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domingo, 30 de Março de 2008


Telemóvel herói

Começo por deixar bem clara a minha posição sobre os factos ocorridos na escola do Porto: nenhuma
"explicação" deve impedir o único desfecho possível - a severa punição da aluna envolvida. Não deverá existir uma
aula onde seja aceite, sem sanção, um comportamento semelhante, a pôr em causa o respeito, a hierarquia e a
ordem, essenciais para ensinar em cada dia.
É necessário, contudo, ir mais longe. Não basta clamar pelo reforço da autoridade dos professores ou louvar a
disciplina antiga, como fazem alguns: o medo do castigo físico, cimento da ordem nas escolas do passado, não
pode ter lugar nos dias de hoje, até porque nenhum aluno seria capaz de o aceitar num só dia. Também não
interessa especular sobre as "fragilidades psicológicas" da estudante ou da professora, em busca da
"compreensão" dos acontecimentos.
Duas linhas de análise merecem atenção:
1) Todos os actos de indisciplina têm uma história relacional. A vertigem das imagens não pode impedir-nos de
pensar: como é aquela turma com outros professores? Qual é o regulamento da escola? Quais são as regras das
salas de aula: são conhecidas dos alunos e dos pais? Existem decisões sobre o uso, nas salas de aula, de objectos
pessoais, quer dos alunos quer dos professores?
Durante muito tempo, comportamentos perturbadores foram desvalorizados em muitos estabelecimentos de
ensino. Explicações "psicológicas" ou relatos de carências sociais das famílias serviam de argumentos para um
"deixar andar" que, em muitos casos, levava à impossibilidade de ensinar. Como sempre tenho afirmado, quanto
mais desorganizada é a família, mais importante é a imagem coerente e estruturada que a escola deve fornecer a
esses alunos, para que eles distingam o caos da sua casa do espaço com limites do estabelecimento de ensino. Já
em 1996 (!) eu escrevi: "(...) é preciso saber quem, de facto, dirige a escola e a quem nos devemos dirigir em
primeira mão. Sabemos que a muitos adolescentes faltam figuras de referência, na família e na sociedade (...) a
chave de uma boa gestão está não só no modo de resolver as dificuldades, mas sobretudo na maneira como estas
são prevenidas."
A escola de hoje é caracterizada pela diversidade. Numa sala de aula existem alunos motivados e tranquilos, ao
lado de outros sem controlo emocional e sem gosto pelas aulas; mas isso é que deve obrigar a um cumprimento
rigoroso de regras "para todos", organizado a partir de um regulamento da escola e das salas de aula,
independente das normas ministeriais (que aliás só complicam: onde está o prometido "reforço da autoridade" se
a expulsão desapareceu e as faltas são relevadas por uma "prova de recuperação", numa lamentável confusão
entre comportamento e aproveitamento?). Dentro de um enquadramento ministerial muito geral, cada escola
deveria deixar bem claro - desde o princípio do ano e com informação às famílias - o que é permitido e proibido, o
que será premiado e o que será alvo de castigo. Ouvidos os visados, o Conselho de Turma decidiria, sem
articulados maçadores nem "autos" de mau gosto.
2) Infelizmente estes procedimentos poderão ser insuficientes. A cultura e a dependência da imagem que
caracterizam os jovens de hoje exigem novas abordagens. E assim chegamos ao telemóvel, afinal o protagonista
desta triste estória. Um pequeno telefone é um herói para o seu jovem dono, espécie de prolongamento do seu
corpo e definidor dos seus relacionamentos: com ele se namora, se evita a solidão, se copia nos testes, se recebem
ralhos ou mimos dos pais, se goza com os políticos ou os professores. As mensagens escritas, gratuitas em muitos
casos por jogada bem calculada das operadoras, são os "papelinhos" trocados à socapa dos velhos tempos. Mais
do que isso: com as câmaras de filmar dos telemóveis, registam-se cenas sexuais depois exibidas sem pudor ou, na
terrível moda do "happy slapping", um adolescente agride outro desprevenido, para riso de um grupo que filma a
cena. E na escola do Porto, esta erotização da imagem, este "espectáculo" em que a turma se empolgou foi dos
aspectos mais inquietantes deste incidente.
Que fazer? Sobretudo não partidarizar a questão nem arranjar bodes expiatórios. A solução está na resposta a

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estas duas linhas de análise: fazer cumprir as regras da escola (no caso dos telemóveis proibir nas aulas, em caso
de desobediência ir até à inibição por aparelhos para o efeito) e descodificar, junto dos alunos, esta dependência
da imagem, ajudando-os a entender, com Saint Exupéry, como "o essencial é invisível para os olhos".

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