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O ensinar e o aprender

na sala de aula
Ensinar e aprender são as duas tarefas constitutivas do fazer da sala de
aula. Entretanto, o lugar e a ênfase que se dá a cada uma destas tarefas
caracteriza as diferentes concepções teóricas que estão subsidiando a prática
pedagógica. Na maioria das vezes o professor em sua sala de aula sem se dar
conta de que seu fazer é orientado por uma determinada perspectiva teórica.
Assim, ao trabalhar com os diferentes conteúdos pode estar priorizando o ensinar
ou o aprender, a transmissão ou a construção do conhecimento. Tomar
consciência daquilo que faz, compreender o que e porque está fazendo algo,
porque está usando determinadas estratégias e não outras é fundamental para um
trabalho sério e produtivo.

Muitas vezes, programas de treinamento, reciclagens e imposições de


programas oficiais têm sido responsáveis por uma apropriação apressada e
superficial de determinadas teorias pelos professores. Em tais circunstâncias, é
passado aos professores um “que fazer” sem que eles possam de fato construir o
seu saber. É o discurso monológico que faz dos professores meros destinatários
de teorias e conceitos que lhes são apresentados como novos, representando a
solução milagrosa para os problemas que enfrentam em seu cotidiano escolar.
Não há oportunidade de troca, de interação verbal, fazendo com que a palavra
deixe de ser aquilo que Bakhtin (1988) chama de território social comuns dos
interlocutores. No dizer de Kramer (1993) as estratégias de formação de
professores transformadas em meros treinamentos, não têm considerado a
multiplicidade de significações que podem estar presentes nas enunciações do
“treinador”, nem a diversidade do auditório social formado pelos “treinados”. Nos
treinamentos e reciclagens há só um sujeito que fala, não permitindo ou ignorando
a livre expressão dos ouvintes. Além disso, o treinador ao oferecer o “novo
paradigma” como a “solução única” para os problemas a serem enfrentados na
escola, o faz desconhecendo a experiência dos participantes que acabam por
duvidar de suas próprias possibilidades e recursos. Perdida a confiança numa
prática conquistada pelo esforço de anos de trabalho, os professores se vêm
inseguros diante de uma novidade sedutora, mas desconhecida. Confusos, sem
pontos de referencia, se perdem num vazio. É isto o que tem acontecido, por
exemplo, com a implantação do construtivismo na educação. Como conseqüência
desta forma monológica com que se tem apresentado o construtivismo aos
professores, estes acabam ficando presos a rótulos, a conceitos que empregam
mecanicamente sem promover uma mudança rela em sua atuação na sala de
aula. Dizem-se construtivistas, fazem muitas coisas em nome do construtivismo,
mas sua prática não é transformada, o aluno não se torna de fato sujeito da ação
pedagógica, construtor do seu conhecimento. O que se vê são atuações
equivocadas, revestidas por rótulos que disfarçam uma prática que não se renova.
Assim, me propus escrever este artigo como uma contribuição ao professor na sua
reflexão sobre os fundamentos, compreensão e conseqüências pedagógicas das
diversas tendências que envolvem o ensinar e o aprender. Embora consciente da
artificialidade e limitações inerentes a processos de classificação, tentei organizar
de forma didática, um quadro comparativo das diversas possibilidades de se
trabalhar o conhecimento na sala de aula. Espero que assim, diante dos aspectos
apresentados, o leitor possa melhor situar as teorias compreendendo as práticas
pedagógicas que delas decorrem. Que essa compreensão possa levar a um
trabalho pedagógico mais consciente e portanto, mais produtivo.
Maria Teresa de Assunção Freitas1

1
Professora da Faculdade de Educação da UFJF
O quadro seguinte foi organizado em quatro concepções que chamo de:
objetivista, subjetista, cognitivista e sócio-histórica:

OBJETIVISTA SUBJETIVISTA COGNITIVISTA SÓCIO-HISTÓRICA


SUJEITO OBJETO
SUJEITO <= = OBJETO SUJEITO = => OBJETO SUJEITO <= => OBJETO
OUTRO
Conhecimento contido Conhecimento pertence
no mundo dos objetos ao sujeito antes de se 3.ª VIA – Conhecimento RUPTURA –
externos. relacionar com o mundo não está nos objetos, Conhecimento =>
Conhecimento => externo. nem nos processos relação dialética sujeito
experiências do mundo Conhecimento => internos, mas na ação do X meio historicamente
o objeto. anterior à experiência, sujeito sobre os objetos. construído.
Pré existe ao sujeito. inato.
Ênfase: objeto externo, Ênfase: processos Ênfase: relações
Ênfase: ação do sujeito.
meio-ambiente. internos, consciência. interpessoais.
Sujeito inter-ativo, ser
social construtor da
Sujeito: receptor Sujeito: ativo. Atividade
Sujeito: ativo, individual e individualidade
passivo, moldado de de conhecimento
cognitivo. interações entre
fora para dentro. exclusiva do sujeito.
indivíduos mediados
pela cultura.
Psicologia: Psicologia: Gestalt, Psicologia:
Psicologia: Piagetiana.
Behaviorismo. humanista. Sócio-histórica.
Educação: Escola
Educação:
Tradicional Escola Educação: Escola Nova. Educação: Progressiva.
Construtivismo.
Tecnicista.
Aluno: Construção
Aluno: Construtor de
Aluno: “tábula rasa”. Aluno: Potencialidades. partilhada de
conhecimentos.
conhecimento.
Pedagogia: Centrada
Pedagogia: Centrada Pedagogia: Centrada no Pedagogia: Centrada no
na atividade dos
por professor. aluno. aluno.
indivíduos em interação
Relações:
Relações: Hierárquicas Relações: Igualdade. Relações: Igualdade.
Intersubjetivas
Conhecimento => Conhecimento =>
Conhecimento => Conhecimento =>
transmissão / atualizar
construção individual. construção social.
reprodução. potencialidades.
ENSINAR APRENDER APRENDER ENSINAR/APRENDER
1 – A CONCEPÇÃO OBJETIVISTA
Para esta perspectiva o conhecimento pré-existe ao sujeito estando
contido no mundo dos objetos externos. Tal concepção se liga aos fundamentos
filosóficos do empirismo segundo o qual o conhecimento se realiza na experiência
do mundo do objeto, derivando direta ou indiretamente da experiência sensível.
Locke, filósofo inglês (1632 – 1704) ao descrever como se formam as nossas
idéias, mostra que elas têm como fonte a experiência opondo-se assim à
concepção das idéias inatas. Para ele, todo conhecimento humano tem sua
origem na sensação: “nada há em nossa mente que antes não tenha passado
pelos nossos sentidos”. A partir dos dados da experiência é que vão ser
produzidas as novas idéias através da abstração. Hume (1711 – 1776), filósofo
escocês, partindo das idéias de Locke, acredita também que todos os nossos
conhecimentos vêm dos sentidos. Assim, na perspectiva empirista não há outra
fonte para o conhecimento senão a experiência e a sensação. O que conheço é
porque foi por mim experienciado. Conheço a água porque a tomei ou nela
mergulhei, conheço uma flor porque a vi. Desta forma, o conhecimento é algo que
existe no meio físico ou social. Toda a ênfase do conhecimento está portanto no
ambiente, no objeto que é o determinante do ato de conhecer e não no sujeito que
conhece. (SUJ <= OBJ). O sujeito, nesta perspectiva, se comporta como um mero
receptor que reage passivamente às impressões do meio.

Uma corrente psicológica que incorpora estes princípios e que muita


influencia teve nas questões educacionais principalmente nos anos 60 e 70, mas
ainda presente nos dias de hoje) é o behaviorismo. Este se propõe a fazer m
estudo cientifico do homem, limitando-se, no entanto, à investigação do seu
comportamento que é compreendido como uma resposta a um estímulo externo,
sem nenhuma referência aos processos internos, à consciência. Escudando-se
nas contribuições do behaviorismo a tendência educacional tecnicista considera
os fenômenos educativos passíveis de observação, descrição, experimentação e
controle, pois considera que a pessoa pode ser compreendida a partir de seus
comportamentos externos. Daí a grande importância que confere ao ambiente
como condicionador e controlador das ações humanas. Nesse sentido, a
educação se reduz à manipulação de estímulos ambientais que levam a respostas
desejáveis (Freitas, 1994). A tecnologia educacional baseada em Skinner concebe
a educação como um processo de modificação de comportamento condicionada
às alterações das contingências de reforços. Toda essa concepção se faz
presente na escola através da formulação de objetivos operacionais (mostrando
que só se deve ensinar o que pude ser observado e medido), a instrução
programada, as estratégias de ensino, as manipulações de situações de
aprendizagem, os esquemas de reforços, o planejamento cientifico, a eficiência
organizacional. Pode-se pois, perceber, que o behaviorismo é responsável pela
abordagem mecanicista do processo ensino-aprendizagem que reduz a ação do
sujeito e sua autonomia diante de um ambiente controlador (Freitas, 1994). A
aprendizagem fica assim reduzida a um processo linear e relegada a um segundo
plano. O importante é o ensinar e aquele que ensina, o professor, tem um papel
destacado. Não é apenas a abordagem tecnicista que se enquadra nesta
perspectiva. A escola tradicional ao considerar o aluno como uma “tábula rasa” e
conferir ao professor um lugar de destaque também está enfatizando o ensinar
como função principal dentro da escola. Ambas as perspectivas vêem o
conhecimento como algo a ser transmitido pelo professor e adquirido pelo aluno.
Daí a importância dada à memorização, à reprodução, à cópia, em detrimento da
criação pessoal.
2 – A CONCEPÇÃO SUBJETIVISTA

De acordo com esta concepção o conhecimento pertence ao sujeito


antes que este se relacione com mundo externo. Esta é a perspectiva filosófica do
idealismo que interpreta a realidade do mundo exterior ou material em termos do
mundo interior, subjetivo ou espiritual. “Do ponto de vista da problemática do
conhecimento, o idealismo implica a redução do objeto do conhecimento ao
sujeito conhecedor” (Japiassu e Marcondes, 1990, pág. 126). O pensamento de
Kant está relacionado a esta perspectiva pois ele situa o mundo das idéias na
consciência individual e considera a razão como fundamento de todo
conhecimento possível (racionalismo). A sua Crítica da Razão Pura reinstaurou a
mente como um princípio de organização através do qual a própria experiência se
tornou possível e inteligível. Em relação ao conhecimento humano Kant afirma que
ele é o proveniente de duas fontes: a sensibilidade (os objetos nos são dados) e o
entendimento (os objetos são pensados). Esses dois elementos conjugados dão
ao sujeito a possibilidade da construção de um conhecimento que se refere a ele e
não à realidade em si, enfatizando portanto os processos internos. (SUJ => OBJ)

Esta perspectiva opõe-se à empirista ao relativizar a experiência,


absolutizando o sujeito na medida me que toda atividade de conhecimento é
exclusiva do sujeito e o meio dela não participa (Becker, 1993).

No campo psicológico esse pensamento se traduz na psicologia


humanista e na Gestalt. Tanto os gestaltistas quanto os psicólogos humanistas
acentuaram o valor do sujeito e exaltaram a sua natureza individual. Assim, a
psicologia centrada na pessoa, de Carl Rogers, partindo da concepção de homem
como ser autônomo e livre não determinado pelo ambiente social, vê como função
do processo educativo a facilitação de situações favoráveis ao desenvolvimento
pleno do educando baseado em suas tendências e predisposições naturais.
Assim, as condições de possibilidade do conhecimento são inatas, pré-
determinadas, isto é são dadas como condição de possibilidade. Os gestaltistas
negam a influência da experiência adquirida sobre a solução de novos problemas.
Assim, a concepção subjetivista de conhecimento reconhece a predominância do
sujeito sobre o objeto do conhecimento, valorizando a atividade e a criatividade.
Este ideal é abraçado, nas tendências educacionais, pela Escola Nova que coloca
o aluno como centro do processo educacional enfatizando o aprender, sendo o
professor um mero facilitador.

Ambas as concepções – a objetivista e a subjetivista – fragmentam a


realidade, não captando o movimento real do indivíduo na sociedade. No
objetivismo, a ênfase recai sobre o meio do qual o indivíduo é um mero produto.
No subjetivismo a ênfase recai no sujeito eu, dotado de uma essência universal é
anterior às condições ambientais e históricas. Ambas as perspectivas são a-
históricas e portanto, não realizam a síntese sujeito-objeto, indivíduo-sociedade
que é condição fundamental para a captação da totalidade dos fenômenos
psicológicos (Freias, 1994).
3 – A CONCEPÇÃO COGNITIVISTA

Na concepção objetivista o conhecimento é concebido como um dado


da experiência e assim o que se valoriza na prática pedagógica é a transmissão
do conhecimento sendo o professor considerado como aquele que ensina a um
aluno que adquire passivamente o ensinado. O subjetivismo considerando o
conhecimento como inato, não determinado pelo ambiente, compreende a
educação como resultado do desenvolvimento das predisposições naturais do
indivíduo. Contrapondo-se a estas duas posições, a concepção cognitiva, propõe
uma terceira via afirmando que o conhecimento não provém da experiência única
dos objetos, nem da programação inata pré-formada no sujeito, mas das ações do
sujeito sobre o objeto, frente a desafios cognitivos e situações problemáticas. Este
é o pensamento da psicologia de Piaget que, no campo do conhecimento, analisa
a questão das relações entre o sujeito que atua e pensa e os objetos de sua
experiência. Ele estudou o problema das relações sujeito-objeto em termos de
psicogênese, isto é, estudando os mecanismos pelos quais o sujeito constrói
sistemas de operações lógicas. Propõe assim sua epistemologia genética que se
caracteriza por conceber o processo construtivo do conhecimento a partir das
trocas recíprocas entre o sujeito e os objetos. Piaget (1990) procura, pois, mostrar
o funcionamento cognitivo e o processo de equilibração como responsáveis pela
possibilidade de inteligência ou pensamento ir, paulatinamente, construindo o
instrumental intelectual necessário à organização compreensível e inteligível da
realidade. Essa evolução do conhecimento através de um processo interativo
entre o sujeito e o mundo, entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer (SUJ
<= => OBJ). Nessa interação está implícito que o instrumento de troca entre o
sujeito e o mundo é a ação. Esta vai se transformando gradativamente desde as
ações reflexas pertencentes ao organismo biológico até alcançar o pensamento
formal abstrato. Assim a ação pode ser exercitada através da experiência física e
da experiência lógico-matemática. Na primeira o sujeito tenta compreender as
propriedades do objeto com o qual interage, assimilando-o; na segunda o sujeito
experimenta o objeto com suas próprias ações para abstrair suas propriedades. É
o sujeito que age em relação ao objeto e suas estruturas se transformam por
forças do objeto.

Para Piaget a adaptação e o equilíbrio são propriedades constitutivas


da vida. A adaptação se desdobra em assimilação e acomodação. Pela
assimilação o sujeito age sobre o objeto, efetuando-se um movimento de
interiorização, que implica numa reorganização das estruturas cognitivas. Pela
acomodação há ao contrário um movimento de exteriorização no qual as
estruturas cognitivas são ajustadas à base de novas informações provenientes do
mundo externo. A equilibração é o processo pelo qual se formam as estruturas
cognitivas e constitui, em última análise, a expressão da lei funcional que afirma a
atuação das estruturas (Piaget, J & Inhelder, B. 1978).

A perspectiva piagetiana traz em si a marca de várias influencias


filosóficas como o racionalismo kantiano e também o estruturalismo. Dessa forma,
apesar de propor uma terceira via percebe-se ainda em Piaget uma fonte marca
do papel do sujeito.

Analisando aspectos educacionais, a partir da teoria psicológica


piagetiana, pode-se dizer que aquilo que é incorporado à atividade dos alunos
pela descoberta pessoal passa a compor a estrutura cognitiva para ser empregado
em novas situações. Nessa perspectiva o ensino é visto como um convite à
exploração, à descoberta, tornando-se a sala de aula um espaço de construção
onde o aluno tem um papel central e ativo na produção do saber. Ele é o centro da
própria trajetória em direção ao conhecimento, da própria aprendizagem. Assim, a
perspectiva educacional construtivista não está voltada para o como ensinar e sim
para o como aprender. O aluno é considerado sujeito de sua própria
aprendizagem e esta está vinculada às possibilidades apontadas por seu
desenvolvimento, por sua maturação biopsicológica. Isto indica que o processo de
aprendizagem pode ocorrer espontaneamente, independente da ação ou
interferência de um outro sujeito. Dessa forma minimiza-se a atuação do
professor, que pode então ser comparada no dizer de Kesselring (1993) ao papel
de um jardineiro que rega as suas plantas.

Talvez a maior contribuição de Piaget à educação esteja na afirmação


de que a criança tem um papel ativo na sua aprendizagem. Entretanto, ao falar de
uma ação direta sujeito-objeto, não mediada pela interação com o outro, não
valorizando a linguagem e a cultura na construção das categorias de pensamento
pela criança, a importância da educação fica bem diminuída. No momento em que
para Piaget processos de desenvolvimento se equivalem a processos
maturacionais e que estes é que criam as condições para que a aprendizagem se
efetive, minimiza-se a ação da educação, da escola, do professor. O fracasso
escolar dessa forma é atribuído a um déficit pessoal, a um atraso no
desenvolvimento cognitivo, pois, o nível mental atingido é que determina o que o
sujeito pode fazer. Um dos aspectos mais problemáticos da perspectiva piagetiana
consiste em considerar o sujeito cognoscitivo pensante independente da cultura,
do conhecimento construído coletivamente. O construtivismo piagetiano
caracteriza-se por uma construção individual do conhecimento, no qual enfatiza-se
o aprender do aluno não sendo abordada a questão do ensinar com uma ação
educativa intencional.
4 – A CONCEPÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

Todas as três concepções já citadas apresentam-se fragmentadas e a-


históricas considerando o sujeito de forma abstrata e descontextualizada. Dessa
forma acentuam a natureza individual do homem em detrimento das
circunstâncias sociais que o envolvem. A insatisfação com os dois modelos
objetivistas e subjetivistas levou à busca de uma superação numa perspectiva
que, baseando-se em outros pressupostos filosóficos, pudesse compreender o
homem real e concreto. Esses pressupostos são encontrados na dialética maxista
que considera a natureza como um todo coerente em que os fenômenos se
articulam reciprocamente e onde os processos de crescimento se realizam não só
quantitativamente mas principalmente por mutações de ordem qualitativa
considerando o progresso como um processo resultante das lutas de tendências
contrárias. (Japiassu & Marcondes, 1990).

Essa é a perspectiva sócio-histórica, para a qual o conhecimento é


construído numa relação dialética entre sujeito e objeto, isto é, entre sujeito e o
meio histórico. Portanto, trata-se de uma relação não só com objetos, mas
principalmente uma relação entre pessoas, entre sujeitos. Esses é o pensamento
de Vygotsky, que ao empreender uma crítica da psicologia de seu tempo,
apresentou não uma terceira via para se compreender a construção do
conhecimento, mas foi mais longe, realizando de fato um rompimento ao articular
sua proposta inovadora. Para ele a relação do sujeito com o conhecimento não é
uma relação direta, mas mediada. Essa mediação se processa via um outro, via
linguagem.

SUJEITO OBJETO

OUTRO
Enquanto no cognitivismo não há mediação entre o sujeito e o objeto do
conhecimento (o acesso é direto), para Vygotsky (1993), caberia à linguagem, por
suas propriedades formais e discursivas esse papel mediador que põe em relação
o homem e sua história, a cognição e seu exterior discursivo. A mediação
semiótica proposta por Vygotsky mostra que “não há possibilidade integrais de
pensamento ou de conteúdos cognitivos fora de linguagem nem possibilidades
integrais de linguagem fora de processos interativos humanos, contingenciados
sócio-culturalmente” (Morato, 1997, pág. 39).

Essa posição de Vygotsky enfatiza, portanto, a relação do sujeito com o


conhecimento como uma interação entre sujeito viabilizada pela linguagem. Dessa
forma o conhecimento se constrói nas relações interpessoais. É o que o autor
defende ao dizer: “Um processo interpessoal é transformado num processo
intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas
vezes: primeiro, no nível social, e depois, no nível individual; primeiro entre
pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)”.
(Vygotsky, 1991, pág. 64). Portanto, o sujeito do conhecimento para Vygotsky não
é apenas ativo mais interativo. A construção individual é o resultado das
interações entre indivíduos mediados pela cultura. “O caminho do objeto até a
criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura
humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento
profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social”
(Vygotsky, 1991, pág. 33).

No campo psicológico essa perspectiva é adotada pela psicologia


sócio-histórica que reúne, entre outros, os nomes de Vygotsky, Luria Leontie,
Elkonin, Wallon, etc. Na educação essa perspectiva se concretiza nas tendências
progressistas que, propondo um movimento transformador e crítico que considere
o homem enquanto um sujeito histórico, são defendidas por autores tais como
Paulo Freire, Saviani, Rodrigues e muitos outros. Toda a pedagogia derivada da
psicologia sócio-histórica se centraliza na atividade dos indivíduos em interação e
o conhecimento é visto de forma compartilhada. Alunos e professores participam
de uma construção partilhada do saber. Daí que o conhecimento não se restringe
a uma construção individual mas, se realizando no coletivo, é uma construção
social. Na sala de aula não há lugar para o ensinar e o aprender de forma isolada.
Toda ênfase é colocada no ensinar/aprender como um processo único do qual
participam igualmente professores e alunos. O professor é aquele que, detendo
mais experiência, funciona intervindo e mediando a relação do aluno com o
conhecimento. Ele está sempre, em seu esforço pedagógico, procurando criar
Zonas de Desenvolvimento Proximal2, isto é, atuando como elemento de ajuda, de
intervenção, trabalhando junto com o aluno numa construção compartilhada do
conhecimento. Dessa maneira o desenvolvimento é olhado prospectivamente: o
que importa são os processos que, embora ainda não estejam consolidados,
existem embrionariamente no individuo. Assim, na Zona de Desenvolvimento
Proximal o professor atua de forma explícita interferindo no desenvolvimento
proximal dos alunos, provocando avanços que não acorreriam espontaneamente.
Vygotsky desta forma, resgata a importância da escola e do papel do professor
como agente indispensável do processo de ensino-aprendizagem. O que ocorre
na escola: a intervenção do professor e sua ajuda através de explicações,
demonstrações, exemplos, orientações, instruções, fornecimento de pistas, são
ingredientes importantes do processo de ensino que levam o aluno ao
desenvolvimento. É assim que, Vygotsky ao considerar a aprendizagem como um
processo essencialmente social – que ocorre na interação com adultos e
companheiros mais experientes – destaca que as funções psicológicas humanas
são construídas na apropriação de habilidades e conhecimentos socialmente
disponíveis. É neste sentido que Bruner (1981) compreende que a teoria
educacional de Vygotsky é uma teoria da transmissão cultural, tanto quanto do
desenvolvimento.

2
“Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é um conceito especifico da teoria de Vygotsk”. Ela é
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da
solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
ativos. (Vygotsky, 1991, pág. 97)
CONCLUSÃO

Espero que as considerações feitas neste artigo sobre a construção do


conhecimento possam ajudar o professor a refletir sobre seu fazer na sala de aula.
O que ele tem priorizado em seu cotidiano escolar, a memorização, a reprodução
ou a criatividade do aluno? A transmissão ou a construçÃo do conhecimento? O
ensinar ou o aprender? A construção individual ou coletiva do conhecimento?
Responder a estas questões já será um início de compreensão sobre o seu
trabalho e um primeiro passo para as mudanças que se fizerem necessárias.
BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN, M (VOLOCHINOV, V.N.). Marxismo e Filosofia da linguagem. São

Paulo: Hucitec, 1988.

BECKER, F. A epistemologia do professor. Petrópolis: Vozes, 1993.

BRUNER, J. Prologue to the english edition. In: l. S. Vygotsky, Problems of

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FREITAS, M. T. Vygotsky e Bakhtin – Psicologia e educação: um intertexto.

São Paulo: Ática / EDUFJF, 1994.

JAPIASSU, H. & MASRCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

KRAMER, S. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. São Paulo: Ática,

1993.

KESSELRING, T. Jean Piaget. Petrópolis: Vozes, 1993.

MORATO, M. E. Linguagem, cultura e cognição: contribuições dos estudos

neurolingüísticos. In: Linguagem, Cultura e cognição – reflexões para o ensino

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PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense universitária,

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PIAGET, J. & INHELDER, B. A psicologia da criança. São Paulo: Difel, 1978.

VYGOTSKY, S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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