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\ © guardador de Entrevista)”. In ARRIGUCCI JR., David. “Em bus: segredos. Séo Paulo: Companhia das Letras, 2020. relacdo dinamica entre tempo e modelo, revelam seu verdadeiro sentido. Nesse desenho do narrador que nasce da observacao detalha- da das coisas passageiras se pode ver também uma metéfora do trabalho do critico, em busca da integracdo e da coeréncia que definem a forma literéria perante a realidade do mundo e foram sempre alvos preferenciais de sua longa jornada em meio a multi- plicidade aparentemente caética dos textos. Durante sua formagdo como narrador nos anos 1930, Jorge Luis Borges, interessado também no modo como se apresenta lite- rariamente a realidade (¢ a irrealidade), descobriui que 0 método mais dificil eeficiente de postular a realidade na arte harrativa de- pende da invengao de “pormenores lacbnicos de longa projegao”. E foi levado entao a reduzir o principio de causalidade que rege a construggo do enredo do romance, que ele aproxima paradoxal- mente da magia, com seus jogos de vigilancias, ecos e afinidades, a uma verdadeira formula lapidar: “Todo epis6dio, num relato cui- dadoso, é de projecdo ulterior”’” O breve ensaio de Antonio Can- dido langa inesperada luz sobre.as preocupagées do entdo jovem Borges, anticonfessional e tao diferente de Proust, demonstrando a percuciéncia e o longo alcance de sua visada para além do espago a que se limitava, Creio que nao preciso dizer mais para demons- trar a fora viva de seu modelo critico. 56. J. L. Borges. “A postulagio da realidade”. Em Discuss (1932). Trad. Josely ‘Vianna Baptista. Sao Paulo: Companhia das Letras (2008), p.77. 57-EmA arte narrativa ea magia’, op. cit p. 91, 218 4. Em busca do sentido* (Entrevista) ‘Todo o meu trabalho nos estudos literérios — de critico lite- rério, ensafsta e professor de teoria literdria da usp —teve sempre muito a ver com a teoria ¢ a pratica da interpretagao. Em 1990, * quando defendi a tese de livre-docéncia com um livro sobre Ma- nuel Bandeira, tive de formular, numa das provas, o projeto de um. curso. Pensei, entdo, em um curso sobre métodos e técnicas de anélise e interpretagao da obra literdria, 0 que acabou sendo um pouco o resumo de minha trajetéria, do aprendizado desde os contatos iniciais que eu tive na universidade com a prética da and- lise de textos. Toda a critica que desenvolvi nos meus ensaios e nas aulas esta fundada num tipo de leitura cerrada, de “close reading” que ndo ¢ exatamente o “close reading” de tendéncia norte-ameri- cana dos anos 1940, 50 e 60, apesar de ter bebido nisso também, mas um “close reading” muito assentado na estilistica, que é uma espécie de fenomendlogia com psicanélise e critica social, enum Entrevista publicada originalmente na Revista Brasileira de Psicandlise, vol. 39, 1, 2005. modo especifico de abordar os textos que aprendi com meus mes- tres da critica brasileira, A vertente da estilistica que mais me inte- ressou primeiro foi a da estilistica espanhola de Damaso Alonso, yoltada sobretudo para a leitura do texto poético, e, em seguida, a alem§, representada por Leo Spitzer e Erich Auerbach, grandes cxiticos, extraordindrios leitores de literatura. Além disso, € claro, estava acompanhando, fazia muito tempo, as obras de criticos da- qui, como Mario de Andrade, Augusto Meyer, Otto Maria Car- peaux (que jé era nosso) e sobretudo Antonio Candido. O terreno da interpretagao é vasto. Voce falou ums pouco da sua experiéncia na andlise de textos. Na sua formagao, a interpretagao em outras dreas teve um peso decisivo? O terreno da interpretagao € de fato muito vasto e bastante complexo, mas talvez seja o momento de tentarmos definir alguns pontos fundamentais. A teoria da interpretacio é tao complexa e extensa que vai além das minhas forcas, restritas ao terreno liter4- rio propriamente dito, Nao tenho uma formagao tio ampla e po- derosa para responder em todos 6s campos em que a interpreta- ao tem um papel decisivo: basta imaginarmos 0 campo imenso da exegese bfblica, a que muitas vezes devemos voltar em nosso trabalho, mas é sempre um enorme desafio. Existe uma herme- néutica filoséfica, muito importante, e que eu estudei um pouco. Li varios livros nessa dire¢do, alguns deles pesaram bastante na minha formagao, como os de Gadamer de Luigi Pareyson, sem falar em Schleiermacher e na questo do circulo hermenéutico. Hé a hermenéutica psicanalitica e sua discussio, como a de Paul Ricoeur, por quem também me interessei vivamente. Mas foi na pritica da anilise de textos literdrios que nasceu a minha inquieta- ‘do te6rica com relagao a interpretacio. Talvez seja o momento de detalhar os métodos da interpretagao nq literatura. Quando ew falo em interpretago na literatura, penso na ex- pressao verbal da compreensio, na traduso em linguagem da- quilo que compreendo no modo de ser de uma obra literaria. Existem duas atitudes bisicas nos estudos literdrios: a atitude de explicago ea de compreensio. Explicagio significa tomar a estru- tura significativa da obra com relagéo a estruturas maiores. Ou seja, toma-se aquele texto particular, aquele conjunto de signos particulares que o constituem e o inserimos em contextos mais amplos, seja na dimensfo da histéria, seja na da linguagem, seja ainda nada cultura em geral, aproximando-nos da esfera de disci- plinas afins. A atitude explicativa traduz aquele conjunto de sig- nos e seus problemas em uma outra coisa. Essa atitude pode ser muito importante na tarefa de abordagem dos textos, mas ela nao éa tarefa decisiva para o intérprete da literatura; constitui apenas um preambulo para o trabalho interno mais importante. A tarefa decisiva é.a tarefa de compreensio. E a compreensio consiste jus- tamente na penetragao na estrutura significativada obra. Como voct disse, a atitude explicativa é fundamental, mas no decisiva. E posstvel falar em lit daexplicagio? =~ ‘Até onde explicar para compreender? T. S. Eliot, em varios ensaios do comego do século xx, sobre a fungio e as fronteiras da critica, tratou dessa questo tdo importante para a geragao dele, Segundo Eliot, o poema deve ser compreendido em si mesmo e por si mesmo. A poesia é capaz de nos dar uma coisa que s6 ela ds. ‘Nenhuma explicaao, nenhuma tradugdo do poema em outra coi- sa poder responder & pergunta que o poema nos coloca, a per- gunta drummondiana: “Trouxeste a chave?”. Mas nés nao pode- mos compreender sem explicar. Ha obras literdrias que exigem, necessariamente, a explicacao, ou seja,a elucidagio de todos aque- aan les elementos objetivos do texto que emperram ou dificultam a compreensio. A explicagao pode ser uma espécie de superagiio inicial de al- guns dos obstaculos do texto. © poema que requer uma explicagao é um poema afastado de nés por uma ou por varias das razdes do seu modo de ser. Ou seja, por exemplo: por uma linguagem peculiar. A linguagem pode ser arcaica, pode conter alusoes dificeis de decifrar. Ela também pode ser de tal modo singularizada pelo uso estilistico que dela faz |, como € 0 cago de Guimaraes Rosa, ,, na literatura francesa. ‘0 autor que se torna di entre nds, ou o de Louis-Ferdinand Cél Ha, entao, uma dificuldade a ser enfrentada pela explicagio inicial. A operacdo explicativa daquilo que emperra a compreen- sao € 0 comentério. O comentario é algo velhissimo e surgiu pela primeira vez, na hist6ria do Ocidente, quando os textos de Home- ro, no século ta. C., comegaram a ficar dificeis para quem os es- cutava ou no seu processo de transmissao. O século vin a.C.é 0 de Homero, e nesse intervalo até o ur:muita coisa se interpunha entre fo receptor €0 texto para que ele o pudesse entender. Entio, houve ‘a necessidade de uma disciplina para explicar os textos i Homero, e assim surgiu a filologia. Pode-se dizer que a explicagdo necessatia com que se deve trabalhar diante dos textos cujo acesso se torna dificil é 0 comentario filolégico. O comentario ¢ um co- mentiério factlial dos elementos objétivos e depende, sobretudo, do conhecimento da histéria e da linguagem. O comentirio filolégico foi mudando ao longo dos séculos.E 0 que se pode perceber é que ele virou uma espécie de margindlia ‘nos textos literdrios ao longo da histéria da literatura. E foi tao importante que as vezes se intrometeu dentro dos textos. Ha obras que contém o seu proprio comentario ou poetas que comentam 08 seus préprios poemas, como foi, por exemplo, 0 caso de Eliot, jé 222 citado, ou de Umberto Saba, na Itélia, autor de um longo comen- tério que acompanha o seu Canzoniere. O Itinerdrio de Pasdgarda, de Manuel Bandeira, tao notével pela qualidade da prosa com que enlaca poesia ¢ experiéncia vivida, pode ser lido nesse sentido. Talvez seja interessante ressaltar as armadilhas colocadas no meio do caminho da interpretagdo. O proceso interpretativo pode {ficar totalmente comprometido por causa de um equfvoco no inicio da leitura, ndo é verdade? Deve-se resolver, antes de mais nada, o problema da traducao literal dos significados expressos. Isso pode parecer simples ¢ facil, resumindo-sé ao emprego do dicionério, mas nem sempre o é. £ uma operagio critica de primeira grandeza, envolvendo pacién- cia, erudigdo e senso critico, além de antenas propicias. Eu poss interpretar mal uma palavra do texto ¢ isso tornar-se desastroso para a interpretago que depois viré. Por exemplo, no poema “O acto”, de Manuel Bandeira, pode ser desastroso se eu nado com- preender que “fetacidade” néo tem nada a ver com fera nem com atrocidade, mas com fertilidade. A leitura pode jé de inicio des- viar-se do texto correto. No poema “Aporo”, de Drummond, um critico leu, certa vez, na primeira estrofe do poema, em vez do ter- mo “perfura’, referido ao inseto que cava, “perfuma’, legitimando ‘um erro tipogréfico, ¢ teve que s¢ ver as voltas com a justificativa de sua leitura. Mas isso pode ocorrer com qualquer um que, inad- vertidamente, no comece do mais simples e nao leve em conside- racio, antes de mais nada, a preciso do sentido literal em sua cor- respondéncia com os signos corretos do poema, cujo texto deve estar perfeitamente bem estabelecido, antes que se avance no tra- balho. Se nao se entende um termo na acepgao exata em que ele esté utilizado no texto, toda construgao do sentido podera cair por terra. Esse trabalho filol6gico ¢ inicialmente externo ao que de fato interessa no texto, mas pode ser decisivo como tarefa prepara~ 233 t6ria e tem aver, desde o comeco, com nossa sensibilidade para os elementos significativos. Ele nao é, a principio, uma operagio in- terna, Mas é uma ponte para o interno. Aos poucos, quando bem mites entre a explicagdo ex- cohduzido, vgi virando inter terna eaanilise podem ser ténues. Nas maos de um grande cri 0 comentario jé acumula dificuldades pertinentes para serem ven- cidas nas etapas posteriores, que sdo a anélise e a interpretasao propriamente ditas. Essa abordagem inicial é uma preparagao do terreno. Um eritico alemao que meu mestre Antonio Candido gostava de citar dizia que o comentério era o vestibulo da boa in- terpretacio, e continua sendo. “Apostar todas as fichas no comentario torna acanhada a via interpretativa, Eliot afirma que é preciso saber onde parar corh a explicagio. S6 explicar o explicével. Isso jé € uma tarefa critica. © miolo da ndo €a explicacao, mas a compreensio do que ndo é expli- cAvel, como sugeri faz pouco. Mas hi livros de explicagao utilissi- ‘mos que nao chegam propriamente ao miolo da tarefa critica e, no entanto, abrem o caminho para ela. Por exemplo, hoje, quase nao podemos ler “Macunaima” sem a ajuda do Roteiro de “Macunat- ma’, de Manuel Cavalcanti Proenga; esse grande estudioso de nossas letras. Isso porque ¢ um livro preparatério do terreno. Quem pode dispensar, para comego de conversa, o exceleiite livro de Stuart Gilbert ao se dispor a ler 0 Ulisses, de Joyce? Walter Benjamin, num texto belissimo sobre “As afinidades letivas”, de Goethe, afirma que hé, na obra literdria, um conteddo de coisa e um conteiido de verdade. No primeiro momento, os dois, contetidos esto ligados, unidos, mas conforme o tempo passa, a perspectiva histérica mostra que o factual pode boiar, como na ope- racio de catar feijao, do nosso poeta Joao Cabral, enquanto 0 con tetido de verdade vai para o fundo. O comentador deve limpar essa 224 escrita do pergaminho para deixar ver o contetido de verdade que jaz por baixo, peneirar com jeito, para separar os graos bons da pa- Iha e das impurezas que se acumulam, atrapalhando. Quando exe- cuta adequadamente esse procedimento, o comentador, como disse Benjathin, remove as pesadas achas do passado que recobrem 0 tex- to, para deixar a chama viva exposta 4 compreensio do critico. O ico esté interessado no contetido de verdade, naquilo que man- tém viva a chama da fogueira. Isso é tarefa da critica literdria e das operagées internas, Estou falando da andlise e da interpretagio. Talvez vatha a pena-detalhar um pouco o processo analitico. ‘Aandlise é uma desmontagem, é uma divisdo do todo em par- tes para o reconhecimento da funcionalidade que tém as partes no todo. A interpretacéo é uma tradugio interna, pessoal e afetiva, des- ses elementos que formam o todo: depende de uma reconstitui¢ao do todo, baseada na andlise. A interpretagio depende da constitui- ‘do e da reorganizacio do todo para a tradugio final dos significa dos num sentido. Para reforcar o que afirmei hd pouco, gostaria de citar uma frase que esta na teoria estética de Adorno: “Mesmo a obra corretamente interpretada gostaria de ser mais compreendida, como se aguardasse a palavra de resolugiio perante a qual'se esvae- ceria a sua obscuridade constitutiva’. Mas isso ndo se cumpre de todo. Adorno considera que, mesmo quando feita corretamente, a interpretacao é inesgotével. Quando ele fala disso, est tratando do carter enigmatico da obra literdria e de toda obra de arte. Do sim- bolismo para cf, toda experiéncia da arte moderna frisa esse aspec- to, ou seja, que a obra literdria é uma espécie de enigma. A interpre- tagdo sempre lidou e lida com uma questo, no fundo, enigmiética. Em inglés, enigma é uma forma de “riddle”, ou adivinha, que est ligada a raiz do verbo “to read”. Entao, a leitura critica se depara no fundo com o enigma, com a pergunta da adivinha. Un de seus livros tem, justamente, o titulo Enigma e comentario, Isso mesmo. Enigma e comentério. Quer dizer, o comentério de um enigma. Um poeta amigo meu, Antonio Carlos de Brito (Cacaso), quando eu publique o livro, disse: “Gostei demais desse titulo porque todo objeto é enignia; todo pensamento, comenté- que tam- com o rio” Ele estava anunciando exatamente o miolo de bém é 0 miolo da interpretagao. E a interpretacao v. caréter inexaurivel do fundo da verdade literéria. 0 filésofo italiano Luigi Pareyson disse que a formulacao da verdade é uma questdo hermentutica, Toda formulagéo da verda- de, toda interpretagdo, é uma tentativa de dar conta dessa totalida- de que é a verdade. Mas ela s6 aparecé como verdade verdadeira se se mantiver como verdade infinita para a pessoa que € o intérpre- te. Cada um dos intérpretes deve fazer uma leitura totalizante des- sa verdade: tio adequada, abrangente, coerente, que seja capaz de trazé-la viva ¢ iluminada a nossa presenca. A interpretagao é total enquanto leitura pessoal da verdade, Quando 0 intérprete se colo- ca diante de uma obra de arte, ele deve saber e estar preparado para uma operacao interna, afetiva e pessoal. Ou seja, a resposta interpretativa que o critico dé ao texto nao é cabal, ndo é nunca definitiva, como se ela exigisse sempre o movimento em aberto do ‘ensaio: ela talvez seja lateral, sem ser unilateral, mas deve corres- ponder ao que a pessoa compreendeu da obra enquanto todo. O enigma, na versio de Pareyson, € uma forma de infinito cravado no texto. Ou seja, € uma pergunta que-se repete a cada ‘passo, a cada novo leitor. O texto renova‘o enigma. Cada nova terpretacdo volta a fonte originaria, que é inesgotavel. Isso faz. com que o enigma esteja presente no miolo da obra, como um desafio A interpretagio. Nessa linha de pensamento, o enigma 60 lugar da pergunta. Adorno, na Teoria estética firma ainda que a fincio da critica ndo é resolver o enigma, mas mostrar as raz6es de sua in- [A totalidade da verdade est inteira em cada uma das par- tes. E cada uma das partes remete a essa verdade total porque é uma continuidade da verdade total. Isso significa que 0 proces- so pelo qual se deve desenvolver a interpretagao é uma visdo da totalidade que a cada passo se justifica nas partes e se reencon- tra na visio do todo, O movimento da interpretacao ¢ 0 movi- mento do cfrctilo hermentutico de que falou Heidegger, prova- velmente retomando 0 pensamento de Schleiermacher a esse propésito, ou seja, é um movimento do todo a parte e da parte ao todo. a O processo pelo qual eu entro no circulo é complicado. Afi- nal de contas, ele depende da atengio flutuante do leitor sobre 0 texto, Vamos colocar a seguinte situacdo: eliminadas as barreiras objetivas a compreensio pelo comentario, limpo o terreno, eu co- ‘meso a entrada no texto. Onde me fixar? Por onde comegar? Nao hd resposta para esse impasse inicial, Eu tenho de ler e reler diver- sas vezes. Devo dedicar a essa aproximagdo uma atengao flutuan- te, como talvezidissesse um psicanalista. De repente, eu me dou - conta de que uma metéfora é recorrente ¢, portanto, tem alguma outra ligagao dentro do texto. Posso perceber, também, que essa metéfora esté repetida no ritmo do poema, ¢ que o ritmo se con- firma pelas rimas, interligando palavras-chave para a construso do sentido, Percebo assim elementos de semelhanga dentro da se- quéncia dos signos. Portanto, na atengao flutuante dedicada a0 texto é poss{vel detectar um detalhe significativo que se liga a ou- tros, permitindo o estabelecimento de uma cadeia coerente de sig- nificados na qual, em cada elo, esté latente a totalidade. Vai-se da parte ao todo para, a cada passo, reiluminando-o, confirmar 0 ras- tilho de luz das demais partes significativas. E, &. medida que se progride, vai-se criando uma imagem do todo, da mesma forma que, no comego da leitura, ja se tem uma ideia obscura do todo que aos poucos vai ganhando concretude e se tornando mais niti- 237 da, mediante a interligagao explicitada dos elementos particulares do texto. Um aspecto nada desprezivel no processo interpretative é a car- gade experiéncia do intérprete. ‘Aqui, ha varios problemas. Toda vez qué abordo um texto ou uma obra de arte, abordo com tudo o que eu soit; com toda a experiéncia que tenho acumulada (da leitura do poeta em ques- ‘to, da leitura de poetas similares da época, da hist6ria da época, de todo 0 meu conhecimento pregresso etc.), como a pessoa que sou. Eu posso dominar uma multidao de informagbes preciosas que me levam ao texto e interferem‘no entendimento dele. Essa carga de ipformagbes pode me auxiliar muito no comentario para eliminar aquilo que me impede a passagem para o deslinde do texto, para empregar uma palavra cara ao grande escritor me- xicano Alfonso Reyes, que escreveu sobre esse problema palavras sibias, Por outro lado, tudo 0 que sei pode também se transfor- mar numa ideia preconcebida do texto. Eu forjo, de antemao, uma imagem projetiva do que ¢ 0 texto em que esses dados pré- ‘ios se incluem, determinando uma diresao de leitura. Essa ima- gem projetiva é, rigorosamente, um pré-juizo. Na critica das ciéncias humanas, na tarefa interpretativa, o circulo hermenéu- tico se abre pelo risco do preconceito, que deve de algum modo ser posto entre parénteses para que o proceso da compreensao adequada possa se dar. Sobre isso, vale a pena relembrar a expresso “suspension of disbelief”, de Coleridge, ou seja, “a suspensio da descrenga”: Devo colocar de lado as minhas crengas, 08 meus conhecimentos, para poder encarar sem preconceito 0 texto a ser compreendido, mes- ‘mo quando eldse afasta em direcdes diversas ou se opde as minhas proprias ideias e sentimentos. Devo me entregar, generosamente, aum embate direto com o texto. A falta de generosidade na leitura 228 pode ser um empecilho lamentivel da compreensio. Como dizia Heidegger, a nica fonte da minha verdade € a resposta que eu ppossa dar & coisa em si, e ndo ao conhecimento prévio que eu te- nha das coisas. . Para se desfazer o prejuizo, é necessdrio apoiar-se diretamen- te na coisa propriamente dita, ou seja, naquilo que esta dado na estrutura significativa: aquilo que faz com que o poema seja um poema, ¢ no outra coisa. Deve-se tender a uma leitura fresca, © mais possivel direta do que deve ser interpretado. ‘Vale a pena ressaltar 0 seguinte: todo o conhecimento nessa dea se 44 por uma antecipagio do objeto, mas essa visio deve ser escorada, a todo momento, nos detalhes textuais particulares nos quais eu ao mesmo tempo confirmo minha visio e a projeto a0 asso seguinte. E esse movimento de apoio confirmativo na parte 36 a desmontagem analitica pode dar, revelando a funcionalidade expressiva da parte na constituigao do todo. A anélise € um modo de objetivar a visao intuitiva do todo, confirmando-a nos detalhes que a sustentam enquanto imagem adequada da totalidade. Mi- nha certeza de estar no caminho certo deve ser reconfirmada, por esse movimento circular, a cada passo no labirinto do sentido. Certamente a hist6ria e a linguagem so instruments de apoio nas vacilagdes do caminho. Podemos falar um pouco de stmbolos e mitos? Certamente, a partir daqui, a comparagio entre interpretasao literdria e interpre tagdo psicanalitica & inevitavel. Sob muitos aspectos toda obra literéria se apresenta como um simbolo e parece pedir uma decifragio, Ela tende sempre a colocar uma pergunta, e nao necessariamente a respondé-la. A resposta & pergunta nos situaria diante do mito, que € a resposta de uma pergunta origindria. 229 O mito é0 fechamento. ‘Sim, O mito é a resposta. Se eu responder, eu mitifico a litera- tura e a transformo numa fabula moral. Os poetas nao tém essa resposta. Freud, no inicio da psicanilise, parece utilizar a literatu- ra. como uma espécie de campo de provas da teoria psicans Vale-se dos poetas e da literatura provavelmente porque aliteratu- ta é,como 0 sonho, o lugar do simbolo. Mas a resposta que Freud d4 a isso é, para mim, inaceitavel, ou seja, a resposta do complexo de Edipo, dos desvios do desejo. Ele traduz o simbolo em mito. ‘Todos os textos apontariam na mesma diregdo, mas os textos néo apontam para h mesma diregdo. Eles recolocam a pergunta, No "momento em que a inter} analitica se converte em ex-_ ‘plicagio, ela se afasta da interpretagao literdria. E a interpretasao literdria deve trazer o sentido vivo, nao explicé-lo. “Apesar dessas ressalvas, Freud foi um leitor bastante arguto. Para mim, Freud é um notével critico literdrio. Isso porque ele € um mestre da exegese. E um mestre da interpretacao, da Jeitura analitica, com um senso agud{ssimo do que no texto de- sempenha papel significativo, mas'a resposta que ele por fin for- mula para a literatura, para o lugar da arte me parege ainda her- deira da tradicdo positivista do século xr. E isso eu nao aceito. Mas é uma interpretagao minha. No processo todo — nao me levem a mal —ya psicandlise é um ramo da literatura, Borges disse isso da metafisica. Toda a colocagio da psicanilise se aproxima, como forma de linguagem, do desvelamento da literatura. Agora, a explicagao ca~ bal do lugar da arte, do artista, do sonho acordado andlogo ao do neurético, apenas com volta & terra, tudo isso me parece 0 lado mais fraco, O lado forte éjustamente o processo de desvendamen- to do enigma. Mas nao a solucdo. A solugio explicativa é, para mim, o lado inaceitavel da interpretagao freudiana da literatura. 230 Mas o proceso mais amplo da interpretagao psicanalitica sempre me interessou e continua me interessando, porque ha ali uma tentativa de decifragao da linguagem simbélica, comparti- Ihada pela literatura, A forga da imaginasao entra como aspecto fundamental no processo de abordagem do enigma? Hi, certamente, a verdade da imaginagao. Essa verdade da imaginagao que a literatura propde como sua verdade nao é a ver- dade da ciéncia. Ou seja, a imaginagao imprime um valor cognosci- tivo na literatura, e isso foi percebido e dito por Aristételes. Esse valor cognoscitivo da imaginagao se refere aquilo que pode ser, ndo necessariamente ao que é ou foi apenas. A literatura nos propde a cada passo algo como se fosse, e ndo to somente o que é. Hipéteses de ser, que as vezes se cumprem, as vezes nao. A ficgdo é sempre ‘como se fosse. Personagens como Don Quixote, Falstaff so como se fossem; sao hipéteses de ser que, por vezes, nés reencontramos em nova vida, ora um pouco dilufdo aqui, ora um pouco 14. Eles existem; sto criagdes da imaginagao. E essa a forca da literatura. _, Aforca da imaginagao é bisica para nés. O reconhecimento do valor cognoscitivo da imaginagdo nao escapou a percep¢ao ro- mintica. Antonio Candido afirma que ainda vivemos, num certo sentido, um longo pés-romantismo, porque foram os romanticos que abriram a possibilidade de a gente apreender o valor da ima- ginag4o como uma forma de conhecimento. Podemos dizer que a imaginacdo é a forca plasmadora de tudo que tem valor em arte, da forma artistica enquanto tal. Na interpretagao Hterdria nao hd como fugir do seguinte ponto: as miiltiplas possibilidades oferecidas pelo texto literdrio, Sobre isso, uum equtvoco frequente é a busca da resposta definitiva. Na verdade, uma teoria da interpretagéo ¢ uma teoria das re- 231 lagdes entre a imagem eo sentido. £ uma teoria do simbolo, do ‘mita a designar um sentido pri- duplo sentido, do signo que néo s meiro, mas dé acesso a um sentido segundo através do primeiro. Isso éa literatura e 0 que ela faz com a linguagem. Cria um mundo como se fosse e que as vezes se encirna na histéria. As vezes nao. Por isso, Aristételes dizia que a literatura é mais filosofica do quea histéria, porque a histéria s6 cuida do que foi. E a li ‘do que pode ser. O poder ser é 0 lugar da imaginagio, faz, por exemplo, Jorge Luis Borges, esse grande escritor, o estético é o lugar do enigma, porque se situa no limiar de uma revelagdo que, no entanto, nao se produz. O estético é um lugar de uma revelagéo que nao se cumpre. Ba iminéncia da revelacao, ou seja, € aquilo que pode ser. Borges enfrenta um problema da histéria literdria, o falso problema de Ugolino, que é uma passagem famosa do canto 33 do “Inferno” de Dante. Trata-se da hist6ria de um conde pisano, Ugo- lino della Gherardesca, que foi encerrado com seus dois filhos ¢ dois netos numa torre, depois conhecida como a Torre da Fome, acusado por um arcebispo, Ruggero, de ter traido a cidade de Pisa, entregando territérios dela a outras cidades italianas com as quais, estava em luta, Na abertura do canto 33, Dante e Virgilio chegam & prisdo, e Ugolino esté roendo 0 crinio do arcebispo que o denun- ciou e; depois de limpar a boca na cabeleira de Ruggero, narra a ist6ria terrivel de seu fim. Ai ele limpa a boca nos cabelos do su- jeito que estd sendo comido e diz a Dante: “Pretendes que eu reno- ve, inteira, a dor que ainda me punge o peito ea mente (...], rela- tando aquilo que aconteceu comigo?”. Entao, ele conta que foi encerrado naquela torre e, depois de ver varias vezes a lua erguida no céu, teve um sonho: sonhou que era um lobo com seus filhotes acuado por uma matilha de cies de caca do arcebispo.e de seus comparsas que o perseguiam até a exaustio, de modo que um cio thes metia os dentes. Naquele desespero, na angiistia daquele 232 sonho, ele mal desperto ainda, com o clarao do dia, julga ouvir os solucos dos filhos implorando pao. Logo, ouve o batimento dos pregos que estavam encerrando-os na prisdo. Percebe que seu des- tino esta selado e que esté posto ali para morrer de fome com seus descendentes. O seu desespero vai crescendo, enquanto vé cres- cendo a fome enttre as criangas, Ele morde a mo, em dor desatina- da, E um dos filhos lhe oferece a propria carne, julgando que fosse por fome que mordia, ¢ dessa forma essa carne sua origem volta- ria. Numa certa altura, no verso 75 do canto 33, vem entao 0 se- guinte: Poscia, pitt che il dolor poté il digiuno (Depois, mais que a dor pOde o jejum]. Todos os comentadores antigos do texto en- tenderam que ele morreu simplesmente, morreu de fome, tendo essa necessidade superado a trégica dor. Mais que a dor, o jejum decidiu o destino de todos, matando-os. Os modernos levanta- ram a hipétese de que, nesse verso, haveria uma sugestio de cani- balismo, que Ugolino teria devorado os filhos. Desesperado, teria comido a carne que ele proprio gerou. Ha varios indices: 0 lobo perseguido a dentadas,a carne do filho oferecida ao pai. Hé ouitros detalhes, ainda, que reforcam o mesmo sentido, sugerindo essa interpretagdo. Ugolino comen ou nao seus descendentes? E um problema? Borges afirma, a meu ver com inteira razdo, que € um falso problema. Ugolino comeu e nao comeu. Pode ter comido, 0 que é mais terrivel que comer. A literatura est4 na iminéncia de uma revelacdo, nao na revelasio. ‘Talver se possa dizer algo parecido do enigma de Capitu. Ca- pitu trait: ou nao traiu? Pode ter trafdo. Essa € a resposta, a respos- ta da ambiguidade. Essa resposta preserva a leitura de Dom Cas- murro e vai fazer, em todo 0 tempo, metade da critica dizer que traiu e metade dizer que nao traiu. Mas a critica, a meu ver, que melhor acerta o alvo seré a que diga: traiu e nao traiu. Pode ter traido. Porque o simbolo é a potencialidade do ser, nao o fato acontecido. Essa experiéncia é fundamental para que o estético se 233 mantenha, A tradugdo em outra coisa liquida a possibilidade da interpretagao simbélica da literatura. A duplicidade é a caracteris- tica fundamental do simbolo. Como Marx, Freud desconfiava sempre do que esta por bai- xo. Agora, para a literatura, a explicagao cabal do que esté por bai- xo pode ser desastrosa. Se voce revelar tudo. Nao existe a interpre- tacio completa, Nao existe interpretacio definitiva, porque 0 enigma é inesgotavel. Um bom exemplo dessa inesgotabilidade do enigma pode- eda “salamandra’, tal como apare- riam ser as imagens do “Apo ‘cem nos poemas famosos de Carlos Drummond de Andrade, que ‘eu analisei em detalhe em dois capitulos de meu livro Coragao partido. Uma andlise da poesia reflexiva de Drummond. Na verda- de, o “claro enigma” é a fonte perene de que brota a admirdvel liri- ca meditativa do grande poeta. , Normalmente, a poesia é definida como a mais poderosa das manifestages literdrias. Vocé poderia dar algumas explicagdes sobre a forca da poesia? ‘A poesia é uma forma de condensagao. £ uma sintese da tota- de. Isso é a coisa mais bonita no poema. © poema se cumpre ‘em poucas palavras. £ proprio do Iirico cumprir-se na brevidade. ‘Mas, ao cumprir-se na brevidade, ele é capaz de dar conta do uni- verso, de condensar 0 mistério do universo. A poesia € a lingua- gem mais condensada, mais prenhe de significados que o homem inventou. ‘A condensagio é um dos modos de exprimix a capacidade do simbolo de encerrar significados miiltiplos num tinico signo. To- dos 0s recursos esto postos para fazer a palavra vibrar nos mais diferentes planos e condensar o maximo de carga de sentido que ela possa ter. Por isso mesmo, a prosa, quando ¢ alta prosa, s¢ faz poesia pela forca de condensagéo que adquire. Mas a poesia é onde 234 ais se pode observar essa forga extraordinéria de uma emogio {que sintetiza 0 universo em palavras. Paul Valéry, que sempre foi muito atento a isso, chamou a atengio para o fato de que a emogio poética se distingue da emo- ‘cdo banal — do medo, da coragem, do amor, enfim de todas as * emogdes —, porque, na verdade, é uma emogio que nos dé a sen- sagio de universo, Ou seja, ela tem a capacidade de — este verbo talvez nao exista, mas se pode formar — constelizar, fazer conste- do de coisas que nao esto ligadas. Por isso o enlace de coisas heterogéneas na imagem é téo poético, porque quando se aproxi- ‘mam coisas que aparentemente nao tinham relagao alguma para a percepao corriqueira, a gente tende a avaliar essas coisas como semelhantes de algum modo. Ou reconhecer e reavaliar os limites eas diferengas entre essas coisas. Na poesia, toda sequéncia ¢ analégica, funda semelhangas. ‘Tudo o que esté perto a gente tende a avaliar como préximo no plano dos significados; somos assim levados a perceber, com sur- presa imaginativa, a semelhanga de seres dispares. O ritmo e a re- + petigio so procedimentos de que a poesia se serve para tornar a sequéncia representativa da semelhanga, constelizando elementos heterogéneos na mesma corrente de emogao que os interliga € tensiona, formando um todo significativo. O universo, miiltiplo e co, tende ase inificar na poesia. Como vocé articularia literatura e deseja? ‘Na narrativa literéria, todo movimento éa hist6ria do desejo que topa com dificuldades para ir a seu objeto. Ou seja, todo 0 percurso do desejo para se cumprir € 0 objeto da narrativa. A nar- rativa vive das contradigoes de que sofre o desejo e da falta que isso traz, por nao se cumprir. Esse movimento éo movimento da narrativa. O diabo é 0 elemento contraditério ¢ de divisdéo que estimula 0 movimento da narragao; € aquilo que impede que 0 235 desejo se cumprae nos forca a narrar. Quando o desejo se cumpre, anarrativa acaba. £ preciso que haja sempre a contraparte do dia- bo que acende o desejo. O desejo, como Montaigne dizia, cresce com a dificuldade. A hist6ria da narrativa é uma hist6ria dessas dificuldades. A poesia também trabalha com isso? ‘A poesia também diz isso, de algum modo, ¢ mos. Na origem da lirica est o ditirambo, que é a expressio da ‘mais profunda alegria e da tristeza mais profunda. Essa oscilagdo é a oscilagao maxima da lirica. A origem da lirica € 0 ordculo, a ex- pressao lapidar do oréculo. A palavra lirfca é uma forma de sen- tenga oracular. Por isso, ela ¢ imagem enigmatica. A narrativa ape- nas desdobra as imagens oraculares no movimento do ritual, que esté na origem da narragao. Essas imagens sao desdobradas no iz nos extre- movimento narrativo e sao sintetizadas no instantaneo lirico. Ent determinado momento da nossa conversa, vocé delimitou os terrenos da interpretagio literdria e da interpretagio psicanaliti- ca, Ainda assim, é possivel ver algum tipo de influéncia da psicant se sobrea literatura? ‘A psicanilise sempre teve, desde o inicio, contato estreito coma literatura, pois, como se sabe e foi dito aqui, Freud se ser- viu da literatura como campo de provas da psicanilise. Jean Sta- robinski, um critico suico de grande importancia, tem um en- saio excelente, em La relation critique, que trata da relagao da literatura com a psicandlise, debrugando-se sobretudo nos ele- mentos que a psicanilise, no curso de sua elaboracao, tomou emprestados da literatura para assimilé-los a sua propria estru- tura doutrindria. Bu sempre tratava desse ensaio com meus alu- nos, porque nele estavam discutidas as diferencas na concep¢io «final da interpretagao no terreno literdrio e no terreno da psica- 236 V nilise, mas também a aproximagao intima pela qual a psicandli- se, devolvendo os materiais de empiéstimo, acaba falando a mesma linguagem da literatura. ‘A psicandlise impregnou toda a tradigdo da critica literdria do século xx. Num grande critico da estilfstica que jé citei aqui, Leo Spitzer, ela se incorporou profundamente na sua concepso mesma da linguagent literaria e do estilo como desvio lingutstico, até na nogao que no infcio desenvolveu do etymon espiritual de tum autor, como concepgio da unidade profunda de sua obra. Nos Estados Unidos, Kenneth Burke, por exemplo, tentou juntar mar- xismo com psicandlise na eritica, na anélise dos motivos, na gra- mitica dos motivos. A psicandlise entrou profunda, mas indireta- mente, em alguns criticos, em Richard Blackmur, por exemplo, que era um leitor fenomenal de poesia e de intrincados labirintos de certos prosadores, como Henry James. A psicanélise também est presente em William Empson, que escreveu o livro Sete tipos de ambiguidade, muito préximo das laténcias da psicandlise, sem . falar nos que beberam diretamente na doutrina psicanalitica, como Charles Mauron, na Franca, ou Maud Bodkin, nos Estados Unidos. Alguns criticos desenvolveram conceitos apoiados na psi- cologia profunda de Jung, como Gaston Bachelard e sua fenome- nologia da imaginacdo, centrada na teoria do devaneio a partir dos elementos materiais do universo: fogo, o ar, a Agua ea terra. Mais indiretamente, percebe-se, nessa mesma dire¢do, o aprovei- tamento de tipos de Jung, na visdo do romanesco tal qual a conce- beuo grande tedrico e crftico canadense Northrop Frye. No Brasil, poderfamos comiecar por Mario de Andrade, que acompanhou de perto o desenvolvimento da psicandlise fundou nela muitas de suas ideias criticas, antes que a psicandlise penetrasse largamente ia, depois dos anos 1940 até o presente, como, se vé em varios de meus colegas de oficio. Por tudo isso, e muito mais, que nao hé tempo para desenvolver, é imposstvel nao levar 237 t em conta a psicandlise se se quer compreender o que se passou nas diversas correntes da critica literdria do século xx, em que se mani- {festa direta ou indiretamente sua marcante presenca, seja nas con- cepebes da psicologia do criador ou da génese da obra, seja como instrumento de trabalho na andlise dos fantasmas do desejo que assombram as obras literérias. 238 EXTRA, EXTRA

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