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“ ... e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a
terra ... desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua
do outro. “
Gn. 11;4;7.
Quanto a Babel tenho dúvidas. Quanto às interpretações usuais do episódio, quero dizer.
Lembro me de um dia ter lido, algures, uma referência que abordava o episódio de
forma mais ou menos misteriosa, como se fora uma espécie de segredo bem guardado
por algumas confrarias de sábios eruditos, ou que, seriam, estes sábios eruditos, pelo
menos relutantes no tecer de qualquer tipo de comentário ou consideração em relação ao
dito episódio.
Este salto, poderia pensá-lo como consequência do encher das condições estruturais do
neolítico e consequente surgir do tédio neolítico, ou da possibilidade daí resultante. O
pôr da possibilidade de mais nas longas noites do tédio neolítico reflectido.
.
E falam, estas interpretações que referi, talvez, da tentativa de construção da primeira
linguagem artificial, talvez, a escrita, talvez, a astronomia, talvez, o conceito de tempo
maquinal, talvez, até, a própria noção de indivíduo, talvez.
Do que se fala com toda a certeza, digo eu, é da “invenção” do trabalho organizado em
função de um “nome”, de uma “obra”, de um imperador ou de um deus; de um “ideal”
ou noção de infinito. Da civilização diria.
E este ponto de vista especular que surge, assinala, talvez, o próprio nascimento do
Mito enquanto notação de um trajecto, por um lado, e fundamento (cultural) da estrutura
por outro. O Mito, que foi o trajecto percorrido desde a anterior organização social até
esta nova é, agora, no acto de ser notado na linguagem, invertido no seu sentido que
passa a ser a conservação da nova estrutura e dos privilégios linguísticos das suas
emergentes castas. Esta nova organização toma-o - o Mito – nesta notação que lhe
inverte o sentido e coloca-o como mecanismo de condicionamento e controle mental da
matéria humana. A “cultura”.
Este mecanismo especular que têm, talvez, a sua origem e contrapartida mais remota
nas fogueiras da deusa do neolítico vêm, aqui, ao tomar-se espelho, dar-se à luz do
desejo, assumir a linguagem do “deve ser” civilizado – que virá a culminar, alguns
milénios à frente na bem actual estrutura da má consciência - e a tornar-se, assim, o
garante (oculto) maquinal de uma representação festiva que têm, como fundamento e
objectivo, o conservar de um ilusão.
Após tudo isto chego, finalmente, ao tema a que me propunha de início, e torno a
perguntar-me : quanto a Babel ?
A falar verdadeiramente será até outra coisa, “bem pior”, mas enfim, (n)aquele
momento em que a “matéria” adquire a abertura total à impressão e porque ainda não
atingiu Babel, e ainda é sujeita a impressões de resquícios formais que vogam nesse
limbo, nesse momento é uma “matéria” ainda e completamente vulnerável.
Bom, sem dúvida que Babel é uma imagem forte e o seu quase culminar formal em
linguagem caótica, em fusão das linguagens num momento, em confusão – “confusão”
esta, aliás, profusamente notada e “enquadrada” pela cabala askhenazi – é, por fim,
dissolução desta e irromper, da “confusão”, em esclarecimento que é ausência de
linguagem.
“Os espíritos falam todos entre si uma linguagem sensual, não precisam de outra
linguagem, porque a sua linguagem é a linguagem da natureza.”
J.Böhme.
Nuno Rocha08