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ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA ZÊNITE - ILC -

INFORMATIVO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS, EDIÇÃO DE MAIO DE 2000

OS SERVIÇOS DE ENGENHARIA E OS OUTROS SERVIÇOS NA LEI Nº 8.666/93.

por PAULO SÉRGIO DE MONTEIRO REIS

A Lei nº 8.666/93 estará completando, em curto prazo, 7 anos de vigência. Nesse


período, duas significativas alterações foram realizadas no texto legal, através das Leis nº
8.883/94 e 9.648/98. Hoje, parece ser possível afirmar que a chamada Lei de Licitações já
ultrapassou sua "infância" e, apesar das muitas críticas que lhe são feitas, justa ou injustamente,
tem se mostrado uma importante contribuição para a moralidade da Administração Pública
brasileira, desde o seu nascimento, em conjuntura bastante conturbada, quando nosso país
passava por período extremamente doloroso, até os nossos dias, quando sua aplicação já foi
inserida no cotidiano das áreas de compras e contratações de serviços como algo absolutamente
natural, que faz parte do dia-a-dia, sem causar maiores traumas ou dificuldades.

Ultrapassada que foi essa fase de maturação, é razoável afirmar, a despeito de


respeitáveis opiniões em contrário, que nosso país precisa muito mais de alguns ajustes na Lei
nº 8.666/93, que possibilitem a correção de desvios que hoje, mais do que nunca, mostram-se
evidentes, do que de uma nova Lei de Licitações, com todos os problemas que, naturalmente, u’a
modificação radical sempre ocasiona.

Dentro desse espírito e com o intuito exclusivo de colaborar com aqueles que têm
legalmente a competência para a realização desses ajustes, trazendo-lhes à colação alguns anos
de vivência na área, teceremos alguns comentários sobre a contratação de serviços não
enquadrados como de engenharia, em vista das disposições da Lei nº 8.666/93.

No Capítulo I, o diploma legal em questão trata, na Seção III, que engloba desde o art.
7º até o art. 12, DAS OBRAS E SERVIÇOS; na Seção IV, DOS SERVIÇOS TÉCNICOS
PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS; na Seção V, DAS COMPRAS; e, finalmente, na Seção
VI, DAS ALIENAÇÕES. É exatamente a Seção III que aqui abordaremos, por nos parecer um
dos pontos da Lei que precisa, em prazo curto, ser revisto, de forma a evitar dificuldades que vêm
surgindo, com freqüência acima da desejável, na sua aplicação.

O título da Seção dá a entender, em uma primeira e superficial análise, estarem ali


enquadradas as obras de engenharia e os serviços de um modo geral, isto é, os chamados serviços
de engenharia e todos os demais serviços, exceção feita, naturalmente, aos técnicos profissionais
especializados, que mereceram do legislador um compartimento isolado do texto legal.

E é assim que, de uma forma mais ampla, a Lei vem sendo interpretada e aplicada, não
só por aqueles que com ela lidam nas suas tarefas de rotina, como até mesmo pelos órgãos de
controle de contas. Poucos são aqueles que ousaram discordar desse posicionamento, até porque,
por estarem sujeitos ao controle, preferem simplesmente agir da forma como este orienta.

No entanto, a análise mais cuidadosa de cada um dos artigos que compõem a Seção III
deve conduzir a um resultado que é, no fundo, bastante diferente desse posicionamento,
mostrando, a toda evidência, que o legislador teve a intenção de ali tratar exclusivamente das
obras e dos serviços de engenharia, como procuraremos demonstrar a seguir.

O caput do art. 7º define a seqüência a ser adotada nas licitações que objetivam essas
contratações, falando, então, em projeto básico e projeto executivo. Trata-se, como sabem os
mais afeitos ao assunto, de terminologia adotada, de longa data, na área da engenharia e nela
praticamente com exclusividade; somente após a promulgação da Lei nº 8.666/93 é que se passou
a ver o emprego desses termos para todos os outros serviços, nos quais, até então, usavam-se
expressões do tipo "especificações", "descrição dos serviços" etc.

Vejamos, no entanto, quais as definições que o próprio legislador inseriu no art. 6º do


texto legal para projeto básico e executivo. Este último, segundo ali consta, é "o conjunto dos
elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas
pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)". Veja-se que a própria lei diz
que projeto executivo é terminologia a ser adotada em obras de engenharia, exclusivamente,
como sempre foi, aliás.

Para definir o que é projeto básico, o legislador foi mais extenso e o fez no inciso IX
do art. 6º, utilizando-se de seis alíneas. A leitura dessas alíneas mostra, de forma insofismável,
que o legislador está ali tratando, de forma exclusiva, de trabalhos na área de engenharia. Veja-se
que todas essas alíneas são dirigidas à realização de obras: "desenvolvimento da solução
escolhida de forma a fornecer visão global da obra..."; "soluções técnicas globais e localizadas
... e de realização das obras e montagem"; "identificação dos tipos de serviços a executar e de
materiais e equipamentos a incorporar à obra..."; "informações que possibilitem ... condições
organizacionais para a obra..."; "subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da
obra..."; "orçamento detalhado do custo global da obra...". Apenas na alínea "b", além de obra,
o legislador fala em montagem. Todas as demais referem-se exclusivamente às obras.

Pergunta-se, então: onde estão os demais serviços, os serviços que não são de
engenharia? Como elaborar, então, um projeto básico e um projeto executivo para serviços, por
exemplo, de limpeza, se o próprio texto legal diz que esses projetos referem-se somente às obras?

No § 2º do art. 7º, já mencionado, diz o legislador que as obras e os serviços só poderão


ser licitados quando, em primeiro lugar, houver projeto básico. Ora, mas se o próprio legislador
disse, no art. 6º, que projeto básico e projeto executivo referem-se, apenas, às obras, como
elaborar tais projetos para outros serviços (como de limpeza, retornando ao exemplo), condição
básica para que eles sejam licitados?

Ainda mais: no mesmo parágrafo, o legislador diz que as obras e serviços só poderão
ser licitados quando o produto delas esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no
Plano Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição Federal. Evidentemente, o Plano
Plurianual não trata dos serviços comuns, rotineiros, como os de limpeza já citados, mas
tão-somente dos investimentos a serem realizados pela Administração Pública, como as obras
e serviços de engenharia.

Poderíamos continuar analisando artigo por artigo da Seção III e, em todos eles,
encontraríamos, sempre, indicações claras, evidentes, de que se referem, única e exclusivamente,
às obras e serviços de engenharia, como, só para citar mais um exemplo, as expressões
"empreitada por preço global", "empreitada por preço unitário", "tarefa" e "empreitada integral",
todas elas de uso corriqueiro entre os profissionais de engenharia e, invariavelmente, pouco
utilizadas nos demais serviços.

Tudo isso leva a uma conclusão que parece tão evidente que se torna indiscutível: a
Seção III da Lei nº 8.666/93 aborda, exclusivamente, as obras e serviços de engenharia. Somente
para esses trabalhos são dirigidas as disposições ali inseridas. E onde estariam, então, no texto
legal, as exigências relativas aos demais serviços, serviços outros que não sejam de engenharia?
A conclusão a que se chega é a de que esses outros serviços simplesmente não constam do texto
legal, estando aqui uma das falhas da Lei, que precisa ser corrigida.

A aplicação das disposições da Seção III às licitações para contratação de "outros


serviços" vem causando inúmeros transtornos à Administração Pública. Elaborar "projeto básico"
e "orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos
unitários" para esses outros serviços é tarefa que vem levando os administradores a um exercício
de criação que mais propriamente deve ser chamado de "invenção", pois implica,
invariavelmente, a necessidade de serem formalizadas situações que, factualmente, nem sequer
existem, mas que precisam ser demonstradas especialmente aos representantes dos órgãos de
controle, sob pena do todo, ainda que feito com seriedade e correção, conduzir a admoestações
absolutamente injustas.

É hora, pois, de se corrigir essa falha da Lei. Tantas e tantas vezes a Lei nº 8.666/93,
desde o início de sua vigência, foi alterada por medida provisória. Pois bem, essa é uma situação
de efetiva urgência, que justifica plenamente a utilização desse instrumento legal para corrigir
um problema que vem sendo criado para o real exercício da Administração Pública, sempre
voltada aos interesses da coletividade. A introdução de uma nova seção, a VII, no Capítulo I,
tratando, aí sim, das licitações para os OUTROS SERVIÇOS (complementando, ainda, o título
da Seção III, que passaria a ser DAS OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA), é um desafio
que se impõe e que merece ser enfrentado urgentemente, de forma a regularizar esse tipo de
contratação, evitando os problemas que, com uma freqüência indesejável, surgem entre os
aplicadores da Lei e os representantes dos órgãos de controle.

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