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23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental

VII-011 - O SANEAMENTO COMO AÇÃO DE SAÚDE PÚBLICA


NA HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA-ES

Josiane Teresinha Matos de Queiroz(1)


Engenheira Civil. Especialista em Educação Ambiental, Engenharia Sanitária e Engenharia da Segurança do
Trabalho. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da
UFMG.
Sara Ramos da Silva
Engenheira Civil, Professora do Curso de Tecnologia em Saneamento Ambiental do Centro Federal de
Educação Tecnológica do Espírito Santo. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio
Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG.
Leo Heller
Engenheiro Civil. Doutor em Epidemiologia. Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais.

Endereço(1): Rua Maria Carmem Valadares 553/402 – Santa Efigênia - Belo Horizonte - MG - CEP: 30.60-
580 - Brasil - Telefones: (31) 3283-1112 - (31) 3238-1018 - e-mail: josiane.queiroz@globo.com.br

RESUMO
Esse artigo tem como objetivo resgatar historicamente a implantação das ações de saneamento e sua
associação com a saúde da população na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, visando contribuir como
alicerce a futuros estudos relacionados à saúde e às políticas públicas de saneamento nesse município. Para
tanto, privilegiou-se o levantamento documental de informações acerca da história do saneamento e da saúde
pública do município. A reflexão histórica remete ao alerta de que, com o passar do tempo, as necessidades
vão se transformando e de que a história pode explicar a situação presente, auxiliando a compreender a
configuração do momento, não como mera cronologia mas como um vetor geral da dinâmica social que pode
ou não influir na estrutura e nos sistemas que estão sendo retratados, revelando a determinação dos fenômenos
de hoje e a posição dos elementos que constituem, no momento presente, a estrutura urbana em análise.

PALAVRAS-CHAVE: Saneamento, água para consumo humano, saúde pública, história

INTRODUÇÃO
A urbanização é um fenômeno irreversível em nível mundial. A compreensão dos processos urbanos das
grandes cidades é fundamental para se entenderem as transformações econômicas, sociais, políticas e de saúde
de um país (BORRELL e PASARIN, 2004, p.1-2), revelando-se um pressuposto fundamental para o
planejamento dos sistemas de saneamento em centros urbanos 1 , de modo a privilegiar os impactos positivos
sobre a saúde pública e sobre o meio ambiente. O conhecimento do modo de vida de uma população e de
como ocorreu o seu desenvolvimento ao longo da história auxilia os investigadores e planejadores urbanos,
pois como assinala Benévolo (1983, p.7) apud Muniz (2001, p.11),

A história de uma cidade não é somente uma contribuição ao conhecimento do passado, que
vai aumentar o patrimônio das lembranças históricas, mas permite também considerar o
presente numa perspectiva correta, e ajuda a projetar melhor com maior consciência e
responsabilidade, o futuro do ambiente urbano.

A maioria das capitais brasileiras possui um padrão de urbanização caracterizado por uma ocupação do espaço
de maneira caótica e anárquica, e em grande parte ainda carente das infra-estruturas mínimas necessárias. É
evidenciado nessas cidades a presença de favelas, convivendo com a pobreza em seus bairros periféricos
como conseqüência de fatores como a migração rural-urbana, o aumento do custo de vida, o aumento de
desemprego, a diminuição das redes sociais e, mais recentemente, a globalização e a imigração, o que tem

1
Um exemplo de proposta de elementos para o desenvolvimento de um modelo de planejamento em saneamento, a partir
de um levantamento histórico das questões ambientais e de saúde incorporadas pelo setor é apresentado por Soares et al.
(2002).

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levado esses bairros a apresentarem os mais baixos indicadores socioeconômicos e de saúde (FERRAZ, 2004,
p.45).

A complexidade dos conceitos representados nas expressões "condições de saúde” e “qualidade de vida" é tal
que requer uma avaliação das condições do ambiente, das necessidades da comunidade e a medida dos efeitos
sobre a saúde e suas associações com as intervenções ambientais (MORAES, 1997). A questão do
saneamento, como ação básica de saúde, vem sendo objeto de estudo por vários autores. Arruda e Araújo
(1997), Heller (1995), Heller et al. (1997), Moraes (1996), Moraes (1997) e Rezende e Heller (2002)
apresentam uma extensa revisão da literatura mundial sobre o papel do saneamento como um importante fator
na exposição de diversas doenças ao homem, comparando populações com ou sem provisão de serviços.

A preocupação com os impactos na saúde provocados pelas condições ambientais é evidente desde a
Antigüidade. No estudo das doenças infecciosas, Hipócrates associou as alterações do meio ambiente ao
surgimento de doenças, envolvendo questões tais como os efeitos do clima no balanço dos humores do corpo,
os miasmas, as sujeiras e os odores. Por meio de observações clínicas, ainda sem o conhecimento da
existência de microrganismos, esse filósofo, considerado o Pai da Medicina, conclui que as alterações
climáticas, como chuvas e ventos, podiam causar determinadas infecções. Responsabilizava um inverno
úmido seguido de primavera e verão não tão abafado por diarréias e vômitos (UJVARI, 2004, p. 38-39).

O médico John Snow foi um dos primeiros pesquisadores a associar a transmissão da cólera com a qualidade
da água consumida, estudando a população de Londres. Isso ocorreu em meados de 1850, uma década antes
da teoria de Pasteur sobre a propagação de doenças por meio de micróbios e três décadas antes da
identificação dos organismos patológicos por Koch. Um exaustivo e minucioso trabalho de busca e análise das
informações mostra a necessidade da interdisciplinaridade para o entendimento do fenômeno, apontando para
a importância do conhecimento do comportamento do indivíduo nessa transmissão (SNOW, 1999). Na
opinião de Hespanhol (2002), esse estudo epidemiológico foi a primeira contribuição científica para a
compreensão do relacionamento água-saúde. Apesar dessas grandes descobertas há mais de um século e meio,
grande parte da população do mundo, nos dias atuais, ainda vive sem acesso à água de qualidade segura,
exposta ao risco das doenças que podem por ela ser veiculadas pela água, sobretudo nos chamados países em
desenvolvimento, onde as intervenções em saneamento beneficiam somente parcela da população.

Nas discussões atuais sobre essa questão pode-se destacar a Conferência sobre Desenvolvimento e Ambiente
– ECO 92, em 1992, que apresentou o plano de metas em termos de ambiente e desenvolvimento para o
século XXI, a Agenda 21. No capítulo 18, no item de abastecimento de água e saneamento, considera que
aproximadamente 80% de todas as doenças de origem hídrica e mais que um terço das mortes em países em
desenvolvimento, são causadas pelo consumo de água contaminada e que, em média, um décimo do tempo
produtivo de cada pessoa é devido a essas doenças (AGENDA 21, 1992).

Estima-se que nas últimas décadas, mais de um bilhão de pessoas de países em desenvolvimento não têm
acesso à água potável, e cerca de 2,5 bilhões não dispõem de instalações adequadas de saneamento básico
(OMS, 2002). A atual situação brasileira é bastante crítica no que concerne à cobertura de saneamento, com
conseqüente reflexo na saúde da população (IBGE, 2005). Contudo, no município de Vitória-ES, atualmente,
a cobertura dos serviços públicos em saneamento é maior que a média brasileira, de acordo com dados
disponíveis da Prefeitura Municipal local.

Esse artigo tem como objetivo resgatar historicamente a implantação das ações de saneamento e sua
associação com a saúde da população na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, visando contribuir como
alicerce a futuros estudos relacionados à saúde e às políticas públicas de saneamento nesse município.
Lembrando Santayana apud Wilheim (2003, p. 20), "Quem não aprender com a História, está fadado a repeti-
la".

MATERIAL E MÉTODOS
Atendendo aos objetivos desse estudo, foi necessário realizar um conjunto de procedimentos, tais como
realizar levantamento de informações acerca da história do saneamento e da saúde pública do município de
Vitória em publicações existentes nas bibliotecas públicas, nas livrarias locais, no Instituto Jones dos Santos
Neves - IPES, na Companhia Espiritossantense de Saneamento - CESAN e nos registros das Mensagens de

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Governo no Arquivo Público Estadual, além de entrevistas com professores da Universidade Federal do
Espírito Santo - UFES - que atuam nas áreas de urbanismo, arquitetura, história e geografia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Vitória e suas características
A cidade de Vitória é uma das três ilhas-capitais do país. Possui uma área de 104,3 km² de área e é constituída
de 34 ilhas e uma região continental, formada por uma mistura de manguezais e morros. Integra, juntamente
com os municípios de Serra, Cariacica, Viana, Vila Velha, Fundão e Guarapari, a Região Metropolitana da
Grande Vitória. A Tabela 1 mostra as suas principais informações geoeconômicas.

Tabela. 1: Informações geoeconômicas de Vitória


Informação Valor
Área do Município (2000) 104,3 km²
Latitude Sul 20º10´09´´ e Longitude Oeste
Localização
40º20´50´´ de Greenwich
Clima Tropical úmido
Temperatura média Máxima de 30,4º e mínima de 24º
População censitária (2001) 298.781hab.
População estimada (2002) 299.357 hab.
Taxa média de crescimento anual ( 1996 /
2,36%
2000)
Densidade demográfica -2002 (hab./km²) 2.870,15
Esperança de vida ao nascer (2000) 70,74
PIB (2000)* R$ 4.590,2 milhão
Renda per capita (2000)* R$ 15,7 mil
Participação no PIB Estadual (1998) 21,32%
Indice de Desenvolvimento Humano (IDH)
0,856
(2000)
Indice de Desenvolvimento do Município
0,6679
(IDM) (2000)
Fontes: IPES, Simonsen Associados, IBGE, Dieese, Gazeta Mercantil, Secretaria da Fazenda, PMV/SEDEC e
SEMFA.
*Estimativa com base na participação no PIB do estado em 1998.

De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas – ONU (2000) essa cidade é a 3ª capital
brasileira em qualidade de vida e apresenta uma expectativa de vida de 70,74 anos (PMV, 2005).

Vitória e sua evolução histórica no saneamento e na saúde pública


O atual estado do Espírito Santo teve seu início como Capitania do Espírito Santo. Sua ocupação aconteceu no
dia 23 de março de 1535, por Vasco Fernandes Coutinho, com a carta de doação recebida do rei de Portugal
D. João III, em 1º de junho de 1534. O donatário batizou a terra de Espírito Santo, em homenagem à terceira
pessoa da Santíssima Trindade. Para colonizar a terra, Vasco Coutinho distribuiu sesmarias entre os 60
colonizadores que com ele vieram 2 . Ao chegar encontrou os índios tupiniquins, primeiros habitantes da região
marginal da Baía de Vitória.

Na divisão da Capitania, a Ilha de Vitória, incorporada primeiramente ao mundo ocidental com o nome de Ilha
de Santo Antônio, foi doada a Duarte Lemos. Devido à sua localização e condições naturais, impôs lutas pela
posse da terra, base da economia, pois ali se localizavam as fontes de água pura e a baía rica em peixes e
mariscos. A guerrilha entre os índios tornou-se tão devastadora e freqüente, que os índios tiveram de se
afugentar ou se aldear sob a proteção dos padres jesuítas (LIMA JÚNIOR, SOARES, BONICENHA, 1994,
p.29).

2
Disponível em: <http://promotoria.cachoeiro.vilabol.uol.com.br/ES/historia_do_es.htm>. Acesso em 02 fev. 2005.

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Em 1549, os primeiros jesuítas, liderados pelo Padre Manoel da Nóbrega, desembarcaram na ilha, em
companhia do primeiro Governador Geral do Brasil. Sob os compromissos dessa aliança, a pequena povoação
da Ilha de Santo Antônio, Capitania do Espírito Santo, passou em 1551 a Vila de Nossa Senhora da Vitória
(ABREU et al., 1993, p.48).

Os jesuítas foram os primeiros a cuidar da saúde pública na capitania do Espírito Santo. As epidemias foram
as formas mais freqüentes de extermínio involuntário do povo nativo. O contato cotidiano dos jesuítas com o
indígena provocou um dos maiores focos de disseminação de doenças como varíola, tuberculose, gripe,
sarampo, coqueluche. Sem proteção dessas enfermidades, inexistentes até então na América, muitos
morreram. Em Vitória, nos anos de 1653, 1656, 1666, 1699, ocorreram epidemias com maior número de
vítimas (PERRONE e MOREIRA, 2003, p.25). A criação da Santa Casa de Misericórdia, em 1545, em Vila
Velha, transferida para Vitória em 1605, não minorou a situação, dada a falta de médicos (ESPÍRITO
SANTO, 2004).

A capitania sobreviveu no século XVI, apesar de fatores negativos, como a insubmissão dos indígenas,
epidemias periódicas, ameaças dos estrangeiros, desentendimentos entre colonos e donatários. A vila de
Vitória,radicara-se na ilha, estendendo-lhe o nome. No início do século XVII, a vila de Vitória é ainda uma
aldeia construída de taipa, cujas casas eram cobertas de sapé ou palha de pindoba. Na segunda metade do
século XVIII, a população da capitania era em torno de 1.390 casas, com 9.760 pessoas 3 . Dessas, seguramente
3.000 na capital (DERENZI, 1965, p. 71).

A água utilizada era captada nas fontes da Lapa (atual Parque Moscoso), na fonte Grande, Catão (atual Morro
de Santa Clara 4 ) e na Capixaba e era transportada por escravos. O convento de São Francisco tinha um
pequeno aqueduto, vindo das cabeceiras da Fonte Grande, sendo privilegiado em relação às demais moradias,
por possuir água corrente. Grande número de casas utilizava poços perfurados nos quintais, em que, segundo
descrição de Derenzi (Ibid, p.81), a qualidade era “esplêndida”.

As ruas apresentavam-se tortas, esburacadas e enlameadas pelas águas servidas. O capim e os excrementos
alcançavam os tornozelos dos poucos transeuntes. A varíola, a febre amarela, a escarlatina, a peste bubônica e
o impaludismo atingiam os habitantes locais periodicamente, com alta taxa de letalidade (Ibidem, p.81).

Vitória, no início do século XIX, possuía 4.245 habitantes e 945 moradias. Suas ruas continuavam estreitas,
tortuosas e mal calçadas. Algumas edificações eram do tipo sobrados que ostentavam vidraças e varandas com
peças trabalhadas vindas da Europa. A vida econômica da cidade girava basicamente em torno dos engenhos-
de-açúcar - como sede de extensas terras que produziam, além da cana, outras culturas agrícolas - e dos cais
da cidade, que exportava principalmente algodão, milho, arroz, açúcar, farinha de mandioca, madeira e algum
café (ABREU, MARTINS e VASCONCELLOS,1993, p.30).

Em 1808 foi criada a guarda-moria, com o objetivo de exercer a vigilância sanitária nas praias de Vitória e
com a obrigação de estabelecer o isolamento dos que chegavam (ESPÍRITO SANTO, 2004).

A melhoria do aspecto urbano de Vitória, no período de 1812 a 1819, foi promovida pelo então governador
Francisco Alberto Rubim, que obrigou os moradores a limparem e reconstruírem as fachadas dos casarios. Foi
ele quem deu início aos primeiros aterros das áreas alagadiças e dos manguezais que ficavam no caminho do
Porto dos Padres 5 , Pelames 6 e Largo da Conceição 7 e que incentivou a cultura do café. Até então, o mar ia
sendo empurrado pelos entulhos jogados nos fundos das casas. Assim formou-se a antiga Rua da Praia, hoje
Rua Duque de Caxias, que já foi a mais comercial da cidade (ABREU et al., 1993, p.67).

A capitania de tudo precisava: proteção contra os ataques dos índios aos lavradores que demandavam novas
terras, estradas, escolas, estímulo à agricultura, assistência social efetiva aos imigrantes. Na vila de Vitória, os

3
As expressões usadas na época era almas para pessoas e fogos para casas.
4
Local onde está atualmente localizado reservatório de água que abastece a cidade.
5
Trecho compreendido entre a atual Avenida República e a General Osório, por onde se faziam as comunicações dos
padres jesuítas. Para atravessar o canal, hoje ocupado pela Avenida República, havia uma ponte com altura bastante para
passarem canoas com seus tripulantes agachados. Todo o Parque Moscoso era mangue.
6
Ou Campo do Palames, está ocupado pelo quarteirão formado pelas Ruas Coutinho Mascarenhas e Gama Rosa.
7
Atualmente é Praça Costa Pereira, e foi conhecido também por Prainha.

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mangues, os banhados urbanos, as fontes de água potável, o aspecto das casas, as praças e os cais de atracação
de barcos reclamavam providências, necessárias ao conforto dos moradores (DERENZI,1965, p.101).

Conforme Abreu et al. (1993, p.70), a origem do nome capixaba dado às pessoas nascidas no Espírito Santo,
atribui-se ao naturalista francês Saint-Hilaire que, em 1818 de passagem por Vitória, foi o primeiro a anotar o
vocábulo capixabi, que segundo os estudiosos da língua tupi significa roça, roçado, terra limpa para
plantação 8 . Em princípio essa designação era somente dada aos nascidos em Vitória, estendendo-se a seguir a
todos os nativos do estado. Esse cientista registrou sua impressão sobre como via a Vila de Vitória (SAINT-
HILAIRE,1974, p. 45):

As ruas de Vitória são calçadas, porém mal; têm pouca largura, não apresentando qualquer
regularidade. Aqui, entretanto, não se vêem casas abandonadas, como na maioria das cidades
de Minas Gerais. Há na Vitória, algumas fontes públicas, que também não concorrem para
embelezar a cidade, mas, pelo menos, fornecem aos habitantes água de excelente qualidade.
A vila de Vitória não tem cais; ora se vê, na praia, terreno sem construção, que tem sido
reservado para embarque de mercadorias.

Com a proclamação da independência do Brasil em 1822 e o deslocamento definitivo do centro do poder para
o próprio território brasileiro, implicou-se em modificações na vida do país. Assim, em 1823, a antiga
Capitania do Espírito Santo foi elevada à categoria de Província, passando a ser governada por presidente
nomeado. Vitória passa à categoria de cidade em 17 de março de 1823. Lima Júnior et al. (1994, p.31)
registram que o primeiro presidente provincial foi o Bacharel Inácio Acioli de Vasconcelos, que governou de
24 de fevereiro de 1824 a 23 de novembro de 1829. Derenzi (1965, p.116) acrescenta que foi esse presidente
quem mandou construir o pórtico protetor da nascente potável da fonte da Capixaba. Esse autor relata que “a
água era abundante, fresca e pura, com a mata que vicejava no desfiladeiro do Morro da Vigia a garantir-lhe a
perenidade”. Na mesma foram refeitas as tomadas d’água da Lapa e da Fonte Grande.

Ainda na época da monarquia, segundo Derenzi (1965, p.119), havia a carência de escolas e médicos. As
epidemias castigavam impiedosamente os habitantes, a febre amarela, a peste bulbônica, o paludismo, a
disenteria e a varíola. E o povo a sofrer, sem recursos materiais que lhe minorassem a miséria. Caracterizava a
cidade como:

suja, sem esgotos, as fezes eram guardadas em tonéis de madeira à espera do despejo à
noite. Quintais cobertos de imundícies, moscas, mosquitos, ratos, lixo por todas as ruas,
matagal em todos os terrenos baldios. Os cemitérios regorgitavam de cadáveres. A pobreza
havia crescido assustadoramente. A fama da cidade suja deslustrou, por muitos anos, o
nome da capital e do Estado (Ibidem, p. 121).

O “cholera-morbus” alastrou-se por toda a província de 1854 ao ano seguinte. O presidente Pereira de Barros,
em ofício enviado ao ministro Couto Ferraz, enumera 1.541 vítimas, das quais 375 em Vitória. Foi necessário
ao governo da província contratar médico para atender à população. Em 1860, quando de sua visita ao
Espírito Santo, o imperador D.Pedro II esteve na Santa Casa de Misericórdia de Vitória, deixando-lhe
contribuição pessoal para atender às suas necessidades (Ibidem, p.121).

Broedel (1994, p.19), com relação à água da capital na época, destaca a importância dos chafarizes:

O centro de Vitória chegou a possuir diversos chafarizes, espalhados pelos bairros. A


população fazia fila diante deles, para recolher água, em recipientes como panelas e bacias.
O problema da água na capital, desde meados do século XIX, era um peso para os
governos. Constituía, mesmo, um fato extraordinário qualquer realização nesse importante
setor da administração pública, tanto assim que, a 2 de dezembro de 1855, captou-se um
TE DEUM, na Capela Nacional, às treze horas, quando se inaugurou o encanamento da
Fonte Grande, através de um chafariz. Quando a 13 de maio do ano seguinte, a irmandade
de São Benedito inaugurou outro chafariz na base do Morro de São Francisco, o padre
honrou a empreendimento com um soneto. E nas repartições oficiais, inaugurações
públicas, saraus, etc., em lugar de champagne, guaraná e outras bebidas que estavam no
auge, programava-se e servia-se um “profuso copo d’ água”. A água da Capixaba procedia

8
Disponível em: <http://promotoria.cachoeiro.vilabol.uol.com.br/ES/historia_do_es.htm>. Acesso em 02 fev. 2005.

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do Morro do Vigia, sendo apreciadíssima por todos, tanto pela frescura quanto pela pureza,
pois era nascida de fonte protegida por matas espessas, das mais primitivas da ilha. Dizia-
se, então, que quem, vindo de fora, bebesse dessa água, não mais se afastaria do Espírito
Santo, tornando-se capixaba de coração.

Do ponto de vista econômico foi a produção do café que gerou as transformações definitivas pelas quais o
Espírito Santo passou, a partir da segunda metade do século XIX. A associação desta produção cafeeira com
a imigração de italianos e germânicos acabou por dar nova face à região. Vitória saltou de 4.496 habitantes
em 1861 a 16.887 habitantes em 1890 (ABREU et al., 1993, p.31).

No final do período colonial é criada a Inspetoria de Higiene da Província, que se limitava a atividades de bio-
estatística, fiscalização sanitária e combate às freqüentes epidemias (ESPÍRITO SANTO, 2004).

Derenzi (1965, p.121) ressalta o célebre relatório do inspetor de saúde pública Dr. Manoel Goulart de Souza
enviado em 1876 ao presidente da província, onde apresentou o quadro do estado sanitário da capital e propôs
medidas preventivas sanitárias. Derenzi registra que:

Depois de censurar o descaso dos edis, propôs, em sete itens simples, medidas protetoras
de grande alcance. Transcrevo-as em homenagem ao autor e também para que se aquilate
do estado sanitário capixaba naquele ano:
“Corre-me, pois, o dever de, mais uma vez, lembrar alguns melhoramentos, como seguem:
1 - Impedir o despejo do lixo no cais mais freqüentado da cidade, mandando construir
pontes para esse fim; é verdade que já houve autorização para isso, e tendo eu sido
incumbido, juntamente com o Sr. Dr. Florêncio Francisco Gonçalves, de escolher os
lugares onde se deveriam construir essas pontes, cumprimos nosso dever, sem que, até
hoje, nosso trabalho tenha correspondido à realidade.
2- Fazer o calçamento em alguns lugares com declive suficiente para dar escoamento da
águas nos tempo pluviosos, para não dar lugar a pântanos artificiais, como se observa nas
ruas da Mangueira, alfândega e largo da Conceição.
3- Canalizar as águas da fonte Grande, as quais descem por uma imunda vala, denominada
Reguinho, receptáculo de tudo quanto se quer nele lançar.
4- Mandar fechar alguns cemitérios do centro da cidade, esses focos permanentes de
exalações mefíticas, verdadeiros insultos à salubridade pública.
5- Estabelecimento de um edifício a fim de nele serem recebidos os que primeiro forem
atacados de alguma epidemia, seqüestrando-os do resto da população, podendo ainda servir
de lazareto, quando seja adotado o sistema de quarentenas.
6- Não consentir que os guardas fiscais durmam o sono da indiferença. Não olhando eles
para eles chiqueiros, que existem até nas áreas de casas particulares, além do péssimo
estado em que constantemente estão os mais quintais e praças da cidade.
7- Mandar canalizar as águas, que descem de um simulacro de chafariz, que existe em um
canto da rua Duque de Caxias, que nenhuma utilidade tem, e cujas águas por falta de
declive ficam estagnadas na rua (Ibidem, p. 122).

Derenzi (1965, p.123) salienta que as medidas propostas não foram realizadas. Até o início da República, a
cidade continuava sem infra-estrutura sanitária e eram freqüentes as epidemias ocasionadas pela falta de
higiene pública.

Broedel (1994, p. 19) relata que:

havia, as águas que desciam dos morros cobertos por uma vasta vegetação, ainda virgem,
da Mata Atlântica, entre paredes, e a população nem sempre podia contar com o líquido,
pois em época de estiagem baixava consideravelmente o volume. A Capital ficava exposta
a constantes epidemias e outros pavores que enlutavam as famílias e prejudicavam a
realização do trabalho coletivo. Flagelos que se arrastavam numa cidade sem luz e sem
água canalizada. Fotografias antigas atestam os monômios de utensílios: baldes, latas,
púcaros, talhas, etc, no lago de Santa Luzia, onde se encontrava o mais importante chafariz
popular, compensado pelo transporte em pipas, quando não se comprava água nas canoas
do Rio Jucu. Os moradores do Carmo, mandavam apanhar água na Fonte Grande, a melhor
da cidade. Custava a lata 500 réis. Tudo porque para uma população demais de doze mil
almas, o abastecimento era feito pelos quatro chafarizes, que secavam em época de
estiagem, sujeitando os habitantes a receber o líquido de canoas, sem a menor condição de
higiene. Os canoeiros, ali dentro, tinham os pés!

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Derenzi (1965, p.141) ressalta que, quatro anos após a proclamação da República, frisava, em mensagem, o
presidente do estado no período de 1892 a 1896, José de Melo Carvalho Moniz Freire, que a cidade não teria
nada digno de menção. E complementa com um trecho dessa mensagem:

A começar pela capital, que foi sempre a principal cidade do Estado, nada achamos dignos
de menção. Cidade velha e pessimamente construída, sem alinhamentos, sem esgotos, sem
arquitetura, seguindo os caprichos do terreno, apertada entre a baía e um grupo de
montanhas; não tendo campo para desenvolver-se sem a dependência de grandes despesas:
mal abastecida de água; com um serviço de iluminação a gás duplamente arruinado, pelo
estado material e pela situação de sua empresa; sem edifícios notáveis; repartições e
serviços públicos mal acomodados à falta de prédios; sem teatro, sem passeio público, sem
hospitais, sem um serviço de limpeza bem organizado, sem um matadouro decente;
desprovida de toda a defesa sanitária; necessitando construir novos cemitérios, devido à
irrevogável condenação dos atuais [..].

Conforme Abreu et al. (1993, p.89), o plano de melhoramentos de Moniz Freire abrangeu o serviço de
abastecimento de água, esgoto, aterros, arruamentos, plano ferroviário, estudos para implantação do porto e
edifícios públicos. Dos serviços contratados à Companhia Brasileira Torrens, o governo recebeu apenas o
alicerce do reservatório de água do Morro Santa Clara 9 , o aterro do Campinho e o mal executado
arruamento da Vila Rubim, que ficou conhecido até 1910 como a Cidade de Palha, devido às coberturas de
suas casas. Esse conjunto de barracos teria sido a primeira favela de Vitória.

Como extensão de seu plano de melhoramentos, Moniz Freire apresentou o projeto Novo Arrabalde, do
Engenheiro Sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, que previa a expansão da cidade no sentido
Jucutuquara-Praia do Canto. O Novo Arrabalde era o que existia de mais moderno no Brasil: um loteamento
planejado e higiênico (Ibidem, p.90).

A transição mais efetiva da cidade colonial para Vitória moderna realizou-se durante a gestão de Jerônimo
Monteiro, presidente do estado entre 1908 e 1912. A cidade foi equipada com serviços até então inexistentes:
redes de água e esgoto, energia elétrica, bondes elétricos, construção de novos prédios públicos, início da
construção das obras do porto e a reforma do ensino (Ibidem, p.32).

Boerel (1994, p.23) apresenta o seguinte relato:

em 23 de setembro de 1909, às 17:30 horas, eram, festivamente, inauguradas a luz e a


distribuição de água, em Vitória. A da água realizou-se no Morro de Santa Clara,
considerada na época como uma verdadeira obra faraônica, onde foram o Presidente
Coronel Henrique Coutinho, especialmente convidado e grande comitiva. A onda popular
tomou a ladeira. Os melhores trajes saíram dos armários; bandas de música, foguetes e
girândolas. À medida que os encanamentos avançavam nas residências, operários
assentavam novos trilhos e abriram leitos para as manilhas. Trabalho penoso, numa cidade
cheia de ladeiras, ruas estreitas e solo rochoso. Era a luta que daria à cidade de Vitória os
serviços de esgotos, oficialmente inaugurados a 29 de janeiro de 1911. Os serviços de
esgotos complementavam-se em dois poços, construídos de cimento armado, ou estações
de recalque e tratamento: uma das quais no Porto dos Padres. E a descarga fazia-se no
Forte São João, ponto, considerado “fora da cidade”.

Em 1911, deu-se início à construção do Porto, que foi responsável pela concepção de outra cidade.
Praticamente todos os antigos cais desaparecem e o desenho da ilha foi modificado. As teorias higienistas
legitimavam o aterro dos mangues. Acreditava-se que neles viviam os miasmas das doenças, espécies de
fantasmas cheios de podridão e transmissores de enfermidades. Era preciso, então, aterrá-los. Foi assim com o
Caminho, que deu origem ao Parque Moscoso. Morreu a cidade colonial, voltada para o mar, e uma outra
começou a ser erguida (ABREU et al., 1994, p.33).

A partir de então, Vitória torna-se cidade habitável, quanto às condições sanitárias. A energia elétrica, além do
conforto doméstico, possibilitou o nascimento de pequenas indústrias, indispensáveis à vida moderna. O

9
Ainda principal reservatório atual da cidade.

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serviço funerário ganhou carros elétricos, facilitando os enterros no cemitério municipal de Santo Antônio, só
então inaugurado (ELTON,1986, p.17).

Os dois governos que sucederam ao de Jerônimo Monteiro não tiveram a mesma dinâmica. Umas das razões
da perda deste dinamismo foi a eclosão da I Grande Guerra Mundial, que criou, inclusive, sérios problemas ao
mercado do café. Somente com Nestor Gomes, entre 1920 e 1924, a cidade voltou a sofrer novas reformas.
(ABREU et al., 1994, p.33).

A tuberculose, o impaludismo e a febre amarela ainda alastravam-se com impertinência, causando muitas
mortes. Entretanto, as obras de saneamento e as demolições em massa do governo de 1924 “purificaram o
clima e tornaram a cidade agradável” (DERENZI, 1965, p.185). Elton (1986, p.19) ressalta que a água era
pura e abundante, observando-se a implantação de serviço regular de limpeza pública, hospital moderno,
isolamento discreto dos doentes contagiantes, polícia domiciliária, laboratório de análises, escadarias de
acesso à Cidade Alta, além de praças e jardins, ruas iluminadas, realizações que deram fama à cidade. Vitória
passou a ser conhecida, mesmo fora do Estado, como Cidade Presépio.

De 1924 a 1928, a obra iniciada por Jerônimo Monteiro tem como continuador o presidente Florentino
Avidos, que realiza uma administração com muitos resultados e em sua mensagem de governo relata como
encontrou a cidade de Vitória. No seu governo altera radicalmente a morfologia da cidade, com retificação,
alargamento e abertura de novas ruas; drenagem; pavimentação; reforço do abastecimento de água e de redes
de esgotos; ponte sobre a baía e escadarias monumentais. O prefeito Octávio Peixoto fez elaborar o Código de
Posturas Municipais e os princípios de segurança e higiene domiciliária foram impostos gradativamente. Os
porões semi-habitáveis foram condenados, o compartimento sanitário foi promovido a peça primordial,
ocupando posição destacada no projeto. O azulejo e o ladrilho hidráulico entraram nas construções de
banheiros e cozinhas. As casas de comércio foram obrigadas também a se higienizarem. O concreto armado
fez sua aparição oficial e se generalizou. Vitória renovou-se e evoluiu. O crescimento urbano da cidade
aumenta. Separa-se o domicílio do ambiente de trabalho, privilégio que era desfrutado pelo grande
comerciante (DERENZI, 1965, p.180, 183).

Conforme relata Pacheco (1998, p.118 e 28), a saúde pública no Espírito Santo após 1930 tem uma
considerável melhora. É erradicada a difteria. A única epidemia foi a de paralisia infantil, em 1938. Em 1936,
foi triplicada a capacidade do sistema de abastecimento de água, com adutoras de aço que vinham da represa
de Duas Bocas, em Cariacica. Foi obra de responsabilidade do estado, tendo como técnico o Engenheiro José
Alves Braga, que construiu também nova caixa d’água no morro de Santa Clara. Os banheiros mantinham-se
limpos, principalmente porque eram visitados, periodicamente, pelos “mata-mosquitos”, fiscais fardados,
financiados pela Fundação Rockefeller, que deixavam uma papeleta na parte interna das portas. Muitos
usavam como material de limpeza da casa a soda cáustica, o sabão em barras e o sabão de coco. Para a higiene
pessoal usava-se sabonete. Convivia-se bem com ratos e baratas, usando-se ratoeiras e naftalina. Havia
periódicas infestações de pulgas, carrapatos, piolhos, bichos de pé, que eram tratados com remédios caseiros.

Até 1940, com todas as obras, principalmente os aterros, a cidade adquire novas feições e diferentes
contornos. O Centro de Saúde de Vitória 10 , no Parque Moscoso, na época um dos mais modernos do país, foi
inaugurado em 1943 (ESPÍRITO SANTO, 2004).

Nos anos 1950 o crescimento de Vitória se acelera. O recenseamento desse ano indicou uma população de
53.500 habitantes, superando o censo de 1940 em 10.254 pessoas, ou seja, houve um crescimento de 24,3%.
Jones dos Santos Neves, nesta década, determinou executar os aterros da Esplanada da Capixaba e em Bento
Ferreira (ESPÍRITO SANTO, 2004).

Segundo o historiador Elton (1986, p.19), a partir da década de 60, Vitória começa a perder suas
características, com a imigração de muitas pessoas de fora do estado, aventureiros e mendigos. As ruas
tornam-se intransitáveis, tanto era o número de carros e pedestres. Muitos bairros e favelas surgem ao redor, a
população já não convive com a baía, agora simples canal, em decorrência dos aterros para construção do Cais
do Porto. Construções, erguidas em volta do Parque Moscoso, foram demolidas para dar lugar a edifícios.

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Ainda o Centro de Saúde da área central de Vitória.

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Os denominados “grande projetos” chegaram a partir dos anos 1970, modificando a cidade ainda mais. Agora
se fala na Grande Vitória, que passou a englobar os vizinhos municípios de Vila Velha, Cariacica, Serra e
Viana. As doenças tropicais que os mangues portavam, e seus “temíveis miasmas”, foram substituídos pelas
doenças sociais, desemprego, miséria, violência (ABREU et al.,1993, p. 39).

Em meados dos anos 1970, Vitória já se transformara num centro altamente congestionado. E com
considerável expansão da população favelada. Foi a partir de 1977 que teve início o processo de invasão da
região do contorno da ilha, formado por manguezais e morros, utilizado pela Prefeitura para dispor todo o lixo
da cidade. Em 1980, com cerca de 15 mil habitantes, formou-se a região de São Pedro, região esta invadida,
que teve início no mangue, em uma extensão de quase cinco quilômetros (Ibidem, p.139).

As décadas seguintes até os dias atuais estão caracterizadas pela urbanização e adensamento dos bairros com
obras de aterros em vários pontos da cidade. Pode-se afirmar que a mancha urbana atinge todos os limites do
município, estendendo-se em todas as direções, formando um todo, com os municípios de Vila Velha,
Cariacica, Viana, Serra e Guarapari.

Vitória na atualidade
Os resultados do censo realizado em 2000 mostram o nível de atendimento dos serviços de abastecimento de
água e de rede geral ou pluvial que é de 99,5% e 68,58% respectivamente (IPES, 2000). No Brasil, este
percentual é de 77,82% e de 47,24% respectivamente. A questão do risco de transmissão de doenças pela
água, o qual a população está exposta, tem sido destaque em um dos principais jornais da capital do Espírito
Santo (A GAZETA, 28/07/2002, 29/08/02 e 02/08/2004). As manchetes apontam para o hábito da população
local de consumir água de fontes não seguras, apesar da existência de sistema de abastecimento de água nos
diversos municípios: “há bairros em que há o abastecimento, mas que os moradores preferem a água do
poço”(A GAZETA, 29/08/02) e “até mesmo condomínio de bairro nobre apela para poços a fim de
economizar” (A GAZETA, 02/08/04).

O Município conta com 27 Unidades de Saúde e quatro Centros de Referência, localizados em vários bairros.
Um indicador que aponta os cuidados com a saúde é o índice de mortalidade infantil, representado pela Tabela
2 e os demais indicadores de saúde apresentados na Tabela 3. Informa-se, que no período de janeiro a março
de 2004, 405 pessoas foram internadas na cidade por doenças infecciosas ou parasitárias (PMV,2005).

Existem 355 estabelecimentos de saúde na cidade, dispondo de 2.004 leitos para o atendimento da população,
de acordo com dados disponibilizados pelo IBGE em 2002 (PMV,2005).

O município de Vitória conta com o "Programa de Saúde da Família", onde são atendidas, em média, 18.300
mil pessoas ao ano (dado de 2000). Este programa visa dar assistência às famílias dentro de cada bairro,
oferecendo serviços como visitas às famílias, palestras de conscientização e prevenção de doenças, consultas
em geral, cobertura pré-natal, vacinação e outros. Vitória também conta o "Programa de Agentes
Comunitários de Saúde", onde 33.366 mil pessoas foram atendidas e conscientizadas, em 2000 (PMV,2005).

As Agendas 21 Local constituem um processo participativo e multissetorial que busca alcançar objetivos por
meio da preparação e implementação de um plano de ação estratégica, de longo prazo, dirigido às questões
prioritárias para o desenvolvimento sustentável local. A partir das considerações dessa agenda em Vitória,
após o seu lançamento, um programa que vem merecendo destaque é o Projeto Terra (Projeto Integrado de
Desenvolvimento Social, Urbano e Ambiental, em áreas ocupadas por população de baixa renda do Município
de Vitória) como um dos programas promovidos pela PMV a partir do Projeto Vitória do Futuro.

A Prefeitura local, por meio do Projeto Terra, vem viabilizando a implantação de sistema de saneamento em
áreas de morros e manguezais invadidos. A Prefeitura , desenvolve também o projeto Banho de Saúde, que
busca informar os moradores de Vitória na utilização correta da água tratada e na destinação adequada do
esgoto doméstico.

A tabela 2 mostra a evolução da mortalidade infantil e a tabela 3 os indicadores de saúde em Vitória no


período de 2000 a 2002

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Tabela 2: Evolução da Mortalidade Infantil em Vitória no período de 2000 a 2002.


Ano Número de mortes por mil nascimentos
2000 15,30
2001 11,78
2002 7,93
Fonte: Secretaria de Estado da Saúde (2002).
PMV (2005)

Tabela 3: Indicadores da Saúde em Vitória no período de 2000 a 2002


Indicador Valor
% da população atendida pelo Programa de Saúde da Família (2000) 6,7
% da população atendida pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde (2000) 12,3
Nº de estabelecimentos de saúde (2002) 355
N.º de hospitais (Dez/2001) 11
N.º de leitos (Dez/2002) 2.004
Nº de Médicos (2002) 3.058
Despesa total com saúde por habitante (2001) - R$ 136,93
Fonte: Ministério da Saúde / SIAB / IBGE (2002)
PMV (2005)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção de cidade data do início da República, com Moniz Freire. Entretanto, se este concebeu a idéia de
cidade, foi Jerônimo Monteiro quem transformou suas idéias em realidade. Nestor Gomes e Florentino Avidos
continuaram essa concepção, dando prosseguimento às obras de melhoramentos urbanos e aterros, que
solucionaram partes de um conjunto de obras, pois a cidade está em constante transformação.

A evolução histórica de Vitória mostra que a cidade passou por um intenso processo de urbanização, como
muitas cidades brasileiras, exigindo a contínua adequação das políticas públicas de saúde e saneamento, tendo
como desafio sua integração com o urbanismo, a habitação, o transporte e a cidadania. Tais estratégias das
políticas urbanas devem ter prioridade, assumindo a necessidade de parceria com a sociedade civil por meio
da participação popular, instituindo princípios e instrumentos eficazes e abrangentes capazes de proporcionar
qualidade de vida aos habitantes das cidades, sob o risco de uma inaceitável degradação social.

No que tange ao saneamento e à saúde, existem diferentes dimensões, em níveis crescentes de complexidade,
a serem consideradas na definição de uma solução apropriada, como a econômica, financeira, social,
institucional e a política.

Portanto a reflexão histórica remete ao alerta de que, com o passar do tempo, as necessidades vão se
transformando e de que a história pode explicar a situação presente, auxiliando a compreender a configuração
do momento, não como mera cronologia, mas como um vetor geral da dinâmica social que pode ou não influir
na estrutura e nos sistemas que estão sendo retratados, revelando a determinação dos fenômenos de hoje e a
posição dos elementos que constituem, no momento presente, a estrutura urbana em análise.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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