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velou-se um período de grande produção, de rigor vem apresentando duras críticas aos novos encami-
sistemático na formulação da Psicodinâmica do Tra- nhamentos. Em paralelo, no mesmo laboratório diri-
balho. É desse fecundo momento que vem a maior gido por Dejours, outra corrente clínica do trabalho
parte dos textos contidos no livro resenhado. Sejam, vem se desenvolvendo desde 1993, liderada por Yves
como dissemos, os capítulos 2, 4 e 5, oriundos do se- Clot. Esta linhagem autodenominada Clínica da Ati-
minário 1986-1988 (escritos de afirmação e transição), vidade (ou Clínica do Trabalho e dos Meios de Traba-
sejam os capítulos 3, 6, 7, 8, 9 e 10, dos anos 1992-1995 lho) 11 reforça esse movimento crítico. Clot critica em
(escritos de maior consistência e indicações preciosas). Dejours o que seria uma despotencialização da saúde
Outro veio da obra de Dejours aqui publicado e valorização da normalidade, assim como considera
vem desde sua participação em um seminário sobre equivocada a proposição de que o objeto da psicodi-
o “modelo japonês”, organizado em 1990 por H. Hira- nâmica do trabalho seria não o trabalho, mas uma
ta 7. Ali já tivemos a oportunidade de sair do estado psicologia do sujeito – “preocupada com a análise dos
absolutamente incipiente acerca das relações entre processos intersubjetivos mobilizados pelas situações
subjetividade e trabalho, no que tange à inteligência de trabalho” 12 (p. 7). Para Clot são as relações entre
da prática, uma das dimensões desconhecidas do atividade e subjetividade que devem estar no centro
trabalho. Naquele momento, Dejours apresentou as da análise. O trabalho é visto por ele não apenas co-
características e condições de mobilização no traba- mo trabalho psíquico, mas como atividade concreta e
lho de um tipo de inteligência criativa, astuciosa e irredutível, continente oculto da subjetividade no
corporal. No texto agora publicado no capítulo 9, ele trabalho 11.
avança nessa mesma direção, retornando à inteligên- Um último capítulo (11), exatamente o mais re-
cia prática e explicitando uma segunda dimensão cente, registra seu manejo crescente da Psicanálise,
desconhecida do trabalho, a sabedoria prática. Uma no esforço de verificar as pontes existentes entre os
temática, entre outras muito importantes, que está teatros do amor e do trabalho, agora incorporando a
presente também em outro livro publicado em 1995 seu modo a questão de gênero. Dejours havia sido in-
(1997 no Brasil), pequeno, sintético e denso, intitula- terpelado sobre a ausência dessa questão no seminá-
do O Fator Humano 8. rio de 1986-1987 por D. Kergoat e H. Hirata (materiais
Outros textos do livro registram a intervenção de publicados no Brasil em 2002) 13. Tratando-se de te-
Dejours no debate acerca da perda de centralidade e ma tão relevante, é lamentável que o artigo em ques-
significado do trabalho. Temos, por um lado, a tema- tão seja o mais frágil. Poderíamos nos perguntar em
tização do plano linguageiro e comunicacional do que medida outros textos mais consistentes do mes-
trabalho (capítulos 7 e 8), por outro a afirmação do mo autor não seriam mais úteis. Poderia citar um –
seu caráter sempre enigmático, ressaltando três di- Como Formular uma Problemática de Saúde em Ergo-
mensões essenciais para seu efetuamento: a enge- nomia e em Medicina do Trabalho – do mesmo perío-
nhosidade, a cooperação e a mobilização subjetiva do, texto de impacto na França, apresentado em 1993
(capítulo 3). De sua presença no debate com psicana- no Congresso da Sociedade de Ergonomia de Língua
listas acerca da “clínica do trabalho”, temos o capítu- Francesa e publicado, em 1995, na revista Le Travail
lo 6, texto elaborado para uma exposição no Canadá Humain 14. Se fosse o caso de produção de algo mais
(um dos países, como o Brasil, em que o autor tem recente, poder-se-ia ter optado por sua crítica aos
importante audiência), quando defende a tese de que fundamentos da avaliação, apresentada em confe-
cabe ao trabalho a tarefa de mediação na relação en- rência no INRA 15.
tre psicanálise e política, tendo como horizonte a con- Por fim, em atenção aos possíveis interesses dos
servação e realização de si no mundo social. Media- leitores, registro a vertente de textos do mesmo autor
dor privilegiado entre inconsciente e ordem coletiva, sobre psicossomática e corpo. Dos anos 80, já foram
o trabalho é, então, visto como “operador fundamen- publicados no Brasil: O Corpo entre a Biologia e a Psica-
tal da própria construção do sujeito, colocado no cen- nálise 16 e Repressão e Subversão em Psicossomática:
tro da Psicologia, no mesmo nível que a sexualidade”. Pesquisas Psicanalíticas sobre o Corpo 17; esperando pu-
Enfim, no capítulo 10, está sistematizada toda essa blicação, um livro mais recente: Le Corps, d’ Abord 18.
reflexão em torno da questão do sentido do trabalho. Certo de que os leitores de Cadernos de Saúde Pú-
Após esse período que entendo como o mais fér- blica encontrarão na leitura desse novo livro impor-
til e consistente, vemos desenvolver-se uma nova fa- tantes ferramentas, sugerimos também uma boa via-
se, em que Dejours se institui mais solidamente no gem pelo conjunto da obra de Christophe Dejours!
mundo social, ampliando sua influência. Fruto do
Colóquio “Trabalho: Pesquisas e Prospectivas” (1992), Milton Athayde
Programa de Pós-graduação em Psicologia Social,
ele participa da organização do livro (1995) La France
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
Malade du Travail 9. Em seguida, 1998 (1999 no Bra- miltonathayde@uol.com.br
sil), Dejours publicou o polêmico livro A Banalização
da Injustiça Social 10, defendendo a idéia de que a ba-
nalização do mal e da injustiça no sistema neoliberal 1. Dejours C. Loucura do trabalho. São Paulo: Obo-
se sustenta menos na violência que na colaboração e ré; 1987.
no zelo agregados pela maioria dos trabalhadores às 2. Dejours C. Plaisir et souffrance dans le travail. Pa-
novas formas de organização do trabalho. Esse tipo ris: Edition de l’AOCIP; 1998.
de proposição tem contribuído tanto para ser aceito 3. Daniellou F. L’action en psychodynamique du
por setores até então refratários ou reticentes, quan- travail: interrogations d’un ergonome. Travailler
to para detonar uma nova leva de dissidências no 2001; 7:119-30.
próprio núcleo de formuladores da Psicodinâmica do 4. Molinier P. Souffrance et théorie de l’action. Tra-
Trabalho. Se gente da qualidade de D. Cru já havia se vailler 2001; 7:131-46.
distanciado, a partir de então também P. Davezies 5. Dejours C, Abdoucheli E. Itinerário teórico em