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A psicologia do eneagrama

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”


D. Estevão Bettencourt, osb.
Nº 401 – Ano 1995 – Pág. 450

Em síntese: A temática do Eneagrama apresenta dois aspectos bem distintos: o


psicológico e o “místico”. O aspecto psicológico tem o valor que os psicólogos julguem
dever atribuir-lhe. Não o discutimos neste artigo.

O aspecto místico é inconsistente pode ser dissociado do aspecto científico ou


psicológico. O fato de que correntes de pensamento utili¬zaram o símbolo da estrela de
nove pontas e desenvolveram suas idéi¬as religiosas em conexão com esta imagem, não
depõe necessariamen¬te contra tal figura e muito menos depõe contra o sistema
psicológico correlativo.

Nova Era, como amálgama de concepções diversas e heterogêne¬as, pode incluir em


seu leque o símbolo do Eneagrama e as idéias esotéricas ou panteístas que lhe são
associadas pelos “místicos”. Neste caso, o Eneagrama se torna inaceitável para o cristão,
na medida em que possa sugerir ou incutir panteísmo, magia> reencarnação... Todavia
mesmo então o aspecto psicológico conserva a validade que os cientis¬tas lhe atribuem.

O Eneagrama é um sistema de psicologia que procura fazer que as pessoas


compreendam a si mesmas e compreendam as outras; para tanto, indica nove (ennéas)
tipos (grámmata, em grego) de personali¬dade; num desses tipos cada indivíduo se
enquadra com maior ou me¬nor precisão. Embora seja um produto de pura psicologia, o
Eneagrama tem sido associado a concepções religiosas e “místicas” que, aos olhos de
alguns observadores, tornam o Eneagrama espúrio ou suspeito de conivência com a
Nova Era.

Examinemos um e outro dos aspectos do Eneagrama, valendo-nos, para o aspecto


psicológico, da obra de Helen Palmer: Eneagrama. Ed. Paulinas 1993 (citado como HP).

1. QUE DIZEM OS PSICÓLOGOS?

“O Eneagrama é um antigo ensinamento sufi, que descreve nove tipos diferentes de


personalidade e suas inter-relações. - Esse ensinamento pode-os ajudar a identificar
nosso próprio tipo e a lidar com nossos problemas, a compreender nossos colegas de
trabalho, pessoas amadas, familiares e amigos” (HP, p. 23).

O Eneagrama ensina a encarar os hábitos que geralmente são considerados meramente


neuróticos como pontos de acesso, em potenci¬al, para estados superiores de
consciência. Supõe-se que o indivíduo possa e deva evoluir para graus de personalidade
mais perfeita, de modo que as tendências neuróticas podem ser vistas como mestres e
bons amigos que levam o indivíduo à próxima fase do seu desenvolvi¬mento.

A representação dos nove tipos de personalidade se faz mediante uma estrela de nove
pontas envolvida dentro de um circulo. Cada ponta corresponde a um tipo de
personalidade: 1) O Perfeccionista: 2) O Dador; 3) O Desempenhador; 4) O Romântico
Trágico; 5) O Obsevador; 6) O Advogado do Diabo; 7) O Epicurista; 8) O Patrão; 9) O
Mediador Ver figura abaixo.

Cada um desses números pode também representar uma paixão:

1) Raiva; 2) Orgulho; 3) Engano; 4) Inveja; 5) Avareza; 6) Medo; 7) Gula; 8) Luxúria; 9)


Preguiça.

Eis a descrição de cada tipo de personalidade:

1) O Perfeccionista é crítico de si e dos outros. Sente-se superior aos demais. Adia as


suas decisões por medo de cometer um erro. Usa muito os verbos dever e precisar.

2) O Dador é empenhado em satisfazer às necessidades alheias. Tem muitos eu; mostra


um eu diferente a cada bom amigo. Procura ser amado e apreciado, tornando-se até
indispensável a outra pessoa. É agressivamente sedutor.

3) O Desempenhador é competitivo, obcecado pela imagem do vencedor. Procura ser


estimado por causa dos serviços que presta; pode parecer mais produtivo do que de fato
é. Sujeito a trabalhar em excesso e, por isto, sofrer do coração, de pressão alta. É
impaciente com aque¬les que querem trabalhar em ritmo mais lento.

4) O Romântico Trágico é atraído pelo inacessível; o ideal nunca é o aqui e agora.


Trágico, triste, sensível, concentrado na perda de um amigo ou num amor ausente.

5) O Observador mantém distância em relação aos outros. De¬fende a sua privacidade, e


evita envolver-se. Sente-se esgotado por compromissos e pelas necessidades alheias. É
desligado de pessoas, sentimentos e coisas.

6) O Advogado do Diabo é medroso, atormentado pela dúvida. Receia tomar iniciativas,


porque isto, pode levar a disputas, Identifica-se com os injustiçados; é antiautoritário.

7) O Epicurista é o diletante, amante volúvel, superficial, aventu¬reiro; gosta de comer


bem. É pouco dado a compromissos, pois prefere manter as opções em aberto.
Geralmente alegre, estimula o ambiente. Inicia empreendimentos, mas não costuma
acompanhá-los até o fim.

8) O Patrão é extremamente protetor. Toma a defesa de si mesmo e dos amigos


combativos; assume o controle; não receia brigar. Tem suas manifestações de raiva e de
força, mas respeita oponentes que resistam e lutem.

9) O Mediador é excessivamente ambivalente. Considera todos os pontos de vista.


Substitui os próprios desejos pelos desejos alheios e deixa objetivos concretos para
atender a atividades não essenciais. Conhece as necessidades alheias melhor do que as
próprias. Tende ao devaneio.

Até aqui fala a psicologia, sem tocar em filosofia ou religião. O Eneagrama, na medida em
que é esta classificação, fica no plano das ciências experimentais; há de ser discutido
entre psicólogos. Acontece, porém, que se lhe atribuem conotações de ordem "mística",
que o tor¬nam controvertido em âmbito mais amplo, ou seja, em ambientes filosó¬fico-
religiosos. Examinemos, pois, o aspecto “místico” do Eneagrama.

2. A “MÍSTICA” DO ENEAGRAMA
A imagem da Estrela de nove pontas, que representam os nove tipos de personalidade,
era utilizada pelos muçulmanos sufistas, que professam concepções esotéricas. - E que é
o sufismo?

O sufismo (do árabe suf, pano de lã, túnica, que os primeiros sufistas usavam por ascese)
é uma corrente de espiritualidade muçulmana que no século X começou a se opor ao
racionalismo e ao formalismo jurídico de alguns mestres. Teve origem na Pérsia, onde
sofreu a influência das escolas filosóficas e religiosas que durante séculos antes do Islã
ali se confrontaram, tais como o neoplatonismo, o hinduísmo, o Cristianismo e o
maniqueísmo. O sufismo assim construído procura cultivar o amor a Deus e a
contemplação até o êxtase mediante a ascese e a purificação do coração. Tal escola de
espiritualidade não deixa de ter seus aspec¬tos esotéricos e fantasiosos, que lhe valeram
suspeitas e desconfiança da parte de outras correntes. A Sra. Dorothy Ranaghan, por
exemplo, afirma que "o sufismo contemporâneo se tornou um misto de panteísmo, magia
e racionalismo, com crença em telepatia, televiagens, premonição, transmigração de
almas e negação de um Deus pessoal" (texto citado por Ralph Rath, Nova Era, um Perigo
para os Católicos. Ed. Louva a Deus, Rio de Janeiro, pp. 174s).

Há também quem diga que o Eneagrama corresponde à Arvore da Vida da Cabala; cf. HP,
p.31.

O que o Ocidente sabe de esotérico sobre o Eneagrama, se deve a George lvanovtch


Gurdjieff, oculista americano, que viveu na Rússia de 1877 a 1947, Segundo dizem,
Gurdjieff teve grande influência sobre o movimento dito New Age (Nova Era). Observa
Dorothy Ranaghan: "Os escritos de Gurdjieff são cheios de descrições de influências
planetárias, corpos astrais, clarividência, experiências telepáticas e explicações do
verdadeiro significado de interesses ocultos como kindalini e Taro". Para Gurdjieff, o
Eneagrama tem poderes secretos não particularmente aliados à tipologia da
personalidade. "O Eneagrama é um símbolo universal", acreditava Gurdjieff. "Todo
conhecimento pode ser incluí¬do no Eneagrama e, com a ajuda dele, ser interpretado"
(textos transcritos da citada obra de Ralph Rath, pp.174s).

As concepções filosófico-religiosas que vêm assim associadas ao Eneagrama, são


devidas a premissas pessoais e subjetivas Derivam-se, em grande parte, da "mística dos
números" ou do hábito de atribuir valor qualitativo a certos números - coisa arbitrária, visto
que os núme¬ros como tais são qualitativamente neutros. Eis como Helen Palmer, em
estilo relativamente sóbrio, propõe esse "misticismo" dos números:

"A estrela de nove pontas mapeia a relação entre duas leis fundamentais do misticismo: a
lei do Três (trindade), que identifica as três forças presentes no início de um evento, e a lei
do Sete (oitava), que governa as fases de implementação desse evento, à medida que se
desenrola no mundo físico.

A lei do Três é representada pelo triângulo interno do Eneagrama. O triângulo transmite a


idéia da necessidade de três forças para a cria¬ção, em vez das duas visíveis: causa e
efeito. Este conceito está preser¬vado na trindade cristã do Pai, do Filho e de Espírito
Santo, e nas três forças divinas da criação no hinduísmo, as chamadas Brahma, Vishnu e
Shiva. Estas três forças também poderiam ser chamadas criativa, destrutiva e
preservadora, ou ainda, ativa, receptiva e reconciliadora. Gurdjieff, uma fonte básica do
sistema do Eneagrama, as chamava sim¬plesmente força Um, força Dois e força Três, e
foi sua a observação de que a humanidade era cega para essa terceira força” (ob. cit.,
p.59).

O raciocínio nos diz que 1) o simbolismo dos números é algo de arbitrário; o número 13,
para uns, é de mau agouro, ao passo que, para outros, é alvissareiro ou de bons
presságios¹; e 2) dado que o simbolis¬mo se fundamente em alguma semelhança,
nenhum número, como tam¬bém nenhuma figura geométrica, emite energia criadora ou
destruido¬ra. Em conseqüência, não há por que temer a presença de símbolos,
diagramas e gráficos; como tais, nada podem fazer; está claro, porém, que, se alguém se
deixa sugestionar por pretensa eficácia desses si¬nais, está sujeito a se prejudicar,
porque está, condicionado para se sentir débil, perseguido, condenado... O símbolo,
porém, como tal não possui virtude nem benéfica nem maléfica.

Estes dados permitem passar a uma

3. CONCLUSÃO

A temática do Eneagrama apresenta dois aspectos bem distintos: o psicológico e o


"místico". O aspecto psicológico tem o valor que os psicólogos julguem dever atribuir-lhe.
Não o discutimos aqui.

O aspecto "místico" é inconsistente; pode ser dissociado do aspec¬to científico ou


psicológico. O fato de que correntes de pensamento utilizaram o símbolo da estrela de
nove pontas e desenvolveram suas idéias religiosas em conexão com essa imagem não
depõe necessaria¬mente contra tal figura e muito menos depõe contra o sistema
psicológi¬co correlativo.

Nova Era, como amálgama de concepções diversas e heterogêne¬as, pode incluir em


seu leque o símbolo do Eneagrama e as idéias esotéricas ou panteístas que lhe são
associadas. Neste caso, o Eneagrama se torna inaceitável para o cristão, na medida em
que pos¬sa sugerir ou incluir panteísmo, magia, reencarnação... Todavia mesmo então o
aspecto psicológico conserva a validade que os psicólogos lhe atribuem.

¹ Cf. PR 27/1960, pp. 91-99 e Curso sobre Ocultismo da Escola “Mater Ecclesiae”, Módulo
20. Para citar um caso apenas, mencionamos o dos Estados Unidos da América: o
número 13 era ali de bom agouro, porque inicialmente eram treze os Estados que
constituíam a união norte-americana; além disto, o lema da união consta de treze letras (e
pluribus unum); a águia norte-americana está revestida de treze penas em cada asa;
Jorge Washington hasteou o estandarte republicano com uma salva de treze tiros. E
pluribus unum = de muitos faz-se um só.

Data Publicação: 16/01/2008

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