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EVOLUÇÃO

Evolução e a Origem das Doenças


Os princípios da Seleção Natural estão, finalmente, começando a iluminar a
Medicina.
Scientific American november 1998. Por Randolph M. Nesse e George C. Williams
Tradução de Antonio Carlos Bandouk

É com grande perplexidade que contemplamos as maravilhas do corpo humano.


Os olhos, por exemplo, durante muito tempo foram objeto de admiração: a córnea,
viva, transparente e curvada na medida certa; a íris, ajustando a luminosidade; e a
lente, ajustando a distância, até que uma quantidade ótima de luz focalize
exatamente sobre a superfície da retina. Entretanto esta aparente perfeição logo
nos leva a uma certa consternação, quando ficamos sabendo, por exemplo, que
existem vasos sangüíneos e nervos que atravessam a retina, criando um ponto
cego na mesma.
O nosso corpo esta repleto destas contradições. Para cada uma das
extraordinárias válvulas do coração, temos um inútil dente do siso. A fita de DNA,
que dirige o desenvolvimento de 10 trilhões de células que compõe um ser
humano, pode também levar a sua deterioração e eventual morte. O nosso
sistema imune, que pode identificar e destruir um milhão de tipos de invasores
nocivos, muitas vezes não consegue deter o ataque de certas bactérias ou vírus,
altamente nocivos. Por estas contradições temos a impressão de que o nosso
corpo foi construído por um time de super engenheiros, com ocasionais
intervenções de Rube Goldberg.
De fato estas aparentes incongruências fazem sentido somente quando
investigamos as origens das vulnerabilidades do corpo, e não esquecendo as
palavras do grande geneticista Theodosius Dobzhansky: "nada na biologia faz
sentido exceto à luz da evolução". A biologia evolutiva é, de fato, a base científica
de toda a biologia, e a biologia é a base científica de toda a medicina. De maneira
surpreendente, entretanto, a biologia evolutiva está sendo reconhecida como uma
ciência médica básica. O estudo dos problemas médicos dentro do contexto
evolutivo tem sido denominado de medicina darwiniana. A maioria das pesquisas
médicas tentam explicar as causas de determinada doença, buscando terapias
para eliminar ou amenizar os sintomas da mesma. Tais esforços são
tradicionalmente baseados nos estudos dos mecanismos anatômicos e
fisiológicos. A medicina darwiniana, do contrário, faz perguntas do tipo: porque o
corpo é desenhado de maneira à nos tornar vulneráveis a problemas como o
câncer, a arteriosclerose, e a depressão? Este tipo de abordagem está abrindo
novas perspectivas para a condução das pesquisas médicas.

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As explanações evolutivas para certas deficiências do corpo humano caem dentro
de algumas poucas categorias que serão resumidas a seguir: (1) algumas
situações desconfortantes, tais como a dor, a febre, a tosse, a náusea e a
ansiedade, atualmente não são consideradas nem doenças e nem defeitos, mas
sim defesas em evolução; (2) conflitos com outros organismos, seja com
Eschirichia coli ou mesmo com um crocodilo são simples fatos da vida; (3)
algumas circunstâncias, como a grande disponibilidade de alimentos ricos em
gorduras, são tão recentes que a seleção natural ainda não teve chance de lidar
com tais problemas; (4) o corpo pode ser vítima da relação custo-benefício de
determinada característica. Um exemplo bem familiar é o gene para a siclemia, o
qual também protege contra a malária; (5) o processo da seleção natural é
limitado, de maneira a levar à formação de características que não são totalmente
perfeitas, como é o caso do olho de um mamífero.

Defesas em Evolução
Talvez o mecanismo de defesa mais comumente utilizado seja a tosse; pessoas
que não podem limpar seus pulmões das matérias orgânicas que vem do ar, estão
mais sujeitas a morrer de pneumonia. A capacidade de sentir a dor também tem
as suas vantagens. Os poucos indivíduos que não sentem dor não conseguem
sentir o desconforto de permanecer na mesma posição por longos períodos. Isto
pode levar a uma diminuição do suprimento de sangue às suas articulações, que
acabam se deteriorando. Tais pessoas geralmente morrem no início da fase adulta
devido a danificações dos tecidos e também as conseqüentes infecções. A tosse
ou a dor são normalmente interpretadas como doenças ou traumas, sendo hoje
consideradas parte da solução, em vez de problemas. Tais capacidades
defensivas, moldadas pela seleção natural, estão sempre de prontidão, sendo
utilizadas quando necessárias.
Menos reconhecidas como defesas do organismo são a febre, a náusea, a
diarréia, a ansiedade, a fadiga, o espirro e a inflamação. Até mesmo alguns
médicos parecem desconhecer a utilidade da febre. Sem levar a nenhum aumento
na taxa metabólica, a febre é uma elevação cuidadosamente regulada da
temperatura normal do corpo humano, podendo facilitar a destruição de
patógenos. O trabalho de Matthew J. Kluger do Lovelace Institute em
Albuquerque, N.M., tem mostrado que os lagartos (animais ditos de "sangue frio"),
quando infectados, se deslocam para locais mais quentes, até que a sua
temperatura corpórea suba alguns graus acima da temperatura normal. Se
impedidos de se mover para locais mais quentes, podem morrer por infecção. Em
um estudo semelhante feito por Evelyn Satinoff da Universidade de Delaware,
ratos senis, que não podem ficar com febre por muito tempo como os seus
companheiros de laboratório mais jovens, também instintivamente procuram locais
mais quentes, quando infectados.
Um nível reduzido de ferro no sangue é outro mecanismo de defesa geralmente
mal interpretado. Pessoas que sofrem de infecção crônica freqüentemente tem

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níveis reduzidos de ferro no sangue. Embora tal redução seja algumas vezes
responsabilizada por certas doenças, isto é atualmente interpretado como uma
resposta protetora: durante uma infecção, o ferro fica retido no fígado, impedindo
que as bactérias invasoras se abasteçam adequadamente daquele elemento vital.
A indisposição matinal tem sido, por muito tempo, interpretada como um efeito
natural que ocorre durante a gravidez. As náuseas, comuns durante esta fase,
coincidem com o período de rápida diferenciação dos tecidos do feto, quando o
desenvolvimento é mais vulnerável à interferência de certas toxinas. Uma mulher
com náuseas tende a restringir o consumo de substâncias de sabor muito forte,
que são potencialmente prejudiciais. Estas observações levaram a pesquisadora
Margie Profet à hipotetisar que a náusea da gravidez é uma adaptação que
permite à mãe proteger seu feto da exposição às toxinas. De acordo com os testes
realizados por esta autora, mulheres com mais náuseas seriam menos propensas
a sofrer aborto. Esta evidência suporta a sua hipótese, mas, dificilmente, pode ser
considerada como conclusiva. Se Profet estiver correta, as próximas pesquisas
deverão procurar descobrir se as fêmeas gravidas de outras espécies mostram
mudanças nas preferências alimentares. Sua teoria também prediz um aumento
de defeitos de nascimento entre os bebês de mulheres que tiveram pouca ou
nenhuma indisposição matinal, ou seja mulheres que comeram uma vasta
variedade de alimentos durante a gravidez.
Outra condição comum, a ansiedade, obviamente se originou como uma defesa
em situações mais perigosas. Um estudo de 1992 de Lee A. Dugarkin da
Universidade de Louisville, avaliou os benefícios do comportamento de temor dos
peixinhos guppi. Ele os classificou e os agrupou como tímidos, normais, e
corajosos, dependendo da sua reação à presença da perca de boca pequena. Os
tímidos fugiram, os normais simplesmente continuaram a nadar e os corajosos
mantiveram-se no mesmo local, "encarando" as percas. Cada grupo de guppi foi
transferido para um tanque com uma perca. Após um período de 60 horas, 40%
dos tímidos e 15% dos normais haviam sobrevivido. Todo o grupo dos corajosos,
por outro lado, foram devorados, promovendo a transmissão dos genes das
percas, em vez dos seus.
A seleção para os genes que promovem a ansiedade implica que devem haver
pessoas que experimentaram muita ansiedade, e de fato existem tais pessoas.
Existem, também, indivíduos hipofóbicos, que tem ansiedade insuficiente, devido à
tendências genéticas ou à drogas antiansiônicas. A natureza exata e a freqüência
de tais síndromes ainda é uma questão em aberto, assim como o fato de existirem
poucas pessoas que procuram um psiquiatra por não sentirem ansiedade. Mas se
procurarmos, o comportamento patologicamente não ansioso poderá ser
descoberto nas salas de emergência, nas prisões ou nas filas de desempregados.
A utilidade de certas condições comuns e desagradáveis como a diarréia, a febre
e a ansiedade não é intuitiva. Se a seleção natural modela os mecanismos que
regulam as respostas defensivas, porque as pessoas usam drogas que bloqueiam
estas defesas? Parte da resposta é que, quando ingerimos tais drogas estamos
prestando um desserviço a nós mesmos, bloqueando a ação de nossas defesas.

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Herbert L. Du Pont, da Universidade do Texas em Houston, e, Richard B. Hornick,
do Centro Médico Regional de Orlando, estudaram a diarréia causada por Shigella
e descobriram que as pessoas que tomavam drogas anti-diarréicas ficavam
doentes por mais tempo e ficavam mais aptas à complicações, do que aquelas
que tomavam placebo. Num outro exemplo, Eugene D. Weinberg, da Universidade
de Indiana, documentou que tentativas bem intencionadas para corrigir
deficiências de ferro levaram a um aumento de doenças infecciosas,
especialmente da amebíase, em certas partes da África. Embora o ferro na
maioria dos suplementos orais não faça muita diferença quando administrado às
pessoas saudáveis, pode causar sérios danos quando administrado à pessoas
infectadas ou mal nutridas. Tais pessoas não podem produzir a quantidade
necessária de proteínas que devem se ligar as novas moléculas de ferro, ingeridas
pelos suplementos. Desta maneira o ferro excedente fica, então, livre para ser
usado pelos agentes infecciosos.
Na indisposição matinal, que afeta mulheres grávidas, uma droga contra a náusea
foi recentemente responsabilizada por defeitos de nascença. Neste caso a droga
pode indiretamente promover o aparecimento de defeitos ao bloquear a náusea
defensiva da mãe.
Um outro obstáculo ao reconhecimento dos benefícios dessas defesas, surge das
observações de que muitos indivíduos regularmente experimentam reações,
aparentemente sem valor, de náusea, dores, febre e diarréia. A explicação requer
uma análise da regulação das respostas defensivas em termos da teoria da
detecção de sinais. Alguma substância não tóxica presente no estômago de um
organismo, mas que sinaliza como toxina, pode ser expelida durante o vômito.
Tudo isto tem um certo custo (a perda de umas poucas calorias) e pode ser
considerado como um falso alarme, já que a substância não era realmente uma
toxina. Por outro lado o custo poderia ser bem maior se o alarme falhasse e o ato
de vomitar não se concretizasse. Neste caso a toxina poderia ficar retida no
organismo e causar a sua morte.

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