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ste liuro nao é wma biografia Também nao & um ‘ensaio sobre a vida e a obra de wna grande fectonista E, muito menos, o depotmento puro simples de alguém que a conbecen bem ao tongo dasa década de sua extstoncla Nele retinemse duas‘vozes; dois textos ode Clarice Lispector « composto de fragmentos inéditos até agora -@ 0 de Olga Borel, que obedientemente ‘0s segue, sem coment-los, mas desentranbando doles a presenca de Clarice Lispecion como pessoa ‘iva e ndo apenas como eseritora Este Esboco, em cus tragos se interpenetram ‘a paixio de Clarice Lispector ea delicadeza de (Olga Borel, quer ser apenas fel daquilo que, certa ves, disse James Joyce ‘Um retrato no € apenas um documento de Identidade; € sobretudo a curva de uma emocio” o> Olga Borelli O Fiytys BO ares { esos ies sCicy Uma Invengao a Duas Vozes st € um tivo absolutamente diferete ‘Nios trata de wa biogas: se rare um ena sobre a Wa € 0 x10 ectarce UspectorTampouco 0 ‘Scpoumento de wa pessoa sobre out om quem conviveu 30 longo de tod toa dead se lvr completa 0 tablbo ‘desenolvido, com paciénda e cari, for Olgt Borel, quanto 8 organza Bos nets de Clarice Lspector. Fe tral comegou com a fixagio © ‘Etrstragio sempre obedecendo & Ttuicagoes muito cars 6a props (Guriee do romance patumo, hoe jt eS Fenigo, im Sapro de Vide Depots ‘eo a publica dos coatos que Tegan a setae Fern so = sins fprimciras narnia, J reveladors JO Apu ela viraaser a que se jontaram 25 dos utimas que exreveu: Um Dia Menose"A ela es Fert ou A Feria (Grande Dera [Agora porém, era preciso orden oF pauetos textos 35 anoac OCs 08 egmemtos que Clee produ sm obi que nio foram aproveidos por (da Era preciso most, igustmente, ‘Soma se fee 20 Viv 0' 08 S08 Seusedimentos dante da eaboraeto dos Eve vtosediante da vida ila utclientcinaeparives Olgs Borel ‘Sedo, no assum a postu de quem io Sours Snntos Etna ( CLARICE LISPECTOR Esboco para um Possivel Retraco BiG ea Rave oer Nt Fro" "hs i a" = observa de fora € anal, Preferiy tat Atona sua propria experiéncia devas tocar plo texto de Careee, 0 mean ‘tempo, pela presence do seu convivio com ela (© resultado - que, de forma agua, se pretende definitive, coaforme de rst, pave ‘esboco no tuo, sere -€ al Como uma invencdo musica, daguels, por exemple Hach 3 as vores. ‘Avorde Chtice €a que iteressa ouvi ‘em primero lugar; vor de Og, ‘sere delicada,obediente de Car ‘sentra as imagens cotdianas de ‘via, sempre Inacesvesaraves ape do texto. A propria Olga esclarece “Fol com ousalia- pols ao sou exert prolisonal proton quem tem Felago 1 ou 20 outro, obrigagao de ‘screver- que, eunindo estes Imanuscries,escrevi este Hiro. "No fol il, como fice no foram as ‘ois nos conton de A Bela e a Fora Enuregocime 2 tabalho por duas ‘aes a primeira, hones © comproms ‘sumido comigo mesma de nio desar Ings estes pequenos texto: Segunda, tent respondet ‘Stsfatoramente 2 prgunta que Claris reses 4 morte, me fer por escrito. 4a ord estéacetando mina pobre companbad esponda agora sim?” ann a Olga Borelli CLARICE LISPECTOR Eshoco para um Possivel Retrato Tested crt’ ne Vane Di SRA NOTA FRONT FICHACATALOGRARCA rite Tans Nansen Ao Leitor Exte € um depoimento onde procurei tornar cxplicta certas caracterisicas pessoais que no di 2em respelto a uma biografia, mas 2 particularida des que constituem 0 que se poderia chamar de ‘rajetoria eapiritual! de Clarice Lispector. £ uma visto sintéica do que seriam as linhas marcantes de sua vida, apreendidas através de episédios por vezes insignificantes, mas que se constituem em fonte de informacio para aqueles que desejam conhecer um pouco mais da sua personalidade. Para ese trabalho contribuiram os fragmentos inéditos de Clarice, como também a numerosa ‘correspondéncia que manteve com as irmis Elisa Lispector e Tania Kauffman, ‘A Diva Pesioa de Souza, que colaborou na revisdo dos textos, © meu agradecimenco. Olga Borelli Sumario Por fora por dentro, 9 4 Pedro ¢ Paulo Gurgel Valente, filhos de Clarice, Frente ao ato de escrever, 69 ‘meus amigas. i © catidiano, 89 ‘Algumas cartas, 107 sts bem, este bom: eu coda vou te contar uma histéria como naquela vex que voc? me oust € fadormeceu tranqiilo: Sim? “Assim: era urn dia eu ‘Nasci de um choque entre ndo e sim. O que so hoje sao milhdes de anos-luz. Eu, que j@ fui incan: descente.* Bla possufa a dignidade do silencio. Seu porte akivo era todo contido e movia-se pouco. Quando 0 fasia, era como se estiveste procurando uma direcdo Bear, eneZo, encaminbava-se diretamente, sem esvios, a0 seu objetivo. ‘Para quem pensa, & tdo engracado ter também um corpo, Tudo me toca — vejo demais, wo ddemais. tudo exige demais de min. © cabelo era louro-dourado, muito fino € se dos0, as orelhas pequenas. Os olhos tinham o brilho ‘pace dos misticos. Pareciam perscrutar todos os mis Cesios da vida: profundos, serenos, fixavam-se. nas pessoas como se fossem os othos da conscitncia, € Finguem of agientava por muito tempo, tal a sua u Por Fora e Por Dentro intensidade, O olho esquerdo tinha uma expressio de inquietante expectativa Os labios, de rebordos bem definidos, eram perfeitos e em harmonia com 0 contorno do roste, de magas ligeiramente salietes. O nariz, quase imper ‘eptvel na serenidade meditativa do conjunto. Mas ppossufa narinas que se dilatavam nos raros momen: tos de ‘colera sagrada’, como costumava definir suas zangas. ‘A vor soava grave e profunda, Quando irvitada, emergia 1ascaute, cut estranha auroridade, dotada de algo que infundia respeito. Tinha um pequeno defeito de diego: arrastava nos erres por causa da ingua presa, Que esforco eu faco para ser eu mesma. Lute contra uma maré de mim, A mao csquerda era um milagre de elegincia Muito mével, evolucionava no ar ou contornava of ‘objetos com prazer. No trabalho, fil e decidida, parecia procurar suprir as deficiéncias da outra, ‘ura, com gestos mal controlador, de dedos queima dos, retorcidos, com profuudas civatrives, Um ala, adormeceu funando; acordou no meio das chamas ¢ fentou apagar 0 fogo com as mios. Queimou-se sravemente. Softeu muito durante longo tempo, Cumprimentava &s vezes com a mao esquerda ‘Talvez por pudor, receosa de constranger as pessoas, dirigiase a elas com economia de gestos. Alguns de seus manuscrtos eram quaseilegiveis. Assinava com bastante dificuldade, mas utilzava ambas as mios para datilografar Nao quero a complacéncia da desordem. E se sou liquida como 6 liquide 0 énforme, antes 12 sou gotas de meretrio do termBmetro quebrado — Uquido metal que se fax circulo cheio de sie igual a si mesmo no centro e na superficie, prata que tomba endo derrama, liquide: sem wmidade. Era profundamente feminina, exigia e se exigia boas manciras. Bem cuidada no vesir, vaidesa, mas sem sofisticacdo. A meu modo feminine, também fui moleque de Nunca safa sem estar maquilada ¢ trajada as vezes com algum requinte: turbante, xale, varios colares e grandes brincos. O branco, 0 preto € 0 vvermelho eram uma constante em sew guarda-roupa, © batom geralmente era de tom rubro forte: 0 #fmel negro, colocado com sutileza, aumentava a obi ‘iidade e fazia resaltar 0 verde maritimo dos olhos, Indiscutivelmente era mulher interessante, de tragos rnobres¢, tavez, inatingivel. Sonkava também que era carregade em triunfo elu mnuliday — sumente por elt ser ele mesma, * Quanto 2 afetividade, acreditava que, quando lum homem ¢ uma mulher se encontram nam amor verdadciro, a unio € sempre renovada, pouco im- portando brigas ¢ desentendimentos, dua pessoas munca so permanentemente ‘euaite 0 pode criar, no mesmo far, novo! amo: 125. Fui amada por alguns e conheco a patxia, Os deiejos ¢ as paixdes morrem quando sdo satisfetos A vontade & imortal. Eu, que entendo 0 corpo. E suas crusis exigancias. Sempre conheci 0 corpo: es 13 curidao com stbitas estrelas. Mergulha-se no escuro we traz-ie uma mancheia excorrente de espethos ti ‘quidas. Faco grande esforeo pare nao ter 0 pior dos Jentimentos: 0 de que nada vale nada. E até 0 prazer @ desimportante. Portanto, me ocupo das coisas. Prazer no fundo €0 de se cogar. ‘Ambicionava viver numa Yoragem de felicida de, como se forse sonho. Teimosa, acreditava, po- rm, na vida de todos of dias. Quero pintar uma tela branca. Como se fas? E coisa mais dificil do mundo. A nudes. O mimero rere, Como atingi-ls? Sb chegando, suponho, a0 tiieleo timo da pessoa Estou tentando abrir um tinel na rocka bruta Eusei, si que € penoso. Mas qual 6a busca que ‘em si mesma ndo traga sua pena? ‘Se uma pessoa se pergunar durante meia hora «a paiaora ‘eu essa besson se esquece quem é, Outras podem enlouguecer. E mais seguro ndo fazer jamats perguntas — porque nunca se atinge 0 dmago de luma resbosta. E porque a resposia tra: em si outra pergunta 0 que é que eu sou? Defini‘la € dificil. Contra a noclo de mito, de intelectual, coloco aqui a minha visio dela: era uma ddona-de-casa que excrevia romances e coms. ois atributos imediatamente visiveis: intege dade ¢ intensidade, Uma intensidade que fluia dela fe pata cla reflufa, Procurava ansiosamente, la, onde fo ser se relaciona com 0 absoluto, © seu centro de fora — ¢ essa convergéncia a consumia e faria softer. Sempre tentou de alguma mancira solidai arse © comareender 0 sofrimento do outro, coisa “4 ‘que acontecia na medida da necessidade de quem a reeebia, O problema social a angustiava Sabia 6 quanto dotam as coisas e 0 quanto custava a solidao. ‘So muitos os ‘mistérios! que aos olhos de alguns fa transformaram em mito, Simplesmente, porém, fem Clarice nfo aparecia qualquer mistério. Ela des Cobria intuitivamente 0 mistério da vida © do ser hpumano; em compensaglo, era capaz de dissimular fo seu proprio mistrin = Bu ndo tenho enredo, Sou inopinadamente frag mentéria, Sou aos poucos. Minha historia & viver, ‘Sempre viet com o meu individual perigo. O india dual de cada pessoa nao significa a massa. ‘Quando a conheci, tava perplexa com a mul tidao de coisas que exigem explicacio ¢ exiberm sua mmensagem sem deixarem qualquer indicio do seu significado. Continuow assim até morrer Eu me uso como forma dé conhecimento, ‘Minka vida comeca pelo meio como eu sempre comego pelo meio, af vai 9 meio, Depois 0 princtoro aparecerd ou nao, E mes de outubro. © ano esté com um sol em ocaso. [No que precede o acontecimento — 16 que eu uve. Espero viver sempre as vésperas. Endo no dia © presente 96 existe quando ele 6 lembranca ¢ 56 existe quando vai ser. “Estived beira de compreender o tempo, eu senti ‘que sim. Mas logo em seguida ao leve vslumbre, tive fima expécie de medo de penetrar sem nenhuma Tégica na matéria que me pareceu de sabito sagrada: (Nao esquecer: hoje € agora, Ressoam os tambo- 6 res anunciando o sem-comeco e o sem-fim. Abrem-se as cortinas. Eu sinto que a realidade & tridimensio ral. Por qué? Nao consigo explicar. O que sinto é no sem-tempo ¢ no sem-espaco. O tempo no futuro jd asso. E fascinante lembrar-se. De repente 0 passado ¢ uma coisa que ainda vai acontecer, 6 que j se prevé tudo 0 que oni acontecer. Lembrar-se: as dus horas da manka desei do avido para escala em Manaus ¢ depois de novo subir, Na base aérea estonguei atont (a: 0 que respirava 1d ndo era normal, por Deus, devia ser algum éleo gosmento. Eu nio conseguia respirar e atravessando meu peito ume bruta mao Forcava a encostar 0 estimago nas minhas costs, Era 0 sétimo elemento: o calor que se interpunha entre mim ¢ a Ggua salvadora, Bu 36 set viver as coisas quarida 6 as vies. Nao set uve, 36 sei lem: brar-me Nao faser nada é uma grande ocupacao. E como estar no cosmos. O tédio prolonga o tempo, ‘Som falar que no tédio se tem tempo de purarhente titer e apenas viver. O tempo € sentido das horas € dda vida, Para senti-lo,& preciso se purificar no nada Ou nao ¢ tedio? Talvez sea a vazia meditacao que ‘parece com a prece sem palavras nem sequer apenas ‘mentalizada. E 0 silencio. Ha um siléncio interior ‘que leva ao éxtase Ido puro que prescinde de divin: dades. Eu comheco 0 seguinte: estar plena do nada iso & resultado de uma longa ¢ penosa aprendi zagem. Agora, enfim, eu ndo adoro, Eu sou 0 que & ¢ itso nia pede adoragao. Nada comeou ¢ nada terminard. Inclusive nao ‘existe a palavra ‘sempre’ pos ela se refere a tempo" e ‘Yempo's6 existe em nds referindo-se a wma coisa se trangformar em outra. (A esa transformacto cha " ‘amos tempo.) Mas 0 tempo em si ndo & 0 tempo Fp indefintvel. Ex me coloco bem depressa no fempo, antes de morrer. A vida € muito répida, (quando se v2 se chegou ao fim. E ainda or cima Somos obrigados a amar a Deus Sua slide foi conseqéncia da liberdade maior a que sempre spirou Fasia 0 gue queria quan ain canine era un ser fechado, amarewrado. eer slgon Deva, dedarasies, quando 3 Sone aiopemeets,e we debxava forografar. Quan se eaitgn, momrava-se ateniosa, ¢ invaiavl Shonte convidava ak pesoas ara a sisitarem “Achava-se preuicsa impaciente. Irie sia Mas isla com 0+ fils, com os amigos € om os bichos. Somadas as alegiias © a5 wisteras, sce © innucsson amore: e desumores, of ave a conhece areca de pert saber que foi uma mulher rar Jew plenamente, Ino nio a impedia de mui See WENT Ger que era trsvel ter nascido, iso CseFevogavelmente araida, em oer quendo, 2 or poder eorrente de energia — a vida — que wre Beg gue aranta conigo. Tinka medo do fx sere con esempre novo, para qual se xenta paige, come também da ameaca constante que op obre ado 0 que € vio. Tinha, em resum0, rae do denconhecido « de morte. A preocupacs0 Taino desconhecido habitow sua. vida © & tema fecorrente em ua obra. = Bu ndo sei resumir minka filsofia de vida em palacras 18 Vida 6 0 desejo de continuar vivendo « viva aquela coisa que vai morrer. A vida serve € para se ‘morrer dela extrema felicidade se parece tanto com a infelicidade, Ambas sd0 to draméticas. Ambas sa0 a vida. ‘Minha saleacio esté no segredo. E tudo 0 que ‘eu falo€ para dizer nada. No meu niicleo secreto eu respiro. E minha respiragdo € 56 0 que eu tenho. Calo-me, Porque nao sei qual & 0 meu segredo. Contame 0 teu, ensine-me sobre 0 secreto de cada um de nés. Nao 6 segredo difamante. £ apenas esse sito: segredo, Endo tem formulas Viver, afinal de contas, & entre dot nadas: antes do nascimento e depois a morte. Por que vivo? £ porque vivo. Por que wives? porque vives. Isso explica tudo? Nao, porque o tudo 6 tudo por ser tudo. Bx nto sabia e ainda ndo sei viver. 0 que me atormenta & que tudo é ‘por enquan- 4to', nada 6 ‘sempre Bra 0 meu sonho ter wirias vidas. Numa eu seria s6 mae, em outra vida eu sb escreveria, em outra ew s6 amava. Acho que a gente lute tanto para produsir uma obra de arte s6 para sobreviver. Por que serd que a aente luta tanto fara poder produzir uma obra de arte? = Acho que & para sobreviver. Bu procuro alcangar alguma coisa que ndo sei o que é Algumas pessoas acham que a procura dura 0 tempo de uma vida. O ser humano nunca descobrira 0 mistéri, ‘ 9 Voltar aris, desdizer 0 que vii As wezes 0 que nos salva a alma sto os ucias [No mundo me sinto tonta como se tvesse girado ‘muitas vezes em torno de mim e catsse em v0rtice no Chao. E por causa do seguinte: que se imagine um (qrosio diciondrio com o significado de todas as pala ras, mas que esta: nao estivessem postas em ordem ‘alfabética, e de repente no x se encontrasie um m ou fim ae para acher @ palavra ‘ardente’ sO por acaso Tudo esta ula bem sei. Mas como procurtr # arkar? Encontva-se apenas 0 que se acha © ndo 0 que se procura, Agora estou comparando minha vida com ‘se diciondrio caleidosc6pico: s6 acho nela sentidos fe 0 acaso me der. Sei que hd em mim e em tomo de ‘mim signficados. Mas como aché-los? Como pro- ‘curd-los? Quero saber meu sindnimo e nem mesmo palaura que teria 0 meu sindnimo eu ndo posso procurar Eavida ¢ curta demais para ex ler todo 0 frome dicionéria a fim de por acaso descobrir @ palavra salvador. e ‘Me justificar mais do que a vida? No mundo das coisas, quando sei que elas wo acabar, comeso @ Jl. Tenho medo de estar viva 0 mundo inteiro teme a propria vida. A morte 4a coisa que néo & nossa. Mas vida, a vida é, © eu morro de medo de respirar. Que impaciéncia com @ propria vida. Tenko (que ter pacifncia para salvar @ vida ‘AUéa coisa morta tem um instante em que ela reverhera 0s raios da wida, Eu soube que uma for Iniga € capas de carregar um volume com vezes Inaior do que 0 seu proprio peso. E eu que ndo fagtento a alma de meu proprio peso. 2 Quase todas as vidas sd0-Pequenas. O que alar a uma vida € a vida interior, 50 05 pensamentas io as sensa¢des, slo as esperancas intteis. A espe ranca vale na hora mesma em que & esperanca, uase prescindindo de sa realizado. Esperanca é como o girassol que @ toa se vira em direcdo ao sol ‘Mas nao € @ toa: virar-se para o sol é um ato de realizacdo de fé. O que alarga a vida de uma pessoa to 08 sonhos impossives. Os desejos irrealizdveis. E Mo to fortes esas esperancas e desejos que @ pessoa cai e quando ve esté de now virada para o sol Inatingivel. Porque a flor tem perfume nio € para quem, e para nada: é wm dar-se de graca Como a esperanca. A esperanca visa a propria esperanca. A tsperanga é um acontecimento em si Nao mato porque nto quero perder minka vida. Mas também porque quero me banhar na retida vontade de matar. Retida, sim, © or iso ‘mesmo mais volenta — sou obrigada a ter como sb meu 0 gosto supremo de querer matar ¢ o gosto de iver sob a extrema tensio de arco-eflecha rete tados. E que ndo disparam. Mas disparam para dentro, E entdo — extase — Voct acha que a vida € boa? E bom ser. Mas s6 iso Sempre conservou © mesmo temperamento me itativo € concentrada, Nao era de fazer “pose. Calada, dizia que de fato "s5 entendia e s6 podia ser entendida telepaticamente.” Eu tenho medo de ser quem eu sou. at Ha um silencio total dentro de mim. Assusto: me. Como explicar que esse silencio £ aquele que chamo de o Desconhecido. Tenho medo Dele. Nao porque pudesse Ele infantilmente me castigar (cast far € coisa de homens). E um medo que vem do que me ultrapassa. E que é eu também. Porque é grande {2 minha grandera Fra sensivel © de uma aaressividade timida + Passei a minha vida tentando corvigir 0s erros que cometi na minka ansia de acertar. Ao tentar Corrgir um erre, eu cometia outro, Sou uma culpa: dda inacente Maternal para com os outros. Consigo mesma, rude, exigente, mergulhada numa espécie de auto Aanalise perpétua, em que se investigava severamente ‘como se duvidasse ora di prépria identidade ora da ‘existéncia real do mundo qué a cercava Era imprevisivel © intuitiva, ite € sentia com: evetamente mais do que pensavaabstratamente Contadlo, pensar, para ela, era sem esforco. Dificil tera abter o silencio, Ansiava colocar-se no vazio onde tudo acontece, sobretudo a percepcao da plenitude. Tnsone com muita freqdéncia, indmeras madrugadas tclefonava para 0s amigos, com quem se confessava angustiada e tensa. Quando néo consigo dormir, dow a notte por encerrada, esquento caffe tomo. Bu extou sempre incompleta 28 Lembro de seu pudor com relacio a publicida de facil ¢ 8 mitficagao. Escranhava o fato de ter se tornado famora, de ser conhecida por muitos. Fem eral, megava-se a discutir 0 conteido de suas obras. Como posso subit, sendo aceitando antes a mi tha miséria humana? A popularidade sempre a afetou muito. Dess asradava-the a bajulagio. Afligiase corn tudo que a fexpusesse. Sempre que isso acontecia em exces0, cvitava cuidadosamente encontrar qualquer pessoa ¢ ficava sem escrever por longo tempo. Infelizmente nao pude ir a Sto Paulo por motivo inesperado de forca maior. Mas eco a alguém que leia alto 0 mew depormento sobre meus livros. E que prefiro ndo falar sobre minka obra porque nio sow uma entendida dela. Quando escrevem sobre ela coisas muito bonitas, leio tudo com interese € res peito, mas fico espantada com a relation importan ia que me dao. Excrevo simplesmente. Como quem vive. Por itso todas as veer que fui tontada a deixar de escre ‘wr, ndo consegui. Nao tenko vocardo fare 0 suict dio. Um jomalisa me perguntou: Por que & que ocd escreve? Enido eu the perguntel: Por que voct bebe dgua? A honestidade & muitas vexes uma dor. Este ano exté havendo muito movimento em torno de mim, Deus sabe por qué, pois eu ndo sei 4 1) 4 Coléquio Letras! me pediu um conto; 2) a revista literdria argentina Crisis, considerada talve: @ melhor da América Latina, me pediu uma entree ta; 3) Manchete me entrevistou; 4) um jomnal de Sao Paulo me entrevistou; 5) Bogota? me convidou; 6) extudantes da Faculdade de Comunicagto de Sao Paulo esto rodando um filme sem cardter comercial baseado num romance meu, Uma Aprendizagem: 7) @ TY Globo programou para janeiro que vem um ‘special’ edaptado de um conto meu; wma revista me comvidon para eu fazer uma seccao critica de lioros (nao aceite’ porque ndo sou critica, e porque ‘queria ectar a “badalacao’ de meu nome ficar regu: larmente em foco); 8) fui convideda a ir a cidade ppaulista de Martlia para um debate com universita ios; 9) muita gente desconhecida me telefona, ainda ‘mais do que antes, para conversar e as vezes se confesser; 10) vou ser convidada pelo professor ¢ critica Affonso Romano de Sant’Anna para conver: sar com 05 alunos da PUC sobre minka experiéncia ‘em relacdo d criagdo; 11) fui representante brasileira num liora de contos de varios escritores da América Latina; acho que deviam entrevistar os escritores rows, hd muito bons e que em muito a diser; 12) Jlio Corsézar me mandou um recado ditendo que zostaria de me conhecer; 13) satram vdrias traducdes de livros meus (mas ganko pouco); 14) Marilia Pera, no seu show individual diz frases minhas tiradas de Agua Viva; 13) duas revistas brasileiras publicaram contas meus, sem falar que no fim do ano passado Benedito Nunes escreveu um loro me snterpretando. 2% Isso me deiea um pouco perplexa. Serd que estou na moda? E por que as pesioas se queixam de hndo me entender e agora parecem me entender? Uma das coisas que me deixam infeliz é essa historia de monstro sagrado: os outros me temem @ toa, ¢ a gente termina se temendo a si propria. A verdade é que algumas pessoas eriaram um mito em torma de mim, 0 que me atrapatha muito: afasta as pessoas ¢ eu fico sozinha. Mas voce sabe que sou de trate vextta simples, mesma que a alm sj cot plex. O sucesso quase me faz mal: encarei o sucesso como wma inuasdo, Mesmo 0 sucesio quando fe: ‘tueno, como 0 que tenho as vezes, me perturba 0 ouvido éaterno. Assim, sempre se recusou a ser ‘importante’, Eo sucesso jamais a transtornou, Se eu fasse famosa; teria minka vida particular Invadia, © ndo poderia mais escrever. O autor que ‘enka medo da popularidade, se ndo seré derrotado pelo triunfo, ‘Nunca conviveu com os erftcos. Nao agradecia os elogis, a fim de deixi-los livres para falar mal, se quisessem, de seus livros. Também, por nenhum meio, nunca se defendeu quando a atacavam. ‘Se, porém, alguém dizia, pensando Ihe agradar, ‘voce nio precisa mais escrever, voce ja fax parte da literatura brasileira", encolerizava-se ‘Mas que inferno, € ew Id desejo entrar em alguma literatura do mundo? O futuro j& 6 paszado, do me interessa mais. Ou estdo pensando que eu escrevo para criar alguma notoriedade? 2% Havia nela falta de orgulho. Nao se considerava inceligente, apenas sensivel, Ditiase ignorante de ‘mais para ser intelectual. Nio era literata, Nao vivia rng meio de livros, tampouco de flores e aves, como pessoas que no a conheciam ousaram dizer. Ficava agradavelmente expantada quando a consideravam fengracada e Ihe revelavam que ‘morriam’ de rir com certas coisas que ela dizia. E contava: Ja me disserum que v que me salen é wna boa sorgathada Mesmo quando alegre, em festas, por exemplo, havia sempre por parte dela e a despeito dela, um certo afastamento. Quem a observasse entio, teria a ‘impressio de alguém em intensa conversa consigo Humorimo & uma das coisas mais sérias do mundo, E ew que imagine fazer misica de brinca deira. Mostrava iso ficil quando provocada. Mas a ppiada tinha de ser inteligente © bem concada. A ironia, delicada, extremamente sutil, eransparecia tanto em seus textos, quanto em conversas infor: Minha energia ¢ alegre Tomo cuidado para ndo dar curto-circuito, Abominava a rotina e os afazeres domésticos ‘causavamn he tédi. Tem que haver sinos na minha vida! Multidao de sino: reboando marauthas no co do er, assim: hhadalin! badalade! a ses sentimentos, no entanto, deixavam-na de samparada, sem um ponto de referéneia em relacio fos outros, O nao cumprir os rituaisestabelecidos a ingwietava, Embora desempenhasse as fungdes de dona-de: casa admiravelmente — havia uma organizagio me- tadica nos seus afazeres, que se repetiam na mesma seaiiéncia durante sete dias consecutivos —, fatiga vate © impacientava-se por ter de exerct-los. Mas hhunca se negou 2 enfrenti-los. As vezes, porém, cafa, fm tao profundo abatimento que se refugiava num hotel a fim de quebrar a rotina Parecia entZo cri ralzes em plena bruma, uma bbruma nascida das coisas que tinka dentro de si. Eu entro no sono como numa iniciacao. Como que sua sensacdo era a de estar terrivel mente acordada, E pensou em plnica: irei ficar ‘acordada para o resto de minka vidat! Porque tinha «@ impressdo de que nunca — nunca mats ria dor Fu durmo logo, logo que me deito sb por medo dda insdnia. Sd considero meu sono enquanto durmo. Enigmética, severa, secreta, dura como wma guerra santa — entrei no sono para sonkar com a verdadeira wide, Que & um mistério de wide, uma lor. Umma flor que nada espera de nada, Nao espe ‘ar nada também @ um modo de viver. Assim, antes fe air na pétala do sono, revi mentalmente as cadeiras empoleiradas umas nas outras. Fora wm dia fgual aos outros, ‘Acordowse ¢ era dia. Mil veres nesse dit se sentivia frastrada, Varias vezes sentria algum bem: estar, pelo menos uma ver se sentiria para sempre berdida, Indmeras vezes entraria em labirintos sem 28 saber como sair — enfim, era mais um dia como outro qualquer E de madrugada. Estou pela frente com um dia inteiramente vazio. Mas estou pronta para me acon: tecer. Um dia vazio de fatos me dé oportunidade de parecer para mim mesmo. Ah, j@ sei vow ligar 0 radio € me ousir os outros tocando miisica. E iso ‘mesmo: misica & 10 importante para mim que, quando @ ouco, & como se cu fosse o intérprete Tenho através doz outros uma vor belissima. E nao ‘existe ninguém que me toque melhor a flauta-doce. Seu dia passava-se mais ou menos assim: acor dava entie trés e cinco da manh3. Levantava-s, colocava um tobe de chambre bem usado (quanto ‘mais velho mais confortéve), ia 2 copa, onde sempre hhavia uma garrafa térmica com café. Tomava uma Micara acompanhada de biscoitos e queijo, acendia tum cigarto, passava para a sala, onde se recostava hho sold, com Ulises, seu co de estimaclo, a seus pés. Tio denso era o silencio nessa hora que 0 fstalido de uma fagulha de cigarto fazia © animal retesar as orelhas atentamente. la levara setenta etrés anos de idade para que, num domingo, precisamente as quatro ¢ trinta ¢ Cinco da tarde, apoiasie 0 queixo no punho cerrado fda mao e afinal como se falasse alto 0 sex pensa mento dizesse 0 seguinte EA vida isto mesmo. E.s6-um grande filofo a teria compreendido, Ese mais the perguntassem sobre 0 que fasia, responderia: Pensar. Ha tanto tempo benso que até jd perdi o prazer de pensar. 29 Depois, a madrugada ia tomando a sala mais clara, a5 cosas se deixando ver mais nitidamente. Na semi-obscuridade as casas brancas adorme cidas, Eew, lampada acesa, avigiar. Eas casas sem ‘acordam, dormentes. Enguia-se entdo, como em sobressalto, levava fa mio a0 coracio — gesto seu habitual — pen. fava um poury, consuleeva a agenda, © entrava hum verdadeiro frenesi: roupas, meias,sapatos. bo: sa, maquilagem. Quero saber se pode uma pessoa determiner aim: hoje vai ser um dia importante na minha ida. E concentrar-se tanto que 0 sol viria de su flma e as galfsias rodopiariam lentas ¢ mudas. Nao ¢ jogo de palacras ¢ sim a verdade: 0 estado de estar olerta costuma me hipnotizar e dur smo de olhos abertos. Quando saia, voleava exausta: sentava'se, acen dia um cigarro e revia tudo o que tinha feito, feria contas, acrescentava novas atividades em sua agen: ‘da, Uma coisa, porém, nunca anotou: escrever Quase tudo nao é verdade ~ ¢ apenas hipstese de trabatho. (Os rituais eram as minhas muletas de alejada, ‘Mas eis que resolv jogar para longe de mim, © 50 pperderam no espaco infinito de Deus, as muletas Morri de medo de cair e nunca mais poder me levantar. Como viver sem os rtuats da vida? Sem 05 habitos? Entao, de dentro de meu medo, surgiu-me uma mulher de pé sobre as duas pernas, © esta 30 mulher era eu — eu sosinha. E foi sozinha que dei os primeiros pasios, Trémula de medo diante de minha ousadia ¢ solidao, Entdo resolui criar em mim a nudez. E uma certa luz de verdade nasceu em mim. Nao sei dizer qual era a verdade. Era apenas luz de vido, apenas, mais para mim mesma suportdvel "Mas senti que a minha espécie uai ser extinta, O que eu quero endo sei bem o que é ~ ndo é encontrdvel no mundo excessioamente sonora e pul lante Contrastes: apesar de ineapaz de um ato de violencia, 96 assistia a filmes fortes. Os de crime exerciam atracio muito grande sobre ela. Dizia que fostava tanto de cinema que se pudesseiria todos os dias, Apreciava o romance policial, Principalmente fos de Georges Simenon. Eu infelizmente ndo sow’ grande leitora, Nao tenko paciéncia de ler fiecao. Quando em 1976 secebeu © prémio pelo conjun tw de obras da Fundagio Caleural do Distrito Fede ral. ficou contentissima, Nao o esperava, Mas, em fequida, fer questio de declarar: achava injusto ganhar tanto dinkeiro (na época, 70 mil cruzei fos) quando milhaes de criangas passavam fome. ‘Ao ser questionada por que no fazia uma doacdo a essas criangas, respondeu que nio a fazia porque sabia que os adultos ficariam com o di ‘hero, ‘Mas quem sou eu, mew Dews, para mudar as 31 Na sala de seu apartamento sombria e nada cextraordindria— havia algo que sobressalava a pele, algo que continha uma intimidade envolvente € familiar Havia um othar do ambiente da sala para mim. Sentia esse olhar como conforto mibterioso, Ali, a gente procurava sentar nas beiradas das cadeiras e surpreendia-se a evitar 0 toque das jarras fe flores € a beber com caucela urn cope diayua. Nas paredes, muitos quadros, inclusive seus retratos, fei: tat por De Chirico, Ismailovitch, Carlos Scliar, fotos ‘em varias idades, mostrando sempre a mesma fisio rnomia, os mesmos tragos. Este € wm castelo de pedra macica. Mas sua ‘aura é um nimbo de alvarada lua lev. Como a janela dava para os fundos de outros apartamentos, no via ninguém ¢ sentia-se ‘egal ‘mente’ desconhecida. Era um refigio, Agradeco a Deus ter wits cuss, urn quarto, wie cama, eu, Noto que do lado (casa, refigio contra 0 ‘mundo) fui afunilando minha protecdo até atingir 0 brtice: eu. ‘Eu’ € 0 mew altima refigio. El, nele, inclu sive, que encontro a imagem dos outros. Também porque, destroceda, reduzi-me a.um eu, S6 eu é que ime recebo. Acendia um incenso, uma vela, colocava um disco na viola: em geral Bach, Beethoven, Stra vinski ou Debussy. Sentava-se, acomodava a méqui- ra no colo e datilografava diligentemente uma tr 32 Augie ow prosseguia um conto interrompido. dias antes, Nesses momentos a criaglo era febril, nada ‘nem inguém quebrava 0 eneantamento. Nunca ‘acilava numa frase, a “inspiracZo’ vinha num fmpe- to avassalador © as folhas em branco cram preencl das com softeguidio; parecia que, com o movimento as maos, tentava aleancar a vertiginesa rapider do Minka acio & a das palacras. As veresinterrompia tudo ¢ ficava horas mergu: hada em meditaco. Por outro lado, também sentia necessidade de uma disciplina exterior, que The faci Titasze 0 eumprimento da rotina inevitavel (© presente se justificava porque havia um futu ro, Seminre a eterna pergunta: ¢ agora? e depois? Ficava horas embevecida no que iria fazer no dia seguinte. Era com euforia que falava em via teens, almogos, compras de aniversirio e Natal. Sem: pre se iluminava quando falava no futuro, Perspectiens Nav pensar pessimisticamente no futuro 2. Sé atravessar a ponte quando chegar a hora 4, Paulatinamente fazer 0 loro sem pressa 4. Apaixonarsse pei liv. 3. Aprofundar as frases; renovd-las 6. O autor fala, em vez de ‘Deus, outra es 7. $6 Angela’ fala em Deus. 4 Nao deivar personne me dando des ordras. 33 9. Ser trangiila consigo mesma. 10. Nao achar que uma situacdo € irremedi wel 11. Em todas as frases wm climax, Cada um vive atordoadamente a propria vida Ese a ese alguémt fosse perguntado em que porto da vida estaxa, responderia numa mitura de sen- sacdo de tapa-na-cara e descaso ¢ desaforo ¢ impa- ‘iéncia: "O qué? minha vida? E eu i sei?” ~Sentia extrema necessidade de disciplinar as atividades do dia-a-dia, Talver isso possa ser visto ‘como a contrapaztida do outro lado de sua vida: 0 vazio em que te instalava, na busca de um sentido ‘que justificasse e explicaste 0s minimos gestos, que transfigurasse a banalidade dos acontecimentos miG- dos de que sua existencia cotidiana era feita. E asim que se pode falar de uma certa di menstio mifstica presente em alguns textos seus, Sem qualquer vinculacao religiosa explicita, dava a im pressio de sempre se achar em estado de questiona- Imento; Deus, morte, matéria, espirito, eram objeto de interrogagdes, de perplexidades, aque nem max ‘conversas ela deixava de expressar. Em suas ‘desc: bercas’ — sempre anotadas — procurava nunca dis: sociar os extremos: bem e mal, amore édio, divino e Giabdlico. Tinka horror ao maniquelsmo: preferia sofrer no amago de perguntas sem resposta a impor tum dogma que anulasse seu contrario. E impossivel cheyar a uma definicao de suas crengas religiosas, pois as tinha, O que fica, é 0 nitido tragado de seu itinerdrio espiritual, cujo me- Thor testemunho é o seu Texto, Fic 0 que era mais urgente: uma prece. 4 Ew s6 rezo porque palavtas me sustentan. Eu si rexo porque @ palavra me marauilha Quem ress, resa para # prépria chamando-se de outro nome. A chama da vela. O fogo me faz rezar. Tenko secreta adoracdo paga de flama wer Inetha @ amarela. A vida seria mouportivel sem 0 sonho. E que as veres néo se tem mesmo mais nada e 46 restam as brandos e profundos sonkos que mais barecem uma prece. A realizacdo esté no réprio ato de apenas sonhar. E preciso ter muita coragem para tr ao fundo fla vida. Porque no fundo da vida made acontece ao hhomem, ele s6 contempla. Nem sequer pense no que ‘contempla. Quando eu fico sem nenhuna palavra no Pensamento e sem imagem viual interna — eu cchamo iso de meditar, 0 silencio & tal que nem 0 ‘pensamento pensa ‘Um moda de cair em @xtaze. Se eu leo isso trés eres em seguida cato em axiase Deve-se ler contacto com 0 Desconhecido sem uma palavra, nem sequer palavra apenas. mental, ‘assim como um mudo fala’ com a intensidade do olhar. = Questionando-a certa ver sobre o ‘quieter acre: dicar’,argumencei: para cada caréncia deve exisir 0 que a satsfaca. Se existem 0s pés, existe o caminhar; se existe a forme, existe o alimento; e existe um sexo, existe a relacdo com 0 outro sexo. Endo se nega Agua a quem tem sede. Para 0 ouvido existe o som, para os olhos existe 0 que ver. Mas se existe 0 vazio, ‘0 que é que Ihe responde? Aeé para a necessidade doentia existe 0 vicio. Mas 0 que preenche 9 vazio? O sem-nada? Serd resposta lutar ¢ buscar? Buscar 0 ‘qué como? A arte € a busca de uma realidade sonhada Cada vida tem sua arte. Entdo quer dizer que é no buscar que se repleta ¢ vazio, Mas existe uma ilysto sempre renowda: quando @ busca encontra, nasce outro wazio Penso € sei que-sou ao encontro do que existe dentro de mim, vowa esse encontro nua e descalca ¢ ‘com mos vazias, a merce de mim mesma. SO eu, ‘que encarno Deus, posso me plenificar. Plenificar na pobresa de espiritn 'S6.a necessidade que eu tenho me justifica, Que seria de mim se eu nao precisasse? Que seria de meu corpo se nao houvesse 0 auiso da fome? Que seria de mim se nao houvese o futuro? Que seria de mim se ‘eu ndo precisase de Deus? ‘56-0 falta me justifica uma Busca jamais atin: sida, Mas enquanto iso, hoje & hoje. ‘Minha nacessidade me informa. Senti de repente uma soliddo altssima ‘Aquela em que se quer inventar Deus € ndo se consague. 'S6 me enganando que existe Deus 6 que consigo ver, Sendo Jose a fé inexplicdvel pelo Desconke: ido, o desespero me destruiria. Eu finjo que existe ‘Deus’ para agiientar o inexplicdvel através do inex blicdvel. Estou desarmada, frdgil, abandonada ~ ¢ ha esperanga. Esperanga em qui? No encadeamento ‘Orednico de wm absurdo se encatxar em outro absur- do, este preso por um elo forte a mais outro absurdo faté chegar ao Absurdo: um Deus. Mas nao existir tum Deus sera inventar a hipétese absurda de sua Inexistencia. E tudo # causado por oura causa, A primeira — como é que apareceu? (De repente, eu vi que ndo estava lore. Engra dada ¢ condicionads Entan com veeméncia die 36 me: eu no creio em Deus e néo creio nos homens Senti que os grilhdes que me prendiam estavam soltos enfim e toda alegre eu estaua sé ¢ nua. Era uma solidéo glorioea e de vitéria era uma nuder de ‘alsima libertacéo. "Foi enldo que penset em Deus. E aceitei-0. Mas como mulher lire, A nudes, porém, néo desapare- eu, eu ndo quis mais acumular sobre minha pele ‘inica-vestimenta nenhuma pressdo. Mew drama é que sou livre Taleer $6 se passa ucreditas completamente no ‘que ndo se pode ver. Dentro de mim hd 0 irreco: nhectoel ‘Quero saber o que acontece quando néo acon: tece nada, Qual & 0 oposto de acontecer? Sei que nao @ indo-acontecer’. Acho que vem o inditvel 0 pai, Pai de Todos, dizia que o ditado “cada lum por sie Deus para todos" estava errado. Que era ‘asim: "Cada um por sie Deus for ninguém". Pots hhavia galéxias infinitamente para esse Deus cwidar. ‘A idéia de Deus fascinava-a, portanto. Sentia-O como forca avassaladora que trazia consigo © bem mas tambein deseapero ¢ terror. Cristo, na perfeigo de sua palavra, assustav ‘Quando, um dia, the perguntei — 0 que & Deus? — respondeu por escrito: ~ Deus significa o alcance do si:mesmo para o sem matéria. Deus significa 0 encontro de si-mesmo com 2 proprio mistério de si. Mas o estado de ascese bode iver sem Deus: -é quando mais perto me acho do Deus renegado. "Deus significa 0 apuramento do sonko, significa a capacidade de uma pessoa de se livrar do peso do Simesmo. Minha abstrarao de mim € Deus Que 37 Deus s6 compreenstel se a gente descobrir que Ele ‘ensa em termos de milénios em matéria de tempo ow ‘mesmo do infinito. Quanto a pessoas, Ele talver +6 ‘ela 0 nosto protétipo endo cada um de nés que ¢ uma repeticao do prototipo, Tale: ndo caibe a Ele nos procurar. Cabe a cada um de nds sorver dele uma misericérdia que [Nele € impessoal e matemética. Nos temos o poder de transformar exee mizericSrdia em alma nossa. Ele criow o tipo e nos largou com ele ‘Deus’ € 0 que 0 diciondrio nao explica, Deus dificulta demais 0 nosso amor por Ele. Como pedo‘. lose tudo nos 6 tirado? Um Deus que me far triste — devo amar esse Deus que talvex ndo pase de um ‘deus: Isto é: nada. Tenho que amar o Nada. E dificil esse didlogo de surdos. Como te amar, Deus, se fizeste de mim sum simples ‘to’ Também nao sou nada Tu é com letra: maidscula NADA. A Tua dor deve ser grande demais e Tua solidao — bem, Tua tolidao eu ndo fnvejo. Mas pelo que sinto de solidao final, imagine a Tua. Tua vida na terra dew evra do, Simplermente ndo funcionou. Que fazer entéo? Serd que Deus também reza? & 0 que pede ble? (ue eco eu? Peco a palavra. A palavra dita, A tinica alacra por que se espera. Eu, condenada a vive. ‘Eu chamo Deus porque ndo sei 0 que chamar nem como chamar. Deus néo & 0 principio @ nao é 0 fim. £ sempre 0 meio. Deus ndo pense, age direta ‘mente, Deus & uma forma de ser? E a abstracio que se materializa na natureza do que exite? Pensar é um ato Sentir é wm fato Os dois juntos ~ sow eu que escrevo 0 que estou escrevendo. Deus é 0 mundo. 39 O natural & 0 maior mistério que exist, Nada é mais soltdrio que fazer wm ché para si mesma, Hoje preparo de leve um cha para min, 0 chd termina sendo agasalho, Eu o bebo ¢ ele me é. Sendo-me ele, entdo ndo estou mais t20 56 Havia épocas em que, resolvida a sair da so lidio, decidia comunicar-se com mundo exterior. Repintava as paredes de branco, colocava folhagens pela sala toda, mandava polir os poucos objetos de rata, o lustre, mudava 2 disponezo dos quadros. Fazia lista de convidados. Retirava do aparador of cristais e os pratos de porcelana que 6 eram usados. em ocasides especiais, colocava a melhor toalha de linho e encsmendava o mais famoso vatapé do Rio (munca teve boa cozinheira). Acendia a hasté do defumador de jasmin, colocava gelo no balde, a sgarrafa de ulsque, a batida de limao, e se corcurava 2 espera dos convidados. Eu sou wma atriz para mim mesma. Eu finio que sou uma determinada pessoa mas na realidade ‘ito sou nada. Dizia nao ter estilo de vida, um modo de ser social como os outros. Mas no descuidava da hospi talidade. Servia ot convidados, sorria, ouvia, part: cipava da conversa, Quando, porém, a reuni3o che- ava a0 auge © 05 convidados se sentiam mais & von: tade, retirava'se diseretamente pata o quarto. Ali, olhave pela pequena janela lateral uma ermida branca emergindo do verde exuberante na encosta eum morro. Era a paz. E ansiava fears Me canso quando de noite vejo a sala cheia de homens e mulheres. Gosto de poucos atores em cena 40 Eu sou uma pessoa que se esgueira da grande ci: dade ‘Eu Sou extremamente realista. Mas acontece 0 seguinte: eu ‘adivinho' a realidade mais do que eu a ajo, E este meu relacionamento de adivinkacao com a realidade — & magico E 0 pensamento? Como é que de um corpo s6lido nasce a mais volétil das substincias que & 0 livre pensamento? Portanto, pensar’ é um ato contt rnuo de magia 4 realidade me parece uma slwao de otica Aliés eu no vivo a realidade, eu sonho com ela, E feu a zonko # ela & imbalpavel. Criei em mim uma realidade, De vez em quando mudo de realidade, Porque sdo tantas a excolher, Entre uma realidade ¢ outra — eu sonko uma terceira. A cobra é mais irreal que meu sonko. Como explicar que eu vejo ¢ nto acredito? Eu ndo veo a verdade: ew a fantasio. Sempre que sala A rua, ficava affita, Se nao conseguia taxi, andava dois ou tres quarteirdes, pelo meio da rua, a procura de um. Nao conseguia fgitentar fila de espera em bancos, cinemas, a furava sem ceriménia — ¢ sua ousadia rara mente ocasionava protestos, De volta & casa, apés haver feito © que progra- mara, venia 0 velho robe de chambre, calcava os chinelos, recostava-se confortavelmente no grande sofa de couro preto da sala, suspirava, em parle por ‘cansago, em parte de satisac2o. Nesses momentos rmostrava-se tranghila, em paz consigo € com o mun: do, Diria 56 & bom sair pela ategria de voltar. 4 Era muito convidada para recepodes, As vezes sofisticadas, o que contrariava seus habitos frugais. Em ocasides assim, no bebia nada aleo6lico, comia pouco. Em geral, nio se demorava muito, levanta: + Vase serenamente €, dizendo-se cansada, pois que sempre acardava as quatro da manhd, retirava'se. A vida social a entediava. Havia, porém, perfodos de grande dinamismo: punha-se a fazer ginastica, exercitavase numa bic: Cleta ergométrica, passava cremes no rosto, perfu mava-se muita, Tomava suco de laranja, de melae fou de morango, dispensando os refrigerantes. Eves perodos vinham acompanhados do desejo de viajar. Examinava entio cuidadosamente suas financas, com a esperanca de que houvesse folga para um passeio & Europa. Ligava para agéncias de turismo, marcava en- revista, idealizava roteiros e devaneava dias © dias sobre os ligares que visicaria: contemplava paisagenis, Suvia o zumbido dos insetos nas tardes ensolaradas {do verdo da Italia; ou ficava em éxtase, vendo a neve aire transformar com tons violiceos © que antes tremulava no amarelo-ouro do outono europeu. Via clevar-se a fumaca das chaminds ¢ ouvia « cluva cai ‘pesaddamente nos telhados ¢ roar nas pedras da rua. Caminhava delicadamente pelos floridos jardins de Rosegarten, na Suiga, a caminho do museu com obras de Paul Klee, ‘Tudo era tio real que, de repente, nada restava para ser visto ou vivido: tobrevinha-Ihe uma ineluté- vel preguiga ante a perspectiva de por seus sonhos em pritica. Exausta, cancelava a viagem. ‘Nos iltimos oito anos de vida, foi duas veres 4 Europa. Na primeira, permaneceu um més, em visita a quatro pafses; na segunda, ficou apenas uma semana em Paris: quis voltar Ho logo chegou. 2 ‘A Gltima viagem de sua vida levou-a a Recife: 0 ‘objetivo era'o reencontro com suas raizes © suas ‘esperancas. Percorteu af os lugares que viram 0 {niciar de sua inquietaeao, de sua ansia de liberdade ¢ 0 desabrochar dot primeiros textos. Sentada na Praga Maciel Pinheiro, no bairro da Boa Vista, olhando 6 pequeno sobrado onde morara em erian. fa, ouviu maravilhada o velho prego do vendedor Smbulante de frutas: “O minina voce qué pitom- bar” Sempre se indignou diante do fato de que hsvia quem relativizasse sua condigad de brasileira: nas era na Rissa, € certo, mas aqui chegara aos dois meses de idade. Queria-se brasileira sob todos os aspectos. Sobretudo o litersrio. Suponho que & muito tarde agora para eu nos: cer chinesa. Alids, examinados 0s dados ¢ compo nentes, foi impesstoel eu ter nascido chinesa Viveu no Recife até 0s doze anos Na inféncia eu tive um cotidiano magico, ‘Apesar da tristeza que‘via em casa, ocasionada pela pobreza e pela doenca éa mae, foi menina des preocupada. Eu era muito alegre e excondia de mim a dor de ‘ver minha mae assim. Voc8 sabe que 36 relembrando dde wma vez, com toda a violencia, € que a gente termina o que a inftncia ofrida nos deu? Suas reminisctncias nfo tinham enredo, ba seavam-sé em percepg@es momentineas, ¢ asurniam, imagens corretas. 8 Psicologicamente arece-me que fui muilo com dicionada. Mas sou livre: minka liberdade é escre: ter, Foi escolha ao que parec. Minha liberdade? Minka brépria liberdade nto lire: core sobre trilhas inviveis. Nem a loucura & livre. Mas também é verdade que ltberdade sem uma diretiva seria wna borboleta voando no ar. Mas no Sonko dos acordados hd uma ligeireza inconseqiente de riacho borbulhando ¢ correndo. O estado de ser 4 improvisaedo como modo de viver. Mesmo as hharvativas discursivas tem em si uma Uberdade, se nao de quebra do condicionamento, mas de impro: tiiagdo do destino. Como é que se pode aprisionar lum instante de belesa? E nem se pode aprisionar a harmonia. Tudo que é mais valioso ndo passa de um momenta répido — ¢ logo, extinto — de tibertacdo. (0 que fara forca do romancista é exatamente aquilo que eie inventa em plena liberdade, sem nenhum modelo, Extou cega pelo deseo de liberdade Ser livre ~ lire de mim mesma, esse mim que foi trucidado pelo excessa secante de idsias ‘Quando quero ficar livre, fico sozinka, ¢ nua e sobretudo sem relogio. Conheceu ¢ viveu dalorosamente a angéstis da liberdade, Nao saber o que fazer de si mesma foi coisa constante em sua vida. A absorcio ripida dos fatos € 0 mergulho imediato na meditacio fetiam-na sentir se marginalizada, © provocavam-lhe profundo sentimento de culpa diante dos que se afainavam nas atividades comuns do cotidiano. Meu drama: & que sou lieve. “4 Sua primeira experiéncia profissional se dew ‘como reporter, Trabalhou na Agencia Nacional ¢ no Jornal d Noite, onde era a nica muller. AS faria de Mido, exceto as ocorréncias policiais © a nota social No Didrio da Tarde redigiu uma pagina femioina fesinada por uma atriz de prestigio na época ‘Quace sempre teve de recorrer as traducbes para complementar © orcamento mensal. E volta-e-meia se envolvia com jornalismo. Seu itimo trabalho Como tal so as reportagens-entrevistas com person Fades de destanue, feitas para 0 semansrio Fatos ¢ Fotos, do Rio de Janeiro Extou habituade a uma vida dificil: ¢ a vida fiicit me desnorteia ‘Ao serem publicados seus livros em outros pat ses, weeebia um pequeno adiantamento, mas nunca fais ouvia falar em direitos autorais. Sequer the Prestavam contas,.Mesmo no Brasil, algumas edices foram ao mercado sem o seu conhecimento ¢ conse quem pagamento de direitos, — além dos contos theluidos em antologias, ou emi obras didéticas, ow epredaaidos em aportilas, tudo sem the render 0 ‘Minhas obras estdo em lioros de universidades, de escolas primérias, por causa dos livros infantis, ‘as tudo 30 corre sem a minha autorizagao ¢ sem ‘qualquer pagament0, Nao sei quem edita, ¢s6 sei da TRtencia diso por acaso, Foi 0 que aconteceu com tim determinado editor, que Publicou um conto mew numa antologia que chegou 2 oitava edicdo, sem ‘ninhe qutorizagao ¢ sem me pagar nada. Anda por Tima, desse conto foi tivada a parte final, 0 que ‘mutilagdo 6 Bu quis um dia fazer voto de pobreza. Mas estawa enrasceda em tal emaranhado social que wi ‘que ndo poderia, E com vergonha constatei que 0 ‘que também queria era viver bem. Encrevia, portanto, para viver, € no para so- breviver, Escrever era a sua vida. Ha homens cujo ponto fraco é serem ricos. Eles nado resstiram a tentacdo, Em 1944, aos 17 anos, terminou Perto do Co: ragio Seloagem, seu primeiro romance. Procuroa ntdo 0 ertico Alvaro Lins perguntou-lhe se valia a pena publicélo, O etico pediu-the que telefonasse tima semana depois. Findo o prazo dissethe que m0 tentendera 0 livto recomendou-The que conversasse com outro critica, Orto Maria Carpeaux. Ela, po fem, no falou com ninguém. Dirigivse a uma editora importante: o original foi recusado. Publi fouco assim meno; fer um arranjo com 4 Nowe nfo custeou nada ¢ também no ganhou nada ‘A rigor, contudo, seus textos, ap6s a primeira experignela, nunca encontraram dificuldade para Serem publicados, O grande problema estava ligado A questio dos direitos autorais. Ela no conseguia foeimo organizarse e “administrar’ a trajt6ria co ‘mercial de seus livros, besa contrat endo de aa perdendo. Dinia, quase ingenuamente, que a ignorancia do proprio eseritor quanto a0s seus direitos era a srande vantage dos editores, E admirava Erico 6 Vertssimo € Jorge Amado, que, gostava de repe- tin, conseguiam viver de seus direitos, Considera- Yacse, no entanto, insultada, quando alguém, ou: Vindo-a reclamar, perguntava-lhe por que entio Sensualidade que € 0 ter muito dinheiro Burgosto dos humildet. Muitos dizem que brefe: rema vida humilde, Humildade € facil bara quem Tem tudo. dificil € manterse pobre de alma ‘tuwneda no 20 tem nada. Quando ndo se tem nada, sie coniegue a pas, a humildade € substantioa, Na Siqueze de vide, 0 humildade & um adjetivo brihan- tee bonito ‘Mas bendito seja 0 que tudo abandona em prot de pelo menos um fac-simile de pas. A humildade de (quem tem tudo é abandonar tudo. £ preciso ter tudo para poder abandonar tudo. ‘Eu quero preservar minha humildade. E quero (que ao ser humilde ex ndo tenha a-xaidade de ser. mile Um dia decidiu: “De hoje no passa”, Foi a escrivaninha, que 6 2 abria com uma chave ve ela fuardava amarrada num lenco. Abriv-a, Dentro Fasturavam se a escritura do apartamento, cartas in Timas, contratos, recibos,etulos, e uma infinidade de ‘panels, manuscritos © algum dinheiro, Colada no fando do tampo de madeira, uma foto de Gre: ta Carbo, Varias esséncias de jasmim, rosa e violeta {um pedacinho de ambar, Junto a.um leque quebra fo, algumas correntes de oaro © © anel de formatura fem direto, com urn rubi, Fesummiam toda a sua for fama. Ketirou 0 contrato auroral, conferiu os da dow, telefonou varias vees at€ conseguir marcar uma o ‘envrevsta com a pessoa responsive pela editora em GRestio, Tomou um téxi e trinta minutos depois Miva na sala de espera — 0 editor fora almoyar Som umm grupo de estrangeiros. Ao ser atendida uss horas depots, ficou perplexa: tinka a receber {40 cruseiros. Era o pagamento de seus direitos futorais de todo um semestre, Na rua, antes de fomar 0 tixi de volta, dew-os a um mendigo que passava, Bla ficou téo desamparada, Como sempre acon tecia quando ela € cothida por qualquer emogao que sempre a pegava desprevenida. Por mais que tais coisas a amargurassem, ela ro entanto, no se permitia desacreditar e afastar {las pessoas, Nunca deixou de estar consciente ave’ A literatura me trowse muitos amigos sinceros, gente preciosa que se aprozimou de mim ¢ me dew 9 calor de uma amizade completa Acredito nas pessoas. Esse toque de crenca uma coisa intima que me guia. Eu tinka que ficar realmente em guarda, por aque minha tendéncia é gostar das bessoas. E até dos Ireus tnimigns, qué ndo considera inimigs. [Nao quero mais uma vida particular pots quan do exfico muito sozinha, eu néo existo, Eu s0 exist no didlogo. a Por mais que, as vezes, parecesse inabordavel jamais perdeu a delicadeza no trato com 0 outro, ‘Tinka horror a ser contundente Eu digo ‘ew’ porque ndo ouso dizer ‘tu’ « ferir teu sagrado € protetor anonimato. Mas ex sou 0 atu [As vets mantinhase em siléncio por longo empo, Sua concentracio era tanta que se tinha a Impremo de que seus persamentos iam se transfor mar em coisas visiveis, palpiveis, com lugar deter tminado no tempo e no espago. De repente, porém, dizia Extou com muita vontade de comer eamarito ce sala em diteco a um restaurante proximo & sua Toda pessoa se sente diferente. Por que nfo se unem mentabmente ligados pela’ diferenca fazendo ida diferenga a diferenga comum? Seré talvez porque famem « uieiem @ comum? Raramente — repita — falava sobre literatura Claro, nao conversava da mesma forma que exctevia Quando discorria sobre suas preocupacdes funda iments, ndo mudava de tom, nem procurava outro Nocabulirio, Falava da vida e da morte com a Treama vor com que informava sobre suas cores pre feidas. 0 tinico modo de se saber que existe vida depois da morte, € 0 de acreditar nisso ainda em vida. Ew 9 $$ Sacer er queria marver awe 6 oar 6 der — $6 DT ri guna da wide que €@ morte cc to cones srs cu saber. EX poe eiaeerara hae sane area quer erate me torr pare oreo do we i gr, que se etende do mere, Me os aise edo, &ver quanto &necsrd ores age em granuic escala. Por isio nao se cole aa com manos. Os minutos para Ele ae tt tinge o neil aac de mil ne can it E mds ~ nos temas ua Deane ni dete que ecende « sopage. Temas ae cham de week contend que nbs soma Mal nes emerald Grande Temo Qu Nio Acai Me mart + depos mance mas pide con a abet ia:& por io que a mort f cr eye. Tales 0 men. destino sting aja oboe. Com sua ureza «solid, 0.2008 Com grace an liar de porate eae pon mda ou pela que no 30%, 0 cdo aber ienamente eas portas, QUE NO Fm atria gravado nso nore, Cada fey tanto tom evporta com seu name arawndo ¢ & 26 sea tem me esa pasion perdida pode enter #3 char "5 meu normal’ eté aquém de mi Ose de mim endo poss war mai: Fu alr at as os ‘bons sentimentos: N67 ser area, Quer enter eT TTA COT 0 ser rai dome vencerd mas peo Tos ee Tact ease decente: morrere co tna eotencta. E02 pesoas sO distatdan no sem que ob tm ume. id 50 Nao existe a tragédia. Ela estd implicita. Somos todos conhecidas. A coita se passa entre um sorriso € Me dei de repente conta de que eu ndo presto suns tencho em mn «nos fates meus. Pr io € a erties tigda elo que teria Joo O8 ti ee se menka. ate cafe da mana eu 0 tomo re riearse leet’ & muito. mencs sft. as ay nan notar manual «detahadamente 0 ae eee cua instante sendo ou fezendo, rebelde Ov Setanta, pereo @. agulsao de vide, Se eu me esr seria um embalo e wna cineso mor eine petendo matar ox dias Ou endo: aio me we tar tem nada provocat mas prestando une tee Moe tuda, vowel om dobro, Dear se Le ee: um dia o pesioa acorda e se of toda vee iante dante da morte Os sino da morte sche que wou morrer me di uma dimensto dimiada: jn sere tridensional radon cde evo det x no chore 8 rade Tilote pore final eu sou apenas eu. Mas Choro a tua morte sat dose me vio como 0 som da trombeia que dn soar na hora da morte. O toque de sib i igi aos atros esis. dw agave nto @ nossa. froiiede porte tntve abotoore bot ¢desabototlopodese pore rem, soca, socore. Bu quero dizenos moe: de segundos. Assn nd MOT? we dots aao quatro én vrdade natural au é ons prernenito? Dots ¢ das si quatro” # une a cde anes aberas da move Na ROE 0% 51

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