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Capitulo 9 O Inicio do Empreendimento Europeu em Aftica Em 1415, os Portugueses conquistaram aos mouros a cidade-fortaleza Ceuta, © pouco tempo depois deram inicio a cerca de sessenta anos de loragdes no litoral africano do oceano Atlantico e do Indico, Estes factos Histoaia pa Arica Europa néo estava ainda suficientemente forte ou unida para proceder a um contra-ataque ao centro do mundo islimico. (E registe-se que Africa tomou parte na derrota militar ¢ politica dos europeus através da mobiliza- g4o dos recursos egipcios pelos Aiuibidas e pelos Mamelucos). No entanto, as Cruzadas proporcionaram novas oportunidades, que as cidades-estado italianas se apressaram a explorar, de os europeus meridionais estabelece- rem relagées comerciais ¢ didlogo cultural com a principal civilizagdo do mundo medieval. A civilizagao islamica tirara mais proveito da heranga intelectual das antigas civilizagdes do que os curopeus tinham sido capazes de fazer. A ocupacdio mugulmana de regides como a Sicilia ¢ a Peninsula Ibérica deram oportunidade aos europeus de redescobrir a filosofia da antiga Grécia ¢ compartilhar dos avancos posteriores da ciéncia ¢ da matematica realiza- dos no mundo islamico. O que teve uma importéncia particular em relacao & expansdo europeia posterior foi o alargamento dos horizontes geogra- ficos resultante dos contactos com os povos mugulmanos, ¢ a aquisi¢ao de tecnologias que iriam permitir aos europeus aventurat-se num mundo mais vasto com confianga ¢ determinagao. O Islao chegou a atingir a leste a China ¢ a sul o Sudao. Com o compasso, o astrolabio, o conhecimento astronémico ¢ a experiéncia dos mugulmanos foi possivel elaborar repre- sentagdes desse vasto mundo que eram mais exactas, concretas e precisas do que os mappae mundi esquematicos da Alta Idade Média. Foram, com efeito, os europeus do Sul, que estavam alids em contacto directo com o mundo islamico, que realizaram as melhores sinteses a partir das quais o avango foi possivel. Aproximadamente no século xiv, os cartégrafos, em grande parte de origem hebraica, instalados primeiro em cidades italianas como Génova, Veneza e Pisa, mas posteriormente concentrados em espe- cial em Maiorca, nas ilhas Baleares, desenharam as cartas chamadas por- tolani, do litoral mediterranico ¢ do mar Negro, que sdo as antecessoras de todas as modernas cartas maritimas. Recorde-se que foi um desses cartdé- grafos, Angeo Dulcert de Maiorca que pela primeira vez localizou o antigo Mali num mapa (1339). Um atlas maiorquino posterior, atribuido a Abraio Cresques, desenhado para Carlos V de Franca a volta de 1375, representa o Sudao ocidental de modo bastante reconhecivel, com as cidades mais importantes de Niani, Tombuctu e Gao em posigées relativas correctas. facto de ter sido a Europa meridional ¢ no os elementos do mundo islémico a capitalizar de forma tao util a habilidade e 0 conhecimento que estavam disponiveis no século xiv pode ser explicado pela passagem da 228 0 Inicio po Evrrrenpimento Europeu 8M ArRica iniciativa comercial e maritima do Mediterraneo para as mos de empre- sdrios ¢ marinheiros italianos que, nessa época, se tinham aventurado pri- meiramente a transportar os cruzados para o Oriente. As suas frotas recu- peraram o controlo do Mediterraneo ¢ as cidades-estado italianas em breve instalaram agentes comerciais residentes nos principais portos do Proximo: Oriente, do Egipto e do Norte de Africa. Desenvolveu-se um comércio flo- rescente pelo qual as exportagGes europeias de madeira, objectos de metal € eseravos eram trocados por produtos de luxo que os mercadores mucul- manos forneciam e que os europeus podiam pagar cada vez melhor — espe- ciarias, perfumes, as sedas e outros tecidos finos, pedras preciosas, aciicar, marfim e ouro. Algumas destas mercadorias provinham do Préximo Oriente ou do Norte de Africa. A maior parte delas era trazida por mercadores do mundo islamico, de mercado em mercado, ao longo das vias comerciais que se prolongavam pelo Sara, ou pelo mar Vermelho ¢ Golfo Pérsico até a india, sudeste asidtico ou costa oriental africana. A quantidade destes produtos dis- ponivel para reexportar para a Europa era exigua, portanto, relativamente pequena, ¢ os seus precos tinham tendéncia para ser elevados. Perante uma crescente procura por parte dos europeus, essa situagao exacerbou-se pelo facto de um grupe especial de italianos, os Venezianos, acabar por se apo- derat da parte de ledo do comércio mais lucrativo realizado com os portos do Mediterraneo oriental, devido 4s suas relagdes tradicionais com Bizan- cio ¢ as relagées estreitas que conseguiram estabelecer com os Mamelu- cos do Egipto. Os seus concorrentes ficaram cada vez mais confinados ao comércio menos lucrativo com o Magrebe, a oeste de Tripoli, ou a activi- dades esporadicas no Mar Negro. Nessas circunstancias, nao surpreende que alguns desses concorrentes, em especial os Genoveses, comegassem a pensar se ndo poderiam obter, de um modo menos dispendioso, melhores fornecimentos das mercadorias procuradas na Europa, evitando os portos mediterranicos e aventurando-se até as fontes de abastecimento para 4 do controle politico dos governantes mugulmanos. Esta ideia tornou-se mais visivel 4 medida que se conheceu melhor 0 mundo que ficava para 14 do Mediterraneo. As viagens dos membros da familia veneziana de Marco Polo (e de outros viajantes) até 4 Asia siio as mais conhecidas exploragdes europeias daquele tempo, nao sé devido ao seu grande alcance, mas também porque os europeus estavam mais inte- ressados na Asia do que na Africa. Além do ouro, Africa nao era conhecida por produzir muitos dos produtos que os europeus desejavam, nem sé sabia 229 Historia pa Arnica que possuia varias civilizajdes com as quais valeria a pena estabelecer relagSes comerciais. No entanto, foram também realizadas em Africa algu- mas viagens de exploracdo que n&o se podem ignorar. A ideia de que existia um rei e um Estado cristo na Etidpia, com os quais podia ser vantajoso estabelecer relacdes, nunca fora totalmente esque- cida na Europa ocidental, embora inicialmente houvesse algumas dividas acerca da situacdo exacta da Etidpia. Com efeito, a concep¢ao geral —sem divida resultante do facto de ser mais acessivel pelo leste — era que a Etid- pia pertencia mais a Asia do quea Africa: 0 seu rei era, portanto, o «Prestes Joao das indias». No entanto, a necessidades de os Etiopes procurarem o Patriarca Copta de Alexandria sempre que queriam um novo chefe para a sua igreja, ¢ o facto de essa Igreja ter também um mosteiro em Jerusalém, significava que o contacto com a Etidpia nunca desaparecera por completo. Depois de restaurada a prosperidade da monarquia centralizada no tempo da dinastia Shoan, no fim do século xm, foi possivel a ambas as partes comegar a pensar no estabelecimento de relagées mais eficazes. Uma mis- sao dominicana foi enviada 4 Ewdépia no século xiv, via Nubia, mas depois disso essa rota foi bloqueada pelo aumento do poder muculmano no vale do Nilo. No entanto, mantiveram-se contactos intermitentes pelo Préximo Oriente ¢ mar Vermelho, através de religiosos europeus e outros viajantes que se dirigiam a Etiépia ¢ de enviados etiopes a Roma e a outros centros importantes do sudoeste da Europa. Quaisquer que tenham sido as vantagens resultantes para 0 conheci- mente geografico europeu sobre o Nordeste africano, ndo deve ter res- tado divida que nao haveria abertura para o comércio asiatico ou afticano pelo Oriente ¢ mar Vermelho aos mercadores europeus rivais, enquanto os Mamelucos e os Venezianos continuassem a ser aliados poderosos ¢ segu- ros. Mas, enquanto Veneza se voltava naturalmente para leste pelo Adria- tico na direc¢ao de Bizancio ¢ do Egipto, os seus principais concorrentes — Génova, Pisa ¢ Florenga — voltavam-se para a zona ocidental da peninsula itdlica, ¢ as suas relacdes naturais orientavam-se mais para as regides do Mediterraneo ocidental, Sul da Franca, ilhas Baleares, Catalunha e Aragio. e Maprebe ocidental, Houve de facto, algumas viagens de curopeus ao ¢ através do Sara, algumas das quais parecem ter tido o caracter deliberado de prospeccao comercial. Nos finais do século xm, um cardeal catalao, Raimundo Lilio, pioneiro no estudo do arébico na Europa, enviou em mis- sto ao norte de Africa um elemento que parece ter conseguido acompa- nhar uma caravana através do Sara. Um agente mercantil genovés, Anténio 230 O Inicio po EmpreenpiMeNto Europeu EM AFRICA ‘Malfante, colheu seguras informacGes sobre o comeéreio transariano em Tuat em 1447, ¢ em 1469-70 parece que o florentino Benedetto Dei conse- gaiu chegar a Tombuctu. Mas, assim como foi impossivel aos europeus reconhecer o comércio sariano e mesmo o do Suddo, também compreenderam rapidamente que ‘gem os regimes do Norte de Africa nem os comerciantes mu¢ulmanos esta~ ‘belecidos no Magrebe eno Sara permitiriam de boa vontade aos europeus ‘competir em matéria do comércio com o Sudao por via terrestre. As cida- des-estado italianas nao possuiam poder militar suficiente que lhes permi- ‘isse romper caminho para 0 comércio transariano contra a resisténcia do Worte de Africa: o poder e a pratica que possuiam eram essencialmente ftimos. Portanto, desde bastante cedo alguns italianos conceberam a ideia de comerciar com a Africa ¢ a Asia por mar. Pouco depois da desco- berta das ilhas Candrias em 1291, uma familia de mercadores genoveses ‘chamada Vivaldi enviou uma expedigao pelo Estreito de Gibraltar com 0 propésito aparentemente definido de circum-navegar a Africa. Com efeito, ‘este empreendimento pode ter tido sucesso, pois existe uma alusdo ao fim expedigo quando um navio naufragou a entrada do mar Vermelho. 2s, seja qual forga o destino que teve a aventura dos Vivaldi, em breve Italianos se aperceberam — tal como os Cartagineses perto de dois mil s antes — que as galés mediterranicas nao eram barcos apropriados para esenvolver e praticar o comércio nos grandes oceanos. Portanto, nos séculos xIV ¢ xv, os comerciantes italianos, que n&o con- suiam competir com os Venezianos no Mediterraneo oriental, viram mbeém ser-lhes bloqueadas as suas ambigdes no Mediterraneo ocidental. tavam-lhes os meios para abrir caminho para o Norte de Africa; nao ssuiam nem barcos nem experiéncia adequados 4 resoluge dos proble- de navegacdo oceanica ¢ do respective comércio. No entanto, esses sis aspectos estavam em evolucao na Peninsula Ibérica. Em meados do lo xi, 0s cristdios ibéricos possuiam j4 mais de quatro séculos de expe- Encia em guerras contra os potentados muculmanos. A sua cruzada pela seconquista da peninsula tivera resultados muito diferentes das famosas s decididamente intteis cruzadas do Oriente. Em primeiro lugar, aquela tivera éxito. Por volta de 1268, os mouros tinham sido expulsos de todos emirades com excepgdo do pequeno emirato de Granada, no extremo ¢. Em segundo lugar, com a reconquista, os reinos peninsulares n desenvolvido nfo s6 um poder militar consideravel, como institui- es fortes dentro do regime mondrquico capazes de concentrar as energias 231 Historia pa Arrica nacionais com 9 objectivo de derrotar e expulsar os mouros. Além disso, os ibéricos que viviam no litoral atlantico criaram tipos de barcos capazes de se adaptarem as grandes yiagens ocednicas. Contrariamente as gale- ras mediterranicas, que eram desenhadas sobretudo para ser movidas por numerosos remadores, ¢ que eram por consequéncia compridas, esguias © baixas, ¢ por isso frigeis, dificeis de manobrar ¢ ficeis de afundar, os barcos ibéricos projectados para velejar eram largos, altos e resistentes e— uma vez adoptada a vela latina, a semelhanga dos muculmanos, ¢ associada a vela redonda tradicional — apropriados a manobras mesmo no alto mar ‘ou nos baixios costeires. No inicio do século xm, as populages ibéricas tinham adquirido bastante experiéncia e pericia na utilizagao de tais barcos na exploragao da pesca abundante nos bancos de areia atlanticos até ao sul de Marrocos. Nessas condi¢des, os Italianos ambiciosos e talvez em particular os Genoveses comegaram a procurar, no ocidente, emprego para o seu capital © para @ sua pericia mercantil, naval e cartografica. Almirantes genoveses foram organizar frotas em Portugal, Castela e Franga; os cartégrafos deslo- Caram-se para Maiorca; ¢ capitdes e comissarios de bordo italianos navega- vam em barcos portugueses, castelhanos e catalies, para explorar as novas oportunidades comerciais, em especial nas Canarias ¢ mais para sul ¢ oeste. Embora fossem homens de Castela e Franca que inicialmente embarcaram para conquistar € colonizar as ilhas Canarias, foi Portugal quem primeiro compreendeu totalmente as possibilidades de combinar o capital ¢ a peri- cia comercial ¢ técnica dos Italianos com a sua experiéncia atlantica num poderoso empreendimento nacional sob a direcedo do monarca. Os portos portugueses, virados a sul e oeste para o vasto oceano, eram bases prontas para iniciar a explorag4io das possibilidades do comércio maritimo com Africa. E certo que Portugal nao possuia os recursos de Castela, que também tinha uma frente costeira atlantica — embora mais pequena — ¢ estava ainda mais proxima de Africa. Mas até 1492, quando finalmente foi conquistada Granada e 0 reino de Castela se uniu ao outro importante Estado ibérico, Aragio, os reis de Castela tiveram alguma difi- culdade em conceder prioridade 4s aventuras a ocidente, Pelo contrario, Portugal tinha-se libertado dos vizinhos mouros ao concluir a conquista do Algarve no inicio do século xm. Enfrentou ent3o 0 problema de como desenvolver essa provincia devastada e despovoada a sul, e teve, com a dinastia de Avis, uma nova linhagem de reis decidida a conservar o seu poder e independéncia contra o vizinho mais poderoso. Foi, Pportanto, pos- 232 O Inicio po Emprrenpnaento Europeu em ArRica ‘sivel ¢ politicamente vantajoso para Portugal continuar a Cruzada contra ‘os mouros em Africa, e houve bastantes incentivos para procurar ali novos Fecursos. Com a conquista de Ceuta em 1415, Portugal langou-se numa série de _eampanhas de conquista do territario mourisco. No século xvi, 0 reino de ‘Espanha recentemente unificado juntou-se-lhe, embora mais na costa medi- terrinica do que na frente atlantica, que atraia os Portugueses. As guerras ‘dai resultantes foram j4 consideradas no capitulo 7, do ponto de vista afri- ‘cano. Pouco mais precisa de se acrescentar aqui, excepto que se tomnou ‘evidente no fim do século xvi que os mouros, jutando no seu proprio solo, e capazes de conservar 0 que ¢fa Seu. Nem Portugal nem a Espanha conseguiram estender o seu dominio para 14 de umas tantas bases costei- s. Contudo, a posse de algum territdrio marroquino, a partir de 1415, deu sridentemente aos Portugueses mais oportunidades de conhecer, melhor que antes, o comércio transariano €0 territério do Sara e ainda possivel- =nte com mais facilidade do que tiveram outros europeus. Entre os que participaram desse conhecimento estava um filho de 'D. Joao I, rei de Portugal, o Infante D. Henrique (1394-1460) que tomara na conquista de Ceuta e se tornara 0 seu primeiro governador portu- =aés. Desenvolveu-se no seu espirito, ¢ no de seu irmao Pedro, a ideia de se os recursos portugueses podiam ser aplicados de modo mais vantajoso > contomar por mar o poderio de Marrocos, em vez de atacd-lo directa- ente. Em 1419, o Infante esteve ligado as viagens de exploragio para sal c para ocidente do Atlantico, facto que Ihe iria conferir o cognome de 9 Navegadom. Com excepgao da descoberta e posterior colonizagio da deira (c.1419) ¢ dos Agores (c.1439), os resultados iniciais nao foram .o impressionantes. Até ento, o limite demarcado tanto da navegagao

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