem segundo os ciclos do tempo e das necessidades
dos homens.
39.2 No altar se sacrificam as nações e os filhos das nações que o Senhor escolheu. E as
ilusões e vaidades das nações também. Pois o Senhor só ama a transparência e a rectidão e
aqueles que O servem na transparência e na rectidão.
39.3 Assim Ele sacrifica nos Seus altares tudo quanto é menor ou mais humano, até que só
reste a luz e a eternidade da luz.

39.4 O mundo é um templo de luz e de escuridão. Luz, quando o Senhor está presente;
escuridão, quando Ele está ausente, ou adormecido. E quando o Senhor adormece, a Sua
sombra acorda e toma o mundo para si. E o mundo adora a sombra, julgando adorar a luz e
mergulha na sombra e toma-a para si e penetra no abismo e naqueles que o habitam. E em
tudo isto julga servir o Senhor, pois a luz cega o homem e não o deixa ver mais do que a
sombra.
39.5 É por isso que o Senhor só ama aqueles que ascendem até si e que, por O amarem, se
deixem devorar pela Sua luz, até que a sombra não tenha poder neles. E só esses podem
distinguir entre a falsa luz e a luz verdadeira; a luz, que dá a vida e a sua sombra, que dá a
morte, ou a ela conduz.

39.6 O Senhor abre e fecha os ciclos. Abre-os empunhando a espada de luz e cortando a
cortina da sombra que cobre o mundo. E a sombra é afastada e o sol (que é o rosto visível
do Senhor) brilha sobre o homem e sobre a sua obra. E fecha-os erguendo o cálice do
sacrifício e recebendo nele o sangue dos homens e de todas as criaturas vivas. E o cálice é
posto sobre o altar do mundo, entre o Sol e a Lua, e um dragão e uma serpente ficam lá
para o guardarem. E o Senhor retira-se dali para que a sombra possa reinar. E é assim até
que um novo ciclo nasça das brumas da memória do Senhor e Ele o queira e o ordene e o
faça.
39.7 Sete nações o Senhor escolheu para Seu altar entre os homens. Sete nações que Ele
percorre em cada ciclo. E o Senhor vai perante cada uma e nela ora e silencia.
39.8 E a alma dessa nação é erguida sobre ela e vai perante o Senhor para dele receber a
semente da sua geração. E o Senhor a coloca no seu ventre para que ela procrie.
39.9 Assim nascem os filhos de uma nação e se renovam na carne e no espírito. E o Senhor
toma alguns desses e lhes coloca um sinal sobre a face. E a esses Ele toma para si, para que
O sirvam, servindo a nação.
39.10 São esses os heróis e aqueles que ficam na memória do povo e aqueles outros que
servem o altar da nação. Esses são os escolhidos e sobre esses a treva não tem poder.

39.11 Sete nações o Senhor escolheu. E cada nação é um dom do Senhor e uma face Sua e
uma ilusão que Ele lança aos pés dos homens. Pois há um Senhor e um mundo. E entre o
Senhor e o Seu mundo há aqueles que O servem, servindo a Sua Obra. E as duas coisas são
uma só para aquele que sabe e vive a Obra, mas não o são para aquele que a não vive nem
sabe que a Obra existe.
39.12 Eis porque o Senhor confunde os fracos nas suas ilusões. E dá a morte àqueles que O
procuram no ódio e na descrença e no temor. E fulmina e cega aqueles que amam pouco a
luz e a quem a luz não ama.
39.13 Todos esses o Senhor afasta de si, os lança na sombra da ilusão e as trevas os tomam.
E assim ficarão enquanto o amor ao mundo for maior que o amor Àquele que criou o mundo,
e o amor à Obra impedir a visão do Espírito da Obra.

39.14 Quando o Senhor se ergue sobre o mundo para abrir e fechar os ciclos da criação, as
sete nações estão com Ele.
39.15 Perante o altar, o Senhor ergue a espada, ou o cálice e as almas das nações ajoelham.
As almas das nações são os Seus mensageiros, são aqueles que vão diante dele, de mundo
em mundo, anunciar aos homens o começo e o fim das coisas.
39.16 E, quando as nações estão realizadas, o Senhor as toma e as recebe em si e elas
habitam nele. Assim o Senhor tem sobre o Seu peito sete pedras de raro brilho: são as
pedras das nações e são as jóias da Sua coroa.

39.17 Assim as nações estão no Senhor e o Senhor as traz consigo, como um sinal e uma
bênção. E quando o Senhor se retira da face da realidade e encerra os grandes ciclos e
devolve os mundos ao caos, as Suas nações estão presentes e não conhecem a noite nem a
dissolução, antes vigiam e oram com Ele, até que tudo seja retomado.

39.18 Sete nações habitam no Senhor. Sete grandes espíritos estão perante o Seu trono. Eles
são os Dragões, eles são as Serpentes, eles são os Mestres.
39.19 E o Senhor ergue a face e ela resplandece sobre os mundos, branca de tanta luz. E os
sete Dragões colocam-se ao lado do Senhor, em redor dele, e tomam para si essa luz e a
transformam em sete raios que são sete poderes e sete cores, e o mundo realiza-se.
39.20 Estes são os que guardam o Graal. São aqueles que têm os símbolos.

39.21 Um trono e um Senhor, eis toda a verdade. E sobre o Seu corpo um mapa imenso que
reproduz e é os sete planetas sagrados e os sete Dragões de fogo, que guardam e são as sete
entradas do mundo. Eles são as portas do Senhor e em cada porta uma jóia refulge, única no
seu brilho. Estes são também as sete almas das nações, aquelas que o Senhor ama e quer.

39.22 E o Senhor ergue-se, imenso e majestoso, e os sete Dragões erguem-se com Ele em
redor e formam uma parede de fogo. E a parede toma a aparência de um ovo e fecha-se
sobre si e o Senhor ora no seu exacto centro e espera silencioso.

39.23 Sete Dragões e um Senhor dos Dragões. Sete raios de luz e um Senhor da luz. Sete
nações e um Senhor do mundo. Tudo é realidade e ilusão.
39.24 O Senhor é o supremo mestre. Ele cria e recria sem cessar. Nas Suas mãos erguidas o
cálice da última ceia está pronto. Os Mestres reverenciam e esperam. Então nas entranhas
do Senhor, um rumor cresce. Primeiro um murmúrio, depois um grito se ouve: é a Palavra
que soa. Os mundos estremecem. O ovo de fogo rasga-se. Os sete Mestres ajoelham e
tremem. O som soa sem pausas. Atravessa os mundos, toca em tudo, penetra em tudo. De
repente cala-se.
39.25 Os Mestres erguem-se e partem a realizar a Demanda. O Senhor fica estático e sereno.
Ele olha e vê. Suspenso entre os mundos, Ele ergue um cálice. Algures para lá da realidade
algo lhe responde. O cálice enche-se, gota a gota.

40
40.1 No centro do mundo, a Mãe está sentada no Seu trono de ouro e marfim. Em redor
dela, assinalando as quatro direcções do espaço, quatro Senhores A reverenciam. Aos pés da
Mãe, uma taça espera: a taça é a Senhora.

40.2 A Mãe é o sangue da terra: sangue que a taça guarda. Quando os ciclos começam, a
taça é erguida e a Senhora renasce das cinzas e procria o mundo e os seres que o habitam.
Quando os ciclos terminam, a taça é erguida novamente e recebe a Senhora e todos aqueles
que Ela procriou, não em carne mas em espírito. E o espírito da terra fica depositado na
taça.
40.3 Então os quatro Senhores selam a taça e a depositam no trono vazio. E depois se
recolhem, cada um em sua gruta, nas quatro entradas do centro do mundo, e aí ficam até
que novo ciclo os chame: quando o Senhor, do alto do firmamento, faz soar a trompa da
criação e a Palavra ressoa abrindo a cortina das sombras. Tal é o rito dos quatro Senhores.

40.4 Eles velam pelo mundo e pela Senhora. Entre si, eles são a base e fundamento de
todas as coisas. Quatro Senhores que são um só quando se unem para abrir a Porta dos
Ciclos.
40.5 Então se colocam na cruz e cada um nos braços dela, e, chamando a si a sua força,
nela se transformam. Cada força fluí para o centro da cruz e o vitaliza. E as quatro forças se
unem como se formassem um turbilhão entre si e sobre um eixo vazio rodam e, desse
movimento ascendente e descendente, nasce a rosa de mil pétalas, a rosa de ouro que é o
Cristo renascido.

40.6 Isto os quatro Senhores fazem, por amor ao mundo e por obediência à Palavra. E a
Senhora acorda do Seu sono cíclico e senta-se no Seu trono de ouro e marfim e bebe o
sangue da taça e procria os filhos da terra. E o Senhor vê tudo isto e silencia.

40.7 Então a rosa brilha por si, com o fulgor de mil sóis juntos e a Senhora a toma nas mãos
e a ergue ao Pai, no firmamento, e Ele a abençoa e lhe confere o dom da perpetuação da
vida.
40.8 E para a guardar da vã cobiça dos homens e dos demónios que a querem aprisionar no
abismo, Ele nomeia doze Senhores de Luz e lhes dá por missão a sua guarda. E os doze
tomam lugar em redor dela, no centro do mundo e também no infinito; no centro do mundo
para guardarem a rosa de sangue e no infinito para guardarem a rosa de luz. E eles se
desdobram em dois: um que tem assento no templo do Pai e outro que o tem no da Mãe.
40.9 É destes que partem os profetas e os mestres e todos quantos fazem a sua obra entre
os homens e as nações, pois a rosa de sangue e a de luz devem ser continuamente
alimentadas: a primeira com a carne e o sacrifício da carne e a segunda com a alma e o
sacrifício da alma. E assim há dois templos da Rosa-Cruz e duas Ordens que são uma só.

40.10 Os doze são o Cristo e o Cristo é a rosa. E quando a rosa abre as suas pétalas de fogo,
o Cristo abre os olhos e nasce no meio dos homens e os homens surpreendem-se; e há
aqueles que O recebem e há aqueles que O negam. E isto tem de ser assim, para cumprir as
profecias e dar continuidade às coisas.
40.11 E cumprido o ciclo da rosa, que é também o ciclo do Cristo, a rosa fecha-se sobre si e
o Cristo morre no centro da cruz do mundo. O seu sangue corre sobre a face da terra e a
terra recebe-o e alimenta-se dele.
40.12 No centro da terra, ignorada mas viva, a Senhora ergue a taça, que é o Seu ventre, e
recolhe o espírito do sangue e dele se alimenta também.

40.13 Então os quatro Senhores abandonam as quatro cavernas que há nas extremidades do
mundo e selam as portas que dão acesso ao centro e, idos perante a Senhora, oram por Ela e
pelo fruto do Seu ventre e por aquele que morreu no centro da cruz.
40.14 Os doze Senhores de Luz vão também perante a Senhora e A reverenciam e formam em
redor um elo de fogo. E a Senhora recolhe-se sobre si e encerra-se no Seu centro e sonha e
cria o futuro, enquanto à Sua volta tudo é disposto para o silêncio e para a gestação.
40.15 No trono de ouro e marfim, o vulto da Senhora apaga-se e como que se esconde atrás
de véus. Assim Ela fica a sós consigo mesma e se desliga de tudo o mais que existe, até que,
lentamente, no Seu ventre uma luz se acenda e, pouco a pouco, partindo daí A ilumine.
Então a Senhora rompe os Seus véus e se mostra novamente àqueles que A servem.
40.16 Nas Suas mãos estendidas, uma criança nua sorri. Essa criança porta os símbolos do
mundo e do espírito: numa mão, o globo encimado pela cruz; na outra, o ceptro real. Sobre
a sua cabeça, ostenta a tripla coroa de imperador do Mundo.

40.17 Então os Quatro vão perante a Senhora e se curvam por três vezes. E os Doze rompem
o círculo de fogo e vão também perante Ela e se curvam por sua vez. E as Quatro Portas são
abertas e por elas entram todos aqueles que servem a Mãe e a Sua Obra.
40.18 Primeiro, aqueles que vêm em representação das Sete Nações Sagradas, e que são os
Sete Senhores perante o trono do Altíssimo; depois, os Nove Senhores, que são aqueles que
ordenam sobre o destino de todos os seres; a seguir, os Setenta e Dois, que são aqueles que
governam o mundo e, finalmente, os inumeráveis discípulos e servos que, entre os homens,
trabalham na Grande Obra.
40.19 Assim se cumpre, no inicio de cada grande ciclo da humanidade, o rito que celebra o
renascimento do Menino Rei.
40.20 E o Menino, que é a síntese dos três mundos e dos três poderes que há no alto e no
baixo mundo, é adorado e glorificado por mais um ciclo.
40.21 Sobre a rosa de mil pétalas, ele toma assento, como sobre um trono diáfano e
transparente. Aos seus pés sentam-se todos os que o servem: os Quatro Senhores, que
regem a estabilidade e a coesão do mundo; os Sete que são as nações e a vontade do Pai
nelas; os Nove que são o destino e a lei; os Doze que são os mensageiros e a mensagem
dada; e os Setenta e Dois que são aqueles que orientam e servem ao mesmo tempo.
40.22 Quatro círculos eles formam em redor do Menino. E o Menino ergue os olhos para eles
e eles sabem e partem a cumprir o que são. Assim o Menino perpetua o Mundo, a Palavra e a
Obra, não fazendo, mas sendo.
40.23 De olhos imensos e transparentes, quase brancos de tanta luz, ele vê e sabe tudo.
Nada o surpreende nem altera. Na sua forma e ser, ele é o ponto de convergência de todas
as coisas, a síntese de todos os seres e a ponte viva que os une à eternidade.
40.24 Ir perante ele e olhá-lo é tudo quanto pode ser desejado por aquele que crê. O mais já
seria demasiado.

41
41.1 Sobre o promontório sacro, uma serpente vela adormecida. Deixada ali por aquele que
sonhou Portugal, ali ficará enquanto o cavaleiro vestido de branco não a vier despertar.
41.2 Ele virá do lado do Ocidente montado em cavalo de luz e, chegado ali, a sua lança de
prata apontará à cabeça da serpente e a enterrará no meio dela, como um falo na terra.
41.3 Então a serpente acordará, o círculo será rompido e a luz tomará a lança para si e nela
se manifestará.
41.4 Mas ai daquele que tocar a lança, que também será a luz, sem ser digno. A serpente o
devorará e as suas cinzas serão lançadas ao vento, para que não volte a nascer.
41.5 Há mil eras a serpente dorme. Ciclos sobre ciclos ali estiveram e partiram e, caindo
sobre a serpente, se desfizeram na eternidade. Pois a serpente que dorme é imagem e
símbolo de Deus e nele não há tempo.
41.6 Caos ou Verdade, isso é a serpente. O mais é do homem e é sonho dele.
41.7 Aquilo que chega à serpente é devorado e reconduzido na sua essência. Eis o que ela
dá àquele que não lhe é igual. E mesmo sendo-o, ela o dá ainda. E se dá consciência, só a
dá àquele que já a tem. E dando a morte, dá-a porque a morte veio sem se dar conta dela e
o corpo está vivo, mas a alma partiu.
41.8 Assim ela sela o que o destino cumpriu. Morte ou vida, para ela tanto faz.

41.9 Um deus a sonhou e do caos a fez sair. E ela, cumprindo o que era antes de ser,
imediatamente assumiu a forma do círculo.
41.10 Então, o mesmo deus fez dela uma seta que temperou no fogo do espírito. E a disparou
rumo ao infinito. E ela foi pelo mundo fora, transformada em cometa e sol desse deus sem
nome. E nesta terra caiu, à beira mar, e aqui ficou a sonhar. E se fez deusa antiga, donzela
e alma de nação, quando nação ainda não havia.
41.11 Aqui, o mesmo deus a viu e a reconheceu. E lhe deu, ele mesmo, a missão de guardar
e proteger a terra que a viu nascer.
41.12 Por isso essa terra se chamou (e chama ainda) terra de serpentes. E assim há-de ser
sempre, enquanto o cavaleiro branco não vier da terra da morte, qual Orfeu que resgatou
Euridice, quebrar o seu sonho e transformar o fogo do caos no sinal de um novo ciclo.

41.13 Então a serpente guardará a lança que será de fogo ígneo e guardará aqueles que
vierem para lançar um templo aí, templo onde se há-de adorar a lança do deus e ele
mesmo, embora invisível, e, em redor de tudo isto, há-de nascer uma irmandade nova, que
terá como símbolos a lança e a serpente. A lança, por ser sinal de Deus e a serpente, por ser
sinal da Deusa, aquela que está sempre oculta. E esses serão conhecidos como aqueles que
guardam a porta do mar e que servem a serpente.

42
42.1 Um dragão de fogo: eis a Obra a realizar. Dragão que dorme no coração do homem, se
ele for um guerreiro e um santo.
42.2 Assim o homem é a Obra e a realização da Obra. E através do homem é o mundo que
se realiza. Mas antes, é preciso realizar o homem. E realizado o homem a Obra está feita.
Mas se este não se realizar como se há-de realizar tudo o mais?
42.3 Tudo parte do homem e tudo regressa a ele, eis a questão. E nada será feito, mesmo
pelos deuses, que não tenha o selo do homem, pois o Senhor lhe deu, no início do mundo, o
poder e o mando sobre todas as criaturas. E o homem o tomou dando-lhes um nome. Assim
ele se assumiu como criador e criatura, princípio e fim da realização. Por isso ele porta a
semente consigo, a chama do Senhor, para que realize o mundo e se realize a si. E enquanto
o homem não o fizer, os deuses terão de esperar.

42.4 A Palavra do Senhor: eis o dragão. Palavra que é semente de redenção e fogo que
purifica. E o Senhor lança a Sua Palavra pela boca dos profetas e dos servos e dos sacerdotes
e os manda a semear a terra e o coração dos homens.
42.5 E eles vão de terra em terra, loucos e iluminados, fazer a sementeira, pois não pode
haver safra se a terra não for semeada e o Senhor não pode vir, para limpar a terra e
separar o trigo do joio, enquanto a semente não tiver sido toda lançada ao solo.
42.6 Assim, os profetas e todos os que servem o Senhor, são a Sua semente e o Seu estrume
e as águas que purificam.
42.7 Realizai-me e realizareis a Obra: diz o Senhor. E como haveis de me realizar se não
realizardes a minha Palavra, a minha semente? se não realizardes o fogo que dorme em vós,
oculto e ignorado? Assim, realizai primeiro tudo o que sois, para que eu me realize também.
42.8 Alimentai a chama, dando-lhe tudo: vaidades ou ideais, tanto faz. Ela se alimenta de
vós e vós vos alimentais dela: é isso que importa. Dai-lhe pois tudo: o que sois e o que
julgais ser. Pois se sois é ainda pequeno o ser, e se não sois, mais razão há para não o
serdes. Dai-lhe tudo e ela vos devolverá a minha chama, já não uma vela mas uma fogueira.
E só assim podereis passar da vossa condição de não ser à condição de serdes meus filhos e
meus amados.
42.9 Pois como poderei eu amar-vos se não vos amar no fogo, se não vos amar na revelação?
Primeiro tendes de amar o fogo que vos devora, que vos purifica, e só depois de me amar a
mim. Pois, se não amardes o meu fogo, como podereis chegar a mim, eu que sou fogo e fogo
vivo? Cuidais que chegareis a mim pela carne e pela lei da carne? Só chegareis a mim pelo
espírito e pela lei do espírito.
42.10 É como espírito que vos quero em mim, não como carne. Espírito que se assemelhe ao
que sou, pois se não fordes iguais ao meu fogo, como vos hei-de tomar das sombras e ter-vos
comigo? Primeiro amai o fogo e a redenção do fogo. Primeiro amai o fogo que devora a
carne, que vos torna espírito e sangue do espírito. Então podereis amar-me a mim e vir até
mim, e eu vos receberei e não morrereis mais, pois em mim não há morte, mas eternidade.

42.11 A minha Palavra está nos meus profetas. Amai os meus profetas e será a mim que
amais. Pois quem não ama o servo do seu senhor, como pode ser digno de amar o Senhor?
Amai os profetas e a palavra dos profetas, pois o profeta não existe por si, mas para servir a
Palavra. Assim, eu sou os profetas que envio para o meio de vós, para vos reconduzir até
mim. E a palavra que há neles sai de mim. Assim, eu vos chamo a mim, através deles, e vos
meço e à vossa fé pela medida que usardes com eles e pela fé que tiverdes neles e no que
vos é dito. Cuidai pois deles, como se cuidásseis dos vossos bens mais preciosos, pois eu
estou com eles e só amando o que eles são, me podereis amar a mim.
42.12 Uma ponte eu lancei entre mim e vós: essa ponte chama-se Palavra e chama-se
profecia. Amai a palavra e amai a profecia e amai também aquele que vos dá a palavra, pois
não há palavra sem profeta e não há profetas sem mim. Eu estou no profeta e ele está em
mim.

42.13 A redenção está na palavra e pela palavra chegareis a mim. Um caminho de fogo é a
palavra que vos envio. Um caminho de redenção e sacrifício, onde só os melhores de vós
chegarão ao fim. E, para os coroar e celebrar, o último sacrifício. Assim eu vos distingo uns
dos outros: através da palavra e através do sacrifício.

42.14 Julgais amar-me porque me adorais, mas eu vos digo que só me amareis quando, por
amor a mim, vos realizardes no meu fogo. E como vos haveis de realizar nele se não for pela
morte e pela negação do que julgais ser? Sois carne e putrefacção da carne e, no meio dela,
o meu espírito arde. Sois caos e confusão do caos e, no meio dele, o meu espírito vigia.
42.15 Julgais amar-me porque me idolatrais, mas só me amareis quando me olhardes face a
face e o meu fogo vos devorar, pois o meu fogo devora aqueles que são dignos de mim.
42.16 Cuidai para não vos enganar o que julgais ser amor a mim e é só engano de mim,
confusão de mim. O meu amor é cristalino, não esse lodo que trazeis na alma, sempre que
cultuais aquilo que julgais ser meu e de meu só tem a negação. Eu não sou estátua, ou
ídolo, ou templo de pedra: Eu Sou fogo e espírito.
42.17 Ajoelhai, porque o meu espírito voa sobre vós e está próximo o meu tempo: o tempo
do fogo que vos há-de conduzir a mim. Ajoelhai sobre a terra, pois ela é sagrada para vós. E
se quereis ter um templo para mim, tende-o em toda a terra, pois eu amo o barro como
amo o espírito do barro. E do barro vos fiz.

42.18 Que é a carne, senão um barro misturado com sangue? barro onde sopra o espírito. E
se eu quero que esse barro se transforme em templo meu, templo vivo, que tendes vós com
isso?
42.19 Realizai a minha vontade e realizareis a minha Obra para vós, realizareis um templo
vivo e eu habitarei nele e poder algum terá poder aí, pois só há um Senhor e uma Lei e uma
Vontade. E isso eu sou.

43
43.1 No princípio era o caos. E o caos permanecia solitário e indiferenciado. Ele
permanecia, e só ele existia. Ele não tinha tempo, mas realidade. O tempo passava e ele
permanecia. Ele é a génese da matéria. Ele é a génese de tudo quanto é receptivo, de tudo
quanto concebe.
43.2 Então, vindo do fundo da realidade, surgiu a luz. E a luz se juntou ao caos e procriou
os seres: primeiro as imagens dos seres, o símbolo de cada ser, o seu molde e só depois os
próprios seres; primeiro o sonho, feito de realidade e transcendência da realidade e só
depois a plasmação do sonho, feito de aparência e imanência da aparência; primeiro Deus,
depois o homem e todos os outros que existem.

43.3 No princípio, para lá do tempo e do espaço e de toda a realidade aparente, ou que


possa ser vista, só o caos, só a génese da matéria receptiva. E, vindo do fundo da realidade,
para lá do véu de ilusão, a luz, o bafo de fogo que, penetrando a matéria, a fez gerar filhos.
43.4 E a luz se uniu ao caos e deu origem ao espaço e aos seres e a tudo quanto povoa o
universo, quer seja visível quer seja invisível.
43.5 Assim nasceram os primeiros seres, que crescendo sobre a sua realidade e
ultrapassando a forma, se tornaram deuses e foram adorados por aqueles que vieram
depois.
43.6 Daqui partiram aqueles que fizeram as hierarquias e que semearam o cosmos segundo
os desígnios dos dois primeiros, daqueles que foram Pai e Mãe de todos os seres e de todas
as coisas que existiram, existem ou virão a existir.

43.7 No princípio só a possibilidade, só o ser difuso e receptivo; depois a mistura na luz, a


metamorfose, a síntese dos opostos para formar a realidade dos seres, a luz misturada nas
trevas, o caos unido ao espírito indiviso.
43.8 Dois espíritos se juntaram para formar tudo. Dois princípios opostos e convergentes.
Para trás deles nada há que exista: nem homens, nem sombras, nem deuses.
43.9 Não foram criados e de si preexistem a toda a criação ou mudança. São a matéria e
são a luz; são o tempo e a eternidade. Contêm tudo, são tudo. Nada está fora deles ou
ausente. Assim as coisas nasceram deles e por eles existiram.

43.10 Matéria e luz: eis tudo. E em cada ser a mesma verdade: um corpo de carne, no qual
uma chama arde. A chama é a luz, a carne é o caos. E, ligando os dois princípios, o sangue,
que é parte de um e de outro e que os une, que corre como os rios correm sobre e sob a
superfície.
43.11 A vida é dupla e dupla é a sua face, tendo a Senhora de um lado e o Pai do outro, para
ampararem os seres e ajudarem-nos na realização da Obra, pois esta é o destino de todas as
coisas e só na sua realização haverá realização para cada ser.
43.12 Assim o Pai o quis e a Mãe o assumiu como tarefa Sua, e todos aqueles que Os seguem
o assumiram também. E assim tem sido dito a todos os que os ouvem, pois na verdade só há
duas coisas que são uma só: o Caos, que é a Mãe, e a Luz, que é o Pai. E cada ser e cada
coisa não é mais que parte Sua e realidade Sua. E onde cada ser pensa realizar coisa
própria, realiza verdadeiramente Aquele que o criou.
43.13 Pois a realização não pertence à forma, mas à essência da forma, tal como a verdade
não pertence ao mundo, mas criou o mundo. E o mundo existe e tem forma por vontade
daqueles que o quiseram.

43.14 Tudo vem do um, que é dois num só. Assim a realidade se gerou e nós a vivemos sem
dar conta. E gerou os inumeráveis seres e universos nos quais habitam e têm a sua
realização. E gerou toda a ideia de ser e de coisa. E de palavra que nomeia e de verbo que
realiza. E ainda de sonho que cria o nunca criado nem imaginado possível foi.
43.15 Assim a vida nasce do caos e se alimenta dele e se propaga nos seres e, através dos
seres, nas coisas. Eis a cobra que morde a cauda, eis o infinito que a razão não penetra nem
entende.
43.16 E, todavia, o ser terá de se submeter àquilo que lhe é maior e obedecer à voz do
espírito, quer esta venha da terra ou do céu, da carne ou da luz, que também é fogo. Pois
não há verdade ou realidade que não assentem nisso: matéria e luz, gelo e fogo.
43.17 Só na submissão a porta da realização se abre para o ser. E o ser penetra no domínio
da verdade e entende, sem entender e realiza, não realizando e é aquele que sempre foi.
43.18 Tal é a alquimia que os mestres amam e realizam. Tal é a promessa do Pai e da Mãe
para todos os Seus filhos. Que na realização maior outra realização há: a de todos os que
obedecem.

43.19 Os opostos se juntaram e geraram os muitos, que são os filhos da realização. E em


todos eles foi posta uma chama, como um sinal e uma prova. Sinal para que não sejam
tocados pelos da Sombra e prova para que o ser ascenda rumo aos que o sonharam e lhe
deram vida.
43.20 E foram criados corpos de carne em cada esfera que, vazia, no espaço existia. E
aqueles que tinham começado primeiro, ficaram com isso a seu cargo: de semearem a vida
e velarem pela forma. E os mundos se povoaram, um a um, consonante a vontade daquele
que tudo gerou.

44
44.1 Tudo parte do Pai e tudo a Ele regressa. Como uma cobra enrolada sobre si, assim é o
hino da criação.
44.2 O Pai, abrindo o caminho da forma, cria os seres e todos os opostos. Depois, na outra
extremidade da espiral, acolhe e recebe aqueles que foram até ao fim.
44.3 A serpente é o Seu sinal, que se transformará, no coração daqueles que O amam e
servem, em dragão de fogo, em dragão alado.
44.4 E o homem ergue os braços para ele e estes transformam-se em asas. Asas onde o fogo
arde, como um archote de mil pétalas.
44.5 Assim o homem vai perante o seu Senhor, como um filho do dragão e na Sua corte de
mil anjos toma lugar.

44.6 A sombra não é o oposto da luz, mas a sua negação. E aquele que ama a sombra não
está perdido para a luz, mas está perdido pela luz, pois só os semelhantes se atraem e o
Senhor só escolhe aqueles que, tendo ido até ao fim do caminho, venceram a sombra e a
destruição da sombra e a negaram por amor à luz.
44.7 Assim o plano do Pai se cumpre neles, realizando-se através deles e das suas obras,
que são de expiação e redenção do homem.
44.8 Pois o homem é como uma ponte entre a sombra e a luz, que terá de escolher o seu
caminho realizando a síntese dos opostos, ou domar o seu fogo e pô-lo ao serviço da vida.

44.9 Uma coluna de luz, eis o Senhor, que arde sobre a mais alta montanha do mundo,
como um sinal.
44.10 Pois o Senhor enviou os Seus servos e os Seus sacerdotes e todos aqueles que O amam,
para o mundo. E eles misturaram-se entre os homens e alguns perderam-se e outros
acharam-se. E alguns tornaram-se escravos dos homens e da dor e luxúria dos homens e
outros tornaram-se ídolos e deuses dos ídolos. Assim a mesma semente deu frutos diversos.
E o Senhor viu a tristeza dos Seus filhos e compadeceu-se deles.
44.11 Então escolheu para Seu templo a montanha mais alta do mundo, aquela que domina
sobre todas as nações e que está para lá delas, e aí se colocou como um sinal vivo, para que
todos aqueles que vierem ao mundo e nele se perderem, O possam encontrar no mundo.
44.12 Pois aquilo que se perde na carne é na carne que se tem de achar e aquilo que se
perde em Deus é nele que se terá de reencontrar, já que o mundo e a carne são a ilusão do
Pai para os Seus filhos e a Sua redenção para eles.

44.13 Um altar imenso, eis o mundo. Um altar com um único ídolo: o Senhor, que não está
visível em estátua ou forma, mas em espírito e verdade.
44.14 Assim o mundo foi criado, como um altar onde toda a ilusão fosse sacrificada por amor
a Ele, que é a origem e o fim de tudo quanto vive. E toda a criatura não é mais do que carne
sacrificada, do que dor sublimada ali. Por amor não à carne, mas ao fogo que a anima; não à
dor, mas à redenção na dor; não ao sacrifício, mas ao Senhor do sacrifício.
44.15 Tal é a verdade que rege o altar e que rege o mundo. E todo o caminho a esse altar
conduz. E toda a santidade é aí que se torna fulgor e submissão ao desígnio supremo. Pois só
há um altar e só há um Senhor do altar. E todo aquele que for perante o altar, terá de se
ajoelhar por terra e fechar os olhos da carne e abrir os da alma, para ver o Senhor e todos
os Seus filhos na luz. Pois só a visão do Senhor pode salvar a alma e transmutar a carne em
fogo e torná-lo espírito.
44.16 Eis a vontade do Pai para os Seus filhos: que eles se tornem espírito, não pela negação
do sangue, mas pela transformação do sangue em luz, pois o sangue é o alimento da terra, e
é o alimento do altar e deve encher a taça que contem a semente do futuro: ou o futuro não
poderá existir.

44.17 Derramai o sangue: diz o Senhor aos Seus filhos. Mas derramai-o por amor não à
sombra, mas a mim; não por amor à carne e aos anseios da carne, que são anseios da ilusão
do mundo, mas por amor ao sangue e à luz que há nele.
44.18 Assim cumprireis a minha vontade e realizareis o mundo, pois o mundo realizado é
como um vasto espírito, todo luz e fogo, e, nessa luz e nesse fogo a minha lei, como um
sinal.
44.19 Assim o quero, ao mundo, como um sinal. Dai-lhe pois o vosso sangue e eu lhe darei
luz. Mas cuidado, para que não haja no sangue vaidade ou ilusão do mundo, ou o vosso
sangue gerará monstros e trevas.
44.20 Que o vosso sangue seja a imagem do vosso espírito e não a sua negação, pois só o
sangue puro pode conduzir a mim. E se ele for derramado sem eu estar nele, virão as
sombras e toma-lo-ão para si e aquele que o tiver derramado será tomado por elas e estará
perdido.

45
45.1 Um grande atanor: eis o mundo, no qual se prepara, em cada momento, a grande
mutação: a dos filhos da luz.
45.2 E eles ascendem rumo às alturas, transformados em fogo vivo, até ao lugar onde o
Senhor os espera. E o Senhor recebe-os na Sua taça, que também é o Graal, e nela os
preserva de toda a perda e profanação.
45.3 E uma vez realizado isto, os coloca sobre o Seu altar, que é o altar do próprio mundo.
45.4 Assim se cumpre a lei e se realiza a missão dos seres, pois que tendo partido do Pai a
Ele retornam. E tendo sido criados pelos opostos, realizaram a sua síntese.

45.5 Um grande dragão: eis a humanidade realizada, que ascende sem cessar, melhor, que
realiza a ponte viva de luz que une Pai e Mãe, Aquela que recebe e Aquele que emite.
45.6 Assim o fogo que o Senhor lançou sobre o caos para realizar a matéria viva, retorna a
Ele, transformado em luz. E o Senhor o toma e o acolhe em si. E este fogo não se perderá
jamais.

45.7 No princípio era o caos. E sobre ele caiu o fogo e o fogo o transformou em matéria,
matéria que vive.
45.8 Isto aconteceu no princípio, antes dos deuses e das forças se terem organizado para
gerar os seres e os mundos. Isto aconteceu quando ainda não havia tempo, mas eternidade;
nem espaço, mas centro imóvel; nem ser nem coisa, mas apenas manter e existir. E por
existir tudo se bastava. E por não existir se bastava também.
45.9 Isto aconteceu no princípio. E depois disto tudo aconteceu: os seres e a geração dos
seres, feitos à imagem e semelhança dos deuses, que são o seu arquétipo e fundamento. E
todas as coisas, reproduzindo a mesma coisa: lei e mistério do Senhor.
45.10 Assim o mundo se fez, génese e matriz de todos os mundos havidos ou por haver ainda.
E os deuses que o homem adora e não entende, foram feitos também, pois é bom que haja
adoração no homem e em todas as criaturas, para que os seres se elevem na sua condição
natural e ascendam ao Senhor.
45.11 Isto faz-se pelo amor do mais alto e pelo desejo do mais sublime e pela elevação da
alma àquilo que já não é alma mas luz. Isto faz-se por vontade do Pai que o desejou nas
criaturas e para elas o concebeu e elas o realizam. E querendo ascender aos deuses e com
eles se fundir, descobrem-se unidas ao Pai e com Ele fundidas.
45.12 Tal é a verdade fundamental do mundo e das coisas do mundo; tal é a verdade do
Senhor que todas as criaturas realizam.

45.13 Todos os mundos são um só. Sobre esse o Pai e a Mãe estão juntos, caos e fogo
somados um ao outro. Porque o fogo deve transformar o caos para gerar a matéria viva e o
caos deve arrefecer o fogo para gerar a luz.
45.14 E que são os mundos senão a cópia deste mundo? Cópia e geração, palavra ou verbo:
emissão do Senhor. E os mundos partem a realizar a Lei, portando no seu ventre o mesmo
fogo e o mesmo caos entrelaçados. Cópias também dos mesmos que realizaram tudo.
45.15 Assim cada mundo tem em si o fundamental: aquela que concebe e aquele que realiza.
Aquela que recebe a semente no seu atanor invisível e aquele que é a semente recebida.
45.16 E o fogo aquece o ovo e este transforma-se e transforma a semente. Então aparecem
os seres com alma e destino e a humanidade (que é o conjunto de todas as coisas vivas)
povoa o mundo e o mundo realiza-se.
45.17 E uma vez realizado o ovo e a semente que ele contém, o mundo transforma-se em luz
e regressa àqueles que são o centro imóvel de todas as coisas. Regressa nunca tendo
partido, retoma nunca tendo abandonado - é o que sempre lhe foi dado ser.
45.18 E os seres, que são também tudo isso, o entendem e se fundem entre si e com o
mundo, realizando a Unidade a Vontade e a Lei. Pois assim o determinou aquele que é Pai e
Mãe de todas as coisas.

45.19 Sobre o Absoluto três mundos estão postos: entre si formam o triângulo do Senhor.
Três espíritos velam pelos mundos. Austeros e em silêncio eles velam pela realização da
Obra.
45.20 Nada acontece que não tenha neles o fundamento, nada se passa que não tenha neles
o destino. Assim é, foi e será sempre, enquanto o Senhor o quiser e o determinar.
45.21 Pois o Senhor é o rosto invisível de que todas as coisas são a aparência visível. E
querendo os seres realizar coisas, realizam-nas através do Senhor das coisas e não através
delas mesmas; e querendo ser tudo quanto devem ser, são-no ainda por vontade do Senhor e
não por vontade das criaturas.
45.22 Isto é a Lei e é a vontade que realiza a Lei e não há coisa ou ser que não o cumpra,
mesmo quando julga não o cumprir.

45.23 O Senhor o fez e o concebeu. Assim o homem nasceu do Senhor, como a flor nasce da
semente lançada à terra. E por ter sido criado pelo Pai é um só com Ele e nele se realiza,
realizando a Obra. E esta Obra é tudo: mundo e génese dos mundos, carne e génese da
carne, palavra e génese da palavra.
45.24 Assim o Senhor o quis e o homem o realiza. E realizando isto, tudo está feito, pois só
há uma coisa que são duas e que são muitas. E é na realização da unidade que tudo será
retomado, para que não haja ilusão nem veús sobre os deuses e o abismo, mas visão do ser
uno e integral, e nele cada ser se reveja e se retome e se funda. Tudo isto o Pai quer e se
faz.

45.25 Que não ame o homem aquilo que o Pai para ele não destinou. E se tem de se iludir
sobre a carne e sobre o abismo, que não ceda a alma aos Senhores das sombras.
45.26 Que é o homem sem alma? Aberração e negação da vida! Caminho da destruição que
leva aonde? Nem ao caos, porque aqui o Senhor tem a Sua mão e a Sua lei também. Onde
levará então? À ilusão do caos, mas não ao caos, pois aquele que cede a sua alma por troca
com a ilusão da morte, perde a sua alma e perde a morte.
45.27 A morte é a ilusão do ser que está vivo e deseja a aniquilação do existir. Mas tomada
esta e passado o longo corredor, é a vida que se abre para aquele que ousou. Que aquele
que cede a alma não julgue por isso alcançar vida imortal ou negação da vida, mas antes
alcançará um ser que não o é e um estar que não é coisa alguma. E nesse não ser nem estar,
estará e será não sendo. Assim a ilusão será suprema senhora e nada mais concederá.

45.28 E que são as sombras senão ilusão do homem e véu que o Senhor lançou sobre aqueles
que O amam pouco? Se têm vida, têm-na à custa do homem, porque ele lhes faz sacrifício
da alma e os alimenta assim. E elas crescem devorando os vivos e aqueles que não amam a
luz ou a temem.
45.29 Por isso o Senhor pôs dois anjos guardando as portas do céu. Anjos de fogo, guardando
o fogo. E no meio do céu, sobre o altar, o Graal, esse onde está o sangue dos mártires e dos
profetas e dos sacerdotes e onde está a grande alma do mundo. Tesouro cobiçado pela
sombra, pois a sua posse dar-lhe-ia a posse do mundo e dos seres do mundo.
45.30 Mas o Senhor vela sem sono nem ilusão do sono. E os Seus anjos velam com Ele. E os
sacerdotes e os servos e todos aqueles que servem no mundo e no templo do mundo, velam
também.

45.31 Breve é o reino da sombra: um instante apenas e passa. O Senhor o quis, o Senhor o
determinou. Que não se turve o entendimento do homem nem o seu coração, pois tudo
aquilo que existe serve a lei e serve o Senhor da lei. E serve-a ainda quando parece servir o
seu oposto: o mundo e aqueles que amam o mundo.
45.32 Um eclipse de luz sobre o mundo, eis o reino da sombra. Mas a face do Senhor breve se
desoculta e o sol brilha e a sombra desvanece-se. E sobre a face da terra não há sombra,
pois não há carne para impedir a luz.
45.33 Assim o homem se transformará na luz e esta o transformará também. E não havendo
carne mas luz, como haverá sombra ou ideia da sombra? A sombra é assim não uma coisa em
si, mas uma ilusão do homem que a luz cria. E o homem crê como crê em tudo, iludido e
confuso.
45.34 Mas quando o mundo for transformado em luz por realização da Obra, cada homem
será também transformado e então nada ocultará a luz. Antes ceús e terra serão um só sob
o olhar do Senhor e Este a tomará para si e a colocará sobre o Seu coração, para alimento
Seu e sinal do Seu amor. Pois o homem está destinado no amor do Pai e só nesse amor se
realizará o homem e o mundo do homem e a Obra se fará ouro e vermelho de fogo alquímico
e luz que não tem cor.

45.35 Que aquele que quer realizar o mundo realize antes a Obra do mundo, diz o Senhor. E
realize a luz e realize o meu fogo. E o alimente em cada instante, pois aquele que assim
fizer há-de ascender a mim como uma luz muito difusa e eu a tomarei para que não se perca
no firmamento e a guardarei para o futuro. E o futuro será realizado nele.

46
46.1 Sobre o mundo, distante e absoluto, o Senhor ora. Que vê Ele? Vaidade e ilusão e
cobiça, eis o que vê! E escondida e oculta uma pequena chama, nalguns ainda acesa,
noutros apagada já. E no meio dos homens, vivendo entre eles, as sombras e os anjos: a luz
e as trevas, para que o homem possa escolher. Pois não seria bom que só houvesse luz ou só
houvesse trevas.
46.2 Assim o Senhor consentiu nas trevas e consentiu na luz. E para as trevas criou as
sombras e para a luz criou os anjos. E uns e outros consentiu no Seu mundo, para que
fizessem o trabalho da sua natureza.
46.3 Isto tem sido feito desde que o homem foi criado e posto no mundo para realização da
Obra. E assim será, enquanto a Obra não tiver sido consumada.
46.4 Só então o Senhor descerá ao Seu mundo e unirá os opostos e juntará a sombra e a luz
numa só coisa e anjos e sombras estarão realizados no homem e tudo estará realizado no
Senhor.

46.5 A Obra é um ovo. O ovo tem três partes. No meio o sol que é o Senhor e a Sua mão
aberta. A seguir a luz que é branca e cristalina e tem os olhos do Senhor nela. E por último a
matéria que é negra e dura, onde o Senhor tem o Seu altar e onde o sacrifício se consuma.
46.6 Nos três centros três classes de criaturas. Primeiro os deuses que são transparentes e
puros, como a luz o é. Depois os anjos e os sacerdotes e os servos, que são a palavra do
Senhor e os Seus olhos sobre o mundo. E por fim as sombras, que são pedaços de trevas e
pedaços de luz misturados e com as sombras os homens e todas as criaturas.

46.7 O Senhor é como um alquimista supremo que tendo criado a Obra e o mundo que é a
génese da Obra, vela agora pela sua consumação. Atento ao mundo, do infinito Ele vigia e
ora.
46.8 De ciclo em ciclo, Ele envia o Seu dragão e a Sua serpente. A serpente para fecundar a
terra e o dragão para a incendiar.
46.9 E a serpente penetra na caverna do mundo como o homem penetra na mulher e deixa
sobre o altar da terra os seus ovos: três ovos ela deixa ali. E depois adormece enrolada
sobre si e aos pés da Mãe ela fica à espera.
46.10 E feito isto o dragão ergue-se sobre a terra, como um sol de destruição e o seu bafo
ardente cai sobre os homens e sobre as criaturas, para as incendiar e transformar em
archotes do Pai.
46.11 Então a terra inteira é transformada num rubi, ardente e transparente, no meio do
qual arde um fogo muito suave e vivo. E a Mãe, recebendo em si esse fogo, toma nas mãos
os três ovos da serpente e sopra-lhes em cima para que eles se abram. E eles abrem-se para
Ela e três seres nascem assim.
46.12 O primeiro é da cor do fogo e é vermelho, o segundo é da cor do leite e é branco, o
terceiro é da cor do abismo e é negro.
46.13 Esses são os filhos de serpente e são aqueles que têm em si a semente dos três mundos
e das três raças que reinam sobre a terra e sobre todas as coisas.
46.14 O dragão e a serpente, eis a mão do Senhor - e os Seus animais sagrados. Pois quando o
Senhor se ergue sobre o altar do mundo e ergue ao alto o cálice do sangue que também é o
Graal, os Seus animais estão com Ele. A serpente sob os Seus pés, formando a espiral que é
a realização da matéria; o dragão sobre a Sua cabeça, formando a cruz e a rosa que é a
realização do espírito. Estes são os animais sagrados do Senhor, e são as Suas mãos sobre o
Seu mundo e são também os caminhos para Ele.
46.15 Por isso o homem pode escolher a via da carne, se transcender a carne e o abismo da
carne; ou o espírito, se transcender o espírito e o sonho do espírito. Pois o Senhor está para
lá da carne e também do espírito. E na carne Ele assenta os pés que são o firmamento do
espaço e do tempo e no espírito Ele assenta a cabeça que é o firmamento de todas as coisas
vivas.
46.16 Mas o Senhor realiza a Obra e está na Obra e não é a Obra, antes o sopro que a faz
viver e existir. E realiza o mundo e ama o mundo e não é o mundo, antes o fogo que o
alimenta desde o centro. Por isso importa amar o mundo e amar a Obra, mas não se deter
neles. E amar e realizar a vontade do Senhor, que é a realização do espírito, mas, não se
deter nele. Pois o Senhor é a Obra e a transcendência da Obra, o espírito e a transcendência
do espírito.
46.17 E se amamos a Obra e ficamos nela, não amamos o Senhor. E se o espírito nos realiza,
não nos realiza o seu Senhor. Assim, interessa amar a Obra para realizar o mundo, mas
interessa mil vezes mais amar o Senhor da Obra, para realizar a Obra no Senhor. Pois que
será da Obra se não houver Senhor e que será do homem se, realizado o mundo, pelo mundo
ficar retido? Amai a Obra, diz o Senhor, mas realizada esta deixai-a para mim, que só eu a
posso tomar.

46.18 O mundo é a Obra. Em redor do mundo, guardando-o, o dragão vela e espera. No


centro dele, adormecida, a serpente está onde a Mãe vela também. Sobre o altar da terra
três ovos repousam há muito. A Mãe os tem sobre o Seu ventre e os acaricia. Ao alto, no Seu
trono que são os mundos e os sóis dos mundos, o Senhor olha e vê. Em redor do trono,
formando círculos sem fim, aqueles que O servem esperam.
46.19 O Senhor ergue então a Sua mão esquerda e no centro dela um olho de luz e fogo se
abre. Os servos curvam-se. Os sóis empalidecem e perdem o brilho. Os mundos detêm-se nas
suas órbitas. O dragão detem-se sobre a terra. A Mãe cessa o Seu gesto.
46.20 Então o Senhor ordena que a trompa soe, a anunciar o fim do ciclo. E enquanto o
espaço e o tempo estremecem, o dragão larga o seu fogo sobre a terra, consumindo tudo,
devorando tudo.
46.21 E há aqueles que são feitos de carne e trevas e onde o fogo há muito se apagou e estes
são transformados em cinza. E há aqueles outros onde a chama ainda brilha, quase mortiça,
e esses são transformados em archotes vivos e se elevarem os seus olhos e tiverem fé, serão
salvos. E há ainda os que são mais chama do que carne, mais luz do que trevas, e esses
recebem o bafo do dragão como uma bênção, e transformam-se em luz e ascendem
directamente ao Pai e ao Seu trono e tomam lugar entre aqueles que O servem.
46.22 Tudo isto o bafo do dragão fará, quando chegar a hora do mundo e da realização do
mundo e o Senhor o quiser. E ai daquele que não o entender ou se quiser opor ao dragão,
esse será transformado em cinzas que o vento espalhará sobre a terra, para que não volte a
nascer. Mas bendito será aquele que tiver fé no Senhor e que ame o mundo e realize a Obra,
pois o Senhor o tomará nos braços e o receberá no seio. Esse viverá e será coluna do templo
do Senhor e verá a Obra e a sua realização e tudo entenderá.

47
47.1 A palavra do Senhor: eis o dragão. E se o profeta se levanta sobre a terra, o dragão
levanta-se com ele e vai onde ele for, para abençoar ou para amaldiçoar, pois o dragão
serve o profeta e serve a palavra. E que é o profeta, senão uma palavra do Senhor? Palavra
e fogo da palavra. Espírito e visão do espírito. Assim o profeta se realiza na palavra e se
realiza no Senhor e o Senhor se realiza nele realizando a Obra, que é o mundo.

47.2 O profeta é uma semente de redenção. Semente que o Senhor lança no mundo quando
o Seu dia vem próximo, pois não é bom que o homem se perca na sua procura. Assim o
profeta vem ao mundo para anunciar a nova era e falar da nova aliança entre o Pai e os
filhos e indicar-lhes o caminho do regresso. E o dragão vem com ele, para fazer o milagre da
transformação da palavra em fogo e este em espírito e também para que aqueles que
duvidam do Senhor e da Sua palavra possam ver por si que o Senhor está presente na palavra
e que o profeta é um sinal Dele. É por isso que o profeta abençoa no fogo e no fogo
amaldiçoa, pois verdadeiramente não é um corpo de carne que fala, mas um espírito de
fogo que vive.

47.3 A palavra do Senhor: eis todo o milagre, que o profeta serve e o dragão serve e, todo
aquele que procura o caminho do retorno, serve também. Pois, na verdade não há profeta e
sim palavra; nem palavra, mas antes o Senhor. E Ele reveste-se da palavra e do profeta
unicamente para chegar ao entendimento do homem e para que o homem O veja como um
deles.
47.4 Então o homem deixa-se seduzir pela palavra e pelo fogo da palavra e pelo milagre
que há nela e o profeta envia-o ao Senhor. E quando ele chega perante o trono do Altíssimo
e olha o Eterno face a face, ele vê o profeta e a palavra e o fogo. E é consumido nessa
sabedoria.
47.5 Pois aquele que vai perante o trono já não vive na carne nem no sangue, mas no
espírito. Por isso o Pai se desvela perante ele, para que haja entendimento e união. E para
que haja fusão.

47.6 O profeta é uma máscara que o Senhor põe no dragão, pois a visão do fogo sem
máscara seria terrível. Assim, aquele que procura o Senhor, procura-O primeiro na palavra e
depois no servo da palavra, só depois no fogo. Pois três são os estágios da Grande Obra e de
toda a obra por menor que seja. Assim o homem realiza a Obra em si, realizando os três
estágios dela; amando a palavra e a génese da palavra e o espírito que a alimenta e cria. E,
amando a palavra e o seu espírito, ele ama também aquele que criou tudo isso e que os
enviou como sinal Seu. E a Obra realiza-se.

47.7 E que é o dragão, senão o espírito do Senhor, um espírito inflamado; nascido da luz
que antecedeu a luz e do caos que é anterior ao caos; nascido daquilo que não é forma, nem
conceito da forma, nem pensamento dela, e todavia nascido. Os mundos, dele se alimentam
como as árvores se alimentam do céu e da terra, recebendo e transformando as energias.
47.8 Do mesmo modo o dragão os alimenta, no centro e na periferia, lançando no meio um
coração de fogo e na periferia um manto verde. E povoando o mundo de criaturas, feitas
desse fogo interno e desse manto verde.
47.9 E as criaturas misturam os dois fogos, dentro de si e ao seu redor e mantêm a chama
viva. Porque uns cedem-lhe a carne e o desejo da carne, e assim alimentam o coração do
mundo; outros cedem-lhe o espírito e o desejo e ideal do espírito, e assim alimentam o seu
manto verde.
47.10 Duas alquimias, portanto, mas uma só coisa na verdade, pois só há um dragão e só há
um fogo e é o fogo que alimenta tudo.

47.11 O Filho do Homem: eis o Grande Dragão, que o Senhor tem à Sua direita e à Sua
esquerda, para O guardar e servir na revelação. A Sua direita, com a aparência de homem; à
Sua esquerda, com a de mulher. Duas aparências para a suprema máscara, para o supremo
espírito.
47.12 E o Senhor toma-os pela mão, ora um ora o outro, consoante os ciclos se iniciam ou
terminam. Assim Ele os toma em si, para darem corpo à Sua gestação e os lança nos mundos
para darem testemunho da Palavra. E eles vão a Seu mando: o dragão macho, para lançar a
semente da palavra e do fogo e do espírito; o dragão fêmea, para lançar a da carne e do
sangue e do desejo. E as sementes misturam-se no coração do homem e no coração dos
mundos e dão o seu fruto.
47.13 Assim o Senhor se realiza e realiza a Obra dos mundos através do dragão que é o fogo
do Seu espírito. E quando a Obra está realizada e a criação consumada, Ele a chama a si e
dela se alimenta durante o Seu sono que dura mais um ciclo sem tempo.

47.14 Que será do mundo sem o fogo? E que será do fogo sem a serpente? Em tudo há
mistério e o mistério é só um: daquilo que começando por ser caos se fez luz e esta se
tornou carne e sangue e este por sua vez fogo e este mais longe em espírito.
47.15 Assim tudo começou pela serpente e há-de terminar pelo dragão. Serpente que ganha
asas no coração do homem, que se ergue sobre o mundo e se une a Deus, já que a Obra é
sempre a mesma e o salto vai sempre da carne ao espírito, passando o abismo da escuridão,
que também são os sentidos.
47.16 Um ovo de carne: eis a Obra do Homem, onde o Pai pôs a semente da luz. Um vaso de
matéria: eis a Obra do Senhor, onde o homem lançou esperanças e ideais, para realização
da luz. Assim o homem se une ao seu Senhor, na mesma realização e na mesma procura.
47.17 Pois que é o homem, senão o futuro por realizar? e que é o Senhor, senão o passado já
realizado? duas partes que formam um todo. E o dragão e a serpente unem essas partes,
fazendo a ponte viva entre carne e espírito e assumindo-se sangue da terra, que o cálice
sagrado colhe sem cessar, pois as eras começam e findam no mesmo ponto e só no cálice,
que é a vontade do Senhor, se unem. Tal é a palavra e a sua realização.

48
48.1 E no terceiro dia e na terceira hora o Senhor visitou o Seu mundo. E com Ele foram os
Seus anjos e todos os que O servem. E chegados ao centro da terra, ali edificaram um
templo que era uma montanha de luz e a assinalaram segundo a geometria e as leis que
regem as coisas.
48.2 E este templo tinha quatro portas e doze janelas. E a cada porta foi dado um anjo, que
também é um Senhor do Fogo, para que a guardasse. E a cada janela foi dado um servo,
para que a guardasse também. E eles assim o fizeram segundo as suas forças próprias e a
sua missão.
48.3 E quando tudo isto estava feito, reuniram-se todos aqueles que serviam o Senhor e
puseram-se em círculos uns em redor dos outros, segundo a sua categoria e luz. E quando
todos os círculos estavam acabados e o Senhor repousava no centro, imponderável e etéreo,
um trono de luz e pedras foi criado. E nele o Senhor tomou lugar e colocou ao Seu lado
direito o Seu dragão e ao Seu lado esquerdo a Sua serpente e aos Seus pés os Seus animais
sagrados: o cordeiro, a águia e o leão.
48.4 Então as portas do templo foram abertas e as janelas foram abertas também, e por
elas saiu uma luz muito intensa, para que aqueles que demandassem a terra sagrada a
pudessem encontrar.

48.5 Muitos foram os que vieram para adorar e para servir, e todos foram recebidos e
participaram do banquete nupcial. E a cada um foi dado segundo o seu mérito e a sua
verdade e nenhum foi desprezado nem repelido. Assim os servos do Senhor cresceram em
número e verdade e isso agradou muito.
48.6 Houve também aqueles que vieram para escarnecer, e esses também foram recebidos.
Mas uma vez levados perante o trono, o Senhor olhou-os nos olhos e confundiu-os. E tendo
vindo para escarnecer foram escarnecidos, e tendo vindo para semear a confusão foram
confundidos. E esses não participaram no banquete nupcial, antes foram arremessados ao
limbo e nele permanecerão até que os tempos findem.
48.7 E outros vieram que duvidavam e que usavam o pensamento como crítica. Esses
também foram recebidos e levados perante o trono. E chegados perante ele, o Senhor lhes
abriu os corações e os olhos e eles viram a verdade da revelação e souberam no coração o
que era falso e o que não era. E esses ficaram para o banquete nupcial, tornaram-se servos
também e não voltaram a duvidar.
48.8 Assim o Senhor recebeu os homens e os seus emissários e a cada um foi dado de acordo
com o seu merecimento e nenhum recebeu mais ou menos do que o devido.

48.9 E feito isto o Senhor mandou selar o templo e reuniu os servos ao Seu redor e oraram
juntos. E feita a oração e guardado o silêncio, o Senhor abriu os braços e invocou as forças
da criação e aqueles que são os deuses construtores e destruidores e eles vieram perante
Ele e juntos fecharam o ciclo. E no próprio templo só ficaram os animais sagrados, o dragão
a serpente e um homem, este como testemunho de todos os outros. E o Senhor, por ser a
síntese de tudo o que existe.

48.10 Então o templo como que se fechou sobre si e tomou a forma de uma semente, em
parte luz e em parte caos: luz no centro e caos no exterior. E a luz era O Senhor e era o Seu
espírito; e o caos era a Mãe e eram os que ficaram como testemunho do que tinha havido.
48.11 E esta semente ficou a pairar sobre o abismo do infinito, tendo de um lado o tempo e
do outro o espaço. E assim permanecerá, como a semente permanece suspensa sobre o
abismo da terra, à espera que as energias fundamentais a façam florir e dar fruto.
48.12 E que é o abismo do incriado e o instante em que coisa alguma existe, senão esse
adormecimento da semente mergulhada na terra? semente que espera a Primavera e o sol
que a há-de vitalizar e o ceifeiro que a há-de colher e dar-lhe continuação e destino.
48.13 Assim a Obra do Senhor espera também, encerrada sobre si e incerta quanto ao futuro,
pois a menos que sobre a terra brilhe a luz, não haverá renovação. E se o espírito do Senhor
não acordar do Seu sono e erguer de novo o facho da nova era, como haverá novo ciclo? mas
o Senhor vela e ora e os Seus animais velam também.
48.14 Cumprido que seja o instante em que nada é o que era nem o que será, a Mãe será
fertilizada na Sua matéria prima pelo fogo que é raiar da aurora, o Seu ventre será aquecido
pelo sol que se ergue no horizonte e uma nova raça nascerá para herdar o mundo. Então o
Senhor acordará do Seu sono sem sonhos e os Seus animais acordarão também e o templo
será reconstruído.

49
49.1 O reino do Pai é como uma rosa, onde o perfume inebria a alma e chama aqueles que
com ela estão em sintonia.
49.2 E só os chama a eles, pois cego surdo e mudo é aquele que não está em relação com o
Pai, antes o está com as trevas que há no mundo.
49.3 Esse não será chamado pela rosa, nem a verá, antes será chamado pela sombra e por
aqueles que habitam a sombra, e será devorado por ela.

49.4 O caminho da rosa é o caminho do Senhor. Caminho estreito e difícil. Caminho vertical
sobre o plano horizontal da matéria. Que terá de ser percorrido dum só salto, dum só voo,
para o que será necessário que as asas do espírito tenham nascido e que a alma se tenha
realizado, ou não haverá ascensão, mas queda; nem encontro, mas perda; nem realização,
mas aniquilamento.
49.5 Assim é a rosa: um sol repleto de espinhos, pois não seria bom que a culminância da
Obra se pudesse alcançar sem ultrapassar a dor da matéria e a da alma.
49.6 Que aquele que quiser realizar a Obra do Pai, medite no enigma! Toda a realização é
tripla: primeiro no caos, que é a matéria instintiva e que é os sentidos; depois na alma, que
é a matéria anímica e que é os ideais e os sonhos e, por fim, na matéria espiritual, que é a
aspiração da consciência e a sua realização.

50
50.1 Sete anjos o Senhor enviou diante de si ao mundo: sete anjos e sete trombetas, sete
selos também.
50.2 Pois sete são os mistérios fundamentais que há entre o Senhor e as criaturas; sete
mistérios que o Livro revela.
50.3 Que aqueles que podem ouvir, oiçam. Que aqueles que podem ver, vejam. Pois sete
são os anjos do Senhor e cada anjo quebrará um selo do Livro. E a Obra será consumada.

50.4 Enviei-vos o meu Livro e enviei-vos a minha Palavra. E a minha Palavra está no meio de
vós para que haja testemunho de mim. Quem poderá agora negar-se e negar-me a mim?
50.5 Para vos conduzir ao altar da vossa e minha consumação, enviei-vos um consolador,
aquele onde a Palavra está escrita. Quem se poderá agora negar a mim, sem se trair e trair
o destino?
50.6 Fiz-me homem para estar no meio de vós. Dei corpo aos meus anjos e mandei-os
perante vós, para vos falarem de mim. Quem se poderá negar a ouvir? E se o fizerdes, que
amor vos poderá consolar? Nem a minha sombra irá perante vós, quanto mais eu.
50.7 Cuidado, porque a primeira trombeta já soou e o primeiro selo já se partiu. E aqueles
que virem, viram e aqueles que escutarem, escutaram: mas o tempo termina.

50.8 Enviei-vos sete anjos: enviei-vos sete consoladores. Deuses de justiça e de amor, onde
a espada e a taça se unem para formar a unidade que sou. Pois eu sou o Deus de uma
eucaristia nova e o pacto de uma nova aliança a celebrar entre mim e os homens, para que
haja uma nova Jerusalém e os justos tenham uma pátria entre vós.
50.9 Assim eu o quis, assim os meus anjos o fizeram, para que haja paz onde agora só há
guerra e amor onde agora só há ódio e esperança onde só existe desespero.

50.10 Sete anjos, sete selos, sete letras. Dos sete vereis cinco, pois dois estão perante mim
como as colunas do meu templo, aquelas que unem o firmamento ao mundo e que são a
base de sustentação de tudo. Essas não as vereis. As outras haveis de vê-las.
50.11 A primeira como uma coluna de fogo: essa escreverá o Livro e o seu nome será como
uma espada de luz; a segunda como a luz suave do poente: essa será a minha porta e o meu
véu e o seu nome será de serpente; a terceira como um sol irradiante, um sol de justiça e o
seu nome como um grito de ave; a quarta como a água fria: límpida e transparente é a sua
luz e o seu nome será como uma casa térrea; a quinta e última que vereis, como a escuridão
da morte: como uma noite sem estrelas vos há-de parecer, e o seu nome será como um
lamento.
50.12 Cinco consoladores vos enviei. Cinco selos serão quebrados, outras tantas promessas
serão cumpridas. Assim eu me revelo no meio de vós, para que não andeis perdidos, antes
encontreis o caminho do retorno.

50.13 Sete selos tem o Livro. Cinco serão quebrados por vós e pelos meus anjos. Os dois
últimos sê-lo-ão por mim.

50.14 E ai de vós quando tal momento chegar. De luz e fogo tereis de ser, ou não resistireis à
minha ira. Pois eu tenho muitos rostos e o primeiro é de justiça e perdão, mas o último é de
ira.
50.15 E quando a minha ira cair sobre vós e sobre as vossas obras, onde vos haveis de
esconder? nem sob a terra nem sobre ela: até aí me vereis, pois a minha ira é como um
espírito de fogo e não há rocha ou carne que o possa deter.
50.16 Não vos escondais de mim quando a minha ira tombar sobre vós, recebei-a antes de
braços abertos, como os filhos recebem os pais que há muito não vêem, pois aquele que se
esconder de mim será consumido e aquele que me temer será possuído pelo seu temor e só
aquele que me amar me terá. Não vos escondais, pois, porque a minha mão irá até onde
fordes e o meu olhar há-de perseguir-vos até em sonhos, quanto mais no despertar.
50.17 Recebei-me antes como os amigos se recebem entre si, com saudade e esperança. E
preparai para mim um banquete na terra, para que eu prepare outro nos ceús. Eu estarei à
vossa mesa e vós estareis à minha.
50.18 E cuidai para que eu seja bem recebido, pois a mesma medida que usardes para mim
será usada para vós.
50.19 Não cuideis que o meu amor perdoe o que não tem perdão e esqueça o que não deve
ser esquecido. Pois o meu amor só ama aquele que lhe é grato e aquele que vai junto dele
para ser possuído. Esse eu amo e recebo, não aquele que vem a mim com falsas promessas e
falsas esperanças. Pois o meu amor é justo e serve a Lei e nela eu tenho a minha Vontade.

50.20 Um consolador vos enviei já. Os outros vos enviarei a seguir. Cada consolador quebrará
um selo. Sete selos tem o Livro, e, quando o último selo se quebrar, eu enviarei o meu Filho
perante vós e Ele vos fará compreender.
50.21 O meu Filho é doce e suave. Os seus olhos são de ouro e o seu coração de mel. Ouro
para vos transformar e mel para vos saciar a fome. Pois ele é a porta que vos há-de conduzir
a mim e se ele não vos transformar, como passareis? amai-o a ele primeiro e amai-me a mim
depois. E se quereis vir a mim, ide primeiro a ele e escutai a sua mensagem, que é de
justiça e perdão, pois se não o ouvirdes a ele, como me ouvireis a mim? E se não tiverdes
amor por ele, como haveis de tê-lo por mim? Ide então primeiro perante ele, para que
através dele possais chegar até mim. Ide e amai-o bem, pois nele eu estou e não há dois de
mim, mas um só.

50.22 Se me quereis para vós, querei-o a ele antes. E querei também cada um dos meus
anjos e dos meus servos e dos meus profetas, pois a minha voz está com eles e a minha
Palavra ressoa no seu íntimo. Por ela sereis salvos ou condenados. Salvos se ela der fruto e
sementeira do fruto; condenados se a semente cair em terra dura e não houver fruto nem
sementeira, antes cardos.
50.23 Escutai bem os meus anjos. Escutai-os com o coração aberto, pois a minha Palavra é
dirigida ao vosso coração e não à vossa mente, já que a vossa mente confunde e estraga.
Recebei a minha Palavra com o coração e entendereis. É tudo o que vos peço.

51
51.1 Eis o Livro do Senhor, eis a Sua génese. Este Livro tem nome de homem e este homem
tem nome de profeta. Quem puder entender que entenda.
51.2 O Senhor o escreveu para glória do homem e o homem o trouxe à manifestação para
glória do Senhor. Assim as profecias se cumpriram e a Obra se realizou.
51.3 E realizada a Obra e cumprida a profecia, realizou-se o homem e realizou-se o seu
Senhor e realizou-se também o mundo, pois o mundo é a matéria da Obra, mas não é a
Obra; o homem é a alma da Obra e a alma do mundo, mas não é a Obra nem é o mundo; o
Senhor é o espírito da Obra e é o espírito do mundo, mas não é a Obra nem é o mundo.
51.4 O Senhor a realizou através do homem e a entregou ao homem, para sua mútua glória.
E realizada a Obra, realizou-se tudo: a carne da Obra e a alma da Obra e o seu espírito.
51.5 Assim o mundo se cumpre e o homem se cumpre e o Senhor se cumpre pela realização
da Obra. Pois só há uma coisa que é todas as coisas juntas e só há um mundo que são todos
os mundos num só, e só há um homem que são todos os homens nele, e só há um Senhor
porque só há uma Lei e uma Vontade e um Amor. E tudo isso é Ele.

51.6 No Seu templo de luz o Senhor governa absoluto no Seu trono de ouro e pedras. Aos
Seus pés um anjo lê o Livro. Neste, está tudo o que houve, há ou haverá. O nome de todas
as coisas e elas mesmas. A génese de todos os deuses e eles também. Os arquétipos dos
seres e os próprios seres. E a suprema Lei, base e cúpula de tudo quanto é vivo.
51.7 O anjo lê perante o Senhor e o Senhor sonha e cria segundo a Palavra. Assim o mundo
existe e existe o profeta e existe todo aquele que serve na consciência e também aquele
que não serve nela e apesar disso serve também. Pois o Senhor criou uma só medida para
todas as coisas e uma só Lei para as governar. E a balança tem dois pratos mas é só uma.
51.8 Assim todos serão medidos e julgados de igual modo, mas aqueles que forem perante
Ele em amor e verdade serão juntados numa beira e aqueles outros que forem em falsidade
e despeito, serão apartados noutra beira. E o Senhor porá o Seu anjo entre eles, e a uns será
dado o domínio do céu, e aos outros o domínio do inferno, que também é o mundo, e já não
se juntarão mais.
51.9 O Livro e a Obra: as duas armas do Senhor. Os Seus dois animais também. O Livro que
é a Palavra, a Obra que é tudo. E para realizar o Livro, o homem que é a carne e a alma e o
espírito da Palavra. E para realizar a Obra, o mundo que é a base e o céu que é a cúpula. E
realizado o Livro e realizada a Obra, realiza-se o Senhor do Livro e o Senhor da Obra e
realize-se o próprio mundo.
51.10 Assim a serpente que é a matéria, se transforma no dragão que é o espírito. E o dragão
vai perante o trono e lança o seu fogo, que é a luz primeira, na taça que está no altar do
mundo e perante o Senhor. E o Senhor anuncia a realização da Obra e a realização do
mundo. E fecha-se sobre si e é a noite das coisas. E passa-se um ciclo mais.
51.11 O Livro é fechado nos seus selos e os nomes e as coisas e os símbolos são fechados
nele. E aqueles que estão perante o Senhor caem no sono e dormem também. Então as
portas do templo fecham-se e o próprio templo fecha-se também e toma a forma de um
ovo. Como uma flor que se encerrasse para o mundo ou como uma semente que se unisse a
si. E tudo cessa.
51.12 Não há estrelas no céu nem mundos sob as estrelas. Nem deuses nem nada. Apenas o
caos que é a matéria sem divisão nem luz e, no centro do caos, a semente que é o Senhor e
o Seu templo e os arquétipos de tudo.
51.13 Assim a Obra se transforma na semente. E a semente brilha no seio do caos, pronta a
despertar o caos quando o dia do Senhor vier. Então o caos abrir-se-à para a fecundação e a
sua matéria se tornará sensível sob a mão do Senhor. Este a moldará de novo e dela fará,
sair os seres e as coisas e os mundos. E tudo terá novo início.

51.14 O caos e a semente: eis tudo. O Senhor a sonhou e o caos a concebeu. E para a fazer
viver deu-lhe o fogo que é a luz. E a luz penetrou no caos e este transformou-se na matéria
e no sangue que é o seu espírito. E o fogo devorou a terra e separou os elementos em coisas
distintas. E de um lado ficaram as forças da construção e do outro as da dissolução e no
meio de ambas ficou o dragão, que é o espírito da terra e que é o anjo do Senhor.
51.15 O Senhor soprou sobre a terra e esta cobriu-se de vida: seres rastejantes e seres com
asas. E o Senhor soprou novamente sobre ela e fez o homem e fez a mulher. Ao homem deu
a Palavra e à mulher deu o Sangue. E o anjo do Senhor veio perante o homem e a mulher e
deu-lhes o Fogo, que é a inteligência e o raciocínio. Então eles puseram nome em todas as
coisas e as coisas ficaram sob o seu domínio.
51.16 O Senhor lhes entregou a terra e as coisas da terra, para que eles as vigiassem em Seu
nome e as fizessem dar fruto e progredir. E para os ajudar deixou o Seu anjo e a este deu a
memória de todas as coisas e a guarda do Livro. E foi-se embora do mundo, para o Seu
templo no firmamento, para que a Obra se pudesse realizar por si.
51.17 Durante muitos ciclos o anjo instruiu o homem nos mistérios do Livro e no uso da
Palavra (que também é o Verbo) e o mundo prosperou perante o olhar do Senhor. E três
ciclos se passaram. Mas no quarto ciclo o homem achou-se senhor da terra e esqueceu o
anjo e esqueceu o Livro e toda a sabedoria do Livro e fez deuses à sua imagem e
semelhança e desafiou o Senhor. Então o Senhor voltou-lhe a face e ficou sombrio o mundo.

51.18 O anjo foi perante o Senhor e deu-lhe conta das ambições do homem e dos seus medos
e fracassos e o Senhor apiedou-se do mundo e do homem. Por isso o Senhor enviou o Seu
Filho, que também é filho do homem, e enviou o Seu profeta, que é aquele que resume o
Livro pois ele próprio é o Livro vivo e enviou os Seus servos, que são aqueles que servem a
verdade e o amor. E tudo foi feito para glória do homem e glória do Senhor.
51.19 O homem reparou nos servos, escutou o profeta, viu os milagres do Filho e olhando
fundo no seu coração só viu escárnio, confusão e trevas, então teve medo dos frutos de sua
obra e recebeu a Palavra do Senhor e seguiu-a. Mas passado o tempo dos milagres e
esquecido o profeta, de novo a Palavra foi esquecida e a verdade perdeu-se.
51.20 Por isso o Senhor largou o Seu dragão sobre a face do mundo, e lhe ordenou que
lançasse o fogo sobre as nações, para que o homem seja confundido e possa saber o que é
falso e o que é verdade. E para que aqueles que amam o Senhor possam despertar, e
aqueles que não O amam, possam ser precipitados no abismo. E o abismo os receberá e se
fechará sobre eles e sobre as suas gerações.
51.21 Então o dragão será posto na terra do fogo, a meio dela, para guardar a sua porta e o
seu centro, e aos pés do dragão será posto o Livro, e ele o guardará também. E o mundo
conhecerá a realização da Obra por mais três ciclos.

52
52.1 O Senhor é como um jardineiro que tivesse em sua casa mil flores. Cada flor é um
mundo de brilho único. O Senhor cuida de todas e de cada uma com igual desvelo e amor.
Lança as suas sementes na terra da eternidade e entrega-as aos cuidados da Grande Mãe.
Esta, recebe essas sementes no Seu útero e transforma-as em mundos, em homens e em
deuses. Assim a cadeia da criação se cumpre e os ciclos se unem formando o tempo do
Senhor.

52.2 O Senhor é um jardineiro e o mundo é o Seu jardim. Cada ser é uma flor que Ele cuida,
desde o instante do nascimento até ao instante da morte. Quando a flor nasce o Senhor ora
por ela. Quando a flor deixa a carne e penetra no espírito o Senhor ora também. E entre a
carne e o espírito o Senhor vela e cuida, para que a carne se transforme em ponte e para
que a alma possa ir do lugar da noite ao raiar do dia.
52.3 Isto tudo o Senhor faz pelo Seu jardim e por cada flor que o habita, pois o Senhor é
justo e ama a vida de cada ser e tem para ele um propósito sagrado. E se o ser cumpre o
propósito, o Senhor cumpre a promessa que lhe fez: de o receber em si no instante supremo
em que os seus olhos vêem e a sua alma sabe e ele é. Então o Senhor o toma para si e o
retira das trevas e esse não nascerá mais, antes viverá eternamente no Pai.
52.4 Assim se realiza a Obra do ser e se realiza a Obra que o Senhor quis para ele. E o
Senhor alegra-se disso e com Ele se alegram os Seus anjos e os Seus servos e todos os que O
amam.

52.5 O jardim do Senhor tem as dimensões do Universo. No meio do jardim o Senhor ora e
vigia. E junto a Ele vigiam e oram os Seus animais sagrados: a serpente e o dragão. A
serpente que é sinal do caos e da matéria. O dragão que é sinal do espírito e da
transformação da matéria em espírito.
52.6 O Senhor está no centro erecto e absoluto, qual coluna de luz. Os Seus animais estão a
Seu lado, um à direita e outro à esquerda. Suportando o trono do Senhor, está a Grande
Mãe, Aquela que é origem e fundamento de toda a existência: Ela é a base de que o Senhor
é a cúpula.
52.7 O universo e todas as coisas criadas habitam no meio, entre o céu e a terra. Assim o
universo é como uma esfera de um só lado, pois do lado de dentro habita a vida e os seres e
o Senhor também, e do lado de fora habita o nada e a negação da vida e aquilo que nunca
foi coisa alguma.

52.8 Um jardim sem fim, eis o universo do Senhor. E para cuidar do jardim mil anjos que
são mil sóis. E para ajudarem os anjos mil servos que são mil planetas. E para ajudarem os
servos mil criaturas e espécies de criaturas, que são aqueles que realizam toda a Obra e
todo o pormenor da Obra. E entre o Senhor e todos aqueles que servem o propósito, os Seus
sacerdotes e profetas e colunas. Esses que são dois e quatro e sete e nove e finalmente doze
ou setenta e dois.
52.9 Eles são a cadeia entre o firmamento e a base do firmamento, e são também a árvore
sagrada que existe no centro do universo, a árvore que é a cruz e a alma da cruz, essa sob a
qual o Senhor governa e ora.

52.10 Que jóia se poderá comparar ao jardim do Senhor? Mil jóias que são luz e mil luzes que
são jóias. E dentro de cada luz um ser que é essa luz e que é essa jóia. Mil jóias que são
uma só coisa: o Senhor e a Senhora, dobrados um sobre o outro, formando as duas metades
da esfera. E no meio de ambos, no centro oco dessa esfera, os mundos e os homens e os
deuses.
52.11 Nada se compara a esta visão, nada se lhe assemelha. A alma que vê detem-se sobre o
abismo da luz. O espírito que sabe pára extático. Só o Absoluto do homem o salva perante o
Senhor, pois perante a imensidão e o infinito tudo se cala e tudo se transforma em quê?
Silêncio, apenas o silêncio testemunha. E o homem que sabe recolhe-se sobre o seu íntimo,
que é o íntimo do Absoluto, e fica em oração, assim permanecendo até ao instante supremo
em que é recebido e se transforma em luz e Palavra nos lábios do Senhor.

52.12 Realização suprema e fim derradeiro para aquele que tendo feito tudo o que é
permitido à criatura, abriu as asas do espírito e subiu verticalmente sobre a face do mundo
direito à taça que sobre o altar está. Que mais poderá o homem amar que não isto e tendo
amado isto que mais poderá ele amar? Assim o amor se transforma no seu objecto e o
transforma a ele também.

52.13 O jardim do Senhor é uma jóia única. A sua geometria tudo contém e representa. A
chave dos números está ali. A das letras também. E a de todas as figuras e a de todos os
seres ainda.
52.14 Partindo do centro a luz do Senhor banha todas as coisas. Luz que não é luz, antes um
fogo branco e cristalino, antes uma poalha de cristal ou diamante, muito suave e
transparente. Quase uma cortina que separasse sem separar, antes envolvendo, a realidade
da ilusão ou a eternidade do tempo. Assim é o Senhor no centro do mundo e entre eles: uma
luz que é mais do que a luz pode ser, uma realidade que é transcendência de toda a
realidade possível e impossível.

52.15 A luz do Senhor parte dele e vai animar tudo no Seu jardim. As flores banham-se nessa
luz como os corpos se banham nas águas dos rios. E a luz penetre-as e transforma-as em luz
também.
52.16 Por isso a necessidade da alquimia: que manda acender o fogo da terra no centro dos
seres e com muita persistência e sabedoria, elevar o seu grau até que o ser se transforme na
Obra e esta se transforme nessa pedra ígnea que é a Obra no seu estágio supremo. Então o
ser se torna transparente perante o Senhor e a Sua luz banha-o por fora e por dentro, sem
carne para o impedir. É isto que o Senhor quer para cada criatura e é o Seu mandamento
para ela.
52.17 Aquele que cumprir com a Lei, esse há-de realizar a Obra e há-de tornar-se um só com
o Altíssimo. E o Senhor estará nele como uma semente de realização e esse há-de dar fruto
mil vezes multiplicado e esse fruto será como um fogo devorador, capaz de transformar
corpos em sangue e este em espírito - espírito realizado.

52.18 Só há um mistério perante a face do Senhor: aquele que realiza o ser e o leva do caos
à luz, passando pela taça que é o Graal. E só há um caminho de realização do Supremo: o
cumprimento integral da Lei.
52.19 Aquele que cumpre a Lei realiza a Obra e realiza-se na Obra. Esse passará pela terra
da escuridão e pela morte da carne. E passará pela terra do poente e pela morte do desejo
e do ideal do desejo e da aspiração do desejo. E passará pela terra da luz e pela morte e
entrega do espírito nas mãos do Senhor.
52.20 E o Senhor o tomará à carne e ao sangue e o elevará perante o firmamento, para que a
luz o purifique dos resíduos da pedra ígnea, e depois de purificado o tomará em si e nele
ficará a habitar para sempre.

53
53.1 Três fogos há no homem: um no ventre que é o Santo Espírito, outro no coração que é
a Mãe ou o Filho, e outro na cabeça que é o Senhor. Três fogos que são taças contendo o
sangue a alma e o espírito. E alimentando as taças aqueles que servem o homem e que
servem a Obra, pois a alquimia do homem é tripla e tripla é a sua realização. Embora,
quando triplamente realizado, essas três taças se façam uma e essa seja a síntese de tudo
quanto o homem foi, será, ou já é.
53.2 Três fogos há no homem. Três espíritos dormem nele. O primeiro vigia silencioso: é o
Pai. O segundo ora: é a Mãe. O terceiro opera: É o Santo Espírito. Três fogos que formam
entre si o triângulo sagrado, pois tudo é triplo seja na terra ou no céu.
53.3 E os três que são um, fazendo aquilo que a Lei quer, fazem ao mesmo tempo a Obra
que é invisível mas real no homem: o seu centro imóvel e Absoluto.
53.4 Aí, situada num nível distinto do real, está a quarta taça, aquela que é o Homem em
si. Não é feita de matéria, nem de alma nem de espírito, mas, da síntese e ultrapassagem
de tudo isto, como se fosse uma semente de um futuro por existir. Aí reside definitivamente
o homem, nos seus três estágios ou níveis, e aí ele é Rei e Sacerdote do Altíssimo.

53.5 O homem é um templo por acabar. O Senhor o esboçou ou sonhou, a Mãe o criou ou
concebeu, o Santo Espírito o realizou ou manteve. E feito isto, os três espíritos se retiraram
para os seus centros e se encerraram nas suas taças, e as chaves da Obra foram dadas ao
Homem.
53.6 Por isso a vida do homem é luta e dor e transcendência da dor. E assim será sempre,
enquanto o homem não crescer sobre si e for mais longe. Já que o seu destino é a realização
da Obra e não a sua manutenção, pois mantendo aquilo que é vai-se perdendo, e só
realizando e crescendo pode alcançar a totalidade.

53.7 Qual é o primeiro dever do homem? Despertar! O sono das trevas o tomou para si e ele
realiza as trevas julgando realizar a Obra. E enquanto dormir nada poderá fazer. Terá de
acordar. E tendo acordado para a verdade daquilo que é, terá de realizar o sacrifício. Pois
terá de morrer três vezes, em três mundos, antes que a Obra esteja terminada.
53.8 O homem é uma cruz erguida no maior deserto do mundo. Julga caminhar sobre a face
da terra, mas na verdade está preso e crucificado.
53.9 Sobre essa cruz dois triângulos existem: um visível que é o da existência, outro
invisível que é o da essência. E realizado o primeiro manifesta-se o segundo. Mas sem a
realização de um o outro é mera possibilidade sem existência.
53.10 No meio dos dois triângulos, o centro imóvel pulsa e brilha: é aí que está o segredo.
53.11 Seis rostos tem o enigma no homem, mas todos fitam o centro. Seis cores também,
três que são obra dele e três que não são. Três que são arquétipos e três que são símbolos.
Mas só o centro conta, porque só o centro é a Lei.
53.12 E a roda do homem gira mas está parada. E que vive o homem: a ilusão de haver roda
e rostos que fitam. Quando só ele fita.

53.13 No centro da cruz está a rosa. Que é a rosa senão o fogo que arde sem calor, nem
chama, mas de brilho intenso? Assim é o absoluto no homem, sem calor mas brilhante como
mil sóis juntos.
53.14 Que o homem realize a Obra realizando a rosa e tudo estará feito. E que aprenda na
rosa a geometria e a lei que regem tudo, pois a rosa é o sinal oculto que o Senhor pôs no
mundo, para guiar o discípulo na caminhada rumo à Iniciação Suprema ou o sacerdote na sua
transformação em Cristo.
53.15 E realizada a rosa está realizada a taça oculta e os dois triângulos brilham sobre a cruz
da matéria rude e o homem renasce e vê. E que vê ele? Os três espíritos fundirem-se num só
espírito. Os dois triângulos fundirem-se num só ponto. A rosa abrir as suas mil pétalas e no
centro dela florir o homem que havia nele, a Criança que também é o Cristo. Isto ele vê e
sabe.
53.16 Só então o terceiro vaso se torna visível, por tudo conter, e a mão sem corpo vem
buscá-lo e erguê-lo sobre a face da terra no momento em que o sol raia sobre o mundo.
Então, como um eco longínquo, ouve-se o som sagrado, o som primeiro, e a natureza cala e
ora por mais um filho.

53.17 Instante glorioso, o do homem transformado em deus, cujos olhos já não são de
matéria, mas de luz. E ele volta os olhos para o firmamento e vê o infinito. E volta-os para o
mundo e vê o caos que o espírito organizou em vida. E volta-os para si mesmo e vê o
Absoluto em toda a Sua glória.
53.18 Neste instante crucial a consciência dilata-se, torna-se una e múltipla, abarca tudo. E
homem realizado, semente agora de algo maior do que ele, como que explode, de dentro
para fora, e se transforma em luz.
53.19 Assim nascem os sóis, quando os homens se tornam deuses. É por isso que cada sol é
um deus, no centro do qual o ser que o habita e faz existir, realiza a Obra do Senhor e
perpetua a criação, perpetuando a continuidade.
53.20 É isto a alquimia: transformação inteira do homem carnal em espiritual; despertar da
consciência una e infinita e celebração do triplo casamento: com o Santo Espírito primeiro,
com a Mãe a seguir e finalmente com o Pai, que é a cúspide do triângulo sagrado.
53.21 Então a Obra está realizada e o homem transformou-se em semente de luz, em sol de
glória perante o trono do Senhor. E o Senhor toma-o nas mãos e abençoa-o e dá-o à vida.
53.22 Só há uma alquimia para o homem: a do Senhor. E só há uma Lei: a da Vida. E só há
um propósito digno de ser servido: o Amor que une todos os seres e todas as coisas.
53.23 Para realizar isto deve o homem tudo fazer, tudo tentar, tudo conceber. Pois se isto
não realizar, que importa a vida tida? Carvão a que o fogo não chegou é pó e mais nada.
Nem o Senhor o ama nem para nada serve. Antes a luz e o sofrimento da luz, por amor ao
homem e à realização do homem e por amor ao Senhor, que concebeu e criou tudo isto.
53.24 É este o propósito que os deuses e os seres e todas as coisas servem, pois só há um
destino e é no amor que ele se realiza. No amor e na luz.

54
54.1 O caminho do homem é o caminho da dúvida. E forte é aquele que transforma a dúvida
em certeza. A esse o Senhor se há-de revelar como um sol imenso, uma luz resplandecente,
onde toda a dúvida e toda a certeza cessam. Pois a luz do Senhor é a génese de todas as
coisas e no Seu seio só ela existe.

54.2 Penetrar na esfera do Senhor: eis a façanha para o homem. E o cumprimento do seu
destino também, pois que é o homem senão um destino? E que destino haverá que não o
cumprimento integral da Lei? Assim, o homem cresce cumprindo e realiza-se na realização
do que lhe é maior. E só na medida em que o fizer na consciência plena, a realização será
posse sua.
54.3 Por isso o Senhor o enviou à carne, para que realizasse o destino da carne e se
realizasse nela. E lhe deu uma sombra de alma, para que ele a realizasse também. E ainda
um fogo subtil, génese de um espírito, para que ele o realizasse e através dele se realizasse.
54.4 E tudo isto o homem tem feito, às vezes na consciência e outras sem o saber. Quando
o homem alcança a consciência, o Senhor alegra-se nele; quando o homem a não alcança, o
Senhor espera um pouco mais.

55
55.1 Perante o Senhor três símbolos brilham na noite do mundo: um cordeiro branco, um
livro negro com letras de ouro e uma cruz da qual pende uma divisa. A divisa é: "O amor da
Lei".
55.2 Três símbolos que resumem tudo. O livro que é a sabedoria e a tradição oculta, a cruz
que é o mundo e a transformação do mundo, e o cordeiro que é a rosa oculta, a pedra
filosofal a realizar pela iniciação.
55.3 Assim o Senhor fala ao homem pela mão do símbolo e a ele se revela. Quem puder
entender que entenda e se entender que silencie, pois o momento da revelação ainda não
chegou.

55.4 O livro tem sete selos que o guardam. Cada selo é um Senhor Oculto.
55.5 Sobre o livro repousa o cordeiro. O cordeiro é uma coluna de luz e é também o Cristo,
aquele que será sacrificado no altar do mundo. Pois só através do cordeiro o Senhor fará a
nova aliança entre o céu e a terra.
55.6 Assim o cordeiro sela o último selo do livro e profere a última profecia, antes que o
Senhor venha ao mundo através do Seu Filho, e sela a cruz, antes que a rosa se transforme
em luz e sinal do Senhor.

55.7 Três símbolos o Senhor tem perante si. Três espíritos Ele tem: o espírito do Livro, que
é velho como o tempo; o espírito do Cordeiro, que é jovem como uma criança e o espírito
da Cruz, que não tem idade. Três rostos fitam o Senhor, três rostos que são um só. E o
Senhor os fita também.
55.8 E o Senhor ergue a mão direita e os rostos ficam de pedra. E o Senhor ergue a mão
esquerda e os rostos ficam de fogo e luz. Então o Senhor os envia ao Seu mundo, para que
realizem a Sua Obra. E eles nascem no meio dos homens: o primeiro para escrever o Livro, o
segundo para ser a Criança, que será o Cristo também e o terceiro para transformar a cruz
na rosa. Assim se cumprem os três espíritos e se realizam os três mundos, que são a Obra
toda.

56
56.1 Uma cruz de fogo: assim é o mundo. E no centro da cruz uma criança, fundamento de
todas as coisas. Como um coração palpitante e sangrento, ou uma pedra vermelha, viva e
irradiante.
56.2 Criança que às vezes se assume Cristo, quando tem de vir à terra para morrer pelos
homens. Ou rosa de luz, quando abre e encerra os ciclos da manifestação.
56.3 Assim o Senhor se manifesta ao homem, pelos símbolos e pela verdade dos símbolos,
pela sua transcendência também. E o homem entende no seu coração o que não entende na
cabeça e satisfaz-se nisso e o Senhor satisfaz-se com ele. Pois o entendimento total não é
para o homem, mas para o Senhor do homem.

56.4 Quatro braços tem a cruz, quatro direcções ela tem: para o norte e para o sul, para
oriente e para ocidente também. E no meio dela, num ponto que é, não sendo, a síntese de
tudo isso: a Criança, que é a rosa e o Cristo.
56.5 Assim a verdade se desvela aos olhos daquele que quer ver e se oculta, do mesmo
modo, perante aquele que é só vento e vaidade das coisas do mundo. Pois a verdade é
simples como o dia que amanhece e a noite que sucede ao dia. E tudo quanto houver a mais
nisto é já invenção do homem e sonho seu.

56.6 Quatro pontos definem a cruz, quatro partes do mundo também. E a regência da cruz
é a mesma que o mundo tem.
56.7 Quatro Senhores a sustêm: o primeiro pelo fogo, que é o espírito de Deus; o segundo
pelo ar, que é o Seu sonho para o homem; o terceiro pela água, que é a semente da alma
em todas as coisas e o quarto pela terra, que é a base e fundamento de tudo o que vive. Ao
centro da cruz, invisível e derradeiro, um quinto Senhor ora e espera.
56.8 Nele tem o Pai a Sua génese viva e a génese da Palavra, do Amor e da Lei. Pois esse é
o Guardião da Luz e é aquele que guarda o homem. Aí o sangue se derrama na taça que a
Mãe tem no ventre. Pois o quinto Senhor é o próprio Homem, arquétipo e realidade de que
todos os homens são a carne e a aparência. Assim ele é o Filho do Homem, pois todos os
homens são um só nele.

56.9 Todos os símbolos se repetem num só símbolo: a cruz, assim o Pai o quis para o mundo
e o realizou. E o deu no homem, para que ele visse na escuridão e não se perdesse em favor
das trevas.

57
57.1 O espírito do Senhor falou ao Seu profeta e disse-lhe: numa terra distante hei-de
edificar para mim um templo, nele se celebrará a Nova Aliança e contra ele poder algum
prevalecerá. Eu terei aí o meu assento e ao meu lado estarão aqueles que me servem. Esse
lugar será sagrado no tempo do homem e no tempo depois do homem e nele o meu fogo
habitará, para glória daqueles que me servem e que são um só comigo.
57.2 O profeta ouviu isto e dirigiu-se ao lugar que o Senhor lhe indicou. Nesse lugar plantou
uma árvore e quando ela deu fruto, colheu os seus frutos, levou-os consigo e deu-os a todos
quantos encontrou.
57.3 Esses ficaram assim assinalados pelo fruto que tomaram e o Senhor os viu e os recebeu
para si. E, quando todos os frutos foram dados, a sementeira terminou. Então o profeta
tomou o lugar do Senhor e deixou essa terra e essa terra foi abençoada.

57.4 Uma terra o Senhor tomou para si. Nela edificou o Seu templo e, para O servir e servir
o Seu desígnio, Ele tomou as suas gentes. Essas gentes Ele assinalou pelo fogo, que é o Seu
sinal entre os homens. Eis porque essa terra se cobriu de serpentes e por tal nome ficou
conhecida.
57.5 Na serpente o Senhor tinha o Seu sinal e o Seu fogo e o Seu desígnio. E com esse sinal
assinalou Ele todos os que O serviram. Assim a serpente foi servida em memória do Senhor.
E quando a serpente foi esquecida e o seu culto ignorado, ainda assim ela foi servida por
alguns que mostraram o seu signo. Nesses o Senhor assinalou a Sua Obra e as metas da Sua
Obra. E esses sinais ficaram para que pudessem ser vistos.

57.6 Uma terra de serpentes: eis a Obra. E no meio dela, oculto e ignorado, um templo de
luz e fogo. Perante o seu altar o último dos profetas, aquele que ficou para que a Aliança se
cumprisse. Eis toda a Obra revelada.
57.7 O Senhor vela e ora. Perante Ele, em silêncio, o Seu profeta espera a hora. Que espera
ele?
57.8 Algures entre as suas gentes uma criança nascerá. Nela o Senhor tem o Seu sinal, a Sua
serpente, e quando a hora da criança soar será tempo de tudo terminar.
57.9 Então o profeta há-de erguer-se e empunhar sobre o altar os símbolos do Graal. Com o
primeiro há-de lançar o fogo sobre a terra. Com o segundo há-de separar os justos dos
injustos. Com o terceiro há-de invocar os mares e as águas. E com o quarto há-de levar a
boa nova às gentes.
57.10 Tudo isto o profeta fará, quando o momento da criança soar no mais distante
Ocidente. Então o Senhor lhe dará o Seu sinal a ver, e ele o verá.
57.11 Mas antes que tudo isso aconteça, serão largados pelo mundo aqueles que o hão-de
tomar à luz e o submeterão à escuridão. E os homens perderão a sua alma e não entenderão
a razão disso. Nesse tempo o Senhor há-de negar a Sua face ao homem, para que o homem
não escarneça da Obra nem do Senhor.

57.12 O Senhor o viu entre os homens e o escolheu para si. E tendo-o tomado à terra o
libertou dela e o encheu com o Seu fogo, que também é o espírito. E só depois o enviou
para o meio dos homens, para que desse testemunho do Senhor e da Sua Obra. E ele o tem
feito desde que há homem na terra.
57.13 Em cada ciclo do Senhor de novo retoma o bastão, pois ele vai diante do Senhor para O
anunciar e isto ele tem feito desde o começo dos tempos e há-de fazer até que todo o
tempo da manifestação termine.
57.14 Então o Senhor o tomará de novo e lhe soprará o fogo com que o gerou e esse fogo
crescerá como um sol que nasce das trevas e não terá fim, antes ficará ao lado do trono,
como um sinal.
57.15 Este tem tomado muitos nomes, mas só tem um: esse nome é sinal do Senhor.
Misericórdia ele se chama e Contemplação também. Assim o Senhor o consagrou e o
entregou ao homem, para que servisse o homem e servisse a Obra.

57.16 Uma terra, um templo e uma criança que traz o sinal em si: eis a mensagem decifrada.
E antes que a criança seja adorada, um tempo de escuridão e dor, para que aqueles que
esperam o Senhor O possam adorar e temer e para que aqueles que O esqueceram dele se
possam lembrar também.
57.17 Pois o tempo do Senhor é para justos e injustos, e é para apartar o trigo do joio e
lançar este ao fogo que o há-de purificar e consumir. Assim o Senhor o quis, assim o
realizou.
57.18 Tudo isto será visto, antes que a criança seja vista e o seu profeta com ela. Pois o
profeta virá primeiro, para anunciar o tempo da criança e para preparar o seu povo. E só
depois ela se manifestará, para fechar o ciclo das trevas e abrir o da luz.
57.19 Então muitos estarão com ela, para a adorar e adorar Aquele que a enviou. A criança
será como um sinal entre o Senhor e os povos do mundo. E os povos virão perante a criança
para ela os abençoar e aconselhar. Tudo isto será feito numa terra que deita para o mar, no
extremo do Ocidente.

58
58.1 Uma coluna ardente: assim é o profeta perante o seu Senhor. Uma coluna que fala e
clama no deserto do mundo, antecipando a revelação. Pois só o Senhor tem na mão a chave
da Lei. E só Ele pode quebrar os selos que selam o Livro.
58.2 Que é o profeta, senão um livro por escrever? Um livro onde o Senhor traça, a letras
de fogo, a Sua Vontade e a Sua Lei? E o profeta anuncia o dia do seu Senhor e esse dia está
escrito nele, pois não há distinção entre a profecia e o profeta, como não a há entre o
Senhor e o Seu mundo.
58.3 E que é a realização do mundo, senão a realização da Obra e a realização do Senhor da
Obra? Assim o Senhor se realiza com os Seus filhos e se alegra na sua alegria e se entristece
na sua dor. E tudo faz para que o menor deles não fique pelo caminho, antes alcance o topo
da montanha e penetre no templo. Pois não ha realização da Obra enquanto esta não for
acabada. E como será acabada se não tiver em si tudo e todos?

59
59.1 Quando o Livro estiver escrito, três símbolos se unirão: o Livro que é a Palavra e
segredo da Palavra, a cruz que é o Sacrifício e a transcendência do Sacrifício, e o cordeiro
que é o Homem, a mão do Senhor, o Seu símbolo e também aquele que está aqui para ser
devorado. Tudo isto será visível quando o Livro estiver terminado.
59.2 Então o profeta o porá sobre o altar. E sobre o Livro colocará o cordeiro e sobre este a
cruz, que tem a rosa ao centro e que será símbolo antigo, do próprio Cristo.
59.3 E a Terra inteira o verá como um sinal nos céus e sobre a mão do Senhor o verá
também. Esse será o sinal para que a última fase da Obra comece. Esse será o sinal do
Senhor.

59.4 Três símbolos se unem no Profeta. A Palavra que é dom do Senhor, o Livro que é a
transmissão da Palavra e o sinal dos tempos que estão para vir. O cordeiro que é aquele que
vai derramar o sangue na taça, para que a taça seja erguida e a Nova Aliança realizada. E a
cruz que é a ligação do passado e do futuro, sinal da Obra que foi interrompida.
59.5 Tudo isto o profeta traz, para o mostrar aos homens e os homens o verão no próprio
profeta e o entenderão como parte sua e vontade e realização daquele que o enviou.
59.6 Em redor destes símbolos se juntarão, como os rebanhos se juntam em redor do
pastor. Pois o pastor os conduz para o Pai e os eleva a Ele. Assim fará o profeta, que há-de
conduzir os rebanhos do Senhor nos últimos dias, para o banquete nupcial que está
preparado há muito, na casa do Pai na Nova Jerusalém.

59.7 Três símbolos mas uma só verdade. Pois não há profecia sem profeta e não há profeta
sem o seu Senhor. E que é o Senhor do profeta senão a palavra viva, a palavra
incandescente? Assim o profeta se alimenta na palavra e se alimenta no fogo que há nela ou
no seu espírito. Alimenta-se e realiza-se. E realiza a palavra e realiza o fogo e o próprio
espírito realiza-se também. E o Senhor se realiza nele, pois toda a Obra é a mesma.

59.8 Três enigmas estão perante o Senhor, três seres estão perante Ele: velados e ocultos,
que ocultam eles? Um traz o Livro, outro traz a Cruz, o terceiro traz pela mão o Cordeiro.
59.9 Três espíritos o Senhor tem perante si: o espírito da Palavra, o espírito da Lei e o
espírito do Sacrifício. E o Senhor os toma nas mãos, os molda num só e o arremessa ao
mundo, para que semeie a palavra e semeie a lei e semeie a transcendência da palavra e da
lei.
59.10 Assim o profeta é a união de três espíritos e a realização de três coisas. E ele as
manifesta e as realiza.

59.11 A primeira realiza-a na boa nova, no testemunho que dá sobre o Pai e os tempos que
estão para vir. A segunda realiza-a na ponte que cria, para que aqueles que vêm do passado
se possam ligar ao futuro e realizar o conjunto da Obra. E a terceira realiza-a em si, na
entrega que faz do seu corpo e da sua alma, para que o Senhor nele se possa manifestar.
Esta é a tripla realização da Obra e nela tudo está revelado.

59.12 O profeta vem para anunciar o Senhor e o Seu dia. Vem também para anunciar o reino
da Criança, aquela que será levada perante o altar do mundo e sobre a qual serão
derramados os óleos santos. Essa vem para fundir tudo e unir o alto e o baixo mundo.
59.13 Mas antes disso o profeta irá perante ela e na presença de alguns, aqueles que são o
espírito da Cruz, a tomará para o Pai e o anunciará para que se saiba que é assim e que nela
serão realizadas as profecias.
59.14 Então o Senhor virá sobre ela como um espírito de fogo e uma coluna de luz será vista.
A coluna penetrará na criança pela boca, pelo coração e pelo ventre e nela ficará a habitar.
Só então a criança falará da boa nova e fará o milagre da união entre aqueles que vieram do
passado para construir o futuro e os juntará num lugar que será de reunião e de prece e de
milagre.
59.15 O mesmo fará com aqueles que vivem da Palavra e que a semeiam segundo o que o
Livro diz. E o fará ainda com aqueles que são o cordeiro e que nasceram para realizar a
Obra.
59.16 Então a Criança será união de tudo isto e sinal de tudo isto e realização última do
Santo Espírito, e dele dará testemunho pela pomba.
59.17 Mas antes desse tempo o Senhor levará os passos do profeta até ao lugar onde habita a
criança, para que seja baptizada em espírito. O profeta a tomará nas mãos e a entregará à
Missão. E lhe dirá que a toma para si em nome do seu Senhor, pois isso lhe foi mandado
dizer. E depois disso a criança irá com ele, pelos caminhos do mundo, e com ele realizará a
Obra. E morto o profeta e realizada a Missão, a criança a há-de tomar para si e a continuará
no tempo do Homem, que é o tempo do fim.

59.18 Três vezes a criança será baptizada: a primeira pela água e pelo sal, símbolos da terra
e da Senhora; a segunda pelo fogo e pelo espírito, símbolos do Homem e do Pai; a terceira
pelo sacrifício e pelo sangue, símbolos do Santo Espírito. A primeira vez pela Igreja de Pedro
e Paulo; a segunda vez pela Igreja de João e Jesus; a terceira vez pela Igreja de
Melquisedeque, Rei e Senhor da Pomba e do Mundo. A primeira vez aos sete meses, a
segunda aos sete anos e a terceira vez aos vinte e um.
59.19 Só então a criança tomará os símbolos que são os daquele que vem em nome dos três
Espíritos perante o Trono: primeiro, o Livro da Vida, onde estão os nomes de todos os que
serão chamados para realizar a Obra, aqueles que o anjo invocará perante o trono e o altar;
depois, o par consagrado, aquele que é a Taça e a Espada, que também é o Bastão do
Senhor: esses que serão as colunas do novo templo e o Cordeiro a sacrificar; por fim, a Cruz
onde desponta a rosa de fogo, que é a reunião dos que serão fiéis, aqueles que assumiram
dar testemunho do Cristo.
59.20 E, com estes símbolos, a criança se mostrará aos povos, para que os povos a vejam e a
possam seguir. Eles assim farão e se unirão a ela no centro do mundo, perante o altar de
toda a terra, quando a terra for uma só. Aí se adorará a Mãe na Sua luz da alma e as pombas
serão vistas. Local de fé e de milagres, onde desponta a rosa.

60
60.1 Num templo ignorado e oculto uma criança vai perante o altar para ser consagrada aos
destinos do mundo. Ela é o Cordeiro sagrado, aquele que porta em si o mistério do último
selo, aquele que será o sacrificado. Ela vai perante o altar e os sacerdotes a tomam ao caos
e lhe dão a luz do espírito: eles a consagram ao Santo Espírito.
60.2 Tomando os óleos, eles os vertem sobre a sua cabeça. Tomando o fogo e a água, eles
os misturam e lhos dão a beber. Depois, tomando a terra, eles lhe moldam uma estátua e
lha dão, para que se lembre sempre.
60.3 Assim sagrada, a criança se deita no solo do templo. Então os sacerdotes invocam as
forças vivas, o Grande Pai e a Grande Mãe. Estes vêm sobre ela como duas colunas de luz: a
primeira de fogo verde e a segunda de fogo vermelho. Misturando-se sobre o corpo da
criança, Eles se transformam num imenso sol dourado, e penetram pelo alto da cabeça e
descem ao longo da sua coluna, e quando todo o corpo foi tomado pela luz, a criança fica
rodeada por ela, como um halo suave e transparente. Então os sacerdotes a tomam, a
erguem do solo e a entregam ao destino.

60.4 Ignorado e oculto existe o templo dos Senhores do Destino. Traçado em cruz, tem a
forma do cubo cristalino.
60.5 Nos quatro cantos, invisíveis e sagrados, velam quatro anjos de asas erguidas. Eles
portam os quatro símbolos em que se vela o Graal.
60.6 Nos quatro pontos da cruz, os quatro Senhores estão presentes, velados na face e
ocultos no pensamento.
60.7 Ao centro de tudo, marcando a convergência da luz e da forma, um Quinto Senhor
está. A mesma veste o cobre. O seu rosto velado assiste a tudo. De mãos cruzadas sobre o
peito, que mistério guarda ele? Talvez a rosa de fogo que lhe desponta a meio do peito!
60.8 É este o Cristo eterno e incorruptível, aquele que é, não sendo e por não ser existe e é
todas as coisas vivas e o elo que as une entre si. Espírito tornado forma de corpo, para
habitar e ser o vaso sagrado em que se opera o sacrifício das trevas e da luz. Assim a
humanidade está presente nele, com o sangue que verte desde os alvores do mundo. Assim
a pedra de fogo se realiza, sem pausas, e realiza o próprio mundo.
60.9 Tudo isto o Quinto Senhor é, pois para ele converge a vida da forma e o espírito, que
alimenta a forma e é vida.

60.10 Ajoelhados perante o altar de pedra negra estão aqueles que são, já em vida, o Senhor
e a Senhora. Tomados pelo fogo, a Sua carne devorada, eles são apenas um véu que esconde
um fogo secreto. Eles são o Cálice e a Espada que, uma vez unidos, se transformam na
Pomba, aquela que anuncia o reino do Santo Espírito. Como duas colunas de luz, diáfanas e
transparentes, assim estão perante o altar. Que mistério antigo oficiam assim?

60.11 Sobre o altar jaz um livro aberto. Nas suas páginas vivas podem ver-se os símbolos de
todos os seres e de todas as coisas. O destino e as formas de que se reveste para realizar os
seres. Este é o Livro da Vida, aquele que contém todos os livros que o homem escreveu sob
o sopro do espírito, para realização da Obra. Nele estão também os nomes daqueles que
ciclicamente vêm à manifestação no mundo, para realização do mundo e glória do Senhor.

60.12 Ladeando o livro aberto, duas chamas ardem eternamente: a da direita feita do fogo
da terra; a da esquerda feita do fogo dos céus. Assim se realizam as forças sobre o altar e se
casam as energias para manifestação do par sacerdotal que vela e espera a criança.
Misturadas nas chamas duas formas as habitam, distintas e unas. São o sopro das eras,
misturado com a Palavra Raiz de todas as coisas. É o começo e o fim dos mundos. É o Pai e a
Mãe nas Suas formas ígneas.

60.13 Por cima do altar, suspenso e intocável, feito de luz e de sombra, o Ser que é a soma
das duas chamas. Como um novelo de lava dourada, sempre em movimento sobre um eixo
fixo. Ou uma galáxia em espiral, feita de um centro e de uma periferia, onde o centro é
imóvel e a periferia se movimenta e aglutina sem cessar novas formas e energias. Assim é
esse Ser que, estando ali, não está verdadeiramente; antes está, apenas, uma porta que
conduz a Ele, algures. E querendo atingi-lo, onde Ele verdadeiramente é, importa passar a
porta que são as duas energias opostas e, uma vez unidas, saltar para essa espiral de fogo e
luz. Então, de repente, outro será o espaço e o tempo e o próprio mundo. Outra será a
nossa aparência também.
60.14 Assim dispostos de acordo com o fundamento dos mundos, podemos ver e saber o que
é invisível aos seres: que a realidade não é esta que entendemos. Passados para esse outro
mundo, que vemos então?
60.15 Um templo imenso, feito de luz, nos espera. A meio dele, a uma distância que cega e
entontece, um trono sobre o qual se senta um Ser que é a soma de muitos outros. Dragão ou
serpente de fogo. Olhos que trazem a lava em si, fervente e ígnea. Uma presença imensa e
infinita, onde o Poder é a Lei e o Amor serve a balança da Justiça. Tudo e nada reside nele.
Senhor de mundos feitos e por fazer, de todo o ousado e por ousar, nada se lhe compara,
nada o descreve. Ele é verdadeiramente Uno e Intransmissível.

60.16 São estes os símbolos e os Seres que, juntos, formam o templo dos Senhores do
Destino, pois não há um lugar no espaço, mas antes um Ser que molda o espaço, ou o toma
para a manifestação. E por vezes ele se manifesta num canto da terra e logo a seguir noutro
canto, consoante a vontade Daquele que tudo governa e cria. Suspenso entre a forma e a
ideia dela, este templo ou ser existirá sempre. Assim o Senhor o ordenou e o quis.

61
61.1 O que é o mundo senão a verdade do Senhor, uma verdade inatingível para o homem?
E que é o homem senão uma outra face da mesma verdade, uma verdade mais oculta ainda?
No mundo, o Senhor se reflecte como a luz se reflecte na sombra, passando por um véu
translúcido; no homem, o Senhor se reflecte como o espírito se reflecte na matéria, tendo
pelo meio uma alma que oculta e indefine.
61.2 Dois veús: eis a ilusão. E os sentidos do homem querem crer neles, como crêem na
verdade que os anima. Assim se ilude o homem e o mundo, por crer no que é ilusão e não no
que é verdade, pois amando a ilusão a verdade é-lhe suave, mas amando a verdade
nenhuma ilusão lhe será possível. Por isso o mundo ama a verdade velada do Senhor pelo
enigma da cruz, que crucificou o Seu espírito, mas nega aquilo que vivificou esse espírito.

61.3 Um corpo de carne onde arde uma chama difusa: assim é o homem perante o seu
Senhor; uma pedra em bruto onde arde uma chama difusa, assim é o mundo para o seu
Senhor. Carne ou pedra, barro ou sangue: quem os distinguirá? Não fosse a chama que arde
solitária, ninguém os distinguiria, pois a carne do homem alimenta-se do mundo e prolonga-
o em si. E o mundo, terminado o tempo da carne, chama-o a si e toma-o.
61.4 Como uma serpente enrolada sobre si, formando círculos no tempo e no espaço, assim
é o homem e o mundo, pois que ambos são a mesma coisa vista de forma diferente. E se o
homem tem a experiência de caminhar sobre a terra e de gastar a matéria que nele pesa, o
mundo tem a mesma experiência através da carne do homem. Experiência que ela toma
para si, quando o homem cessa de caminhar e se lhe entrega.

61.5 Um ideal sem corpo, assim olha o homem para o Seu Senhor, assim olha o mundo para
Aquele que o sonhou, sem ver que o espírito do Senhor anima a carne e anima o mundo e
anima todas as coisas. E é por Ele as animar que elas vivem.

61.6 E que é o Senhor para o homem? Um fogo fátuo? Um ideal? Assim se afasta o homem da
verdade e se encaminha para o mundo. E o mundo, que foi dado às trevas durante uma
geração, recebe-o e engana-o com a esperança de um mundo sem Deus. Seduzido pela carne
e pelos anseios que dela recebe, não vê o homem que ela só vive por acção do espírito que
nela se oculta. Assim se precipita o homem na negação do Senhor, pois amando o ideal mais
do que a verdade, comete o pecado da ilusão e da inconsciência. E este pecado não será
perdoado.
61.7 Pequeno é o homem que só ama a carne e o mundo e que nessa carne e nesse mundo
vê o seu Senhor. Pois o Senhor está em todas as coisas, visíveis ou invisíveis, do céu ou da
terra e até no mais profundo dos abismos Ele é aquele que sempre foi.
61.8 Poder algum, seja do homem ou dos deuses, tem poder nele. E o Seu espírito estende-
se desde os primórdios do tempo e do espaço, através da criação, até ao fim de tudo.
61.9 Não uma chama imensa, mas aquilo que alimenta toda a chama e toda a negação da
chama. Não um espírito, mas a forma o conceito e o hausto que gera o espírito. Não uma
face que se espelha em todas as faces, mas a génese de todas elas.
61.10 Nada pode circunscrever ou definir aquilo que é o Senhor, pois Ele move-se como o
vento e tem a estabilidade e fixidez do mármore e é fluido e vivificante como o mar imenso
e etéreo e intocável como o fogo.
61.11 Uma presença total, uma deformação do tempo e do espaço, uma consciência sem
limites, uma vontade imparável, quase uma dor, quase um grito. E o silêncio absoluto
perante a Sua face imóvel, derradeira face, impossível face, quando se olha para lá de tudo
que é real. Amor total, fusão total, consciência plena.

61.12 É preciso morrer na carne, através da carne, para alcançar o espírito. E tocado este e
desmontado o enigma, eis o Senhor em toda a Sua Glória e Esplendor.
61.13 Eis a Sua música, imparável e eterna, eis o Seu eco em todas as criaturas. E a alma
cede a este abismo sem fundo e a consciência precipita-se em direcção ao fogo para ser
devorada. Nada a satisfaz agora, só o seu Senhor a pode tomar e consolar.
61.14 Núpcias de fogo, eis o Senhor perante a Sua criatura. E a criatura entrega-lhe a carne
e entrega-lhe as visões e os ideais e cessa por amor a ele. Então o Senhor toma-a e
transforma-a em espírito: fogo do Seu Fogo, livro do Seu Livro, taça do Seu Graal, pedra do
Seu Templo, servo da Sua Casa. É disto que são formados os profetas e os mártires e todos
aqueles que servem o Senhor.

61.15 Um espírito de fogo, assim é o Senhor perante o profeta. Um espírito de paz e


consolação, assim é o Senhor perante o Seu servo. Um espírito de justiça e rectidão, assim é
o Senhor perante o Seu guerreiro. Um espírito de amor e luz, assim é o Senhor perante o Seu
messias. Pois mil são os rostos que o Senhor tem perante o homem e mil são as Suas
verdades nele semeadas. E a cada um Ele aparece segundo a vontade que determinou esse
destino. Eis porque há muitas religiões e credos mas um só Senhor para todas elas.

61.16 O Senhor é como um poeta que tivesse escrito mil poemas. Em cada poema um livro
perfeito, em cada livro uma obra acabada, uma jóia rara e preciosa. E tendo escrito os Seus
poemas, os tivesse dado aos homens. E depois tivesse partido em busca de novos poemas.
61.17 Pois há poetas que amam demasiado a obra terminada e que ficam presos à sua beleza
e ao seu espírito e há outros que, uma vez acabada a obra, dela se afastam como o amante
se afasta do objecto do seu amor, para assim o libertar. Assim se realiza o escritor e se
realiza a obra.

62
62.1 Exultai, ó filhos da Lusitânia, pois o Senhor vos escolheu para Seu povo nestes dias do
fim. Ele fará nascer no meio de vós o Seu Filho. E com ele virão os profetas e os servos da
Sua casa e os sacerdotes do Seu templo, para O anunciar e preparar a Sua vinda.
62.2 Exultai porque a vossa graça é maior que o vosso merecimento. E se fordes dignos
daquilo que o Senhor vos concede, maior será ainda esse merecimento, pois a semente é
lançada onde há boa terra e não entre pedras e silvas. Assim, se Ele vos achou dignos desta
mercê, é porque a vossa luz é grande.
62.3 Exultai e preparai-vos, para que quando o momento chegar saibais ver, até na
escuridão que antecede a alvorada, pois não seria bom que a luz viesse sem dardes conta.
Poderia até passar-vos ao lado. Cuidai pois de serdes filhos do Senhor, amando e guardando
a Sua luz, para que saibais e a vossa sabedoria vos salve.
62.4 Exultai, ó filhos da Lusitânia, exultai no Senhor, pois o dia do milagre vem próximo.
62.5 E que maior milagre haverá do que nascer uma luz no meio da treva? Ou uma rosa bela
e viçosa em meio ao estrume? E que maior treva e perturbação haverá do que os dias do
fim? Assim o Senhor vos mostra o que há a fazer, pois o espaço que dista das trevas à luz é
um hausto, e aquele que dista da perturbação da alma ao entendimento dela é um hausto
também. E que espaço ou tempo, por maior que seja, vos poderá afastar do vosso Senhor?
Guardai-vos então para Ele, no silêncio dos vossos corações, e Ele vos será próximo na carne
e no espírito e em tudo que ousardes em Seu nome, pois o Senhor é uno com todas as coisas
e em todas elas Ele tem a Sua mão.
62.6 Exultai, ó filhos da alvorada, porque o vosso tempo vem próximo. Assim o Senhor o
quis, assim Ele vo-lo diz pela voz do Seu profeta João.
62.7 Por isso o enviou à frente, para que vos falasse da boa nova e dos tempos que estão
para vir. Pois não seria bom que os rebanhos se tresmalhassem por terrenos alheios e se
perdessem no meio de silvas e tojos. Pois a treva espreita os passos daqueles que o Senhor
ama e quer.
62.8 Assim Ele vos enviou João, para que escrevesse o Seu Livro, que é o Livro da
Revelação, para que não vos perturbeis com a tentação da treva e os prodígios dela, antes
vos guardeis na Sua Palavra para o Seu Filho que há-de vir.
62.9 Exultai, porque o milagre é grande e a visão maior será ainda. E todos aqueles que
tiverem a mão do Senhor sobre o seu coração, esses verão o Seu Filho face a face e seguí-lo-
ão.

62.10 Grande és tu, entre as nações, ó Lusitânia, pois o Senhor te escolheu há muito para
terra sagrada, terra da revelação, terra da boa-nova.
62.11 Em ti Ele semeou seara forte e boa árvore de fruto. E dia virá em que essa sementeira
dará farta colheita, para que dela se alimentem todos os que tem fome, para que dela se
alimente a terra inteira.
62.12 E te conduziu da treva à luz, ao longo do tempo. Para te guiar enviou os Seus servos e
os Seus profetas e os Seus sacerdotes. E eles o têm feito em Seu nome: primeiro na
obscuridade que antecede o despontar da alvorada e depois no pleno acordar do meio dia.
Pois o teu destino é seres casa de profeta e casa do Senhor.
62.13 Eis porque o teu povo guarda os nomes sagrados, aqueles que são as colunas do altar,
homem e mulher. E nos teus reis e em todos os que foram grandes, essas mesmas colunas
brilharam. E em tudo isso não houve mais que sinais, que semente lançada à terra, pois só a
realização do milagre conta.
62.14 Este milagre tem corpo de homem e nome de homem, mas não é homem, antes é luz
que desponta e sol que brilha intenso e rubro. Assim será visto: como um sol imenso sobre a
terra inteira.

63
63.1 Exulta, ó Lusitânia, pois serás grande entre as nações. Entre os teus há-de nascer a
criança. Entre os teus há-de nascer o Salvador, Esse que vem para apascentar os rebanhos
do Senhor e conduzi-los de volta à casa do Pai. Esse que vem para ser o Cordeiro de Deus.
63.2 Esse será sacrificado sobre o altar do mundo. E o seu sangue será derramado na taça e
ficará como testemunho perante os homens, pois o Senhor assim o determinou no começo
dos ciclos: que não haja pacto entre o céu e a terra sem mediador. Assim o Seu próprio
Filho enviou ao mundo, para que o pacto se celebrasse e uma nova eucaristia fosse dada.
63.3 Ele virá como Criança, para crescer na verdade e no amor da Lei e para o sacrifício do
fim do tempo. Assim Ele é o cordeiro Sagrado, aquele que está sobre o Livro. Pois o Livro
será dado aos homens antes dele vir, para que O conheçam e O esperem.

63.4 Um Cordeiro sobre o Livro jaz: eis o enigma da revelação, eis a parábola oculta. Quem
puder entender que entenda.
63.5 O Livro está selado: sela-o o segredo e a profecia. O cordeiro descansa reclinado,
atento espera o que há-de vir. Em silêncio ele espera a hora.
63.6 Entre o Cordeiro e o Livro, uma Cruz ergue-se para o firmamento. Antecipação do que
está para vir? Pois o cordeiro existe unicamente para o sacrifício. E para que existe a cruz?
Unindo o céu à terra, e os dois extremos do horizonte, que une ela? No cordeiro que marca
o seu centro, cordeiro que também é o próprio mundo, une ele tudo.
63.7 E se o sangue é derramado na taça, pois a Mãe é côncava e receptiva, é ainda para
procriar os tempos que estão para vir. Assim se assume a terra como uma taça aberta ao
sangue ou ao espírito do cordeiro. E se assume este como o elo de uma cadeia sem princípio
ou fim, que unindo os homens entre si os une ao Pai e à Mãe e ao Santo Espírito.
63.8 E que é o Livro, senão o testemunho de tudo isto? Testemunho secreto e oculto,
repetidamente retomado às eras, para que as eras se cumpram. Assim no Livro jaz a
verdade, antes da verdade ser. E no cordeiro e na cruz, a mesma verdade, ainda por
acontecer. Assim o escreve o Senhor, ligando-se ao mundo que sonhou e se entrega à
eternidade, para que esta seja.

63.9 Um cordeiro uma cruz e um livro: eis o mistério revelado.


63.10 Perante o Senhor três espíritos estão erguidos. Sobre o altar do mundo três símbolos
estão pousados. Na caverna mais profunda, três portas estão cerradas. Três partes tem o
Livro. Três profetas o escreverão. O primeiro no Amor do Senhor, o segundo na Sua Lei e o
terceiro na Sua Justiça. Três partes tudo tem. E entre os três vértices do triângulo a rosa
desponta, oculta e ignorada.

63.11 No centro da Cruz, invisível e velado, desperta o Encoberto, qual fogo fátuo. No centro
do mundo, tendo os três tronos a rodeá-lo, vem à vida o último dos guerreiros, aquele que
jazia amortalhado. Nas mãos erguidas tem a espada sagrada e o cálice que guardou o sangue
do Cristo. Aos pés, cerrado ainda, tem o Livro onde se revela toda a verdade.

63.12 Assim estão os três espíritos perante o Senhor: secretos e ocultos na revelação dos
mistérios.
63.13 Pois perante o Senhor só o símbolo existe, e não há homem ou coisa que essas vestes
não vista. Pois sendo assim, cada coisa é muitas outras na mesma. E sendo uma só coisa em
si, é a diversidade sem fim. Isto o Senhor quis e sonhou e o fez para maior glória do Seu
nome e assim tem sido. Por isso o mundo é uma só coisa em si, mas é muitas e diversas na
aparência da criação. E por todo o vasto mundo dos mundos e dos seres a mesma Lei rege.
Pois sendo todas as coisas muitas e várias, perante o seu Senhor são apenas uma e Ele
mesmo.

63.14 Assim Ele se fita face a face na face do mais que há. E fitando-se cria e criando o
mundo existe e permanece. E todo o mistério que há, houve e há-de haver, está nisto
apenas: um Ser que é a soma de tudo, olhando-se a si mesmo no espelho da eternidade. E se
sonha cria. E se desperta refunde. E se dorme esquece.
63.15 Eis os ciclos da criação e da dissolução revelados. E isto é tudo quanto há para saber,
que deva ser dito.

64
64.1 Alegra-te, ó Lusitânia, pois o Salvador nasceu. A Mãe o concebeu e deu à luz na
caverna sombria, onde a serpente dorme e vigia. Aí onde as três Marias alimentam o vaso
com o sangue, o sopro e o desejo, aí Ele nasceu rompendo o silêncio e o esquecimento.
Agora Ele senta-se aos pés de sua Mãe, a Senhora, junto ao trono de pedra negra e perante
ele estão aqueles que o hão-de servir.

64.2 Primeiro, as três Marias, que são aquelas que guardam o vaso e o futuro; depois, os
seus sacerdotes, que são aqueles que vieram para falar do Livro; a seguir, os seus profetas,
que são aqueles que vieram para testemunhar em seu nome, sobre o Livro e sobre o Fogo;
por último, os seus servos, que são um povo todo.

64.3 Perante todos eles o Menino brilha e a sua face resplandece. Nu no corpo, cobre-lhe a
nudez um manto pelas costas. Sobre a cabeça, tem suspensa a coroa do Imperador do
Mundo. Numa mão o ceptro real, na outra o mundo. Assim ele está, Sacerdote e Rei numa só
coisa. Perante ele toda a cabeça se curva.

64.4 Alegra-te ó Lusitânia, pois a tua hora vem próxima: o Salvador nasceu. Sonhado por
gerações inteiras, os anjos o conceberam e o deram aos homens.
64.5 Assim as profecias se cumprem e a verdade se realiza. E se as brumas ainda o ocultam
é porque a vossa a fé é pequena. Sonhai-o um pouco mais e haveis de vê-lo, como hoje
vedes esse sol que se ergue sobre o horizonte do mundo. Melhor: haveis de vê-lo como um
imenso sol, cuja luz eclipsa a do próprio astro. Assim o seu Pai o quer, para que as trevas
recuem um passo e as criaturas escolham.
64.6 Então sim: escolhida a hora e o momento, haveis de ver o mundo como um campo de
batalha imenso, tendo dum lado aqueles que vêm pela treva e do outro os que vêm pela luz.
E vereis, ainda, do lado da treva a Besta, aquela que reinará sobre as nações no fim, e do
outro o Salvador, aquele que veio para vos conduzir nesta luta.
64.7 Aí o Senhor se mostrará, no mais aceso da luta, e será espírito de fogo. Terá a balança
numa mão e a espada na outra. Com a balança pesará as obras e as consciências das obras e
com a espada fará justiça.
64.8 Assim O vereis, como um colosso imenso feito de fogo e chama viva, pois Ele virá para
silenciar tudo quanto existe, quer seja animal homem ou deus. E depois dele o mundo
descansará da treva durante um ciclo e da treva não haverá memória.

64.9 Um campo de batalha: eis o mundo. E no meio dele, oculto e ignorado, o Salvador.
Noutro ponto dele, ignorado também, aquele que é a Besta. Assim o Senhor o quis e o criou.
E os fez nascer a ambos no meio do homem, para que o homem escolha, pois não seria bom
que o homem só tivesse luz ou treva, um Senhor ou uma Sombra dele.
64.10 Assim o Senhor do mundo criou uma Sombra de si, que é a Besta, e a fez nascer no
meio do homem, filho de homens, para que o mundo escolhesse. E fez nascer o Seu Filho
também, para que a treva não fosse único poder entre o homem, antes tivesse adversário e
luta.
64.11 E durante um hausto deu o mundo à treva e o homem preferiu a treva. E depois deu-o
à treva e à luz, pois nem todo o homem ama a treva. Assim, há aqueles que seguem a treva
por amor a ela e aos seus frutos e há aqueles que a seguem no temor e na ilusão. A esses o
Salvador há-de mostrar-se como uma pequena chama no meio do deserto. E eles o verão
como uma esperança e poderão escolher.
64.12 E depois de todos terem escolhido, ou a treva ou a luz, o mundo se incendiará sob a
vontade do Seu Senhor e os homens lutarão entre si, pai com filho e irmão contra irmão,
pois o mundo fará esquecer o sangue e a estima que dele vem. E esse será o tempo do fim.

65
65.1 Um livro selado: eis o destino. Sete selos o guardam, sete selos que são sete espíritos
perante o trono. Eles oram, vigiam e esperam. Sobre eles, a face do Senhor vigia e ora
também.
65.2 Assim se realiza a génese dos mundos e se traça o seu caminhar incerto, de adversário
em adversário, até à consumação da Obra. Pois só a Obra importa.
65.3 E o ser, se existe, existe em função da Obra que realiza, não em função de si, pois o
ser é passageiro, mas a Obra é real. E se no ser tem o Senhor o Seu amor, na Obra tem a
vontade.
65.4 Assim a Obra é maior que o homem e, sendo fruto dele, é fruto maior que ele, pois na
Obra está o homem e a realização do homem, enquanto no homem só está ele.

65.5 Há um mundo e há uma Obra. E entre os dois há aquele que opera: o Homem. Assim
ele é a ponte viva entre o mundo e a realização do mundo. Entre a génese do mundo e a
plena assunção dele. Entre a estátua esboçada e a maravilha da estátua acabada.
65.6 O Senhor o concebeu inacabado para que pudesse acabar o que lhe é igual na
aparência. E o enviou ao mundo, para que ele criasse outro mundo dentro deste: a Obra. E
lhe deu o fogo do espírito, que é uma pequena chama, para que ele pudesse alumiar-se e
aquecer o vaso.
65.7 Assim a matéria prima do mundo tem sido vivificada sem cessar pelo fogo do homem,
geração após geração, para glória do Senhor. E esta é a grande alquimia, a grande tarefa,
da realização da qual depende o futuro e o passado e todo o tempo dado à criatura. Pois a
menos que a Obra se realize e amadureça e desse amadurecimento brote o Santo Espírito,
que é fogo dourado e ígneo, não haverá continuação da criatura, nem do mundo, nem dos
seres.
65.8 Um grande milagre: eis a Obra. Pois tendo começado pelo negro da matéria, a ela foi
adicionado o sangue vermelho do espírito, o sangue do homem e de toda a criatura, que é
seu alimento e vitalidade.
65.9 Assim a escuridão cedeu progressivamente em face do fogo e recuou para os abismos,
e o mundo pôde ser dado ao homem e àqueles que amam o fogo. E o fogo cresceu sobre a
matéria e envolveu-a. E a matéria levada ao rubro, tornou-se pedra vermelha, pedra de
fogo vivo.
65.10 Isto foi o coração da Obra e o Senhor soprou nesse coração e fê-lo viver. Então, no seu
centro nasceu uma pequena estrela, feita de branca luz, imaterial quase. Essa foi a semente
que o Senhor deu ao mundo: um sol de ouro para o alumiar. Em redor desse sol invisível o
mundo realizou-se e os homens agruparam-se, camada após camada, até àquela que é a
última e que é o homem esquecido e ignorado, aquele que ama a matéria e que desdenha o
espírito, pois não o entende.
65.11 Para que este homem não se perdesse, o Senhor deu ao mundo um segundo fogo que
colocou no alto, sobre o firmamento. E entre os dois fogos traçou um caminho de verdade, a
prumo, e essa foi a trave vertical da cruz.
65.12 Assim, aquele que realizar a Obra terá de ir de um extremo ao outro desse caminho. E
sobre o firmamento realizará a parte externa e no núcleo do coração realizará a parte
intima. A primeira com o Pai e os Seus anjos, a segunda com a Mãe e as Suas serpentes. E só
tendo feito isto a Obra estará terminada.
65.13 Pois há uma base e uma cúpula no templo e paredes que são a carne do homem e o
seu sangue derramado ao longo das eras sem fim, até se transformar em argamassa e húmus
de granito. E que seria do templo se só houvesse base e paredes, ou só cúpula sem nada a
cobrir? Assim é a Obra, que tendo três partes é uma só coisa. Tal como o templo, que sendo
três é um só templo e uma só verdade.
65.14 O Graal: eis a Obra realizada. Dois anjos a suportam entre si. Colunas de luz e de
silêncio, eles são. Por trás deles, suspensos entre firmamento e mundo, o Pai a Mãe e o
Filho velam.
65.15 De mãos estendidas os anjos aquecem o vaso. Um fogo muito subtil é esse, quase nem
fogo mas poalha de luz. Um sopro apenas e que seria? esquecimento ou nada. Por isso os
três velam, para que o fogo não se apague, antes cresça e amadureça o vaso.
65.16 Perante este quadro, vindos de todas as direcções do mundo e do espaço, chegam
aqueles que sem cessar vêm adorar a Obra feita. São anjos, deuses de esplendor e de
bravura, seres feitos de luz e ocaso e outros que só são reais porque o Senhor o quer, tal é a
sua luz. Eles chegam e silenciam. Prostrados perante o vaso, em oração e vigília, eles vêem
e sabem. E tanto lhes basta.
65.17 É isto o mundo e toda a Obra: um vaso que contém tudo que é realizado ou por
realizar. Espírito e matéria, coisa feita e por fazer, o Senhor e a Senhora unidos num só que
é puro e é santo e é espírito: a matéria transfigurada, a vida transformada em liberdade e
plenitude. É isto que os anjos guardam, desde que as duas forças se uniram, algures. E
guardarão sempre, pois toda a Obra é una e é só uma.

66
66.1 Três medicinas há na Rosa: a das raízes, a do caule e a da corola, sendo o caule o
madeiro vertical que une as duas. Pois nas raízes está a Mãe por manifestar e na corola está
o Pai manifestado. No caule está apenas o homem, com a sua medicina formada de opostos.
Pois o homem não cria, antes recebe e une aquilo que recebeu. Três medicinas que a Rosa
une.
66.2 Por isso o trabalho dos Irmãos deve ser triplo no mundo, mas uno na génese do mundo,
que é o Pai dum lado e a Mãe do outro, com ele ao centro. Assim o seu símbolo o afirma,
crucificando a Rosa, que é ele mesmo e é o mundo, entre os quatro Senhores que governam
o destino.
66.3 Três medicinas em três mundos, eis o símbolo que a Rosa traduz. Onde as raízes serão
o físico, o caule o psíquico e a corola o espiritual ou mental da Obra a fazer. Sendo a Rosa a
Obra toda.
66.4 O discípulo, partindo do ventre materno da terra-mãe, realiza o primeiro casamento,
unindo-se à morte que há nas raízes do próprio mundo. Aí o espera a caverna sombria e a
serpente primordial. E tendo realizado esta parte da Obra, ascende pelo caule ao próprio
mundo, indo realizar nele a segunda fase do processo alquímico, pois trabalhando sobre os
seus irmãos realiza neles a transformação do sangue e da alma que o alimenta. Até que,
consumada a fase do mundo, ascenda à corola que é o próprio mundo realizado no sol que
lhe dá a vida e o espírito. Para o que terá de realizar o mistério que simbolizou Cristo:
através da crucificação o unir-se ao mundo nos seus quatro cantos e destinos.
66.5 Pois quatro são os caminhos sagrados que conduzem ao seu centro, como quatro são os
símbolos da revelação do Graal, estando este oculto e invisível no centro do mundo, ou da
cruz, ou do próprio homem.
66.6 Aí, no lugar ignorado e esquecido, floresce a Rosa, que para o mundo será o Cristo ou o
seu Senhor e Rei: a Criança Milenar. Para a cruz será a Humanidade ou as nações que sobre
a terra cumprem o desígnio. E para o homem será a sua chama, essa que lhe foi dada para
lhe recordar de onde veio.
66.7 Assim a Rosa se transforma na realização do Ser, ou do Senhor e da Senhora juntos,
pois nada há que não seja parte deles e coisa Sua. E, realizando-se a Criança, realiza-se o
Mundo; realizando-se a Humanidade, é o Sangue que se realiza; e, realizando-se o Homem,
é o seu Senhor que nele é realizado. Assim tudo parte e converge novamente no centro, pois
são um centro onde a periferia converge na realização una e integral das coisas.

66.8 Um modelo único preside a tudo, sendo o homem a sombra do seu Senhor e este por
sua vez a sombra ou ilusão de algo derradeiro que os olhos não vêem nem o espírito
pressente e todavia existe.
66.9 Senhor que se confunde com o próprio mundo, já que a cruz do destino não marca
apenas as direcções do espaço e a simetria do tempo, mas também uma outra geometria
que é sagrada e primordial a esta: a do próprio Senhor erguido sobre uma cruz mais ampla
que esta. Assim o homem, crucificando-se na cruz do mundo crucifica-se, sem disso dar
conta, em mil cruzes de dimensão abismal e incerta.
66.10 A Rosa do mundo, tripla em si e naquilo que significa, alimenta-se no Homem, como se
alimenta no Cristo ou no Senhor dele, estando sempre as raízes no ventre, que é a terra
infernal e abismal; o caule na coluna do homem ou do deus, dando passagem às energias
que, subindo e descendo, fazem a integralidade do processo; e a corola no cérebro, ou para
lá dele. Assim o homem se reflecte no seu maior e este no infinito. Assim a terra se une ao
céu e este algures para lá do abismo do ser e do existir.
66.11 Tal é a realidade da Rosa, que sendo flor da terra não brotou dela, antes nela foi
colocada. Assim os deuses o quiseram no início do mundo e como sinal a deixaram. E para
que florisse e desse semente, a plantaram no centro de tudo. No mundo, no seu exacto
centro. No homem a meio do coração. No céu sobre a fronte do seu Senhor. São estes os
lugares da Rosa.

66.12 Assinalando ao homem a Obra a realizar, assinala o destino feito e por fazer. O Livro a
tem na sua capa de sangue. A Cruz a teve quando o Cristo se assumiu. O homem a recebe
quando a sua parte realizou. O Senhor a mostra ao neófito, antes que a escada de Iacob
suba. Os anjos a trazem quando vêm anunciar a boa nova ao mundo.
66.13 Selo e símbolo é a Rosa sobre a Cruz. Visão e infinito é ela na fronte do seu Senhor.
Justiça e amor é ela no coração do homem. Assim ela se realiza, realizando tudo e todos,
pois a Obra é sua e a realização dela também.

66.14 Que aquele que porta a Rosa o saiba: não se realizará senão nos seus espinhos, pois
esses são as dores do mundo e da alma do mundo e a sua parte nisso. Nem se realizará sem
a serpente que dorme no limbo, o mesmo é dizer, sem os seus irmãos que dormem e sonham
na sombra. Nem fará o resto da Obra sem o seu Senhor, para o que terá de se tornar no
Grande Dragão, aquele que porta o fogo perante o altar do mundo. E a menos que se realize
triplamente não se realizará nunca, pois três são os aspectos de todas as coisas e três as
verdades que as velam.
66.15 Não havendo realização de cada um que ascende na luz, como haverá realização de
tudo o resto? Que aquele que porta a Rosa assuma a sua realização como realização de tudo
o mais, pois ele é a semente lançada à terra pela mão do seu Senhor e só na sua plena
floração haverá floração do mundo.

67
67.1 Um Consolador eu vos enviei. Vede: o meu sinal está sobre ele. Uma mão aberta, eis o
meu sinal e, no meio da mão, uma chama. Assim me vereis, no meio de vós, como uma
chama ardente no meio de uma mão, e por detrás desta o Consolador, aquele que vos falará
de mim nos tempos do fim.
67.2 Nesse tenho o meu amor e a minha vontade, nesse tenho o meu caminho. E o amor e a
vontade vos trarão ao caminho, que é o caminho do meu templo, aquele que está no cimo
da montanha mais alta do mundo e onde arde a minha chama. Aí tereis de ir, todos vós que
o meu Consolador acordar para a verdade. Pois ele vos baptizará com a água e vos abrirá os
olhos da carne, mas só eu vos baptizarei com o fogo e vos abrirei os olhos do espírito.
67.3 Ele é a minha porta. Vós batereis nela e ela se há-de abrir e uma vez entrados por ela
já não podereis recuar, antes ireis perante ele e ele vos receberá em meu nome e vos
tomará às trevas e a elas ficareis negados. E uma vez feito isto, ele vos indicará o meu
caminho, que é o caminho dos justos, o caminho do deserto e da purificação. E tendo
tomado o deserto para vós, estareis perto de mim e me vereis, pois eu estou ao pé de vós e
basta que ergais a mão ou os olhos e me vereis.
67.4 Entrareis como peregrinos no meu templo e ireis perante o altar e perante ele
ajoelhareis. Então eu vos darei o segundo baptismo, pelo fogo, e sereis redimidos. Só então
a vossa carne será transformada e me vereis verdadeiramente como eu sou. Um fogo sem
limites, é assim que eu sou. Um fogo devorador e purificador, que abarca a terra inteira e
vai pelos céus.

67.5 Assim me vereis, como um fogo. E no meio dele, os meus anjos, e os meus servos e os
meus sacerdotes e profetas, e todos aqueles que me amam e servem. Assim me vereis e os
vereis a eles. E vereis o mundo inteiro e todas as coisas, pois elas não são mais que o meu
fogo feito carne e feito alma. Assim me vereis e tendo-me visto entendereis. Então dareis
graças e tomareis para vós o meu fardo.
67.6 Ireis pela terra anunciar o meu nome e a minha graça. Abrireis os meus caminhos e
semeareis a minha semente. E por cada semente lançada à terra haveis de colher mil vezes.
E por cada caminho aberto até mim, haveis de colher mil benesses no céu, pois eu sou o
começo e o fim, aquele que abre os ciclos e que os encerra. E só Eu Sou a Lei, a Justiça e o
Amor.

67.7 Três virtudes tem o justo: o amor à Lei, a submissão à Justiça e a entrega ao Homem.
Assim ele realiza a Obra e realiza a minha missão para o homem. Assim ele me realiza a
mim, e, tendo-me realizado, eis que se realiza a si mesmo, pois não há divisão entre o justo
e o Senhor dos justos, tal como não a há entre a Obra e o Senhor da Obra.
67.8 Realizada a Obra e realizado o justo, eis que a minha missão cessa no meio de vós.
Então podereis vir todos e eu vos receberei em mim. Dos quatro cantos da terra haveis de
vir. Na vossa frente, para vos guiar, virão aqueles que governam o vosso destino.
67.9 Tendo todos chegado ao meu templo e lançado o vosso nome no Livro, para vós eu
farei uma chama imensa no meio do templo e nela entrareis um a um, para serdes
purificados. Só então vireis a mim, para descansar e ser um só comigo. E até o justo terá de
se lançar no fogo. E o profeta que enviei ao mundo. E todo aquele que, fazendo parte de
mim, teve com o mundo pactos, pois o mundo está dado às trevas e as trevas fazem parte
dele. E aqueles que vão ao mundo entram no mundo e nas trevas, por isso terão de ir à
chama, para se purificarem de novo, antes de poderem vir a mim.

67.10 Três justos vos enviei. A eles haveis de seguir como o rebanho segue o seu pastor, pois
neles está o meu amor, a minha prece para vós e a minha mensagem, também. E como
haveis de vir a mim se não fordes a eles? Segui-os a eles primeiro. Segui-os na tribulação e
na dor. Segui-os quando ninguém os seguir e maior será o vosso galardão ainda. Segui-os e a
vossa fé há-de crescer como o meu fogo cresce na floresta, pois o meu espírito está neles e,
vede: o meu sinal também. A minha pomba eu lhes enviei. A minha pomba e o meu espírito,
que é fogo. Assim, onde virdes a minha pomba, eles aí estão, e onde virdes o meu fogo a
devorar as almas e a purificar os corpos, eles aí estarão também. Pois o meu fogo e a minha
pomba vão diante de mim, e onde eles estiverem eu estarei. Assim, quando me procurardes
pelos caminhos do mundo, procurai aqueles que têm a pomba e o fogo sobre as cabeças,
pois esses são os meus justos e só eles vos poderão conduzir.

67.11 Amais-me? Amai-os a eles então! Quereis-me? Querei-os a eles! Cuidais que o meu
amor é fácil? Cuidado para que não vos percais: o meu amor é difícil. Se me amais
verdadeiramente tereis de subir à cruz e nela vos crucificareis, como aqueles que vos
enviei, pois a rosa só floresce naquele que derramou o seu sangue por amor a mim e à
minha Obra.
67.12 Eis o meu amor para vós: uma rosa no centro de uma cruz. E como podereis alcançar a
rosa sem serdes essa cruz? Assim vos tendes de assumir, cada um, como Cristos, pois só o
Cristo se transforma na rosa, nessa esplêndida rosa de fogo e de luz que é o meu espírito
realizado.

67.13 Não vos enganeis: aquele que ama a rosa, tem de amar os seus espinhos, tem de amar
o sacrifício, tem de amar a cruz e o caminho da cruz; tem de amar o mundo, pois a cruz é o
mundo e é a rosa. Não há realização fora de mim, ou do meu mundo, ou da minha rosa.
67.14 Se me amais verdadeiramente, haveis de realizar a rosa em vós. Então me tereis para
vós, como uma rosa de fogo no meio do mundo. E tereis o mundo em vós, cada parte sua
uma parte vossa. E não mais o deixareis, como não me deixareis a mim.
67.15 Que é o mundo, senão uma rosa? E que sois vós, senão a semente dela? Uma semente
por florir: eis porque vos enviei os meus justos e o meu Consolador, para que o descubrais
por vós, pois neles a rosa floresce, o mundo redime-se e a sua palavra é de salvação, e onde
eles vão, vai o meu espírito. Eles são o meu sinal para vós. Segui-os.

67.16 Julgais amar-me, porque me adorais em templos onde não habito. Cuidado com os
jogos das trevas: foram elas que fizeram do espírito livre um templo de pedra e do meu
amor uma estátua e da minha justiça um grilhão. Eu não estou onde estão as trevas.
67.17 Se me quereis para vós, tereis de amar o meu fogo, tereis de amar o meu espírito, não
a pedra, nem a estátua, nem o jogo de sombras entre a estátua e a pedra. Aí só estão as
sombras. Aí só vivem as trevas e os que amam as trevas. O meu sacerdote não oficia aí. O
meu profeta não vos fala nesse lugar. O meu servo não varre esse templo.
67.18 O meu templo é de luz e para chegardes até ele tendes de ir até ao fundo do vosso
espírito, pois só aquele que se conhece me conhece e só aquele que sobe a minha
montanha, sobe à sua montanha, e só aquele que decifra o meu labirinto, vence o seu
próprio labirinto. Não cuideis, pois, que basta adorar a estátua ou o templo de pedra para
me adorardes a mim.
67.19 Assim vos têm enganado e seduzido, pela pedra e pelo templo, mas eu vos digo: onde
a pedra está eu não estou, e onde há uma estátua de mim, há uma estátua da minha sombra
e não eu, pois eu sou uma coluna de fogo que trespassa o mundo de pólo a pólo e de
equador a equador e o meu espírito envolve os mundos e os universos e está no tempo das
criaturas e fora dele e nada há que não faça parte de mim.
67.20 Como me quereis ter na pedra e no templo? Como me quereis ter à vossa medida? Eu
não tenho medida, nem pedra, nem templo. Eu sou a Pedra de base do Mundo e do
Firmamento e só eu sou o templo e a sua medida, que é a mesma de tudo. Não uma estátua
ou um altar que sirva as vossas preces, mas o fogo que cria a estátua e o altar e a prece,
que sois vós perante mim.

68
68.1 A palavra do Senhor é como o bafo do dragão. Se encontra receptividade, ela dá a vida
e a imortalidade aos seres, mas se encontre resistência ela condena à morte e reduz os
seres a cinzas, pois também os seres são feitos do bafo do dragão. Bafo que o tempo e o
esquecimento condensou em raízes e pedra, ou que a experiência e a consciência subtilizou
em energia e liberdade. Assim os seres se libertam pelo encontro com o Senhor, quando
aquilo que são se transformou em liberdade e receptividade. Então a palavra pode ser
semente e a semente pode ser imortalidade e vida. Mas se ao contrário os seres usarem o
dom do dragão para se enfronharem na vida densa e material, a palavra do Senhor encontra
barreiras e, perante estas, ela vai em frente, destruindo e consumindo. Assim a palavra do
Senhor tanto pode ser dom libertador como dom destruidor. Tudo depende do homem.

68.2 Um grande dragão: eis a palavra do Senhor, cujo bafo se estende pelo espaço e pelo
tempo, envolvendo os mundos e dando-lhes uma ordem e uma lei, unindo-os no amor e na
justiça, fazendo-os procriar criaturas de acordo com a sua força e a sua geometria. Um
dragão que morde a sua própria cauda, gerando duas espécies de mundos: aqueles que estão
na lei e aqueles que dela estão arredados; aqueles que estão dentro de si e aqueles que não
estão.
68.3 Assim o dragão é o grande guardião dos mundos e é o grande guardião do Senhor. É
também aquele que vela perante o trono. E quando o Senhor ergue a Sua mão sobre os
mundos, o dragão vai diante dele para gerar a luz ou as trevas, a liberdade ou a dor, pois
ele é a balança do Senhor e é também aquele que porta a Sua espada de fogo. E todos
aqueles que vivem pela espada do Senhor e que se transformaram nessa espada, vivem no
dragão e pela lei do dragão. E estão também perante o trono, transformados na espada que
o dragão traz consigo.

68.4 Há uma casta de guerreiros sagrados. A esses o Senhor entregou a Sua espada e o Seu
dragão e os enviou diante de si aos mundos, para que haja submissão à Lei e submissão a si.
Esses velam pelo cumprimento da Lei e pela realização da Obra e o bafo do dragão está com
eles e onde eles vão o bafo vai diante deles, como uma chama de brilho intenso.
68.5 Assim o Senhor se anuncia através dos Seus guerreiros e do Seu dragão e da Sua
espada, para que todos aqueles que os virem e os reconhecerem pelo sinal não se percam,
antes tenham a vida eterna.

68.6 O bafo do dragão envolve os mundos como a Lei envolve o espaço, o tempo e governa
a eternidade; envolve-os e dá-lhes a vida. O Senhor penetra nesta vida e dá-lhe a Sua
palavra e desta união nasce o amor, que é o maior dom das criaturas, pois o amor tudo une
e tudo faz presente ao Pai. Assim o Senhor se torna próximo das criaturas e as torna
próximas a elas. E as chama a si, para as devorar e consumar.
68.7 Então Ele se põe no meio do Seu dragão como um ovo de luz e as criaturas vêm pelo
espaço ao Seu encontro. Quando o espaço está repleto delas e à Sua volta só há luz, o
dragão ergue a cabeça e lança o seu bafo no centro do anel, para que as criaturas se
transformem e possam penetrar no Grande Ovo e fertilizá-lo.
68.8 Assim as criaturas, transformadas pelo dragão, são como a semente do homem para a
semente da mulher. E umas penetram no Ovo e outras não. Aquelas que penetram, vão
fecundar o Senhor e tornar-se criadoras com Ele. As outras ficam a errar pelo espaço e dão
origem aos cometas e aos corpos celestes errantes. Deste modo a criatura participa na
criação e torna-se una com ela. E participa na palavra e no verbo mágico que dá origem e
continuação aos mundos.
68.9 O Senhor é como um espaço aberto e receptivo e não como uma coisa fechada e
isolada. Assim, aquele que quiser ir perante o Senhor e unir-se com Ele, tem de ir pelo
amor, não pelo ódio; pela justiça, não pela cobiça; pela rectidão da Lei e não pela violação
da Lei.
68.10 Pois o Senhor ama e recebe os justos junto do Seu trono e prepara para eles um
banquete nupcial, mas ai daquele que for perante Ele na cobardia e na vaidade. Esse será
devorado pelo dragão e pela espada e as suas cinzas serão lançadas no grande abismo, para
que as sombras o tomem à vida e nada lhe consintam, nem o esquecimento nem a morte.

68.11 Só há uma lei perante o Senhor: o Amor. E uma medida justa: a da Sua Lei. Que todo
aquele que procura os caminhos do Senhor medite nisso, pois o Senhor é justo e perante a
Sua face todo o joelho se dobra e todo o corpo cai sobre a terra. Ai daquele que for perante
Ele no engano e na confusão. Esse só conhecerá a dor e o esquecimento na dor.
68.12 O amor do Senhor é como uma fogueira de chama sempre renovada. E quem poderá ir
perante este fogo se não tiver sido consumido no amor que lhe tem? Para ir, terá de ter asas
nos pés e no coração e ter-se já transformado em espírito realizado, ou o Senhor o cuspirá
da Sua boca e o enviará às sombras.
68.13 Aquele que vai perante o Senhor sem estar na Sua Graça, é como uma sombra que
procura resguardar-se da luz no fundo do abismo. E, se vai perante o Senhor, vai escondida
dele, envolta em veús de ilusão e mentira. Assim vai também aquele que não amadureceu a
semente, nem colheu o fruto do amor, antes o tirou da terra antes do tempo da colheita. E
o fruto estava amargo e pequeno e não deu bom resultado. Esse que vai assim, vai
enganado, pois a semente não floriu.
68.14 O Senhor olha na sua face e vê escuridão e olha no seu coração e vê trevas e olha na
sua boca e vê mentira e falsidade. Então o Senhor ergue a Sua mão, o Seu dragão inflama-
se, a espada é erguida e cai sobre esse que foi aonde não devia.
68.15 Assim os seres são lançados do céu sobre a borda do abismo e esses já não poderão ir
perante o Senhor, pois a Sua semente já não está neles, antes foi dada às trevas.
68.16 E que é o abismo senão o esquecimento do Senhor, a ignorância do Senhor e a ausência
do Seu amor? E que maior abismo haverá, e sem fundo, do que ter estado perante o Senhor
e ter trazido a Sua semente no coração e esta ter-lhe sido retirada e perder a luz?
68.17 Tal como os anjos que tombaram do céu, indo animar as sombras e transformando-se
em Senhores das sombras, assim cairá no abismo todo aquele que for perante o Senhor sem
estar pronto para ser recebido na luz, pois a luz só se consente a si e, perante ela, até
aquele que tiver alguma luz, mas não a tiver toda, parecerá feito de escuridão e pedra. E
ido ali há-de ficar cego e surdo e mudo.
68.18 A luz dá a vida àquele que realizou a plenitude da Obra e que se transformou na Obra,
mas também dá a morte àquele que, não tendo realizado a Obra, lhe quebra os selos e se
expõe ao bafo do dragão. A esse caem os cabelos da cabeça e as unhas dos pés e das mãos e
a carne dos ossos, e estes transformam-se em cinzas.
68.19 O Senhor é como um sol em expansão, ou um átomo de brilho total. E a Sua luz só
pode dar a vida àquele que já não é corpo, ou sangue ou ossos, mas apenas luz. Esse o
Senhor tomará para si e o receberá em si e terá vida eterna. E os seus olhos se abrirão para
a luz do Pai e os seus ouvidos para o Seu Livro e a Sua Palavra, e a sua boca será mais um
clarim sobre a madrugada. E depois de tocado o clarim e o Verbo pronunciado, ela se
fechará sobre o Livro, com sete selos, e assim permanecerá.

69
69.1 O Senhor o concebeu da lava dos vulcões e lhe soprou a vida nos olhos e ele viu. E o
moldou segundo a Sua forma, que é de anjo e de luz, e lhe deu o poder de saber o que o
Livro diz e ele viu e soube. E para ele imaginou uma semente feita dos astros e do tempo, e
lha colocou no centro do coração, para que ele pudesse saber por si dos mistérios das
coisas, e ele soube.
69.2 Então o Senhor achou a Sua obra completa e o separou de si e o enviou ao mundo,
como Seu filho, para que procriasse e povoasse o mundo de acordo com a Lei e a justiça da
Lei. E assim foi feito durante muitos ciclos.
69.3 Este foi o primeiro homem, Adam, arquétipo e fundamento da Obra.

69.4 O primeiro procriou os muitos e estes povoaram a terra, sempre no acordo da Lei e da
justiça. E o Senhor velava sobre eles e aplainava os seus caminhos, de acordo com o seu
merecimento. Isso durou muitos ciclos.
69.5 O Senhor achou assim a Obra começada no coração do homem e fora dele e, para que
não se perdesse, nem o homem, nem a Obra, nem o sentido da Obra, Ele estabeleceu com o
mundo uma aliança: esta aliança era um círculo de fogo.

69.6 Dos céus, o Senhor a tirou para a dar ao homem e alguns houve que a puseram sobre a
cabeça, como uma coroa de ouro, ou prata, ou ferro, de acordo com o seu galardão perante
o Senhor; e outros a puserem noutras partes do corpo, sempre para significar o mesmo. E
quando o homem desposava a mulher, eles se uniam assim: aliança com aliança, sobre o
dedo do Senhor, pois O tomavam como testemunha oculta e sacerdote. E perante Ele se
uniam, mesmo tendo sacerdote na terra.
69.7 O Senhor em tudo achou graça e misericórdia e tudo tomou por bom e justo e o
homem achou luz perante a face do seu Senhor.
69.8 Isto durou muito, mas tempo veio em que o homem esqueceu a sua origem e a razão
de tudo e o Senhor foi esquecido. Então se ergueram templos de pedra na face da terra e ali
foram adoradas imagens. O Senhor viu isto e lhe recusou a Sua face e se afastou do homem
e dos seus ídolos.
69.9 O homem encheu a terra de templos e de ídolos. E cada homem criou um templo e um
ídolo e lhe prestou homenagem na vida e na morte. Em redor de cada homem se juntaram
outros, de acordo com o templo e o ídolo. Assim se formaram as nações da terra e os povos
e as línguas. E quando tudo estava dividido, a sombra entrou no mundo pela porta dos
templos e dos ídolos e foi perante o homem e achou lugar nele e o homem recebeu-a e
amou-a. Então a sombra reinou sobre o homem, dentro e fora dele, nos seus templos e nos
seus ídolos e até na sua fé.
69.10 O Senhor viu isto também: afastou-se e foi para o deserto, onde tomou para si a mais
alta montanha que lá havia. No seu cimo edificou um templo feito de luz e de fogo. E para
que o homem ali não pudesse entrar, nas suas quatro portas colocou quatro anjos armados
de espadas de fogo. No meio do templo ergueu um altar onde pôs quatro espíritos, que são
quatro símbolos: um Livro, para simbolizar todo o conhecimento da Obra; uma Taça para
simbolizar todo o sacrifício do homem e das criaturas; uma Vara, para simbolizar o domínio
do fogo; e uma Espada, para simbolizar o caminho que leva do mundo ao templo.
69.11 Tendo feito isto, foi para o ponto central e oculto e aí se elevou, ficando suspenso,
qual esfera de luz e fogo. E sobre si se debruçou, como uma rosa quando fecha as pétalas e
assim ficou por muito tempo. Então, pouco a pouco, a esfera tomou a forma de um ovo e
neste começou a laborar algo: imagem ou ideia de imagem apenas, sonho ou esboço de
sonho. No meio do sonho uma forma tomou realidade: três rostos num só rosto. O de um
velho o de uma criança e o de uma senhora. Então a esfera abriu-se e três seres distintos
brotaram dela. Os três foram perante o altar e sobre ele realizaram um rito, e os espíritos
foram abençoados por si e pelo que simbolizam. Depois, cada um deles tomou para si um
dos espíritos.
69.12 A Senhora tomou a Taça para colher o sangue e desceu ao centro do mundo. O Filho
tomou a Espada, ergueu-a sobre a face da terra e sobre ela lançou o fogo, para que
consumisse, e depois uniu-se a ela e assim ficaram ambos suspensos sobre a face do mundo
como uma cruz de fogo no centro da qual desponta uma rosa. O Senhor tomou a Vara de
fogo para si e partiu daquele lugar para os desertos do mundo e percorre-os transformado
em coluna de fogo errante, pois nunca o sol da manhã O encontra no mesmo lugar onde o
deixou.

69.13 Desde então há três caminhos para a Obra: o primeiro passa pela Mãe e pelo sacrifício,
e é preciso casar com a terra e descer ao seu centro e vencer a serpente que guarda a porta
da caverna antes de desvelar o véu da ilusão e ver a face da Verdade.
69.14 O segundo passa pelo Filho que também é o Encoberto, e para chegar até ele é preciso
ousar morrer na cruz do mundo, para o mundo, antes que a rosa de ouro possa abrir as suas
pétalas: este é o caminho da inteligência subordinada à sabedoria e da razão subordinada ao
amor.
69.15 O terceiro caminho passa pelo Senhor e por tomar para si a Sua missão, que é a de
percorrer os desertos do mundo, e por ir a Seu lado, em busca daqueles que tendo abjurado
os templos e os ídolos, partiram para o deserto em busca da revelação.
69.16 Estes são os três caminhos da Obra e bem aventurado é aquele que os percorre um
após outro, sem descanso nem perda de fé, pois está escrito que aquele que os percorrer
será tentado não uma vez mas três: primeiro pela carne que é a sombra do mundo, depois
pela mente que é a sombra da inteligência, e finalmente pelo poder que é a sombra do
amor.

70
70.1 Só há um Senhor e um servo: a realidade e a sombra da realidade. Tudo o mais é
apenas ilusão.
70.2 Ilusão e vaidade no homem, ilusão e orgulho nos senhores da sombra, ilusão e violação
da Lei naqueles que amam o mal e que têm nele a sua força.
70.3 Não duas coisas, mas uma só coisa: assim é a verdade. E perante todas as coisas, um só
rosto com mil faces. Assim o Senhor se mostra e se esconde, porque há aquele que ama o
Senhor da ilusão e há aquele que ama a ilusão do Senhor. E um irá até Ele por um caminho
direito e vertical, qual ave, e outro irá a Ele por um caminho feito de labirintos e trevas e
sofrimento. E o primeiro há-de vê-lo em toda a sua glória e majestade, mas o segundo só
terá dele uma visão parcial, feita de duvidas, medos e rancores.
70.4 E no entanto, amando-O na verdade ou na ilusão, ambos O hão-de achar, pois o Senhor
está em todos os caminhos do homem, assinalando os quatro pontos do espaço e do tempo,
e nada ocorre sob os ceús ou debaixo da terra que não tenha a Sua vontade e a Sua mão
nisso.

70.5 Amais a ilusão porque viveis nas trevas. Olhásseis um pouco mais alto e veríeis que
sobre o manto das trevas brilha a minha luz, como um sol imenso. Assim é o mundo para
vós: um manto de trevas e sobre ele, invisível e oculto, um sol.
70.6 E porque viveis nas trevas, tendes com ela pactos. Por isso as trevas vos são tão
necessárias. E os senhores das trevas vos seduzem com falsas promessas e inúteis paraísos e
vós credes neles e não credes no que vos digo.
70.7 Mas eu vos digo que cego é aquele que olha numa só direcção e que teme a sombra e
ama a dor da sombra por medo de ver a luz. Que hei-de fazer desse? E até para esse a
minha luz existe, se olhar para o alto, se olhar para mim e na minha face puser a sua dor.
Pois eu amo a dor que há no homem, se ela servir para se unir a mim e para me ver tal
como eu sou; mas abjuro a vossa dor, porque ela só serve para vos ancorar num mundo de
trevas.
70.8 É isso que vos digo: olhai para mais alto, olhai para mais longe e descrede das trevas,
porque se delas desacreditardes, mesmo que por um momento, elas hão-de aparecer-vos tal
como são: ilusão e sombra de algo que não está nelas. Então me vereis, até aí, no meio da
vossa ilusão e da vossa dor, como um sol que brilha oculto e ignorado e vos afastareis da
sombra como o mundo que desperta do seu sono para a realidade do meio dia.
70.9 Então eu reinarei no vosso coração como um sol de gratidão e amor e não mais me
perdereis, pois eu sou como um milagre para aquele que vem até mim, imerso em sombras e
ilusões. Da sombra eu o conduzo à luz e da luz eu o ergo até ao meu altar. E perante este
toda a dúvida há-de cessar.

70.10 Não me negueis, ó filhos da alvorada! Se me negardes, é a vós que negais. E como
chegareis a mim se não chegardes a vós próprios? Se não vos descobrirdes entre o
entardecer do mundo e o seu despertar?
70.11 Que aquele que me procura e todos vós me procurais, mesmo no amor da treva - venha
a mim como uma criança acabada de nascer: sem veús nos olhos nem teias no coração.
Apenas uma criança. Então eu o tomarei às trevas e o envolverei em panos muito suaves
para que a luz não lhe fira os olhos: esse me há-de ver como alguém muito próximo e muito
longínquo, pois a luz aproxima e afasta. E ai daquele que dela se aproximar sem a poder
ver.
70.12 Assim sois vós perante mim: crianças temerosas da realidade. E como me haveis de ver
a mim se não olhardes à minha volta? Pois olhando o que faço, vireis a mim pela Obra e esta
vos transformará e fará dignos de mim. Mas vindos a mim sem virdes pela Obra, tereis de ter
olhos que vêem longe no espaço e no tempo, pois a minha luz é mortal para os cegos.
70.13 E todos vós sois cegos: cegos e crianças mimadas. A treva vos tem embalado o berço e
vós amais o berço. Mas quando vierdes até mim, tereis de vir pelo vosso pé e tereis de ter
ganho asas, pois eu amo e recebo todo aquele que me recebe e ama, mas abjuro e precipito
no abismo todo aquele que vem a mim coxo e cego e surdo.
70.14 Cuidais que o meu templo é lugar de repouso? O meu templo é lugar de guerra e de
preparação para a guerra. Pois os meus exércitos estão em marcha desde o alvor dos
mundos e em marcha estarão até que tudo regresse a mim. Eu não sou o vosso repouso mas
a vossa guerra: uma guerra santa e justa por amor ao homem e a toda a criatura. E amo a
vossa guerra se ela for justa e em meu nome, mas abjuro a vossa paz se ela for feita em
nome do vosso comodismo e da lassidão que vos vai na alma.

70.15 Cuidais porventura que eu vim trazer a paz? Eu não vim trazer a paz, mas a guerra. E
se me amais verdadeiramente, haveis de amar a minha guerra, pois que a faço em vosso
nome e de todas as coisas vivas.
70.16 Assim eu vos invoco, ó filhos da alvorada! Tomai a minha guerra para vós e defendei o
meu nome, pois o meu nome é santo e a minha Lei é justa.
70.17 E onde fordes em meu nome, levai o meu pendão convosco. E se tendes de semear
algo, semeai o fogo, para que o justo seja separado do injusto e o primeiro viva no fogo e
pela Lei e o segundo seja consumido nela.

70.18 Se quereis um novo mundo, semeai agora a semente boa e travai o bom combate, pois
a semente que está sobre a terra pouco presta e pouco fruto pode dar, antes há-de dar
palha que o meu fogo devorará. E quando toda a palha tiver sido devorada e toda a erva
daninha arrancada, então podereis ir de terra em terra, pois todo aquele que sobrar terá a
justiça consigo e o amor da Lei estará sobre o seu coração.
70.19 Nesses podereis confiar e sob os seus tectos podereis abrigar-vos, como o cão que se
recolhe sob a mão do dono, mas antes que o meu fogo vá sobre a terra, tende cuidado
convosco, pois são mais os que amam a treva e a ilusão do que areias há no deserto. E até
que o meu fogo venha, mais haverá ainda, pois eu assim quero e o desejo.

70.20 Não cuideis que o mundo seja para vós local de repouso e de lassidão, mas prova e dor
da prova. Pois eu o quero para meu altar e para nele sacrificar a treva. E como poderia ser
isso, se nele só houvesse paz e amor da paz? Assim o tive de dar à treva e de o dar ao
homem, para que ele escolhesse entre a treva e mim. E aquele que escolheu a treva será
devorado por ela e aquele que me escolheu a mim terá em mim o seu esteio e em mim há-
de florir.
70.21 Pois eu amo a boa semente e amo o bom semeador e o encaminho e protejo, para que
a safra seja farta. Mas da má semente afasto os olhos e do mau semeador não quero saber.
E se sobre o seu campo cair o granizo, não ponho a minha mão sobre ele nem o protejo,
antes o deixo entregue à sua sorte. Pois eu só tenho uma Lei e uma balança para pesar. E
todo aquele que não for digno de mim, a mim não virá nem comigo terá pactos, antes os
terá com a treva, pois assim o escolheu. E eu hei-de respeitar esse acordo.

70.22 Por isso vos digo: semeai uma boa semente e travai um bom combate, mas não vos
descuideis na vossa sorte, pois o inimigo espreita, antes acautelai a sementeira e protegei o
vosso terreno de toda a erva daninha, pois entre as espigas não deve crescer o joio, para
que quando o meu fogo vier sobre as vossas cabeças não fiqueis sob o seu signo, antes vos
ergais sobre os campos como uma árvore direita e a prumo.
70.23 É essa a minha vontade para vós: que sejais dignos do meu filho, do consolador que vos
envio, pois aquele que não for digno dele, não o será de mim. E como vos haveis de sentar à
minha mesa e celebrar comigo os esponsais, se não fordes dignos do seu sacrifício? Tornai-
vos pois dignos dele e do que ele fizer em vosso nome, para que vos receba à minha mesa.

70.24 E que aquele que diz amar o seu Senhor na prova e na aflição, veja isto: eu sou uma
coluna de fogo que percorre a terra duma ponta à outra sem cessar. Que busco eu? O
segredo do homem, o seu nome perdido. Pois só assim poderei transformar a terra inteira
em templo meu e cada homem numa espada de luz suspensa sobre a treva.
70.25 E quando o momento chegar e cada guerreiro se consumar em sacerdote e servo e
profeta perante o altar, hei-de transformar essa espada em cruz e no seu centro há-de florir
a rosa, que é a minha semente no homem. E perante isto até a treva se há-de ajoelhar, em
submissão.
70.26 É isto que quero para o homem: uma rosa aberta no centro de uma cruz de fogo. E que
a terra inteira seja uma cruz, no centro da qual desponte a minha rosa, que é o meu templo
com o seu altar. Pois eu vim para fazer Obra vasta e não para ficar pelas lágrimas e pela
dor.
70.27 Que aquele que me ama, ame a dor da Obra e a realize em si e erga as mãos para
receber a espada e terminada a batalha se torne digno de ascender ao centro da cruz, pois
nela se baptizará com o fogo do espírito aquele que já foi baptizado na carne e no sangue.
Então poderá nascer em mim, como meu filho dilecto e sentar-se comigo no meu templo.

71
71.1 Sobre a borda do abismo uma taça está suspensa. Então, surgida do nada, uma mão a
ergue e o seu conteúdo derrama: é sangue o liquido derramado. No fundo, entre sombras e
escuridão, vagos rostos se erguem. Sobre eles cai o sangue da humanidade sacrificada.
71.2 Assim se alimentam as sombras e se prolonga o medo sobre a face do mundo, pois não
há ali vida real, mas poente que ainda não chegou ao fim. Chegado o momento de fechar a
porta, a luz se há-de esvair no fundo do abismo e as sombras, como irreais que são, passarão
da existência que não têm à constatação disso. Sombras definitivamente se hão-de tornar,
não no mundo nem no coração do homem onde agora habitam, mas no fundo do abismo que
há em cada ser e cuja porta está encerrada. Aí viverão como os sonhos e os pressentimentos
vivem, sem nunca serem o que são. E só aí viverão.
71.3 De sombra é feito o mundo. E onde o homem julga ver luz é ainda a sombra que ele
vê, pois a geometria do Senhor assim o concebeu e fez. Se há luz em cada coisa e ser, jaz
oculta e ignorada. Secreta habita intemporal mundo: dela só temos o pressentimento. E se
iniciamos o caminho do sacrificado e vamos de etapa em etapa, abrindo caminho ao Pai, é a
luz que alimentamos. De chama pequena se fará grande e de grande se fará fogueira e desta
talvez sol. E chegados aqui, ser-nos-à permitido olhar o Pai de frente, como os filhos olham
os pais nos olhos.
71.4 Até lá só alimentamos a chama, e pequeno é aquele que nem isso faz. O outro não é
grande por o fazer: cumpre um dever, mais nada. E se na terra tem galardão por ser visível
na luz que derrama, no céu há-de tê-lo se o seu espírito tiver perante o Pai a mesma luz.
Que não se ofusque, portanto, o nosso orgulho com a luz que possamos ter perante os
outros, mesmo que grande, pois perante o Senhor tudo é pequeno e passageiro.
71.5 E mesmo que como deuses deixemos o mundo e a memória dos povos, ainda assim
pequenos e nus iremos perante a derradeira prova. E só vencendo-a venceremos o fado. Pois
que é o destino senão a Lei? E que é esta senão o sopro do Senhor, rente à madrugada?
Cumpramos a lei do sacrifício e talvez Ele nos estenda a mão, como se a estendesse àquele
que está prestes a morrer afogado. Quanto ao orgulho e vaidade, deixemos isso com o
mundo e a carne.
71.6 Perante o céu tudo é pequeno e perante o seu Senhor até o céu ínfimo é, quanto mais
a criatura que ascendeu. Essa é apenas esboço de algo que longe perdura entre céus e terra.
E se passa do não existir ao ser, deve-o apenas à mão de Deus que a fez sair do limbo. Não a
si, nem a essa luz que oculta traz, mas à vontade daquele que é tudo e sobre tudo reina
absoluto e eterno.
71.7 Só Ele é o Senhor das eras sem fim e por contar. Só Ele é digno de ascender e ser a luz.
Nós que somos? Esboço ou ilusão de algo. Chama também, mas breve. E o Senhor vai
perante a pequena chama e sopra-lhe. Ela treme, vacila. Um pouco mais de sopro (que é
vida) e apaga-se.

71.8 É isto que somos: uma chama que arde e vacila a cada passo. Não uma fogueira ainda,
muito menos um sol que irradia sem pausa nem descanso, num amor perene. Apenas uma
chama sobre um deserto sem fim, tendo em redor a pedra que a eternidade fez areia. E por
cima, fora de todo o entendimento humano, estrelas e planetas e deuses, que são a génese
de toda a sabedoria.
71.9 Pudéssemos nós penetrar aí, a meio deles, e talvez o véu se erguesse um pouco. Mas
cá de longe, presos à terra e ao limbo que é a nossa matéria e o nosso peso, que mais
podemos, senão sonhar com isso?
71.10 E é sonhando e velando pelo sono que vamos erguendo este castelo de cartas sobre a
planície desértica. Preze a Deus e ao destino que não sopre com força, ou o castelo ruirá e
nós ficaremos pelo que somos: uma chama apenas.

71.11 Tudo é uma luz que se derrama. O Senhor a traz pela mão e a vai dando ao homem
que dela se torna digno. Posto o homem perante o seu Senhor, ele abre a porta e espreita.
71.12 No coração e sobre ele jaz a porta do homem. O Senhor olha-a e sopra. Se o homem é
rijo e venceu batalhas sem fim, o Senhor sopra mais, sopra com força. Então o homem
vacila: julgou ser distinto do que era, julgou ser mais.
71.13 O Senhor fecha a porta e sela o homem. E o homem continua a peregrinação lançando-
se em mais batalhas por amor à luz e ao Pai. Vai mais forte agora, tem mais luz. Viu a face
do Eterno e aprendeu algo mais. Se persistir no caminho da cruz, sem fadiga nem
ressentimento, talvez lhe veja o fim, talvez chegue ao topo da jornada.
71.14 Então irá novamente perante o Senhor e os seus selos serão quebrados e a sua chama
soprada. Já não um sopro mas um vendaval: o sopro da luz sobre a face do mundo; um
ciclone que partindo de um centro, sobre si próprio gira sem cessar.
71.15 Assim é a palavra do Pai para aquele que vai perante Ele, para ser acolhido. E se a
chama é forte e o espírito está pronto, o Senhor o toma para si e lhe dá um lugar no Seu
templo, para que oficie e vele pela Obra; mas se a chama é ainda fraca, o Senhor afasta os
olhos e passa adiante, como quem não viu. E o homem curva-se e continua a jornada.

71.16 Eis o mundo: uma batalha sem fim pela luz. E o Senhor do mundo vigia e ora, pois o
homem é carne da terra e carne do céu e é sangue, parte luz e parte treva. Uma luz no
meio da treva, uma luz cheia de ambição e receio, que quer trepar ao céu sem passar pela
dor do céu, que quer possuir a luz sem a alimentar com o seu sangue. Assim é o homem:
uma luz pequena que o Senhor vigia.

72
72.1 Sobre um livro fechado uma serpente dorme: é Ouroboros, a serpente do Cristo. Sinal
do Senhor, ela veio para anunciar o reino da Criança, o reino daquele que durará mil anos.
Perante esse irão os povos da terra inteira e os seus reis e chefes também. Pois sobre a
cabeça da criança está a mão do Senhor e está a pomba que anuncia a paz.
72.2 Assim no reino da Criança haverá um tempo de paz e o espírito falará livremente. E ai
daquele que se erguer contra a Criança ou contra aqueles que a seguem. Esse será
precipitado no abismo. E muitos se levantarão contra ela, pois a sua ambição e cobiça são
grandes. Mas sobre todos eles o Senhor estará, como está o raio e a tempestade sobre a face
da terra.
72.3 E quando a tempestade soar, que fará a terra, senão esconder-se dela e esperar que
passe? Assim fará o homem: esconder-se da face irada do seu Senhor e esperar que a
tormenta termine. Mas o Senhor não há-de tirar dele os Seus olhos nem o há-de esquecer,
para que não haja injustiça sobre a terra, mas obediência à Lei; nem escárnio da Lei, mas
amor dela.
72.4 Assim o Senhor há-de esperar pela hora de julgar o homem e este há-de ir perante Ele
para ser pesado. E aquele que tiver seguido a Criança há-de ter sinal disso, e aquele outro
que não a tendo seguido, dela se divorciou, também terá sinal em si. E por este sinal o Pai
os julgará e os apartará entre si. E a uns será dada a chave do reino da terra e a outros a do
céu. E o céu terá poder sobre a terra por mil anos e o reino da Criança durará isso.

72.5 Um povo inteiro espera: eis a Criança perante o seu Senhor. E o Senhor olha-a nos
olhos e vê a terra toda, inteira e una. Assim a vê esse povo: como coisa total e completa,
onde o espírito vive e arde. E o Senhor olha por ela o mundo e ama o mundo. E congratula-
se no mundo e redime-se com ele. Por isso o Senhor enviou a criança para o meio do povo,
para que este vivesse, não na treva, mas na luz.
72.6 Assim a criança é como um sinal do Senhor, um sinal do Seu Espírito; não o Senhor,
mas um caminho para Ele. E com a criança há-de nascer o Livro e nele se falará da Criança e
do tempo que está para vir, para que aquele que espera não espere em vão, antes tenha um
sinal para seguir.

72.7 Que aquele que ama o Livro ame mil vezes mais a criança, pois a criança é a génese do
Livro. E a criança há-de sentar-se a meio da terra sobre o Livro, como sobre um trono, e
todos aqueles que forem perante ela, irão perante o Livro e no Livro terão os seus nomes
desde a eternidade. Então um anjo do Senhor há-de ler o Livro e há-de ler os nomes que lá
estão escritos. E todos aqueles que lá tiverem o nome serão salvos e todos aqueles que não
o tiverem, terão de ir pela terra em busca do seu nome.
72.8 Pois o homem é o nome que o Senhor lhe escreveu sobre as areias da eternidade. E
que será do homem que não tiver nome escrito pela mão do Senhor? Onde há-de o fogo
habitar nele, senão no nome? Assim o Senhor o criou, barro com nome escrito a fogo. E se
não há fogo no barro como há-de ele caminhar inteiro? Vinda a tempestade, o barro há-de
transformar-se em lama e esta em pó dissolvido.
72.9 Que o homem procure primeiro a mão do Senhor e o Seu fogo, que o há-de cozer por
dentro e fazer carne com sangue à mistura. E procure o nome que é o dom nele, o verbo e a
palavra do Livro, pois o homem nasce quando o Senhor o escreve no Livro, e morre para a
carne quando o Senhor dele o apaga, e nele fica se o Senhor abre o Livro e vê o seu nome
escrito a ouro.
72.10 E que é o homem senão um nome escrito num livro? escrito no Livro do Destino, na
mente do seu Senhor? Pois o Senhor é a porta aberta da vida e o Seu caminho pelo meio dos
homens. E se os homens não vierem pela Sua mão, por onde hão-de eles vir?
72.11 Só há uma verdade e uma essência que se transforma sem cessar: esse é o plasma que
o Senhor traz em si. Feito dos mundos, tudo contém. Um gesto Seu e tudo retorna a si e
dissolve-se a realidade, e os sonhos até; outro gesto e tudo dimana e volta a haver realidade
e sonho sobre o que é verdade e ilusão.

73
73.1 O mundo é como uma torre quadrada na base e na cúpula. E entre a cúpula e a base a
mesma geometria. Nível sobre nível se soma, mostrando que a realidade é sempre a mesma
e diferente. Igual naquilo que significa e diferente naquilo que dela vemos. Igual porque só
há uma medida e tudo é feito sobre ela, e diferente porque os olhos só vêem aquilo que
com eles se identifica.
73.2 Assim o Senhor concebeu o mundo e o realizou: pela medida de si mesmo. E estável e
eterno o fez, pelo que lhe deu o cubo para base e para cimo e para meio entre uma coisa e
outra.

73.3 Olhado de cima, é o mundo todo como uma torre, onde no cimo se celebram os
mistérios do Senhor e se ergue o Seu templo de fogo e luz; logo a seguir se ergue o segundo
templo do mundo, o da Senhora, e depois o do Homem, que é resultado dos outros dois e
filho deles.
73.4 Assim os níveis se somam, descendentes e ascendentes, formando entre si como que
uma pirâmide imensa e infinita, pelo que o mundo todo é verdadeiramente um só templo,
no qual os três templos presidem e os três poderes regem e vigiam.

73.5 Que não se turve a razão humana com a escalada da grande montanha do mundo, nem
com a sua pequenez perante a grandeza da tarefa a realizar, nem tão-pouco com a
comparação que entre si e esse templo possa estabelecer, pois esse templo, sendo imenso,
não é mais que um grão de areia na mão do Senhor e, sendo do tamanho do mundo, cabe
afinal no coração daquele que lhe alcançou o topo.
73.6 Realizada a tarefa e transpostas as portas dos três templos que lhe coroam o cimo,
realizou-se a tripla alquimia do discípulo e sagrou-se este sacerdote ou profeta ou servo do
Deus Único.
73.7 Tendo ido perante Adam, recebeu a cruz e foi crucificado; tendo ido perante a
Senhora, recebeu a rosa e foi concebido; tendo ido perante o Pai, foi posto nu sobre um
ataúde de pedra, para que morresse e renascesse das suas cinzas. E com a tampa selada
pelo silêncio último e nas mãos apenas a rosa oculta, o discípulo faz a prova derradeira.
73.8 O fogo o tomará à carne e o despojará dela. Então o Senhor o tomará para si e lhe
vestirá a túnica branca dos Seus servos e lhe dará cordão e capa de acordo com o seu grau e
merecimento.
73.9 E lhe dará assento no Seu templo segundo a sua tarefa, pois quatro são as partes do
mundo e do templo supremo do mundo: a nascente, aqueles que servem pela espada e que
fazem a guerra santa do Senhor; a sul, aqueles que vigiam e oram no deserto e que
profetizam; a poente, aqueles que servem pelo sacerdócio e pela contemplação do sagrado
e pela continuação dos templos sobre a face do mundo; a norte, pelos que detêm a
sabedoria e que ciclicamente nascem para fazer o caminho da cruz.
73.10 Tais são as quatro partes do templo e da terra e da Obra a realizar. E aquele que
realizar a sua parte nela e o fizer na plenitude do Senhor, há-de descobrir-se um dia uno
com Ele no centro do Seu templo, transformado em chama viva. Então viverá uma outra
morte, pois tendo perdido a carne para entrar ali, terá de perder aquilo que é seu para ser
tudo sem ser coisa alguma.
73.11 Despojado de símbolos e de vestes (mesmo que de luz), tendo abdicado de tarefas a
realizar e da realização ela mesma, eis que estará pronto para dar o salto último: só então o
Senhor o tomará nos braços e o cingirá a si.
73.12 Nu e incerto o tomará. Mais nu e incerto que quando saiu do incriado para a vida, pois
então vivia no limbo do sonho de Deus, não consciência, mas vida, enquanto que agora,
partindo do sonho da realização do ser e da plena consciência de o ter sido, lança-se no
vazio que medeia e separa a vida da criatura da do criador.
73.13 Só a confiança extrema o levará de uma coisa à outra; só o amor total ao Senhor o fará
transpor o abismo, pois que os deuses ainda são homens, mesmo que deuses sejam e
realizados. E o fosso que separa deuses e homens dista apenas um passo de luz e escuridão.
Mas o Senhor é coisa distinta: não é homem nem é deus, não tem assento na carne nem no
sangue que a vivifica. Não é real sequer: é antes sonho difuso, anseio, saudade.
73.14 Uma coluna de luz é toda a forma que Ele pode ter perante aquele que O ama e quer.
E assim o acolhe, como luz e o toma à ilusão da realidade e lhe rouba esta. E o discípulo
funde-se nesse mar sem margens, nessa consciência que nega o haver consciência de algo,
para ser consciência de tudo. E deixa de haver nome e deixa de haver ser, para haver
apenas uma luz que só é luz perante o homem que ascendeu a ela, pois em si nem luz há,
antes apenas presença e silêncio.

74
74.1 O espírito do Senhor está sobre o mundo como uma coluna de luz e de fogo: luz, para
aquele que se despiu da carne e dos olhos da carne; fogo, para aquele que começou a sua
cruzada para o alto.
74.2 Assim o Senhor envia o Seu espírito diante de si, como sinal, e o coloca sobre o mundo
como a semente é lançada à terra, para que o lavrador veja na semente que cresce a mão
da vida e ame a semente e ame a vida.
74.3 Do mesmo modo o Senhor se anuncia àqueles que O amam, para que vendo-O em toda
a Sua glória e esplendor, dele se possam acercar como o lavrador se acerca da sua semente,
e nele possam ter o dom da vida e da perpetuidade dela, como o lavrador a tem nos seus
campos e nas colheitas e na continuação da sua progenitura.
74.4 Uma semente de fogo e luz: eis o Senhor. E dentro do coração do homem,
alimentando-o de vida, a mesma semente. E no centro do coração do mundo, no íntimo do
rubi incandescente que a Grande Mãe segura de encontro ao peito, a mesma semente
brilha.
74.5 O Senhor é como uma fagulha que, dispersa e oculta, tudo faz viver de acordo com a
Lei. E que é a Lei, senão a suprema medida de todas as coisas? Medida que encontra na
balança cósmica o seu peso exacto e o seu equilíbrio. E que pesa a balança, senão o amor
do homem e o amor da Lei? Assim o homem vive pela Lei e pelo amor da Lei, tal como o seu
Senhor o faz viver pelo amor que lhe tem e pela Lei, que é o peso e a medida exacta de
todas as coisas.
74.6 A vida é coisa subtil e incerta: basta um hausto de hesitação e eis que ela se precipita
no abismo. Eis porque o homem tem duas medidas em si e duas leis o governam: o seu amor
ao alto e ao baixo mundo, ao Senhor e à Sua sombra. Se escolhe o alto, é a luz que o toma e
conduz ao templo supremo perante o Senhor; se escolhe o abismo, é a escuridão que o leva
pela mão, ao encontro da sombra.
74.7 E que é o homem, senão uma balança também? Uma balança em que se pesa o mundo?
Pois o homem é feito de carne e de sangue dum lado, e, do outro, é feito de alturas e de
abismos. Assim o homem é como uma semente lançada em dois campos ao mesmo tempo:
sobre um campo está o Senhor e sobre o outro está a Sua sombra. E ambos cuidam da terra
e da semente, com infinito cuidado e paciência, à espera que ela dê flor. Se o homem dá
flor no campo da sombra, é a sombra que o colhe e o entrega ao abismo e ao mundo da
carne; se ele dá flor no campo da luz, é esta que o arranca da terra e que o leva consigo
perante o Senhor.
74.8 Assim é o homem: uma ponte com duas margens, paralelas e infinitas. Começam na
eternidade e vão para lá dela; começam no caos, que antecede toda a luz e toda a vida, e
vão para lá da luz, direitas ao caos de onde provieram.
74.9 Assim é a luz e a sombra uma espécie de círculos sem princípio nem fim. E a meio do
círculo, como uma espécie de amêndoa encerrada num casulo de trevas e de luz, a Senhora,
aquela que tem em si a derradeira chama e a derradeira treva, o princípio e o fim de todas
as coisas. Dela partem as duas linhas e tendo estas tocado em todas as coisas e nelas
penetrado em íntima relação e consciência plena, eis que à Mãe retornam novamente.
74.10 Eis porque o mundo é mutação constante e rodopio permanente entre formas e génese
das formas, em busca da grande e suprema perfeição, pois tendo partido da Mãe, que é a
grande síntese e a beleza sem nome, nada satisfaz os seres, nada os realiza. Em tudo eles a
procuram realizar e alcançar, pois nela têm a suprema medida.
74.11 E que são o Senhor e a Sombra, senão esta medida? A medida da luz e das trevas, a
medida da Lei? E que realiza o homem perante o Senhor mais do que a lei da luz, a lei da
vida e da continuidade? E perante a sombra e o mundo, que realiza ele, senão a sombra e o
mundo e a sua lei?
74.12 Há pois dois caminhos para o homem: o do mundo e o do Senhor do mundo; o da
carne, e da continuação da carne através do sangue e do espírito que nele vive, e o do
Senhor, que é o caminho do despojamento da carne e da ultrapassagem do sangue e do seu
espírito.
74.13 Se o homem se realiza na carne e na sua espécie, realiza a sombra, realiza o espírito
do mundo e amarra-se ao mundo; mas se ele se realiza no Senhor, realiza-se na luz e no
fogo que conduz à luz e realiza a luz e desapega-se do mundo, pois se desapegou da carne.
74.14 Assim é a carne a grilheta que o mantém ligado ao mundo e à Sombra. E a menos que o
homem ponha os olhos no Senhor e olhe para lá do mundo e da carne, não verá mais que a
carne e o mundo, pois o sangue que alimenta a carne também alimenta o mundo, para que
este sustente a carne, e perante os olhos do homem ele é como uma serpente de fogo e de
desejo e de luxúria, para que o homem só veja a carne e só a ame a ela. Isto o sangue faz,
não por amor ao homem, mas às sombras que amarram o homem ao mundo.
74.15 Pois o sangue é como um espírito de luz que amou mais a sombra que a luz e tomou o
homem para si, como seu veículo e sua voz. E está nele e na sua carne, pois só na carne
pode viver e ter corpo.
74.16 Assim o sangue alimenta a carne e alimenta-se dela. E alimenta o homem, para que
este sirva os anseios da carne e os seus anseios próprios, que é permanecer no mundo e ser
do mundo.

74.17 Uma serpente de fogo: eis o sangue dentro do homem. Se o homem consente na
escuridão e a ela se entrega, a serpente toma-o para si e leva-o consigo para o abismo do
mundo e nele se banqueteia, como o animal voraz se alimenta da sua presa.
74.18 O sangue é como uma ave de rapina, se o homem lhe cede a sua vontade e lhe entrega
o destino; ou como um cordeiro de paz, se o homem lhe impõe a sua vontade, que é o Pai
nele, e lhe dá a cruz do sacrifício para realizar a alma. Então o sangue se derrama no cálice
que está sobre o altar do mundo e o Pai o toma e ergue ao firmamento e o abençoa, para
que se transforme em luz.
74.19 Mas ai daquele que derramar o seu sangue, não por amor à Lei, mas por amor à treva.
Esse há-de perder o sangue no cálice da escuridão e o sangue o tomará à luz e o fará ser
engolido pelo abismo.
74.20 Pois tal como há um Senhor de luz há um outro que é do abismo. E também Ele tem o
Seu altar e o Seu cálice, sempre pronto a receber o sangue derramado por amor a si. E
tendo-o recebido, Ele o bebe e bebe a alma daquele que se lhe entregou.

74.21 Este não há-de nascer mais, pois negou a luz e negou o Senhor da luz e deu-se às
trevas e com elas comungou.
75
75.1 Uma vara sob o firmamento: eis o profeta na mão do seu Senhor. E onde o Senhor vai,
o profeta vai com Ele, pela Sua mão. E quando o Senhor ergue a vara ao céu, o profeta
invoca os elementos. E quando o Senhor a lança ao solo, o profeta transforma-se na
serpente e dá a sabedoria ao homem.
75.2 Uma vara sob uma mão: assim é o profeta e assim é o seu Senhor. Quando o Senhor a
enterra no meio do mundo para sinalizar as coisas, o profeta transforma-se no ponto de
convergência de todas as coisas. Assim o profeta é pedra de base de templo e é pedra de
cúpula do mesmo templo. E é prolongamento da mão do seu Senhor. Se a mão se ergue
sobre a criatura, é o profeta que está na mão. E quando finalmente, cessada a Obra e
realizado o intento, a mão ergue a taça perante o infinito, é o profeta que está na taça e
que realiza o Verbo.
75.3 Pois o profeta não existe por si, mas em função do seu Senhor e da Sua Obra e da Sua
Vontade e Amor. E onde o Senhor vai, vai o profeta com Ele. E onde o Senhor não vai, o
profeta não vai. Pois não há tal coisa como profeta e profecia, mas unicamente uma vara
que o Senhor ergue sobre os mundos, quando a hora soa.
75.4 Então o profeta entoa a palavra sagrada e a vara é lançada sobre os mundos, para
assinalar o local do templo. E a vara é erguida sobre o solo. Em redor dela delimita-se o
norte e o sul o ocidente e o oriente: o lugar do Senhor e o da criatura.

75.5 Uma palavra: eis a profecia. E para a pronunciar, aquele que não tem voz nem corpo,
nem é coisa alguma, assim o Senhor o criou como parte Sua, prolongamento Seu, e o enviou
aos Seus mundos para realizar a Obra. E o profeta está na Obra e a Obra está nele, pois ele
é o caminho do seu Senhor.
75.6 Assim não há um livro a escrever, mas antes o profeta que se descobre no Livro e que
se entrega ao homem para realizar a Obra e consumar o destino. E o destino realiza-se
através do profeta e da sua voz, que é a voz do Senhor e é a Sua Lei para o mundo. E
realizado o destino e realizada a Obra, o mundo volta-se para o Senhor e realiza-se nele,
pois o Senhor é a realização da Obra inteira. Não apenas a parte do mundo e do homem,
mas a parte toda e o mundo e o homem inteiro.
75.7 Que aquele que quer realizar a Obra, realize primeiro o Senhor da Obra, pois o
fundamento da Obra é o mundo, mas o fundamento do mundo é o seu Senhor. E se o Senhor
não se realizar na Obra, como há-de esta realizar-se nele? Por isso o Senhor enviou o Seu
profeta diante dele, para que desse testemunho da Obra e de si, como Senhor dela. E para
que escrevesse o Livro, caminho e sinal da Obra. Pois como há-de o homem chegar ao
Senhor se não chegar pelo caminho do mundo e pela transcendência do mundo? Pelo
caminho da carne e da transcendência da carne?
75.8 Carne e mundo transformados em fogo: assim é o mundo e o homem perante o seu
Senhor. E o profeta é o sinal disto, a vara incandescente na mão do Senhor. A vara é lançada
à terra, como o fogo, e o fogo vai diante da vara e faz milagres, e é o Senhor que está no
fogo, como espírito, e que realiza a vara e realiza o fogo.
75.9 Assim é o profeta perante o seu Senhor: uma vara incandescente, uma vara onde
habita o fogo. E o fogo está na palavra e está no Livro. E o profeta dá a palavra ao homem e
dá o homem ao seu Senhor. E o Senhor une-se ao homem e toma-o para si e une-se ao
mundo, que é a Obra do homem, e toma-o também. E tomado o homem e tomado o mundo,
a Obra está feita e a luz realizada e as três partes da Obra realizadas também.
75.10 Que aquele que quer realizar a Obra realize primeiro o Senhor dela e depois o mundo e
depois se realize a si. Pois três são os mundos da realização das coisas e três são os estágios
do caminho. E aquele que ama o seu Senhor, tem de os realizar um após outro, ou a Obra
ficará incompleta. E que Senhor pode amar uma obra inacabada? Ou um mundo feito por
metade? Ou um homem que é apenas carne e mais nada? Assim a Obra é a transcendência
da carne e do mundo e do próprio Senhor do mundo.
75.11 Realizado tudo isto, o Senhor há-de erguer a Obra perante o firmamento, como uma
taça na qual se deposite uma semente de luz, para que a Obra se fundamente, não no
mundo nem no seu Senhor, mas naquele que está para lá dos mundos e dos Senhores dos
mundos: aquele que é Um e não tem nome. Só esse pode elevar a Obra e lançá-la entre as
estrelas, como uma semente de renovação. Só esse pode concluir a Obra e tomá-la para si.

75.12 Eis a génese dos mundos e dos seres: uma Obra. E no cerne dela, a voz do profeta e a
voz do Senhor, como um sinal.

75.13 Eis o que é o profeta no mundo: um sinal da Obra e um sinal do Senhor; não um corpo,
mas apenas uma voz sem eco; não carne da terra, mas sangue onde corre o fogo do seu
Senhor. Um sinal e uma palavra: e o sinal é dado ao homem e a palavra é lançada sobre a
terra, como uma semente. Se a terra é boa, a semente há-de dar fruto; se a terra é má, o
fruto não há-de nascer ali.
75.14 Assim o profeta, pela mão do seu Senhor, há-de percorrer a terra inteira, para lançar a
semente da palavra e a semente do sinal. E onde o profeta for, o Senhor vai com ele. E se
houver boa terra, há-de haver semente nela e o Senhor a abençoará com o Seu espírito; mas
se a terra for árida e não der fruto, o profeta há-de lançar aí o seu fogo, como uma
purificação, e o Senhor não a abençoará nem lhe dará o Seu espírito.

75.15 Um profeta e um Senhor: eis o sinal para o mundo. Nos quatro cantos da terra, os
quatro espíritos que estão perante o trono, hão-de libertar os selos e o Livro soará como mil
trombetas. Então os anjos do Senhor virão, como em procissão pela terra, e onde eles forem
há-de haver um justo. E com esse justo eles farão a base de um templo e o seu sacerdote.
75.16 Assim a terra há-de cobrir-se de templos de luz, não de pedra; e de sacerdotes do
Senhor, mas não de estátuas para adorar. E quando a terra inteira não for mais que um
mapa de luz ela será um só templo e no seu centro será posto um altar e sobre este os
símbolos da Obra. Então o mundo estará realizado.
75.17 Mas até que venha esse tempo, muito será o sofrimento do homem e do mundo. E os
profetas do Senhor irão perante os homens e serão apedrejados, pois a sua luz é grande e
cria sombras. E os justos padecerão e os seus templos e altares serão arrasados. E há-de
haver perseguição, morte e escárnio da palavra. E até o Filho do Homem há-de padecer. O
Senhor verá tudo isto e receberá o sangue dos justos na taça, para celebrar a Nova Aliança.
75.18 Mas quando a taça estiver cheia, o Senhor soprará sobre a terra como a tempestade, e
o fogo cairá sobre ela como um dilúvio. E o Senhor estará na tempestade e estará no fogo, e
o vento há-de soprar e atiçar o fogo, para que a terra inteira se purifique nele.
75.19 Então, quando só houver perante a face do Senhor um globo de fogo incandescente, o
sangue dos justos será vertido sobre a terra, o fogo apagar-se-à e a terra há-de dar
novamente fruto. Nesse tempo há-de reinar a paz e a justiça entre os homens e o Senhor
será adorado, não na pedra nem no templo do homem, mas no fogo e no templo do mundo.

76
76.1 Entre o céu e a terra, ignorado e errante, tu percorres os caminhos da vida, Senhor.
Na mão erguida, uma candeia seguras. Tal é a luz que fizeste para o homem. E se o homem
te vê, ele segue-te. Pelos vales e pelas planícies, ele te segue como o rebanho segue o seu
pastor, mas poucos são aqueles que dão conta de ti. Os seus olhos só vêem a escuridão do
mundo e as dores do mundo e tudo aquilo que os liga ao mundo. Eis porque passas no meio
deles e eles te voltam a face. E percorres os seus caminhos e eles julgam-te ausente. E
penetras nas suas cidades e nas suas casas, e é como se penetrasses numa caverna sem luz.
76.2 Pois o homem vê apenas a sua imagem em tudo. E se há felicidade na imagem, ele
julga-se feliz. E se há dor, ele pensa que sofre por ti. Assim é o homem: uma imagem que se
olha a si próprio no espelho da vida. E porque há um reflexo, ela julga-se viva. Mas vivo
estás apenas tu, Senhor. Tu que és a origem de toda a imagem e de todo o espelho e de
tudo o que é vida.

76.3 Uma imagem perante um espelho: assim o homem se vê e se engana. Pudesses tu,
Senhor, ser esse espelho em que o homem se vê, e por certo ele havia de ver para lá de si.
Revelado na sua verdade, que é a tua verdade, ele havia de te ver em si e havia de ver para
lá de si. Então te conheceria como esse rosto oculto que preside a toda a criatura e é toda a
coisa existente e por existir. E vendo-te assim e sabendo-te em tudo presente, como te
havia ele de ignorar? Antes se ignoraria a si próprio e ao reflexo que a luz, tocando a
sombra, de tudo lhe devolve. Porque o jogo da luz e da sombra é apenas um jogo, e ele
veria que era ilusão e passaria adiante.

76.4 Tudo te serve, Senhor: e tu tudo serves por amor à Obra. Assim amas o homem, não
por amor a ele mas à Obra que há nele. E toda a criatura viva tu amas também, não apenas
por ela, que é diminuta e passageira na forma e na alma da forma, mas porque há nela uma
Obra.
76.5 Assim, o teu amor não se destina ao homem ou à criatura, por serem eles coisas
inacabadas, mas à consumação do homem e da criatura, pois o homem é apenas um sinal de
algo maior que ele; e a criatura é apenas um outro sinal também. Não a realização da Obra,
mas um sinal de que a Obra existe no homem e na criatura.
76.6 E tu, realizando a Obra realizas a criatura e realizas o homem e realizas algo mais do
que eles, pois é o conjunto que amas e não a parte dele. E se amas a parcela, é porque nela
vês o todo e aí o adivinhas, como o escultor adivinha nos veios da pedra a futura estátua a
realizar.
76.7 Assim não é o homem mais que um começo nebuloso e passageiro daquilo que és tu. E
toda a semente lançada à terra não é mais do que a sombra e o presságio da espiga que há-
de florescer, pois os seres partem de ti e a ti regressam. Partem como pressentimento e
regressam como plenitude. E tu os envias à manifestação como os pássaros que deixam os
ninhos, para ousar o voo. E os tomas, quando finalmente eles se transformaram no teu rosto
e na tua mão, uns sobre os outros.
76.8 Então os devoras nas suas formas e nas suas vaidades e nos seus ideais, que eles
ergueram em tua busca, e os devoras ainda na ideia velada e incerta que têm de ti. Pois
como há-de a forma amar a luz, se não há forma aí? Ou a pedra por esculpir, amar o cinzel e
a mão que a vai transformar em estátua? Assim, a pedra terá de conhecer a fragmentação
do cinzel e da força da mão do escultor, antes de dar fruto. E a forma terá de morrer como
reflexo e ilusão, antes de poder ascender a ti, Senhor.
76.9 Os caminhos do homem são os da forma e da plenitude da forma, mas os teus
caminhos são os da luz e da realização da luz. E como pode a forma transformar-se em luz
se não morrer? Assim tu lhes dás a morte, que é a tua consumação, e lhes dás a vida, que é
a transcendência. E se há amor neles por ti, eles hão-de amar a tua morte e a tua vida e a
tua transcendência. E tudo isso hão-de acolher, como a terra acolhe a semente lançada à
escuridão, pois a escuridão permite a passagem da luz às trevas e destas novamente à luz.
76.10 O mesmo se dá com o homem, em que sendo devorado, é devorado pela luz e lançado
no meio da escuridão para que possa nascer de novo, pois há os nascidos da carne e os
nascidos da luz. E todo o homem vem pela mulher à forma, mas terá de passar pela
escuridão e pela morte, antes de vir pela luz, pois muito e variado é o nascimento de toda a
coisa e não um só.
76.11 E há aqueles que nascem da mulher e ficam pela mulher. E há aqueles outros que
nascem da escuridão e não transcendem a escuridão nem a caverna onde ela habita. E há
aqueles ainda que nascem da luz e nela se comprazem como o homem se compraze na
mulher, por amor à carne e ao sabor do sangue. Esses só nasceram uma vez, mesmo que
realizados na sua forma ou na sua luz.
76.12 Mas outro é o destino que o Senhor reserva ao homem: que ele nasça, não uma, mas
muitas vezes, pois há perfeição na forma e na sua ausência, mas não há glorificação no
Senhor. E aquele que ama a treva, não glorifica o Senhor. E aquele que ama a luz também
não. Antes O glorifica aquele que o ama a Ele e que, por amor à Sua Obra, ama a forma e
ama a escuridão e ama a luz.
76.13 Pois o Senhor, se assim o fez passar pela forma e pela escuridão e pela luz, é porque
muito o amou e muito o quis, já que não há pai que queira a limitação para o seu filho, seja
da treva ou da luz. Se o ama, para ele há-de querer o ilimitado de não haver nem forma
nem luz nem coisa alguma que possa prender.
76.14 É assim que o Senhor ama o servo e o sacerdote e o profeta. Ama-os para lá da
realidade e da consciência do que são. E por os amar, os quer junto a si, nesse mesmo mar
sem ondas nem marés, onde confluem os dois infinitos por realizar e onde os deuses e os
demónios vão, no início e no fim das eras, para reverenciar o único e inominável Senhor:
aquele que não tem nome nem rosto nem aparência alguma, mas é tudo.

76.15 Perante Ele, eles vão, como os peregrinos vão perante os ídolos e os templos de pedra
construídos pela Sombra.
76.16 E hão-de ir também aqueles a quem desgostar a escuridão tanto como a luz. Esses irão
pela mão do seu Senhor, como o rebanho do fim do mundo há-de seguir o último pastor.
76.17 E serão recebidos e hão-de esquecer nome e forma e tudo quanto é contingente,
mesmo que universal e realizado. E hão-de esquecer até a luz e a face do seu Senhor, pois
para guia lhes serviu e mais nada.
76.18 Devorados pela última vez, hão-de ver e saber.

77
77.1 O conhecimento das coisas do céu é idêntico a um tesouro que alguém tivesse
escondido e dele, depois, tivesse falado a alguns, mas sem revelar o caminho que conduz ao
segredo. E esses por sua vez tivessem falado a outros, como se conhecessem o segredo, mas
sem o conhecerem. E passados os anos, muitos tivessem ouvido falar desse tesouro oculto e
muitos o procurassem, em cavernas profundas e no alto das montanhas, mas sem nunca
verdadeiramente o acharem.
77.2 Tal tesouro seria como um símbolo do caminho e a razão porque se enceta o caminho.
E seria como um bem precioso, meio oculto meio achado, pois de tanto dele se falar,
metade seria fábula e metade verdade. E aquele que o encontrasse, verdadeiramente não o
poderia encontrar, pois o encontrado seria a metade real, faltando a metade inventada.
77.3 O mesmo se passa com as coisas do céu, em que metade é desocultação do véu e outra
metade ocultação dele, pois o homem ama tudo pela metade. E achando o caminho do
Senhor, pensa não o ter achado, por ser simples.
77.4 Assim o tesouro celeste permanece por achar para todo aquele que o imagina e não o
vive. E assim há-de permanecer, até que venha o homem novo, aquele que, por ser criança,
vive tudo pela integralidade e nada pelo parcial que existe. Esse tomará de novo para si o
caminho do céu e há-de ensiná-lo àqueles que o escutarem.
77.5 E todos pasmarão por gerações inteiras o terem procurado em tantos lugares, estando
ele à distância de um sopro. Como uma cortina que, rompida a meio, revelasse o rosto que
por detrás se esconde, assim está o segredo para o homem: à distância de um véu. Mas
poucos são aqueles que, estando ele tão perto, ousam descerrá-lo. Antes o preferem
imaginar difícil e inacessível, pois isso os satisfaz na sua vaidade e na sua ilusão. Mas esses
não o acharão.

77.6 Que aquele que procura o segredo do Senhor, procure primeiro o seu próprio segredo.
E que aquele que quer galgar a grande montanha do mundo, para lhe trepar ao cume,
galgue primeiro a sua montanha íntima e trepe até ao seu cume ignorado. E que aquele que
quer semear os campos do céu e cultivar as flores celestes, cultive primeiro os campos da
terra e semeie primeiro no centro do homem.
77.7 Pois o céu está onde está o Senhor e o Senhor vai de um ponto ao outro da terra em
instantes e nunca permanece na mesma morada. E como podemos chegar perto dele se não
O alcançarmos na Sua morada oculta, no centro da nossa alma?
77.8 O mesmo devemos fazer para com as coisas do céu: procurá-las primeiro em nós. E
querendo realizá-las, fazê-lo nos outros. Pois que é o céu, senão a terra posta do outro lado
do espelho da eternidade? E que é o espelho, senão o tempo que o Senhor congelou em
ilusão e sentidos para o homem o ver? Assim toda a coisa é ela mesma e porta para o
Senhor, pois o Senhor move-se sem cessar de uma para outra e em todas elas Ele está.

77.9 O céu é como uma flor posta no meio de uma cruz. A cruz é o mundo, o meio da cruz é
o meio dele. Oculta e ignorada, a flor alimenta a forma da terra e a razão da sua existência
e toda a criatura que nela vive. Assim é o Senhor também: oculto e ignorado, nele está o
alimento de toda a criatura e de toda a coisa viva. E o ser procura-O na terra e acha-se
crucificado nela. E descobre-se prolongamento e vontade do seu Senhor e Sua realização no
meio dos seus irmãos. Pois não há tal coisa como um Senhor e uma criatura, um céu e uma
terra, mas uma mistura de ambos.
77.10 O Senhor ergue-se sobre a terra, como uma montanha de luz. Os Seus filhos, que são
as Suas sombras, trepam-lhe ao cume e unem-se a Ele. A seguir, penetra no fundo da terra e
alicerça-se no seu centro, ali erguendo um templo de luz e fogo. Aqueles que aí O
encontram unem-se também a Ele. Pois que o Senhor é o símbolo do caminho e o próprio
caminho e a razão última dele existir.

77.11 Aquele que leva o caminho até ao fim, e se descobre percorrendo-o, há-de descobrir
em si o seu Senhor e o seu caminho nele. E há-de vê-lo sem espelho, como se vê a si. E há-
de realizá-lo em cada momento, pois em todos os momentos Ele está presente. E não mais O
há-de buscar em montanhas ou em abismos, pois lhe bastará voltar o rosto para O ver ao pé
de si.
77.12 Esse não nascerá mais da mulher, mas da luz, pois com a luz se realizou. O Senhor o
trará pela mão, como um pai traz um filho, pois como filho o tomou. E o tirou às trevas e ao
reino das trevas e para si o consagrou.

78
78.1 Eis o grande vazio, o grande nada e, a meio um sopro, uma luz. Assim é o meu espírito
no meio de vós: um sopro. E que sois vós perante o meu espírito, senão um grande vazio?
Assim o meu espírito se derrama em vós, para apagar o vazio e transformá-lo em matéria de
redenção.
78.2 Não resistais, pois, ao meu sopro, pois aquele que resiste é deixado às trevas, e as
trevas o tomam e não lhe consentem a luz. E aquele que toma o meu sopro para si, esse
será salvo da escuridão e o meu sopro o alimentará e o fará viver.
78.3 Se quereis viver, tomai o meu sopro e deixai que ele vos alimente, como os animais
alimentam as suas crias. Pois o meu sopro vos há-de transformar por dentro e por fora em
meus filhos, em filhos do meu espírito. E se ele não o fizer, quem o há-de fazer? Cuidais
porventura que o espírito da terra o fará? Cuidado porque a terra é de dupla chama e falso
brilho. E se vos ama e enaltece, também vos pode fazer perecer. Ou pensais que os vossos
esforços são o bastante para vos tirar da treva e trazer até mim?
78.4 Não fosse o meu sopro e ainda habitaríeis o limbo. Não fosse o meu espírito e nunca
teríeis passado da treva ao pressentimento da luz. Vindos pelos vossos passos, pela terra
teríeis de passar mil vezes e não bastaria. Eis porque vos enviei o meu espírito e os meus
profetas e os meus sacerdotes, para que vos falassem de mim e vos conduzissem. E eles o
têm feito sem cessar, ciclo após ciclo. E alguns têm vindo a mim e outros tem-se perdido
sem me achar. Porque o meu sopro foi lançado sobre a terra, e há aqueles que o amam
como me amam a mim e há aqueles que perante ele hesitam e tapam a face. A esses o meu
sopro não ama nem quer para si, e passa ao lado e eles perdem-se.

78.5 Sois como pequenos luzeiros na escuridão sem fim. Dentro de vós uma pequena luz,
que eu alimento sem cessar, pois a escuridão que vos cerca também vos fascina e, não fosse
a minha chama, há muito teríeis cedido à treva a vossa carne.
78.6 Eis o que sois: uma carne onde a minha chama habita. E aqueles de vós que se
esquecem da minha chama, nesses a chama fica fraca e apaga-se e eu não a alimento mais.
Esses vão alimentar a sombra e tornam-se filhos da sombra. E vós todos sois filhos da
sombra, pois dela nascestes, como nascestes da carne e do sangue, que é matéria da
sombra também. E todos os vossos actos, que fazem, senão prolongar a sombra e o seu
reino? Assim vos quereis e eu o consinto, como o pai consente aos filhos que escolham o seu
caminho. Mas dia virá em que o vosso tempo termina e a vossa escolha cessa perante a Lei.
78.7 Então sereis julgados uns perante os outros e perante os frutos da vossa obra e perante
mim. E eu vos pesarei na balança da vida e ai daquele que não tiver alimentado a minha
chama. Esse eu darei às trevas e não o tomarei mais, pois que escolheu as trevas sobre mim
e de mim velou a sua face. Eu lhe farei a vontade, dando-o às trevas e esquecendo-o.
78.8 Cuidado com o que semeais agora: porque o vosso tempo é de prova e sacrifício. Se
lançais à terra semente fraca, não há-de florir. E se a lançais na treva, na treva ela florirá.
Quem de vós quer colher frutos de escuridão e dor? Antes lançásseis a vossa semente entre
pedras e cardos, que o vosso merecimento seria maior e maior a vossa glória perante mim.
Mas se a lançais na escuridão, a escuridão vos toma e dela vos tendes de alimentar.

78.9 Cuidais que vos engano? Qual o pai que enganaria os filhos? Pois eu sou como um pai
para todos vós e todo aquele que vem até mim eu o tomo e o transformo em coluna do meu
templo. E que maior glória haverá para vós que serdes todos colunas do meu templo? E
estardes todos perante o altar, em oração e reverência? Pois sobre o altar estão os quatro
espíritos, aqueles que vos governam e que tudo governam de acordo com a Lei.
78.10 Quereis maior glória do que esta? Não a há, eu vos digo. E se as sombras vos dizem o
contrário é para vos enganarem e seduzirem. Pois a sombra ama a escuridão e teme a luz. E
que há-de ser da sombra se todos vós passardes da escuridão à luz? Então o mundo seria
como um archote a meio da escuridão e eu o tomaria e o levaria pela mão, para me alumiar
com ele, e o lançaria no meio do espaço sem fim, para alumiar os mundos. Eis o vosso
destino: alumiar os mundos.
78.11 Que destino será maior que cumprir a minha vontade e realizar o meu amor? Pois não é
um acto de amor alumiar aqueles que estão presos da escuridão? Pudésseis todos ver para lá
do véu das sombras e no mesmo instante vos tornaríeis meus filhos e minhas chamas. Mas a
sombra está dentro de vós como uma semente ruim. E ora acreditais em mim ora nela. E eu
espero e ela espera.
78.12 Alguns dão-se a ela e ela toma-os e fá-los procriar na treva; outros dão-se a mim e eu
transformo-os em luz. Por isso viveis na luta entre a luz e a treva e já os vossos pais viviam
e os vossos filhos hão-de viver ainda. E a luta há-de continuar ainda durante muitos ciclos,
pois o homem é um campo de batalha entre mim e a sombra. E se eu venço há luz nele, mas
se vence a sombra, é a escuridão que vence.
78.13 Dia virá em que negarei a treva ao mundo e o tomarei para mim, pois o seu ciclo
fechou-se. Então sereis julgados e a treva será julgada também e toda a sombra há-de ver a
minha luz, como espírito. Perante ele todos vós curvareis a cabeça pois eu sou o vosso
Senhor. E eu vos criei metade sombra e metade luz para que escolhêsseis, pois a escolha é o
destino e aquele que escolhe também é escolhido.

78.14 Julgais que eu sou menor que a sombra? A sombra nasce de mim quando, para vos criar
e aos mundos, tomo forma. Então projecto sombra e, porque nada há de menor em mim,
nem mesmo a sombra, ela se anima de uma parte minha e tenta viver e eu consinto, como
consinto a toda a criatura que vive. Mas a observo também, e sobre ela tenho a minha Lei e
a minha Vontade vela, sem cessar, pois só há uma balança e uma espada e toda a criatura
terá de ir perante ela para ser julgada, seja sombra ou homem ou outra coisa.
78.15 Por isso vos aviso: não escolheis a sombra ou sereis devorados sem merecimento
algum, pois a sombra não é adversário meu, mas parte minha, que eu deixei viver. E se ela
vive, vive porque o consinto e vive porque vós lhe cedeis a minha chama. Então ela se
alimenta de vós, como as criaturas se alimentam umas das outras; não porque haja carne
nelas, mas porque eu semeei a minha semente em tudo o que vive. Assim teve de ser, para
poderdes ir da treva à luz e ficar perante mim.
78.16 Eu vos verei no vosso coração, quando vierdes assim. E verei o vosso fruto e o fruto do
vosso labor e saberei de vós. E vos tomarei ou não, consoante a vossa obra, pois vós sois a
minha Obra e se tiverdes feito trabalho são, a Obra estará visível em vós; mas se o tiverdes
feito ruim, a Obra estará vazia de vida e sobre ela só a vossa carne há-de palpitar. Ora não
é a carne que eu quero, mas o fogo: pelo fogo sereis pois vistos. Não pela carne, que é fruto
da terra e passageira, mas pelo fogo, que é esplendor da minha chama e realização última
do que sois.
78.17 Pois também eu o sou assim: uma chama que arde sem cessar, velando sobre os
mundos a realização da Obra, ora colhendo ora rejeitando, pois nem tudo é digno de mim. E
entre vós há a boa semente e há a semente ruim. E a primeira eu a quero para meu
alimento, mas da segunda nem quero saber. Antes a lanço na chama, para que seja
devorada e não tenha descendência.

79
79.1 Todo o começo é involuntário. A Obra começada é apenas esboço da Obra terminada.
O ser que se ergue da lama é apenas ideia daquele que pela lama se há-de realizar. Só o
Senhor segura nas Suas mãos o começo e o fim das eras, pois dele tudo parte e a Ele tudo
regressa, cumprido que seja o destino.
79.2 O Senhor olha na lama e vê a criatura a erguer-se, rumo ao alto. E olha na Obra e vê o
esboço dela, o seu pressentimento. E olha no coração do homem e vê uma luz que teima em
manter-se acesa, uma luz pequena e incerta. E o Senhor alimenta essa chama com o Seu
hálito e ela cresce dentro do homem e fora dele, nos seus actos e nas suas palavras.
79.3 E o homem testemunha sobre a terra com os olhos postos no Senhor, pois o Senhor
abençoa a criatura que rompe a cortina das trevas em direcção à luz, e abençoa aquela que
luta para chegar ao cimo da montanha. Nelas Ele constrói o Seu templo e realiza a Sua
Obra. Pois essa Obra e esse templo permanecerão para lá da carne e da sua duração
efémera.

79.4 Uma Obra a realizar: eis o homem e eis o mundo. E o homem e o mundo dão as mãos
um ao outro à procura do fogo que alimente o vaso alquímico do Senhor, pois só o fogo pode
cozer o barro e dar-lhe a aparência do ser, ou cozer a carne do homem e extrair dela a
essência que a há-de transformar em luz. E que é a luz, senão o hálito do Senhor?

79.5 A palavra do Senhor se derramou sobre o mundo no começo das coisas e nelas se
entranhou como a água se entranha na terra, para a alimentar e dela extrair o fruto. E
terminado o tempo de inseminação da terra, a palavra nela se depositou como a semente se
deposita no campo cultivado. Pois a palavra é semente de longo fruto e muita florestação, e
alimentada pelo homem, o seu alimento tem de ser longo e laborioso. Não basta regar a
terra agora e deixá-la depois. Antes tem de ser regada todas as vezes que o sol se ergue e
todas as vezes que ele se oculta. Pois a semente da terra dá fruto e morre, mas a semente
do céu dá fruto e permanece.
79.6 Assim também é o homem: uma semente perene que o Senhor atirou a terra, para que
desse muito fruto. E realizado o homem sobre a terra, o Senhor o toca para ver da sua
firmeza e da sua cozedura. Se acha fogo nele o toma para si e o quer para Seu servo, mas se
o acha mole e frio o arremessa de novo à lama, para que volte a buscar o caminho.
79.7 Pois o Senhor ama a semente, mas ama mil vezes mais a colheita. E que seria da
semente se não tivesse colheita a dar? Assim o Senhor ama o fruto da semente, pois como
Ele o ama, a semente também o deve querer para si, já que o fruto realiza a semente, mas
sem fruto não há semente digna de amor.
79.8 Isto o Senhor lhe ensina, por amar a realização e não a estrada que conduz ali, pois
aquele que ama a estrada mais que a realização dela, talvez se perca sem chegar ao termo.

79.9 Uma estrada de fogo e luz: eis o caminho da Obra. E realizada a estrada realiza-se a
Obra no mesmo instante, por um milagre de transcendência chamado amor. Pois que é a
estrada, senão a palavra, e que é a Obra, senão o amor? E que é tudo isto, senão o Senhor
da estrada e da Obra? Assim o homem se realiza na estrada e se realiza na Obra e quando
julga ter-se realizado ele próprio, eis que o Senhor o recolhe como o lavrador recolhe os
frutos do seu pomar na estação própria. Então o homem se descobre fruto do seu Senhor e
se assume Seu alimento, pois como fruto se realizou.
79.10 O Senhor o toma à terra e da terra o liberta, pela libertação da carne e do sangue da
carne. E tendo-o libertado assim, Ele lhe sopra o Seu hálito sobre o rosto, para que o fogo o
liberte também da alma da terra. Só então o homem se vê como luz e como fogo e como
realização integral da Obra.
79.11 O homem realizado é como um ovo de luz, transparente e cristalino, em cujo centro
arde uma fogueira. Assim o homem feito pelo Senhor é como uma semente de luz. O Senhor
a toma nas mãos e a sopra sobre os mundos. Se a semente cai sobre a terra e encontra
virgem em que se depositar, dela nascerá homem de Deus e sacerdote de templo.
79.12 Estes não nascem de carne, embora nasçam da caverna que é a carne. Antes nascem
do Senhor e da Sua luz própria. E outros há que, soprados, voam sobre os mundos e ficam
em redor deles a brilhar como estrelas sobre o firmamento. E alumiam a terra e as almas
que com eles se sintonizam, pois lhes servem de guias na procura dos caminhos do Senhor.

79.13 Uma semente de fogo no meio de uma caverna: assim é o homem. Em redor do fogo,
famintos dele, os do abismo e da sombra. Não por amor ao homem mas por cobiça dele, pois
não há sangue neles, nem frutos do sangue, nem a densidade da terra, apenas um véu sobre
a borda de um abismo. Um véu de ilusão e de esquecimento, onde todo o passo em falso é
derradeiro. E se querem o homem é para lhe roubarem o fogo e o sangue, que é a alma do
fogo nele. Assim se tornam quase densos, quase criatura. E tombados no abismo, não será o
mesmo, pois a morte da sombra não tem poder sobre a carne nem sobre o sangue.
79.14 Assim lhes sorri essa imortalidade feita de crimes e de roubos ao homem. E o homem,
ignorante de si e de Deus, celebra pactos com eles, pensando realizar a Obra, quando só
realiza a sombra e o abismo dela.
79.15 Assim o engana a sombra, com falsas promessas. E aquele que crê realiza a sombra e
esquece o Senhor. E a sombra torna-se forte nele e ele servo dela, até que só reste a carne,
como uma ilusão de criatura. Mas o Senhor, que tudo vê e sabe, olha mais dentro, para lá da
ilusão, e vê sombras em lugar de luz, abismos em lugar de alturas e passa adiante como se
não ouvisse nem tivesse dado conta.

79.16 Que aquele que procura o Senhor, O procure nas alturas, onde o ar é rarefeito e a luz
se expande sem cessar, pois o Senhor caminha sobre a terra como um gigante, e os Seus
passos vão de montanha em montanha, sem tocar os vales nem a sombra dos vales, onde o
sono espera; que aquele que O procura, se mantenha acordado, pois só o Senhor escolhe o
momento do derradeiro despertar na criatura.
79.17 E que será da criatura que tendo procurado o seu Senhor, se deixou adormecer no
último instante? Certamente o sopro do alto passará sobre ele e não deixará semente de luz.
Antes irá adiante e o entregará à sombra, pois sobre ele já não brilha a chama.

80
80.1 Uma chama no meio de um círculo: eis a vida, que os seres alimentam dando-lhe a sua
carne e os seus sonhos e tudo que é ilusão neles. Então a chama cresce e toma o círculo
para si. Os seres, fascinados e surpreendidos, deixam-se tomar, rendem-se à chama e são
consumidos.
80.2 E se a chama cresce um pouco mais, eis que ultrapassa o próprio círculo das causas e
dos efeitos; ei-la soberana e exigente perante o Senhor do círculo.
80.3 Pois a chama é como um fogo cego: enquanto limitada no seu redil, obedece e cria,
mas se as formas lhe cedem o dom da continuação e o sonho de algo mais que ser chama,
ei-la louca e desenfreada.
80.4 Então o Senhor a detém e remete ao seu lugar, no centro do círculo, que também é o
círculo da vida.
80.5 A vida está na forma e a forma é o limite dos seres. A vida está no círculo e o círculo é
a barreira entre a forma e a sua ausência.
80.6 Adentro do círculo ou da forma, os seres vivem a sua experiência e realizam a sua
missão, que é serem perfeitos e unos. Saídos do círculo ou da forma que os contém,
penetram em regiões mais vastas mas perigosas também.
80.7 Pois a forma é como uma semente e o círculo é como a terra e a vida é como a mão
que lança a semente à terra. E por cima da mão está o seu Senhor, que vela pela semente e
pelo bom andamento da terra.
80.8 Mas se a semente for lançada, não à terra, mas sobre lodo, que há-de nascer dela?
Podridão apenas.
80.9 Assim é a vida sem o seu Senhor, pois só ele sabe como e onde lançar a semente, para
que floresça. E dela cuida com desvelado zelo, para que ela dê mais semente em tempo
futuro.

80.10 Que aquele que busca a realização seja perante a vida como a semente perante o seu
Senhor: dócil e tranquila.
80.11 Pois não há lavrador que não ame a semente e a terra e que não cuide de ambas.
Antes terá, de sol a sol, mil cuidados, com o seu amanho e sementeira e o seu regadio. Pois
a semente é coisa frágil e incerta e a terra é coisa estável se adubada e regada, mas dura e
inútil se deixada a si. Assim o lavrador o sabe e delas cuida, para que chegado o tempo da
colheita, ela seja farta e a sua casa fique cheia de semente madura.
80.12 O mesmo faz a vida com aquele que no seu seio habita: cuida-o e dá-lhe adubo farto,
pois que os seres não se realizam em si, mas nas suas obras. E realizadas estas, de cada uma
sairá um pequeno grão para ser posto aos pés do Senhor, como uma oferenda.
80.13 O Senhor pegará no grão e pesará aquele que o trouxe. Se o seu peso for grande ser-
lhe-à dado ainda mais perante o céu, mas se o seu peso for pequeno, ser-lhe-á retirado nele
e ficará assim. Pois aquele que já é perante a terra, há-de crescer para lá dela. Mas aquele
que pouco ou nada é nela, como há-de ser perante o Senhor? Assim é a semente na terra:
pequena ou grande segundo o seu merecimento.

80.14 Uma semente de luz o Senhor deu a cada ser, para que dela cuidasse e com ela tivesse
cuidados e obras. E tendo-a dado, o Senhor se afastou dos seres para que estes, vendo-se
livres, dela pudessem cuidar a seu modo.
80.15 E houve aqueles que a esqueceram e ignoraram, por terem do mesmo modo esquecido
o seu Senhor e ignorado a Sua Obra. E houve aqueles outros que, não a tendo esquecido,
dela pouco cuidaram, antes julgando que ela viveria por si. E houve ainda aqueles que com
ela tiveram os cuidados todos e nela se realizaram e realizaram a Obra que o Senhor pôs na
semente.
80.16 E chegado o tempo da colheita, o Senhor os chamou perante si e perante os seus
espíritos e eles foram, um a um.
80.17 Alguns iam cheios de semente realizada e tanto era o seu peso que sob ele
soçobravam. A esses o Senhor deu um lugar na Sua casa e a semente foi convertida em luz.
80.18 Outros levavam a semente adormecida, pois não a tinham cuidado. A esses o Senhor
soprou sobre os olhos e as narinas, para que despertassem e pudessem falar e eles se
arrependeram e foram novamente perante a terra, para cuidar da semente.
80.19 E outros foram perante o Senhor sem semente nem fruto, pois a tinham ignorado e
dele se tinham afastado há muito. A esses o Senhor entregou às chamas, para que os
devorasse, pois não eram dignos.

80.20 Tal é a justiça do Senhor e a da vida perante aqueles que portam a semente, e todos
os seres a trazem consigo, mesmo que oculta, ignorada, ou esquecida.
80.21 Por isso o Senhor manda escrever isto, para que aquele que a esqueceu a possa
recordar ainda, antes de ir perante Ele de mãos vazias.
80.22 E aquele outro que a deixou há muito, a possa procurar onde a deixou e a retome e
dela cuide, pois também esse terá merecimento perante o Senhor.
80.23 E aquele que, não a tendo deixado, dela cuida ainda, possa saber que o Senhor por ele
vela e dele cuida, pois também ele é uma semente no coração do seu Senhor e no coração
da vida.
80.24 Isto o Senhor mandou que se escrevesse, para que chegado o tempo da colheita (e o
tempo vem próximo) nenhum fosse perante Ele sem levar algo: semente realizada ou
semente oculta, mas semente ainda.

81
81.1 O espírito do Senhor é como uma ave pairando entre o céu e a terra. Pairando e
buscando por aqueles que, tendo percorrido os caminhos do céu ou os da terra, buscam
agora uma nova canção e uma eucaristia renovada.
81.2 Pois o Senhor não pertence ao céu nem à terra, antes pertence ao infinito e à
eternidade. E se caminha pelo céu, caminha como o errante, sempre em busca de um mais
dilatado horizonte. E se caminha pela terra, caminha sozinho, pois nem o maior dos Seus
servos o pode acompanhar. Eis porque o Senhor espera os Seus filhos a meio dos elementos,
nem pelo céu nem pela terra, mas a meio deles.
81.3 Até que os Seus filhos, cansados de O procurarem e desiludidos de toda a busca e até
do sentido que nela possa haver, se deixem tomar pelos ventos e pelas marés da alma.
Então, subitamente, eis que O encontram onde não O esperavam encontrar.
81.4 E Ele os toma para si e lhes põe asas nos pés e no coração e os leva consigo, não para o
céu nem para a terra, mas para mais longe que deuses ou demónios ou sombras de homens
foram. E eles vão com Ele e se tornam, tornam outros, tornam diferentes, não deuses, mas
homens realizados e integrais.

81.5 O espírito do Senhor é como um sinal sobre a madrugada do mundo, pois a plena luz
faz esquecer a fome de luz. E a total escuridão embrutece aquele que procura, reduzindo-o
à ilusão de ter procurado.
81.6 E como poderá o Senhor desvelar-se senão na antecâmara da alma? Pois a alma é como
uma porta e aquele que procura, abre a porta e passa. Então os servos do Senhor vêm ao
seu encontro, para o saudarem e lhe despirem as roupas que trouxe do caminho. E tendo-o
despido de emoção e pensamento e carne, assim o levam, nu e puro, perante o rosto do
Senhor. E o Senhor o olha e o vê. E se é digno o toma para Seu servo e lhe dá missão e
realização dela. Mas se o não é, lhe volta a face e dele se aparta, como a mãe da cria se
aparta desta, para que esta possa crescer na dor e na vida e tornar realizada.
81.7 Isto o Senhor faz também, pois nem tudo é digno Dele. E muita criatura há que, tendo
ido até Ele, Ele não a recebeu nem a reconheceu, pois é preciso que o homem se realize
como homem antes de ir.
81.8 E que é esta realização senão a da Obra e a do mundo? Assim o Senhor o mandou fazer
aos Seus profetas e aos Seus servos, que são homens ainda. E eles o fazem e dizem a outros,
para que chegada a hora do Senhor, todos vão na plenitude do amor à Obra e na plena
consciência da sua realização. Então o Senhor os há-de tomar, porque deixaram a Obra feita
e o mundo na luz.
81.9 Mas como poderá o amo receber o servo que não amanhou a terra nem semeou a boa
semente? Por certo o há-de mandar de novo ao campo, para que se realize e realize a
missão que lhe deu. Pois que é o servo senão a realização da missão? E se esta não for feita,
de que lhe há-de servir o existir? Antes lhe conviria a morte, por ser mais doce que a recusa
da luz do Senhor. Pois tendo ido perante este, como amar outra coisa?
81.10 Assim o bom servo só deve ir perante o Senhor na plena realização da luz e na plena
consciência dela, para que a porta da alma se abra de vez, e não por parcelas, pois aquele
que for perante o Senhor na procura da realização não O há-de encontrar, antes encontrará
a Sua Sombra.
81.11 E que é a sombra do Senhor, senão o próprio mundo? Sombra e labirinto da sombra,
pois que o mundo perde quem nele se demora. E toda a criatura que não põe a realização
da Obra como parte da sua realização, decerto se perde nele.
81.12 Pois que o mundo é lugar de passagem e não repouso do guerreiro. E se o guerreiro
interrompe a batalha e vai descansar à sombra de uma árvore, o menor mal será adormecer.
Talvez nem acorde já. O inimigo, sempre atento, por certo o há-de surpreender assim:
indefeso e desvelado. Então, a alma lhe tomará e o coração lhe há-de roubar, sem que ele
dê por isso. E acordado o guerreiro, se acaso acordar, que batalha será a sua? Não a do seu
Senhor. Essa ele a perdeu antes de a ter perdido ou ganho.
81.13 Assim é o mesmo com o homem que procurando ao Senhor num campo de acesa luta,
julga tê-lo encontrado no confronto e no ódio e no rancor. Procurasse ele no perdão e talvez
O encontrasse; ou na indiferença última, quando ódio ou amor já não contam no coração do
homem, por certo O havia de ver então, pois o Senhor é como um guerreiro cansado. Se
luta, não é pela luta em si, mas pelo seu fruto: o homem. Assim o Senhor se empenha ao
lado do homem, na mesma batalha.
81.14 Pois o homem é como uma árvore que ainda não deu fruto. E se não houver fruto na
árvore, para que servirá esta? Nem o fogo a há-de querer, pois não tendo realizado a vida,
que é continuação e resistência, como há-de realizar a chama e a continuação dela?
81.15 Por isso o Senhor luta ao lado do Seu filho. Contra a sombra que amarra o mundo e que
escarnece do mundo, pois não há luta pelo mundo mas pela Obra. E a sombra abomina a
Obra, pois realizada esta, cessa toda a sombra e todo o crepúsculo.

82
82.1 A alma é como uma pérola escondida no fundo do mar. Envolta em véus de luz e
sombra, a alma repousa solitária e oculta. Cumpre o fado, deixando-se ser no homem a voz
que o cala e no mundo aquela que o acorda para a manhã clara. E o homem, perante ela,
encontra o mar e o silêncio das coisas sem fim. E o mundo, doente e soturno, em cada
despertar de alvorada recorda o milagre da luz e retoma a cruzada.
82.2 Assim é a alma um sinal de algo mais alto e mais profundo, pois ela é parte do Senhor
e parte da Senhora. Comunga da terra e do céu, do sangue e dos seus abismos e da luz e das
suas alturas. Pois ela é como a gota de água que, caindo do firmamento, penetrou o mar e
nele se ocultou como a pérola se oculta na concha. E o pescador acerca-se dela, receoso e
maravilhado pelo que irá encontrar, e ela entrega-se-lhe.

82.3 Assim também a alma se entrega àquele que desvela os seus véus, um após outro, até
dela se acercar nu como quando nasceu. Então a alma o recebe no seu leito nupcial e o
toma em si e lhe põe asas nos pés e nas mãos e em tudo que nele é etéreo e transcendente.
E o homem, renovado por este casamento com o etéreo, maravilha-se de tanta beleza.
82.4 E que é a alma, senão a sua metade perdida, a sua alma gémea? Assim ele a encontra
quando a si próprio se encontrou. E se a acha, acha-se nela. Mas não se achando a si, antes
de ir até ela, nela se não achará também. Pois que é ela, senão um espelho de contornos
sem fim? para que aquele que nele se mire se veja, não uma só coisa, mas as coisas todas
que são o homem e que são toda a criatura.
82.5 Assim é a alma: um sinal e uma resposta. E o homem a encontra e encontra-se nela e
já não mais procura, pois todo se achou.

82.6 A alma é filha dos abismos, mas não é abismo. É feita de luz oculta, mas não é luz nem
está oculta. É ponte irradiante entre o alto e o baixo mundo, mas nem é o alto nem o baixo
mundo. É como uma taça cheia de sangue, mas não é o sangue que haja na taça. É como um
véu diáfano e transparente, mas não é o véu, é antes aquilo que ele oculta.
82.7 Todos os caminhos levam a ela, mas ela não é o caminho antes a sua transcendência.
Todos os seres a trazem em si, escondida e procurada ao mesmo tempo, mas ela nem está
escondida nem é procurada. É como um tesouro enterrado no meio de uma caverna
profunda, mas a caverna tem a sua entrada bem visível e só é preciso ir até lá.
82.8 Que é a alma então? Uma gota de água mergulhada num oceano. O oceano é a
eternidade e o momento sempre presente. A gota é parte luz e parte sombra. Luz quando
reflecte o céu e sombra quando reflecte o abismo. E nem luz nem sombra, quando o homem
dela se acerca e a toma nas mãos. Então lhe reflecte o rosto, luminoso ou sombrio,
consoante ele for e o destino que tiver.
82.9 Mergulhada no mar, encontra-se escondida. Mergulhada no coração do ser, está a um
passo da mão. E se o passo é dado, eis que ela está ali bem visível. Assim é a alma, infinita
no significado e na ilusão. E presente, como quando a pérola sai do mar e vem para a luz,
pela mão do pescador. Pois o pescador é como aquele que, tendo penetrado no abismo
escuro, dele retorna vencida a prova.
82.10 Assim é a alma, como um prémio dado àquele que venceu a ilusão de haver morte ou
de haver vida, quando só há o ser perante Senhor e Senhora, juntos. E o ser está perante
Eles, como perante a Obra. E esta é oculta e visível perante ele, pois a sua forma é a de
vaso fechado, mas a sua realidade é tão transcendente como a sombra e a luz juntas. E o
ser vê e entende, e vendo silencia.
82.11 Assim está o ser perante o universo: em silêncio. Pois não há tal coisa como muitas
coisas diversas e dispersas, mas uma só que tem três rostos: o primeiro é o do Senhor da
Obra e é de fogo e luz; o segundo é o da Matéria sensível, o do vaso hermético, é a Grande
Mãe e é negro como, o abismo por existir; o terceiro é a síntese dos dois: Adam é o seu
nome e nunca teve início. É também aquele a quem chamam o Santo Espírito, pois ele é a
revelação da Obra e é a sua chama. E quando ele entoa o nome santo, os servos acorrem a
realizá-lo e a Obra torna-se do tamanho do mundo e é visível como ele.
82.12 Estes são os três que vigiam, aqueles que são as colunas mestras de tudo que é real ou
não, quer para a morte quer para a vida. Os seres são reflexos deles. E quando deles se
aproximam pela escada íngreme e sem degraus, já não são apenas reflexo e ilusão mas
verdade também, pois como verdade terão de ir perante a Obra, para que a bênção e a
aliança se renovem e o mundo continue, já que o mundo não existe só por si, mas também
por aqueles que, renovando-se, a ele o renovam.
82.13 E isto o fez o Cristo, quando morrendo sobre a cruz, a cruz transcendeu. Uma nova
aliança ele fez e pelo sangue a assinou. O homem foi testemunha apenas.

83
83.1 Há a Obra e há o fazedor da Obra. A Obra é o mundo e é o homem e é toda a criatura
que habita o mundo e habita o homem, pois também o homem é como o mundo. O fazedor é
aquele que cuida de alimentar o fogo sob a Obra, para que não se apague, pois a Obra é
como um vaso cheio de fogo e de sangue. E há o fogo que vem de fora e aquece o vaso e há
aquele outro que habita o íntimo e que é a génese real da Obra.
83.2 Assim há dois fogos no mundo e no homem e na Obra e em toda a coisa existente. O
primeiro vem do céu e é sinal do Senhor, o segundo vem da terra e é sinal da Mãe. E
rompido o véu, que é o vaso da Obra, os dois fogos se juntam. Assim se casam o céu e a
terra, para procriar o dragão, que também é o Santo Espírito, aquele a quem chamais o
Cristo.

83.3 Dois fogos, eis a verdade. E entre eles, a carne no homem e na criaturas, a pedra
bruta no mundo, e o vaso na Obra. Guardando e separando, até que o fogo interno rompa o
véu e se misture no externo. Então o fogo será como uma coluna de luz e uma cruz se verá
de horizonte a horizonte, pois a Obra realizada é sinal do Senhor e da Senhora.
83.4 Assim Eles se anunciam ao mundo, pela cruz, e se mostram ao homem e à criatura,
pela realização da cruz. Pois que é a vida, senão a busca da realização do ser? e como se há-
de realizar este, senão pelo duplo fogo?
83.5 Assim o sinal da cruz é símbolo e realização do símbolo e é realização da Obra, pois
toda a Obra é comunhão de opostos. E os opostos juntam-se no centro do mundo e no meio
da cruz e nasce a rosa, que é visão da Obra.
83.6 Dois fogos: o Pai e a Mãe à procura do Filho. E o Filho é o mundo. E realizado o mundo
realiza-se a Obra, que é a síntese do Pai e da Mãe através do Filho. Assim se retoma o
Verbo, pois que a Palavra se transformou em carne e sangue e pedra, invocando o nome da
coisa e dando-lhe vida.
83.7 E está na pedra como o sopro do espírito está no cálice, e está no sangue e na carne,
como o espírito, está na boca do profeta. E se o profeta não diz a palavra, a palavra não se
realiza.
83.8 Assim é preciso que o mundo se realize para que a Obra se faça. E feita a Obra e
unidos os opostos, Adam herdará a terra e com ele a herdarão os seus muitos filhos. E toda a
criatura também. E será de ouro esse tempo, pois a Obra foi feita e a cruz é de luz.

83.9 Adam é semente de luz e treva. Não a luz nem a treva, mas semente, início.
83.10 O Senhor veio sobre ele e soprou a luz nos seus olhos e nos seus ouvidos e sobre a sua
boca e sobre o seu coração, e a luz habitou ali. E veio a Senhora e soprou sobre o seu ventre
a treva e soprou nos seus pés e nas suas mãos. E com a Senhora vieram os do abismo e os
que não tem forma nem ser. E com o Pai vieram os da luz, os do infinito da luz, que também
não têm forma nem têm ser.
83.11 Uns e outros puseram-se em redor de Adam para o servirem e nele habitarem. E Adam
os enviou ao mundo, para servirem a Obra e servirem o mundo. Estes são os espíritos dos
profetas e dos que têm poder na terra e também perante o céu e o abismo. Estes trazem o
sinal em si. E este sinal é como uma semente.
83.12 A semente abre-se perante a palavra e deixa passar a luz ou a treva, o abismo da luz
ou o abismo da treva, o Senhor ou a Senhora. Pois a palavra é como uma espada ou uma
taça. E onde a espada cai abre-se a carne e irrompe o sangue como uma fonte. Então a taça
o toma e o leva aos pés dos opostos, para que o sangue se sacralize.
83.13 Isto tem acontecido desde que o homem se descobre, pois é Adam que se descobre
nele. E em cada homem que nasce das cinzas da carne e do sangue, brilha um profeta e os
opostos realizam-se. Assim o mundo se mantém, pela carne que se descobre vaso e pelo
sangue que se descobre espírito, pois o mundo não existe por si mas por Adam, o primeiro a
ter início. Ele sela o mundo e o realiza, quando se realiza a criatura. Pois a criatura é como
um véu de carne sobre a borda do não ser. E realizando-se, abandona a borda, toma terra
firme e torna-se viva. Então o Santo Espírito está nela, como uma glória incandescente, e
ela revê-se nessa luz e desperta. Assim o mundo passa do não ser ao ser e da Obra esboçada
à Obra feita.

83.14 Dois fogos, mas uma só realidade. Pois em verdade não há coisa dispersa mas coisa
única. Nem ser e não ser, mas o Senhor e a Senhora tendo Adam para Seu apoio e
fundamento. Nem céu sobre a terra ou luz sobre a treva, mas um espírito que não projecta
sombra senão no coração do homem. E o homem olha e vê duplo o que é coisa só. E vendo o
faz e leva a outro o mesmo. Mas Adam é só um e todo o rosto é um só nele.

84
84.1 E no terceiro dia e na terceira hora o profeta foi perante o seu Senhor e viu-O face a
face. E viu que Ele era imenso e que nele havia o segredo de todas as coisas e de todas as
criaturas. E o que viu agradou-lhe e reverenciou o Senhor e, através dele, reverenciou todas
as coisas e todos os seres. E o Senhor o abençoou e o deixou ir.

84.2 O profeta retirou-se da face do seu Senhor e tomou para reclusão uma caverna e nela
viveu os seus últimos anos, antes que o Senhor o tomasse à carne e dela o libertasse. Assim
se cumpriu o profeta e se cumpriu o ciclo da profecia e o Livro foi escrito.
84.3 No profeta o Livro foi escrito, antes que o fosse na pedra e na alma do homem. E o
profeta realizou-se no Livro e este viveu pelo profeta e pela palavra do Senhor. E cumprido
o Livro e esquecido o profeta, o Senhor o tomou em liberdade e o libertou das cinzas da
Obra, para que fosse fogo apenas.
84.4 Então o profeta ergueu-se sobre a sua caverna e sobre a montanha sagrada se elevou.
E o Senhor tomou-o pela mão e levou-o consigo. E o profeta foi esquecido.
84.5 Isto aconteceu nos últimos dias do Senhor e da Sua manifestação, pois o profeta veio
perante o homem para testemunhar sobre o seu Senhor e veio para escrever o Livro e
proferir a Palavra. E feito isto o profeta ficou cumprido na Obra e a Obra foi deixada a si,
para que se realizasse no homem e com o homem. E o homem a tomou nas suas mãos e o
Senhor lha entregou.

84.6 Que é o homem, senão a realização da Palavra e a realização da Obra? E o profeta que
é, senão o sinal para o homem realizar a Obra? E realizada esta no profeta, eis que a
segunda parte está feita e só falta realizar a terceira: a do homem e do mundo.
84.7 Pois o Senhor a concebeu e deu ao homem, para que ele a continuasse. E o homem o
tem feito, às vezes no esquecimento e outras no despertar. E se o homem esquece, o Senhor
toca o clarim e acorda-o e é o profeta que vem para anunciar o dia do Senhor.
84.8 Assim o profeta não faz parte da Obra, embora seja parte dela. Pois ele é como uma
ponte entre o Senhor e as criaturas. E o Senhor passa sobre ele para ir do céu à terra e para
ir do Ser ao homem. E o homem realiza-se com o seu Senhor e realiza-se com a sua Palavra.
E o profeta realiza-se também.
84.9 Pois há no profeta o homem e há a semente do Senhor. E a parte do homem é carnal e
a semente é de fogo. E que é o profeta, senão a junção da carne e do fogo? Do Senhor e da
criatura? Assim o profeta é como uma vara que o Senhor tem nas mãos. E o Senhor ampara-
se nela para ir de um ponto ao outro do mundo. Mas, gasta a vara, o Senhor a lança sobre a
face da terra e ela se transforma em serpente de fogo e dá a sabedoria aos homens. E
tomada a sabedoria pelo homem e esquecida a vara, a serpente recolhe-se à caverna e toma
a forma do círculo e, mordendo a sua cauda, penetra na eternidade.
84.10 Assim o profeta sai do mundo da carne pela sabedoria do seu Senhor e pela sabedoria
do fogo, que habita a vara e que habita a serpente. E ele se transforma na serpente e ganha
asas, quando cumpriu a Palavra e realizou a sua parte da Obra. Então se transforma em
dragão e o Senhor o toma para si e lhe dá lugar no Seu templo, ou o envia de novo ao
mundo, para realizar a terceira parte da Obra e ser a semente do futuro. Pois há duas faces
no dragão: aquela que guarda o altar e os espíritos sobre o altar e aquela que ciclicamente
renasce no mundo, para tomar a cruz do mundo e assinar de novo o pacto entre o céu e a
terra.
84.11 E isto o profeta faz, não como profeta da Palavra e do Livro, mas como profeta da
Palavra e do Fogo. Pois o Senhor está nele em corpo e espírito, e onde o dragão vai o Senhor
vai também. E aquele que segue o dragão, segue o espírito do dragão e segue o seu Senhor.
E o Senhor o toma sob a Sua protecção, sob a asa do dragão, pois o dragão é como um
espírito realizado e maduro, um Santo Espírito. E o Senhor está nele e ele está no Senhor.

84.12 Um Santo Espírito: eis o dragão. Um espírito de plenitude e de comunhão. Pois


também o dragão é como uma ponte invisível entre o céu e a terra. E o Senhor toma-o para
ponte e caminha sobre ele ao encontro do homem e o homem, uma vez realizado, toma-o
para ponte e vai perante o Senhor.
84.13 Pois que é o dragão, senão a face da realização e a face da eternidade? E que é a
eternidade, senão um círculo de fogo onde se desenha a vida? E a vida está no centro do
círculo, no centro do Ovo que é a Obra. E vai e vem do centro para a periferia, sempre
dentro dos limites do fogo, pois para lá do dragão é o abismo e os do abismo, e é a
escuridão também.

84.14 Que aquele que quer realizar a Obra realize o dragão, pois que seria da Obra se o
dragão morresse? Quem alimentaria o mundo? Uma semente de luz: assim é o dragão. E, no
centro de toda a criatura e de toda a coisa viva, uma semente também, fruto do dragão e
realização e testemunho da Obra. Pois como poderia o homem realizar a Obra se não tivesse
em si semente dela? E como chegaria à visão do Senhor e do Seu dragão, se não os tivesse
em si, como uma semente? Pois então que se faça a Obra, não por ela mas pelo Senhor dela.
E que se faça pelo dragão também, para que haja continuação da Obra e continuação da
vida.

85
85.1 Toda a Obra é incerta se não tiver nela a mão do Senhor, pois a mão do Senhor é como
um sinal. E se aponta o futuro, é porque a Obra se realiza no futuro. E se aponta o presente,
é porque a Obra é do presente. E se em lugar de apontar o tempo da Obra, aponta o
homem, é porque este veio para servir a Obra.
85.2 Assim é a mão do Senhor sobre a Obra, como um sinal. E visto o sinal e entendida a
Obra em todo o seu esplendor e magnificência, serve-se a Obra, servindo o seu Senhor.
85.3 A Obra é como um espírito realizado na carne. Se a carne se realiza, realiza-se
também o sangue e neste o espírito do sangue, que é o espírito do Senhor.
85.4 Assim toda a Obra é múltipla e a sua realização múltipla também. E o Senhor está na
Obra esboçada e na Obra terminada e está naquele que a realiza e naquele que há-de ser
realizado nela. E em tudo isso é visível.
85.5 Pois que seria da Obra se o Senhor não habitasse nela? Matéria sem vida, eis o que
seria. Assim, em toda a Obra existe um Senhor. E há a parte que é do homem nela e há a
parte que não é, antes sendo do Senhor do homem, pois que o caminho é longo e tem
etapas, e umas pertencem ao homem fazer e outras não lhe pertencem, mas sim ao seu
Senhor.
85.6 Assim é a Obra também: metade é do mundo e metade é do céu. E a metade do
mundo é a do homem e de toda a criatura viva, mas a outra metade não é dele.
85.7 Que o homem se realize na Obra e esta estará feita pela sua parte e o mundo estará
realizado também. Mas que a outra parte ele não a tome para si, pois não lhe pertence,
antes pertence àqueles que velam por ela, dia e noite, desde o primeiro alvor do mundo.

85.8 Há o mundo e há a Obra. O mundo faz parte da Obra mas a Obra transcende o mundo.
O homem realiza uma parte dela, realizando-se a si com ela. E feita esta parte, o Senhor
pesa a Obra e pesa o Homem e vê o que está feito. E dá o Seu assentimento, para que a
Obra se finalize.
85.9 Então o mundo se transforma na Obra e a Obra se transforma no mundo. E o homem
vai perante a Obra como vai perante o Senhor, para transcender a Obra e para se
transcender a si. E, feito isto, a Obra está terminada na terra e nos céus, porque o homem
se transcendeu e o mundo foi transcendido. Assim o Senhor os toma: realizados e
transcendidos. E os leva para o Seu templo, sobre o altar e aí eles ficam. Num lado a Obra e
no outro o homem.
85.10 A Obra é como uma semente do homem e do Senhor. E realizada a Obra e terminado o
homem, a semente pode ser lançada à terra, entre os mundos, para que floresça.
85.11 Assim a Obra é toda a coisa feita. E o Senhor a fez antes de haver homem ou gérmen
de homem. E depois fez o homem, para realizar a Obra e o deu a ela e lha entregou a ele.
Pois não há Obra sem servo dela, como não há carne sem sangue que a alimente.
85.12 Assim está o homem para a Obra como o sangue para o homem. E o sangue realiza-se
na carne quando a carne foi dada ao Senhor e a Obra realiza-se no homem quando o homem
a já não quer para si, antes a dá Àquele que a concebeu.
85.13 Então o Senhor a toma das mãos do homem e lhe sopra o Seu hálito, que é vida. E a
Obra transforma-se em fogo e o Seu hálito é a Palavra Viva.
85.14 Pois que é a vida, senão a transcendência? e que é o hálito, senão o espírito que jaz
adormecido? e, entregue ao Senhor, que será a Obra, senão a semente do homem? a
semente do seu futuro? E o Senhor toma a Obra e toma o homem, e mistura os dois e, feito
isto, a Obra está completa.
85.15 Assim o homem veio para se realizar e para realizar o mundo. E, tendo-o feito, tudo o
mais está feito e tudo o resto está a mais e é inútil.
85.16 Um servo e um Senhor: eis tudo. E entre ambos a Obra, que é parte do servo e parte
do Senhor do servo; parte do mundo e parte daquilo que transcende o mundo.
85.17 Pois o Senhor a concebeu como uma semente de realização e uma parte dela o Senhor
pôs no homem, como sinal Seu, e outra parte Ele pôs no mundo, como sinal Seu também. E
outra ainda Ele pôs entre os astros que alumiam o mundo, como sinal também.
85.18 Assim a Obra está dispersa pela criatura e por aquilo que é sinal para a criatura: sinal
do seu Senhor.
85.19 Que tarefa será a do homem, senão a reunião de tudo que foi disperso? Assim ele se
terá de ver como parte de tudo, e, em cada parte sua, sinal e referência daquilo que está
fora. Pois no homem está cada coisa viva e cada sinal está nele também.
85.20 Onde o Senhor pôs semente nos astros, o homem a pode ter nos astros seus. E onde o
Senhor a lançou à terra, o homem a pode encontrar em terra sua. Assim o homem é canal e
resumo de todo o sinal da Obra. E realizado o homem está realizada a semente tripartida e
a Obra está acabada.

85.21 Um código por decifrar: eis o homem. Repartido por mil lugares distantes e tempos de
antes e depois. Consciência somada à totalidade que se desconhece, tal é o seu infinito. E
em tudo a mão do Senhor. Sobre o servo e para lá do servo, como apontando a estrada.
85.22 E o servo vai pela estrada que o Senhor aponta, entre receoso e destemido. Mas mil
são as estradas que o homem corre, umas sabendo outras desconhecendo.
85.23 Assim é a Obra também: mil partes e só metade visíveis, como se um véu, lançado
pela eternidade, cobrisse o caminho e os rostos. E que vê a face senão o reflexo da face?
Não o caminho, mas parte dele.
85.24 Só na transcendência da face há lugar para a face e há lugar para o caminho. Então o
Senhor vem pelo homem e toma-o e há-de conduzi-lo. Mas que será do homem que não se
descobrir? como ir da face ao rosto: eis a questão.
85.25 Pois não há face, mas rosto, nem véu de eternidade sobre o caminho, mas só este.
Nem homem e Senhor do homem, mas só Senhor no homem. Assim a metáfora se faz
caminho e o homem decifrador de enigmas, antes que o véu se faça luz. E tomada a luz e o
Senhor dela, eis o homem e eis a Obra numa só coisa. É este o caminho do homem, o da
recuperação da luz.

85.26 Não há limites para a consciência: o que há é carne sobre ossos e sangue nela. Nem
limite na carne e no sangue, pois que nela também se rasgam as portas sobre o mesmo
mundo que sobre a carne brilha.
85.27 Dois infinitos há: o do alto e o do baixo. O do alto, porque é Deus; o do baixo, porque
é a criatura. E encetado o caminho da descoberta, eis que o homem se transforma na sua
semente e no seu sol íntimo e naquele que de cima o guia.
85.28 E se a descoberta é maior que a carne, não é maior que o homem nem que o seu
Senhor. Pois tomado o enigma e decifrado o labirinto da carne e do sangue, é o Senhor que
vive. E começada a estrada pelo homem, é no infinito que ela termina, já que o homem é
também ponte e estrada e continuação da estrada.
85.29 E que há para lá da estrada, senão o Senhor dela? E que há para lá da semente da
Obra, senão a sua plena maturação? E que há para lá do homem feito, senão o homem por
fazer, o Senhor do homem? Pois que é o espírito da vida, senão o espírito que transcende a
vida? E transcendido o homem, que há-de o homem encontrar: um rosto sem face, a
dimensão do abismo somado à eternidade.
85.30 Tal é a verdade no homem, como a é em toda a coisa viva ou por viver. Pois a medida
é uma só, pese embora a ilusão da aparência.
85.31 Tome-se o homem à ilusão e há-de encontrar o Senhor, como parte sua, e ele nessa
parte vivo e imorredoiro. Pois toda a Obra é una e é coisa única e uma só. Não como os
olhos querem, parte aqui e parte ali, sem ponte nem ligação, antes o inverso disso: toda a
parte una entre si.
85.32 Que falta então ao homem? Tomar-se ao caminho e percorrer a estrada. Não para
buscar fora o que está dentro nem dentro o que está algures, mas para se ter na luz. E para
se ter no seu Senhor. E para tomar lugar entre servos e sacerdotes e profetas do Seu
templo, que é o próprio mundo. É isto a génese oculta: uma só coisa e verdade.

86
86.1 Na sombra se acoita e entre o homem se oculta como se fosse um deles, não o sendo.
E o homem olha-o na face e não o vê. Este é o Inimigo, aquele que veio para desafiar o
Cristo. Este é a Besta e sobre a Besta o homem não tem poder. Só o tem aquele que está
para o homem como este o está para o Senhor. Esse há-de enfrentar a Besta e há-de
devolvê-la ao limbo, e por mil anos ela há-de ficar acorrentada. Mas depois se há-de
libertar, no tempo do futuro, e será quando o Senhor vier para julgar vivos e mortos. Então
haverá dois campos sobre a terra: o dos justos e o das sombras. E pelos justos estará o
Senhor e pelas sombras estará a Besta. Esse será o combate final e depois dele tudo será
diferente.

86.2 Nem a terra nem o homem serão os mesmos, pois a terra é fruto do homem e o homem
é fruto da terra. E entre a terra e o homem está a sombra e está a Besta, que é o Senhor da
sombra. E a sombra está na caverna, guardando a sua porta oculta. E a Besta está
escondida, entre a caverna e o homem. E se o homem toma o caminho da caverna, descobre
a sombra e descobre a Besta. E a Besta o toma e não o deixa ir.
86.3 Mas dia virá em que a caverna será desvelada perante o olhar do homem e este a verá
para lá da porta que a oculta. E verá a Besta nela e o que é verdade e mentira nas suas
palavras. Então poderá escolher entre a caverna e o Templo, entre a Besta e o Senhor. E se
escolher a caverna, a caverna o há-de tomar. E se escolher o Senhor, este o há-de
deslumbrar com a Sua luz.
86.4 Assim, vários são os tempos para o homem. E há o tempo da sombra, que é este, e há-
de haver outro tempo, onde a sombra não tem poder, que será o futuro. Então o homem
será como uma luz sobre a face do mundo e onde ele for reinará a paz. E o Senhor estará
com ele, mais perto que a face e o rosto um do outro. Mas esse tempo não é de agora e
antes que ele venha, há-de o homem conquistar a sua luz e submeter a sua treva, por amor
à Obra e por amor ao Senhor. E tendo-o feito a Obra lhe será dada, para que dela cuide, tal
como a criança é dada aos pais.
86.5 Assim o homem há-de cuidar e prolongar a Obra, pois que ela começou no Senhor mas
nele não há-de acabar. E a Obra há-de realizar o homem e há-de realizar o mundo, até que
não haja tal coisa como uma Obra e um mundo e um homem, mas uma só coisa que é soma
e unidade de tudo isso.
86.6 Então o Senhor a há-de tomar novamente, para lhe soprar o espírito e depois disto a
há-de lançar entre os mundos, para lá do abismo, para ser semente de outras obras.
86.7 Assim a Obra é duas coisas: a semente do homem e do seu mundo e a semente de
outra Obra mais oculta. E realizada a primeira parte, abre-se o caminho da segunda e
desvela-se a porta e o Senhor é o umbral por onde ele passará.

86.8 Uma Obra e um mundo: eis o que o homem vê. Mas oculto no centro da Obra está o
mundo ou o seu reflexo; oculta no centro do mundo está a Obra, como um sol de fogo.
86.9 Pois que é a Obra, senão o mundo? E que é o mundo, senão a Obra? E feito um está
feito o outro. Tal como, realizado o homem, se realiza aquele que não é apenas homem,
mas espírito também: Adam é o seu nome, mas fogo e luz ele é.
86.10 O Senhor o tem nas mãos e lhe sopra incessantemente sobre o rosto, para que a Obra
não pare, antes cresça, como cresce a erva sobre a terra.
86.11 Assim o Senhor alimenta Adam e este alimenta a Obra e da Obra se alimenta o mundo
e o homem. Pois não há tal coisa como diversidade e separação, antes há uma só coisa, que
é unidade e verdade.
86.12 Isto é o Senhor e é Aquela que é uma só nele; é o mundo e o homem, como síntese e
resultado da Obra feita.

86.13 Uma só Obra e uma só semente da Obra: eis a verdade perante o Senhor, que a ilusão
de haver diversidade multiplica sem cessar, ora em direcção à luz, ora em direcção ao
abismo, pois até o abismo e a luz fazem parte da Obra. Não como dualidade, mas como uma
chama que reflecte sombra. E a sombra habita o abismo e a chama habita a luz.
86.14 Mas, perante o Senhor, só há uma chama, fruto do Seu hálito poderoso e infinito. E
sopra na chama e esta treme e sopra um pouco mais e ela agarra-se. Então Ele a deixa
viver, mesmo criando a ilusão de haver sombra, pois que tudo deve ser produto da
consciência, e, aquele que vai perante o Senhor, deve ir na plenitude do ser e não no ocaso
do ser.
86.15 Por isso o Senhor consente na luz e na sombra, para que haja caminhos e haja aquele
que se faz ao caminho, pois o amor daquele que venceu a estrada é maior do que o daquele
que a não venceu. E um tem fogo e o outro não o tem.
86.16 E que é o Senhor, senão um espírito de fogo? Fogo branco e cristalino, qual poalha de
estrelas sobre a madrugada.
86.17 O homem enfrenta a noite e o terror da noite e acorda pela manhã, renovado como o
mundo. E saído perante a luz, ei-lo que vai como uma criança. Assim ele encontra o Senhor
e O vê tal qual é: como uma luz suave, quase inexistente. E a porta da madrugada abre-se e
ele passa.

87
87.1 Há a Obra e há o Senhor da Obra. E entre a Obra e o Senhor, há o homem. E em redor
da Obra e do homem, atenta, há a sombra, que vigia e espera, pois a sombra é furtiva como
o ladrão que, a coberto da noite, se aproxima da sua vítima. E na escuridão se esconde,
como o ladrão se esconde, antes de saltar sobre a sua presa. E quando o ladrão salta, vai de
arma em punho, pronto a ferir, pronto a matar.
87.2 O mesmo faz a sombra com aquele que espreita. Por isso é tão importante caminhar
na senda da luz, tendo o Senhor por ideal de realização do Ser e em tudo usar a Sua medida:
que é a do amor e da justiça.

87.3 Uma Obra o Senhor deu ao homem para realizar: aquela que o fará ir do lodo às
estrelas, aquela que o fará retomar o seu lugar junto de si. E o homem realiza-a em tudo
que faz, se nisso põe a consciência e o amor à Lei; ou viola a Obra, se caminha para ela
armado de sombra e do rancor da sombra.
87.4 Pois a sombra é como uma doença contagiosa e, se o homem lhe toca, ela agarra-se-
lhe. E se uma vez lhe tocou, nunca mais o deixa, antes nele se esconde, como o animal se
esconde entre as ervas, na floresta, e o caçador passa e não o vê, pois se tornou um só com
a terra.
87.5 Assim é a sombra quando se liga ao homem. Parece só haver homem e, no entanto, a
sombra está nele. E aquele que desse homem se aproxima, aproxima-se da sombra e é
contaminado por ela, pois se aproximou como a criança se aproxima do ladrão, sem cálculo
nem prudência. E a sombra toma-o e já não o larga mais. Por fora, a aparência é de homem,
mas por dentro está infectado. Assim a sombra cresce sem cessar.

88
88.1 A que se há-de comparar a Obra senão a um turbilhão de forças, tendo um centro por
eixo? E a que se há-de comparar a Palavra, senão a um espírito de verdade e justiça, posto
perante o Senhor, como a semente na mão do agricultor?
88.2 O agricultor lança a semente à terra e esta, se cair em boa terra, há-de dar fruto
muitas vezes multiplicado. Tal como o Senhor, que enviando o profeta para realizar a
Palavra, o envia como semente de verdade e de justiça, semente que o homem há-de
multiplicar.
88.3 Assim é com a Obra, também, que sendo turbilhão é unidade e, sendo periferia e
multiplicação sem fim, é também ponto de chegada e partida.
88.4 Um turbilhão sem fim: eis o rosto da Obra. E a meio do turbilhão, secreto e escondido,
o seu centro. Aí não há mudança nem transformação, apenas uma taça segura por mão
invisível, cujo conteúdo se derrama. Assim o turbilhão é alimentado pela taça e se
perpetua.
88.5 E que é o turbilhão, senão um véu que o Senhor lança sobre a face da criatura: um véu
e um enigma! Para que aquele que parte não parta em vão, antes ache solução para o
labirinto.
88.6 Pois que seria da Obra se não a buscassem? E como a poderiam achar se não a
achassem em si? Teriam de inventá-la! Contradição sem fim seria a face da Obra então. Pois
não é toda a obra humana contradição e ideal fugidio?
88.7 Só no Senhor a Obra existe: perante o homem é mera consequência. Véu ou ilusão,
importa pouco descobri-lo.

88.8 No meio da Obra jaz o enigma: esse enigma tem nome de criatura e está vivo. Uma
mão suspensa sobre o abismo: eis a face do enigma.
88.9 E, por detrás da mão, ardente e derradeiro, Aquele que não tem forma, mas essência
apenas. Perante esse, os povos se curvam desde os alvores da criação. Perante Ele se hão-de
curvar quando toda a criação for apenas esquecimento.
88.10 Uma mão aberta e, a meio dela, um olho que nos fita: só isto é visível. E em redor um
sopro, como uma poalha de estrelas e fogo.
88.11 Grande mistério há nesta mão que se ergue, a prumo, sobre o abismo, para abençoar
ou para castigar. E aberto o olho, no seu centro, sobre o rosto daquele que o fita, que
joelho não se dobrará, que rosto não se cobrirá de êxtase ou medo?
88.12 Assim é a visão do Único: como um êxtase ou um medo. Não o amor, que é fruto do
homem; ou a realização do amor, que é fruto da Obra, mas o êxtase e o medo, até que
ultrapassados se revelem apenas justiça.

88.13 Nascer da morte: eis o difícil. E tendo ido até ao centro da Obra e tendo-a achada
realizada em si, é preciso morrer antes que o véu se descerre.
88.14 Pois não é a morte como um túmulo de vidro para aquele que sabe? E se de pedra for,
é porque aquele que aí está isso escolheu. Não lho impôs o Senhor, mas a sua própria
vontade. E o Senhor olha-o e dá-lhe a bênção.

89
89.1 É o mundo como uma esfera de escuridão no meio da qual arde a chama: essa chama é
uma caverna de fogo. No centro da caverna, a Grande Mãe embala a Criança, esse que
também é arquétipo e sinal do homem. Esse que é Santo e é Espírito.
89.2 Em redor da esfera, o infinito. Nem alto nem baixo, nem para cima nem para o fundo:
apenas o infinito.
89.3 Entre este e a esfera de negridão, um raio de fogo. Isto é o Senhor, pois o mundo é
como um ovo fechado sobre si. E o Senhor vem sobre o ovo e fecunda-o. E o ovo vive e dá
semente e continuação também.

89.4 A esfera é negra como o abismo, pois do abismo é feita. Matéria é o seu nome e é mais
antiga que os mundos e os deuses e os homens.
89.5 Antes que houvesse forma, já havia esfera. Antes que houvesse fogo e raio sobre o
muro do infinito, já havia esfera. Suspensa sobre a eternidade, nada mais havia que ela. E
durante ciclos sem fim assim permaneceu: estática e serena.
89.6 Não fosse o raio do Senhor , ainda assim permaneceria. Mas o raio veio e com ele o
espírito da luz. E a luz brilhou sobre a esfera e iluminou-a. Não em toda a parte dela, pois
nem toda ela pertence à luz. E há a parte da luz e há a da treva. E a luz está no centro,
sobre a Mãe e a Criança. E na periferia está a treva, sobre o homem e toda a obra sua.
89.7 Assim roda a esfera: em duas direcções ao mesmo tempo. Sobre si, que é a esfera do
meio e sobre o infinito, que é a esfera da escuridão. E há aquele que se move com a esfera
do meio e há o outro que se move com a escuridão. Pois em tudo há dois destinos, até na
Obra.
89.8 E um realiza-se em si e outro no que lhe é externo. E aquele que se realiza em si,
realiza-se também na Obra, mas aquele que não se realiza em si, na Obra não se há-de
realizar.

89.9 A esfera é a Obra toda. A semente dela é o seu coração. Palpitante e vivo está o
coração e, a meio dele, num trono de prata e pedras vermelhas, está a Mãe sentada. Sobre
o corpo um manto tem. Sobre a cabeça um crescente feito de pedras brancas. Ao colo,
erecto, está aquele que é a própria semente da Obra e da esfera. Esse chama-se homem,
mas não é homem, antes é como um fogo cristalizado em forma de homem. Os seus olhos
fitam a eternidade. O seu rosto brilha como a luz. Nas mãos estendidas ele tem a taça e o
ceptro. Aos pés um livro. Eis toda a maravilha. Eis todo o segredo.

89.10 Três símbolos ele é: o quarto ele tem como base e suporte da Obra, pois entre si e o
homem há um caminho e esse caminho está assinalado pelos justos.
89.11 Quem são estes, senão aqueles que têm em si o outro símbolo? O que não é revelado,
mas que é visto por aquele que ascende ao Senhor! E como pode o homem ascender ao
Senhor, senão pela realização da Obra? E que é esta, senão a consumação plena do homem?
89.12 Assim é a Obra tudo, e o homem parte dela também, e, realizado este, realiza-se ela e
realiza-se o Senhor neles.
89.13 E o homem vê o Senhor face a face e vê o quarto símbolo, aquele que está oculto. E
sobre ele se deita, como sobre uma cama dura. Então lhe floresce o coração e, no lugar
dele, a rosa abre as pétalas para a vida e como Cristo ou Homem ele vem ao mundo, para
dar continuação no mistério. E o mistério realiza-se nele e nele se realiza tudo.

89.14 Quatro símbolos há no mundo: três revelados e um oculto. Os três têm as esferas no
Senhor, na Senhora e na Criança e estão entre os homens, como um sinal, para eles verem.
O quarto não está onde o julgam, mas na missão e, se há redenção, há sinal dele no homem;
mas se não a há, é como um véu de ilusão sobre a face daquele que caminha, pois o quarto
símbolo é como um espírito de plenitude e de luz, e, onde ele vai, a luz vai com ele e onde
ele não vai não há luz, mas escuridão; esse não tem nome de homem, mas é homem;
chamam-lhe filho do homem, mas o homem é que é seu filho.
89.15 Onde vai semeia rosas e semeia espinhos e semeia a cruz. Ele a traz consigo desde os
alvores da madrugada. Ele a tem em si, visível para quem ascende sobre a face do mundo e
olha para lá da ilusão de haver mundo. E se é o Senhor do próprio mundo, aquele que
caminha errante, aquele que há-de voltar no fim das eras, para encerrar a manifestação:
esse é o cordeiro.

89.16 Eis o símbolo: um sol no meio de muitas constelações. Cada constelação é um espírito,
cada espírito é um sinal da Obra e, a meio delas, oculta e ignorada, aquela que é a síntese
de tudo: aí dorme a rosa e floresce a cruz; aí dorme e sonha o Iniciado. Mas aquele que vai
perante ele e lhe descerra o véu, encontra-o acordado e o sonho toma-o à realidade e
transforma-o em sinal de transcendência. Então lhe desponta no peito a rosa e o seu corpo
se transforma em cruz. Assim a Obra permanece e permanece o desígnio dela. E é o homem
que a realiza e é o seu Senhor que lha dá a fazer.

89.17 Um mestre e doze discípulos: tal é a realidade. Um mestre que é oculto e doze
discípulos que são revelados, tal é a aparência da verdade. E o homem vai pela aparência e
não encontra senão espinhos. E cansado destes, intenta ir pelo odor e fica embriagado. E só
quando esgotados espinhos e odor e a rosa lhe aparecer límpida e transparente, a cruz o
tomará e lhe dará a realidade por penhor.
89.18 Assim é o Mestre e assim são os seus discípulos. Verdade apenas para aquele que lhes é
igual em tudo, pois o quarto símbolo é como uma escada para a eternidade.
89.19 Sobe-se a escada, degrau a degrau, sem pensar em demanda, antes no Graal e,
chegados ao topo e olhando em volta, parece que nada foi feito. Um mundo feito e outro
por fazer, eis a parábola. E feito o primeiro é preciso o segundo fazer, para que haja
alvorada.
89.20 Então o discípulo desce sobre a face da realidade e toma corpo e alma do corpo e
sangue também e, tendo-os tomado, com eles se lança entre os homens. Estes o seguem
primeiro e a seguir o deixam, para que haja sacrifício. E este o toma para si, como alguém
que tomou por caminho a estrada.
89.21 É assim com os discípulos como o foi com o Mestre deles todos. E erguida a cruz sobre
um monte de oliveiras ou não, o discípulo é erguido ao altar e sobre ele se sacrifica. Então a
taça lhe recebe o espírito que há na carne e ele da carne se liberta. E a taça fica sobre o
altar e o discípulo sobre a cruz do mundo, até que outro lhe tome o lugar.
89.22 Assim se tem feito, assim se fará sempre, pois não há discípulo maior que o Mestre e
aquilo que o Mestre fez, cada um a seu tempo fará também.

90
90.1 Não há maior alquimia que a transformação da sombra. E só aquele que vai perante a
sombra e regressa dela sem ser tocado, merece a luz. A esse eu darei a luz e darei a sua
posse, para que nela se perpetue, pois esse nasceu uma segunda vez.
90.2 Quereis ser dignos de mim? ide perante a sombra e resgatai-a à treva, pois a treva é
como um senhor despótico e cruel e serve-se da sombra e daqueles que foram perante ela,
para se perpetuar no mundo; mas dia virá em que os meus filhos irão perante a treva e lhe
tirarão o domínio da sombra e a sombra se transformará em luz e a treva será devolvida ao
abismo.
90.3 Esse será o meu dia, esse será o dia da plenitude da Obra, e depois dele não haverá luz
e sombra sobre o mundo; noite e dia, em partes distintas e iguais, mas apenas uma luz,
como a da madrugada e do poente.
90.4 Só então as portas se abrirão para vós, para que possais passar livremente de um
mundo ao outro. E vireis perante mim em espírito e verdade e ireis perante a vossa Mãe em
consciência e realização. E sereis filhos dignos e servireis o propósito.
90.5 Mas antes disso, tendes de submeter a sombra em vós e ao vosso redor e tendes de a
conquistar para a luz. E tendes de ir perante ela como o cordeiro vai perante o seu pastor:
entre o receio e o amor, pois só o amor vos pode salvar da treva. E se não tiverdes amor em
vós, como haveis de transformar a treva em luz? Não é ela tão vasta quanto vós próprios?
90.6 Assim ireis perante ela no amor que me tendes e à Obra que vos dei para realizar. E
com estes dois sinais ireis e ela se há-de submeter a vós, porque eu estarei convosco e ela o
há-de ver. Deste modo realizareis a minha tarefa e a vossa. E tereis o mundo para vós, que
é a parte externa da Obra feita.

90.7 Julgais erradamente quando julgais por vós apenas. Julgai por mim e julgareis com
justiça, pois eu suspendo a balança da vida sobre a vossa face e a suspendo sobre a face da
sombra e nivelo os pratos e um não é maior que o outro perante mim.
90.8 Assim é a Obra: por dentro uma esfera de luz intensa e irradiante, mas por fora a treva
a perder de vista. Assim sois vós também: no vosso coração, uma semente de luz, mas por
fora dela a treva e o seu domínio.
90.9 Como podeis pois achar-vos mais dignos que a sombra? E se acaso eu nela tivesse posto
uma semente de luz, como a distinguiríeis? Não sois todos vós, quando a noite se abate
sobre a face do mundo, sombras que se escondem? Assim eu vos vejo: pequenas sombras
que se ocultam.
90.10 Mas eu vos dei uma semente e vos enviei os meus justos, para que vos dessem sinal de
mim e vós ora a realizais, ora a esqueceis; ora ides perante mim, ora perante a treva. E
quantos de vós, tendo ido perante ela, nela se perderam e foram transformados em
sombras?
90.11 Por isso vos digo: ide perante a sombra e resgatai-a, pois não há ser ou criatura menos
digna de me receber em si. E eu escolherei a sombra que for digna e escolherei o homem
que for digno; e aquele que o não for, sombra ou homem, eu arremessarei de mim e lhe
voltarei a face e não o hei-de ver.
90.12 Julgais que o meu amor é menor quando me debruço sobre os que estão no abismo?
Pequeno eu seria se o meu amor tivesse duas medidas. O meu amor é um só e tanto ama
aquele que escolheu o abismo como aquele que escolheu o templo da luz.
90.13 Pois não é toda a criatura digna de ser amada? E quem pode prever o que o futuro
trará? Talvez aquele que for maior perante vós não seja digno de mim. Talvez eu lhe recuse
a minha face.
90.14 Cuidado com o que medis! E cuidado com a escala que usais para medir o bom e o
mau! Talvez não seja a medida exacta. Faltar-lhe-à o amor, que é a única medida que
podeis ter perante os outros, pois só o amor vos pode tornar dignos de ver para lá da ilusão
do mundo.
90.15 Se quereis ser dignos de mim, é assim que tereis de medir: com o meu amor, não com
as vossas vaidades e ilusões, pois o que sois é distinto daquilo que julgais, e o que sois é
essa luz que Eu vos dei. Mas o que julgais, isso passa como passa o dia e passa a noite. E se
julgais pelo que passa, como podeis ser justos no vosso julgamento? Tereis de julgar pelo
que sois, pela vossa semente, pelo amor que me tendes, ou sereis injustos.

90.16 Amai acima de tudo a luz, mas amai também aqueles que, tendo mergulhado na treva,
dela se queiram arrepender. A esses tereis de amar como me amais a mim: na plenitude e
na integralidade, pois, que justiça haveria, se só amásseis metade da Obra? E que realização
seria essa se só tivesse metade para realizar? Não é o mundo uma coisa só? Feita de
metades, mas uma só coisa, isto é o mundo e sois vós. Assim amai-me a mim sobre todas as
coisas, pois eu sou o vosso sinal; mas amai também aqueles que, tendo-me procurado mal,
mergulharam na treva e dela não se conseguem libertar, pois a Obra é duas metades: uma
quase feita e outra por fazer. Com a parte feita não vos haveis de preocupar, pois está
encaminhada, mas sim com aquela que está por fazer. Assim é a sombra e sois vós: duas
metades da Obra; uma quase feita, a outra ainda não.
90.17 Por isso vos envio como um sinal meu perante a sombra, pois é chegado o tempo da
sombra e da transformação da sombra em luz. E ireis perante ela, não por vós, mas por
mim, que vos mando ir, e por cada sombra que resgatardes ao abismo direis: fizemo-lo, não
por nós e pela nossa parte da Obra, mas pelo Senhor que nos enviou, pois o tempo do
homem realizou-se, mas o da sombra ainda não.

91
91.1 O Livro não é a Obra, mas um sinal dela, tal como o profeta não é a profecia, mas um
sinal do Senhor. E o Senhor realiza o profeta e realiza o Livro, porque a Obra e o seu
espírito, que é o espírito da profecia, se realizou.
91.2 Assim cada sinal de Deus é um prenúncio do que está para vir, mas não é aquilo que
há-de vir, pois só o profeta pode realizar o Livro e realizar a Obra, que é um livro mais
vasto. E se o profeta se realizar como livro, assim o seu Senhor o há-de mostrar aos homens,
para que nele leiam a Palavra Divina, pois o Livro termina quando o profeta começa e, se o
profeta acaba, de que serve o Livro?
91.3 Assim é o Livro como um sinal da hora do Senhor e da hora da profecia. Mas o profeta
é maior que o Livro e a Obra é maior que o mundo e o Senhor é maior que profeta e Obra e
todas as coisas juntas, pois as coisas vêm para realizar a Sua Vontade e não para se
realizarem a si, e se, se realizam, é porque cumprem a vontade Dele, não por cumprirem a
sua.

91.4 Um profeta eu vos enviei: o seu nome é João. Nele o meu espírito arde desde que o sol
se ergue até que se põe sob o horizonte. Assim eu o quis: como um espírito ardente, para
que o vejais, não por ele, mas por mim que vivo nele.
91.5 E como me haveis de ver se não for pelo fogo? Assim me vereis: como uma coluna de
fogo. E o meu fogo há-de cobrir o mundo como uma cortina em chamas, para que o mundo
arda e os vossos olhos se abram para mim.
91.6 Cuidais que o meu profeta vos veio trazer a paz? Ele veio trazer-vos a guerra! Não a
vossa guerra, que é escárnio e maledicência, mas a minha guerra, que é santidade e
plenitude para o justo. E o justo me amará na realização do meu fogo, que também será o
seu, e me entenderá tal como sou, pois como haveis de vir até mim se não vierdes em
verdade e consciência de mim? Antes vireis na loucura que no desconhecimento do que sou,
pois eu amo mais aquele que, por amor a mim, caiu sob a loucura do que aquele que, por
medo de mim, entre as trevas se ocultou.
91.7 Julgais que eu não vejo nos vossos corações? Temei a fera que vos oculta, pois da
mesma forma que vos oculta também escarnece do que sois e, se não tendes consciência da
fera, como quereis ser dignos de mim? Decepai antes a sua cabeça e tomai o seu sangue
como sinal de sacrifício, antes de virdes, pois eu verei até na escuridão e ai daquele que
vier e não for digno! Desse não terei piedade. Sacrificai a fera, ou não podereis vir.

91.8 Cuidais que o meu amor é fácil? Eu só amo o justo e aquele que, não sendo justo,
procura em mim a sua justiça. Pois que medida haverá que não seja a minha? E como haveis
de medir, se não medirdes por mim? Não sou eu o vosso Senhor? Uma só medida tereis: a
minha medida; e um só Senhor, perante o qual todo o joelho se dobrará, pois a menos que
me ameis, como poderei eu amar-vos? E se não me quiserdes para medida vossa, como hei-
de sê-la? Lembrai-vos: uma só medida e um só Senhor, pois só há uma Lei e tudo o mais a
serve, mesmo no desconhecimento.

91.9 Tomo o vosso amor como um penhor: o meu profeta o toma por mim. Ele o guardará
até que eu chegue perante ele e velará por cada um de vós, para que não se perca antes
que eu o tome para mim. Assim ele é um sinal para vós e para mim. Para vós do que eu sou,
para mim daquilo que sois.
91.10 Cuidai pois dele e da realização daquilo que ele vos disser da minha parte, pois dia
virá em que ele só falará das coisas divinas e daquelas que eu lhe disser. Então o
reconhecereis como meu sinal e o seguireis a ele, seguindo-me a mim, e ireis onde ele for,
não por ele mas por mim. E, realizado o mando que lhe dei e acabada a Obra, haveis de vê-
lo, não a ele, mas a mim através dele. Então o vereis como um fogo vivo, um fogo ardente e
derradeiro, no meio do qual eu ardo sem me consumir. E vereis a minha mão sobre ele,
aberta e ardente também.
91.11 Isto vereis se fordes dignos de mim, pois haverá entre vós aqueles que o hão-de seguir
e não serão dignos dele nem da Obra; e haverá outros que o seguirão a medo, para não
blasfemarem de mim, mas esses não o verão a ele nem a mim.
91.12 Só me vereis se houver justiça nos vossos corações e submissão ao meu desejo, que é o
de cumprirdes a plenitude e a Lei. Por isso vos mando que sigais o meu profeta, como se me
seguísseis a mim, para que o vosso amor seja como um sinal de entrega e de redenção. E eu
verei.

91.13 Que mais vos hei-de dizer: a Obra está quase pronta! Eis o que precisais de saber por
agora. O espírito da profecia encarnou no meio de vós e chama-se João: eis o que vos é
dado saber.
91.14 O mais é só meu e eu o darei àquele que se submeter a mim. Esse beberá da chama da
vida e saberá para lá do conhecimento que há no mundo. Esse eu tomarei para mim às
trevas e o farei coluna do meu templo e sacerdote perante o altar. Mas antes disso tereis de
realizar a Obra e testemunhar sobre o Livro e perante o meu profeta.

92
92.1 A meio de uma esfera de negridão, uma luz brilha: isto é o profeta, isto é o Livro. Uma
luz a meio da escuridão: assim o Senhor se anuncia ao homem e lhe dá a conhecer a Sua
presença, para que o homem escolha, pois o Senhor ama aquele que O serve na
inconsciência de si e da Obra, mas ama mil vezes mais aquele que O serve na plenitude da
luz e na consciência de si e da Obra. Por isso o Senhor mandou que se escrevesse o Livro,
como um sinal para a Obra e para aquele que quer realizar a Obra para que não acontecesse
que, querendo realizá-la, fizesse coisa distinta dela.
92.2 Assim o Senhor envia o Seu profeta diante de Si e lhe manda que escreva o Livro, pois
não é bom a ovelha perder-se do seu rebanho: pode ficar enredada em silvas, pode ser
tomada pelo lobo que espreita. E se a ovelha se perde, o rebanho fica diminuído. E que será
do pastor que deixa tresmalhar-se o rebanho? Mais lhe valia perder-se ele também, pois ido
perante o Senhor dos rebanhos, que responderá ele pela ovelha perdida? Assim é com o
homem também. Por isso o Livro foi escrito, para que nada se perdesse nem do homem nem
de outra criatura. E o Livro foi dado ao homem, para que ele visse aí um sinal e o seguisse.
92.3 Assim, é o Livro como um pastor e, aquele que o escreveu, como uma luz oculta. Mas
seguido o Livro e realizada a Obra, a luz revela-se e o profeta é realização do seu Senhor e
sinal Seu e testemunho da Sua vontade, pois não há verdadeiramente um profeta e um
Livro, mas unicamente um espírito de luz que é o profeta e é o Livro. A esse deveis seguir,
pois ele é verdadeiramente o pastor que vos guia.

92.4 Um sinal vos enviei: um sinal e três espíritos de justiça, para que o Livro se faça como
toda a Obra Sagrada. Três partes ela tem. Três partes ele há-de ter: uma para cada espírito
e, feito o Livro, o sinal estará dado e do rebanho só se perderá aquele que dele se quiser
perder. Eu vigiarei, mas a mim não vereis, pois que vos enviei os meus profetas e os meus
espíritos de justiça e se deles não fordes dignos, como o haveis de ser de mim?
92.5 Tornai-vos dignos: eis a minha vontade para todos vós; realizai o Livro e realizareis a
Obra no que é parte vossa, pois a realização da minha Obra é dignificação vossa e caminho
para mim, mas não cuideis que vos hei-de receber tal como sois. Primeiro tendes de
percorrer o meu caminho e esse caminho chama-se realização da Obra e chama-se espírito
de justiça, pois que será de vós se não fordes pelo meu caminho ao que há de melhor em
vós? Para esboços não vos quererei. Se me amais, tereis de o provar pela justiça e tendes de
o realizar pelo amor, que é sinal meu e selo vosso, sobre todo o acto que fazeis.
92.6 Assim vos hei-de pesar e à vossa Obra: pela justiça e pelo amor que nela haja. E se a
justiça e o amor forem grandes, mais prémio haveis de ter, pois a minha balança é justa e
fiel é o seu destino. Mas tende cuidado, para que não aconteça que vindos até mim não
sejais dignos de mim. Então a minha balança se inclinaria para o abismo e nele havíeis de
cair. Por isso vos digo: segui o Livro e realizai a Obra que há nele e ide perante os meus
profetas e os meus espíritos, antes de virdes perante mim, para que eles vos sondem o
coração e vos dêem o baptismo pela água da vida e vos purifiquem, pois aquele que vem a
mim e vem em mácula, esse será devorado pelo meu fogo e perder-se-à. Vinde a mim, mas
ide primeiro perante aqueles que enviei antes de mim, para que vos purifiquem.

92.7 Em toda a Obra há um centro e uma periferia e entre um e outro há um sinal. Assim,
eu sou o centro da Obra que realizais, e na periferia está o mundo e estais vós e estão as
criaturas todas. E entre mim e vós está o meu Livro e estão aqueles que são o meu sinal
para vós, pois o caminho que dista do centro à periferia é grande e cheio de armadilhas e eu
quero-vos para mim, não para que vos percais vindos em busca de mim. Assim, mandei que
se fizesse um livro, como um sinal do que sou e do que sois também, para vos guiar no
caminho do regresso, pois alguns de vós me têm procurado e se tem perdido e outros me
tem procurado e achado, quando já o não esperavam, e o maior número de vós nem me tem
procurado nem se tem perdido, antes me tem olvidado.

92.8 Se me quereis, tendes de me procurar. Procurai-me como os namorados se procuram


um ao outro, entre o receio e a satisfação que o amor dá. E não temais, pois os meus
espíritos estão no meio de vós para indicarem o caminho do regresso. Assim me
encontrareis: como um namorado há muito procurado; assim me encontra a ovelha perdida:
como um pastor muito desejado, pois a ovelha que se perde do rebanho descobre o amor e
ama mil vezes mais o seu pastor; assim me amareis vós, pois que tendo-me procurado vos
perdestes de mim e eu vos receberei como o pastor recebe a ovelha perdida: com alegria e
festas. Pois não é toda a ovelha uma parte do seu pastor? E perdida a ovelha não fica o
pastor mais pequeno? Assim acontece convosco e comigo. Se vos perdeis, também eu me
perco em vós; encontrai-me, pois, e eu me encontrarei também.

93
93.1 O espírito do Senhor é como uma montanha ardente no cimo da qual está um templo
de luz. Dos quatro cantos da terra, por caminhos difíceis e fáceis, afluem aqueles que O
procuram, pois o mundo é como uma bola de escuridão onde só brilha a montanha sagrada.
93.2 Assim se destaca o Senhor sobre o horizonte: como uma luz. E chegados perante a
montanha e vendo a sua dimensão infinita, pasmam do Senhor e da Sua Obra e reverenciam
a Obra e o Senhor da Obra, pois O vêem tal como Ele é: uma luz imensa e incandescente.
93.3 Uma montanha e um templo: eis toda a verdade que há no mundo. E entre a montanha
e o mundo mil caminhos. Assim o Senhor se mostra àqueles que O procuram: mil caminhos e
mil enigmas e para todos os enigmas uma só solução: o amor do Senhor e a realização da
Sua Obra. Assim se realiza o mundo, ciclo após ciclo, por amor ao Senhor e à Sua Obra. Mil
caminhos e mil servos por caminho, pois a Obra é vasta e tem as dimensões do mundo. E
que é o mundo, senão a Obra toda? Não só a Obra que é raiz da matéria, mas também a que
é raiz do espírito e da palavra e da profecia.
93.4 Assim é a Obra como um mundo completo e total. E que é cada mundo, senão uma
parte dela? Uma parte pequena e ínfima! Não o todo, mas a parte, pois só há totalidade no
Senhor e no Seu mundo.
93.5 Assim cada coisa é parte da Obra mas não é total nem completa. E o Senhor a tem em
si, como coisa Sua. E a toma ao caos e lhe dá a vida, para que ela viva. Mas cumprido o seu
destino, de novo a toma e lhe dá a dissolução, que é a transformação das coisas e dos seres.
A isso o homem chama morte e vida, mas o que há é um fogo que ora se acende ora se
apaga, consoante o Senhor o quer ou nega. Assim é o Senhor aquele que dá e aquele que
retira e em tudo isso há apenas Obra e perpetuação da Obra, por amor à lei e à justiça.

93.6 Só há um Senhor e um mundo. Ao mundo dá-se o nome de Obra, pois ele é como uma
coisa sempre inacabada. Ao Senhor não se dá nome, pois não há nome que O contenha,
antes Ele contém tudo que tem nome ou que o não tem nem teve. Entre o Senhor e o mundo
está a Obra, que é parte do mundo e parte do Senhor; parte daqueles que vieram para
realizar o mundo e parte daqueles que vieram pelo Senhor, para realizar a Obra.
93.7 Assim é o mundo composto por duas classes de seres: aqueles que se originaram no
mundo e aqueles que se originaram no Senhor; uns feitos de carne e de sangue, onde dorme
a chama viva; outros feitos de chama, onde habita a carne e o sangue, como coisa menor e
passageira. A ambos o mundo foi entregue, para que o realizem no amor à Obra e ao Senhor
e em todos os ciclos há aqueles que ascendem ao Senhor, subindo a Sua montanha sagrada e
penetrando no Seu templo, que é de luz. Então o Senhor os toma à carne e ao espírito do
sangue, que é o espírito da terra, e os leva perante o altar para que sejam consagrados a si
e depois os faz passar pelo Seu fogo, para que se transformem em luz e vida e, assim
transformados, Ele os coloca como colunas do Seu templo ou os devolve ao mundo, para que
perpetuem o Seu nome e realizem a Obra.
93.8 Isto tem acontecido desde que a Obra teve o seu início e assim será enquanto o ciclo
da manifestação não cessar, por vontade daquele que tudo criou e mantém.

93.9 Uma Obra e uma Vontade: isto é o fogo que encarnou na carne e na terra, para
realização da carne e da matéria, do sangue da carne e do sangue da terra e dos espíritos
que há nisso, pois há aqueles que vieram pela carne e pela terra e nela se realizam e há
aqueles que vieram pelo sangue, que é como um fogo líquido, e no sangue se hão-de
realizar. E acima de todos há aqueles que não têm pactos com a carne nem com o sangue,
antes os têm com o fogo e com o espírito que há no fogo: esses se realizarão pelo fogo.
93.10 E em tudo isto está a vontade do Senhor, como um sinal para a criatura, pois não há
um mundo e um Senhor, mas um Senhor que tem para si um mundo. E se o mundo se realiza
é porque houve realização naquele que o criou; mas se a Obra não se realizar, no amor do
Senhor e na Sua Lei, para que servirá ao mundo realizar-se?
93.11 Que aquele que procura a realização do mundo procure primeiro a realização da Lei,
pois só no seguimento da Lei haverá realização do mundo e, cumprida a Lei, é o mundo que
nela se cumpre. Então o Senhor o pode tomar para si, como coisa feita e realizada, e o pode
levar perante o Seu altar e nele o depositar, como uma oferenda ao Seu espírito e tendo-o
assim tomado às leis da matéria, delas o pode libertar. Isto o fará como um sinal sobre as
estrelas e o firmamento, para que a treva o veja e dele tema, como a sombra teme todo
aquele que tem a luz consigo.
93.12 Tudo isto o Senhor fará, não para si, mas pela Obra, pois até a treva faz parte da
Obra. E, se houver medo na treva, haverá esperança para ela e a sombra virá para mais
perto da luz e poderá ser tomada por ela.
93.13 Isto o Senhor quer: que os Seus servos sejam como um sinal de si, para que a sombra
se transforme em luz e a treva seja vencida.
93.14 Então haverá glória sobre a terra e no firmamento também. E todo aquele que nascer
então não estará dividido entre a treva e a luz, mas será como uma coisa só. Nesse o Senhor
estará presente, em espírito e verdade, e do Senhor e da Obra haverá consciência plena e
plena realização.

94
94.1 Do limbo o Senhor o chamou para realizar a Obra e ele se fez homem e tomou para si o
fardo da carne, para que a Obra tivesse voz.
94.2 Isto aconteceu nos últimos dias do ciclo do homem, antes que o Senhor viesse pelo
homem e pela sombra. Isto aconteceu para que todo aquele que vivia pela luz, pela luz se
não perdesse, antes a pudesse realizar.
94.3 E os justos se juntaram no extremo da terra, em redor da voz do Senhor, e sobre a voz
testemunharam o seu fervor e a sua fé. Então o Senhor veio sobre eles, como um fogo
subtil, e eles o receberam em si e não mais tiveram dúvida do que é da Obra e do que é da
treva, do que é do homem e do que é da sombra.
94.4 E tendo recebido o Senhor como um fogo, em consciência eles se transformaram e
pelos quatro cantos da terra eles foram, para anunciar a boa nova.
94.5 Isto será a grande diáspora, no fim do ciclo do homem. Por isso está escrito: dos
confins da terra partirão aqueles que vieram para realizar o Cordeiro e para realizar o seu
reino, que é o da Criança e do Santo Espírito. Eles darão ao mundo e aos povos uma nova fé,
firmada sob o sacrifício do sangue, para que o pacto entre o Senhor e a terra seja renovado.
94.6 Então a treva não terá poder sobre o homem, mas unicamente sobre a sombra. E dia
virá em que nem sobre a sombra o há-de ter, pois há o dia do Senhor e o dia da treva e,
vencida a treva e banida a Besta para o abismo, só restará o Senhor e a luz. Então a sombra
será transformada, pois não haverá lugar que a luz não penetre: seja na caverna profunda
seja na planície. E a sombra se penetrará de luz, como um véu se penetra do corpo que
esconde. E a luz estará nela e lhe dará corpo.
94.7 Isto o Senhor quer para a sombra, como o quer para o homem, como o quis para a
criatura, e lho dará quando a treva for vencida.

94.8 Como voz ele veio e em carne se transformou: carne onde arde o fogo do espírito.
94.9 Assim o Senhor o criou: uma voz de fogo, para que o homem nela cresse e por ela se
redimisse. E o enviou ao homem, diante de si e do Cordeiro, para que ele testemunhasse
sobre o reino da luz e do Cordeiro.
94.10 E ele o fez dando testemunho da sua fé e pela sua fé escreveu o Livro e no Livro a voz
habitou, como o eco habita a caverna, ou a luz habita a chama.
94.11 Assim o Senhor se manifestou como voz e como fogo: voz que ecoa no deserto e fogo
que devora a carne e o espírito do homem, para o reconduzir a si.

94.12 Um profeta eu vos enviei: uma voz. Segui a voz, mas não vos esqueçais que por detrás
da voz estou eu.
94.13 Realizai o Livro, realizai a Palavra, mas não vos esqueçais que todo o livro é letra
morta se nela não houver o meu espírito.
94.14 Amai e realizai a Obra, pois nela está o vosso destino, mas não vos esqueçais que toda
a obra é frágil e incerta se eu não estiver nela.
94.15 Ide perante a treva e desafiai-a, mas tende cuidado, pois se eu não for convosco para
vos alimentar de fogo, como regressareis ao mundo? A treva também é um Senhor. As suas
ilusões multiplicam-se. Um passo em falso em redor dela e eis-vos perdidos para mim.
94.16 Cuidais que vos engano, dizendo isto? Mais vos enganará a treva, dizendo-se minha
filha, pois nela não pus a minha semente nem a quero; antes a pus em vós, pois para filhos
vos quero.
94.17 E vos enganará ainda, dizendo-se coisa minha e parte do que sou e muitos de vós a
haveis de crer assim, como parte de mim. Então nela consentireis e lhe fareis sacrifícios de
sangue, julgando fazê-los por mim. E ela tomará o vosso sangue e nele o vosso espírito e
dele se alimentará como a fera se alimenta de carne. Então não mais sereis dignos do que
sou, porque duvidastes de mim.
94.18 Não vos quero pelas vossas dúvidas nem pelas vossas certezas: quero-vos pelo vosso
amor e pela vossa fé. E se me amardes, não haveis de pactuar com a treva, nem ter com ela
trato algum, antes a denunciareis no vosso entendimento e lhe negareis a minha chama, que
é vosso penhor perante mim, e eu vos receberei quando a hora vier e rejubilareis, pois
fostes tentados e resististes.

94.19 Alguns de vós cuidam amar-me, porque seguem aqueles que vieram em meu nome,
mas eu vos digo que só me ama aquele que não seguir nome algum, seja de homem ou de
besta.
94.20 Seguir-me-eis quando apenas a vossa fé vos guiar no labirinto que é o mundo, pois a fé
é como uma chama intensa que ilumina tudo em redor. E qual de vós, armado assim, temerá
a treva e se deixará seduzir por ela? Esse não há-de temer, esse será aquele que elegerei
para coluna do meu templo, pois sobre os seus ombros o mundo já descansa.
94.21 É isto que quero para vós: uma fé intensa, um amor profundo. E na vossa fé e no vosso
amor eu estarei, como a semente está no seio da terra, à espera que o momento ansiado
chegue. Então a semente se fará flor e dará fruto.
94.22 Assim eu o darei também em vós, quando o vosso momento chegar. Esse será o
momento do vosso sacrifício, pois a carne já vos não poderá conter, apenas eu vos poderei
tomar e dar-vos outro reino e outro corpo para que a minha luz seja como uma consciência
nova em vós e para que possais despertar dos ardis da treva e dos ardis do mundo.
94.23 Assim vos quero: acordados. Por isso vos invoco do limbo, onde estais, nem carne nem
luz, quase só sombra. E vireis ao meu chamado, como o meu profeta veio. E haveis de
escrever o meu Livro com o vosso sangue. Pois que é o Livro, senão o vosso destino? Escrevê-
lo-eis mil vezes e outros o escreverão convosco, indo onde ireis por amor à Obra e a mim.
94.24 Assim o Livro se cumprirá e o meu profeta se cumprirá nele e eu me cumprirei em vós,
pois não há partes distintas na Obra, mas uma só coisa nela.

95
95.1 O espírito da Obra é como uma semente oculta: enterrada na terra, as raízes
mergulhadas no lodo, aguarda o momento da revelação; só então se transformará numa
árvore de porte majestoso e dará fruto. Não um fruto qualquer, mas o fruto que o Senhor
anunciou ao homem desde que o tempo do homem começou, e cada homem irá perante a
árvore e nela tomará o seu fruto e o comerá e no fruto estará a sabedoria e a luz e o
entendimento da Obra. E o entendimento do Senhor, também.
95.2 Isto acontecerá para que o homem entenda a Obra e entenda o Senhor da Obra e com
ela se possa solidarizar, pois aquele que não se aproximar da Obra em amor e comunhão,
também não poderá realizar a Obra, nem o Senhor terá lugar nele.
95.3 Assim é preciso que haja amor no homem, para com a Obra e para com o Senhor, para
que haja realização do homem e, através dele, do mundo, já que não há duas coisas
distintas, a Obra e o homem, mas uma só, e, realizando-se o agente, realiza-se a Obra e
encerra-se o ciclo do homem.

95.4 Um sinal da Obra o Senhor nos deu: esse sinal chama-se João. Não o homem, mas a
árvore. E João alimenta a árvore como o lodo alimenta a terra e a semente nela oculta,
para que a árvore dê bom fruto e o homem dela se possa alimentar. Assim João não é
homem, mas arquétipo de homem: não a forma, mas a essência que há nela.
95.5 Como uma luz velada e secreta: assim é João. Como uma árvore com mil ramos: assim
ele aparece perante o homem. E o Senhor ora lança um ramo ora outro sobre a face do
mundo. E o ramo lançado transforma-se em bastão e o Senhor caminha amparado nele.
95.6 Assim João é invocação da força do Senhor e é fogo dele. Não um bastão feito do fruto
da terra, mas um bastão feito da terra e do céu: do lodo e do fogo.
95.7 E o Senhor ergue-o sobre o firmamento do mundo e o céu e a terra convergem nele. E
ergue-o sobre a face daqueles que vêm até Ele em oração e o fogo queima-os, e eles
transformam-se em fogo e em luz.
95.8 Assim é João como um fogo que caminha pela mão do Senhor. E vai onde o Senhor vai
e não tem outro senhor que não Ele. Por isso ele é a seiva da terra e a seiva da árvore que
sustenta o firmamento, e a seiva do homem que toma da árvore e come o fruto do
conhecimento.
95.9 João o alimenta e o sustenta e lhe dá a base em que se formar, tal como a árvore
sustenta e torna firme a terra em que se alicerçam as raízes, pois o mundo seria coisa frágil
e incerta, não fosse o fogo que o devora.
95.10 Assim o Senhor lançou João sobre a terra e entre a terra e o céu o colocou como a
coluna mestra do Seu templo e em redor dele lançou as bases da vida e da eternidade, para
que o homem se perpetuasse na carne e no sangue. E estas são três e sete e doze e em
redor delas um outro número infinito. Assim tem sido e assim será até que o ciclo da
eternidade se realize no Senhor, pois só o Senhor abre e encerra os ciclos.

95.11 João é a vida e a vida é a seiva que há no homem. Esta seiva chama-se sopro e chama-
se sangue. No sangue o Senhor o colocou, como colocou o fogo do homem sobre o seu
coração, para que o homem o guardasse como um segredo. E o fogo habita o homem e é o
segredo do homem e é o presente do Senhor para ele. Assim é com João também. Por estar
no sangue, está para lá do homem e está com o homem e, realizado o homem, realiza-se o
sangue e realiza-se o Santo Espírito, que é espírito do homem e da Obra, e assim se realiza
João.
95.12 Isto tem acontecido desde que a seiva corre no homem. E realizado o espírito, o
homem vai perante o Senhor e é tomado à seiva e esta é feita em fogo e em luz e João é
libertado nele. Assim João é como um fogo que cresce sem cessar sob a face do seu Senhor.
Por isso não está ausente da terra, mas vive nela como um fogo oculto. Pois que é a terra,
senão a sua casa? e que é o fogo da terra, senão o seu fogo? E o espírito da terra dá-lhe a
mão como um irmão a dá ao outro, para que juntos cresçam.
95.13 Assim é João como um filho do céu e da terra; não um homem, mas a semente do
homem. E a semente está ígnea e o Pai e a Mãe estão sobre ela, envolvendo-a e purificando-
a; não como corpos sobre corpos, mas mãos estendidas e, entre uma e outra, o fogo que é
João.

95.14 Um fogo e um espírito e, sobre ele, a mão do Pai estendida e sob ele a da Senhora,
guardando-o, pois é fogo oculto e ignorado, até que as duas mãos se unam e se cerrem
sobre ele, para o lançarem entre as estrelas feito sol de raro e intenso brilho.
95.15 Só então João se realizará, pela luz que não nasce da terra e do fogo, mas que vem do
Senhor. E isto há-de acontecer quando os ciclos da terra e do homem se tiverem cumprido
em João e quando todo o sangue estiver na taça, que é a Grande Mãe, e Ela o levar perante
o altar do mundo e o Senhor o abençoar. Então tudo estará cumprido, seja na terra seja no
firmamento e será o ciclo de João.

96
96.1 Uma mão ardente no céu: eis o sinal do Senhor. E no meio da mão um olho aberto e
fixo sobre o homem.
96.2 Assim o criador vela pela criatura e orienta a sua marcha de regresso à casa onde
nasceu, pois que a vida na forma não é mais que um exílio, uma dor do corpo e da alma,
que só termina pela reconciliação.
96.3 Então o Senhor tomará a forma da criatura e a dissolverá pelo poder do fogo e a
criatura se achará liberta do peso da carne e do pacto do sangue.
96.4 Então as forças da terra não terão poder nela, nem a treva nem a sombra ordenarão
sobre o seu destino, pois o Senhor a tomou à carne e da carne a libertou e a criatura acha-
se na luz e na luz se conforta.

96.5 Um reino eu vos preparei onde a morte e a dor não existem; não sobre a terra, pois a
terra é barro dividido, reino onde reinam dois irmãos. Na terra haveis de preparar a vossa
casa e a vossa força e a vossa luz há-de crescer por oposição vossa ao mundo. Mas na terra
não haveis de permanecer para lá da hora do corpo, que é a hora da revelação do que sois.
Nela permanecereis para que a hora venha e com ela venha a luz. Não permanecereis para
lá da hora do homem, que é a vossa hora, antes vos afastareis dela e a esquecereis, pois
terminada a hora do sangue, fecha-se o ciclo e a treva é dada à treva e a sombra é dada à
sombra e vós sois dados à minha luz para que vos redimais em mim.
96.6 Assim eu o quis quando vos dei ao mundo, não como parte do mundo, mas como parte
minha. E se vos dei ao mundo, foi para que realizásseis a Obra. Mas tendo-o feito, que
interessa o mundo? Antes a Obra interessa que o mundo, pois o mundo é como o altar da
Obra e realizada a Obra, para que serve o altar? Assim estais vós e está o mundo.
96.7 Eu vos tomarei ao mundo quando a hora vier para vós, e do mundo vos afastarei, como
a Obra se afastará do altar que a viu nascer, pois a criança deve crescer sem a sombra
daqueles que lhe deram a semente da carne por vida.
96.8 Também vós haveis de crescer para lá do mundo e das coisas do mundo, pois sois como
filhos muito amados perante mim e eu tenho para vós um lugar de eleição: aí não haverá
choros nem lamentos, antes haverá luz e luz apenas, e leite e mel por alimento e me tereis
para vós, como agora vos tendes uns aos outros, e me vereis em cada um de vós, pois em
todos vós eu habitarei.

96.9 Julgais-vos meus filhos porque me seguis, mas eu vos digo que só me segue aquele que
de tudo abdica por amor a mim e à Obra. Esse eu tomarei à carne e o farei livre da carne;
para esse está preparado um lugar no meu templo e nele ele há-de habitar.
96.10 Mas daquele que não me amar nem realizar a minha Obra, que hei-de eu dizer? Mais
lhe valeria dar-se às trevas, pois maior seria o seu prémio; desse eu não recordarei a face,
nem o nome, nem a descendência, pois que usou mal o meu amor e julgou erradamente a
minha Lei e não escutou a minha palavra pela boca dos meus servos, nem parou para a
ouvir, antes seguiu adiante, como se a palavra não fosse sinal de mim. Esse não será salvo,
antes será deixado ao mundo para que o mundo nele permaneça e a sua chama se perderá e
a sua alma lhe será tirada e para ele não haverá Lei ou Palavra de Salvação, mas apenas
trevas e sombra.
96.11 E não cuideis que vos ameaço, antes vos digo que assim será, não por mim, mas pela
Lei. Sobre ela haveis de ir e testemunhar e ela vos verá por dentro e vos elevará a mim, se
fordes dignos, ou vos rebaixara ao mundo, se o não fordes, pois a escolha é vossa e eu
observo apenas o que fazeis e amo aquele que me ama e me serve e, ainda, aquele que me
serve, não me amando; mas ao que de entre vós nem me ama nem serve, que posso dizer,
senão que o deixo entregue a si?
96.12 Assim sois vós que vos condenais perante a minha face e não eu que vos escolho, pois
perante mim todos sois dignos de amor e a todos vos quero para meus filhos, mas em todo o
campo lavrado há a erva boa e a daninha: a boa aproveita-se para o gado pastar e para
alimento do homem, mas a má dá-se ao fogo, pois nem para o gado serve.
96.13 Assim é o mesmo convosco: há aquele que é boa erva e há aquele que a não é. Do
primeiro me hei-de alimentar e o meu fogo também; mas do segundo, que hei-de fazer?
Lançar-lhe o fogo, ou abandoná-lo, tanto faz. A treva o tomou antes de mim, na treva ele
vive, mesmo não o sabendo e, chegada a hora da treva, com ela esse há-de caminhar, pois
que escolheu mal e voltou-me a face e não me quis ver. Então a treva o tomou para si e ele
o quis.

96.14 Há a treva e há a luz e entre a treva e a luz estais vós e está o mundo, que é uma obra
vossa. Por isso o mundo vos foi dado, para que o realizeis.
96.15 Pois que é o mundo, senão um espelho vosso? E cada criatura, que é, senão algo vosso
também? E se há boa e má criatura sobre a terra e nos céus e sob as águas, é porque vós
também sois assim: bons e maus e nem uma coisa nem outra.
96.16 Pudésseis ser todos um só espírito perante mim e eu vos receberia no mesmo instante,
mas sois diversos na aparência e no conteúdo; diversos na forma e naquilo que a forma
esconde.
96.17 E de entre vós há aquele que me serve, porque viu a minha luz e se lhe entregou e
nesse eu vivo, e há aquele outro que não me viu nem me procurou, e nesse eu só habito
como um segredo. E há ainda aquele que, tendo-me visto, me voltou a face e foi adiante;
esse negou a minha luz e negou-me a mim e deu-se às trevas e as trevas o tomaram de mim.
96.18 Assim sois vós e é o vosso mundo e é toda a criatura nele existente. Por isso haveis de
o realizar, para que realizeis a sua unidade e, se o fizerdes, haveis do ver nele um só
espírito, que será a soma do que sois todos vós.
96.19 Então o mundo se fechará sobre si como uma concha se fecha sobre a pérola oculta e o
mundo permanecerá assim, recolhido e oculto, pois o vosso espírito já não está nele mas em
mim e perante mim virá e permanecerá até que o envie de novo para realizar a última fase
da Obra. Então haveis de voltar ao mundo, mas já não em carne e antes em espírito, e o
mundo se há-de abrir como a concha se abre para a luz e no meio do mundo brilhará a
pérola que é o Santo Espírito, esse que eu mandei para encarnar no mundo e realizá-lo.
Então haveis de voltar a criar, mas na harmonia e no amor e cada criatura vossa será como
uma luz.
96.20 Isto é o ciclo de todas as coisas e todo o ser participa de igual modo nele, mesmo que
se negue à luz e se dê à treva, pois também na concha existe a parte dura e negra coberta
de limos e, aberta a concha e tomada a pérola pela mão do homem, ou do seu Senhor, que
resta à concha? Um cofre vazio: eis a concha sem pérola.
96.21 Tende cuidado para que não vos aconteça tal, antes amai a pérola, que é o meu
espírito perante vós, e amai a luz, que é a vida da pérola, pois nela vivereis quando a hora
soar e a pérola se transformar em luz.
96.22 Assim sereis salvos pela vossa mão e vireis a mim. Mas se vos derdes à concha negra e
aos limos, que será de vós, quando a pérola partir? De que servíreis? Lançada no abismo sem
fundo, a concha é sugada e ei-la que se faz pó e lodo marinho. Assim o sereis, se vos
negardes à luz.
96.23 Não cuideis que existe salvação na treva, pois nela só há negação de mim e mais nada;
não uma luz oposta à minha, mas a ausência da minha luz: eis o que a treva é. E se eu lhe
recuso a face e lhe nego a minha sombra, nem isso ela será, mas escravidão e negação de
tudo, pois não julgueis que existem dois Senhores perante vós: um de trevas e outro de luz;
existo eu que sou tudo e existe a minha sombra, que é parte do que sou. E terminado o meu
ciclo de manifestação e apagada a luz que acendi sobre a face do firmamento, eis que a
sombra cessa e só fica a matéria rude e negra a perder de vista. Não a treva, mas a Grande
Senhora.
96.24 Pois nem perante a Senhora a treva existe, mesmo que em sonhos. Existe para vós,
porque é fruto vosso, e de vós se alimenta como a cria se alimenta da mãe, sugando-lhe o
leite e a vida. Assim também vós alimentais a treva, estabelecendo pactos com ela e dando-
lhe o vosso sangue e a luz, que é segredo vosso e penhor meu. Mas dia virá em que nada
tereis para lhe dar, porque o ciclo se fechou e a minha luz se escondeu de vós e só existe no
centro de mim. Então a treva se dissolverá na escuridão e aquele que a ela se tiver
entregue, na escuridão será dissolvido.

97
97.1 Só há um segredo sob o céu e a terra: a serpente e o dragão. Aquele que segue o
caminho da terra, segue a serpente, realiza a sabedoria; aquele que segue o caminho do
dragão, segue o céu, realiza a inteligência.
97.2 Alcançada a sabedoria, é a inteligência que desperta; realizada a inteligência, é a
sabedoria que acorda, pois que não há duas verdades no Ser, mas uma só com dois rostos. E
se fita o passado, fita com olhos de serpente; mas se fita o futuro, é com olhos do dragão
que fita.
97.3 Assim o Senhor e a Mãe se unem naquele que busca, pois todo o caminho é de retorno
à unidade e só na sua realização há verdade e transcendência.

97.4 Julga errado aquele que distingue entre o céu e a terra, pois que não há tal coisa
como um céu e uma terra: há um corpo unido a outro, uma serpente unida a um dragão. E
há o fruto dessa união: esse fruto chama-se Ser.
97.5 Como fogo, ele existe para alimentar o ser e levá-lo à continuidade, pois não seria
bom que o ser ficasse limitado a si. Assim o fogo que há nele é como uma necessidade de se
dar, pois só na dádiva encontra ele a realização do que é.
97.6 Deste modo se realiza o ser e realiza o plano, pois todo o plano é de continuidade e o
fogo alimenta aquele em que vive e leva-o a aproximar-se de outro, para que ele o tenha
em si. Isto tem sido feito desde que o ser nasceu das cinzas do casamento entre o Céu e a
Terra. Assim, parte dele é Fogo e outra parte é cinzas e o fogo alimenta-se das cinzas e
estas mantêm-no vivo, como se fosse um carvão incandescente.

97.7 Isto também é o homem: uma parte fogo e outra cinzas; uma parte de espírito e outra
de barro. No espírito, tem assento o seu Senhor; no barro, tem assento a Mãe do mundo. E o
espírito une-se ao barro para criar o homem e a transcendência do homem, pois para que
serviria o homem, se não houvesse transcendência dele? Assim se casa, em cada homem, o
Céu e a Terra, a serpente e o dragão, pois todo o homem é parte da Obra e é realização
dela.

97.8 Toda a Obra tem duas partes: a periferia e o centro. No centro dorme a chama, dorme
o Senhor, realiza-se o espírito. Na periferia dorme a matéria, dorme e sonha a Mãe, realiza-
se a carne e o barro.
97.9 Se o homem cresce sobre si, une-se ao fogo e une-se à matéria, e a matéria é
trespassada pelo fogo e torna-se cristalina. Então a Obra torna-se uma só coisa, uma só
visão perante o Céu e a Terra: um ovo de luz dourada. Nesse instante os anjos ficam sobre
ela e lhe pegam e a levam para o firmamento, para que brilhe, pois a Obra está sobre a
terra enquanto se não realiza, mas só ao firmamento pertence. Por isso os anjos são como
um sinal de realização e se eles vão perante o homem, é porque a Obra está feita ali e é
preciso partir. E o homem vai com eles, pela sua mão, e torna-se anjo ou outra coisa.

97.10 Um carvão incandescente: isto é visão da Obra. Um carvão vivo no centro e por fora
coberto de cinzas: isto também é visão. Mas no carvão realiza-se um rubi, parte luz e parte
trevas; parte do homem e parte do ser. E a metade do homem é de vidro e quebra, mas a
metade do ser é de luz e não tem existência. Assim é a Obra e todo o ser vivo: um carvão
incandescente.
97.11 Como um coração suspenso num mar de sangue: o sangue é o mar e é infinito. A luz vai
e vem pelo mar fora: em ondas ela é vista. Isto é o sangue do homem e é o seu espírito da
carne.
97.12 Se o homem realiza a carne, o sangue transforma-se em fogo e este em espírito e em
luz e o homem fica vivo. Não como um carvão coberto de cinzas, mas como um rubi coberto
de luz. E a luz é de ouro e é como um sinal sobre o mundo, para que os homens o vejam e
anseiem por ele.
97.13 Pois não é todo o homem um sinal de vida? Assim, que cada homem seja um sinal para
os outros, um sinal do Senhor e da Mãe e da Obra feita, para que entre o mundo e o
firmamento haja como uma escada e um ponto de partida e outro de chegada, pois só isso é
bom.

97.14 Julgais a Obra terminada, mas toda a obra é sempre imperfeita: só o meu espírito vos
realiza. Tornai-vos obra minha e ele vos fará passar do lodo à luz.
97.15 Assim eu vos quero: luz. E dessa luz eu apartarei três partes: uma ficará no céu, para
brilhar eternamente; outra darei à terra, para que ela cresça e se alimente e a terceira
guardarei para mim, para meu alimento e a porei sobre o altar, na taça.
97.16 É isto que sois: uma Obra e, realizada a Obra, começa o sacrifício. Pois não é toda a
obra o pressentimento de outra mais vasta? E não sois todos vós como um pressentimento
daquilo que eu sou? Assim não vos julgueis realizados porque terminastes a Obra: acabado o
livro, começa o Livro para vós; tendes de realizá-lo, então, no meio uns dos outros: pois
todos vós o sois em carne e em espírito o haveis de ser. Se três o fizeram, foi a mando de
mim; não por si o fizeram eles, fizeram-no para que todos vós o pudésseis saber, pois o Livro
é como um sinal do céu e deve brilhar sobre a terra inteira. E como há-de ser isso, se cada
um de vós não for o Livro? Assim eu vos mando, não que pregueis o Livro uns aos outros, mas
que o tomeis para vós como um presente meu, para que não haja distância ou separação
entre aquilo que sois e aquilo que eu sou.
97.17 E vos haveis de transformar no meu Livro, no meio dos homens, pois eu é que pregarei
e não vós. E dir-vos-ei onde haveis de ir e o que haveis de dizer e fazer, pois a palavra é
minha e não vos pertence.
97.18 Tomai o Livro e recebei-o como os pais recebem o filho, pois ele é como uma semente
de fogo, que deveis acarinhar e fazer crescer no meio de vós, para que dê fruto e
sementeira: assim eu o quero e vos mando fazer.

97.19 Uma parte da Obra está acabada: faltam duas. O espírito veio sobre a vossa cabeça e
derramou a sua luz: uma parte disso está feita e uma parte do Livro está acabada: faltam
duas. Realizai o que falta e cumprireis a Obra toda.
97.20 Então o meu espírito ficará sobre vós e não mais de vós se há-de arredar, até que o
vosso tempo acabe. Ele vos guiará, ele vos falará por mim e vos há-de instruir na Lei e no
espírito da Lei e sobre o que é do Céu e da Terra e o bom e o mau que há, pois o que sabeis
é ainda pouco e é muito do homem e só o serve a ele. Ora eu quero para vós outra
sabedoria: não a do homem, mas a minha e do meu espírito. Assim, o espírito irá sobre vós e
vos fará meus filhos, para que digais a cada um o que tem poder nele e não o que julgais ser
verdade, pois a verdade não é, como a julgais, uma só coisa, mas uma infinidade, e,
perante cada homem, uma verdade é real e outra é falsa e naquela que é real, nem tudo
interessa dizer.
97.21 Quando fordes, pois, perante o homem, em meu nome, não haveis de falar pela vossa
boca, mas pelo meu espírito, pois só ele conhece o que é real e o que o não é, e vos dirá o
que é, e não vos enganará.

98
98.1 O espírito do Senhor é como uma luz que vai diante do rebanho para o guiar. O
rebanho segue a luz e desvia-se dos precipícios e encontra onde pernoitar. Este é o bom
rebanho, porque segue a luz e deixa-se guiar por ela; mas também há o rebanho que não
segue a luz, antes dela se afasta. Esse cai no precipício e perde-se pelos campos sem achar
onde se acolher. Eis a parábola: quem puder entender que entenda.

98.2 Há um Senhor e há um rebanho. A luz é o espírito do Senhor, o rebanho é o espírito do


homem. O espírito do homem é duplo: uma parte está com o Senhor, a outra está com a
Besta. A parte que segue o Senhor sobe à montanha e não se perde, antes lhe alcança o
cume; a parte que o não segue, segue a Besta e os impulsos da Besta e ama o mundo e ama
a carne e regozija-se nela. Os seus caminhos não são os da montanha, mas do mundo e nele
se perde.
98.3 Mas dia virá em que a Besta será desmascarada e o espírito do homem a verá como ela
é: sombra e ilusão. Então a Besta será enviada ao abismo e a ele será amarrada, para que
nele permaneça, e o espírito do homem poderá escolher.
98.4 Isto o Senhor fará nos últimos dias, para que não haja mais engano e ilusão sobre a
terra, ou entre a terra e as criaturas mas apenas consciência e visão da unidade.

98.5 Sobre a mais alta montanha do mundo, um espírito habita: esse é o Senhor, aquele que
não teve início nem terá fim, pois se basta a si.
98.6 Em redor da montanha mil caminhos se cruzam: alguns são íngremes e as suas pedras
soltam-se, provocando a queda naquele que ainda não tem asas; outros são suaves e os pés
neles não se magoam nem há quedas, antes há árvores de frutos para saciar a fome e fontes
para apagar a sede. Mas nestes também há flores narcóticas e aquele que as colhe cai sob o
signo do esquecimento e não acorda mais.
98.7 Tudo isto o Senhor mandou que existisse sobre a Sua montanha, para que só o mais
corajoso e justo dos homens lhe alcançasse o cume.
98.8 E em cada ciclo o espírito do homem vê a luz brilhando sobre a montanha sagrada e
envia aqueles que amam a luz e que com ela estão solidários. Assim há sempre peregrinos
pelos caminhos da montanha e há sempre aqueles que chegam ao seu cimo. Estes são
recebidos pelo Senhor e são transformados pela Sua luz, para que não nasçam mais da
carne, mas do espírito. E quando isto for consumado, o Senhor os faz colunas do Seu
templo, ou sacerdotes Seus, ou os envia de novo ao mundo, para que sirvam a Obra e sirvam
o mundo, resgatando a treva e a sombra.
98.9 Estes são os nascidos da luz, os renascidos. E mesmo que nasçam da mulher, já não
nascem do espírito da carne, mas do Santo Espírito, que é aquele que habita o sangue da
criatura, pois tomaram o Senhor como um sinal sobre si e esse sinal é como uma mão de
fogo aberta sobre as suas cabeças.

98.10 O mundo é a Obra e a Obra é parte do mundo: o resto é do Senhor. Na Obra dois
espíritos existem: o do Céu e o da Terra, aquele que começou e aquele que já era antes do
começo. Um sobre o outro se uniram e o mundo nasceu e com o mundo nasceu o homem e
nasceram as criaturas. E tendo isto acontecido, o Senhor foi sobre o corpo do homem e lhe
soprou um fogo que o habitou.
98.11 Isto foi o começo da Obra no homem e foi o seu espírito. E o homem ergueu-se sobre o
mundo e contemplou o firmamento e o abismo. E sobre o firmamento viu o Senhor e o
adorou; e sobre o abismo viu a Besta e teve medo. Este medo foi o primeiro pacto entre o
homem e a Besta. Assim a Besta entrou no homem, pelo seu coração e pelo seu medo e nele
ficou como uma sombra.
98.12 O Senhor viu isto e teve piedade do homem e enviou-lhe um espírito maior que o seu,
para que o guiasse na escalada da montanha sagrada. Este foi o Santo Espírito, o espírito do
homem enviado pelo Senhor, mas o homem olhou-o e não o reconheceu.
98.13 Então o Senhor abriu o lado direito do homem, por alturas da cabeça e lhe soprou o
espírito nela, como um fogo ardente e uma luz, e o homem o recebeu assim e o reconheceu
como sinal do Senhor e o tomou para si. Eis porque o espírito do homem é santo e tem nele
o sinal do Senhor, e esse sinal é como uma luz e um fogo.
98.14 E o fogo devora a carne, partindo do sangue e subindo ao longo do homem como uma
serpente liquida: isto é o sangue e é o seu espírito, que está vivo. E se o fogo transforma a
carne, o homem vê a luz que há dentro dele e em redor também. Então a sua cabeça se
abre para ele e lhe revela a luz que o Senhor aí pôs. E isso é visto, não apenas por ele, mas
por aqueles que estão em redor dele e com ele têm simpatia, pois a luz do Senhor não pode
ser escondida naquele que a encontrou dentro de si, antes tem de transbordar dele e
alumiar aqueles que a buscam.

98.15 Dois espíritos há na Obra; um terceiro nela habitará e então a Obra será tomada pelos
espíritos e será como um sol de luz imensa, brilhando sobre a face do abismo e do
firmamento, para que o abismo se arrependa e a Besta se apague da face da realidade, pois
a Besta vive, mas só por a luz não ser maior e, onde caminha a luz, não há lugar para ela e
ela se esconde na sombra.
98.16 Mas dia virá em que a sombra será resgatada da face do mundo e a Besta ficará
perdida. Então a Obra brilhará sobre a face do abismo, como um sol de esplendor, e o
abismo se voltará sobre si para se esconder e não o poderá fazer.
98.17 Isto será feito quando o espírito do homem for um só e toda a criatura for uma só coisa
e uma unidade com o mundo. Então a Obra estará completa e o cálice erguido sobre o
firmamento. E esse será o último sinal.

99
99.1 A palavra é vida para aquele que a escuta e realiza, ou morte para aquele que a nega
no seu coração, pois não há os escolhidos e outros que o não são, mas antes todos são
escolhidos e uns vêm ao chamado e outros não vêm.
99.2 Assim é o homem que escolhe o Senhor e não o Senhor que escolhe o servo e, havendo
realização no homem, foi obra dele e preferência sua; e, não havendo, foi também, pois o
Senhor a todos ama de igual modo, justos e injustos, e a todos quer para realização Sua e da
palavra.

99.3 A palavra é como um fogo ardente que desperta no coração do homem e o acorda para
a Obra e para o momento da Obra. Se o homem a escuta, a sua alma desperta e torna-o
parte da Obra e esta realiza-se nele.
99.4 Assim é a palavra como um sinal, um dedo apontado ao coração do homem, para que
ele acorde e veja. E que vê ele quando acorda? O Senhor ele vê a meio da Obra e a meio do
mundo e a meio de si, ancorado no seu coração. Isto ele vê, pois a Obra é a mão do Senhor
posta sobre o mundo, para que haja realização do mundo e realização do homem.
99.5 E se o homem participa na Obra de coração inteiro e a ela se entrega, o Senhor vem
sobre ele como o Céu sobre a Terra e o toma para si e põe o Seu fogo sobre a sua cabeça e a
Sua mão fica a brilhar nele. Assim o Senhor assinala aquele que o tem em si, como sinal Seu
e sinal da realização da Obra, pois não seria bom que aquele que se entregou à Obra
andasse pelo mundo perdido e sem sinal, antes deve andar guiado pelo espírito e ter o seu
sinal por luz, para que aqueles que o vejam possam dizer: ali vai um servo do Senhor, ele
tem o fogo sobre si. A este podemos escutar e seguir, pois nos há-de conduzir na senda
recta e justa, já que o Senhor está com ele.
99.6 Isto o sinal do Senhor faz pelo homem: torna-o guia de rebanho, torna-o pastor e
servo. Pois dia virá em que haverá rebanhos perdidos pelo mundo e nenhum pastor. Então o
Senhor enviará os Seus servos, aqueles que têm o Seu sinal, e eles irão para o meio do
mundo para ensinar a realização da Obra e o espírito da Lei, que é o do amor. E aqueles que
os virem, se tiverem amor em si, os verão, não como homens feitos de carne, mas como luz
e fogo, feitos de espírito, e os seguirão.
99.7 Isto acontecerá no fim, quando todo o pastor se tiver perdido do seu rebanho e este o
tiver negado, pois que haverá um tempo em que o rebanho negará o pastor e o pisará e o
deixará para que seja devorado.
99.8 Virá então uma grande treva sobre o mundo e uma fome e uma sede imensas, e a terra
não bastará para alimentar o homem. E o homem errará de monte em monte e de vale em
vale em busca de consolação e não a há-de encontrar, pois que o Senhor se afastou do
mundo e se recolheu em si.
99.9 Mas este tempo passará depressa, pois o homem olhará para o céu e clamará pelo seu
Senhor e este o ouvirá. Então lhe mandará os justos, para que o consolem, e estes o farão.
99.10 Este será o tempo da pregação do Livro, de uma ponta à outra do mundo, para que
ninguém diga que não escutou a Palavra. Antes todos, a escutarão pela boca dos profetas e
pelos pastores e muitos a seguirão e seguirão o espírito do amor.

100
100.1 Sangue e lágrimas: eis o destino do homem, porque o seu caminho se afastou da Lei e
cedeu às trevas e elas o tomaram como um servo seu. E o homem amou a servidão e
regozijou-se nela e pôs os olhos, não no Senhor, mas na Besta e a Besta o tomou ao Senhor.
100.2 O homem preferiu a treva à luz e a carne e o seu espírito ao fogo vivo. E o Senhor se
afastou do homem e o deu ao domínio da treva, para que sofresse. Esta é a génese do
homem, esta é a génese da Besta e do mundo.
100.3 O mundo tomou a Besta como um senhor seu e lhe cedeu o seu espírito e o mundo foi
dado à Besta e ao homem, pois em tudo tem de haver um senhor e um servo. E a Besta foi o
senhor do mundo e o homem o seu servo.
100.4 Isto tem sido desde há muito e durante muito será ainda, mas virá o dia da Besta e do
julgamento do mundo. Então o Senhor virá sobre o mundo para julgar a Besta e julgar o
homem. E a Besta será enviada ao abismo e ao homem será dado a escolher: ou a Lei ou a
aniquilação, pois que a Besta não tem a luz do Senhor em si, mas o homem tem. Por isso ele
será julgado à parte da Besta e lhe será dado a escolher.
100.5 Mas ai daquele que escolher o reino do mundo e da carne: esse será banido da luz,
esse será banido da esfera do homem e não mais a ela voltará, pois nem tudo é digno do
homem. E no homem há aquele que é da sombra e há o da luz: e são dois. E o Senhor ama o
homem, mas abjura a treva.
100.6 Ao homem será dado a escolher, para que não haja justos e injustos sobre a terra, mas
apenas justos. E no justo a luz do Senhor, como única medida da Lei.

100.7 Um senhor e um servo: eis a justa medida. E tudo quanto for a mais ou a menos que
isto, será violação da Lei e não submissão a ela, pois não é verdade que haja duas coisas no
mundo, mas uma só.
100.8 O Senhor fita a criatura e lhe envia o Seu espírito, para que haja vida nela, e a
criatura toma o espírito e nele vive. Isto é a Lei, e se há amor à Lei, a criatura vive nela e
nela vive o Senhor, como uma só coisa. Mas se não há amor nem obediência, antes perjúrio,
a criatura entrega-se à Besta e pactua com a escuridão. Assim ela serve a escuridão em
lugar de servir a luz e serve a Besta em lugar do Senhor. Isto é escravidão do homem e é
entregar-se à carne.
100.9 Então o Senhor lhe esconde o rosto e o olvida, e o homem mergulha na treva e perde-
se nela, pois aquele que não ama o Senhor ama a treva e é tomado por ela para servo, já
que não há um caminho para o homem ao lado da treva ou ao lado do Senhor. Assim, ou o
homem serve o Senhor ou serve a Besta, a luz ou a treva, a Lei ou a sombra da Lei.

100.10 Anda enganado aquele que julga amar-se a si: não há amor fora de mim. Fora de mim
só escuridão e treva. Eis o que amais em vós: ilusão e treva. Assim a Besta vos confundiu
quando vos deu para amar o mundo e a carne, e vos entregou ao jugo da carne e do mundo,
servos seus.
100.11 Aqueles de vós que amaram a carne e a realizaram, realizaram o reino da Besta e lhe
deram o domínio do mundo. Mas eu vos digo que só há ilusão na carne. E que será da carne
se nela não habitar o espírito do fogo? Muda ela será! Assim será também aquele que se
entregou à carne e ao mundo: de pedra e inerte, sem voz, pois a minha palavra está
ausente dele e, se não houver palavra, como haverá voz?
100.12 Não sois vós que falais pelas vossas bocas, mas a minha palavra o faz. Do mesmo
modo, não é na carne que está o fogo, mas porque o fogo a trespassa, ela vive. Pudésseis
ser feitos de fogo e voz e o meu espírito estaria livre para profetizar e criar o amor da Lei e
o amor da Obra.
100.13 Mas dia virá em que alguns de vós me entregarão a carne e o sangue. Nesses eu
derramarei o meu espírito e eles serão parte minha e a sua voz há-de ouvir-se de uma ponta
à outra da terra, para que não haja mais ilusão sobre o que é meu e o que é da sombra.
Então vireis a mim pelo vosso pé e me recebereis como eu sou e me amareis também.
100.14 Uma grande confusão se instalou no vosso coração, porque alguns de vós julgam amar-
me e amam a sombra; outros julgam servir-me e servem-se do meu nome e outros julgam
estar na minha luz e estão ausentes dela. Tudo isto acontece porque andais perdidos da Lei.
100.15 E aqueles que dizem amar-me semeiam o ódio entre os seus. E os que os seguem
olham para as suas obras e não vêem a Lei, antes a concupiscência e a treva. E alguns
afastam-se porque se lembram do espírito, mas outros cedem.
100.16 Tudo isto acontece àquele que se deu ao mundo. Pois só o mundo engana o homem e
lhe faz ver a ilusão. E o homem ama a ilusão como ama a carne e fixa-se nela.

100.17 Alguns de vós tem-se lamentado perante mim, pois a sombra os engana e lhes faz ver
um mundo dado à sombra. Mas eu vos digo que o tempo da sombra é breve e que para o
justo mais breve ele é. Um piscar de olhos, eis o tempo da sombra.
100.18 Amásseis menos a carne e os seus frutos e a sombra não estaria no meio de vós para
vos seduzir e enganar. Mas uma parte vossa é de sombra e pactua com ela. Assim eu vos
digo que acordeis da sombra e acordeis do mundo que ela criou para vós. Então me vereis
como eu sou: um espírito de liberdade e justiça! E me amareis como a planta ama a seiva
que a faz viver, pois não é verdade que haja uma planta e uma seiva, mas apenas vida.
Assim sois vós e eu: uma só coisa, também, e se me amais, eu desponto em vós, como a flor
desponta no arbusto.

100.19 Que o mundo vos busque como uma semente nova: eis o que eu quero, para que sejais
génese dele e de vós também.
100.20 Não cuideis que a Obra tem os dias terminados, antes os tem recomeçados. E vós
sereis pastores e rebanho e vos seguireis uns aos outros, seguindo-me a mim, pois não sereis
maiores que eu perante o mundo e eu vos mando que o renoveis por amor a mim e à Obra,
que é tarefa vossa agora. Eu vigiarei por vós, mas ai daquele que me quiser enganar no seu
labor! Cuidais que sois da carne? Eu vos mostrarei que sois do fogo, dando-vos o fogo a
provar. Então vereis por vós o que vos é oculto e vereis que só há um Senhor e um servo e
que tudo o mais é aparência disso.

101
101.1 O espírito das trevas é como uma ave de rapina pousada sobre o vosso coração, pois
que se alimenta de sangue e de alma. E vós lhe dais o vosso sangue a beber e ele o toma de
vós e o dá ao abismo e aos que habitam o abismo. Assim se perpetua o ciclo da destruição.
101.2 Isto vós fazeis sem dardes conta. Mas há entre vós alguns que o fazem no
conhecimento e na certeza dos seus actos.
101.3 Para vós haverá perdão ainda, mas não para esses. Pois que vos enviarei o meu
mensageiro para vos falar de mim e para vos ensinar sobre mim e o meu reino. E se o
escutardes sereis salvos, mas a esses outros não lhes enviarei a boa nova, nem dela saberão,
pois para nada lhes serviria.

101.4 Eis que vos tomo ao sangue e dele vos liberto. Eis que vos tomo ao abismo, pois que os
dias do abismo estão prestes.
101.5 A minha hora breve soará sobre a face do abismo, pois há no abismo aqueles que me
temem e aqueles que me desconhecem. E nem toda a esperança lhes será negada, assim
eles escutem o meu grito e a palavra pela boca dos profetas e tanto lhes bastará para
abandonarem o abismo, pois perdido só está aquele que de mim afastou a face para não me
fitar e não aquele que, por me ter procurado, de mim se perdeu. A esse eu me mostrarei
quando a minha hora soar e ele me verá tal como sou e eu o tomarei ao abismo e o levarei
comigo, pois nem tudo pertence ao abismo e à treva e até no abismo há aquele que me
espera.

101.6 Julgais o abismo pouco digno e a sombra inútil, mas eu vos digo que o meu espírito
está onde estão os meus filhos, quer seja no abismo ou na sombra. E tende cuidado, pois até
aquele que se uniu a mim em espírito, pode pecar e cair no abismo. Como vos julgais a salvo
e melhor que eles? Cuidais que o espírito não tem mácula? Só a minha face está para lá da
luz, tudo o que nela vive tem mácula.
101.7 E ai de vós se vos enviar ao abismo para o resgatardes e não o fizerdes. Cuidais que eu
tenho dois amores? Eu só amo aquele que, por amor a mim, vai onde eu quero e faz o que
lhe mando. E se lhe digo que sacrifique no sangue, aí ele sacrifica. E se o mando para
morrer às mãos do meu inimigo, ainda assim ele vai, por amor a mim.
101.8 Isto eu quero para vós: que vos façais como eu vos quero, não de pedra dura ou
granito, mas como barro mole. Pois que hão-de as minhas mãos fazer de vós se fordes de
granito? Antes vos cuspirei do meu rosto e vos afastarei de mim se assim fordes, pois não é o
que sois que eu amo, mas aquilo que sois perante mim.

101.9 Amais a luz como as crianças amam os seus brinquedos, mas dia virá em que até a luz
haveis de esquecer por amor ao que eu sou. Pois como me haveis de ter se vos ficardes pela
luz? Uma armadilha, é o que a luz será para vós se nela vos detiverdes.
101.10 Por isso vos enviarei ao abismo, para o resgatardes e vos resgatardes a vós nele; para
que em contacto com ele vejais para lá de vós, para lá do que em vós é de abismo e de luz,
pois eu sou de luz, mas não estou na luz; e sou de trevas, mas não estou nas trevas; e
mando o meu espírito sobre a face do abismo e das montanhas, mas não estou nem no
abismo nem nas alturas.
101.11 O mesmo eu quero para vós: que possais ir onde o meu espírito vos mandar, por amor
a mim e à Obra, mas que não pertençais a nada, nem à luz nem ao abismo, pois eu não vos
quero por serdes da luz e terdes amor por ela, mas por terdes amor por mim e pela minha
Obra. E se a fizerdes tal como vos mando, então me tereis também; mas se o não fizerdes,
mesmo que por amor à luz, para que vos hei-de eu querer?
101.12 Tende cuidado com o que julgais ser luz e ser treva, pois pode acontecer que andeis
enganados e mais não vejais que os vossos temores e desejos. Julgais que só a treva engana?
Eu vos digo que o engano está no vosso coração e se fordes enganados até a luz vos
enganará também.
101.13 Não é o que vedes que importa, mas o que eu quero para vós e para as coisas. E se as
quero luminosas, as faço de luz e nos vossos olhos eu as ponho para as verdes; mas se as
quero obscuras, as faço de escuridão e vos cego para verdes aí, pois não há tal como treva e
luz, mas unicamente espírito. E há o espírito que está com a Obra e a quer e me quer
também e há aquele que não quer a Obra, antes a abomina e me abomina a mim. Isto é
tudo quanto há.
101.14 Por isso vos digo que resgatareis a treva se vos mandar ir perante ela, pois até na treva
há aquele que é digno da Obra e de a receber em si. E dia virá em que o farei, para vos
testar e ao amor que dizeis ter-me e para que saibais por vós o que é meu e o que não é.
Pois não poderei julgar-vos senão pelo amor e pelas obras.

102
102.1 O homem é como uma casca vazia a meio da qual arde um fogo: este fogo é o Santo
Espírito. É também o sopro do Senhor, que o homem transforma em palavras e em sangue.
102.2 Através das palavras ele alimenta a alma e torna-a grande ou pequena, pois consoante
a palavra proferida assim é a acção nele e é o resultado da acção. E através do sangue
alimenta o corpo e alimenta as raízes do corpo, que são as mesmas da terra, e faz a geração
do corpo que é a da descendência.
102.3 Isto o homem faz, ora moldando o fogo em palavra, ora em sangue, pois o homem
move-se em círculos e às vezes tomba para a direita e outras para a esquerda, mas dia virá
em que ele se poderá mover a direito e para cima. Então ele não cairá sobre a palavra nem
sobre o sangue, antes os unirá numa só coisa que será o seu espírito, e se tornará um só com
ele.

102.4 Um fogo solitário a meio de uma casca vazia: assim vela o Senhor no homem. E ora
sem fim, pois que o homem é como uma ilusão sempre prestes a desvanecer-se.
102.5 Às vezes olha para dentro de si e vê o fogo e rende-se ao fogo e o Senhor vive nele e
fala por ele, mas logo a seguir olha para o lado e não vê o fogo nem dele sabe. E esquecido
o fogo e o caminho do fogo, o Senhor cala-se nele e a palavra adormece.
102.6 Isto é o homem em verdade e não apenas em ilusão: pois é ilusão a carne e os ossos e
a verdade que haja nisso. E também é ilusão a verdade da carne, pois no homem só há uma
verdade, que é o fogo e o sopro que habita o fogo.
102.7 E apagado o fogo e o sopro que o alimenta, o que é o homem senão uma casca vazia?
Uma casca sem alma, pois onde não há fogo, como haverá alma? De que se alimentará ela?

102.8 Uma palavra sem eco, eis o homem que perdeu a alma. E o homem fala no vazio e só o
vazio responde. O vazio e a sombra, a fingir de eco.
102.9 E pobre daquele que acredita no que ouve: esse está perdido, pois que com o eco da
sombra vem a sombra e através dela vem a Besta. E a sombra veste-se de luz para enganar o
homem e onde ele vê luz só há escuridão e vazio.
102.10 Assim o homem se submete ao reino da Besta, pois que, tendo perdido a alma, perdeu
a palavra e o caminho da palavra, que também é o caminho do Senhor.
102.11 E onde não há a palavra também não há o espírito da palavra, nem a alma da palavra,
que é a alma do homem. Assim o homem se perde do Senhor, pois que não tem para Ele
caminho.
102.12 E perdido do Senhor, que será do homem senão uma treva errante? Assim é o homem
que vive sob o signo da sombra: uma carne que erra sem destino, pois só há destino e
objectivo no Senhor e fora dele tudo é erro e ilusão.

102.13 Um destino: eis o Senhor. E que faz o homem desde que nasce senão moldar-se a ele?
Moldar-se e revoltar-se dele, pois que o homem quer e não quer e ora se volta para o sul,
ora para o norte; e busca a sul o que está a norte e a norte o que está a sul.
102.14 E que faz o Senhor senão velar por ele? Pois o Senhor é como um fogo invisível que
espera pelo homem no centro do mundo. E se o homem O procura, o Senhor olha-o nos olhos
e põe-lhe tropeços nos pés, para que repare à sua volta. E o homem cai e levanta-se, mas
repara pouco, pois o homem é como um cego que vê uma miragem: a miragem acena-lhe de
longe e ele vai em corrida, sem olhar em volta. Assim é a sombra para o homem: uma
miragem que lhe acena. E o homem corre para a sombra e esta abre-lhe os braços. Mas por
detrás da sombra está a Besta e por detrás da Besta está a escuridão e o vazio. E o homem
toma a sombra para si e é tomado por ela e o vazio devora-o.
102.15 Assim tem sido e assim é ainda, pois o reino da Besta é o reino do homem e a sua
idade é igual. Mas o tempo da Besta vai cessar em breve e só ficará o mundo e o homem.
102.16 Então não haverá mais ilusão entre o Senhor e o Seu servo. E o homem verá a Deus
como ele é: um fogo de luz. E o tomará assim, para si, para nele se redimir. Este é o destino
da criatura: remir-se no fogo do seu Senhor, deixar-se tomar por ele à carne.
102.17 Pois a criatura é casca de espírito, mas só o espírito conta nela. E a casca é como um
templo onde um sacerdote oficia sobre o altar. Toda a verdade do templo é a do sacerdote
e a do sacrifício, não a da pedra amontoada sobre a pedra, nem a da cúpula que fecha o
templo e o separa de outros templos.
102.18 Assim é também o homem, pois a sua carne é como a pedra do templo e o seu espírito
é como o sacerdote. E se não houvesse sacerdote, para que serviria o templo? E se não
houvesse palavra no homem, para que serviria ao homem ter carne e existir? Pois toda a
verdade do homem lhe vem do Senhor, não de ter carne e de pertencer ao mundo, por a
ter.

102.19 Não é o homem que pertence à carne, mas a carne ao homem. O homem usa a carne
como usa um cajado, para se amparar nela. E escolhido o cajado e temperado no fogo, eis
que se transforma em arma e amparo seguro.
102.20 Assim é também a carne nele, pois que temperada no fogo do Senhor e endurecida por
muitas caminhadas, se transforma em porto seguro e barro dócil nas mãos do oleiro.
102.21 Isto o Senhor faz pela carne e pelo homem: queimar as escórias, transformar a carne
em sangue e este em espírito, pois só o espírito canta.
102.22 E como há-de o Senhor escutar o homem senão pelo canto? Não é toda a vida no
homem como um canto sagrado, um canto sem princípio ou fim? Assim canta o homem para
a alma e canta esta para o seu amado, o Senhor. E o Senhor escuta a alma e escuta o
homem.
102.23 Pois não é verdade que haja um homem e uma alma perante o Senhor, mas antes um
fogo que é sem sexo ou corpo ou sangue. Pois que tendo vivido na carne, já nela não vive e
tendo vivido no sangue, pelo sangue se redimiu. E que é agora senão um fogo? E o Senhor o
toma nas mãos e o leva ao coração, para o tomar em si.

103
103.1 Uma sarça ardente: assim é o Senhor para o homem. E que é o homem para o Senhor,
senão uma terra por lavrar, uma terra por produzir?
103.2 Mas vem o dia do lavrador e a terra é arada e a erva daninha separada da erva boa e a
semente é lançada à terra.
103.3 Então o campo cobre-se de semente e por cada semente nascem mil. E umas o
lavrador separa para si e outras entrega ao seu Senhor e outras dá aos animais e outras
ainda deita fora, por não terem préstimo.
103.4 E ai da semente que não tiver préstimo. Essa não nascerá de novo.

103.5 Uma sarça ardente: eis o Senhor. O homem trepa à montanha sagrada em busca do
Senhor. E chegado perante o Seu Templo e os Seus anjos e os Seus servos, olha e vê a sarça.
E cai de joelhos. Pois o mistério do Senhor é maior que a razão do homem e é em vão que
ele busca entender.
103.6 Assim lhe aparece o sinal do Senhor, como uma sarça. E ai daquele que perante ela
não cair sobre a terra, em reverência. Esse será castigado pelo seu orgulho.
103.7 Pois o fogo devora o ímpio e eleva o manso de coração. E o primeiro é esmagado e
dado às trevas, mas o segundo vê face a face o Senhor.

103.8 Uma sarça sobre uma montanha: eis o sinal. Pois todo aquele que procura deve
encontrar e todo aquele que ama o Senhor O terá para si.
103.9 E que é a montanha senão o mundo? E que é a sarça, senão o anjo da revelação? Assim,
não cuideis que eu estou num lugar distante de vós e do que sois, mas ao contrário, pois
estando estou no meio de vós, onde estais.
103.10 E que aquele que me procura, não parta para terras distantes em busca de mim. Antes
me busque no seu lugar, pois aí me achará. E que aquele outro que nasceu para ser meu
servo, não busque a minha casa nos seus sonhos, pois não há tal coisa como uma casa e
servos. Assim, esse que sirva onde está por amor de mim e eu tomarei a sua tarefa e ela
será coisa minha, pois eu dou e tomo.
103.11 E se me buscais, buscai-me a mim e não àquilo que imaginais ser meu, pois pode ser
que aquilo que buscais seja uma sombra de mim ou de vós. Então vos havíeis de perder.
103.12 Por isso vos digo que não me procureis longe, nem por obras grandiosas, pois a minha
balança é justa e o seu fiel é de ouro e eu a lanço no meio de vós, para vos julgar. E onde
houver justiça, esse ficará comigo; e onde não houver, esse não o hei-de querer.
103.13 Um sinal vos dei: o meu Livro. E no Livro uma lei: a do Amor. Por isso vos digo que a
montanha está onde estais e não longe de vós.
103.14 E que será daquele que não se realizar onde o mandei estar? Cuidais que o vosso
destino é cego? Não o julgueis por vós, julgai-o por mim. Serei eu cego para vos mandar
onde não há Obra a fazer?
103.15 Por isso vos digo: realizai o que sois e a vossa parte da Obra estará feita, o resto é
comigo.
103.16 Mas tende cuidado na realização. Fazei-a perfeita e terminada, pois o meu anjo vela
por mim junto de vós. E aquele a quem ele apontar o dedo será deixado de lado, tal como o
lavrador faz com a semente que não tem préstimo. A esse eu negarei a face.
103.17 Cuidai pois da Obra e realizai-a perfeita, para que o meu anjo não vos aponte o dedo,
antes vos ampare e ajude, pois será sinal de merecimento. E eu o verei e vos cumularei de
bens.
103.18 Mas se a não fizerdes como vos mando, antes dela vos descuidardes, também vós
sereis tratados assim, com descuido. E chegada a hora da revelação e de serdes trazidos
perante a minha balança, onde estará o vosso louvor? Nem na terra nem no céu haverá voz
que vos defenda do ultraje, pois muito vos foi dado e nada fizestes.

103.19 Uma sarça: este sinal vos dou. E a meio dela uma mão: a minha mão, para que me
reconheçais quando vier por vós, pois há um tempo para a sementeira e outro para o
repouso da terra. Mas repousada a terra e aberta a semente, eis que é tempo de colheita.
103.20 Assim será convosco também, pois que vos lancei à terra e destes fruto. E há fruto
bom e fruto menos bom. E pelo bom eu virei e o colherei para mim. E pelo menos bom virei
também e também o tomarei. E a um o hei-de colocar à minha direita e a outro à minha
esquerda, pois assim deve ser.
103.21 Assim, não julgueis por vós próprios o que é bom e o que não o é, pois pode acontecer
que o vosso julgamento não seja o certo e onde vedes trevas, talvez eu veja apenas
ignorância e temor da vida; e onde vedes luz, quem sabe se não há vaidade e ilusão. Assim,
julgai pouco e dai-me a mim o julgar, para que não haja erro nem perjúrio.

103.22 Cuidai da Obra, mas cuidai duplamente dos frutos da Obra, pois o tempo da Obra é o
tempo do homem e de toda a criatura. E o tempo da Obra passará, mas não o do homem e
da criatura, pois realizada a Obra fica o homem por realizar e, terminado o tempo do
homem, outro tempo começará: o meu tempo.
103.23 Assim, tende cuidado com o que medis, seja para bem seja para mal, pois eu sou a
medida certa. Mas quem de entre vós pode medir por mim? E tempo virá em que estarei no
meio de vós para medir. Desse tempo vos fala o Livro e vos falam os meus profetas e os
meus servos. Eles vos falam do tempo da colheita.
103.24 E irei onde não me esperais. E tomarei para mim uma parte de tudo, pois o tempo do
lavrador está prestes. E que sou eu, senão um lavrador? E que sois vós, senão a minha
semente?
103.25 Assim vos lancei à terra e destes fruto. E houve aqueles de vós que muito frutificaram
e esses já os tomei à terra e dela os libertei. Esses são os meus profetas e servos e aqueles
que vos falam de mim.
103.26 E há aqueles outros que frutificaram menos e que adormeceram no seio da terra. A
esses não os tomei ainda, porque não estão maduros.
103.27 E há ainda aqueles que apodreceram sob a acção do tempo e que se deixaram
corromper. Desses nada sei e para eles não voltarei a face, pois que me deixarem por amor
à Besta e aos frutos do mundo e a Besta os tomará para si nos últimos dias, e com ela
ficarão, como vós ficareis comigo, pois que há um tempo e um reino, quer para a Besta quer
para o seu Senhor e, no tempo da Besta, os seus filhos se regozijarão com ela e prosperarão
à face do mundo e muito brilharão sob a face do firmamento, mas será curto o seu reino e
fugaz a sua glória.
103.28 E depois do tempo da Besta há-de vir o do seu Senhor, que também é o do homem, e
aqueles que com o Senhor se ligaram hão-de brilhar com fulgor nunca visto e por tempo sem
fim, pois o tempo da Besta é como um hausto, mas o do seu Senhor não tem princípio nem
fim, antes será o da eternidade.

103.29 Isto vos digo para que o saibais e para que não tenhais medo, pois que a Besta habita
no meio de vós e o vosso tempo é também o dela, mas será curto e passará depressa.
Depois, virá o meu tempo e o tempo do meu reino, que eu preparei para vós, para que o
vivais comigo e com todos os que me servem, para maior glória minha e vossa.
103.30 Mas antes disso muito tendes ainda de passar e batalhar por amor a mim, pois que a
Besta veio por vós e pelo mundo e não se afastará sem luta e muito sofrimento. Por isso vos
envio o Livro, como um sinal de mim, para que saibais disto e vos possais preparar, pois
seria mau para vós que a luta viesse e não lutásseis.
103.31 Assim vos digo: há um campo lavrado e outro por lavrar. E no lavrado há muito fruto à
espera da colheita; no outro só há pedras e cardos e ervas daninhas. E há um lavrador único
para ambos os campos. Mas a um o lavrador quer e a outro quer menos. Assim, dum cuida
com desvelo e do outro não tem cuidado.
103.32 Assim é o mundo também e é a Obra. Em que metade é minha e a outra é da Besta.
Mas dia virá em que julgarei o lavrador e lhe pedirei contas da semente. E o lavrador será
julgado com a semente, pois também no campo por lavrar a semente foi lançada e não deu
fruto.
103.33 Cuidai pois de vós e do campo, para que não vos aconteça o mesmo e tendo florido por
ter havido muito cuidado convosco, e muito desvelo também, vos tornásseis amargos e secos
e nem para estrume vos pudesse ter, pois não é verdade que só haja bom fruto. E, mesmo
no bom fruto, uma parte está salva da corrupção, pois tenho nela a minha mão e é minha,
mas na outra parte não a tenho.
103.34 Assim é o mesmo convosco, pois que até no coração do justo ainda a sombra pode
estar. E se pode estar nele, como não poderá estar em vós, que o não sois? Cuidai pois da
semente e da Obra e sede justos e eu vos tomarei à terra e dela vos libertarei quando a
hora soar.

104
104.1 Uma vara de fogo contra o firmamento: eis o profeta. Uma mão segura a vara. Assim a
mão do Senhor suspende o profeta sobre a face da terra, antes de o largar no meio dos
homens.
104.2 Pois que o profeta é como um mar de chamas e onde vai, vai por vontade do seu
Senhor e não por vontade própria.
104.3 Não há tal coisa como um ser, mas antes uma vara que vai do céu à terra e que é o
centro de uma esfera de carne e sangue. E o Senhor lança a vara sobre a terra para que ela
floresça e ela cobre-se de frutos. Isto é a carne da vara e é o seu sangue.
104.4 E o Senhor prova do fruto e abençoa-o e dá-o ao homem. Isto é sabedoria do fogo. Que
aquele que puder entender, entenda!

104.5 Uma vara na mão do seu Senhor: eis a verdade do profeta. E se o Senhor a lança sobre
a terra, ela cobre-se de frutos. E se não lança, ela queda-se, suspensa entre o ser e o não
ser.
104.6 Assim é a mão do Senhor que torna digna a vara e é o Seu sopro ígneo que a torna viva.
E ai da vara que não conhece a mão nem o sopro: essa não vive.
104.7 Pois também para a vara há o destino, que é o serviço e há a escuridão, que é o não
servir. E se serve, cresce no seu Senhor em glória e majestade. Mas se não serve, definha-se
em si e como vara ela fica.

104.8Uma vara: assim a vedes. Mas eu vos digo que não o é: é antes o meu sopro. Se a vedes
como vara é porque o meu sopro se congelou assim.
104.9 Pudésseis ver para lá do instante que passa e havíeis de ver uma coluna de fogo. E por
cima da coluna o meu trono e o meu templo e os meus anjos e, por baixo dela, na sua base,
o Livro da Vida. E aos pés do Livro os meus servos e o povo a perder de vista.
104.10 Pois que é o profeta, senão a união entre mim e vós? E como há-de ele testemunhar se
não o fizer sobre o Livro? Sobre o Livro haveis também vós de testemunhar perante ele, pois
ele vos falará do Livro quando vos falar de mim, mas tendo-o feito, eis que se calará por
muito tempo.
104.11 Então ireis perante ele, para testemunhar sobre mim e ele vos escutará em meu nome.
E aquele que o fizer perante ele e perante o Livro, eu o escutarei e o tomarei para mim. E
aquele que o não fizer, por temor de mim e da Lei, a esse não olharei na face.
104.12 Mas dia virá em que o meu profeta vos há-de falar de mim, para que vos consoleis. E
muitos o escutarão. E muitos mais hão-de ir até ele sem o escutarem, mas por ouvirem. E
todos serão recebidos.

104.13 Um sinal vos dei: o meu Livro. E para o anunciar, o meu profeta: não um homem, mas
um espírito de justiça vos enviei.
104.14 A ele haveis de ver, pois de carne e sangue o concebi e realizei. E ele estará no meio
de vós até que a minha hora chegue. Então o tirarei do mundo e o tomarei ao mundo e o
mundo não o verá mais.
104.15 Mas isto só farei nos últimos dias, e antes haverá terror e medo sobre vós e nos vossos
corações, pois que vos afastastes da Lei e dela vos esquecestes.
104.16 Disso vos será pedido que deis contas, pois não é justo que o bom e o mau tomem o
mesmo lugar comigo à mesa. E a uns porei à direita e a outros à esquerda, para serem
distintos.

104.17 Uma procissão imensa: eis o que vejo. E ao longe um templo feito de fogo. No cimo de
uma montanha o vejo. Para ele vos dirigis. E uns de vós sabem-no e caminham e outros não
o sabem, mas caminham também. Mas poucos de vós o vêem.
104.18 O templo tem quatro portas e quatro janelas. Guardando as quatro portas, quatro
anjos. Sobre as janelas, quatro espíritos. Nas mãos do primeiro, um livro, que é o Livro da
Vida; nas mãos do segundo, uma vara, que é de fogo e vive; nas mãos do terceiro, uma taça,
que está cheia de sangue e lágrimas; nas mãos do quarto, uma espada, que é de fogo branco
e brilha.
104.19 Eis o meu templo para vós. E a meio dele, defronte do altar, três espíritos velam: são
aqueles que escrevem o Livro. Nesses eu estou em fogo e vida, pois perante vós me revelo
triplo. E três faces haveis de ver, mas só uma sou. Três vedes: não são três, mas uma. Eis o
enigma.
índice de capítulos
O Livro da Vida é aquele onde estão os nomes... 1
Este é o livro de Ioan... 2
Eis o livro da geração dos seres... 3
A vida dos seres é a dor da alma... 4
A Grande Mãe é a alma de todas as coisas... 5
O livro da vida é o livro da geração dos seres... 6
Quando a Palavra soar, quem a dirá... 7
No ovo está o gérmen... 8
Eis a génese dos mundos... 9
As hostes do Senhor vêm sobre o mundo... 10
O espírito do Senhor vigia... 11
A verdade do Senhor... 12
Eis o livro há muito esperado... 13
Este é o livro do Senhor... 14
A palavra do Senhor... 15
No coração do mundo brilha um tesouro... 16
O Senhor é fogo... 17
A palavra do Senhor queima os lábios... 18
A mão do Senhor está suspensa... 19
Na tua geração escreverei um livro... 20
Este é o livro que já era... 21
Que aquele que caminha olhe sempre em frente... 22
A vida dos seres é a glória do Senhor... 23
O sangue é o espírito crucificado... 24
O fogo do Senhor cai sobre a alma... 25
A palavra do Senhor é como uma noz... 26
A carne do homem é como um campo... 27
A génese dos seres começa em Adam... 28
E no terceiro dia o profeta foi devorado ... 29
No principio era o verbo 30
E no sétimo dia o Senhor desceu ao seu mundo... 31
O verbo é a carne... 32
Vejo uma rosa que cresce sem cessar... 33
Vejo um dragão alado cuspindo fogo sobre a terra... 34
E no terceiro dia e na terceira hora o anjo soprou a trombeta...... 35
O anjo do Senhor veio à Sua frente... 36
O Senhor é um guerreiro em luta... 37
Nas entranhas do mundo existe uma caverna oculta... 38
Há sete nações sagradas... 39
No centro do mundo, a Mãe está sentada no Seu trono... 40
Sobre o promontório sacro, uma serpente vela adormecida... 41
Um dragão de fogo: eis a Obra a realizar... 42
No princípio era o caos... 43
Tudo parte do Pai e tudo a Ele regressa... 44
Um grande atanor: eis o mundo... 45
Sobre o mundo, distante e absoluto, o Senhor ora... 46
A palavra do Senhor: eis o dragão... 47
E no terceiro dia e na terceira hora o Senhor visitou o Seu mundo... 48
O reino do Pai é como uma rosa... 49
Sete anjos o Senhor enviou diante de si ao mundo... 50
Eis o livro do Senhor... 51
O Senhor é como um jardineiro... 52
Três fogos há no homem... 53
O caminho do homem é o caminho da dúvida... 54
Perante o Senhor três símbolos brilham... 55
Uma cruz de fogo: assim é o mundo... 56
O espírito do Senhor falou... 57
Uma coluna ardente: assim é o profeta... 58
Quando o livro estiver escrito... 59
Num templo ignorado e oculto... 60
O que é o mundo senão a verdade do Senhor... 61
Exultai, ó filhos da Lusitânia... 62
Exulta, ó Lusitânia... 63
Alegra-te, ó Lusitânia... 64
Um livro selado: eis o destino... 65
Três medicinas há na rosa... 66
Um consolador eu vos enviei... 67
A palavra do Senhor é como o bafo do dragão... 68
O Senhor o concebeu da lava dos vulcões... 69
Só há um Senhor e um servo... 70
Sobre a borda do abismo... 71
Sobre um livro fechado uma serpente dorme... 72
O mundo é como uma torre... 73
O espírito do Senhor... 74
Uma vara sob o firmamento... 75
Entre o céu e a terra... 76
O conhecimento das coisas do céu... 77
Eis o grande vazio... 78
Todo o começo é involuntário... 79
Uma chama no meio de um círculo... 80
O espírito do Senhor está sobre o mundo... 81
A alma é como uma pérola... 82
Há a Obra e há o fazedor da Obra... 83
E no terceiro dia e na terceira hora
o profeta foi perante o seu Senhor... 84
Toda a Obra é incerta se não tiver nela a mão do Senhor... 85
Na sombra se acoita e entre o homem se oculta... 86
Há a Obra e há o Senhor da Obra... 87
A que se há-de comparar a Obra... 88
É o mundo como uma esfera de escuridão... 89
Não há maior alquimia que a transformação da sombra... 90
O Livro não é a Obra, mas um sinal dela... 91
A meio de uma esfera de negridão, uma luz brilha... 92
O espírito do Senhor é como uma montanha ardente... 93
Do limbo o Senhor chamou... 94
O espírito da Obra é como uma semente oculta... 95
Uma mão ardente no céu: eis o sinal do Senhor... 96
Só há um segredo sob o céu e a terra... 97
O espírito do Senhor e como uma luz... 98
A palavra é vida para aquele que a escuta e realiza... 99
Sangue e lágrimas: eis o destino do homem... 100
O espírito das trevas... 101
O homem é como uma casca vazia... 102
Uma sarça ardente: assim é o Senhor para o homem... 103
Uma vara de fogo contra o firmamento: eis o profeta... 104
O Livro da Vida é uma obra que pela sua riqueza de conteúdo, merece uma análise e
reflexão profunda. Neste contexto, existem círculos de reflexão sobre o Livro da Vida onde
são analisadas as ideias e os símbolos, e cuja participação é livre.

Informações:
libervitae@gmail.com

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