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A Estrada Imperial São Paulo - Itu, 1998

Nilson Cardoso de Carvalho

Celso Lago Paiva

Fotos de Antonio da Cunha Penna

Sumário

Procurando vestígios da antiga estrada que ligava Itu a São


Paulo, pela margem esquerda do rio Tietê, os autores não só
encontraram mas ficaram surpresos ao constatar que o
aspecto e as condições atuais são praticamente os mesmos
existentes há pelo menos um século atrás.

Histórico

Conhecida dos habitantes de São Paulo desde o século 16, a


trilha indígena que demandava o oeste, seguindo direção
paralela ao rio Anhembí, era chamada de "caminho geral do
sertão" e no início do século 18 esse caminho já tinha um
traçado definido, sendo utilizado nas expedições ao porto de
embarque de Araritaguaba para Cuiabá.

Mais tarde, no final do século, serviu para o escoamento da


produção açucareira da região. No século 19, o "caminho
geral" era conhecido como "estrada imperial" e em meados do
século constituía a rota preferida pelos tropeiros que
transportavam o café, produzido na região de Campinas, para
Santos; apesar da existência de outra estrada que ligava
Campinas a Santos, através de Jundiaí e cidade de São
Paulo.

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A excursão

A excursão exploratória foi feita em duas etapas: a primeira


em 4 de agosto de 1998; e a segunda em 18 de agosto do
mesmo ano.

Primeira etapa: símos de carro de Indaiatuba cerca de oito


horas da manhã e ao chegarmos a Itu atravessamos a cidade,
pela antiga rua da Palma, em direção à saída para Sorocaba
até o ponto em que provavelmente havia uma bifurcação na
atual rua João Ramalho; seguimos então à esquerda pela rua
Bartira, que vai dar na avenida Francisco Ernesto Fávero, a
qual descemos até se bifurcar; seguimos à direita numa
descida íngreme: é a rua vereador Isaias Prieto, de onde já se
avista o rio Pirapitinguí. Atravessando a ponte e seguindo
reto já estavamos na Estrada Imperial, que consta no mapa
de Itu como Itu-030, estrada da Fazenda Pau d’ Alho.

Logo no início do percurso Celso, que é engenheiro agrônomo


e um especialista em botânica, já avistou uma região de
cerrado; e cerca de um quilômetro e meio pra frente, paramos
para que ele identificasse e fotografasse várias plantas típicas
de cerrado; e, com o livro "Viagem à província de São Paulo"
de Auguste de Saint-Hilaire na mão, constatava que lá
estavam todas as espécies anotadas pelo famoso botânico,

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naquele mesmo lugar em 1819, quando por ai passou
dirigindo-se à vila de Itu.

Clitória, planta de cerrado.

Continuando a excursão, enquanto eu dirigia, Celso ia


anotando a quilometragem, os nomes das placas que
identificavam os sítios e fazendas, assim como as espécies
vegetais e outras informações de interesse para um possível
futuro trabalho de divulgação. Passamos pelas fazendas
Nossa Senhora das Graças, São José, Tambatajá e sítios
Fortaleza, Colina, Santa Rita, Primavera, Picão, fazendas Dois
Córregos, Cangiquinha e Paulista, sítio Santa Fé, bifurcação
para a Faz. Barreiro, sítio Acatuaba, Faz. Cuiabá e, a 18,8
km, ou 2,85 léguas do ponto inicial zero - a matriz de Itu -
paramos em frente à famosa sede da fazenda Pau d’ Alho,
mencionada por Saint-Hilaire como tendo "um engenho de

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açúcar de razoáveis proporções localizado a cerca de uma
légua de Potribu."

Sede da fazenda Pau d’ Alho.

A sede da Pau d’ Alho está localizada numa elevação a meia


encosta com a frente voltada para o Tietê, que nesse local
descreve uma bela curva semi-encachoeirada, emoldurada ao
fundo por uma floresta nativa, junto ao pé da serra de
Guaxatuba. A casa, restaurada por Luiz Saia, é um exemplar
típico da arquitetura de tradição bandeirista, e tem sido
estudada pelo meu companheiro de excursão Celso Lago
Paiva, que se dedica profissionalmente à restauração de
edificações de interesse histórico-cultural.

Após a Pau d’ Alho, continuando, passamos pelo sítio São


José, pela Faz. Anhembí e, num local ao lado de um braço do
rio Tietê, Celso colheu sementes de um pé de Canafístula,
para presentear um colega. Passamos pela Faz. Anhembí e
neste ponto ao invés de seguir paralela ao rio Tietê, como está
no mapa, a estrada deflete à direita. É que, conforme ficamos

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sabendo em seguida, caiu uma ponte sobre um ribeirão
(Apotribu?), cortando a passagem, em virtude do que a
estrada até Parnaíba se encontra desativada. Celso anotou 28
quilômetros ou 4,24 léguas quando chegamos ao Apotribu,

Morro do Guaxatuba

bairro muito antigo que significa, segundo Theodoro


Sampaio, "a fonte das flores".

Dai pra frente procuramos caminhos que nos levaram à


rodovia Castelo Branco, à margem da qual almoçamos, num
antigo rancho de pouso de tropeiros e em seguida rumamos
para São Roque, pois nosso objetivo era visitar o sítio e capela
de Santo Antonio, localizados naquele município.
Atravessamos a cidade de São Roque e seguimos morro acima
na direção da "Mata da Câmara", por uma estrada de terra,
que nos conduziu ao sítio de Santo Antonio.

O sítio está ligado à figura de Mário de Andrade, que,


entusiasmado com essa relíquia, comprou-o e doou-o ao
IPHAN que, proprietário zeloso, cuida bem da capela -
atualmente em restauro, do casarão - recuperado por Luiz
Saia, e do entorno; um extenso gramado limitado por
pequena represa, junto à uma mata nativa. A profusão de
verde destaca as edificações brancas, compondo uma
harmoniosa e repousante paisagem.

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Capela de Santo Antonio, construída em 1681

Em A casa bandeirista, Luiz Saia informa que a capela


primitiva estava inserida no corpo da residência e o forro em
gamela ainda foi encontrado em ruína. A capela atual, com
pilares e torre de pedra, as paredes de taipa e de pau-a-
pique, foi construída em 1681.

Capela de Santo Antonio - detalhe da


pintura no teto da sacristia

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Depois de examinar o interior dela, o retábulo dourado, os
painéis de madeira entalhada com figuras típicas da arte
guarani, os desenhos barrocos do teto da sacristia e enfim,
odo o conjunto que exprime graça e simplicidade, ficamos nos
perguntando quem teria escolhido este lugar e edificado a
moradia e a capela ?

A resposta não foi difícil, pois pela copiosa documentação


existente ficamos sabendo que o proprietário foi Fernão Paes
de Barros, filho do capitão-mor governador da capitania de
São Vicente, Pedro Vaz de Barros e de sua mulher Luzia
Leme. Nascido em São Paulo em 1623, Fernão Paes de Barros
foi intrépido sertanista e potentado administrador de índios,
conhecido na época, por sua grande fortuna e pelos auxílios
pecuniários que prestava à coroa portuguesa, a pedido do rei,
concorrendo com bens de sua fazenda para a fundação da
Colônia do Sacramento em 1679 e para a expedição de D.
Rodrigo de Castel Blanco em busca de Sabarabaçú, em 1680,
entre outros empreendimentos, e

nisto se empregava Fernão Paes de Barros, em cuja casa


e fazenda do sitio de Araçariguama fundou a capela de
Santo Antonio, ornando o altar da capela-mor da igreja de
excelente talha, toda dourada, cuja administração e
padroado se conserva ainda hoje [1762] na família de
João Martins Claro, que foi seu genro.

Sua mulher legítima foi Maria de Mendonça com quem não


teve filhos, porém em solteiro teve com uma mulata de
Pernambuco, a filha Inácia Paes, sua herdeira única, que foi
casada primeiro com o primo Braz Leme de Barros, herdeiro
também da grande fortuna do pai, Pedro Vaz de Barros, e em
segundas núpcias com o português João Martins Claro.

Terminada a visita ao Sítio Santo Antonio percorremos


algumas ruas da cidade de São Roque e regressamos pela
Castelo Branco, passando por Itu.

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Segunda etapa

A excursão exploratória de 18 de agosto contou com mais um


integrante: o fotógrafo Antonio da Cunha Penna, pessoa
ligada às atividades culturais em Indaiatuba.

Fizemos o mesmo percurso até sairmos na rodovia Castelo


Branco, parando para fotografias e coletas de espécimes,
feitas pelo Celso. Na Castelo seguimos a indicação que nos
conduziu à Araçariguama, localizada à esquerda de quem vai
para São Paulo. É um pequeno povoado com poucos vestígios
de sua antiga origem. Fotografei a igreja matriz.

Vejo nos livros de etimologia tupi-guarani que araçariguama

Igreja matriz de Araçariguama

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significa "o comedouro dos tucanos", de: açari = tucano +
guama = comedouro .

Azevedo Marques informa que em 1874 a então freguesia foi


elevada a vila e em 1876 tinha 1624 almas, e, pelo que
pudemos observar, esse número de habitantes não deve ser
muito diferente dos existentes hoje. Segundo o mesmo autor,

deve sua origem à influência dos notáveis paulistas


capitão-mor Guilherme Pompeu de Almeida, seu filho o
Padre Dr. Guilherme Pompeu de Almeida e Francisco
Rodrigues Penteado, que ai edificaram a capela depois
matriz da paróquia desanexada de Parnaíba com a
invocação de Senhora da Penha.

O Pe. Dr. Guilherme Pompeu de Almeida, filho de pai


homônimo, foi sacerdote, Dr. em teologia, com o título de
bispo missionário pela santa Sé.

Foi homem de muita liberalidade e grandes cabedais, que


recebeu por herança paterna e soube aumentar por atividade
própria nas minas de ouro, em que teve sempre grande
número de escravos e administradores interessados. Fundou
a capela de Nossa Senhora da Conceição de Araçariguama, e
a ela fez grandes doações por escritura de 18 de maio de
1677, confirmadas e aumentadas em seu testamento a 30 de
janeiro de 1710, testamento este em que constituiu
administrador dos bens da capela, o colégio da Companhia de
Jesus de São Paulo .

Subimos o Morro do Vuturuna pela estradinha que aparece na foto.


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Deixamos Araçariguama por uma estrada de terra onde a
paisagem é dominada pelo morro de Vuturuna, célebre pela
descoberta de ouro em suas cercanias, no início do século 17.
A estrada, num ponto de seu trecho inicial, oferece uma visão
panorâmica, que não deixamos de fotografar, e depois de uma
descida íngreme e de atravessar um ribeirão ao pé do
Vuturuna, começamos a subida deste, contornando-o até
Pirapora do Bom Jesus. Celso nos informa que já passou
uma semana no interior da mata adjacente a esse morro,
executando um projeto de levantamento das espécies de aves
remanescentes.

Deixamos Pirapora à direita e, por uma estrada asfaltada


chegamos à Santana do Parnaíba. Parnaíba significa,
segundo Silveira Bueno, paraná = grande rio + aiba = ruim,
ou seja rio imprestável à navegação . De fato, perto mesmo da
matriz de Santana, em local que deu origem ao povoado
passa o Tietê, que nesse local era tão encachoeirado que se
construiu, no início do século atual uma usina hidrelétrica,
cuja represa tinha um desnível de 25 m de altura.

Santana do Parnaíba foi elevada à vila em 1625

O centro antigo de Santana está situado à meia encosta de


um morro, e para quem estando olhando para a fachada da

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matriz, terá à sua esquerda o rio Tietê, que se alcança pelas
três ruas antigas, paralelas. O traçado e a situação em que
está implantado este centro lembra os de povoados
portugueses. O casario remanescente conta com inúmeros
exemplares interessantes, causando entretanto certa pena
não terem sido restaurados e sim, a maioria, reformados sem
orientação. Ao lado da matriz junto a alguns casarões está a
casa do Anhanguera que abriga um museu.

Depois de almoçarmos em um restaurante atrás do museu,


regressamos, e passando por Pirapora e Cabreuva, chegamos
à Indaiatuba ao anoitecer.

Termina aqui o relato das duas primeiras etapas das


excursões exploratórias; não estando ainda determinadas as
datas das etapas posteriores, que, com certeza, se realizarão.

Notas

(1) NEME, Mário. Dois antigos caminhos de sertanistas de São Paulo, in:
Anais do Museu Paulista, tomo XXIII. - São Paulo: 1969, pág. 76 e 82

(2) O Capitão Francisco de Paula Almeida Prado, residente em


Indaiatuba, inspetor da estrada de Itu a Campinas, enviou ao Dr. João
Jacinto de Mendonça, presidente da Província de São Paulo ofício
datado de 5-12-1861, em que diz:

Esta estrada oje he m.to importante, e daquella q. o Governo deve


olhar com m.ta atenção p.r não só he a via de comunicação entre
Sorocaba [e] as Provincias consumidoras de bestas, o q. ja lhe dá
um grande trafego, como tão bem grande senão o maior parte do
cafe de Campinas, e Limeira p.r ella passa, p.r q. os tropeiros de S.
Roque, Cutia, e Arassariguama, e outros Municipios preferem
passar ou transitar pella estrada de Itu a S. Paulo p.r ser m.to
melhor do q. a de Campinas a mesma Cidade. Por todas estas
razóins he oje esta estrada importantissima.

Ofícios Diversos de Indaiatuba, 1829-1891, caixa 254, ordem 1049,


pasta 1; S. Manuscritos T.I.R; DAESP.

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(3) SAIA, Luiz. A casa bandeirista ( uma interpretação). São Paulo,
Comissão do IV centenário da Cidade de São Paulo, 1955, páginas 21 e
23.

(4) Seu irmão e vizinho Pedro Vaz de Barros, o Pero Guassú, foi o
fundador da capela, hoje cidade de São Roque, senhor de mais de mil e
duzentos índios e índias, cuja opulência é descrita por Pedro Taques
nestes termos:

Foi sua fazenda uma povoação tal, que bem podia ser vila, e ainda
hoje [1762] as casas, que foram da sua residencia, servem de
padrão que lhe acusam a maior magnificiencia, como obra daquele
tempo. Teve muito grande tratamento correspondente aos grossos
cabedais que possuia, entre cujos moveis teve uma copa de prata
de muitas arrobas. A sua casa era diariamente frequentada de
grande concurso de hospedes, parentes, amigos e estranhos, que
todos concorriam gostosos a fazer-lhe uma obsequiosa assistencia.
Todos eram agazalhados com grandeza daquela mesa, na qual,
com muita profusão, havia pão e vinho da propria lavoura, e as
iguarias eram vitelas, carneiros e porcos, alem das caças terrestres
e volateis, das quaes os seus caçadores atualmente conduziam
com fartura, e por isso de tudo havia com abundancia, e com tanta
prevenção que a qualquer hora da tarde que chegavam novos
hospedes estava a mesa pronta, como se para este fora
conservada.

LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana Histórica


e Genealógica. - Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980,
tomo III, páginas 205, 206.

(5) SAMPAIO, Theodoro. O tupi na geografia nacional, 4. ed. - Câmara


Municipal de Salvador, Salvador: 1955, pág. 173 e BUENO, Francisco
da Silveira. Vocabulário tupi-guarani / português; 5 ed. - Brasilivros: São
Paulo, 1987, pág. 517.

(6) MARQUES, Manoel Eufrásio de Azevedo, 1825-1878. Província de


São Paulo,. - Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980, tomo
I, páginas 87, 314, 315.

(7) NEME, Mário, op. cit. pág. 18

(8) BUENO, Francisco da Silveira, op. cit. pág. 578.

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