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Joto-Francisco Duarte Jinior O QUEE BELEZA (Experiéncia Estética) editora brasiliense Capyright © by Jodo Franiuco Duarte inion Nenhuna port desa publiacto pode ser grovel ‘armazencde om tema slrinices, tocop ina, ‘produc por moter mecinicor ou euros qutogu sem ‘autos prvi eo Prati 088 “Fecico. 1991 FT rampreso, 208 ovat: Rosbed Chines “howard liso Cipro Bons ‘acosnemacionas de Catlon:Som Pubes (IP) (Cina Basioea doy 8 Bri oped. es Bawa anre Indices pra aloposinenbie tidea ese Fete 18S aan 2 nena ice nite ae INDICE ~..- Que me perdoem, mas a beleza 6 fundamental”. ~ Sentimentos e simboios ~ Rexporiéncia pratica ... ~ Avexperigncia estétice . ~ A (dimensio rotund ca veneer estétiea « i ~ O prazer, ne exper ~ Indicecses para leitura . ja estética riéncia 7 16 31 “A bole: & 0 nome do qualquer coits que nio existe, Que deu is cols em troca do agrado que me 82.” [Alberto Catto / Feenando Pesios Para Estela, ima e amiga 1, QUE ME PERDOEM, MAS A BELEZA E FUNDAMENTAL” Cartamente 0 posta nfo se oporia a que genera- lizdssemos os seus versos. Porque, em “‘Receite de Mulher’, Vinicius de Moraes, referinco-se especificamente & beleza feminina, abre o poema afirmando: “As muito feies que me perdoem / Mos 4 beleza é fundamental”. (Notamos que, em geral, ‘8 pessoas citam erradamente estes versos, dizendo’ "as feias que me perdoem” , etc. Retiram a enorme benevaléncia de Vinicius, contida justamente no advérbio muito, mes sto 6 outra historia.) Generalizemos entio a afirmacio, extrano- landoa para além dos limites das curvas femininas constatemas que a beleza é sempre fundamental, nesta nossa existéncia alicercada sobre emordes poderosas © por vezes errebatadoras. & claro que voce néo precisa concordar comigo assim de Jobo-raneisco Duarte Kinior Oqued eleva chore, quanto 20 belo ser fundamental em nossas idas: ao longo das péginas seguintes espero deixar Glares a necessidade, funco e importincia da experiéncia estética para o ser humano, E, [6 que @ expressio “experiencia estética”” apereceu no pardgrato anterior, convém desde ‘agora deixar claro @ dofinido o seu sentido, bem como o dos termos “beleza”, “belo” e “estética’, © as diferencas existentes entre eles, personagens fraqiientes no desenvolver doste texto, © substantive “estética”’ designa hoje quslquer Conjunto de idgias (filosbficas) com 0 qual se procede a uma andl mente, da psicologia) dedicada a’ buscar sentidos © significados para aquela dimenszo da vida na ual 0 homem experienc’ a “ciéncia" da be Mas nem sempre foi assim. Entre os antigos ‘greqos 0 estudo do belo nio fazia parte do pense mento a respeito dos produtos do trabalho humé- no. As obras de arte eram objeto de consideracso de poética ~ ciéncia ou arte de produgo —, a0 pass0 que o belo estava ligado & (divina) nogéo de Bem (especiaimente em Plato e Plotino). Apenas por volta de 1750 6 que os conceitos de estética e de beleza foram associados, Quem pela Primeira vez 05 interligou foi o filbsofo Baurngar- ten, @ entio Kant, outro filésofo dele contem- a boleza, Estética 6 pordneo, passou também a omprogar a donomi- hacdo “estética” para o estudo da beleze, no sentido que chegou até nossos dias. ‘0 titulo deste pequeno livre — como vocd jé notou - ¢ 0 que & belecs, © nd 0 que ¢ exté- tica. Caso, optasse pelo segundo, estas paginas deveriam conter uma pequena histéria das teorise a respeito do belo ao longo dos tempos e uma ‘explanago de uma ou mais correntes estéticas contemporiness, No 6 este © mou propésito. Intento discutir aqui nossa (humana) experiéncia face a determinados objetos que percebemos & sentimos como belos. O que aconteco conosco frente a um quadro, uma cango, um filme, um poema, uma paisagem ou uma noite enluarada fe que nos leva a suspirar: “como 6 bela”? Esta vai ser @ minha questéo central, e em torno dela ‘gravitaro outras que, espero, postam ser equacio- rhadas e (ao menos) satisfatoriamente respondides. faz nocossiria: aquela entre co belo” — e “experiéncia esiética’. Esta Gltima ser6 para n6s, nestas linhas, sindnimo de “experién- cia da beleza” ou “experéncia do belo”. Expo- rincia estética ¢ a experiéncia que temos frente a lum objeto ao sentilo como belo. Assim, outro titulo para este texto poderia ser “o que ¢ expe rigncia estética”. Mas, como sou adepto da simpiici- dade a qualquer custo, utlizo 0 popular “beleza’ ‘Aiguns autores, no entanto, pendem para um Joto-Proncrico Duarte Finior O que é Belezx n extremado rigor @ nio identificam completamente 4 experincia estética com a experitncia da beleza. Atirmam que a experiéncia estética compde-se ido trés experidncias (ou sontimentos); @ experiéncie da beleze, a do sublime e a do gracioso, ressal vando, todavia, que a beleza é a componente prin. cipal dessa experiéncia maior. Nio vou me preo- cupar aqui em tentar delimiter os conceitos de beleza, de sublime e de graca, mesmo porque nesses préprios autores as fronteiras entre os termos ‘no séo claramente distinguidas, e isso poderia, mais do que aclarar, confundir at coisas. Aq estas pdginas, oxporiéncia extétice © enperiéni a beleza serdo sindnimos, ¢ ponto! Além disso, prefiro também o tormo “beleza" Por incomodar bastante algumes pessoas que, por ‘motives varios (uma pretensa busca da "ol vidade"’. da “racionalidede”, da “cientificidade”) desonvolverem um marcente preconceito quanto & palavra, chegando mesmo a bani-la de seus voca: bulérios. Excetuando-se os meramente mal infor ‘mados, que no sabem ser o termo um conceito filosotico (e, portanto, passivel de definicées @ interpretagBes varias), neste time jogam os ‘adeptos de um ferrenho positivismo, ombreados, ironicamente, com seus adversérios figndais, os ‘marxistas ortodoxamente economicistas. Estes rece bem, por sua postura contréria ao conceit, uma acerba critica do filésofo Herbert Marcuse (adepto do método meterialista dialética), que afirma insttuigbeseriaram « wenderem fet pureza e savicade piasticas — uma extensdo dos valores de troca em relacdo 8 dimension frttieosrética No entento, em convaite com tals 3 idsie de Beloza sparcee frequentemente «mm morimentos progtesisian, come um aapecto da rozonstrugdo da natureza eda socisdade". for cow a tai fe gta ces ne roupa), além de sue eficiéncia na fungdo a que in aan Soe ea oa aparéncia, com a sua “estética”. & irrecusdvel: os Sona area stern nein mh se teen eras boca de profissionais da area de sade: “estou Sewer ee organismo_humano? Nao. Seu sentimento do belo provém da prépris ciéncia que exercom (de resto, uma atividade marcadamente logica, exper mental e racional): provim da articulago de coneeitos, da construgie de um saber (uma te que hes ‘permite compreender e atuar sobre a enfermidade. O ato de compreensio e de atuacio, fundedo numa forma tedrica, configura um todo harmonico e equilibrado, percebido como belo. © matemético Poincaré, alids, dizia que 2 ‘meire coisa que ele verificava numa equacdo ef sua qualidade estética, isto 6, se ola se mostrava como bela. Neste sentido, comenta Michael Polanyi: “A afirmacio de uma grande teoria cientifica 6 em parte uma expresso de deleite. A ‘woria tem um componente inarticulado que aclama sua belez2, e isto & essencial para a crenga de que a teorie ¢ verdadeira”” Posto este cardter, digamos, “oti da beleza, sigamos om frente neste capitulo intro- dut6rio. Grosso modo, ha que se reconhecer dois tipes bésicos de rolacionamento que mantemos com 9 mundo, os quais seréo largamente discu- tidos e aprofundados em capitulos ulteriores. Estes dois tipos (que alguns fildsofos chamariam de duas formas de “‘intencionalidade”) podem ser denominados relacionamentos pritico e estético. Na experiéncia prética com 0 mundo interessa-nos a funcéo das coisas, e na experiéncia estética a sua forma, sua eparéncia. Alguém me empresta uma caneta para anotar um endereco, Sua forma 6 to arrojada @ bonita, sou contato com a mao Wo suave e agredivel que, por alguns instantes, fico a contemplé-la e a senti‘la, "esquecendo-me”™ do enderego a ser copiado — tenho uma relayio estética com ela. Logo, porém, retorno @ dimenséo prética © a utilizo para minhas anotagdes, @ af posso, inclusive, notar que sua pena felha, € por isso ela nfo se presta adequadamente & funcao a ue se destina. Como wace percebeuno exerplo acima, as colses do mundo se dio a nds da maneira como intenta- ‘mos apreendé-les, Um quadro aparece ao espectador de maneira diferente do que se mostra & faxineira ‘que dove espané-lo, ou ao carregador da companhia ge mudangas que precisa colocéto no caminhdo. Serd ento em tomo dessas duas formas de rela- ionamento com 9 mundo — 0 relacionemento prético € © estético — que conduziremos nossa iscusso sobre 0 concsito de beleza, (© ponto que deve ficar claro de antemo (cu) ebscuridade talvez seja 0 principal material na construgdo do. preconceito quanto a0 termo “peleza") 6 justamente este: a beleze é uma ma- rneire de nos relacionarmos com 0 mundo, N3o tem a ver com formas, medidas, proporeses, tonalidades @ arranjos pretensamente ideais que efinem algo como belo. Acabou'se 0 tempo em que os estudos estéticos ditaver regras de beleza: um objeto podia ser considerado belo apenes © Joto-Francsco Duarte Sinior O ques Beleza osomenw se se conformasse com os parametros tracados pela corrente estética ern voga na 6p0ca. Boloze no diz respoito d¢ qualidade: dos obje- tos, mensurdveis, quantificéveis e normatizévels. Diz, respeito 4 forma como nos relacionamos com eles. Beleza é relagiio (entre sujeito e objeto). Assim, procuraremos centrar nossa discussdo num dos pélos desta relario, no sujeito que sente © experiencia a beleze, Como outro pélo, o objeto, escolheremos preferencialmente uma’ obra de arte, j& que o propésito que conduz a sua feitura @, essenciaimente, estético. Outros abjetos, como a natureza e objétos utilitérios, sero aqui e ali considerados como passiveis de uma relopdo ests tica, mas uma ciscusso mais profunda sobre el demandaria um espaco de que no dispomos. Entends ainda: do estarei preocupado, nestes piéginas, em veriticar 0 que faz com que uma dada obra de arte soja boa ou nfo, “bola” ov "foia". ‘Meu intuito ¢ pensar sobre o que acontece conosco uando experianciamos 2 beleza (encarnada neste ‘ou naguele objeto belo). Neste sentide, pouco 19s interessard a experiénicia do artista zo criar um objeto estético, uma obra de arte, € certo que eventualmente seu trabalho © o sentido que move sat mos sero aduzidos a0 texto & quisa de expli cages complemontares, mes © processo da crapto fem si foge ao 4mbito deste livro, Resta fazer, neste limo paréorafo, um pequeno comentirio sobre © liame que une 0 conceito elos fildsofos) representado beleza” © 0 conceito (dito dado polo adjetivo “bolo”. A boieza, assim como @ justiga, « ibeidade, e democracia, © amor, ete., & de’ carta forms, um conceito “ideal”, urn horizonte om diregSo 30 qual cami nham 0s objetos particulares que sio."“belos”. Tris universais. #80 como que metas, utopias 4 serem stingidas desde @ vida conereta © histérica do dia-adia. Nenhum objeto encama a “beleza pura!" (como diz Caetano Veloso), nenhurn to humano plenamente a corporificagio da “jus tia’, do “amor’; nenhum homem livre & a inte- gra expressio da “liberdade”, « assim por diante, 0 universaissBo balizas, pontos de referencia para © cotidiano concreto, onde eles se dé em casos | perticulares © sompro imperfsitos. Indopenden temente da_maneira como os universais possam ser definidos, essas definicGes ultrapassam e trans- cendem suas reelizaydes perticulares e concretas, Tals detinigdes dos conceltos universais s80 05 objetivos a. sorom porseguidos através das epbes humanes co diaa-dia, Fortanto, 0 conceito de iustica, por exemplo, abarca toda a justica cinda no alcangada; o de democracia, tode @ democracia a que se quer chegar através de’ nossos atos demo: eriticos, @ 0 de beleza, toda 2 boleza busceda através dos objetos belos que nos s80 oferecidios cotidianamecte. 0 que é Belz ” SENTIMENTOS E SiMBOLOS Acabando de sair de um parque de diversdes conde, pela primeira vez, experimentei es sensardes de andar numa montanhe-russe, encontro um amigo. Este, a0 saber de minha “aventura” naquele bbrinquedo, confessa nunca ter tido coragem para deixarse despencar 2 bordo do pequeno carrinho @ pedeme um rolato da experiéncia. Tento entéo ‘ordener @ rapidfssima sequéncla do passelo desde © primeiro e mais elevado declive, procurando descrever-the a sucesso fronética de sensagbes. A descrieao ¢ dificil, e, para tanto, vou me valendo. tartan le eeritras: mum moment perscarine (© estdmago ter subido & gerganta, noutro a impres- io for 300 esar no ole ce um méenonhe (ou no interior de um liquidificador), a paisogom fem volta como que estilhagou-se e seus cacos e atropelaram numa caleidoscépica desordem, embaralharam-se as nodes de “em cima’ @ “em- bbaixo", de dirsita e exquorda, ete. Esta pequena descrigo vai nos servir de ponto ‘de partica para entendermos o jogo bisico am que estamos metidos enquanto seres humanos. OQ que ‘aconteceu no relato acima? Vivi uma experiéncia, senti © que 6 subir, descer, despencar © rodopiar fem alta velocidade numa montanhe-russa. A seguit, tentendo descrever esta vivéncia para meu amigo, fui_transformando a soquincia de sensorbes, ercepsdes © sentimentos em palavras que pudes. sem fazé-lo compreender como me senti naqueles ‘minutos em que permaneci no catrinho, At esto 09 duas dimensdes bisicas do ser humano: a estera dos sentimentos (das experién. Gias, das vivincias) © a dos simbolos (do pense. ‘mento, da reflexdo). Ao percorrer, dentro do car. Finho, 0s trilhos do bringuede ‘do parque de divorsBes, estava vivenciendo um acontecimento em ‘que as sensagbes se sucediam rapidamente eno qual 9 fluxo do pensamento (dado polas palavras) quese 4% estoncou por completo. Apds @ experiéncia assei entio a ordené-la (e, assim, a compreondé la tealmente) pels utilizagio de palavras que nome: ‘Yam ¢ classificavam as diferentes fases do processo, segundo pude senti-to. © jogo dialético que se processa em nbs 6 sempre ‘ste: entre 0s sentimentos e as simbolizacBes. Isto € podemos pensar, refletir sobre nosses vivéncias (podemos organizé-tas) através dos sistemas simb5- Jodo-Francisco Duarte Sinior Oques Beleza licos que empregamos, © 0 sistoma fundemontal € a linguagem. Desde 0 nascimento o mundo se ‘presenta a nds como uma miriade de estimulos que ponetram por nostos érgéos sensores; através basicamente da linguagem aprendemos a ordenar @ classificer tais sansagdes e, desta forma, dar a vida © ao mundo um sentido que nes permite nele viver. Foi justamente esta cislo entre um sistema corporal que capta os estimules do meio e um Processo mental que os ordena, representando 0 mundo através de. simbolos (palavras), que not tornou humanos. Por nfo possuir esta capacidade simbolica de pensar sobre si proprio o animal 1ngo desenvolveu uma consciéncia reflaxiva, exelu: do ser hurmano, O animal esté preso, aderido a0 seu préprio corpo @ ao tempo presente; nfo tem consciéncia de ospagos outros que ndo aqueles que seus Orgios dos sentidos Ihe desvendam no momento, bem como no possui um passado ou a consciéneie do futuro, de um tempo que vird, Por isto somos homens: as palavras (2 outros simbolos) nos parmitem pensar em espacos auson. tes — como, no momento, na soliddo da Antértida ‘ou na Gmida floresta amazénica — e também retomar 0 passado ou plancjer 0 que se faré no futuro — como, por exemplo, onde almocarei no prbximo domingo. A conseiéncia reflexiva humana dé-se através dos simbolos, que ordenam, classi ficam e representam o mundo, As palavias, 0s sistemas simbélices, notese ainda, enraizamse na vida vivida, nos sertimentos ‘que tomos dar coisas © de nés proprios em meio aelas. Pensemos na situecéo de meu interlocutor, a quem descrevi 0 passelo na mentenhe-russa, Ao ouvir 0 relato ele compreende minhes palavres também através da dimensdo de seus sentimentos fe experiéncias j6 vividor. Quando the digo, por exemplo, que o estOmago me subiu boca e 0 mundo parecia girar, sua compreensiio do evento 6, digamos assim, mais visceral, na medida em que ele se recorda de quando se excedeu um pouco na babida e teve sonsages similares, Isto é: através de rminhas palavras ele compara {e, desta maneira, ‘compreende) a experiéncia pela qual passai com aquola que teve no dia om que se embriagou. Hé uma articulagéo constante entre o pensa- mento ~ dado pelos sistemas simbélicos — @ os sentimentos, ou experiéncias. Perceba,. contudo, ‘que esta separacdo entre o pensar e 0 sentir, que estamos procedendo aqui por motivos did- ticos, ¢ algo dificil de ser percebido na vide diéria, Porque 0 pensamento procura lancar suas redes e nomear imediatamente quaisquer vivéncias, sensa¢des ou sentimentos que aflorem em nds. Compreendemo: 0 que estamos sentindo 20 omearmos o sentimento, classificando-o sob uma rubrica qualquer: Odio, amor, frio, tome, saudade, ote. doto-Frarcisco Duarte Sinior O que é Belera 2 Feito a linha de um carretel, nossa vide se desenrola, do nascimento & morte, num tio cont: uo de sentimentos. Ha um fluxo vital inintor upto, um constante experiencier que atravessa nossa existéncia. Sobre este continuo de nossas experiéncias 6 quo advim as palavras 0 outros efm. bolos, recortendo-o em partes, cristalizando-o em momentos, dandothe significados, enfim. Ao pensar na experiéncia da montanharusta para é-1o 2 meu amigo, tive que dividir aqullo que se ‘deu em mim como um vivenciar continuo, am mo- entos distintos: aquele em que o estémago pare- ‘ceu subir-me & boca, aquele em que perdi as nocoes e orientacdo no esparo, etc. Nostos sistemas simbélices so, de corta mane a, um resumo fragmentado do sentir ininterrupto, que ¢ a vida. As palavras, os simtolos procurem ‘sempre tomar este sertir ¢ representa-lo, Buscam significs-lo e exprim-1o. Durante os primeiros moses de vide, por the faltar um sistema nervoso jd acabado e, consequer ‘temente, um sistema simb6lice que the permita ponsar 0 mundo e destacar-se dele, o bebé est ‘mergulhado numa sucesséo de percepcbes e estimu- lagdes desordenadas. Ainda ndo consegue parcebor seus limites: ndo sabe onde ele termina e comeca a mie, 0 berco, etc. Esté mergulhado naquilo, ‘que alguns autores (entre eles Freud, 0 pai da psicandlise) chamam de “vivencia oceanica’. Vive imerso num oceano de sons, formes, cores o adores: ‘sem saber de si como um “eu”. | Com a paulatina aquisicio da linguagem vei tentio estadelecende ¢ firmando 0 sau "eu" como um ser distinto do mundo e adquirindo uma consciénela reflexiva. Instaura-se assim uma certa ‘separacdo entre o pensar e o sentir que, no entanto, sequem como 0s dois polos de uma articularao dialética [Até aqui viemos utilzando 0 terme “‘sentiment: sem, contudo, dar-Ihe uma conceituapgo adequade, (0 que agora faz-se nscessério, Para tanto, iremos nos valer dos estudos da fildsofs norte-americena Susanne Langer, que emprega a palavra com 0 mesmo sentido dado a ola nestas piginas. Assim, sentimento pode significar: 1). tensacio mais geral de nossa condigao, fisica ou mental (por exemplo: quando dizemos que estamos nos sentindo bem ou mal}. 2) Sensacdes fisicas especificas (por exemplo: sentir frio ou sentir qualquer dor) 3) Sensibilidade (por exemplo: forir os sentimen tos de alguem). 4) Uma emogio (por exemplo: ser ou alegre). 5) Atitudes emocionais em relaedo a um odjeto especifico (por exomplo: sontir medo de viajar de avi). Quando me refiro, portanto, ao “sentimento”” © terme pode signifiear qualquer um lou mais se triste Jodo-Prancisco Duarte Honor 0 queé Beleca de um) dos casos acima. Sentimento ¢ sempre a rimeira impresséo que temos das coisas, 6 uma apreensio direta do mundo © de née mesmos ainda ngo_mediatizada_pelos simbolos, pela lin- ‘quaem. Sentimentos so evidéncies estruturadas a realidade, isto 6, conscientizagSes da interarao. centre organismo e ambiente, S80 apreensOvs diretas a situacdo na qual nos encontramos, anteriores as significagdes lingifsticas © simbélices, que fracionam tal situegdo em conceltos @ os rela- cionam entre s. Por toda esta argumentapo voot pode perceber que a compreensio que temos das coisas e do mundo, dada através de palavras ou outros sistorae simbélicos, tem sempre um componente prove- niente da esfera do sentir. Em outros termos: no ‘hé compresnsio apenas racional, pura, objetiva, 0 conhecimento nasce de uma articulagao entre os “significados santidos” © o: “simbolizados” (eon: cretizados num simbolo). Cada palavra, frase ou expresso carreoa em si, além de seu significado simbélico, racional, toda uma carga de senti ‘mentos, de emogOes mesmo. N&o hé atividade humana puramente racional ou abstrata, Até no Smbito da cidncie, que se define a partir de seu esforgo para manter a objetividade — isto é: para vitar que os sentimentos do cientista interfiram no processo de conhecimento — € impossivel consequir'se afastar os lampejos do sentir. Afinal, © cientista 6 um tor humano, e, como todos, também est irremediavelmente condenado & dialética do sentir e do pensar No podemos nos aprofunder aqui nesta diccus so sobre 0 papel dos sentimentos no processo de ‘conhecar 0 mundo em termos cientificos. Apenas ‘anote-the alguns cientistas ¢ pensadores que atirmam. justemente que 2 propria ciéncia_ tem crigem nesta obscura esfera de nosso sentir: Eins- tein, Karl Popper, Gaston Bachelard, Arthur Koestler e Poincaré (lembre-se da “beleza” que ele sentia numa oquagSo.matemtica). Em suma, podemos afirmer, com 0 fildsofo alemao Martin Heidegger, que “toda compreenséo é emotiva” Segundo comentado linhos atrés, nossa lingso gem carrega ems), além dos significados simbol Zados ("denctados"), toda uma gama de sentimen tes colorinde os essergBes (significedos "“conot dos"). Pare que este ponto se aclare mais é necessé- Fie quo fagamoe aqui uma diatingBe antre dois cencoi- tos bastante utilizados mas nem sempre bem dafinidos: 0 de “comunicapio" e o de “expressio". Comunicapio diz respeito & transmissfo de idéias © signiticados conceituais com a menor ambigiidade possivel, de forma que receptor dda mensogem (0 ouvint, 0 leito!) possa compreen- der com 0 maior grau ‘de exatiddo aquilo que & ‘afirmado pelo emissor (0 que fale, 0 que eecro ‘Se digo, por exemple, esta 6 uma meneagem por que no realiza perfeitamente o ato de comunicarSo, pois JoGo-Prarcisco Duarte Sinior O que Belesa 2s hé pelo menos cinco significados possivels para © substantivo “eravo"’: instrumento_ musical, flor, prego, tempero @ erupeo da pele. E procizo dizer “tenho um cravo vermelho na lapela” para que se entenda o que pretendo comunicar. Comunica portanto, tem a ver basicamente com a construgo, @ transmissio de significados discursivos, concei: tuais, racionais. 8 @ expresso refere'se 8 indicago de senti- mentos, a determinados sinais que mostram 0 que (© emissor est sentindo, Por exemplo: podemos dizer que o choro exprime tristeza, Ele exprime, ‘mas néo significa tristeza, pois s2 chora também de alegria, de raiva, de angistia, otc. Para sabermos, se 0 choro de alguém se deve & alegri, & tristeza 0u @ outros motivos, & necessério efetuarmos uma certa interpretegdo de situagio em que esti a pessoa. E isto nos diz da embiguidade sempre inerente 4 expresso, que solicita um esforgo. interpretativo de quem a percebe. Observe, porém, que apenas separamos estes dois concsitos, o do comunicagdo © 0 de expresso, por motivos didéticos. Na verdade, eles nunca ‘ocorrem isolados, ou seja, ndo hd uma comuri: ‘cagio “pura”, despida de sentimentos (por isso a odjetividade total da ciéncia é um mito), nem uma expresso. que no comunique nada, que néo transite nenhuma idéie, Comunicagdo @ expres- sé seriam como que 0s pélos opostos de um ‘continuo; esté-se sempre sobre a linha que une os iter pee ne ea A lingua, principal sistema simbdlco que emprerames, ¢ findamentaimente conceital, linear ¢discursva 26 Jodo-Prancisco Dusrte linior Oque é Beleza n dt aroma, 08 renin de um eat A tans oh cans sora ona ximo possivel do pélo da comunicario, ma Sti ome no ge ps rane mitt tes ra Sentimentos. Ao falarmon Isto & multe mals soe Sr nde nls‘ c0 Hono aie erin esa HELE 6 ele Ge aon wees cea Sar sonal nis creeper sutarea te arafos, ¢ justamente a expressio que seu texto tarts Danian: oproste Seomuncers seo nie aed eee Teena de once ait broom, nue ene ¢ one “Agors & imprecindel que rotenot un feo bate impateraa pata pia Sona timbalco gee empregenans a pager tra é"Turdaretanante Conca, rae aie Sv. Corsi ormce eens Na pec do mundo. fmynstancoo, ¢. canteens Coit am Sats pron conentor Bore is Mo Cum cosas que tap jtoYormado bor ure serie See spas Shree pom nna cea Sy siioat Seb a evens coe ane Sian ode nfiven ge re Eno num side's me dears com wes do selo Avil, ue me tna 208 Sea ae Seto, Se str incotie fae eae nae mesa em particular, wnho de ir agrupando e ert: ‘culando, através da linguagem, uma série de outros conceitos. Digo que ela 6 de madeira, com trisos de ura, reeoderta por um vernic escuro, tem a forma rétangular, os pés tomeades e trabathados, etc, ete, Ou soja: vou construindo, linha apés linha, meu discurso a respeito desta mesa: primeiro seus materials, depois a cor, a forma geral, @ forma de suas partes, ote, — este sendo, precisamente, o ‘aarater linear e dlscursivo da linguagem, os con- ceitor sucedendo-se um apos 0 outro. De mesma maneira que linguagem classifica ‘5 objetos € eventos do mundo em conceitos, em ‘lasses gorais, ela também o faz com relacdo aos nossos sentimentos. Assim € que falamos de “amor”, “raiva'", “alegria", "dor", “tristeza”, “piedade”, ete. Porceba que, de forma semelhante a que ocorre com outros conceitos, estes que se reform got sentimentos sio também gerais & inespee(ficos. Se na palavra “mesa'” extio contidas todas. as mesas porventure existentes, sob 0 con- ceito “amor” estio abrigados todos ot tipos intindavels € particulares deste sentimento. Este & 0 come da questo: a linguagem clessi- fica e conceitua os sentimentos, mas 6 extrema mente impotente pare descrevé-los. Como posse the explicar que a alagria que estou sentindo hoje € diferente daquela que me tomava ontem? Como compararmas $2 so idénticas ou nao as dores de cabeza que duss pessoas sentem? Esta 6 2 Joo Prancivco Duarte Jinior - ‘culdade que temos para descrever, numa consulta médica, os noss0s sintomas; para tal, geralmente ‘nos valemas de metéforss: dizomos que ¢ ume dor “fine”, feito uma “agulhada”, ou que vem “em ‘ondas”, ¢ assim por diante. ‘A linquagem procura sempre captar os nossos seotimentos, significando-ose classiticando-os ‘conczitualmente. Todavia, feito apanhar um punhado de areia, sempre Ihe escepa algo por entre os dedos. A linguagem aponta of sentimentos rovendo:Ihe nomes, mas incapaz de descrevé los, © que conti co depararme com a mesa seiecen- tista do exemplo dado linhas atrés, isto é. minha “impressio primeira @ direta”” dela como um todo foi perdide quando tive que analisé-la e descrevé-ia arte por parte, Comentando esta dificuldade da linguagem, 0 filesofo Alfred Schutz diz que jproduslo de oxporiéncias do prrcepgfo interior € Incomporaveimente mais aificl; aquelas percepsbes Internat_préximas do majo absolutamente privaco, 1 pessos s80 irecuperivsis no que diz repoito a seu Como’, « no miximo pode se spreender o seu "130" Percencom a esta rego, em primeiroluger, nfo x6 todas 2: experiencias da realdide siea do Ego. ou, em out Palavras, do Ego Vital (tersdee e reloxomenton ruscul ‘8 relacionados aos movimentos do corpo, oor "ied SensagBes sexuais, assim por diane), mas também oS fendmenos psiquicos classificadce em con ‘thu vag0 de ‘humores’ eu sentmanton » te (os Aalto que & hrecupert smote ie!8vel~ 50 pode ser vvido, runes “persodo': &. em gritcoio, impessivel de ser ver Para finalizar 0 capitulo, retornemos 20 comen- tado pégines atrés com relago 20 recim-nascido, imerso na vivéncia oceanica. Seguado vimos, é com 4 aquisico da linguagem que a crianca pode com- preenderse como um “eu” distinto de mundo, desenvolvando sua consciéncia refiexiva, Hd que s@ obsorvar ainda que neste processo de maturacio lingU/stice ocorre uma mudangs na percepyéo que 0 individuo tem de si e do mundo. - ‘AXé por volta do cinco ou seis anos os sistemas jerceptivos apreendem 0 mundo de uma maneira ue os priedlogos chamam de "percepeto sincré tica” ou “global”, Neste tipo de percepgio os objetos sio captados sempre de forma total, sem ronciar fuas partes constituintes, Por éxom- : um automdvel apareceria como um todo, um objeto Gnico e inteiro, sem partes diferenciadas. Depois de aprimorarmos nossa percepyl0, para o que contribui decisivamente o concurso da lingua gem eo conseqiente © paulatino aumento de ‘nossa capacidade abstrative, 0 automével passe a ser visto como um objeto inteiro, mas formado de parte: que numa Gnica olhada percebemos como distintas. Fardis, janelas, partes cromadas, partes pintadas, pneus, etc. S20 imediatamente 30 Jodo-Francisco Duarte Jinior apreendidos como fragSes componentes do todo que é 0 autombvel, Caminhamos, assim, desde uma percepedo global para uma parcopeo que pademos deno: minar “analftice’’, a0 longo do processo de matu- ragéo € aquisicdo da linguagem. Porkm, nossa ercepeio analitica, de adultos, nfo destréi aquela mais primitiva, sincrética; esta fica como que esquecida, submetida a tirania de nossa linguagam conceitusl. Este ponto seré de suma importincis ara discussso que empreenderemos mais frente, quando chegarmosao nticleo desto trabalho: a experiencia estética, ‘Alguns autores — entre eles o psicblogo francés Paul Guillame — chegam a identificar uma certa similaridede (ou mesmo uma identidade) entre 4 pereepcio sincrética e os sentimentos, enquanto apreensies diretas © globe estamos. Dizem eles que na per © objeto percebido (que pode ser campo sensorial) & um todo que néo se decompde em partes distintes e individualizadas, e que esta ereepcio & justamente aquilo que se costuma chamar de “‘impressio primeira” ou de “senti- mento”. & concluem reconhecendo cue, neste sentido, © sentiments 6 a forma primitive do conhecimento, a primelra maneira de se conhecer ‘0 mundo. A EXPERIENCIA PRATICA Nossa discussio agora deve centrarse na expe- ritneia prética que temos com o mundo em nossa vide cotidiana, a fim de estabelecermos um contre- onto para que a experiéncia estética possa ser melhor compreendi ‘A vida que levamos no diaa-dia 6, de certa maneira, a realidade preponderante em nossa existéncia, Minhas rotinas e hibitos constroem uma realidade estével e segura, 0 que permite nels movimentar-me som grandes esforcos ou difi- culdades, Ha uma forma mais ou menos constante de agir e perceber 0 mundo nesta esiera da vida rotineira, forma esta dotorminada por uma de fatores © processos psicoldgicos e socials. Nao ccaberia aqui uma anélise desses mecanismos que ros auxiliam a construir @ realidad cotidiana, por escapar 20 tema bésico deste texto, Basta apenas 2 Joto-Francisco Duarte Sinior que Beleza 2 ‘que identifiquemos @ possamos compreender © e2queme fundamental do tipo de perceps3o que orienta nossa agio disri © conhecimento que temos do mundo, que é empregado em nosse mobilidade cotidiana, epre senta-se essenciaimente na forma de ‘‘receitas”, 10 &, do férmulas prontas ¢ jé consagrades de ‘como se fazer isto ou aguilo. Em outras pi ‘no. nos interessarm muito os “porqués”, © sim 0 ‘como executar a o¢Bo de que precisemos. Por exemplo: a0 comprar um automdvel no me Setenho questionando por quo & necestério conse qui um certficado de proptiedade, mas trato logo (de me informar como devo fazer para consegui-lo. Nao me interossa saber 0 mecanizmo de funciona: ‘mento das comunicagées telefonicas: basta somen- te que eu saiba como utilizar 0 meu telefon, A ‘eclidede rotincira 6, portento, vide de maneira estencialmente pragmtice, repleta de ‘questBes tipo “para que serve?” @° “como fun- cione?”. Assim & que nossa percepgio usual desen- volvese nese direcio, na direcdo do interese Brio cue tomer nse eoites que nos cerca titudes de questionamento quanto aos poraués Ge determinados. Tats ou fndmoros plea uma _mudenge na forma de nossa consciéncie se exercer. O que 6 0 caso da atvidade cientifica ou filoséfica, ra qual 0 ostudioso dove deixar de edo sue visdo rotineira e pesquiser 0 que hd or detrés da forma costumeira de os eventos se darem e serem percebidos. De forma idéntics, como veremos mais frente, a experiéncia estética solicita uma mudanga na maneira pragmétice dese perceber 0 mundo. Esta oxporiéncia (e também 0 trabelho cientifico 0u filos6fico) constitui-se, segundo o termo empre- ‘gado por alguns autores, um “enclave’” dentro da realidade cotidiana. A experiéncia do belo é uma espécle de paréntese aberto na linearidede do diaadia, Mas retornemos 4 questéo da percep¢ao ‘que nos guia usualmente, No capitulo anterior fol dito que crianga evolui desde um estado indiferenciado (vivéncia um mar de estimulos & Neu"" — até uma pereepeio analltica das coisas, fe que 0 aprendizado da linguagem contribui decisi vamente para essa evolucao. De certa maneira, 2 Tinguagem do povo a que pertencemos nos penetra @ molda nossos processos perceptivos. O esquim6, por exemple, possui cerea de trinta palavras para “neve”. Um esbanjamento vocabular? Néo. Sim- plesmente @ neve constitui o seu meio ambiente, cade um dos sous trinta tormos se refere a um tipo cistinto de neve, € preciso que ele aprenda 2 identificar desde cedo cada um desses tipos, a fim de sobreviver. Olhando para campos nevados, rds, habitantes de um pats tropical, niio vemos diforonga alguma entre 0 gelo depositado, enquan- to um esquimé imediatamente identifica az dife- M oto-Francisco Duarte Sinior Oque€ Beleza as rengas existentes. Sua percepedo foi treinada — através do emprogo da palavra corrota — para distinguir entre uma neve e outra, Neste processo de evolucdo dos mecanismos Perceptivos, entio, 0 sistema linglifstico desem- penha um papel importantissimo, fragmentando ‘squela massa inicial de estimulos » os agrupando fem classes gerais: os conceitos. "De repente os olhos so palavras”, assinala o poeta Pablo Neruda, e com razio. Tendemes a perceber as coisas mais através dos ‘gonceitos que a linguagem nos deusobre elas doque da forma como realmente penetram pelos nosso: Eras dos sentidos. Olhando para a grama imedia: tamente 0 conceito “verde” se impae a mim, ¢ assim a vejo; 0 prato sobre a mesa, no hé divice, circular. Contudo, um pintor no exercer de seu trabalho deve aprender a “‘suspender”” a visio cotidiena, filtrada pelo sistema linglistico, para Nolar que a grama na verdade apresenta um leve ‘tom azulado, devido 8s condigSes de iluminario, © que 0 prato deve ser aesenhado como uma elipse, forma com que ele realmente chege as ‘Rosas retinas, naquola porspectiva, Este ¢ um: ‘exernplo quase simplista de como a percepeso esté- tica € viferente da rotineira Deixamo-nos conduzir, ao longo do dia-adia, ‘sito mais pela nossa dimensio simbélica, racio- ‘nal, do que pelas impresses captadas diretamente do’ mundo através do sentimento. A linearldade @ a discursividade da linguagom se imp3em ao ser humeno (especialmente ao ser humano “civil Zedo) e dele exigem um “‘esquecimento” daquela Pereepg§o mais primitive, no mediade pelo sparaio dos simbolos lingufsticos. Nao ha um equilfbrio entre o sentir @ © pensar, com oste so sobrepondo iquele na experiéncia prética da vida cotidiana; a inteleccéo, © pensamento, torna-se © timoneiro nesta viagem através da reelidade difrio. E asim, em termes do esquecimento forgado da “percencdo direta” (via sentiment) 2 que © pensamento nos obrige, 6 que podemos entender o verso do poeta ‘Fernando Pessoa, Quando este afirma, pola pena de sou heterdnimo Alberto Caciro, que “pensar é ester doente dos olhos”. Na experiéneia pritica, portanto, 0 sentimento sabe por subordinar-se aos processes intelectivos = simbolicos e conceituais. E no apenas o senti- mento, mas a prépria imaginagSo, esta feculdade fundamental do_homem, Quando no capitulo anterior foi comentada a conscidneia reflexive humana, que nos permite (através dos sfmbolos) pensar naquilo que esté ausente, bem como evacar ou viré a sor, estava implicito este isivo: @ Imaginagao, Pensar no ausente 6 sempre imeginé-lo, & recrié-lo (como represen- tagiio) om nossa mente. A imeginacio, deserwol- vida com a capacidace para criar ¢ utilizar sistemas simbélicos, & 0 trago distintivo do homem: 03 36 Jote-Francisco Duarte Jinior O que é Beleza y animais no 8 possuer. Contudo, na experiéncia prética @ imaginagio estd @ servico da percepeao utilitéria: ndo Ihe $30, Permitidos ‘vos utépicos; ola deve permanecer centreda na funcionalidade dos objetos percebidos. A tealidade cotigiana exigelhe disciplina e pés de chumbo. Deixé-la exceder-s0. flutuar, no ambito desta esfera pragmética, corresponderia ao delirio ea loucura, Podemos dizer, essim, que a percopgéo que 2° tem des coisas, ne reelidede do diaa-dia, é funde- mentalmente utilitéria e conceitual. Conceitual por seguir as rotas @ mapas que a linguagem nos fomece, ordenando e classificando os objetos & eventos do mundo em conceitos. E utilitéria Porque constantomente om busca de desvendar @ utilidade e a funcdo des coisas que se Ihe apre- sentam. A percepcio utilitéria, condutora de nossa ‘experiéneia pritice, procura entio a verdade dos objetos em torno’ deles, nas relacdes que eles mantém entre si. Por exemple: verdad (a fungéo) de uma caneta ¢ ser um instrumento que os permite escrever nos papéis ou em outras superffcies; a verdade do cinzeiro liga-o ao cigarro, aparando as cinzas que se desprendem deste, Na esfera pritica os objetos se rolacionam entre si ‘através de aydes e otividades humanas, através de propbsitos utilitrios. Martin Buber, filésofo israclita, diz que o principio do ser do homem € a atitude que ele mantém perante 0 mundo, identificando duas atitudes, ou duas formas de relagdo que o ser humano pode manter com as coisas © pessoas. ‘A. elas, Buber chamou de “telacionamento, eu—iss0" @ “relagao eu—tu", Nao necessariamente is ifica um objeto, nem 0 tu uma pessoa: pessoas e objetos podem ser um isso ou um tu ara 0 ev que com eles se relaciona, O que define (© /s80 ou 0 tu é 2 forma do relacionamento que 0 ey mantém, no momento, com 0 objeto em ques- tio. Por esta porspectiva, 2 experiéncia pritica des crita nestas pdginas € justamente o relacionamento eu-i850, relacionamento este que o autor define como marcado pelo utilitarismo, por uma subor- dinagao do isso a0 eu; 0 eu 6 0 sulelto da experi¢n- cla, sujeito que percebe, experiments e se utiliza do isto, Em nossa vida diria estamos mergulhados @ malor parte do tempo em relacionamentos ‘@u-iss0. Quando tomo a canota para escrover, 0 isqueiro para acender 0 cigarro, a mangusira para lavar 0 carro, quando pero uma informario 0 guarda de trdnsito, explico um conceito a um ‘aluno, peco a conta 20 garcom, todos eles, caneta, isqueiro, cigarro, mangueira, carro, guarda de transite, aluno e gargom, so 0 /ss0 Je meus rela- clonamentos. Definitivamente: 0 homem constrdi (© seu mundo © nolo dessrwolve sua préxis através do elacionamento euisso, (Deixemos em sus- penso, por ora, a relaczo eu-tu. Ela serd abordada 8 Joto-Franeiseo Duarte Jinior Oque é Beleza » quando discutirmos a experincia estética.) Golocedes estas caracteristicas definitérias da experitncia pratica, convém deixar assinalado 0 fato de que indimeros autores, das mais veriades tendéncias, tém insistido no nocivo cardter cres: centemente racionalista de nossa civilizario. Enquanto uma atitude humana racionel pressup3e um certo equilfbrio entre razio e sentimentos, © racionalismo diz respsita a uma submissio extrema © mesmo 8 uma repressio das menifeste: ‘ges do sentimento, Estamos construindo uma eivilizago racionalista , por isso mosmo, irracional, dizem tais autores. Na medida em que elevamos'a objetivicade cien: tifica & categoria de saber supremo, elegemos a linguagem dos ndmeros e mensurages come Unico discurso sobre a verdade e legamos cada vez menos ‘expago as _manifestagées do sentimento, & arte, 8 festa, a0 ldico, nossas emogbes tendem a se exprestar sob formas irracionais, tendem a acon- ‘tecer através da violéncia, Nossa civilizapéo € cada vez mais funcionalista, ou seja, define a identidade das coitar © pessoas Por meio da fungéo que elas exercem. Vock ja Rotou que, 20 nos perguntarem quem somos, respondemos logo com a nossa profissio, ou atividade? “Sou médico”, “edvogado”, “profes- sor": somos aquilo que fazemos em termos de produgio lucrativa, Nunca ouvi ninguém respon: der: sou alguém que tem dois filhos, gosta de J] supremo, aliyguagem dos mimeros e mensurasoes passa ‘1867 otnico diveurwo sobre e verdade Jodo-Francisco Duar Sinior Oque é Beleza 4 cuidar de jardim, ler poesia » ouvir miitica @, para ganhar dinheiro, exerce a profisso de contador. Este carater marcadamente funcionalista se estende também ao tipo de relagio que mantemos: ‘com 03 objetos de uso. Hé poucas décadas, por exemplo, todo “‘doutor” tinha a sua caneta de uro, que fazia questo do ostentar no dolso do paleto, © qualquer aluno do curso primério exul- tava a0 ganhar sua primeira canets-tinteiro. Isto idontidade das coisas nfo era dade epenas pela sua fungéo, mas também pela relacgo mais afetiva, @ simbélica que se mantinha com clas. Hoje, quando entramos na “era dos descartévels”, Isto mudou: @ nica relacio que mantemos com a caneta é funcional — acabada a carga ela perde sua identidade, € atirada fore e substituida por outra. E assim como 0s objetos vao se tornando descar- ‘aveis, © mesmo sucede com as pessoas. Nas gigan- tescas_e impessoais organizagbes © instituigSes, 08 funcionérics praticamente_nem nomes tem, apenas um nimero e funcdo. Caso esta nio esteja sendo desempenhada a contento (tegundo estritas normas de produgi0), 0 individuo improdutivo ¢ simplesmente descartado ¢ substitu(do por outro. A cada dia crescem as dimonsées do ‘mundo do ‘Sobre a crescente cisio operada em nbs no seio da sosiedade industrial, entre razdo e sentimento (ou emogdo), muitos sio 0s autores que a iden: sam © traram comentarios a seu respeito. Entre eles 0 psicblogo norteamericano Rollo May, que discute a separacio entre “razao", “emoydo” e “vontade”, reforgada, segunda ele, & partir’ do século XIX,'século este que elegeu’ a razio e 0 conhocimente cientifico como épices dda jomnada humana, Assinela ele que, @ partir de entio, considerase que a razio responda a cuais- quer problemas, a forca de vontede os resoiva a8 emocdes. 3 strapalham, devendo, portanto, ser reprimidat. £ finaliza suas consideragSes lembrando que 0 {il6sof0 Spinoza, quando empre gou @ palavra razio, no século XVII, referiase 2 ma atitude em relardo 3 vida na qual a monte humane unia as emoydes as finalidades eticas @ a cutros.aspectos do “homem total”, situagio esta muito diferente da existente em nossos dias, fam que 20 se usar a palavre “Tazo quase sempre se doixa implicita uma cisio da perconalidade, Antes de finalizar 0 capitulo seré necessério fazer aqui uma pequena diferenciacdo entre dois tipos de objetos, © quo nos auxilioré nas discussbea subsequentes com respeito a experiéncia estétice, Tratase daquela entre objeto belo e objeto estético, 3 objetos de uso ~ como jd notado nas paginas introdutérias — possuem também configurecaes que podem ser chamadas de “belas” (ou "Teias”). H§ uma preccupario constante das indistrias em produzir objetos que terham caracter(sticas 2 Jodo-Francisco Duarte Hinior estéticas, que sejam agradiveie a0 olhar o/ou ao tat, responsabilidade esta entregue aos designers, Ou desenhistas industriais. Na relagdo utilitéria com as coisas, sem davida podemos identificer uma dimenséo (ainda que meio oculta) de prazer estético, de percepcio da beleza. Todavis, a maioria dot ostudiosos, esta nio ¢ ume reiagdo. estética, mes tdo-somente uma relapdo de uso com um componente mais ou menos "agradével”, digamos assim. O prazer estético que certos objetos utilitérios nos fomecem esté subordinado & sua verdade de uso (3 sua funpaa), @ isto nio configura ‘uma experiéncia estética plen. Jé 0 objetos estéticos sao justamente aqueles construidos cam 0 fim exclusive de proporcionar 30 sou “‘usubrio” uma experiéncia estétice, Nao ossuem nenhuma utilidade ou funcdo a nio ser So as cbras '9, como este ponto sed melhor discutido mais 3 frente, eneerremos com esta afirmagio: a obra de arte no possui nenhuma utliidade a no ser aquela para a qual é construld roporcionar a experiéncia estética. A EXPERIENCIA ESTETICA Chagamos agora ao assunto central deste peque- no trabalho: a experincia da beleza. Vamos entio, 8 partir dos conceites e comentarios elaborados ‘nas paginas precedente, tontar entender 0 que exatamente significa pera o ser humano @ expe: ritncia estét Entro no cinema @ me conto, Apagam-to ae luzes e 2 projecdo se inicia, De repente sinto-me envolvide como que por uma “outra realidado”, que me fez, por elgum tempo, exquecerme da ‘minha, daquele em que vivo diariamente. Deixo de lado © alugue! atrasado, a conta do tolefone, o automével que deve ir para a revisio, a certiddo ‘que preciso providenciar, etc. Ponho ‘tudo isso a arto para vivensiar 0 filme, para viver a obra que ‘me toma e me seduz com sua fala de muitos ecos. ‘Agora estou sentindo a ira do herbi face aos Joto-Francisco Duarte Sinior O que é Beleza 4s invasores de seu pats, sentindo o medo frente 3 sua ago arriscada, 3 ternura do amor entre mae e filho, 0 arrebatamento cheio de paixiio dos amantes, Agora estou vivenclande uma experiénci estética ~ deixel meu cotidiano “em suspenso” ¢ a ele $6 retornarel ao final da sossio, Esté af ume descrigSo bastante superficial de uma experiéncia estética, cujos meandros e mind: cias vamos tentar aclarar daqui para afronto. Como foi dito no primeiro capftulo, serd mais facil para este propésito que seja considerada nossa experién- cia da boleza frente a uma obra de arte, j4 que sua finalidade principal é apenas e tdo-somente condu: zir 0 espectador a0 mundo do belo. Para tanto, & bom que seibamos o que é, em linhas gerais, uma ‘obra de arte, ou seja, como se dé a sua “estrutura” @ qual fungio desomponha ola no mundo dos homens, Porém, primeiramente uma confusio muito ‘comum deve ser resolvida, quanto a0 “local” onde reside a beleza. Tomandose uma musica, por exemplo, podemos submeté-la ao estudo do um cientista, um ffsico especialista em acdstica (em sons}. Ele pode estudar a obra, dissecs-ta, analisé- la, medir 2 jade, altura ¢ frequénei de suas notas, tragar gréficos e equacbes que representem as relagdes que elas mantim entre si, etc. Depois disso podemos perguntarthe: m 4 beleza, foi mecica de algumma forma, encontrada fem algum recanto da obra? Nao. A boleza nio ¢ uma qualidade objetive que cortos objetos pos suem. Se assim fosse, qualquer pessoa contem- plando tais objetos deveria considerélos sempre belos, 0 que no osorre. O que é belo para um no 0 ¢ para outro. Decisivamente: a beleza nio se encontra nat coisas, no 6 um certo atributo objetivo que determinados objetos detém © outros "io pensar que 2 boleza soja ja “no interior” do ser human, ou seja, ue ela nasca exclusivamente em nossa consciéncia. Todavia, s0 isso fore verdado, nfo s procisaria mais ouvir discos, ir a concertos, a museus, ler poemas, etc. Bastaria ficarmos sentados sentindo a beleza que nossa “eabera”” produziria. Portanto, a beleza também ndo nasce e vive em nossa cons. iéncia por si prépria, Ela nfo se encontra nem no. objeto em si mesmo, nem isoledamente nos suje 105 humanos. ‘A boleza habita a rolapdo. A rolagdo que um sulelto (com uma determinada percepgdo) mantém ‘com um objeto. A beleza esté entre o sujeito © © objeto, Neste sentido & que se pode compreender fos verses de Alberto Caviro (Fernando Pessoa) colocados como opiarafo doste toxto: “A beloze € 0 nome de qualquer coisa que néo ex'ste / Que dou 88 coisas em troca do agrado que me dio” Para que a consciéncia sinta a beleze ¢ necessério ‘que seja tocada pelo “aparecer"” de um dado objeto, 46 Joto-Francisco Duarte Jinior O que é Beleza ° Posto isto, tratemos de compreender 0 que 6 realmente uma obra de arte e para que ela é cons vuida. Para facilitar as coisas, partamos da defi niggo que Susanne Langer prope para “arte” “Arte 6 a criacdo de formas perceptivas expressivas do sentimento humano". Explicitemos melhor ‘esta afirmagik A arte € sempre a criagio (ou construgio) de formas. Toda obra de arte 6 uma forma acabada, soja ola ostitics ou dinimiea. A pinturs, a excul Tura, a fotografia so exemplos de ertes que se {dlo ‘em formas estaticas, ou seja, que se mantém fixas no decorrer do tempo. A danga, 0 teatto, 0 cinema, 2 musica séo exemplos de artes com formas dinimicas, isto 6, quo vio so dando, vio sendo construfdas ao longo do tempo. E as formas a arte sio ainda perceptivpis, quer dizer, ofere- ‘cem-se & percepgdo: a erte dirige-se fundemental mente &s faculdades perceptivas humanas (e no &s intolectivas). Tais formes, na definigdo de Langer, s80 “ex: pressivas do sentimento humano”. Por sentimento ‘entenda-se ef 0 que foi discutido em nosso segundo ‘capitulo: @ apreensio direta de uma situagdo, no mediada por simbolos lingiifsticos ou quaisquer ‘utros. E a expressio contida numa obra de arte ‘do & igual a0 riso ou ao choro, por exemplo, que slo sintomas diretos de sentimantos. A expressio rela € concretizada, trabalhada, lavrada em formas; ‘uma expressio gravada num simbolo. Lembre-se do que foi dito anteriormente: nossa linguagem (conceitual) ¢ impotente para descrever 0s sentimentos, nomeando-os apenas. Assim, a arte seria uma tontativa de deserevé-lot, de enconr trerthes formas representativas, Através da arte temos como que uma visio do mundo de nostor sentimentos, temos formas que nos permitem "ver de fora” a inefavel dimenséo do nosso sentir. De certa maneira a arte simboliza os sentimentos pare quo os spreendamds, pere que os percebamos ‘coneretizedos em formas que Ihes sao analégicas, Note que na sentenga anterior foi afirmado que ‘@ arte € “de certa mansira” um simbolo dos senti- mentos. Na realidade ela no & um simbolo no sentido rigoroso do termo, mas quase um sfmbolo. Um simbolo, por definicio, @ uma ceterminads forma (visual cu sonora, ou’ até tétil, olfativa ou gustative) que se convencionou para representar ‘qualquer objeto, evento ou mesmo idéia. A palavea portuguesa “casa, por oxemplo, foi convencio: pada pelos que utilizam esta lingua para significar moradia. Em inglés, para o mesmo objeto, conven cionou-s0 a palavra “house”, e assim por diente. 44 no caso da arte néo hd uma convencdo em tomo de suas formas e elementos. A cor amarela, 2 linhe curva, a nota ré, um acorde dissonant, or exemplo, néo significem nada em si mesmos: ‘io_hé-uma’ convenedo para que tals. clomentos representem alguma coisa. Mesmo uma obra de arte construféa (uma sinfonia, um quadro, ete) Jot Praneico Duarte Sinior nfo foi convencionada para representar, para todos os sous evontuais espoctadores, este ou aquele sentimento, definidos de forma conceitual.. Uma obra de arte'simboliza apenas e tio-somente ‘es sentiments que existem nela propria: ola do Nos transmite um conceito, uma idsia a res- ppeite do santimento, idéntica para todos. Por isso ela € quase um simbolo: um simbolo que nio rnasce de uma rigida convencao, como ¢ 0 caso da linguagom, Isto tm a ver com 0 sentido, com o significado ‘expresso na arte. Este sentido nunca é algo que ‘que pode ser dito concoitualmonte, através da Tinguagem. (Lembre'se: a linguagem néo descreve (os sentimentos) O que uma obra nos exprime, © ‘aue ela nos permite 6 contemplar os sentimentos por meio de formes que quardam uma relacéo de ‘analogia com eles, Por isso a porgunta mais esti ppida que se pode fazer a um artista €: 0 que vooe: ‘quis dizer com isso? Ora, ele no quis dizer, pois ‘9 © quisesto omprogaria a linguagem (coneeitual) Ele esta justamente nos mostrando aquilo que nfo pode ser dito, que é inefével. O artista néo diz, mostra. E impossivel, portanto, dizer ou contar uma cobra de arte, jA que o que ela nos apresenta & incapaz de ser comunicado conceitualmente, No sequndo capitulo tracei um continuo entre os conceitos de comunicagio © expressio, afirmando (que a ciéncia buscava chegar © mais perto possivel 0 que é Beleza do extremo da comunicegio. A arte, pelo contré- fio, busca estar © mais préximo do polo da expressdo. Néo se pode dizer o significado de uma obra, ‘nfo se pode exprimir aquilo que hé nela de outra a nfo ser por ela propria; nfo existem sindnimos no caso da arte. Entenda: ndo se pode tansmitir conceitualmente (por meio da lin- guagem) 0 sentido expresso por uma obra, e nem ‘mesmo construir-se, com outras obras, sindnimos ira. Nao se pode comper uma sinfonia 12 exatamente o que a nona de Beetho- vven nos dé; n8o se pode pintar um quadro que seja sindnimo do “Guernica” de Picasso. No coso dos significados conceituais, no caso a linquagem discursiva, a sinonimia & possivel porque, de corta forma, os significedos se encon- tram “fore” das palavras. Escreva eu CASA (em maidsculas) ou casa (em mindsculas), em letras manuscritas ou de imprensa, ou fale eu a pelavra ‘com voz grave ou aguda, trémula ou firme, este simbolo nos remeters 20 mosmo objeto, Mudam 8 formas “fisicas” do sfmbolo mas o seu signi- ficado (conceitual) no se altera, Posso ainda dizer moradia, incia ou habitacdo, que terei o ‘mesmo significado comunicado. J# nos dominios dia arte, urna pequena alteraeo om sua forms altora © sentido da obra, Substituir um amarelo por um ‘azul, um do por um f4 alteram marcantemente a forma da obra 6, conseqilentemente, o seu signi 4 50 Joto Francisco Duarte Sinior Oued Belera 1 ficado, ‘Se na linguagem o significado estd “fora” das palavras, na arte ele esti engastado, aderido 8 sua forma, A arte significa somente aquile que existe ‘em suas formas perceptivas, e que néo pode ser ‘expresso de nenhuma outra maneira. Por isso ela no nos transmite conesites, que poderiam ser comunicados através de sindnimos, mas exprime sentidos 2 nivel de sontimentos em suse formae Este ¢ © motivo pelo qual indmeros autores insistem em sor incorroto dizerse quo a arte 6 ‘uma linguagem. Ela ngo é uma (forma de) lingua Gm, pois nao simboliza e expressa de maneira idéntica 3 da nossa linguagem discursiva ¢ concei- ‘ual. A arte seria ento melhor nomeada se dissés- somos que ela 6 um “ebdigo expressivo”. A lingua- gem comunica linearmente (um dado apés 0 our tro}, construindo um discurso; a arte exprime de maneira "prosantscional”” (para usarmos_ um neologismo), isto 6, epresentanos um sentido num, todo inteiro, uma forma total Vocé poderia me questionar, neste ponto, dizendo-me: muito bem, mas e as artes que tm na ppalaura o sou material, como a poesia e a literatura? Nem elas seriam linguagem? Eu Ihe responderia no. ‘A poesia tome a linguagem © forga.a chegar 0 mais perto possivel de seu polo expressive. O poeta, utilizando-se no apenas do sentido das palavras, mas também de sua sonoridade e ritmo, imagens, metéforas, e no um significado ial. O verso, no dizer do filbsofo francés Jean-Paul Sartre, & um “‘quase-objeto” construido pelo poeta. Se para descrever uma mesa, como foi feito no capitulo segundo, tomase parte por parte desse objeto (forma, cor, tamanho, material, ftc.), sueessivamente, 0 posta nos constréi uma, imagers em que ela nos aparece int se a vissemos e sentissemos. E, ainda, 0 sentido que um poema nos oxprime nfo pede ser dito de outa maneira, Mesmo no caso de poesia nao se pode escrever sinbnimos de um determinado poema. Um poeme é ele proprio e nenhum outro. ‘Na literatura a linguager esté mais para 0 lado. discursive, mas mesmo af sentido de um conto, ou romance esté aderido & sua forma, & forma como 0 escritor dispde as palavras, sentencas imagens. Deixo que Susanne Langer comente isto, a0 afirmar que se Incorre em erro a0"... se deixar induzir a0 engano de supor que © autor pretende, Por seu uso de palavras, exatamente aquilo que retendemos com o nosso ~ informar. comentar, inguirir, confessar, em suma: falar és pessoas, Um smancista, contudo, pretende criar uma expe rincia virtual, completamente formada e inte ramente expressiva de algo mais fundamental do que qualquer problema ‘moderno': o sentimento humano, a natureza da vida humana em si’ Também no se pode cair no equivoco muito 2 Joto-Francitco Duarte Jinior O que ¢ Beiezs 83 comum de se supor que o assunto de ume dade cobra de arte seja o seu significado. Quando, exemplo, Portinari pinta os sous retirantes, ele ‘ndo esté querendo nos comunicar um fato (ade mais, sobejamente conhecido): existem retirantes, Nao. Ele esté, isto sim, apresentando-nos senti mentos com relacdo aos retirantes. E a forma como ‘le nos mostra os retirantes que interessa. Na arte _ndo importa o “que” (qualquer assunto € ppassivel de estetizacio), e sim 0 “como”. Por isso h6 uma radical diferenga entre as magds de Cézanne as de dona Clotilde, que as pinta em seus panos de prato nas horas’ vagas; tal diferenca reside precisamente no potencial expressive consequido nas imagens de cada um, Em suma, na arte nao existe um “contoide” que possa ser expresso (identicamente) de vérias manziras: a forma € 0 proprio conteddo. Outro erro bastante freqiiente & pensar-se que © artista, ao construir sua obra, esta expressando somante os sous sentimentos. Ora, ele 6 um artista justemente pela sua sensibilidade para captar sentimentos presentes em sua comunidace e época, ‘expressando-ot om formas estéticas, E claro que ole 0s capta a partir de sua propria maneira de sentir, mas isto nfo significa que @ arte Seja apenas auto-ex- press, como 0 € 0 choro ou 0 rio. Pelo exposto att aqui ja € possivel perceber-se que, em esséncia, 0 que ocorre numa experiéncia estética € que nossos sentimentos so tocados, so despertados polas formas do objeto © entéo vibram, dando-se a conhecer a nés mesmos. Como frente 'a um espelho, onde apreendamos nossa imagem e desvendemos e eparéncia de nosso corpo, face 20 objeto estético descobrimos aspectos de nossa vida interior, vindo a conhecer melhor os ‘nossos sentimentos. Aorevelar-nos © mundo — por meio de seu proprio mundo ~ 0 artiste nos mostra anos mesmos, Como um exemplo ilustrativo desse aspecto da experiéncia da beleza, pense em como & que esco- themos um determinado cisco, entre todos aqueles dos quais gostamos, para ser ouvido num dado ‘momento. Tal escolha tem sempre a ver com nosso estado de espirito”” na ocasigo. Procuramos ouvir aquelas pecas musicals que melhor espelhem os fnossos sentimentos. Ou pode ocorrer também o caso inverso, © que néo desmente esta tese sobre ‘ossos sentimentos entrarem em consonancia com as formas ostéticas, Isto 6:6 possivel que se escolha um disco (uma obra de arte) com o intuito de que ‘nos produzasentimentos diferentes daqueles que nos tomam, Buscamos substituir nossos sent: Mentos € tentamos fazélos através de formas Perceptivas que so capazes de fazer vibrar outros aspectos de nosso sentir. Portanto, estamos sempre presentes, nés préprios, nas obras que nos falam 420 coragao: nelas vemo-nos refletidos. ‘A questao do sentido indo-ciscursivo} expresso pela arte, desta maneira, passa fundamentalmente sa Joo: Francisco Duarte Kinior 0 que é Beleza ss pelo espectador. Quer dizer: ele o apreende a partir de seu préprio jeito de sentir, a partir de seus gostos, cultura, proconcsitos, ‘ete. No jogo do sentido estabelecido entre a obra e o espectador cada qual entra com sua parcala de significados. Ela encaminha meus sentimentos numa determi- nade direeao, mas a forma de vive-tos é exclusive- mente minha, pessoal, incomunicdvel. Frente @ um drama no cinema, por exemplo, a platéia toda pode entristecer-se, mes 0 como € vivida esta tristeza ¢ dado por cada um dos individuos, no seu intimo. Por isso o esteta italiano Umberto Eco diz que a obra de arte € “aberta”: ela é aberta para que cada um complete o seu sentido. Se na comuni- cagdio as ambiguidades devem ser evitadas, na arte (uma forma altamente expressiva), pelo contrério, elas so desejadas, Quanto mais’ sentidos possi bilitar_uma obra (alguns diriam: quanto mais ‘“eituras"’ ela permitir), tanto mais plena seré, Nas palavras do filésofo francés Mikel Dufrenne, “o espectador nfo somente a testemunha que consagra a obra, ele 6, & sua meneira, 0 executante que a realiza; 0 objeto estético tem necessidade do espectador para aparecor”. Podemos agora tenter compreender melhor a experiéncia estética, levantando e discutindo outras caracteristicas @ aspectos sous. Jé dissermos = através da descrigio contida no segundo paré grafo do presente capitulo — que no momento desta experiéneia ocorre como que uma “suspen slo" da realidade cotidiana: 0 mundo pratico ¢ ‘colocado entre parénteses e nos envolvemos com ‘@ realidade da obra. Ao apagaremse as luzes ¢ fecharem-se a6 cortinas, no teatro, no cinema, na sala de concertos, procura-se, com isso, exatamente reduzir 3 um minimo as influéncias do “mundo extemo”, a fim de se atingir um clima mais pro- picio para adentrarmos no mundo da obra Nesta “nova realidade”, entéo, nossa consciéncia postase de forma diferente da usual daquela_maneira do ela so dar no diaadia. A percepe¥o cessa de ser utilitéria e se torna estética: deixa de se preocupar com a utilidade do perce- bido para se concentrer em sua eparéncia, A percepeéo prética, segundo discutido anterior: mente, interroga 0 objeto em termos de utilidade Procura a verdade sobre 0 cbjeto, e @ procura em tomo dele, nas ligagces que este mantém com ‘outros através das ages humanas. Jé a percepeio cestética busca a verdade do objeto, @ a busca nee préprio, em suas formas, no seu aparscer. E no sensivel — ¢ nfo no conceitual, no intelectual — ‘que reside o ser do objeto estético. Desta maneira 6 que a arte no possui utilida ela ndo a possui no mundo prético. Nao pergun- ‘tamos nunca para que serve uma obra: ela serve apenas para ser frufda, desfrutada, serve para espertar em nés a consciéncia e a vivencia de aspectos do nosso sentir, com relago ao mundo. E, segundo afirma Susanne Langer, a perceprio 56 Joe Francisco Duarte Jinior 0 que é Beles 37 estética € conseguida exatamente porque “saber ‘que 0 que esté a nossa frente no tem significagdio pritica no mundo & © que nos permite dar ateng’ 2 sua aparéncia como tal”, Este é 0 motivo pelo qual alguns autores chamam a percepeio estética de “desinteressada", ou seja, por ndo_haver, nenhum interesse prético a guide e orienté-la, ‘A percepcio estética tom muito a ver com a Percepeio sinerétice, propria da crianga, comen- tada_no capitulo precedente. Tratase de uma ercepeio que apreende o objeto como um todo, sem eraliser (conceitualmente) suas partes consti tuintes; trata-se de uma percepcdo global das formes expressives. Discutiremos melhor este aspecto no capitulo seguinte. ‘Se na experiéncia pritica hi um nitido predo- minio do conceitual sobre 0 afetive, da razio sobre 0 sentimento € a imaginacio, 0 mesmo no ‘corre na exporiéncia da boloza. Aqui equilibram:se © sentir e 0 pensar, numa postura muito mais de igualdade do que de hierarquia entre tais facul- dodes. Contudo, note que mesmo no momento da experincia estética a imaginaco.nio 6 livre para vaguear a seu belprazer. Néo: ele segue os caminhos propostos pela forma estética, onde, todavia, esté solta para recriar tals format preen- chendo:as com os sentidos provenientes dos senti- mentos do espectador, ‘A experiéneis prética realizes, segundo concepgdo de Martin Buber, através do relacio namento eu-isso. Por este prisma, a experiencia est6tica seria uma forma da relagio eu-tu, onde sujeito © objeto encontram-se, digemos, face face, numa relacio de igualdade. Nao existe uma suberdinapo do tu a0 ev, com a experiéncia ‘ocorrendo neste altimo: ele reaizase enire os dois, ¢ 0 eu esta inteiremente na oresenca do tu, ‘assim como osto osté na prosenga do ev. Nic hd espero. para aprofundarmo-nos neste ponto, ‘mas muitos estudiosos véem uma certa identidade entre a experiéncie mistica ou religiosa (também, segundo Buber, uma forma da relagdo eu-tu) ¢ 4 experitncia da belezs. Deixothe aqui tal fato anotado apenas rapidamente, obedecendo ao estilo leve deste texto. Sigamos em frente, mas antes recapitulemos sinteticamente 5 caracteristicas da experiencia estética levantadas até agors. Nessa experisncia 0 objeto é 0 foco da atencdo «© percepglo, isto é, nfo faz parte e nfo se relacione a0 “sistema” de coisas existente 20 seu redor. Durante © seu decorrer no hé conceitualizares ‘nem pensamentos (discursives) arespeito do objeto, hd apenas um experienciar mais global, onde os sentimentos vibram @ partir das formas por eles apreendidas, Assim é que ndo existe uma ané- das partes constituintes do objeto estético, sendo este epreendido como um todo, como uma estrutura complexa de partes inter-relacionadas mas no isoléveis entre si, Nio ha vb0s alestorios da imaginago — ela segue 0s caminhos que a obra 8 Joto-Franciseo Duarte Kinior Oque€ Beleza 2 the indica — e nem um predominio sobre ela e sobre o sentimento, por parte da razio (simbélica © conceitual). Finalments, importe-nos apenas @ tBo-somente a aperéncia ‘do objeto estético, & no 0 que possa haver por detrés dele, em termos. do funcionalidade e utilidade, 18 que se noter ainde que 0 objeto, durente a experiencia estética, 6 vivido no “aqui e agora”. Na vida prética a experiéncia presente € calorida Por expectativas quanto a0 futuro e por asso- ‘ciages como passado. A utlidade” que vemos nas ‘coisas relaciona-se com o jé sabido e jé experien. ‘clado em nossas vidas, bem como com os projetos ue temos para o futuro, nos queis equele objeto Pode ou néo influir. Enquanto na relagdo estética 0 objeto tem, naquele momenta, o seu esplendor, ‘no sendo tomado como um possivel instrument ow ferramenta para uma eventual aco que este- amos planejando. E certo que noseos hébitos © experiéncias anteriores influem na maneira Como apreendemos 0 objeto estético, mas isso nfo so dé de forma deliberada e consciente, como, um produto do pensamento, © prazer (0 goz0, 2 fruigo) experimentado ‘numa experiéneia estética ndo resulta da satistagao de um dessjo ou necessidade. Na fome, na sede ® no desejo sexual, por exomplo, apbs encontrado @ fruido © objeto buscado, a tensio da falta se resolve e entio tornamonos "sat caso da beleza no hé uma falta, uma necessidade remente do belo que precisa ser saciada, Estamos sempre dispostos @ experienciar a beleza, © a0 nal de uma experiéncia desta no ocorre nada ‘parecido com uma sensacdo de fastio, de necessi- dade satisfeita, Muitas vezes ocorre exatements 0 ccontrério, ou seja, a experiéncia deixa em nos, 0 retornarmos 8 vida pratica, uma certa nostalgia, tum corte dosajo de que, nesta esfera utilitéria, udéssemos viver continuamente da forma experi- ‘mentada nos momentos passados frente 20 objeto estético. Como diz Buber, a grande nostalgia do homem € ndo poder viver 0 tempo todo no “mun- do do tu", 6 torde constatarque, apés breves instan- tes, cada (u tomna-se irremediavelmente um isso, Sequndo afirmado em pardgrafos anteriores, durante a experiéncia estética © ponsamento (conceitual) ndo se 4 de forma id@ntica ao seu desempenho na experidneia cotidiana: ali ale esté fem equilfbrio com a imaginagdo e o sentimento. Antes, porém, que comecem a reclamar aqueles ‘que gosta de afirmar ser uma dos fungbes de arte (0 “fazer pensar”, € importante explicitar melhor @ questo. Uma ‘experiéncia estética deve fazer pensar, sim; uma obra de arte & (para nés) uma grande obra quando permanece “em nossa cabeca” pds fruida. Entenda, contudo, este ponto impor: tante: somente podemos tomer a obra e 2 nossa experiencia frente a ela como um objeto de nosso Pensamento apés tal experiéncia ter sido comple: ada. Durante nosso experienciar no pensamos oso Prancisco Duarte Sinior conceitualmente no objeto e no processo que estamos vivenciando; 56 0 fazemos depois disso, Da mesmo forma que apenas depois de seir do carrinho de montanha-ussa, por ser esta uma experincia por demais répide e alucinante, 6 q posso ter a "Ycalma”” # tomar a disténcia suficiente ara pensar no que vivi, ¢ téo-somente ands a experiéncia estética que podemes tomé-la como, tum todo, como um objeto para nosso pensamento ‘conceitual Nesta altura rostanos considerar @ experiéncia da beleza que temos perante uma paisagem, um. jardim, ou uma noite transbordante de estrelas, quer dizer, perante a beleza naturel, perante 3 fhatureza, A experiéncie que se tem com os objetos belos (uma caneta, um mével, um automével, ete.) de certa forma jé foi abordada, entio fol dito que o “agradivel” que teis abjetos nos propor- clonam nfo chega a configurar plenamenie uma experiéncia estética. Num objeto desse, a belez: Ou seja, sua configuraedo oferecide & percepsao, subordina-ze & sua utilidade, Af @ belez € um ‘aspecto do objeto, a servigo da funcionalidade, No caso da natureza, contude, 6 posefvel que tomemos como desprovida de utilidade, que @ ‘apreendamos em termos de formas, cores # odores. Para um engenheiro, um vale onde corre um rio Pode ser visto como propicio a construgdo de luma barragem, mas para nds (e mesmo para ele) pode ser percebido enquento uma configuragdo O que é Beleza or Uma obra dearteé apreendida em vi pripri ‘nds neuralicamos todo 0 contexto-¢ seu redor. a Joto Francisco Duarte Stor que é Beleza a que faz vibrar os sentimentos, produzindo a experisncia da beleza. Uma obra de arte & apreendida em si propria: ‘N65 neutralizamos todo 0 contexto 20 seu redor. A tealidade do filme, da pea musical ou de teatro faz-nos colocar entre parénteses a situacio da sala ‘onde nos encontramos, a fim de nela ponetrarmos. Frente & natureze isso j6 no ocorre, pois ne ‘ealidade nd estamos frenie a ela, mas dentro ‘Nao hé um contexto que Ihe serve de moldura; ela 6 a totalidade do percebido. Por isso nossa percep- ‘gio af nio ¢ intelramente “desinteressada’": a natu feza 6 0 préprio mundo que conhecemos no dia-a dia, ¢ nela sempre existem elementos que costu- meiramente nos solicitam uma resposta pratica Dufrenne possui excelentes piginas escritas a este respeito, nas quais discute justamente 0 fato de a estetizacdo implicar um certo dosinteresse, uma certa disténcie, uma relagio n8o-pragmética com 0 odjeto. No entanto, coments ele, frente a0 objeto natural osto desinteresse nfo & to completo. quanto o existente face 8 arte, @ mesmo s? nos quisermos como um “puro olhar” dirigido 20 ‘objeto natural, no hS como sermos insensiveis, &s solicitagdes que nos vem das coisas; nosso Corpo esté irremediavelmente misturado @ eles, ainda que estejam to distantes quanto as estrelas otumas (afinal, também as utilizamos no mundo rético, por exemplo, quando eles nos indicam se a noite esté nublada ou nio: se ¢ provavel que chova @, eSsim, se devemos portar um guarda-chuve). Ums outra dimensio, digamos assim, mais “vertical”, mals profunda, abre-se ainda na expe- rigncia estética, enriquecendo a perspectiva na quol ola foi vista até aqui. Tratase da dimensio de nossa vida inconsciente, do mundo cheio de emogies © configuracées poderosas que trazemos abaixo do nivel da consciéncia, Este é, porém, um assunto a ser tratado num’ capitulo préprio: © préximo. Oquee Beleza A DIMENSAO PROFUNDA DA EXPERIENCIA ESTETICA Ao criar @ psicandlise Freud inaugurou 0 que pode ser chamado, grosso modo, de psicologi profunda, ou seja, construindo © conceito de inconsciente e tabélhando com esta dimensio de seus pacientes, ampliou 0 conhecimento do ser humeno a respeito de si proprio num sentido, digamos, “vertical”: na direcio das profundezas da mente, para bsixo do nivel da consciénci Isso representou uma mudanga muito grande fo s6 no corpo da psicologia como também influiu decisivamente para que outras ciéncias ® a propria filosotia repensassem seus caminhos ® tomassem rumos até entlo inauspeitados. Articulando varios aspectos e atividades do homem em sua teoria, o médico vienense reforiu-s0 também, em diverses passagens de seus escritos, 8 arte e & dimenséo estética humana. Porém, fazen- do-o sempre de forma quase en passant, nfo chegou a elaborer um ponto de viste psicanalitico mals consistente e lapidedo com relacio & arte, tarefa esta tentada posteriormente por diversos outros autores. Dentre estes, coube a Anton Ehrenzweig, estudioso austrfaco radicado nos Estades Unidos, empreender recentemente o trabalho de apresentar uma visio da dimanséo estética humana bastante suspiciosa, partindo dos conceitos bisicos da Psicandlise (mas reelaborando alguns deles) e de descobertas contemporaneas da psicologia, Assim, @ seguir procurarel tragar uma pequena sintese de sues conclusbes, que se articularé 20 que viemos discutindo © nos dari maior “profundidade” & compreensiio de postura estética do ser humano. Dentre as correntes da psicologia, a denomina- da psicologia da forma, ou psicologia da Gestalt (forma, em alemao), foi a que mais se dedicou ao estudo e & experimentaro no campo da percepyéo. Algumas de suas conclusdes e elaborardes con: tinuam validas e firmes até hoje, enquanto outras foram desmentides, reelaboredas ou relativizades, Besicamente 0 que a psicologia da forma nos ensina 6 que hd uma tendéncia do nossa mente para perceber as coisas de maneita “gestalt: Isto @, numa configuragdo articulads. Nossa per: ‘cepeio procura sempre compor, com os estimulos que the chegem, ume figura qualquer, uma Jose: Francisco Duarte inion Oqueé Beleca o Gestalt, que so tors 0 foce de noses atongio. Por exemple: olhando para ume noite estrelada temos @ tendéncie de agrupar os astros, articulando-os entre sie formando uma figura qualquer — def a ‘origem das constelardes, Ou ainda, cuvindo uma seqiéncia de ruldos, digamos, 08 produ: ater de um martelo, procuramos proj uma certa consténcia, determinando , dizem ainde os gestaltistas, busca ser sempre a’ mais perfeita possivel, 2 mais "gor @ mais “pregnante”. Quer diver: elimi- amos da consciéncia as imperteicdes, os estimulos supériluos e procuramos ver a forma de maneira mais bem acabade, Assim, uma forma leverente ‘ovalada ou um cftculo incompleto indo fechado), tendem a ser vistos como circulares: nossa mento projeta neles a forma mais perfeita possivel, 0 efreulo. i Com este procedimento, a mente humana dife- rencia também, no campo perceptivo, duas recices, ‘ou dois elementos, denaminados ° ‘“fundo". A figura 6 aquela forma sobre 2 quel se focaliza nossa atengio e que 6 percebida com a melhor estrutura possivel, enquanto 0 quo est6 & sua volta, 0 cenério que a circunda, consti- use no fundo, que & percebido de maneira vaga, imprecisa, percebido como suporte pera a figura, Tais colocagtes so importantes para enten- dermos a teoria enunciada por Ehrenzweig, j& 1PO apenas & regide da cons ciéneia humana, Ou seja: demonstra que exists uma percepedo ““inconsciente"” paralela & cons. ciente, percopgSo esta que nfo segue as leis estabe lecldas pela Psicologia da Gastalt. A partir diseo constréi entio sua argumentaréo @ respeito de experidncia estética como sendo uma espécie de jogo entre as duas, De resto, a existincia da percepgio inconsclente if havia sido demonstrada por ums série de expo. Fimentos no ambito da psicologia, tendo recebido © nome do “‘percepgao subliminar”. Um dos mals famosos desses experimentos consistia om inse- rire, entre os fotogramas normais de um filme qualquer, alguns outros contendo determinadae ‘mensagens ou ordens (por exemplo: coma pipoca a0 terminar a projepio). Como a velocidad? mini ‘ma para se perceber qualquer coisa, num filme, 6 8 de 24 fotogramas por segundo, estimulos que Ido s9 repitem em peio menos 24 quadros sequen. Giados da fita_néo 80 apreendidos por nossa Consciéncia e passam despercebides. Assim, 0 que $2 notou nesses experiéncias foi que um nimero significativamente grande de espectadores, apés 8 sessio, tendia a cumprir @ ordem que 0: havia atingido de maneira apenas subliminar, incons. iente. No & preciso dizer quo tsis mensagens subliminares so armas muito poderosas para 0 convencimento de massas e, por isso, elas sio Joto-Francitco Duarte Sinior O que Beleza ° proibides € nfo utilizadas, eo menos aperente- mente. Voltemos a Ehronzweig ¢ & sua visio da expe: rienciaestética. Sustenta ele que nossa percepcio inconsciente 4 distinta doconscionte (gestéltea), néo se dando de maneira a articular estimulos em formas 0 mals perfeitas possivel nem compondo o jogo de figura € fundo, As formas percebidas inconseientemente mostram-se desarticuladss em relacdo as percebidas pela "mente de superficie”, ou, pelo menos, posuem um tipo de erticulagSo que nBo segue 2 tendéncias (aestlticas) da percepcdo conscient. Tais formas constituem um campo total onde nfo se destaca uma figura de um fundo neutro: todos (5 seus elementos so apreendios no_mesmo pleno de importéncia, ‘Nossa percep¢ao consciente, 20 elaborar 0 campo perceptive numa forma plena (figura) @ no esparo “*neutro” que a circunda (fundo), tre bina no sentido de eliminar uma série de elem tos vistos como "perigosos". Perigosos por contri butrem para desordenar a articular8o das figuras €, principalmente, porque tendem 2 setransformar om ropresentagies (em simbolos) de forges emecio nais poderosas que vivern no inconsciente, De maneira, hé uma “repressio" das formas inart culadas, no sentido de devoivé-las para sua dimen sho absixo da superficie da mente consciente, que 1 fixa entfo somente na ordenarSo da bos Gostalt. Ao percebermos algo {visual ou auditivamente) estas duas percepcdes trabalham juntas, porém 36 nos damos conta da percepr3o de superticie, gestélticae articulada, enquanto todo © simbolismo rojetado pelo inconsciento nas formas inarticu. lades fica fora de nossa consciéncia, Diz 0 autor em questi A pereopefo de superficie & um insiumento especiat ‘mente Inadequado para se perceber as formes simbé- lieas porque 0 simbolismo goits de se esconder nat imperleisies aparemtements cesusis © isigiticontes, E provivel que as funges da percepedo de superficie de preencher as lacunas'e apagar at saliéncassejam pars Suprimir as imperteices casuat © cam olaso simbotemo esconcido, © que faroreee 0 delite do superego que ‘ahsguard a mente de supercedes dies ealentos fo inconsciente”, © conesito de superego, que aparece na citago ia, fol estabelecido por Freud e diz respeito 2 mecanismo do corsura de nossa mente, que Procura ofastar da consciéncia todos os desejos, forgas € emozdes violentas e primitives que nos hhabitam. Portanto, © processo de se perceber 0 ‘mundo através das leis da Gestalt serve aos propb- sitos do superego, que faz retornar ao inconsciente info 56 tais forgas como todas as formas que as simbotizam, Os gestaltistas concluicam, errademente, segun- do Ehrenzweig, que a tendéncia da mente para n Jodo-Franciseo Duarte Hinior O que é Beleza ‘construir Gestalts era inate no ser human. Afirma ele que este processo 6, pelo contrario, aprendid sendo montado desde o estégio inicial de vivencia cocednica da crienge (quando 2 percepedo sincré- tica ou global), e firmando-se por volta des cinco anos de idade. Lembro-se do que dissemos no segundo capitulo: evolufmos, a partir de uma percepego sincrética do mundo ~ ‘contando com, © concurse da linguagom —, para uma visio onalt- tice, ou seja, gestéltica. A’ crianca estaria assim, or ndo possuir um “eu” totalmente diferenciado. @ responsével pela peroopgio de superficie, muito, ‘mais aberta a perceber os est(mulos inarticulados, ‘muito mais ligada & percepclo profunda, A percepgao inconsciente, afirma ainda 0 autor, io € apenas “’sem Geste/t”” mas também “sem, coisa”. Quer dizer: a mente de superficie, a0 elaborar o campo percepiivo, erticula os elementos. em formas mais perfeitas e também delimita a identidade dos objetos, tornando-os reconheciveis, © com volume, Jé a percepedo inconsciente nao apenas capta elementos inarticulados como ainda ode fundir e justapor as formas dos objetos & ‘as formas de suas partes, criando configuracdes, ausentes de nossa realidade consciente, eriando formas “sem coisas Postos todos estes coneeitos e procestos bésicos ‘estamos agora preparados pore compreender mais @ fundo a teorla da percepcdo estética de Ehrenz- weig. Conforme discutido no capitulo anterior, no momento da experiéncia estética a percepeio 2 dé de forma distinta da percepcao prética, rotineirs, havendo um maior equilibrie entre o sentir © 0 penser. O que ocorre — e aqui podemos entender isso melhor — 6 um aumento na compe- tigio entro as duas porcopges, entre a gestdl (conceitual & pratica) & a inconsciente (sincrética @ mais emocional). Formas inarticuladas, simb6- Tices, de nosses forgas inconscientes, comecam fentdo @ ser percebidas, forpando a mente de superficie a reagir. E ele reage justamente procurando compor Gestatts mais e mais perteitas, com o intuito de ‘ccultar © reprimir os elementos inarticulados pperigo:os, abundantes numa obra de arte, Num ‘quadro tigurativo, por exemplo, todo o fundo que cireunda a figura central (ou mosmo 0 interior esta) esté repleto de pequenas formas inerticu- ladas, originadas de determinades pinceladas do ‘artista eparentemente rréticas ¢ aleatérias, nas ‘quais 0 inconsciente reconhece simbolos de suas forgas. Numa musica, entre as notas que compaem ‘2 melodia, bem como entre os acordes do acompa- ‘nhamento, ocorre uma série de sons o vibracdes inarticuladas que a percepedo inconsciente capta, ‘criando um estaco de tenso com a percepcio de superficie, Desta maneira, © prazer esiético, o sentimento da beleza advém deste confito de percepcbes. ‘Advém do wabalho rodobrado da monte de super n loéo-Prarcisco Duarte Hinior Oqueé Beleca 2 que, buscando manter na consciéncis epenas ‘08 elementos née perigosos, constioam formas mais bem-acabadas @ plenas com a finalidede de, por las @ nalas, prender a atoncio. "0 estilo @ a be da arte sdo superestrutures que servem para escon- der e neutralizar 0 simbolismo perigaso escondido ‘nas subestruturas inarticuladas @ antiestéticas”, iz Ehrenzwoig. Num trabalho de restauragao mal , por exemplo, a obra pictérica acaba perden: do seu vigor pela inabilidade do restaurador em mantor 05 pequonos detalhes produzidos pelas inceladas originals do autor, eliminando assim (© material inarticulado que se oferece 2 pereopeio inconscionte. ‘Numa obra de arte, entao, hé uma permanente tensio entre os elementos (gostdltices) que +e oferecem & percepedo consciente e aqueles inarti- ‘ulados que se escondem em detalhes aparente- ‘mente insignificantes, mas que io captado: pola percepeéo profunda, Tais detalhes, na maioria das exes, nio so ali colocados deliberadamente pelo. artista, pelo menos doliberadamente no sentido. de ume atividade consciente e racional. Eles surgem também da acdo de seu inconsciente, j& que no momento da criagdo ocorre igualmente 0 conflito entre as duas percepeces, De certa forma o artista mergulhe nos nfveis mais profundos de sua mente, onde subjazem 05 elementos inarticulados, e luta para traz®los & superficie, tendo, para tanto, de “traduzi-los” em formas mai¢ articuladas. Nesta luta pala cor guragio, pela criagio de estrutures que sejam aceites ‘e percedides pela mente de superficie, muitos dos detalher inarticulados eseapam a0 controle @ so registrados na obra, criando assim ‘aquela tensdo que a torna mais bela e plena, Foge aos nossor propésitos a discussio do provesso de criagdo com todos os detalhes e fases, segundo apresenta em seus escritos o nosso autor. Contudo, deixemos registrada_ uma afirmacdo sua, a titulo de sintese deste processo: 0 atts luta com ua viele inspirsdors inseticulads ‘fim de moldé-la ern formas mais articuadss". Ainda dentro deste assunto, ndo resisto a deixar anotado um fato curiaso ocorrido comigo, quando 1a nBo conhecia com profundidade 2 teoria de_Ehrenzweig. Apos uma discusséo com um amigo artista (Babinski, pintor e gravador), na qual nosso assunto era justamente a questio das formas e do processo de configuracio na arte, surgiume uma necessidade compulsiva de esctever, Acabei por produzir um poema deno- ‘minado " Viagem ao Infigurado”, significativamente 1 respeito do processo de criario. Dediquei-the fentio 0 poema, que foi posteriormente utiizado por ele como apresentacio no catélogo de uma de suas mostras, Reproduzo-o a seguir: 1” Joto-Francisco Duarte tinior Oquee Beleza 1s Na represa do Id fora que a mess do trabalho, Neste estrelto restrite cfu ‘ques folna de papel Propo: to's o restolho: esto de sentido que © etho {i forgedo a ignor ‘Assi feito «lingua geme ‘range ¢ partee freme Provando que 1 mente mente quando ordens 0 infigurado, E neste embate a extrte ord feito insete resvequido Acesfarinharse na rolanca do incorsciente ablemo alsangado, Fratura em cada conjectr {3 nomeacd9 de tal paragem E viagom a0 caos do real em cacos na renovada nave da linguagem, Nio vou comenter 0 poems, porque isto ndo aria sentido. Mas perceda nele 0 registro do conflito entre as duas percepsdes enquanto moca percepgdo consciente nismo do processo criedor: {articulada, configurada) e culads, infigurada), coisa que ne época, em ter formulapo precisa desta teoria, apenas intufe em ‘alguma parte de mir Rotornemes, pr E necessério efetuarse uma distingdo, apontada pelo autor, entre o sentimento estético (da beleza) 8 0 sentimento plistico (de solider & volume das coisas percebidas). Ambos se originem da repres: S80 perpetrade contra as formas inarticuladas que, como vimos, so sem Gesialt @ sem coisa. O sentiment da boleza surge om nés 9 partir do trabalno da mente de superticie para criar uma Gesiait plena o bastante para ofuscar e subtrair do campo perceptive as formas inarticulades. Enquanto o sentimento plistico, que confere as coisas percebidas sou cardter de solider e volume (seu cardter de “reslidede"), provim da ago de consciéncia para s2 sobrepor & ausencia de coisa verificada na percepedo inconsciente. Ou seja: 30 reprimir para o inconscients estes olomentos que ‘ndo configuram nenhum objeto (nenhuma coisa), a mente de superficie procura manter 4 energia e nossa atengfo realgando o volume, isto é, asolidez dos objetos percebidos conscientemente. Outro ponto importante desta teoria que esta- mos ciscutindo diz respeito 8 evolugdo do processo de percepedo humana, ngo em termos do indivi- duo, mas de espécie (pelo menos entre nos, os ditos “civilizados"). De acordo com Ehrenzweig, 2 historia da arte-6 exatamente a historia de uma transformacio progressive, no decorrer do tempo, dos processes perceptivos do homem civilizado. Isto é: 08 estilos e perfedos vio s@ sucedendo nio devido a motives externas so homem, contidos 1a propria arte, e sim devido a alteragoes interiores ne maneita como ele pereebe 0 mundo. 76 Joao Francisco Duarte dinior Oque é Beleza n © ue acontece, diz ele, & que ao longo de um ‘dado perfodo, onde vais eriondo um estilo, @ tensio entre as dues percepebes tende a se entra. quecer e a arte produzida vai perdendo a force. Esta tensfo so onfraquece justamente porque ‘os elementos inarticulados_acabam progressivments sendo percedidos pela percepeao corsciente, que ‘of integra 4 Gestalt e, assim, eles deixem ce ser assustadores. Para demonstrar tal concepefo 0 autor realiza uma minuciosa andliso da ovolugdo des artes pigs: ticas © da misica, colse imposstvel de ser feita aqui. Contudo, bastarnos alguns fatos da frea da imisica para deixar este ponto mois claro, quanto 8 alterap3o do procesio perceptive humano, paralelo &s mudancas nas artes © ouvido medieval, por exemplo, ainda no percebia determinados ‘sons presentes hoje em asia misica e 2 ela incorporados como notas € acordes do sistema tonal, Nossa escala de doze tons (sete notas e cinco sustenides) foi criada posteriormente, © © homem da Idade Média traba Ihave musicalmente com menos notas e acordes, Ou seja: aquito que pera nés faz parte dos elemen tes da misica, para ole eram meros ruidos ou sons imperoeptiveis, ainda néo articulados pela percep. (20 gestéltica.' Da mesma forma 2 palifonia, isto & véries vores ou virias melodies ocorrendo simultaneamente numa mesma peca musical fe que teve sua explosio no periode barraco, especial mente com Bach) ora the totalmente incompreen s(vel: uma massa sonora que 0 ouvido ainda ngo odia discerir. Aliés, 08 antioos pensadores gregos diziam (segundo Ehrenwsig) que se vérios instru- mentos tocassem juntos melodias distintas isto se assemelneria a diversos oradores fazendo simulta- neamente discursos diferentes: ninguém podoria entender ned ‘A percepoio humana, portanto, ver sofrendo uma transformago gradual, ¢ 6 postivel que em breve passemos @ utilizar em nossa misica um som intermadirio entre uma note e s2u sustenido. Por exemplo: entre ré e ré sustenido surgiria uma nova nota, perfeitamente distinguivel pelo nosso. ouvido, coise que ainda no ocorre entre nés, ocidentais. Pesquisas @ exparimontos musicals jé se fazem neswe sentido, E note que foi dito entre 1nés, ocidentais, porque na misica oriental lespe- cialmente na indiana), que 6 construids sobre escalas diferentes, esses sons mais sutis j4 foram articulades. Compreendendose esta alteragio na percepedo. a0 longo da historia, com a concomitante mudanca dos estilos, podese compreender conceito ‘posto 20 tema deste texto e que até aqui este ausente das_nossas. considerartes: a “fealdade’ 08 objetos “feios". A partir de exposto pereebe-t6 entéo que o sentido de fesldade pode provir de duas ocorréncias opostas, gerando o que eu cha maria de “felo por ultrapassedo” @ “fei por 18 oto-Prancisco Duarte Hinior que é Beleza ” novidade”” © primeiro tipo ocorre quando o estilo de um determinado periodo ja se esgotou, ou seja, aqueles elementos inarticulados ali protentes se tornaram percaptiveis 3 mente de superficie e as obras deixa fam de gerar tens nos espectadores. No perfodo imediatamente saguinte, quando um novo estilo, ‘raz novos elementos’ inarticulados opondo-se 2 novas formas gestélticas, a arte produzida antes mostra-se pélida e som vida, Aquoles que ainda insistem na velhe concepso so vistos como Procuzindo “‘maneirismos”, isto &, repetindo formulas j& “domadas” pels percopgio coneciente € que néo causam nenhuma rear emocional como toda arte auténtica deve causar. Quando jé s@ tomou uma corta disténcia histérica 6 que o belo daquele perfodo — tomado feio no periodo sequinte — pode ser visto como um “belo hist6 rico", nio provocando mais reages de fastio, ‘segundo tipo, 0 “feio por novidade”, epare- ceria dentro de um proceso inverso 20 anterior. Quando ume nova proposta estética surge, ela traz em si novos elementos inarticulados (ainda nfo Perceptiveis pela mente de superficie) © também ‘elementos jé parciaimente articulados (que 0 foram pela mente e trabalho do artista). Ester dltimos geram onto uma enorme tensio no espectador, pois sua percepego gestéltica ainda nio pode arti aulé-los totalmente @ assim intagré-los na Gesta/e meicr, produzindo o sentimento de beleza, nem Ni “Arte Moderna”, estithagrse a forma central que avia nas obra (tra figura ow cen, ne pinturt,e wna ‘melodia ou tema, na nasi), €0 espa exttio fea mats primo i percepefo profile, ao process inconscionte oto Francisco Duarte Sinior Oque Belera reprimi-ot como faz com os inteiramente inart ‘culados, {6 que sue articulago parcial torna-os erceptiveis 2 mente de superficie. Desta maneira, bles 30 percebidor como perigasos e geram senti- mentos profundos de ensiedade e culpa, que se travestem no sentimento do felo, fazendo com que 0 espectador se afaste da obra. Conclui Ehreneweig "Vamos owim que of doit tentimentos polaree do belo « co feio nfo estfo tho sepsrados quanto porta parecer; recalear of simclsmos Inconscantes # a funglo dindmica de ambos. Enquanto o sentimento estético do belo simplesmente sibstitut 0 timboliemo inartculado ‘través de ianBo de ume ‘bos’ Gestalt,» fo do tont ‘ante do feo € mais primiiva. Ele nfo pode expubar para fora di consciéncia as forms simboiics perigoses fom seu estado ainda artiulado, mas ele pode entra ‘quecéas «tornd as dosopradévcs Dentro da evolugo e alteracdo dos estilos o ‘autor nota que a mudanga ocorrida com a chamada ‘arte moderna” (uma danominagdo jé desgastada), to 6, a arte deste perfodo em que estamos, iniciado com o século, foi deveras radical. Radical or ter inaugurado uma arte sem Gesiait predo- minante, Explico melhor. Até entio havia uma forma central nas obras (uma figura ou cene, na pintura, © uma melodia ou tema, na misica) que prendie 0 olho ou © ouvide, compondo a “figura” ‘em torno da qual se estabelecia 0 “undo”, que a apoiava, ‘Com @ evolugdo de percepgio os artistas forem se abrindo mals a0 processo inconsciente, que nio compde Gesta/ts, superpde © justapée formas. Assim, suas obras toraram-se um espaco (visual (Ou sonoro, ou 0s dois juntos) onde 0 oho e/ou 0 uvido nfo mais se detém num ponto central, mas vagueia por tode 2 sua dimenséo detendo-te aqui ¢ ali em pequenas ““gestalis”. Fragmentou-se 0 espa 50 estético, @ oste so torncu muito mais similar & ercopgBo profunda, com formas sem Gestalt. Como nossa percepeao ¢ de forma (gestaltica) € de coisa (pléstica), tal fragmentacio nfo se dou apenss a0 nivel da forma, relatada no parégrefo anterior, mas atingiu também os proprios objetos. Com o cubismo a fragmentacio destes atingiu 0 seu Spice, © as coisas foram estilhagadas e remon: todas quase alestoriamente na obra, E todo este processo 5 poderia mesmo desembocar na dita i", onde a percepgdo de coisa exté totalmente ausente. Tomos de nos contentar com este breve comen: tério sobre a arte produzide atuelmente, pois 0 nosso tema aqui, a beleza, tem mais a ver com as re9qBos do espectador perante 2 arto, Mas ficam anotadas estas pistas, que poderdo conduzir a estu: dos mais especificos de quem assim o desojar. Para encerrar cabe 0 registro de um paralelo interessante que Ehrenzweig traga entre sua teoria @ cf exeritos sobre arte do filésofo slemio Frie- 82 JoSo Francisco Duarte Sinior rich Nietzsche. Este identificava na arte pre senga de duas forges poderoses ¢ sempre em ‘combate: a “dionistaca”" (do deus grego Dion‘sio) responsdyel pele tendéncie & desestruturaréo, ¢ 2 “apolinea” (do deus Apolo}, responsével pela harmonia © beleza, Nosso autor comenta que Nietzsche intuiu admiravelmente a presenga das forgas desestruturadoras da forma, provenientes do inconsciente, @ daquelas da mente consciente, responsdve's pela Gestalt. E assim chega, inclusive, 2 utilizarse desta denominagio (dlonistace, pare a forma de atuacio da percencio inconsciente, & apol{nea, para a consciente) a0 longo de sue obr: O PRAZER, NA EXPERIENCIA ESTETICA Alguns espectos de experiéncla estética neo foram devidamente abordados nas paginas precs- dentes. No ontanto, como eles gravitam em torno de uma questo mais ou menos central, qual sa, © caréter prazeroso desta experiéacia, reservou-se dos ste Gitimo capitulo para que postarn ser tr conjuntamente. Em geral tal questo costuma provocer alguma polémica entre os que ainda nao se dispuseram a estudar mais a fundo a experiéncia da beleza, fegundo tenho obrorvedo. Nao 6 muito pacifico, para essas pessoas, que a experiéncia est8tica seia sempre causa de prarer. Se mais nfo forse, creio, ‘que seria um contra-senso dizer-se que uma vivén- cle que desperta o sentimento do belo pode pro- Vocar também reardes desprazerosas. E simples, contudo, identificar-se @ origern de tal divida € 4 Jolo-Prancitco Duarte Finior O que é Belesa 8s ‘agar algumas considerartes que 2 resclvam a contento, De mais a mais, 0 cardter prazeroso da experiéncia estitica 6 algo com que ests concor- dea esmagadora maioria dos filésofos e estetas. ‘Segundo discutido nos capftulos anteriores, frente 2 uma obra arte nossos sentimentos entram fem consonincia com suas formas e assim vibram, causando-nos reagdes emocionais. A arte énos uma espécie de espelho, face 20 qual doscobrimos @ conheceres aspectos de nosso sentir, muitos dos quais até entdo insuspeitados. Porém, o cerne desta questo s2 refere 8 qualidade dos sontimentos despertados no espectador, que nio é idéntica & dos sentimentos surgidos na vide pratice. Tomemos como exemplo um filme quo hi pouce tempo fez sucesso erm nosso pats: “Pixote”, do diretor Hector Babenco, Nele se v8 a terrivel realidade em que vivem milhores de menores Drasileiros, tanto pelas ruas de nossas metrdpoles quanto — © principalmente — no interior das instituigdes pretensemente destinades 2 educé-los, quando infratores. Assistindo-o, certemente ident: ficaremos em nés santimentos como indignarzo, dor, raive, angistia, etc. Mas nem por isso, nem sabendo de antemdo 0 que nos espera, deixamos de ir 20 cinema para ver essa obra. Seremos todos masoquisias eutoflagsladores? E claro que nBo. ‘Apesar de tudo, das situacdes deorimentes ‘xpostas ali, ao final da sesso sentimosnos recom pensados, por termos fruido uma bos obre de arte, Ou seje:'ume obra que foi motivo de prazer. De once, entdo, pravém este sentimento de prazer, concomitante 20 da beleza? Basicamente do reconhecimento da justeza das formas encontradas pelo diretor para despertar em nds todos aqueles santimentos que ela nos provocou. Fla nos fez vibrar, nos tomou e se impos a nés com toda a va realidade, ainda que esmagadora. ‘© que ocorre, segundo afirmado linhas atrés, 6 que 2 qualidade dos sentimentos do espectador, frente 4 obra, € distinta de sue qualidade na exis. tincia do dia-adia. De certo modo o: sentimentos se dio ali com um cardter de "como se”, isto é, como se fossem os mesmos da vida pritica. A tristeza que sinto faco & morto de um porsonagom, No teatro, € diferente da que sinto por oc da _morte’de um amigo. Na experiéncia estética ‘estamos frente a um eimbolo, ¢ 0 que sentimos quarda tmbém esta qualidade simbolica, A este Fespeito, comenta Susanne Langer: °A alegia de uma experiéneia estéica diets indica a que profuncicade «a mentalidade humans ess expe: incia chega, Podese dizer verddetamente que ums ‘obra de arte, ou qualquer olka que noe alota come faz 8 arte, ‘provose algo 2m és’, pordm nfo no sentido ‘sual ~ carnos emocées ¢ estados do anima — que & ragado, e com ra2So, pelos estetas. O que ele pravace fem nis 6 uma formularfo de nosess concopeSer de Sentimento © noses concepydes da realicade visual, 86 Joso-Prancteo Duarte Hinton Owe é Beleza 7 actual ¢ audive, em conjunto. Ely nos 46 formes de Imaginagso + formas de ‘entimentos,inseparavelmente; ‘aver dizer, clarfica e organiza a oréprieintigdo” ‘Seno momento da experiencia estética, con- forme discutimos no quarto capitulo, deixamos a vide prética "16 fora”, isto 6, vivenciamos uma nova realidade, isto, contudo, néo signitica uma perda de nés mesmes, nfo equivale a uma forma de amnésie, Por mais envalvido que o espectador esteia com o filme, por exemplo, em algum lugar dele pormanece a consciéncia de que é apenas um ‘espectador sentado na poltrona do cinema, Perder esta conscigncia equivaleria @ joucura, @ esquizo- frenia, E & justamente por saber do caréter pro- cério € llusbrio da realidade com a quel ine envol- vo, na experiéncia estética, que me permito deixar fluir os meus sentimentos, sem modo algum, Podem ocorrer, no entanto, reagdes ve despra- zer frente 2 uma obra de arte, por parte de algumas pestoas. |s:0, todevia, significa simplesmento quo 9 aconiecido com elas na presenca da obra no fol uma experiéncia estética; elas no entraram ‘am relegi (no sentido que Buber ompresta 3 expressio) com aquelas formas expressives. Hd alguns motivos princinais para que tal aconteca, \Vejamos quais s80. ‘Suponha, por exemplo, que 0 diretor de uma dessas instituigZes para menores infratores assis tisse 20 “Pixote” © ficasse indignedissimo com a dendncias sli contidas, porim nfo indignado como és ficamos, O filme the tocou as feridas, mas de outra maneira: tomnou-o, aos olhos do pblico, um dos responsiveis pola situago repro- sentada na tela, Em momento algum ele conseguiu aquela “distincia” necesstria para fruir a obra. Em momento algum sndonou sua percepeo pritica em favor da estética. E isto porque o proprio filme em si, enquanto um objeto expres- tivo, segue sus earreira através do pals fornecendo também 0 material necessdrio para que ocorram debates e deniincias (sempre polfticas, coma 0 € 3 vida), 9 nivel da realidade cotidiana, 0 que certemente no Ihe agradaria caso extraia alguma vantagem deste estado de coisas. ‘Assim, a primeira causa de reagdes desprazerosas frente a’ arte tem a ver com a incapecidade de entrar em relaedo com ela, do se ser incspaz de substituir a percepe£o prética pele estética. No ‘exemplo acima, do diretor, tense 0 caso em que ‘esta Incapacidade se dove 20 fato do que a pr6, existéncia da obra, enquanto objeto politico-ex- pressivo, de per si. i6 desperta (por algum motivo politico’ qualquér) a ira de detorminados indivi- ‘duos, Para aquele cidadtio do exemplo o filme ndo ‘quarda diferencas com os muitos artigos-denincia publicados nos jorneis, quanto so aspecto repres Sivo de sua instituigéo, e que ale se estorca em refutar e desmentir. Lembro-so do nazista Goering, ‘que dizia: “cada vez que ougo falar em cultura 88 Jodo- Francisco DuerteSinior que é Beleza puxe logo 0 revblver! ‘Um segundo motive pelo qual o individuo no conseque manter uma relaggo estética com a arte, tormando assim sua experidncia borrada com as tintes do desprazer, podevse dizer que se situa no élo eposto @ situacdo anterior. Trata-se daqueles caso: de nourose profunds, de pré-psicoss cu mesmo de psicose, en que os planos de realidade 2 confundem, @ 0 individuo acaba por merguihar intoiramente no universs da obra. Como obsor- vamos na teoria de Ehrenzweis, @ experiéncia estética mobiliza em nds forces profundas, trazen- doas & tona dosde at camadas inconsciontes. Contudo, mantemos o equilfbrio porque nfo nos abandona a consciéncia do caréter de "’como se” da obra que temos 3 frente, Possufmos um "ou"” suficientemente estruturado para manter 0 dom(- rio da situacdo, sabendo ser “apenas ficréo” 0 quo assistimos. Naqueles casos patologicos, porém, isto ngo acontece, e 0 dique do “eu” se rompe, fazendo confundir a turbuléncia do inconsciente com 2 realidade da obra, Ehrenzweig, comentando a diterenca entre o psicStico e 0 individuo criador (que, no nso ces0 pode ser tronqiilamente substitufdo pela figura do espectador), diz que quem cria é sempre capaz de alternar entre modos de pensar articulades © inarticulados, combinan: dos na solucdo de seus problemas e tarefas, 20 passo que 0 psicético nio-criativo acaba fatal: mento por sucumbir 3 tensfo entre as formas cons- clentes © inconscientes do mecanismo mental. Porque ele ndo conseque integrar estas duas instan- cige da monte, elas 29 confundem num verdadeiro ‘ca0s, resultando esta misture rum predom{nio das fungées inconscientes, que, assim, estilhacam a sensbilidede do euporffoie e destropam a razio. Por fim, tem-se 0 caso — mais comum — de desprazer, ou mesmo de néo-prazer listo 6, de inditerenga) faco a uma obra de arte devido a um no aprendizado anterior de seu cédigo. Todos rnés, de uma forma ou outra, educamos nossos tontimontos a partir dos cédigos estéticos pre- sentes em nossa época e culture. Isto 8, apren- demos a ver em determinados estilos de’ arte os simbolos de nossos sentimentos, @ assim nos identiticamos com eles. Assistindo, por exemplo, a certos dramas do cinema mudo, na maior parte das vez0s achamos cémicas 2s formas como slo expresses 25 emogies ¢ sentimentos mais pun- gentes dos personagens. Acostumados 0 cinema ‘moderne, construido @ partir do outras formas expressivas, é-n0s. Impossvel sentir as emogoes pretendidas pelo diretar de comeco da século. Ou ainda, quando tomames contato com @ rmisica indiana pela primeira vez, por exemplo, 6 bastanto diffeil que sejamos lovados a uma rela. 20 estética com ela, |& que € construfda com escalas, harmonias e ritmos diferentes daqueles presentes na misico ocidental. € necossério que Joto Francisco Duarte Sinior O que Beleza 1 nos submetamos a um aprendizado deste nove codigo expressivo pere podermos fruir a obra com prazer. E este ¢ exatamente 0 caso que vem acor- endo com 0 eximio musico © compositor brasileiro Arrigo Barnabé, no Ambito da musica populer. Ino zudindo nela o sistema atonal (que desde 0 come- 0 do século existe na chamada mésice “erudita”, “de concerto" musicals truncades, produz um traba- inho"” aoe ouvides da. grande ‘ecostumede 60 sisteme tonal © ber-com: Portado da musica popular. Aliés, ¢ triste cons- tatar, mas uma boa parto dos professores de nos: 4303 escolas de mésice ainda nio acelta a music contempordnea. E 0 pior é que, tal qual © verdadeiro cego, que ¢ aquele quo ndo quer ver, ‘no se dispdem a ouvir para aprender a santir no novo codigo. Portanto, a experiéncis estética depende tam: bem de um aprendizado. Afinal, 2 beleza é uma garote sensual e refinada que no vai so entregando assim sem que desprendamos um minimo de esforgo, A este respeito, note ainda um fato im- portante. A medida que vamot nos tornendo familiarizados com os codigos estéticos, nossa propria maneira de sentir vai se refinando, ou sela, tormamo-nos prograssivamonto mais sensiveis as sutilezas de nossa vide interior, aos meandros do. . E esta 6, procisa- mente, 2 razio pola qual muitos educedores insis tem ne necessidade de uma educagao estética no Interior mesmo das escolas, Mas iss0 ¢ ume outra hist6ria, que foge ao nosso tame central. Em relagio a este aprondizado necessirio 4 experiencia estética, afirma entdo Mikel Dufrenne ‘que, para o espectador, 4 neceittrio aprender arte como st aprende uma ifngua Ele teve dos iniciado nese codigo 2 im dos» preparer para a experiincia esttic, Pols uma percepeBe. gots, ncinformads, nfo faz justiqa 20 ‘bet estéten;é precso aprender oIexico ea grorsticn para compreender uma lingua, & preciso ter akuma ‘diia do ebdlgo prbprio de cada arte para ayurar @ porcepeto". Ai esto, enfim, os casos principals em que, frente a uma obra de arte, pode no ocorrer uma experiéncia prazerosa: quando nfo hé ume subst tuigdo da percepeo prética pela estética (devido 2 motivo qualquer), quando ot elementos da obra ativam processos neurdticos e psicdticos, © quando nfo se esté familiarizado com 0 codigo. ‘no qual ela & composta, Creio mosmo que posta haver outros mais sutis e intrincades, que ume anilize minuciosa mais demorada rev Como, porém, tal andlize no cabe aqui, asta tarefa, bem como a de deslindar uma série ce outros ontot apanat tocados no decorrer deste texto, cabe agora a voc, eitor. As pistas esto dada. opp Oque€ Beteca ” INDICAGOES PARA LEITURA A tiblonrata sob arte oxpeiénciaetitin 6 bartnts vaste. Aaui indents aio titulesaue puto some ico: Daa 0 aprofuncimento das questdes«concsitos proportot ‘En primero. cassie. ae se restringe a apresontardetrminades spec. tora entagon am Wo vl ‘equi, um texto tabi bastante levee vodutri, denominedo efexdes Soore a Arte, de Altvodo Bos, ‘aitedo pol Ati em sua sire "Furdomentor”, em 1935, Nele, 0° autor discute a arte em suai tres peepetivas tmauento corstrucSo, enquanto eonbecimenta » anqrante ‘xacesafo, Valo pena ser Depots, » obra de wertor argentine Ernesto Stoo, 0 Eesritor e Sous Fantasmas, publicata pla Francoco ANS, fon 1982. Apessr co tub, Sabato nio se restringe comentartteratur somente, mit aborda a arte coma um todo « taga critics eretixdes tosoicas bastante aos tds, Excito fob forma de pequenos tnicos, 6 colina ‘ecremamente sive Vorbert Naruse micrevsu 0 0 A Dimansso Esti (edtedo pala Martine Foes, ne siria "Ares » Comin cagio", em 1994) come uma erties 8 posture um tanto Sognitca Ge cxrior ‘mete dulticos. 0. ator Gemorsta, vtilzindo ¢ preptio nateaismo diaico, tomo a arte € reolucionsia por niturea, e que pens pani de determinados dogmas que ans markists sdotar ume postra raxcors ‘edianartent fs, met qu cigs 9 conhecimento de alguna concstosTosbfcen. ‘Srtimento # Form, de Susanne Lange, publeado pela Porpectva no cole "Estudos" Ivo. 44), em 1980, tum abya-de cu floéfieo bastante abrangente, Ni outers acute experiinci emits,» funodo da arte & 1 seu proceno de sigrfiardo om cade um das format Cxpreio arintica.(misica, pintura, teatro, Herta, tte). Tambim os lure roaivarentesenptes, as ex ‘indo alum content prvio de concetos Flxdtiens. ‘Nz nivel bem mais comolexo stuase o texte Estetica «¢ Filscofa, do Mikal Dutvone, ecitado também pela Penprctve, mas na coleebs “Dsbates" (ol 69), om 1972. “ratese ds uma eolednes de art gos rites plo fibuofo francis pare revisas de fiosota e de ettica, onde © fquesto di Eliz, do signieagao na arts, do jeto belo e do abjeto sto, one outs, fo sbordades rama Frungom baetanterioroia © tanto penesa pare Quem ds tom ainda experince pain com txtos fess, 'O punssrerte de Anton Ehrenzweg, 2quiaberdad 0 penoime capitue, erconvase princalmente on otra Yodo Banco Duarte Jnior Aicnkine ce Pecepcte Arctica, publica 989 Zine fm 1877. Um texto deo. + que rxige eonneinenter 10 meros dos concetosbisisos ca scans, Contd,” corsttu-se num obra muito intrsant ‘brigstria pura todos ue se dedeam a ur tribals ‘lecivo wore arte experince atten Finamert, tambien oe Eheonzni. tse & Orda ‘Ocuta de Arte, pend pois Zahar em 1080. Apstar de scima.ne raided 6 un sqBincle duels. Sen arterir 6 ster oe ocupe tris de oxperignca endtcn pelo ado Ge" sepectodor, neat, 309 otreao se fae proceso Stiedor. De Itura exvernmente igus, tequer Sonhecr ‘menos ai proturdes das tora pica, ‘As obras ltads a soit oho span increments Vianeas 3 cessed ate nc bl. Incut agel por ot ‘etna coos lgratconidrsgs, plang dete tents pols, Vous, 1973, (G0. Psanase 1) 2) Guile, Past Marua de pecolopa. 2. S80 Paulo, Ea. Nacional, 186. (Co. Atsalgndes Pedagogies, 6) 9) Shuts, Alita. Fenorerologa & reeset soe. 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