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África: culturas e sociedades

Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy)

Texto do guia temático para professores África:


culturas e sociedades, da série Formas de
Humanidade, do Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de São Paulo. Escrito em janeiro de 1999
e revisto e adaptado em julho de 2005.

1ª. Parte - África: cultura material e história

Para compreendermos a cultura material das sociedades


africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até
hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse
continente perdido na obscuridade dos primórdios da
civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e
Natureza.

De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda


humanidade: a da sobrevivência material, mas também
espiritual, intelectual e artística, o que ficou à margem da
compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a
reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e
como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos.

E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente


africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De
acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no
evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os
africanos estariam num estágio cultural e histórico
correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do
alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural,
mas econômica também, os europeus estavam em busca de
suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do
desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações
estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa
distorção.

Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com


o mundo ocidental, em particular antes da colonização, não
pode ser compreendida tomando-se como referência a
organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais.
Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que
não existe uma África anterior, a que se convencionou chamar
África tradicional, diversa e independente, com suas
particularidades sociais, econômicas e culturais.

As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não-


ocidentais (não-européias), se estruturaram fundamentalmente
sob o modo de produção capitalista. Além disso, o modo de
produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade
pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas
certamente não comporta explicações de todas as dimensões de
como os homens que a constituem compreendem sua vida e
modelam sua existência.

A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas


ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do
Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano é
tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É
resultado também do etnocentrismo das ciências européias do
século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que
Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o
imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital,
uma das grandes invenções que vem desde a era dos
Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do
Liberalismo.

O viés econômico da História é um importante instrumento da


Ideologia do Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro
dessa linha de raciocínio, o Capital emerge de fora das
sociedades de que tratamos para regrar suas atividades
econômicas de modo diferente, conforme interesses externos
aos dessas sociedades produtoras e dos povos que as
constituem, modificando as relações sociais e impondo um
novo modelo de pensar e agir.

As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham


em suas atividades econômicas uma das formas de
sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam,
de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma
tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia
muitos povos nômades, que precisavam se deslocar
periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus
territórios, chegaram a constituir grandes reinos,
desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens
de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam
várias de suas artes de escultura e metalurgia).

O que a história oficial procurou velar é que os africanos


desenvolveram várias formas de governo muito complexas,
baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens),
seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por
chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas
grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são
conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de
Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja
existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica
de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás,
ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado
negro das artes na África que coloca em risco toda uma história
ainda não completamente estudada.

Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África


ocidental durante toda a Idade Média européia; reinos da África
oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os
séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados
de modelo monárquico ou imperial. Outros estados
centralizados marcam relações de longa data com o exterior,
como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é
importante relativizar o peso conferido ao continente africano
enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é
o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos
que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos
europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a
européia.

Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora"


européia era para tirar suas elites da emergência de sua
própria falência econômica: os europeus precisavam se
apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia.
E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de
"descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre
(como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse
um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do
tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os
africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente
milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é
africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas
historicamente, com o Mediterrâneo antigo.

Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território


africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos
europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do
século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do
lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano,
resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num
comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na
África, num clima muito diferente da situação colonial que
sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração
teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos
fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de
várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a
Cultura, permite-nos perceber as diferenças como
características e valores fundamentais para a permanência e
dinâmica da Humanidade.

É através dela que se permitiu reconhecer que os estados


tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de
governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a
produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes
de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba.

Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam,


junto com essas, a gênese de uma história da arte africana,
mesmo que sempre apartada da história universal da arte. O
fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer
dizer que os africanos, bem como os povos autóctones das
Américas e da Oceania, não tinham história, muito menos que
não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas
decorativos estão plenos de mensagens codificadas por signos e
símbolos que podem ser "traduzidos", ou interpretados
verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais.

Confira também o artigo de Lucia Harumi Borba Chirinos neste


site. (LINK4A) Além disso, na tradição oral, ou no registro oral
da história dos povos africanos, podemos constatar que o
tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa
num vazio: ele supõe um lugar exato, um instante único (p. ex.,
a queda de um cometa célebre, uma enchente inusitada,
marcando feitos de um governo determinado, de um chefe
conhecido e nominado). Do mesmo modo, podemos pensar na
revalidação da informação histórica em objetos que expressam,
através de mesclas de estilo ou da própria iconografia,
deslocamentos das comunidades africanas, formando grandes
correntes migratórias pelo continente, seja de caráter cultural,
comercial ou outro.

Esses contatos, determinando combinações de elementos


originais de um povo com outro(s), promoveram um dinamismo
externo e explicam a unidade cultural da África. Por outro lado,
a história desses povos pelo continente é uma história de
conquistas, de legitimação do território a ser habitado e
cultivado, explicando a diversidade cultural existente.

A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa


história, mesmo que a intenção da colonização era acabar com
ela. O período colonial africano é recente, durando de 1883-
1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período,
os governos europeus dividiram e reagruparam as sociedades
tradicionais da África em colônias, cujas fronteiras não
correspondiam aos seus territórios originais.

Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências


conquistadas individualmente, mas num grande movimento de
solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial foram
de modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a
partir de então com seus próprios governos. Mesmo assim, até
hoje são países que lutam com dificuldade, tentando recuperar
suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do
quadro da globalização imposto mundialmente. As lutas civis, e
a presença de ditadores compactuados com potências
estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas que a
exploração européia e a ideologia do desenvolvimento causaram
aos povos africanos, esgotando seus minérios e suas florestas,
degradando seu meio ambiente, alterando seu ecossistema,
estabelecendo uma ordem completamente diferente sobre uma
experiência secular de vida.

É evidente que a exploração da África não se deu apenas na


sua colonização, esta já tão truculenta em si mesma,
lembrando que durante esse período os africanos não foram
apenas usurpados em suas economias e territórios, mas em
seus modos de existência e de pensamento, principalmente
através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja
manipulou o Cristianismo sob pretexto de uma ação
civilizatória compactuada com países europeus.

Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no


continente e não dos que foram seqüestrados para a indústria
da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. Podemos
dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos
escravos) continuou aqui no Brasil (e nas Américas), e o
passado de povos africanos na África ficou na memória coletiva
e no silêncio da cultura material, temos muito a repensar sobre
a nossa história em comum, encontrando, oxalá, nossos valores
para o futuro.

Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e


na cultura material dos povos africanos, vez que se trata de
sociedades que têm atrás de si mesmas existência milenar.
Temos testemunhos plásticos e iconográficos do séculos V, VI e
até VII a.C. nos países do Mediterrâneo antigo, que
demonstram não apenas a presença da civilização egípcia,
como também das civilizações da África sub-saariana, esta
chamada de África negra. Vê-se aqui a antiguidade das
culturas africanas, bem como sua dinâmica, alimentada não
apenas por fluxos internos, mas também externos, desde longa
data. Ao lado de tudo isso, lembrar que descobertas
arqueológicas vêm demonstrando a precedência da espécie
humana e de suas indústrias no continente africano, antes dos
seus vestígios em território europeu, como o caso do exemplar
mais antigo do homo sapiens sapiens (nossa espécie)
descoberto no Quênia, datado de 130 mil anos atrás.

É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente


africano é imenso, com centenas de grupos étnicos ou
sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o sistema
de parentesco, além de não ser a única forma de organização,
manifesta-se em grande diversidade e complexidade na
composição dos grupos culturais. Hoje as sociedades africanas
são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes
elas não tinham organização. Com uma hierarquia de
obrigações e direitos, e com uma tecnologia própria ditada pela
sua economia, seja ela de subsistência ou de comércio,
algumas sociedades tradicionais voltavam-se mais para a
agricultura, outras para a caça e pesca, e não raro, essas
atividades eram mescladas. Não há conhecimento de grupos
africanos sem um tipo de organização, seja em pequenas
chefias a grandes repúblicas e reinos, até que as grandes
potências ocidentais invadiram e colonizaram o território
africano.

Em contrapartida, devemos também estar alertos para não nos


valermos do que, entre nós, é tido como premissa de civilização,
achando que com isso chegamos à compreensão de outros
povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de
chefias ou de um comércio ativo, cada sociedade, cada cultura
tem um sistema de categorias próprias de pensamento e
existência, sendo ele o que a diferencia das outras, e o que lhe
dá real relevância perante a Humanidade. A cultura material e
a arte, pelo seu caráter concreto (de "coisas", objetos), podem
ser veículos eficientes para que tais categorias não fiquem tão
vulneráveis à ação destruidora de nosso etnocentrismo, desde
que sejam enfocadas como produtos de sociedades diferentes e
não desiguais.

2ª. Parte - África: cultura material e arte africana

As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são


produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos,
fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos
da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que
eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão
da quantidade de estilos criados pelos povos africanos.

Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada


estilo ou grupo de estilos corresponde a um produtor
(sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia).
Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não
podem ser considerados no seu isolamento, e, portanto, é
natural que a estética de cada sociedade africana compreenda
elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma
parte da manifestação estética a que pertence, constituída por
um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas.
Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e
de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou
período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de
acordo com a sua função.

Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada


estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não
eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem
separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser
lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros
na interpretação da cultura material estética dos povos
africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África
contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e
atuais, no circuito internacional das exposições.

Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos


tradicionais, ela deve-se no maior das vezes às demandas de
um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo.

Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais


ainda em uso em rituais religiosos ou festas populares há,
assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material,
que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também
pelos africanos de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes
ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente
discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de
conteúdos e símbolos, a arte africana atual não esteja
impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em
novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética
tradicional africana é visível também, nos dias atuais, nas
produções artísticas dos países de fora da África,
principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e
cultura foram formadas por grandes contingentes africanos.

Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas


produções realizadas pelos africanos antes da ruptura entre
tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar
o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana
é, queiramos ou não, um reducionismo inventado por
estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a
toda produção material estética da África produzida antes e
durante a colonização, até meados do século XX, trazida à
Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais.

Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns


elementos de aproximação com os de correntes da arte
ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo de
comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido
da arte africana tradicional, porque esta não foi feita para ser
realista ou cubista, isto é, ela não era um exercício de reflexão
sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas
entre nós. Apesar disso, podemos identificar na arte africana os
elementos que permitiram a artistas, como Picasso, a
revolucionar a arte ocidental.

O cubismo, portanto, é uma invenção intelectual dos europeus,


que nada tem a ver com a intenção dos africanos: enquanto no
cubismo a representação do objeto se dá de diversos pontos de
vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo,
a estética africana busca, ao contrário, uma síntese do objeto
ou do tema construído materialmente, plena de objetivo,
inspiração e conteúdo.

Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas


um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual
- do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado,
ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou
uma estátua concentram forças inerentes do próprio material
de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou
superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm,
portanto, uma função meramente formal.

Ainda assim, podemos observar que algumas produções são


mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com
frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo
(de uma figura humana, da imagem onírica de um
antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas
máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e
seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas
existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim,
nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver
uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo
e outro.

Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental


e a produzida na África central. E dentro dessas grandes áreas
geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos detalhes, seja
pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as
produções artísticas dos Dogon e Bambara são muito distintas
embora situadas, por alguns autores, dentro de uma mesma
faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas
apresentam uma certa continuidade formal ou temática, além
do fato de que tais sociedades ocupam territórios contíguos
permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais.
No entanto, as portas de celeiro são renomadas entre os Dogon,
e o tema do antílope é mais reconhecido, embora não exclusivo,
na arte Bambara.

Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope)


celebram a arte dos Dogon e dos Bambara respectivamente não
apenas porque foram encontrados em abundância entre eles,
mas também porque são considerados por esses povos como
signos específicos de sua cultura em circunstâncias dadas na
sua tradição oral.

É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser


determinada por uma série de estudos interdisciplinares que
apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas disciplinas estão
a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas
especificidades, estão intimamente ligadas à etnografia e à
Antropologia.

Os procedimentos técnicos e a matéria-prima usados na


produção material podem "falar" muito sobre o estilo, assim
como sobre o meio ambiente em que determinadas sociedades
vivem. A madeira era muito usada nas regiões de floresta. É por
isso que a estatuária africana está concentrada na chamada
África ocidental e na África central, regiões onde predominava a
floresta equatorial e tropical, e onde se conservam apenas
partes dela hoje em dia.
O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o
continente, caracterizou as produções artísticas da savana,
onde floresceram grandes reinos, tanto na África ocidental
quanto na central, onde a arte era fundamentalmente ligada à
organização social e política, a serviço de mandatários, através
de ateliês oficiais - caso da chamada "arte de côrte" de Ifé e
Benin ou da escultura da associação Ogboni fieta pelo
sofisticado processo de fundição pela cera perdida (FIG 6).

Junto a essas produções de metal devemos mencionar a


escultura em marfim, renomada não apenas entre povos do
Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba) mas também entre
os da embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde
o século XV era requerida pelos "gabinetes de curiosidade" da
Europa. Bruto ou trabalhado, o marfim, assim como o cobre,
era considerado precioso em todas as sociedades africanas,
desde muito antes do tráfico (desde a antiguidade, pelo Vale do
Nilo e pelo Saara), mas é certo que o contato com o mundo
ocidental, desde o Renascimento europeu, promoveu um
desenvolvimento de uma arte africana em marfim já voltada
para o comércio e turismo como a da atualidade.

Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais,


eram feitas tradicionalmente por todas as sociedades,
respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que
podemos destacar algumas em que essas técnicas eram mais
usadas do que a escultura, de acordo com o modelo de
organização social e as formas de expressão estética. Nesses
casos, os recursos gráficos eram mais aplicados do que os
recursos representativos da escultura. Aqui podem ser
compreendidos, particularmente, os produtos de sociedades
situadas em regiões semi-áridas, que, em busca periódica de
novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens
móveis de grande porte. Mas às vezes esses modelos de análise
se mostram arbitrários, pois a arte decorativa pode imperar
também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e
onde a produção estética está voltada à legitimação de um
poder monárquico e centralizado como dos Bakuba), e que
também comporta uma importante estatuária conforme
ilustrado acima.

.
Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância
ecológica e a escolha do material não era arbitrária: como o
objeto que iria ser produzido, o material tinha um valor
simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e
estátuas deveriam ser esculpidas em madeira de árvores
determinadas; a confecção de adornos implicava no uso de
determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos
diferentes de contas, se não de um tipo de liga metálica, de
marfim e outros materiais de origem inorgânica e animal.

Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o


tamanho, a distribuição de cores, entre outros, são
características diferenciais do estilo com que cada sociedade
representa uma forma e um tema. Mas existe uma série de
características culturais comuns entre os povos da África e
diversas das de sociedades de outros continentes que permeiam
suas artes tradicionais de uma forma singular: seus sistemas
de pensamento e de crenças.

3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião

Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre


Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na
Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E,
como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos
culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela
Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir bens
espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio
ambiente onde se formaram.

Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças


das sociedades africanas, devemos ter sempre em mente a
dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com respeito à
arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que
forma, permanece no presente.

Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma


de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o
que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem
como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes
ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande
diversidade cultural no continente, correspondente à
diversidade de formas e estilos na arte tradicional.

Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um


aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o
indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é
filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e
memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu
descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte
está concretamente ligada à de vida : morrer significa não
procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e
morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A
existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o
que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do
cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao
universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo
tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual,
ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses
povos.

Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões


que vão além do poder econômico, o que não exclui a
preocupação social e individual com o status (disputado e
atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já
que ele é uma das chaves para que o grupo tenha uma
estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de
futuras gerações.

Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que


se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem
sempre como se divulga através de publicações, eram
relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os
chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais",
são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais
agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando
"coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num
sentido distorcido.

Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são


também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) -
simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral,
aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos,
baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza
(muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso
explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches",
em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de
antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através
de gerações sucessivas e da apropriação do território.

Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças


das sociedades africanas tradicionais é a consciência de
periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente
vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de
que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando
pelo presente.

Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado


período histórico supõe a existência de outro ou outros
indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos subsequentes,
graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram
regras para que seus contemporâneos e conterrâneos
pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições
de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que
podemos constatar essa característica de infinitude, de que a
vida é infinita: "uma vez que é dia, depois noite, qual será o fim
deles?".

Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica


que não corresponde à idéia de que esses povos não teriam
história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam
sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro
provérbio africano nos permite constatar essa característica de
periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as coisas
de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã".

Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no


presente, o que é uma responsabilidade dos que vivem para
garantir a existência do futuro, e que não há nada de estático
nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma
consciência de que há um dinamismo na vida, na existência,
não apenas por modificações ambientais naturais, mas também
modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão
de gerações.
Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura,
modificando-as quando necessário, sem precisar de outras
normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam
entender, pois eles se consideravam superiores a todos os
povos não-europeus.

Esse sentimento de superioridade vem da constatação da


diferença. Na visão judaico-cristã, por exemplo, os africanos
foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que atribuem
vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e
animais são dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir
como seres humanos. Isso não é verdade e deturpa as formas
autênticas de concepção do mundo dos africanos, colocando-os
como inferiores, ou "primitivos".

O que ocorre, na verdade, é que na África tradicional a


concepção de mundo é uma concepção de relação de forças
naturais, sobrenaturais, humanas e cósmicas. Tudo que está
presente para o Homem tem uma força relativa à força
humana, que é o princípio da "força vital", ou do axé -
expressão ioruba usada no Brasil. As árvores, as pedras, as
montanhas, os astros e planetas, exercem influência sobre a
Terra e a vida dos humanos, e vice-versa. Enquanto os
europeus queriam dominar as coisas indiscriminadamente, os
africanos davam importância a elas, pois tinham consciência de
que elas faziam parte de um ecossistema necessário à sua
própria sobrevivência. As preces e orações feitas a uma árvore,
antes dela ser derrubada, era uma atitude simbólica de respeito
à existência daquela árvore, e não a manifestação de uma
crença de que ela tinha um espírito como dos humanos. Ainda
que se diga de um "espírito da árvore", trata-se de uma força da
Natureza, própria dos vegetais, e mais especificamente das
árvores. Assim, os humanos e os animais, os vegetais e os
minerais enquadravam-se dentro de uma hierarquia de forças,
necessária à Vida, passíveis de serem manipuladas apenas pelo
Homem. Isso, aliás, contrasta com a idéia de que os povos
africanos mantinham-se sujeitos às forças naturais, e,
portanto, sem cultura. Os povos da África tradicional admitem
a existência de forças desconhecidas, que os europeus
chamaram de mágicas, num sentido pejorativo. Mas a "mágica",
entre os africanos, era, na verdade, uma forma inteligente - de
conhecimento - de se lidar com as forças da Natureza e do
Cosmo, integrando parte de suas ciências e sobretudo sua
Medicina.

Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados


graficamente nas decorações de superfície de esculturas, na
tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através de
figuras geométricas (zigue-zagues, linhas onduladas, espirais -
contínuas e infinitas), de figuras zoomorfas (cobras, lagartos,
tartarugas - que, além de sua forma, estão associadas à idéia
de vitalidade e longevidade).

Trata-se de uma linguagem gráfica simbólica, equivalente a da


figura antropomórfica em estátuas e estatuetas, onde se
ressaltam cabeça, mãos e pés, seios, ventre, orgãos sexuais
(todos considerados, de um modo geral, centros de força vitais).
Elas expressam, do mesmo modo que os grafismos, aspectos
relacionados ao tema da reprodução humana e à capacidade de
produção do conhecimento necessário à perpetuação da espécie
humana, mesmo que individualmente, venham a desempenhar
funções e a expressar significados específicas(FIG 9).

Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos


são freqüentes e quase que indissociáveis na expressão
artística, estabelecendo a relação entre a abundância de
alimento e a multiplicação da prole, um fator concreto em
sociedades agrárias. O tema do duplo remete à relação de
fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, homem-
mulher). Todas essas formas gráficas e representativas são um
recurso para apresentar, sob forma material, um conjunto de
idéias sobre a existência concebida visando ao equilíbrio e à
perpetuação biológica e espiritual do grupo social.

Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários


deuses, o que não parece ser muito preciso. Em quase todas as
populações da África foram registrados depoimentos da criação
do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de
uma força primordial, um Criador que criou o Mundo e os
Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu Destino (FIG
10).
Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos
porque se trata de seres não conhecidos em vida (que estão na
memória coletiva), sendo por isso míticos, sem que se caia no
erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como
idéias sem valor científico e histórico. Tais mitos de origem
comportam freqüentemente o relato de pares primordiais, de
gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo,
e, muitas vezes, seres zoo-antropomorfos que, dotados da
tecnologia (instrumentos agrários ou de caça), vieram para
ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se
multiplicarem, zelando, eles - os Homens -, pela sua própria
permanência em vida.

Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de


mundo cristãs é a consciência de que cada ser que está
presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é
humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação
constante com os antepassados, visando às futuras gerações.
Esse pode ser apontado como um significado substantivo das
várias formas de culto de ancestrais.

É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito
mais ritualizada que no mundo cristão. O mundo material e o
espiritual são concebidos juntos, quase que inseparáveis, o que
implica em modelos de culto e religião completamente
diferentes do que se adotou no Ocidente, que por sua vez serviu
de modelo para outros povos formados na modernidade, como é
o caso brasileiro.

Os Candomblés (são várias as formas como essa religião


brasileira de origem africana se apresenta) conservam formas
de culto muito próximas às de cultos tradicionais da África
ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando
emblemas, nomes e outras características de suas divindades
(e, às vezes, das divindades dos povos de línguas bantu, ou dos
chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de
poder iniciático.

Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam


uma estrutura de panteão, como a das religiões grega e cristã.
Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção de outras
divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos
tradicionais da África, por sua vez, voltavam-se, em linhas
gerais, aos antepassados ou a divindades da Natureza. Neste
último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás -
apelação dada às divindades de origem ioruba ou nagô (os
voduns, inquices e caboclos são divindades de povos africanos
de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos
candomblés, muito embora muitas dessas divindades celebram
chefes políticos sacralizados, com uma qualidade divina, de
uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados
como antepassados.

Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja


da África ocidental, seja da central, é uma "presentificação"
desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em vida -
antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou
chefes eleitos renomados por feitos realizados durante seus
governos. Em peças desse tipo transparece a grande relação
entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e
cabeças, tendo uma força acumulada de vários níveis, não
podiam ser vistas por todas as pessoas, se não os altos
iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social
e religioso, sendo que em muitas sociedades, o chefe político
era também o sacerdote supremo.

E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte


africana, que tanto nos mobiliza o olhar pelo impacto estético,
era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser
vista, a menos que houvesse uma ocasião precisa para isso.
Está aí está a demonstração da grandeza e do poder de uma
cultura material, depositária não de segredos, mas de
fundamentos, a serviço da história e cultura dos povos
africanos, que dentro e fora de seu território original,
continuam sua existência, formando novos valores, como
acontece entre nós, no Brasil.

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