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CIVILIZACAO OCIDENTAL UMA HISTORIA CONCISA ” wa Path Wola tes CAPITULO 19 A Revolucao Francesa: Afirmagao de Liberdade e Igualdade O ANTIGO REGIME ‘O PRIMEIRO ESTADO. O SEGUNDO ESTADO OTERCEIRO ESTADO ADMINISTRACAO INEFICIENTE E DESORDEM FINANCEIRA A FASE MODERADA, 1789-1791 0 CHOQUE ENTRE A NOBREZA EO TERCEIRO ESTADO. FORMACAO DA ASSEMBLEIA NACIONAL ATOMADA DA BASTILHA GRANDE MEDO OS DIAS DE OUTUBRO AS REFORMAS DA ASSEMBLEIA NACIONAL. A FASE RADICAL, 1792-1794 ‘OS SANS-CULOTTES, INVASAO ESTRANGEIRA. OS JACOBINOS REALIZACOES JACOBINAS ANACAO EM ARMAS AREPOBLICA DA VIRTUDE E 0 REINADO DO TERROR A QUEDA DE ROBESPIERRE O SIGNIFICADO DA REVOLUGAO FRANCESA 422 AA deflagragao da Revolugio Francesa, em 1789, estimulou a imaginagao dos europeus. Tanto os Participantes do movimento como os seus obser. ‘adores sentiram que estavam vivendo numa era stucial. Sobre as ruinas da Velha Ordem, baseada 10 privlégio © no despotism, formavase uma ‘ova era que orometia realizar os ideas do Hum nismo. Esses ideas inclufam a emancipacao da personalidade humana, da superstiao e da tradi ‘lo, a vitria da liberdade sobre atirania, a remo- delagdo das instituigbes de acordo com a ra2io.¢ 4 justiga e a derrubada das barreiras& igualdade. Parecia que of direitos naturais do individuo, até ‘etZo um idea zemoto, passariam a reinar sobre a terra, acabando com séculos de opresso ¢ misé- ria, Nunca, antes, as pessoas haviam demonstrado tal confiange no poder da inteligéncia humana para criar as condigbes de existéncia. Nunca, an- tes, o futuro parecera 140 cheio de esperancas. Essa visfo grandiosa acendeu emogdes seme- Ihantes a0 entisiasmo religiosoe atraiu conversos em todo 0 mundo ocidental. “Se tivermoséxito”, esoreveu 0 pocta francés André de Chénier, “ destino da Europa seri mudado. Os homens re conquistardo seus direitos e o povo, a sua sobers: nia”, O diretor da publicacao vienense Wiener Zeitung escteveu a um amigo: “Na Franga, come- ¢ a brilhar uma luz que beneficiaré toda 2 huma- nidade”®), 0 reformador inglés John Cartwright expressou as esperangas dos reformadores de todo © mundo: “Degenerado deve ser 0 corasio que nio se enche de um sentimento de satisfagso pelo que agora esté acontecendo na Franca. Os franceses (...) nfo estdo afirmando apenas os seus direitos, mis afitmando ¢ fazendo avangar as liberdades gerais da humanidade”®), © ANTIGO REGIME As causas da Revolugdo Francesa remontam & estrutura aristocritica da sociedade do Antigo Regime. A Sociedade francesa do século XVII estava dividida em trés ordens, ou Estados: o cle 10 constituia 0 primeiro Estado; a nobreza, 0 se gundo; € todo o resto da populagdo (cerca de 96% dela) pertencia a0 terceiro Estado. O clero a nobreza, totalizando cerca de 400.000 pessoas numa populagdo de 26 milhOes, desfrutavam de privlégios especiais. A estrutura social semifeudal do Antigo Regime, baseada em desigualdades san- cionadas por lei, provocou tensGes que precipita am a Revolugdo. O primeiro Estado Os poderes e privilégios da igreja catolica da Fran- ¢@ faziam dela um Estado dentro do Estado. Co- imo havia feito durante séculos, a igrejarepistrava ‘nascimentos, casamentos e mortes; recolhia tribu- 10s (um imposto sobre os produtos do solo); cen- surava livros considerados perigos0s a religido e & moral; administrava escolas e distribu‘a esmolas aos pobres. Como era proibido 205 protestantes se reunirem para rezar, a igreja catdlica desfrut- va do monopélio do culto piblico. Embora fosse proprietria de cerca de 10% das terras, que pro- porcionavam uma renda enorme, @igreja no pa- g2va impostos. Em lugar deles, fazia uma “doa fo livre” a0 Estado ~ a igre determinava quan- to —, que era sempre inferior a0 que teriam sido 6s impostos.diretos. Os criticos denunciaram a igreja por promover a supersticdo ¢ o obscuran- tismo, por impedir es reformas e por preocupar- -se mais com a riqueza e 0 poder do que com a rmensagem espiritual de Jesus. O cero refletia as divisbes sociais da Franga, 0 alto clero partithava das atitudes e do modo de vida da nobreza, de onde era proveniente. Os pi rocos, plebeus de nascimento, viam com ressent ‘mento 0 orgulho e a vida Iuxuosa do alto clero. Em 1789, quando comegou a Revolugio, muitos padres simpatizavam com os reformistas popula res do terceito Estado O segundo Estado Como o clero, a nobreza era uma ordem privile- giada. Os nobres ocupavam as mais elevadas posi- Bes na igreja, no exército e no governo, Estavam isentos da maior parte dos impostos, recolhiam tributos senhoriais dos camponeses ¢ eram donos de aproximadamente 20% da terra. Porém, nem todos os nobres eram iguas. Havia graduagoes de dignidade entre 05 200000 a 250000 membros da nobrezs, Os nobres de raga — familias que podiam tra- ‘gar suas origens aristocriticas desde tempos ime- moriais — desfrutavam maior prestigio. (Destes, ‘muitos eram oficiais no exército real ¢ eram cha- rmados nobres de espada.) Os mais altos entre 08 robres antiges ocupavamse da atividade social ‘em Versalhes e Pars, recebiam pensbes ¢ sinecu- ras do rei, mas desempenhavam poucos servigos tteis ao Estado. A maiora dos nobres de raga, incapaz de manter a vida Jourada da corte, vivia ‘nas suas propriedades na provincia, ¢ 0s mais po- bres entre eles quase nem se distinguiam dos cam- pponeses mais prdsperos. ‘Ao lado dessa nobreza antiga havia surgido uma nobreza nova, criada pele monarquia. Para conseguir dinheiro, recompensar 0s favoritos ¢ enfraquecer a antiga notreza, 8 reis franceses haviam vendido titulos de nobreza a membros da burguesia e conferido a condigao de nobre a cer tos cargos governamentais comprados pelos bur gueses ricos. De particular significagio cram os robres de toga, cujas fileras incluiam muitos ex- -burgueses que haviam comprado cargos judicis- rios nos parlements, os tribunais superiores de justiga, Em fins do sculo XVIII, os nobres de toga defenderam 2 causa do privilgio aristocré- tico. Disposto a no abric mio de seu poder © temeroso das ameagas a0 trono, Luis XIV (1643- 1713) havia concedido prestigio social & nobre- 2a, mas negaralhe voz. nz formulagdo da alta po- Iitica, No século XVIL, 08 nobres tentaram reconquistar 0 poder perdido com Luis XIV. Esse ressurgimento da nobreza nfo foi liderado por aristocratas antigos regenerados, mas pela ‘nova nobreza, 0 nobres de toga. Os parlamentos tomaramse criticos baulhentos das poltticas reais e opositores da re‘orma que ameacava os privilégios aristocriticos » provinciais. Essa “rea- (0 feudal” provocou @ Revolugdo. 43 O terceiro Estado O terceiro Estado era formado pela burguesia, pe- Jo campesinato pelos trabalhadores urbanos. Embora a lideranga da Revolugio tivesse saido dos quadros da burguesi, 0 éxito do movimento dependeu do apoio proporcionado pelo resto do terceiro Estado. A burguesia ‘A burguesinconsistia em comerciantesmanufatr reiros, comerciantes atacadistas, banqueiros, mes trevartesios, médicos, advogados, intelectuais ¢ funcionérios governamentais de nivel nfo supe- rior. Embora os burgueses fossem ricos, nfo tinham prestigio social. Um comerciante, apesir de seu éxito, sentia que sua ocupago negava-lhe 4 dignidade desfrutada pela nobreza. “Hi uns ppoucos ricos que por vezes nfo se sentem humi- Ihados por serem apenas ricos”, observou um francés do séeulo XVII), Tnfluencisda pelos valores aristocrticos da . Grande némero de nobres que haviam pressionado 0 rei para empregar a forga contra a Assmbléia e tentado impedir as reformas abandonaram o pais. As reformas ca Assembléia Nacional Enfraquecida a resistencia, a Assombléia Nacional continuou o trabalho de reforma iniciado no ve- tho de 1789, Abolindo os privilégios especiais da nobreza e do clero» promovendo os interesses da burgucsia, as refornas da Assembla destruiram © Antigo Regime. 1. Aboligdo dos priviégios expeciais. Aev- bando com os privilégios especiais da nobreza e do clero com os decretos de 4 de agosto, a Assem- bigia Nacional estabeleceu a igualdade exigida pela burguesia. A estruturaaristocrétice do Anti- go Regime, num resquicio da Idade Média que havia prejudicado a burguesia progressista fi ele ‘minada 2. Declaragio dos direitos humanos. & De- claraglo dos Diretos do Homem e do Cidado expressava as metas liberas e universais dos fié- sofos do século XVIII e 0s intereses particulares da burguesia. Para 0s contemporineos, foi uma refutago do Antigo Regime, uma declaracio de ideais que, se realizados, poriam fim aos abusos antigos e criariam uma nova sociedade. Ao pro- ‘lamar o direito inaienével & liberdade pessoal e de pensamento e @ igualdade de tratamento pe- rante a lei, a Declaagdo afirmava a dignidade da pestoa humana; declarava que o governo nfo per- {encia a nenhum governante, mas ao povo como ‘um todo, e que seu objetivo era a preservagao dos direitos naturals do individuo, Como a Dectara- ‘qdo contrastava acentuadamente com 0s princi- pios defendidos por um clero intolerante, uma aristocracia privilegiada e um monarea despético, foi considerada como a certidfo de dbito do An- tigo Regime. ‘A Declaragdo expressava a opinito dos fi6- sofos de que 0 povo nfo precisa resignarse aos abusos ¢ infelicidades da existéncia humana, mas que pela razdo poderia melhorar a sociedade. Mas cem 1789 a Declaragio era apenas uma afirmacio de intengbes;restava verse seus prinefpios seriam realizados. 3. Suboniinagdo da Iereia ao Estado. A As sembléia Nacional também golpeou os privilégios da igreja catélica romana. Os dectetos de 4 de agosto declaravam o fim dos dizimos. Para conse- guir recursos de que muito necesstava, a Assem bigia confiscou, em novembro de 1789, as terras da Igreja, colocando-as & venda. Em 1790, apro- vava a Constituigdo Civil do Clero, que modifica va 0s limites das dioceses — reduzindo o némero de bispos ¢ padres — e transformava os membros do clero em funciondrios do governo, eleitos pelo ‘povo e pagos pelo Estado. Quase todos 0s bispos «© padres se opuseram 3 Constituigto Civil ‘Uma das razbes dessa oposigdo era que a rear sganizagfo privava um consideravel nimero de pe ddres de seus cargos. Além disso, protestantes ¢ atous poderiam, teoricamente, participar da elei Ho do claro catdlico. Além disso, a Assembléia havia tomado a medida sem consultar 0 papa ou © cleto francés como um todo. Quando a Assen bigia exigiu que o clero prestasse juramento de tespeito 4 Constituiggo Civil, apenas cerca da rmetade dos padres 0 fez, € muitos ctlicos apoia ram 0s padres discordantes. A Constituigao Civil dividiu os franceses e deu aos adversirios da Re- volugdo uma questo emocional para congregar seus simpatizantes. 4. Constituigdo para a Franca. Em setemibro de 1791, a Assembigia Nacional conctuiu o obje- tivo a que visava desde junho de 1789: uma cons- tituiggo que limitava 0 poder do rei e garantia a todos os franceses igualdade de tratamento pe- rante a lei. Os cidaddos que pagavam um total de impostos inferior a determinada quantis, nfo po- deriam votar. Provavslmente, cerca de 30% de todos os homens com mais de 25 anos eram ex: clufdos por essa condigdo, ¢ apenas 03 cidadaos ‘mais abastados se qualificavam para ocupar um lugar na Assembléia Legislativa, um parlamento unicameral que substituiria a Assemblgia Ne nal. Apesar dessa resriglo, a8 condigdes para 0 suftdgio eram, na Constituigdo de 1791, muito mais generosas do que na GrBretanha. 5. Reformas administrative ¢ judiciirias. A ‘Assemblgia Nacional visava a reformar o ca6tico sistema administratno da Franga, Substituiu a colcha de retalhos das unidades provinciais por 83 novas unidades sdministrativas, ou departa mentos, aproximadamente com 0 mesmo tama- sho. Os departamentos e suas subdivisbes spur nnham de boa margem de autonomia. ‘As reformas judcidrias complementaram as ‘modifieagdes administrativas. Um sistema padro- nizado de tribunais substituia as indmeras juris: digpes do Antigo Regime, ¢ a venda de cargos judicidrios foi suspensa. Todos os juizes exam escolhidos entre 0s aivogados formados, e todos 05 tribunais baseavan suas decisOes em csiigos de leis niformes. No eédigo penal completado pela Assembléia Naconal, a tortura ¢ 0s castigos barbaros foram abolifos 6. Ajuda & economia. A Assembléia Nacio- nal aboliu todas as tuxas ¢ tarifas sobre mercado rias transportadas dentro do pais, manteve uma tarifa para proteger as manufaturas francesas ¢ insistia em que as eclouias francesas negociassem apenas com a metrdpole. Estabeleceu também tum sistema uniforme de pesos e medidas, elimi- now as guildas (remanescentes da Idade Média, que dificultavam a expansio econdmica) e proi- biu aos trabalhadores formarem sindicatos ou fazerem greves. Acabando com o absolutismo, revogando os privilégios dos nobres ¢ impedindo a massa do povo de conseguir © controle do governo, a ‘Assembléla Nacional consolidou 0 dominio da ‘burguesia. Com uma das mdos, rompeu © poder da aristocracia e do trono; com a outra, conteve as pessoas comuns. Embora as reformas benefi- 433, Jacques Louis Davi (3748-1825): uma mulher da Revo lugdo Embora Dovid fosseretratista da realeza e tivesse slorificado Napolefo, nests quadro ele pintou aresiston- te mulher da Revoluglo. Movida pela fome, ela grtaria por plo e marcharia quase 20 quilémetros até Versalhes, para apresentar suas tevindicagies i Assembla Nacio- nal ¢ a0 ri, em 5 de outubro de 1789. Era a favor das reforms sociais ¢toleravao terror para a realizagdo dos objetivos da Revolugio. (Museé des Beaux-Arts, Lyon) ciassem a burguesia, seria um erro considerd-las apenas como a expressfo egoista do interesse de uma classe. A Declaragap dos Direitos do Homem dirigiase a todos ¢ proclamava a liberdade © a jqualdade como direitos de todos e concitava os cidadifos a tratarem uns aos outros com respeito, Intelectuais, tanto franceses como estrangeiros, acreditavam que a Revolugdo acabaria levando emancipagdo da humanidade. “Os homens de 1789”, diz Lefebvre, “viam a liberdade ea igual- dade como 0 direito nato da humanidade(0), Esses ideais tornaram-se a esséncia do credo libe- ral democritico que se difundiu por grande parte do Ocidente no século XIX. 434 A FASE RADICAL, 1792-1794 Os sans-culottes Satisfeita com suas realizap6es — igualdade peran- te alei, abertura das carreiras ao talento, consti- tuigdo escrita, governo parlamentar — a burguesia no queria que a Revelugdo fosse mais longe. Mas 08 periodos revolucionérios sdo imprevisiveis. Em poco tempo, o movimento marchava numa dire 0 que nfo havia sido prevista, nem desejada, pelos burgueses, que haviam conseguido a ascen- éncia nessa primeira ¢ moderada fase da Revolt so. Uma contra-revo uso, liderada pelos nobres imreconcilidveis e pelos religiososalienados, apois- da pelos camponeses socialmente reacionérios fortemente catélicos, comecou a ameagar 38 mo- dificagbes introduzidss pela Revolugio, obrigan- do a sua lideranga a recorrer a medidas extremas. ‘A Revolucto também foi impelida na dire- «40 do radicalismo pelo descontentamento dos sans-culottes — pequenos negociantes, artestos € asalariados. Embora tivessem desempenhado um opel significativo no movimento, em particular nna tomada da Bastilha ¢ nos Dias de Outubro, pouco haviam ucrado. Os sansculottes, diz 0 historiador francés Albert Soboul, “comecaram a compreender que 0 privlégio da riqueza estava tomando 0 lugar do privikégio do nascimento, Previram que a burguesia substituiria a aristocra- cia dertotada como « classe dominante”(!) In- flamados pela pobreza e pelo édio aos ricos, os sansculottes insistiram em que © governo tinh (0 dever de thes assegurar “o direito de existir”, politica que contrarisva o individualismo econd- ‘ico da burguesia. Também reivindicavam que governo aumentasse os salérios, controlasse os pregos dos alimentos, acabasse com a escassez da comida, punisse especuladores © aproveitadores da crise de alimentos ¢ tratasse com rigor 0s con- ‘ratevolucionstios. Embora a maioria dos sans-culottes defen- ddesse 0 principio da propriedade privada, que- ‘lam leis que impediseem os extremos da riqueza € da pobreza. “O Estado esté a beira da ruins quando existem nele, lado a lado, a pobreza ex- trema e a riqueza abundante”, disse um porta-voz dos sans-culottes), Socialmente, seu ideal era uuma naglo de pequenos proprietirios de lojas ¢ pequenos fazendeiros. “Ninguém devia ser dono de mais de uma oficina ou uma loja”, diz uma petigdo dos sunseulortest13). Enquanto os ho- ‘mens de 1789 buscavam a igualdade de direitos, liberdades e oportunidades, os sans-culottes am- pliavam o principio de igualdade para que in- clufsse um estreitamento da distincia entre os ricos e 08 pobres. Politicamente, eram por uma repiiblica democratica na qual o homem comum tivesse participagto, Em 1789, os burgueses haviam exigido a igualdade com os aristocratas — 0 direito de ocu- par as posigdes mais honrosas do pafs eo fim dos privlégios especiais da nobreza. Ao final de 1792, 0s sansculottes estavam exigindo a igualdade com a burguesia — reformas politicas que dessem ‘0s pobres uma voz no governo ¢ reformas sociais que melhorassem a sua sorte. Apesar das press0es exercidas pelos nobres reacioniriose pelo clero, de um lado, e pelos sans culoites descontentes, de outro, a Revolugio po- deria ndo ter seguido um caminho radical se Franga_tivesse permanecido em paz. A guerra com Austria ¢ a Prissia, em abril de 1792, exa- cerbou as dissengBes internas, agravou as condi- 8s econdmicas e ameagou desfazer as reformas revolucionérias. Foi nessas circunstincias que a Revolugio passou de uma fase moderada para uma fase radical, que 0s historiadores chamam de ‘Segunda Revolugio Francesa, Invasio estrangeira Em junho de 1791, Lufs XVI ea familia real, vi jando disfargados, fugiram de Paris para o nordes te da Franga, para se juntarem aos émigrés (no- bres que haviam deixado a Franga revolucionéria e estavam organizando um exéreito contra-revo- lucionério) e conseguir apoio externo contra a Revolugdo. Descobertos em Varennes por um postilhdo da aldeia, foram levados de volta a Paris praticamente como prisioneiros. A fuga do rei fez voltatem-se contra ele muitos franceses, fortale ccendo a posi¢fo dos radicais que desejavam acs- bar totalmente com a monarquia e estabelecer a repiblica. Foi, porém, a invasfo estrangeira que acabou levando a destruigo da monarquia Na Assembléia Legislativa, érglo legislative que havia substitufdc a Assembléia Nacional em outubro de 1791, um grupo, chamado de girond- ‘nos, insistiu numa guetra imediata contra a Aus tria, que estava abrigando e auxiliando os emigra- dos. Os girondinos acreditavam que uma guerra bbem-sucedida uniria « Franga sob a sua lideranga, © estavam convencides de que a Austria se prepa rava para invadir a Franga e destruir a Revolugto. AAlém disso, considerando-se como cruzados na luta da liberdade contra a tirania, os girondinos cesperavam estender as reformas revolucionérias a ‘outras terras e provocar uma guerra do povo con- ‘ra 05 res, Em 20 de abril de 1792, a Assembléia Legis- lativa dectarou guerra & Austria. Sob o comando do dugue de Brunswick um exército formado de prussianos e austriacos invadiv a Prangs. As for- ‘5 francesas, sem amas e mal comandadas (cer- 2 de 6000 de um tctal de 9000 oficiais haviam abandonado seus conandos) nfo puderam deter (© avango inimigo. A escassez de alimentos e a contrateyoluggo no sul aumentaram a inguietsr fo. Numa atmosfer: jé carregada, 0 duque de Brunswick langou um manifesto dizendo que se a familia real fosse rrolestada, uma vinganga ter rivel recaria sobre os parisienses. Em 10 de agos to de 1792, os parisienses e as milicias de outras idades, irritados, atacaram o palicio real, ma- tando varias centenas de guardas suigos. Em prinefpios de Setembro, quando as tro- pas estrangoiras penetraram profundamente na Franca, houve um acontecimento anilogo a0 Grande Medo de 1789. Ao se difundirem rumo- res de que os padres ¢ aristocratas presos estavam planejando fugir para apolar 0 duque de Bruns- Wick, os parisienses entraram em panico. Levados pelo medo, pelo patristismo ¢ por impulsos assas- sinos, atacaram as prisbes e massacraram cerca de 1100 a 1200 presos, a maioria dos quais no cram presos politicos, mas criminosos comuns. Em 21-22 de seiembro de 1792, a Conven- fo Nacional (sucessora da Assembléia Legslat- 435 Execugio de Luis XVI As cabecas coroudas da Euro- a viram com horror o julgamento © a execuslo de Luis XVI. Os senseulortes, que se haviam tomado rad ‘ais com a invasto da Franga por forgs simpatizantes o rei, aclamaram a execugfo. (La Librairie Larousse) ‘Bociété Eneyclopédique Univerale, Goldner, Paris) va) aboliu a monarquia ¢estabeleceu a repiblice. Em dezembro de 1792, Luis XVI era submetido 8 julgamento; em janeiro de 1793, era executado por conspirar contra a liberdade do povo francés. A execugdo de Luis XVI intensificou as tensdes entre 0s revolucionérios e as cabegas coroadas da Europa. O levante de 10 de agosto, os massacres de setembro, a ciagdo de uma repiblica e a exe- cugdo de Luis XVI eram sinais de uma tendéncia para oradicalismo, Enquanto isso, a guerra continuava, Sem abastecimentos, prejudicado pelo mau tempo e Aispondo de nimero insuficiente de soldados, 0 duque de Brunswick nunca entrou em Paris. Ven- cidas em Valmy, em 20 de setembro de 1792, a8, forgas estrangeras retiraramse para a fronteia, ‘onde os exércitos republicanos assumiram a ofen- siva, Em prinefpios de 1793, as forgas francesas haviam dominado a Bélgica (entdo parte do Im- 436 pério Austriaco),a Renania alemse as proviacias Sardas de Nice © Savdia. A Convengio Nacional anunciou solenerrenie aos povos da Europa que ‘empreendia uma eruzada popular contra 0s prvi Jégios ea tirania, contra os arstocratas ¢ 08 prin- cipes, Atemorizados por esas ids sociais revolu- cionérias, pela execugto de Luis XVI e, 0 que é mais importante, pela expansfo francesa, que ameagava 0 equiliprio' de forgas, os governantes da Europa, pressionados pela GréBretanha, for: ‘maram uma alianga antifrancess, na primavera de 1793. As forgisaliadas marcharam sobre as fronteiras da Frargs, colocando a Repiblica em risco. Insureigdes contra-revolucionérias enfraque- ceram ainda mais 1 osclante Repiiblica. Na Ven- dia, no oeste da Franga, os camponeses que pro- testavam contra # tributagio 0 reerutamento militar, ¢ ainda eram fis aos padres, pegaram em armas contra a Repiblica. Liderados pelos nobres Jocais, 0s camponises da Vendéia travaram uma {guerra de guerrilhas em favor ds religfo, da mo- narquia ¢ de seu modo de vida tradicional. Em ‘outros circulos, os federalistas revoltaram-se nas provincias, opondo-se a0 poder de que dispunha © governo centralizado em Paris. s jacobinos Enquanto a Repiblica cambaleava sob 0 peso da invaso estrangeira, da insurreigio interna e da crise economica, a ideranga revolucionéria torna- vase ainda mais radical. Em junho de 1793, os jacobinos substituiram os girondinos como o grupo dominante na Convengfo Nacional. Os girondinos apoiavan um governo no qual os de- partamentos podian exercer controle sobre seus prOprios assuntos, enquanto os jacobinos que ‘iam um govemno central forte, tendo Paris como © centro do poder. Os girondinos eram contra a interferéncia na economia, ao passo que 08 jaco- binos apoiavam controles governamentais tempo- ririos para enfrentar as nevessidades da guerra © da crise econdmica. Esse iltimo ponto foi crucial © conquistou para eles 0 apoio dos sens-culottes. ini pinata Jolene de burguesia, mas alguns dos lideres jacobinos esta ors aapostoy Cont stillet intel or beer cueer eat nha Pa. Se paar hak anes coat ea (ats Rovoepo cont fog caer son & Slee OF BSSRior wnat tea ols vantagem na luta pelo poder: estavam bem orga- nizados, eram disciplinados e estavam convenci- Ge de yee at ces pam svar Reiblcn Em 2 jue de 1795s crea de 80000 anscudtes social Settan Y Comneian ¢clgean tp Ss aga prises 6 gore ok jacobinos assumir 0 controle do governo. Os problemas enfrentados pelos jacobinos ‘eram alarmantes. Tinham de enfrentar uma guer- wal dikes eoattian pst leans Ge ei uaiactectin. Vous cans sate terrivel de que, se falhassem, a Revolugao pela Btlde Vat igluaeds porous Be waa bae poi lebegetener sige lideranga foi proporcionada pelo Comite de Sal- vaglo Piblica. Servindo como gabinete da Con: Taos Cala exganand arate tina, formulou a politica externa, supervisionou os ministros, ordenou prises e impés a autoridade do governo central em toda a nagdo. Qs 12 mem: bros do Comité, todos veteranos da politica revo- ace meatier anaes ermade ‘éxercido 0 poder na Fraga"), RealizagGes jacobinas Os jacobinos continuaram o trabalho de reforma. ‘Uma nova constituigfo, em 1793, expressava 0 seu entusiasmo pela democracia politica. Ela encerrava uma nova declaraco de direitos que afirmava e ampliava os principios de 1789. Dan- do a todos os homens adultos o direito de voto, superou as objecbes dos sansculottes & Constitui- ef de 1791. Devido, porém, 3s ameagas de inva. fo e as revoltas, a implementagfo da Constitui- Go de 1793 foi adiada, ¢ ela jamais entrou em Vigor. Abolindo a escravidfo nas coldnias france sa8 ea prisfo por dividas, ¢ fazendo planos para a educagio piblica gratuita, os jacobinos revelaram seu humanitarismo e sua divida para com os filé- sofos. ‘As politicas econdmicas jacobinas baseavam- -se nas exigéncias de guerra. Para conter a infla- 980 © conquistar © spoio dos pobres — ambos necessirios a0 esforgo de guerra — os jacobinos declararam a lei do maximo, que fixou os precos do plo ¢ de outros artigos essencitis ¢ elevou os salérios. Para conqustar os camponeses, facili taram para eles a compra das propriedades dos nobres que haviam deixado o pais. Para equipar © exétcito republicano, 0 Comité de Salvagéo Piblica requisitou dos cidadtios cereais, If, armas, sapatos ¢ outros artigos, exigiu que as fabricas ¢ as minas produzisse o méximo ¢ criou fabricas de armamentos ¢ munigBes operadas pelo Estado. ‘A nagio em armas Para enfrentar a invasio estrangeira, 0: jacobinos, numa decisio que fo: precursora do recrutamen- to modemno, convocaram 0s homens solteiros entre 18 ¢ 25 anos. Mobilizaram todos os recur 0s nacionas, injetaram no exército o amor pels patria e, numa demonstracdo notivel de capaci- dade administrativa, prepararam um exército de mais de 800000 homens. Ao eriar a nago em armas, 08 jacobinos foram precursores também da guerra moderna, Os cidadfossoldados da Repiiblica, comandados por oficiais que haviam demonstrado sua cagacidade no campo de bats- tha e inspirados pelos ideais de Liberdade, Igual- dade ¢ Fratemidade, conseguiram vitorias decisi- vas. Em maio € junho de 1794, os franceses derrotaram as tropas aliadas na importante fron- teira setentrional; em fins de julho, a Franga se tomava a senhora triunfante da Bélgica. ‘Ao exigit 2 dedicagso integral da nagio, a fase jacobina da Revolusao também antecipou o nascimento do nacionaismo moderno, Nas ¢sco- las, jomais, discursos e poemas, nos palcos ¢ n0s comicios das sociedades patristicas, 0$ franceses ouviam falar da gloria conquistada pelos soldados republicanos nos campos de batalhas, e eram lem- brados de seus deveres para com a pétria. “O ci- 437 dado nasce, vive © morre pela pétria”(lS). Essas palavras estavam escritas em lugares ptblicos, pa serem lidas e meditadas por todos. Os solda- dos da Revolugio lutavam nfo por dinheiro ou pelo rei, mas pela naglo. “Quando a patria nos ‘chama para sua defesa”, escreveu um jovem sok ‘dado a sua mle, “devemos correr para ela. Nossa vida, nossos bens e nossos talentos nfo nos per- {encem, mas sim a nagdo, & pétria, a quem tudo ppertence”(16). Poderia esse sentimento intenso de nacionalidade, que se concentrava nos interes s8 especiais do povo francés, ser conciiado com «Declaragdo dos Direitos do Homem, cujos prin- cfpios eram dirigidos a toda a humanidade? Os préprios revoluciondrios no compreendiam as implicagdes da nova forga que haviam liberado. A repiiblica da Virtude e 0 reinado do Terror Robespierre ‘Ao mesmo tempo em que © Comité de Salvagéo Piblice crisva um exército revolucionério para cenfrentar 0s inimigos extemos, travava também uma guerra contra a oposigao interna. A persona lidade-chave dessa Iuta foi Maximilien de Robes pierre (1758-1794), que servira na Assembiéia Nacional e era jacobino atuante. Nao era orador brilhante nem tinha a aparénia de her6i, mas se distinguia por uma fé fervorosa na justeza de suas cconvicedes, por uma dedicagto total 8 democra- cia republicana e por uma integridade pura que the conquistou a alcunha de O Incorruprivel.. Robespierre queria criar uma sociedade me- Ihor fundamentada na razdo, nos bons cidados no patriotismo. Em sua Repiblica da Virtude ‘do haveria reis ou nobres; os homens seriam livres, iguais e educados; a razao seria glorficada © a supersticfo, ridicularizada. Nao haveria os extremos da riqueza ou da pobreza, 2 bondade natural do homem predominaria Sobre o vicio e a ambigG0; as leis preservariam os diteitos inaliens- veis, em lugar de violenté-los. Nessa visio ut6pi- 2, 05 deveres do individuo seriam os de “detestar ‘1 md f€ e 0 despotismo, punirtiranos e traidores, assist aos infelizes, respeitar os fracos, defender 438 ‘5 oprimidos, fazer todo o bem possivel a0 pré- ximo comportar-se zom justiga perante todos ‘os homens"(17), Discipulo de Rowsseau, Robespierre conce- bia uma yontade nacional geral como finale infa- livel, Sua realizagao significava o estabelocimento de uma Repiblica di Virtude; sua rejeigio, a morte de um ideal e 0 retomo ao despotismo. Certo de que ele ¢ seus colegas do Comité de Sal vagdo Pablica haviam avaliado corretamente as necessidades do povo francés e a vontade geral, Robespierre sentia que era seu dever assegurar realizagdo dessas metas, ¢ 0 fez. com zelo religio- so, Sabendo que a Repiblica da Virtude nao po- dia ser criada enquanto a Franca estivesse amea- sada pela guerra extema ¢ interna, ele advogou lum tratamento duro para os inimigos da Repibli a. "Quem faz a guerra contra um povo para im- pedir 0 progresso da liberdade ¢ aniquilar os direitos do homem deve ser perseguido por to- os, nfo como inimigo comum, mas como rebel: de, bandido e assassino” (8) AA lideranga jacobina, com Robespierre de- Sempenhando um papelchave, agiu contra os inimigos da Repiblica — girondinos que desafia- vam a autoridade jacotina, federalistas contrarios a um governo central forte em Paris; padres no- bres. contra-revolucionérios ¢ seus partidérios camponeses; ¢ aproveitadores que escondiam ali- mentos. Os jacobinos buscaram até mesmo disci plinar 0 ardor dos saneulottes que thes haviam Gado o poder. Temendo que a sua espontaneida- de enfraquecesse a auioridade central ¢ promo- vesse a anarquia, 05 patidarios de Robespierre provocaram a dissolugdo de suas sociedades Também executaram 0s lideres sans-culottes co- tnhecidos como enrages, que ameagavam insurgir -Se contra o governo jazobino e pressionavam por mais reformas socials do que os jacobinos pretex- diam. Os enragés queriam estabelecer limites pars as tendas e para o tananho das fazendas e dos negocios, e pregavam adescrstianizacdo da Fram ga — politicas conside-adas demasiado extremis {as pelos partidrios de Robespierre. Para preservar a liberdade republicans, os Jacobinos fizeram do terror uma politica delibe- ada. Robespierre:caricatura contemporinea, na qual Robes pierre executa 0 carasco depois de toda a Franga tes do exeeutada por oxdem do lider jacobino Para cra uma Repdbca da Virtue, onde os homens fossem hres © iguais, Maximilien Robespierre achou necessiro 0 ter- ror. Robespierre perdeu o apoio de seu proprio partido « aeabou sendo ele mesmo guilhotinado. (University of Rochester Library, Rechestsr, Nova York) Nao tem a liberdade, essa bénedo inestimavel (.../ 0 diretto de sacrificar vidas, fortunas e ‘até mesmo, por algum tempo, as libendades individuais?(. . .) Nao a Revolugdo France- 1 (,..) wma guerra de morte entre os que desejam ser livres ¢ oS que pretendeim ser escravos? (...).Ndo hi meio-termo;a Franca deve ser totalmente livre ou perecer nessa tentativa, e qualquer meio é justificado na Jt por uma causa to bela,19) Talvez cerca de 40000 pessoas tenham pere- cido durante o reinado do Terror. Robespierre e seus companbeiros jacobinos no recoreram & guilhotina porque estivessem sedentos de sangue 01 enlouquecidos pelo poder. Buscavam estabelece- uma ditadura temporéria numa tentativa desesperada de salvar a Repilica © a Revolugto. Profindamente dedicados a de- ‘mocracia republicana.os jacobinos consideravam- -se como defensores de uma fé superior. Como todos 0s visions, Robespierre estava convenct do de que conhecia 0 caminho certo, que a nova sociedade por ele imaginada beneficiaria toda a humanidade © que os adversérios de sua impl mentagdo no eram opositores apenas, mas pece- dores que tinham de ser liqiidados para o bem da humanidade. s jacobinos realmente salvaram 2 RepGbl ca. Os exércitos estrangeiros foram expulsos, os levantes federalistas foram esmagados, 08 contra- -revolucionérios da Vendéia foram contidos € evitouw-se a anarquia. Sem a disciptina, a ordem e a unidade impostas & Franca pelos partidérios de Robespierre, € provivel que a Replica tivesse esmoronado sob os golpes conjuntos da invasto cextema e da anarquia interna A signifieagdo do Terror reinado do Terror suscita quest0es fundamen tais sobre o significaco da Revoluglo Francesa e a validade da concepgo que © Huminismo tinha do homem. Até que ponto o Terror foi uma in- versfo dos ideais da Revoluezo, formulados pela Declarago dos Direitos do Homem? Até que pponto as paixdes febris e a fascinaclo pela viol cia, evidenciada pelas execugdes em massa nas provincias e pelos espeticulos pablicos em Paris, indicam um lado mais sombrio da natureza huma- na, fora do controle da razio? A religito da hu- manidade pregada por Robespierre teri revivido © fanatismo e a crueldade das guerras religiosas que tanta repulsa causou aos fldsofos? Terao os pattidarios de Robessierre, que se consideravam ‘0s mais decididos defensores dos ideais da Revo- luglo, manchado e sibvertido esses ideais, com 439 seu zelo excessivo? Mobilizando o poderio da na- fo, criando a mfstica da pétria, impondo 0 go- verno ditatorial provisério em defesa da libérdade da igualdade e legalizando ¢ justificando o ter- ror praticado em nome do povo, nfo estavam os jacobinos, involuntariamente, liberando novas forgas que, em anos posteriores, seriam utilizadas por ideologias totaitéris, conscientemente dis- postas a acabar com o legado liberal da Revolu- gf? Terd 0 ano de 1793 marcado uma mudanca no rumo da eivilizagfo ocidental: um movimento que se distanciou dos ideais dos fl6sofos do sécu- Jo XVIII €6 inicio de uma era de violencia e ira- cionalismo que culminaria nos cataclismos do século XX? A queda de Robespierre 0 Terror foi instituido numa época de crise e de cemoges exacerbadas. No verdo de 1794, com a vitéria da Repiblica aparentemente assegurada, ‘© medo de uma conspiragdo aristocrética havia diminuido, o desejo de punir os “traidores” en- fraquecera e o fervor popular pelo Terror se redu- ira, Na medida em que a necessidade e 0 entu- siasmo pelo Terror diminuiram, enfraqueceu-se a posigfo politica de Robespierre. Seus adversirios na Convencdo, sentindo nas proprias nucas 0 frio da lamina da guilhotina, ordonaram sua prisfo e a de alguns de seus part- dirios. Em 27 de julho de 1794, 9 do Termidor, segundo novo calendério republicano, Robes. pierre foi guilhotinado. Os sans-culottes parisien- ses poderiam téo salvo, mas nfo o tentaram. Dis- solvidos os seus clubes politicos, faltava-hes 2 ‘organizago necesséria para. um levante armado. ‘Alm disso, o entusiasmo dos sans-culottes pelo jacobinismo havia diminufdo; ao que tudo indica, 4 legislagfo social institufda pela lideranga de Ro- Despierre nfo se materializara em proporyGes suficientes para acalmar 0 descontentamento dos sans-culottes. Apds a queda de Robespiette, foi desmonta- 4a a méquina da Repiblica jacobina. A lideranga ppassou & burguesia proprietiria que havia endos sado as idéias constitucionais de 1789-1791, fase 440 moderada da Revolugio. A nova lideranca, conhe- cida como termidoreznos até fins de 1795, nfo queria mais saber dos jacobinos ou da sociedade de Robespierre, que consideravam uma ameaga a0 seu poder politicc — porque teriam permitido as pessoas comuns uma considerdvel participado no governo — ¢ a sua propriedade — porque te- riam regulamentado a economia em favor dos pobres. No final de 1795, 0 novo governo tepublica: no, chamado de Diretério, era responsivel pela guerra, pela economia deficiente e pela inguieta ‘edo interna, O Ditetcrio esmagou 0s levantes dos ‘monarquistas, que procuravam restaurar @ reale- 2a, ¢ dos sans-culottes parsienses,irritados pela fome ¢ pelo ddio 20s ricos. Com o agravamento das pressdes militares ¢ internas, o poder come- ou a passar As maos dos generais. Um deles, Na poledo Bonaparte, astumiu o controle do governo fem novembro de 1799, levando a Revolugdo @ ‘uma nova fase. O SIGNIFICADO DA REVOLUCAO FRANCESA A Revolugio Francesa foi descrita como ums série de revolugbes concorrentes. Além da revolu- ¢fo da burguesia, hcuve uma revolugso campo- zesa autOnoma, precipitada pela pobreza crescen- te, pelo ddio a ordem senhorial e pelas crescentes ‘esperangas despertadas pela convocagao dos Este dos Gerais. Ocorteu também um terceiro levanie, © dos jomaleiros uvbanos, assalariados, lojistas ‘burgueses menores ¢ artesios, todos violentamen- te atingidos pela falta de alimentos e pela eleva- 0 dos precos. Mas condigbes, apenas, ndo levam necessarie- ‘mente a uma revolugio. “Nenhum grande aconte- cimento da histéria” diz Henri Peyre, estudioso da cultura francesa, “deveu-se a causas de natur 1eza principalmente econdmica,e isso sem diuvidz nngo aconteceu na Revolugao Francesa”20), Dax ante séculos, os pirias indianos © os fellakin egipcios viveram nas piores condigbes possi suportando sua miséria sem uma vor de protest. No sSeulo XVIII, os povos da Europa Central ¢ Oriental estavam em situago muito pior do que 4 do francés médio. Apesar diss, foi na Franga que irrompeu a grande revolusfo [As revolugdes nascem no espiito. Os movi- mentos revolucioniros, diz George Rude, histo riador da Revolugdo Frances, exigem “um corpo unificador de idéias e um vocabulirio comum de esperanga e protest; em suma, algo como uma “psicologa revolucionéra’ comum"@), Os filéso- fos do século XVIII nfo eram, em si, revolucions- rios, diz Peyre, mas suas iias contibuiram para criar uma psicologia revalucionéra. A filosofia do séeulo XVII ensinow 0 fran ceses a acharem terrivel a sua situacto, ow pelo menos injusta ¢ildgica, ¢ 08 levow a no mais aceitarem com resignagdo paciente a sua sorte, atitude que havla caracterizado Por muito tempo os seus ancestrais (...) A propaganda dos “philosophes”, mais talvez do que qualquer outro fator, explica a realt- zagio da condigéo preliminar da Revolucdo Francesa, ou seja, 0 descontentamento com 0 estado de coisas existente.(22) ‘A Revolugdo Americana, que deu expressio prética a filosofia liberal dos fildsofos, contribuits para preparar o caminho para a Revoluego Fran ‘esa. A Declaragiio de Independéncia nao procla- mou os diteitos naturais do homem € aprovou a resisténcia contra _um governo que privasse os hhomens desses direitos? Os americanos ndo ha- viam dado um exemplo de igualdade social sem paralelo na Europa? Nos Estados Unidos nao ha- via aristocracia hereditéria, servido e igreja oft cial. Os aristocratas liberais franceses, como 0 marqués de la Fayette, que haviam lutado na Re- volugdo Americana, voltaram i Frange mais oti- mistas quanto as possbilidades de reformar a sociedade frances. ‘A Revolugio Francesa foi um periodo deci- sivo ma formarao do Ocidente moderno. Ela im- plementou a ideologia dos filésofos, destruiu a sociedade hierirquica ¢ corporativa do Antigo Regime, assegurou a ascendéncia final da burgue- sia acelerou o crescimento do Estado modemo. ‘A Revolugdo Francesa acabou com 0 predo- mini da aristocracia. Eliminados 0s seus dire tos, privilégios e titulos feudais, confiscadas as terras dos emigrados e reduzida a sua influéncia, ‘08 nobres tomaram-se simplesmente cidados co- muns. A Igreja, tendo perdido seus tribunais, assembléias, propriedad:s e dfzimos, jé nfo era um Estado dentro do Estado, mas apenas uma comunidade espiritual. ‘A burguesia liderox @ Revolueio ¢ foi sua principal beneficifria. O principio da abertura de cearreiras a0s homens de talento dewelhe acesso &s ‘mais altas posigdes no Estado. A destruicfo dos resquicios feudais — inpostos sobre circulagd0 interna — e das guildas apressou a expansio de uma economia de mercado competitive. Dotada de talento, riqueza, ambigo e, agora, de oportu- nidades, burguesia dominaria 0 futuro. Em todo o continente europeu as reformas da Revo- lugdo Francesa serviram de modelo aos burgueses progressistas que, mais cedo ou mais tarde, desa- fiaram 0 Antigo Regine em seus respectivos patses. ‘A Revolugfo Frane:sa transformou 0 Estado dinistico do Antigo Regime no Estado modemo: nacional, liberal, secular e racional. Quando a De- claragio dos Direitos do Homem e do Cidadso afirmou que “a fonte de toda soberania reside essencialmente na nago", 0 conceito de Estado assumiu um significado novo. O Estado jé nao era apenas um territério ou federacdo de provin nfo era apenas a posse privada de reis que preten- diam ser dolegados de Deus na Terra. De acordo com a nova concepeic, o Estado pertencia ao ovo como um todo, €0 individu, antes dito, era agora cidadio com direitos e deveres, gover nado por leis que nio estabeleciam distingdes ba- seadas na descendéncia © pensamento liberal do Lluminismo encon- trou expressio pritica nas reformas da Revoludo. 0 despotismo ¢ o diteito divino da monarqui repudiado em teoria pelos fildsofos do século XVIIL, foram rejeitados pelas constituigdes que impuseram limites aos poderes do governo e ele- ‘geram parlamentos que representavam os gover nados. Assegurando a igualdade perante a lei ¢ a prote¢ao dos direitos hamanos — habeas corpus, 441 CRONOLOGIA 19.1 A REVOLUGAO FRANCESA 05/05/1789 Redinemse os Estados Geris 20/06/1789 Juramento da quadra de ténis 14/07/1789 Tomada da Bastilha Fim/julho — Iniciofagosto de 1789 0 Grande Medo 04/08/1789 Abolicto dos privilégios feudais 26/08/1789 Declarago dos Direitos do Homem e do Cidadto 05/10/1789 Marcha sobre Versalhes Nov/1789 ‘A Assembléia Nacional confisca as terras da Igreja Junho/1791 Fuga da familia eal Set,/1791 ‘A constituigSo limita os paderes do rei Abril/1792 ‘A Franga declara guerra & Austria 10/08/1792 ‘Ataque ao paldcio real em Paris 21-2/09/1792 Aboligdo da monarquiae eiaeo de uma repsibica Jan,/1793 Execugdo do rei Luis XVI Junho/1793 0s jacobinos conseguem o controle do govemo 27/07/1794 Execugfo de Robespierre Out,/1795 a Nov,/1799 Governo do Ditetério Nov./1799 [Napolego Bonaparte tomao poder julgamento pelo jar, liberdade de religido, de par lavra e de imprensa —, a Revolugdo acabou com fos abusos do Antigo Regime. Essas conquistas pareceram, por vezes, mais teéricas do que reas, devido a violagbes e interrupe¥es, mas apesar disso esses ideais liberais brilharam por toda a Europa. No século XIX, 0 ritmo da reforma se intensificaria. E com as exigéncias dos sans- -culottes — igualdade com a burguesia, democra- ia politica e reforma social - a vor do povo comegou a ser ouvida na politica, Ese fendmeno 442 se intensificaria com a crescente industrializago. ‘Negando qualquer justificativa divina para © poder do monarca privando a Igreja de sua posi> ‘plo especial, a Revoluglo acelerou a secularias- (0 da vida politica européia. Acabando com Caos administrativo do Antigo Regime, a Revol {#0 procurou impor normas racionais a0 Estado. [A venda de cargos pablicos, que dava origem a administradores iteficientes © corruptos foi el minada, e 08 maisaltos cargos no pais ficaram a0 aleance de homens de talento, quaisquer que fos

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