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Eu penso, logo eu sinto, portanto reajo emocionalmente

Miguel Lucas

Nós sofremos pelas avaliações e interpretações que fazemos acerca de nós mesmos e da nossa vida. Aqui estão
alguns tipos de discurso que podem conduzir-nos ao sofrimento emocional: “Eu nunca consegui atingir todo o
meu potencial”, “Eu não tenho amigos suficientes”, “Eu vou estar sozinho na velhice”, “Ninguém me leva a
sério.” Este tipo de pensamentos interpretativos são induzidos pela nossa história pessoal e situação individual,
mas eles equivalem a medos vagos e na grande maioria das vezes sem fundamento. (Como é possível definir o
potencial? Quantos amigos são suficientes? Posso ter a certeza sobre o futuro? Como eu sei se sou levado a
sério?). Muitos de nós preocupamo-nos com pensamentos improváveis de estar a acontecer ou virem a
realizar-se.

Porque pensamentos vagos e improváveis carregam tanto peso? É uma pergunta que vale a pena perguntar de
vez em quando. Para responder, vou recorrer à neurociência. O que uma compreensão básica do cérebro pode
sugerir sobre a razão pela qual as crenças têm tanto peso nas nossas avaliações e interpretações?

Zonas cerebrais especializadas nas reações emocionais

Em termos mais simples, temos centros emocionais no córtex cerebral que “pintam” as nossas atitudes. A
amígdala é uma estrutura cerebral altamente implicada na manifestação de reações emocionais e na
aprendizagem de conteúdo emocionalmente relevante, e consequentemente criadora dos sentimentos
negativos (e igualmente de alguns positivos). Reconhece as ameaças e estimula-nos a reagir. A amígdala é a
grande reguladora dos disparos emocionais, como a raiva e medo.

Os centros emocionais são considerados mais primitivos do que as regiões cerebrais responsáveis pelo
pensamento racional e mais elaborado, pois desenvolveram-se mais cedo no processo evolutivo. Mas as
emoções são vitais mesmo para a tomada de decisão lógica. Tem sido demonstrado que quando as pessoas
sofrem danos nestas regiões “emocionais” do cérebro, às vezes elas perdem a capacidade de fazer escolhas.
Apesar de serem capazes de listar os prós e contras de opções concorrentes, elas não conseguem escolher entre
as várias opções. Porque não? Provavelmente porque essas pessoas não têm a sensação de que escolher é
importante para elas. Sem um sentimento emocional de melhor vs pior, o resultado é indiferença ou paralisia
da ação.

As emoções são valiosas. Não são surtos infantis, rudimentares que dominam o pensamento mais elevado. São
os motores que nos impulsionam para o que importa na vida. Na grande maioria das vezes para aquilo que nos
é significativo. Ainda assim, embora os sentimentos sejam vitais e necessários, eles pode colocar-nos em
apuros. Mas qual a razão?

A evolução das emoções como vantagem para a sobrevivência

Considere como as emoções evoluíram. Compartilhamos a amígdala e as estruturas de emoção relacionadas


com outros mamíferos. Uma das razões pelas quais nos unimos melhor com os cães do que com os lagartos é
que os mamíferos exibem profundidade emocional, mas os répteis não. Os cães podem parecer felizes,
abatidos, esperançosos, amorosos e zangados. Lagartos não podem. À medida que os mamíferos se tornavam
emocionais, algo importante era adquirido: o sentimento.

As emoções servem como fortes motivadores para a ação tendo como motor principal a preservação da vida. Os
mamíferos respondem aos sentimentos como algo a levar em consideração porque, de fato, as emoções pesam
nas decisões de vida ou morte. Uma pontada de medo pode alertar para um predador à espreita. Uma explosão
de luxúria pode sinalizar uma chance de procriar. O desejo pode levar a uma refeição nutritiva. Cada um destes
casos faz a diferença para a sobrevivência, para a reprodução, para a vida. As emoções são o que motivam as
escolhas vitais que mantêm uma espécie se propagando através do tempo. O animal que sente medo sabe
esconder-se, ou fugir, ou lutar. Ele faz isso com paixão, impulsionado por fortes sinais internos. Da mesma
forma, um animal que sente amor defende as suas crias ou o seu grupo social, e assim preserva sua progénie e
parentes.

Na natureza, as emoções impulsionam comportamentos que promovem a vida: alimentação, defesa,


reprodução. Os sentimentos não são preferências arbitrárias sem importância. Eles são símbolos de
sobrevivência, morte e nascimento.
Reações emocionais à subjetividade

Para os seres humanos, no entanto, as emoções já não surgem apenas em situações biologicamente
significativas. Elas surgem em torno de conceitos e crenças. Podemos sentir-nos ameaçados por ataques contra
o status, ou competência, ou ideias, ou objetivos. Pense em guerras travadas sobre religião ou ideologia. Pense
em crianças discutindo sobre o controle remoto da TV. Ou até mesmo sentir ameaça interna quando julgamos
não conseguirmos vir a sentir-nos realizados na nossa vida.

Este tipo de sentimentos de natureza negativa surgem sempre que algo que nos é significativo fica
comprometido, se perde, ou não nos é possível alcançar. Quando você diz que é um perdedor, certamente
também se sente um perdedor, então assume para si mesmo: “Eu sou um perdedor.”

Ainda temos sentimentos fortes, mas eles não se relacionam mais apenas com as necessidades básicas da vida
como alimentação, sexo e predadores. Em vez disso, os sentimentos estão ligados a ideias, a conceitos abstratos
que crescem fora da cultura e da história. Mas, apesar desta desconexão, respondemos como se as nossas
próprias vidas estivessem na linha da frente. Porquê? Porque é assim que nos sentimos. Como se alguém ou
alguma coisa estivesse a comprometer os nossos objetivos, interesses ou valores.

Cada ideia que nos interessa possui significados que fazem disparar os centros emocionais do cérebro. Se você
zombar das minhas crenças, eu sinto raiva e quero atacá-lo ou defender-me. A minha fúria seria apropriada se
você ameaçasse a minha saúde física, mas faz sentido se você simplesmente discordar das minhas ideias? Os
conflitos verbais deveriam aumentar? Conduzir-nos à violência? Provavelmente não, mas muitas vezes é o que
acontece.

Porquê? Porque a um nível emocional é como se estivéssemos lutando pelas nossas vidas. É o que a nossa
fisiologia está preparada para responder de acordo com o passado evolutivo. Os nossos centros de emoção não
podem distinguir entre uma briga sobre a única gazela morta há um mês na savana e uma discussão sobre qual
o programa de TV que se deve assistir (o cérebro como um todo pode, é claro, mas somente se exercermos uma
supervisão racional suficiente para suprimir a reatividade emocional).

Se você pretende ser menos reativo, e aumentar a sua capacidade de responder em consciência,
aconselho que leia o meu artigo: Deixe de reagir, escolha a sua resposta em consciência

Podemos sentir-nos ansiosos e com medo devido ao exame escolar que vamos ter de realizar amanhã, como
podemos sentir medo se tivermos de passar numa zona violenta e propensa a assaltos. O medo nos dias de hoje
tornou-se muito mais abstrato e subjetivo do que nos primórdios da humanidade. Ou seja, tem muito mais a
ver com as interpretações que fazemos acerca dos resultados dos nossos comportamentos ou do
comportamento dos outros, do que necessariamente da situação ser realmente fisicamente ameaçadora.

Nós reagimos emocionalmente às ideas, avaliações e conceitos mais do que deveríamos, porque os sentimentos
evoluíram para ajudar nas decisões sobre a vida e a morte, não sobre abstrações. Isso tem implicações em
muitos níveis. Explica muita discórdia política e social. Vejamos o seguinte exemplo. Às vezes sinto-me mal por
mim mesmo porque não me sinto à altura dos padrões da sociedade. Para a minha amígdala, isso não me
parece um mero fracasso em satisfazer critérios arbitrários. Parece que eu poderei não ser socialmente aceite
(nos nossos ancestrais era equivalente a ser expulso da tribo). Não admira que eu fique chateado!

Mas se eu ficar chateado, os meus pensamentos irão ser de acordo com aquilo que eu sinto, e
consequentemente eu comporto-me de acordo com o que penso e sinto, logo passo a ser eu próprio a minha
zanga. Este é o grande problema de nos identificarmos a 100% com aquilo que nos passa na cabeça e que
sentimos no corpo, pois os comportamentos que emitimos podem não ser os adequados à realidade ou situação
que enfrentamos. Mas como não nos conseguimos “separar” dos pensamentos e sentimentos momentâneos,
julgamos, mesmo que temporariamente, ter de agir com fúria e com isso atacar o alvo da nossa zanga.

Na grande maioria da vezes, quando a nossa amígdala emite um sinal emocional, o sentimento funde-se com o
pensamentos e julgamos ser o que que estamos a pensar e a sentir naquele momento. Sendo que na grande
maioria das vezes não conseguimos perceber que o nosso comportamento está a ser influenciado por um
sequestro emocional. Por isso, quando agimos de acordo com o sequestro emocional, agimos de cabeça quente,
e muitas das vezes acabamos por nos arrepender.

Somos mais que os nossos sentimentos e pensamentos

Imagine que alívio seria separar o conceptual do emocional. Imagine se eu pudesse reconhecer os padrões
como contingentes e históricos ao invés de internalizá-los como requisitos para o apoio tribal e para a
sobrevivência. Imagine se os meus pensamentos e sentimentos estivessem menos ligados?

O que sabemos sobre a neurociência implica a possibilidade de desconectar ideias abstratas de sentimentos
fortes, porque os dois são gerados por diferentes regiões cerebrais que agem pelo menos um pouco
independentemente. Curiosamente, séculos antes de sabermos algo útil sobre o cérebro, filosofias yogis e
budistas estavam ensinando que os sentimentos e pensamentos são separáveis. Trabalhar para reconhecer e
aumentar a distância entre emoção e cognição foi um dos passos-chave para alcançar a paz de espírito.

Estou alcançando todo o meu potencial? Eu tenho amigos suficientes? Estarei a viver sozinho daqui a vinte
anos? Alguém acha que vale a pena o meu blog? Com um pouco de prática, posso fazer essas perguntas por
curiosidade sem surtos de pesar, insegurança, medo ou desespero. As engrenagens lexicais e emocionais não
precisam se interligar, uma dirigindo a outra como se a minha vida dependesse disso.

Às vezes as ideias importam e representam muito para nós. A crença de que os incrédulos são perigosos pode
causar problemas. Mas porquê? Porque a agitação emocional pode escalar e conduzir a ação desesperada,
agressiva visando defender a crença (como se fosse viver ou morrer). É difícil imaginar fanáticos atacando os
outros se eles não se sentirem fortemente ameaçados pelas suas ideias. Portanto, a questão está em parte com o
conteúdo lógico do pensamento, mas tem mais a ver com a resposta emocional ao pensamento.

Por isso, não interessa tanto o que eu penso, mas como penso acerca dos meus pensamentos. Assim será igual
para os sentimentos. Não importa tanto o que eu sinto, mas como me sinto acerca dos meus sentimentos.
Penso, sinto e reajo? Penso, e reflito acerca do que estou a pensar? Sinto e separo-me do que sinto para que
possa perceber a natureza do meu sentimento?

A prescrição para a formulação da resposta é a seguinte: Pensamentos separados dos sentimentos. Se fosse
ensinado às crianças essa habilidade, haveria menos adultos conduzidos a atos insanos por meros conceitos
associados a ideias que nos passam na cabeça. Ou seja, cada vez que sentimos um impulso emocional, teríamos
de conseguir ponderar quais as consequências do comportamento que estamos a sentir e nos sentimos
impelidos a realizar.

Na verdade, nenhum de nós é o que pensa ou sente. Nós somos aquele que pensa e sente, e quando pensamos
ou sentimos algo que não se adequa, podemos pensar algo mais adequado e que gere um melhor sentimento.
Na posse de um sentimento mais capacitante, certamente os comportamentos serão mais assertivos e menos
reativos.

Abraço,

Miguel Lucas

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