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Augusto de Franco
Escola-de-Redes (09/05/10)
Isto é um draft
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ou menos assim como se tentou, durante décadas, livrar Lenin
das conseqüências maléficas dos sistemas políticos implantados
por seus seguidores) induzem à uma resposta afirmativa a esta
questão. O problema, como já se disse aqui, não é tomar a
biologia como geratriz de comportamentos sociais, o que, sob
certo aspecto, é inevitável uma vez que o homem é um ser
biológico basicamente. O problema está no tipo de biologia que
se toma. Desse ponto de vista todo darwinismo é social na
medida em que foi o comportamento social, observado num
tipo de sociedade, que levou Darwin e seus seguidores a inferir
um comportamento natural, ou melhor, a interpretar o
comportamento natural em termos de luta. A sociedade inglesa,
sob o influxo do emergente mercado capitalista, apresentava-se
de fato como um campo de luta generalizado e até certo ponto
selvagem (aliás, a expressão “capitalismo selvagem” tem tudo
a ver com isso). Pelo que se pode depreender, a “lei da selva”
não saiu da selva para a “praça do mercado” mas, ao contrário,
da segunda para a primeira como, aliás, já havia reconhecido
Marx em 1862.
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sua divisão de trabalho, competição, abertura de novos
mercados, ‘invenções’ e a luta malthusiana pela existência. É a
bellum omnium contra omnes de Hobbes”” (Ridley, 1996: 284-
5).
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caminho de evolução para todos os organismos superiores”
(Capra, 1996: 185) (n. i.).
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Jornada nas estrelas. A visão da engenharia asséptica nos
libertando de nossos companheiros de planeta não é apenas
insossa e tediosa, mas toca as raias do revoltante. Não importa
o quanto nossa espécie nos preocupe, a vida é um sistema
muito mais amplo. A vida é uma interdependência
incrivelmente complexa de matéria e energia entre milhões de
espécies fora (e dentro) de nossa própria pele. Esses estranhos
da Terra são nossos parentes, nossos ancestrais, e parte de
nós. Eles reciclam nossa matéria e nos trazem água e alimento.
Não sobrevivemos sem “o outro”. Nosso passado simbiótico,
interativo e interdependente, é interligado por águas agitadas”
(Margulis, 1998: 106) (n. g.).
Por isso tem razão Fritjof Capra quando assinala que “a teoria
da simbiogênese implica uma mudança radical de percepção no
pensamento evolutivo. Enquanto a teoria convencional concebe
o desdobramento da vida como um processo no qual as
espécies apenas divergem uma da outra, Lynn Margulis alega
que a formação de novas entidades compostas por meio da
simbiose de organismos antes independentes tem sido a mais
poderosa e mais importante das forças da evolução. Essa nova
visão tem forçado biólogos a reconhecer a importância vital da
cooperação no processo evolutivo. Os darwinistas sociais do
século XIX viam somente competição na natureza – “a
natureza, vermelha em dentes e em garras”, como se
expressou o poeta Tennyson –, mas agora estamos começando
a reconhecer a cooperação contínua e a dependência mútua
entre todas as formas de vida como aspectos centrais da
evolução. Nas palavras de Margulis e de Sagan: “A vida não se
apossa do globo pelo combate, mas sim, pela formação de
redes” [Margulis e Sagan, 1986: 15] (Capra, 1996: 185) (n. i.)
(n. g.).
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Se nossos antropólogos, sociólogos e economistas passassem a
tomar como referência a produção, por exemplo, de Margulis,
Maturana ou Gould, ao invés de Darwin e seus seguidores,
Wilson ou Dawkins; ou seja, se tomassem como pressupostos
outras biologias da evolução, é muito provável que fizessem
outro tipo de ciência social e econômica. E que, assim, suas
interpretações do que ocorre na natureza não fossem tão
projetivas do que observam na sociedade mercantil.
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maiores de cooperação e/ou graus menores de competição nas
sociedades atuais. Nem quer dizer que uma “lógica” competitiva
(como, por exemplo, a do mercado) deva necessariamente
prevalecer nas sociedades civis e nos governos das sociedades
realmente existentes no mundo de hoje (como preconiza a
ideologia dita neoliberal e outras teorias sub-liberais esposadas
por grande parte dos economistas hodiernos) [...]”
O determinismo genético
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Ao evocar a idéia de “meme” quero colocar a questão de que
cada elemento do mundo (ou nodo da rede) influi no mundo a
partir da afirmação da sua própria maneira de
ser/estar/receber-processar-devolver estímulos/interagir em
suma, e que quanto mais essa maneira puder ser copiada
(provavelmente por imitação – e é a isso que se chama, no
caso dos “memes”, de replicação) por outros nodos, maior será
o poder (como medida da capacidade) desse elemento de influir
no comportamento dos outros elementos do mundo.
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Embora afirmando que tratava-se de um recurso lateral de
argumentação, lancei mão da metáfora de Dawkins – o “meme”
– aventada há quase 30 anos por analogia com o “gene”. Este
último estaria para a síntese de proteínas assim como o
primeiro estaria para a construção de comportamentos. Tanto
genes quanto “memes” seriam replicadores: enquanto os
primeiros seriam copiados, grosso modo, por células, os
“memes” seriam copiados por cérebros.
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analogia com o gene, que gerou o conceito de “meme”,
promove uma importação desses problemas.
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que foram copiados de forma levemente alterada pelos cérebros
infectados).
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muito além da seleção de variações casuais nos genes, tendo-se que
levar em conta, para explicá-la, pelo menos, mais três sistemas de
herança além da genética: a epigenética (transmissão de
características celulares, alheia ao DNA), a comportamental e a
simbólica (linguagem e outras formas de comunicação).
Notas e referências
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CAPRA, Fritjof (1996). A teia da vida: uma nova compreensão científica dos
sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1997.
(4) Quem quiser conhecer uma perspectiva não darwinista, não neo-
darwinista e não determinista em termos genéticos deve ler,
fundamentalmente, os livros de Lynn Margulis e Humberto Maturana. E
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também: Ho, Mae-Wan e P. T. Saunders, orgs. (1984). Beyond darwinism:
introduction to the new evolutionary paradigm. London: Academic Press;
Ho, Mae-Wan e S. W. Fox, orgs. (1988). Evolutionary processes and
mataphors. London: Wiley; Ho, Mae-Wan (1998). Genetic engineering:
dream or nightmare? Bath: Gateway Books; Strohman, Richard (mar.,
1997). “The Coming Kuhnian Revolution in Biology”, Nature Biotechnology,
vol. 15 e, sobretudo o mais recente Keller, Evelyn Fox (2000). The century
of the gene. Cambridge, Mass.:Harvard University Press. Para uma
abordagem simplificada de divulgação, pode-se ler ainda: Harman, Willis e
Sahtouris, Elisabet (1998). Biologia revisada. São Paulo: Cultrix:, 2003; e
Capra, Fritjof (2002). As conexões ocultas. São Paulo: Cultrix/Amana-Key,
2002 (em especial o capítulo seis).
(8) Para não poluir o texto com mais uma extensa (auto)citação, confino
aqui nestas notas excertos do texto “Indicações de leituras sobre
desenvolvimento” (2007), disponível no link http://migre.me/Ddgv
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utilizada em inglês para nomear o processo de revelar uma imagem
fotográfica. A imagem já está imanente no filme, no interior da
câmera, e o processo de revelação – development, em inglês –
simplesmente torna visível a imagem latente. É exatamente essa a
visão da biologia do desenvolvimento a respeito do desenvolvimento
de um organismo. A moderna biologia do desenvolvimento é
totalmente concebida em termos de genes e organelas celulares,
cabendo ao ambiente apenas fazer as vezes de cenário. Considera-se
que os genes no ovo fertilizado determinam o estado final do
organismo, enquanto o ambiente em que o desenvolvimento ocorre é
tão-somente um conjunto de condições propícias a que os genes se
expressem, assim como o filme fotográfico, ao ser exposto, produzirá
a imagem que nele já está imanente, quando colocado nos líquidos
apropriados e na temperatura adequada”.
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espécie, variando com relação ao “tipo”, eram vistos como
realizações imperfeitas do ideal subjacente. O problema da biologia
consistia, então, em dar uma descrição anatômica e funcionalmente
correta dos “tipos” e explicar as suas origens. A biologia evolutiva
moderna rejeita esses ideais platônicos e sustenta que a variação
efetiva entre os organismos é a realidade que precisa ser explicada.
Essa mudança de orientação é conseqüência da ascensão da visão
darwiniana de que a variação efetiva entre os organismos é a base
material de que depende a mudança evolutiva.
Mas o fato de que ele possa ter razão no que tange a evolução de
organismos, não significa que teorias transformacionais da mudança
não se apliquem às sociedades humanas. Pode significar,
simplesmente, que sociedades humanas não são como organismos
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que evoluem segundo um modelo variacional. E que sociedades
humanas passam por processos transformacionais de mudança. Ora,
como ele mesmo ressalta, “o desenvolvimento é uma teoria
transformacional da mudança”. E, ou admitimos que o
desenvolvimento se aplica a sociedades humanas ou, então, é melhor
abandonar o conceito de desenvolvimento.
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regulacional, que não exclui, no caso dos organismos biológicos, nem
os genes, nem o ambiente, nem a interação entre eles, nem os
processos aleatórios. Mas que acrescenta um outro elemento: as
redes compostas por genes, proteínas, hormônios, enzimas e
complexos moleculares. A diferença é que o “programa” não estaria
arquivado no genoma e sim nessa rede. No caso das sociedades
humanas, haveria também essa rede, composta, é claro, por outros
nodos; e. g., pessoas e organizações.
[...]
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que, ao fim e ao cabo, tais interesses são materiais e
fundamentalmente egotistas, então estou no campo do discurso que
projeta um padrão de ordem social sobre a natureza para naturalizar
as relações sociais com o objetivo de pegar o rebote (ou seja, para
legitimar padrões de ordem social a partir de um suposto
comportamento natural). E isso, está claro, não pode ser nada além
de pura ideologia.
Tudo isso é para dizer que os fundamentos foram buscados tão fundo
pelos ideólogos da economia (e, por conseqüência, do
desenvolvimento), que não nos resta alternativa senão mergulhar,
para começar, na velha pergunta do físico Erwin Schrödinger – ‘o que
é a vida?’ – feita ainda em 1943 e que abriu o futuro da biologia. Foi
o que fez Humberto Maturana, que ensaiou, a partir daí, uma teoria
da cooperação compatível com a noção de capital social. Foi o que
fez, também, Lynn Margulis (que, aliás, publicou, com Dorian Sagan,
um livro com o mesmo nome daquele do célebre trabalho do famoso
Prêmio Nobel de Física, quarenta e três anos depois). A autopoiese de
Maturana e a simbiogênese (e a simbiose) de Margulis constituem, de
fato, construções alternativas (regulacionais) à seleção (variacional)
de Darwin, sem se renderem ao transformacionismo. Maturana,
Margulis (e talvez se possa incluir aqui Lovelock), devem constituir “o
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nosso novo Darwin” – o repositório de idéias biológicas ancoradoras,
vamos dizer assim – dos que querem trabalhar com uma concepção
sistêmica de desenvolvimento, ou seja, dos que querem avançar de
uma economia do desenvolvimento para uma ecologia do
desenvolvimento (pois uma concepção sistêmica de desenvolvimento
é, necessariamente, uma ecologia do desenvolvimento).
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