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Paradigmas e atualidades

no passado da teoria jornalística


MAROCCO, Beatriz; BERGER, Christa (Orgs.).
A era glacial do jornalismo – teorias sociais da imprensa: pensamento crítico sobre os jornais.
Porto Alegre: Sulina, 2006. 310 p.

Por Frederico de Mello Brandão Tavares

A idéia de uma “era glacial” remete- timo, muito citado em várias obras que
nos a uma imagem de começo, de pri- pensam uma “fundação teórica do jorna-
mórdios, de contexto de gênese de uma lismo”, mas pouco acessível em publica-
série de processos. E é justamente disso ções de língua portuguesa. Precedendo
que trata A Era Glacial do Jornalismo, cada um dos textos, estão comentários
188 de proposições teóricas que, diretamen- de alguns autores que buscam analisar
te ligadas ao pensamento sociológico não só as idéias presentes nos escritos
emergente do século XIX, destinaram-se em questão, como também as relacio-
a estudar um fenômeno social, já desde nam ao pensamento mais geral do autor
a época, carente de análise: a imprensa tratado. Mais que introdutórios tais co-
periódica e sua penetração na socieda- mentários são uma interessante “porta
de. São teorias que partem da sociedade de entrada” para os originais que lhes
para falar da imprensa e que, ao alcan- sucedem. E, sem antecipá-los, reiteram
çá-la, constituem um novo ponto de par- a importância de suas leituras, enrique-
tida, de onde nós, pesquisadores da área, cendo-as com outros elementos; o que é
podemos iniciar trajetórias. Textos que, válido principalmente para aqueles lei-
podemos dizer, antecedem ou revelam tores que pela primeira vez estão pisan-
um cenário de formação daquelas que do no terreno destas reflexões.
tomamos hoje por “Teorias do Jornalis- A introdução, um texto de Hanno Har-
mo”. dt2, destaca historicamente o processo de
A obra, primeiro número de uma co- crescimento dos jornais nas sociedades
leção de dois volumes1, centra-se em ocidentais, o aumento de circulação de
escritos de três grandes pensadores so- informação e notícias, e a penetrabilida-
ciais alemães: Max Weber, Ferdinand de da imprensa na vida cotidiana. Cená-
Tönnies e Otto Groth. Os dois primeiros, rio este que fez com muitos intelectuais,
muito lidos na teoria sociológica, e o úl- a partir do século XVII, voltassem suas

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III No 1 - 1o semestre de 2007
Vol. IV 2006
atenções para o periodismo, a fim de refletir opinião pública. O comentário inicial é de
sobre aspectos de sua produção, circulação e Slavko Splichal e trata da teoria de Ferdi-
recepção. Assim, anota o autor, os textos reu- nand Tönnies sobre a opinião pública como
nidos em A Era Glacial do Jornalismo são uma vontade social. Splichal relembra as
baseados “em registros históricos sobre o que reflexões de Tönnies sobre a opinião pública
de relevante se dizia sobre comunicação, es- e sua relação com o modelo “comunidade-
pecialmente na Alemanha, com repercussão sociedade”, bem como destaca o valor teó-
nos intelectuais americanos do século deze- rico do conceito de opinião pública por ele
nove e início do século vinte” (pág. 19). São desenvolvido e, ao mesmo tempo, observa
textos que destacam o interesse das ciências algumas “negligências” empíricas presentes
sociais no papel da imprensa e na opinião pú- na formulação do mesmo. Neste percurso,
blica e a influência desta área na formulação aborda-se o jornal e sua participação na ex-
de um campo autônomo de estudos sobre o pressão de uma opinião do público ou sua
jornalismo, a Zeitungswissenschaft. influência na opinião pública. Na seqüên-
As três partes que se seguem ao capítulo cia deste comentário, e fechando a segun-
introdutório são destinadas a cada um dos da parte, dois textos de Tönnies tratam a
três pensadores alemães. A primeira delas, fundo a questão: “Opinião Pública” e “Opi-
focada em Max Weber, é aberta com um nião Pública e ‘a’ Opinião Púbica”. Ambos
texto de Murilo Kuschik, que busca apontar os textos abordam a formulação do conceito
para a relação de Weber com a comunicação. de opinião pública – confrontando a pers-
Resgatando a trajetória teórica weberiana e pectiva ali formulada com outras existentes 189
alguns conceitos importantes do autor como – e a formulação de suas modalidades de
“ação social” e “tipos ideais”, Kuschik relata expressão. Nesse contexto, aparece o jornal
a visão do teórico sobre a imprensa a partir e o jornalismo e, indiretamente, o processo
da configuração da empresa privada capita- complexo de mediação existente na tríade:
lista e de outras questões que envolveriam o opinião pública, jornalismo e sociedade. São
trabalho jornalístico tais como a ideologia, a importantes apontamentos tanto para pen-
política etc. Segue-se, então, a esta primei- São importantes sar o jornalismo, quanto para refletir sobre
ra parte o texto de Weber, “Sociologia da apontamentos a questão da esfera pública desde uma pers-
imprensa: um programa de pesquisa”, que pectiva não habermasiana, algo tão comum
tanto para pensar
trata principalmente da institucionalização em nossa área.
da imprensa, a participação desta na cons- o jornalismo, Centrada na obra de Otto Groth, a tercei-
tituição da sociedade e do homem modernos quanto para ra e última parte volta-se para a “formula-
e, conseqüentemente, sua relação com a opi- refletir sobre a ção teórica de uma ciência jornalística autô-
nião pública. Tais aspectos servem de ingre- questão da esfera noma”. Tal idéia está esmiuçada no comen-
dientes para as problematizações realizadas pública desde uma tário de Karl-Ursus Marhenke e plenamen-
pelo autor e sua busca por um pensamento, te disponível no texto de Groth que encerra
perspectiva não
segundo suas palavras, “mais qualitativo” o livro: “Tarefas da pesquisa da ciência da
sobre o jornalismo. habermasiana, cultura”. Neste texto, há uma sistemáti-
A segunda parte tem como eixo um con- algo tão comum ca reflexão sobre a inserção do jornalismo
ceito tratado brevemente na primeira: em nossa área no campo da ciência e os tensionamentos
existentes neste processo. Pensa-se a “ciên- comentários e textos de autores já consagra-
cia jornalística” como uma necessária e nova dos, mas também por carregar consigo, em
área no interior das ciências da cultura, bem sua materialidade e imaterialidade, aquilo
como as características de sua autonomia que uma obra clássica possui independente-
no ambiente científico. Analisando os pro- mente da época em que for lida e que a faz
cessos jornalísticos à luz de vários aspectos ser referência para uma área do saber: a pro-
teóricos de outras áreas, como a Filosofia, fundidade, a atualidade e a centralidade em
Groth, exemplarmente, mostra como lidar torno de uma só questão.
com desafios epistemológicos de formação de
um novo campo do saber e indica relevantes
aspectos para pensarmos – ainda hoje – o Sobre o autor
que significa tomar o jornalismo tanto como Frederico de Mello Brandão Tavares, dou-
uma área de conhecimento específica quanto torando em Ciências da Comunicação pela
como uma área de saber dentro da comuni- Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNI-
cação social. SINOS). Bolsista do Conselho Nacional de
Concordando com Beatriz Marocco e Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Christa Berger, as organizadoras da publi- – CNPq – Brasil. Jornalista e Mestre em Co-
cação, podemos dizer que A Era Glacial do municação Social pela Universidade Federal
Jornalismo vem preencher uma “lacuna no de Minas Gerais (UFMG). E-mail: frederi-
pensamento jornalístico”. Mesmo tratando combtavares@yahoo.com.br.
190 de um momento social e cultural específico e
datado, os textos principais da obra lidam de
maneira complexa com o campo jornalístico, Notas:
o que dá a seus conteúdos uma perenidade e, 1
O segundo volume, a ser publicado ainda em 2007,
ao mesmo tempo, um valor paradigmático. reunirá, segundo as organizadoras, “a vertente
Não se trata de um livro de um só autor, mas norte-americana” do pensamento das “social theories
de uma grande problemática: a problemática of press”, e contará com textos de outros importantes
jornalística. E, por isso mesmo, mais que a nomes para a teoria contemporânea do jornalismo:
sugestão de uma leitura obrigatória, reco- Edward A. Ross, Robert Park e Walter Lippmann.
menda-se uma constante releitura.
A Era Glacial do Jornalismo, assim, con- 2
Pesquisador que na década de 1970 dedicou-se à
figura-se como um novo clássico para as “Te- descrição daquelas que seriam as “teorias sociais da
orias do Jornalismo”. Não apenas por trazer imprensa”.

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