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Capítulo 4

CIÊNCIA MATEMÁTICA

4.1 PROBLEMAS FILOSÓFICOS SUGERIDOS


PELA MATEMÁTICA
Desde que a losoa começou entre os gregos antigos, a Matemática tem sido uma das
grandes fontes de questões losócas [24]. Para os gregos a Matemática era predominantemente
Geométrica: ao estudar Geometria segundo as linhas tradicionais, uma grande quantidade de
problemas losócos se apresenta. E os problemas surgem, de imediato, nos primeiros passos da
disciplina. Euclides dene um ponto como aquilo que não tem partes.
Como entender a denição ? Não seria impossível existir alguma coisa destituída de partes?
E, admitindo a existência, poderíamos ver essas coisas ou conhecê-las? A Geometria de Euclides
foi encarada, por muitos estudiosos, como a descrição do mundo físico; é difícil, porém, acreditar
que o mundo seja formado de pontos. Com efeito, se o ponto não tem extensão, mesmo um
número innito de pontos não bastaria para constituir um volume no espaço. Seriam pontos
apenas idéias de nossa mente? Seriam cções ilusórias? Ou seriam coisas reais, nada observáveis?
Em qualquer caso, por que podem os arquitetos e engenheiros aplicar os princípios da Ge-
ometria ao mundo real ? Eis uma lista de questões interligadas: Que espécie de signicado têm
os termos de Geometria ? Os princípios da Geometria são verdadeiros ? Como adquirimos- se
é que chegamos a adquiri-los - conhecimentos geométricos ? Por que se aplica a Geometria ao
mundo observável ?
O aparecimento das geometrias não-euclidianas avivou ainda mais as controvérsias. Se as
Geometrias que incluem leis incompatíveis com as leis da Geometria euclidiana são legitimas,
do ponto de vista matemático, de que modo conceber a verdade matemática? Se uma lei é
incompatível com outra, as duas não podem ser verdadeiras. Teriam os matemáticos abandonado
a noção de verdade? Nesse caso, por que estudar geometria ? Não sendo uma busca da verdade
acerca do espaço, que signicado tem a Geometria?
Na matemática dos números, uma grande porção de questões semelhantes se coloca. Pergunta-
se sobre o signicado dos termos empregados, sobre a possibilidade de alcançar a verdade e até
mesmo se a noção de verdade poderia ser buscada nessa parte da Matemática. Pergunta-se sobre
o tipo de conhecimento adquirido - se realmente chega a ser adquirido - e sobre a possibilidade

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de aplicar as leis dos números ao mundo real. Em conexão com a Matemática dos números,
um novo problema um tanto diferente se apresenta: o problema da existência matemática. Em
Geometria é possível entender os princípios de modo hipotético, sem pensar que eles asseverem
a existência de alguma coisa:

 Se existe uma gura que é um triângulo, então a soma de seus ângulos é igual a
dois ângulos retos.

Nada nos obriga a acrescentar à Geometria leis como Existe um triângulo.


Na matemática dos números, por outro lado, há muitas leis que parecem, de fato, asseverar
a existência de certas coisas; assim:

 Existe exatamente um número y tal que o produto de x por y , seja qual for x, é
igual a x.

Essa espécie de lei parece garantir, de modo bem denido, a existência de algo (o número1),
de modo que não se torna fácil, como no caso das leis geométricas, dar-lhe um sentido hipotético.
Não obstante, que tipo de existência estaria em foco? Com que espécie de realidade trabalha
essa parte da Matemática? Deve-se entender o enunciado de existência em sentido literal, ou em
sentido gurado?.
Aí estão problemas losócos, pois que as perguntas levantam questões gerais acerca de
signicado, verdade, realidade e conhecimento. Os matemáticos, preocupados com o desenvolvi-
mento de sua especialidade, não costumam dar a essas questões fundamentais senão uma atenção
passageira e supercial. Podem dizer, por exemplo: Sim, está bem. Mas essa é a vantagem do
matemático, pois esses supostos problemas não passam de confusos pseudo-problemas. Esse
tipo de especulação losóca a propósito da Matemática não tem qualquer interesse.
A observação é exagerada, muitas perplexidades losócas originadas pela Matemática podem
ser de fato, simples erros de interpretação; sem embargo, os problemas são sérios do ponto de vista
intelectual, porquanto os erros que os originam estão longe de ser enganos de fácil eliminação - ao
contrário, são enganos freqüentes e importantes. Os problemas merecem atenção; não podemos
ignorá-los, sumariamente, sem tentar resolvê-los.
Cabe, nesta altura, comparar a Filosoa da Matemática e a Filosoa da Religião. Depois
de reetir cuidadosamente acerca do que lósofos e crentes têm dito a propósito da Divindade,
desde a antiguidade até o presente, é possível que cheguemos à conclusão de que o discurso
religioso é confuso, incoerente e de pouco sentido. Mesmo que essa fosse a conclusão obtida,
não indicaria dever-se abandonar a discussão losóca da religião. Muito ao contrário. Se o
pensamento religioso é confuso, a confusão reete poderosas e profundas tendências intelectuais
do homem. A confusão dicilmente poderá ser afastada se não chegarmos às suas raízes [17]. O
mesmo se pode asseverar a respeito da Filosoa da Matemática.

4.1.1 Conhecimento a-priori  e empírico.


Antes de abordar os problemas especiais da Filosoa da Matemática, tentemos deixar claras
algumas distinções que os lósofos consideram importantes e que, em verdade, têm sido lembradas
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quando se discute o nosso tema central. A primeira distinção - a que os lósofos, há muito, vêm
dando atenção - é a que se estabelece entre conhecimento a-priori e conhecimento empírico (ou
também, a posteriori). Tradicionalmente, pensadores racionalistas são aqueles que sustentam
a primazia do conhecimento a-priori ; empiristas são aqueles que atribuem maior importância
ao conhecimento empírico. Uma das questões que se considera fundamental em Filosoa da
Matemática é saber se o conhecimento matemático (admitindo que exista) é empírico oua-priori.
Não obstante, a distinção entre as duas espécies de conhecimento nem sempre foi claramente
colocada. O termo empírico signica baseado na experiência, e a expressão a-priori, signica
 passível de obter antes da experiência. Como, porém, entender essas duas expressões?
Filósofos do passado admitiram que a distinção entre conhecimento empírico e a-priori es-
tava associada a uma presumida diferença entre conceitos empíricos e a-priori, sustentando que
o conhecimento que envolvesse conceitos empíricos devia ser empírico e que o conhecimento que
envolvesse conceitos a-priori devia ser a-priori. Admitiam que os conceitos empíricos correspon-
diam a idéias abstraídas pela mente a partir do que é dado na experiência sensorial e que os
conceitos a-priori correspondiam a idéias xadas na mente por outra via.
Esse modo de ver, no entanto, padece de dois defeitos. Em primeiro lugar - ainda que
se aceite a divisão dos conceitos em empíricos e a-priori, admitindo-se como legitima e bem
fundada essa divisão - não ca afastada a possibilidade de existirem conhecimentos empíricos
que não sejam exclusivamente traduzíveis em termos de conceitos empíricos e não ca afastada a
possibilidade de existirem conhecimentos a-priori que não sejam exclusivamente traduzíveis em
termos de conceitos a-priori. Em segundo lugar - e esse ponto é o mais importante a considerar
- a distinção entre conceitos empíricos e a-priori não faz inteiro sentido.
Assenta-se em uma teoria psicológica da abstração, entendida como processo quase-mecânico
pelo qual o espírito elabora aquilo que é dado na experiência. Essa teoria, rudimentar e su-
perada, não é capaz de esclarecer de que maneira seriam distinguidos os conceitos que podem
e que não podem ser abstraídos a partir daquilo que é dado na experiência sensorial. Os
lósofos admitiam que uma pessoa, ao contemplar um objeto vermelho, era capaz de abstrair
a dada idéia de vermelhidão, sem poder, no entanto, abstrair a idéia de virtude quando con-
templava uma coisa virtuosa. Não diziam, porém, em que sentido as duas situações diferiam.
Em conseqüência, por força da inuência de teorias psicológicas ultrapassadas, a distinção entre
conhecimentos empíricos e a-priori cou bastante obscura. Tentemos apresentar a diferença de
maneira mais adequada.
Suponhamos que alguém saiba que os corvos são pretos, que César nasceu antes de Calígula,
que as moléculas de hidrogênio são formadas de dois átomos ou que não haverá um tufão amanhã.
Aí estão alguns exemplos nítidos daquilo que os lósofos consideravam conhecimento empírico.
Cada um de tais conhecimentos está assentado na experiência, no seguinte sentido: para saber
qualquer daquelas coisas, a pessoa precisa não apenas entender o que signicam como possuir
evidência para elas, retirada de experiências sensoriais, isto é, evidência relativa ao que se viu,
ouviu, sentiu, cheirou ou degustou. Para saber que os corvos são pretos devo não apenas entender
o que isso quer dizer, mas devo ter visto corvos, ou visto penas dessas aves ou devo ter ouvido
relatos de pessoas que viram essas coisas - ou algo do gênero.
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Está claro que, mesmo sem evidência, alguém pode acreditar que os corvos são pretos, que
César nasceu antes de Calígula, que as moléculas de hidrogênio têm dois átomos ou que haverá
um tufão amanhã. Crenças, no entanto, mesmo quando verdadeiras, não são conhecimentos,
se lhes faltam justicações. A questão é esta: apenas as observações sensoriais podem oferecer
o tipo de justicação de que uma pessoa necessita a m de estar em condições de dizer que
conhece fatos dessa espécie. Se não disponho de nenhuma evidência na observação relativa aos
corvos é falso, por certo, dizer que sei serem eles pretos. É auto-contraditório armar que se
sabe algo dessa natureza sem sabê-lo à custa de evidência ganha pela experiência sensorial. Em
resumo, podemos dizer que o conhecimento empírico é o conhecimento que requer justicação
da experiência.
Há outros tipos de conhecimentos, porém, em que a inuência da experiência é diversa.
Imagine-se que alguém saiba que os corvos são aves, que César nasceu ou não antes de Calígula,
que as moléculas de hidrogênio são moléculas, ou que haverá tempestade amanhã, se vier um
tufão. Aí estão alguns exemplos nítidos daquilo que os lósofos entendiam por conhecimentoa-
priori Uma pessoa não precisaria ter examinado corvos, direta ou indiretamente, para dizer que
sabe serem os corvos aves; não precisaria ter estudado a história de Roma a m de saber que César
nasceu antes de Calígula; não precisaria ter contemplado experimentos físicos, realizados com
hidrogênio, para saber que as moléculas de hidrogênio são moléculas; nem precisaria examinar
os mapas de tempo preparados para amanhã para saber que haverá tempestade se houver tufão.
Em qualquer desses casos, a única experiência necessária é aquela experiência, seja da qual for,
que habilita uma pessoa a entender as palavras em que o conhecimento se exprime: nenhuma
experiência adicional é necessária para justicar a armação de que se conhece alguma coisa.
Em resumo, podemos denir conhecimento a-priori como conhecimento que não necessita da
justicação pela experiência.
Essa distinção entre conhecimento a-priori e conhecimento empírico é de importância losó-
ca, tanto pelos esclarecimentos que presta quanto pelos problemas que levanta. Ajuda-nos a
compreender que matérias como Física, Biologia e História - principalmente preocupadas com
questões relativas ao conhecimento empírico - devem estar assentadas nas observações se desejam
ver estabelecidas as suas conclusões. Em oposição, matéria como a Lógica, digamos, preocupa-se
com o conhecimento a-priori (a Lógica busca obter conhecimento a-priori das regras que gover-
nam a validade dos argumentos), não necessitando, portanto, das observações para atingir suas
conclusões. Isso posto, eis a questão que se coloca: e a Matemática? Será, nesse particular,
semelhante à Física ou semelhante à Lógica? Ou será semelhante, em parte, a ambas? Uma
questão losóca geral que a distinção também coloca é saber de que maneira se obtém o con-
hecimento a-priori : por meio de uma especial visão da realidade, ou de nosso próprio espírito,
por meio da compreensão da linguagem, ou como? Se o conhecimento matemático fora-priori,
não assentado na experiência, então em que se fundamenta?
Associada à distinção entre conhecimento empírico e conhecimento a-priori está outra dis-
tinção muito importante: a que se estabelece entre dois tipos de raciocínio, a dedução e a indução.
Não tentaremos caracterizar as noções de maneira precisa, limitando-nos a acentuar de que mo-
do elas diferem uma da outra. Dedução é raciocínio em que se pode saber, a-priori, que, não
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havendo erro lógico e sendo verdadeiras as premissas, a conclusão também terá de ser verdadeira.
Sirva de exemplo: Todo número par é divisível por dois; nenhum número primo é divisível por
dois; logo, nenhum número primo é par.
Não há, aqui, nenhum erro lógico; podemos saber, a-priori, que a conclusão terá de ser
verdadeira se as premissas forem verdadeiras. Aí está um exemplo do tipo de conhecimento de
que trata a Lógica, já que o argumento dedutivo é válido em virtude da sua forma lógica. Em
outras palavras, relativamente a qualquer argumento da forma Todo $$$ é ; nenhum ∗ ∗ ∗ é ;
logo, nenhum é $$$, pode-se saber, a-priori, que, sendo verdadeiras as premissas, a conclusão
terá de ser verdadeira. Na Lógica, a noção de forma lógica está somente relacionada ao arranjo
dos vocábulos todo, nenhum, é e de outros vocábulos lógicos, inclusive vocábulos como
alguns, não, e, ou e se.
O argumento que examinamos é válido em virtude de sua forma lógica - em virtude do arranjo
de suas palavras lógicas. Dizer isso, no entanto, não equivale a dar uma explanação losóca
acerca da validade do raciocínio. Não se esclareceu de que maneira se obteve o conhecimento
a-priori de que a conclusão deve ser verdadeira se as premissas forem verdadeiras. As pessoas
concordes acerca da forma do argumento podem, sem dúvida, divergir quanto à maneira de
encarar o conhecimento da validade de argumentos dessa forma; esse conhecimento resulta de
uma contemplação da realidade dos espíritos ou da linguagem? Não há, além disso, motivos
sólidos para supor que todos os raciocínios dedutivos válidos sejam válidos apenas em virtude de
sua forma lógica. Eis um argumento que retrata um raciocínio dedutivo perfeitamente legitimo:

 O monte McKinley é mais alto do que o pico Pikes; o pico Pikes é mais alto
do que o monte Washington; logo, o monte McKinley é mais alto do que o monte
Washington.

Entretanto, a Lógica não considera uma forma do tipo:

 x é mais . . do que y ; y é mais. . do que z ; logo, x é mais. . do que z .

O limitado número de palavras a que os lógicos dão atenção forma uma lista em que não
comparece  mais - do que, expressão que é considerada não-lógica. O raciocínio, não obstante,
é perfeitamente válido, pois sabemos, a-priori, que se as premissas forem verdadeiras a conclusão
terá de ser verdadeira. é certo que alguém poderia objetar, dizendo que o argumento só se torna
válido quando se lhe acrescenta esta premissa: sempre que uma primeira coisa é maior do que
uma segunda e esta maior do que uma terceira, a primeira é maior do que a terceira. Sem
embargo, esta premissa é aqui tão dispensável como seria dispensável, no argumento anterior, a
premissa: sempre que algo de uma dada espécie é também de uma segunda espécie e nada que
seja de uma terceira espécie é da segunda, nada da terceira é da primeira espécie.
Não é preciso acrescentar essas premissas, porquanto as premissas utilizadas são, em cada
caso, perfeitamente sucientes - no sentido de que se pode aançar que sendo elas verdadeiras a
conclusão também será verdadeira. A premissa adicional não é mais do que uma formulação da
regra de inferência que governa a maneira de raciocinar, isto é, que governa a maneira de colher
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a conclusão a partir das premissas dadas. A conseqüência a retirar daí é esta: embora a forma
lógica seja importante para as deduções, ela não é tudo.
Contrastando com a dedução, a indução é um raciocino em que a conclusão obtida expressa
uma conjetura empírica muito mais ampla do que a expressa pelos dados. Não se pode, portanto,
saber, a-priori, que a conclusão terá de ser verdadeira se os dados forem verdadeiros. Exempli-
cando, imagine-se que eu tenha observado muitos corvos, constatando que todos eram pretos.
Posso, então, raciocinando de modo indutivo, dizer que muito provavelmente todos os corvos são
pretos. A verdade dos meus dados não constitui garantia a-priori para a conclusão de que todos
os corvos devam ser pretos. Na melhor das hipóteses, o que se pode é dizer que os dados apóiam
e conrmam a conclusão, sem garantir a sua verdade.
A distinção entre dedução e indução está associada à distinção entre conhecimentoa-priori
e empírico deste modo: ao oferecer uma demonstração de um enunciado a-priori, mostrando
que é, de fato, algo que se sabe ser verdadeiro, não há motivo para que a demonstração deixe
de ser dedutiva, em cada um de seus passos. Nunca deve ser necessário empregar raciocínios
indutivos, para estabelecer uma conclusão que só encerra conhecimentoa-priori. Ao estabelecer,
porém uma conclusão de caráter empírico, pelo menos um dos passos do raciocínio deve ser
indutivo; uma conclusão empírica não poderia ser estabelecida jamais por meio de um raciocínio
integralmente dedutivo [6].

4.1.2 Conhecimento analítico e sintético.


Além de debaterem a distinção entre conhecimento a-priori e empírico, os lósofos também
se preocupam com a distinção entre conhecimento analítico e sintético. Esta última distinção
foi introduzida na Filosoa pelo pensador alemão Emanuel Kant e tem sido, desde o século
XV III , fonte de intermináveis discussões. Tentando explicar a distinção que estabeleceu entre
conhecimento sintético e analítico, o pensador alemão valeu-se da noção de juízo. Segundo Kant,
saber alguma coisa ou Ter uma crença de qualquer espécie é haver elaborado um juízo; o juízo
pode ter sido elaborado consciente ou inconscientemente, e pode ou não ter sido expresso em
palavras para ser pronunciado na forma de um enunciado.
Kant descrevia o ato mental de formular um juízo como um ato de ligação de conceitos,
reunidos na consciência. Segundo essa maneira de ver, alguém que sabe serem todos os solteiros
pessoas não-casadas reuniu, em sua consciência, o conceito de solteiro e o conceito de não-casado
(ligando-os da maneira que a Lógica denomina universal e armativa). De modo análogo, alguém
que saiba que nenhum gato voa, reuniu, em sua consciência, o conceito de gato e o conceito de
voar (tornando a conexão universal e negativa).
Kant imaginou que uma distinção devia ser estabelecida entre dois tipos basicamente diversos
de juízos. A distinção assemelha-se àquela que a Química estabelece entre a síntese - o ato de
colocar juntas coisas que não estavam combinadas e que eram diferentes - e a análise, o ato de
isolar de alguma coisa um de seus componentes. Em relação aos juízos, de um lado acham-se
aqueles em que a mente sintetiza ou reúne conceitos de um modo que não espelha qualquer
conexão intrínseca que ambos possam ter; o juízo segundo o qual nenhum gato voa é exemplo de
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juízo sintético, pois nada há, no conceito gato, que exclua intrinsecamente o voar.
De outro lado, acham-se os juízos em que a mente analisa um conceito, separando dele outro
conceito que o integrava. O juízo segundo o qual todos os solteiros são não-casados é exemplo de
um tal juízo analítico porquanto o conceito de não-casado é parte intrínseca do conceito de ser
solteiro. Seguindo, pois, as idéias fundamentais de Kant, podemos, em primeira aproximação,
dizer que a distinção é esta: um juízo é analítico se, e semente se, nada mais que a reexão
em torno dos conceitos do juízo e em torno da forma de combiná-los se zer necessária para
capacitar-nos a saber se o juízo é verdadeiro. Um juízo é sintético se, e somente se, a simples
reexão em torno dos conceitos e de sua forma de combinação for insuciente para determinar a
verdade do juízo; para saber da verdade do juízo é necessário apelar para algo mais.
São muitos os lósofos contemporâneos que não se interessam pelos estudos de Kant a propósi-
to de juízos e de conceitos, considerados como fenômenos mentais. é possível, todavia. re-
formular esta primeira distinção entre o analítico e o sintético para deixá-la aceitável a esses
lósofos. Diremos que um enunciado é analítico se, e somente se, nada mais do que a sua com-
preensão for requerido para habilitar-nos a dá-lo como verdadeiro. Um enunciado será sintético
se compreendê-lo nunca for suciente para capacitar-nos a determinar sua verdade. Falar acer-
ca de enunciados, e não de juízos e conceitos, evita controvérsias desnecessárias a respeito da
psicologia kantiana.
Kant ofereceu uma segunda versão da distinção entre analítico e sintético. Embora colocada
em termos diversos, Kant considerava esta segunda versão como equivalente à primeira. De
acordo com a nova maneira de considerar a distinção, os exemplos paradigmáticos de verdades
analíticas seriam as verdades lógicas. Considere-se o enunciado que assevera que todos os cães são
cães e o enunciado que assevera que, se alguns cães forem criaturas inteligentes, então algumas
criaturas inteligentes serão cães.
Os dois enunciados são verdadeiros e, em realidade, verdadeiros serão todos os enunciados da
forma Todos os isto e aquilo são isto e aquilo e da forma, Se alguns assim são tais e tais, então
alguns tais e tais serão assim . Enunciados como esses são verdadeiros simplesmente em virtude
do arranjo das palavras lógicas todos, alguns e se; diz-se que são verdadeiros em vista de
sua forma lógica e se chamam verdades lógicas. Kant sustentava que todos os enunciados (êle
diria juízos) cuja verdade depende da forma lógica são analíticos, e que são justamente esses
enunciados os tipos básicos de enunciados analiticamente verdadeiros.
Um enunciado (ou juízo) não obviamente analítico pode ser analítico, apesar disso, de modo
oculto. Assim, imagine-se que seja possível demonstrar que um dado enunciado é equivalente a
um enunciado obviamente analítico e que a demonstração se assente exclusivamente em princípios
claramente analíticos; nesse caso, o enunciado dado também deve ser analítico. Aí está um
modo de exibir a analiticidade de um enunciado quando essa analiticidade não era óbvia. Para
exemplicar, suponhamos que alguém arme serem todos os oculistas médicos da vista. O
enunciado pode ser considerado como sendo da forma Todos os assim são tais e tais, forma
cujos casos concretos não são todos verdadeiros. O enunciado, portanto, não parece verdadeiro em
virtude da forma lógica. Imagine-se, contudo, que o enunciado exprima a intenção de empregar
oculista como signica médico da vista.
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Quem fala, de maneira consciente ou não, emprega a denição: Por 'oculista' entendo 'médico
da vista. A luz dessa denição, estamos autorizados a dizer que o enunciado original de que os
oculistas são médicos da vista é equivalente ao de que todos os médicos da vista são médicos da
vista. este último enunciado é verdadeiro simplesmente em virtude de sua forma lógica. Podemos,
portanto, asseverar que o enunciado original é analítico não porque tenha explicitamente a forma
de uma verdade lógica, mas porque pode assumir essa forma mediante simples apelo a uma
denição.
De acordo com a segunda versão, portanto, um enunciado verdadeiro é analítico se, e somente
se, for verdadeiro apenas em virtude da sua forma ou se, mediante uso de denições, puder
ser tornado equivalente a um enunciado que seja verdadeiro em virtude apenas de sua forma
lógica. Um enunciado falso seria analítico se, e somente se, fosse falso apenas em virtude de sua
forma lógica ou se pudesse, mediante exclusivo emprego de denições, ser transformado em um
enunciado que fosse falso apenas em virtude de sua forma lógica. Um enunciado será sintético se,
e somente se, não for analítico. Para Kant, essa versão da distinção era equivalente à primeira,
e muitos lósofos posteriores concordaram com ele.
O conhecimento analítico não parecia colocar, na opinião de Kant, nenhum problema losóco
- entendendo-se por conhecimento analítico aquele que pode ser expresso em termos de enunciados
ou juízos analíticos. Era óbvio, para Kant, o modo de a mente atingir o conhecimento analítico
- simplesmente encarado como conhecimento a-priori. Ao saber, por exemplo, que todos os
solteiros são não-casados, uma pessoa possui conhecimento que apenas reete a natureza de seus
conceitos, ou, como talvez fosse preferível dizer, reete a maneira pela qual a pessoa entende a
sua linguagem.
Para ter esse conhecimento, a pessoa precisa apenas perceber que o segundo conceito é com-
ponente do primeiro; não precisa de informações relativas ao mundo exterior à sua própria mente
nem precisa de informações concernentes aos escaninhos de seu próprio espírito. Tudo é óbvio,
pensava Kant; empregando o conceito solteiro, tal como o empregamos, é simplesmente uma
questão de coerência sustentar que aqueles que caem sob o conceito solteiro também caem sob o
conceito não-casados. Isso estamos em condições de saber com certeza e de modo perfeitamente
claro; o defeito da situação é ser tão trivial que mal merece o nome de conhecimento.
O conhecimento sintético, por sua vez, parecia levantar, segundo Kant, alguns problemas para
a Filosoa. Os juízos sintéticos têm a vantagem de não serem nem vazios nem triviais; ligando
conceitos que não se acham intrinsecamente relacionados, exprimem importantes conjeturas a
propósito do mundo. Não obstante, como saber que são verdadeiros?. A mera coerência não é
suciente para permitir que eu reúna conceitos em um juízo sintético; deve haver algo mais, um
tertium quid (uma terceira coisa que se juntaria ao mínimo de dois conceitos) que me permita
sintetizar os conceitos separados para reuni-lo num juízo sintético. Em relação aos juízos sintéti-
cos de caráter empírico, admitia Kant, são as experiências sensoriais que constituem o terceiro
elemento capaz de justicar meu juízo de que, digamos, nenhum gato voa.
Já vi gatos e observei como diferem, em estrutura e comportamento, dos pássaros e dos
insetos, e esta experiência sensorial é o terceiro elemento à custa do qual estou autorizado a
emitir o juízo. Que dizer, no entanto, dos juízos sintéticos a-priori ? Aqui estava, no parecer
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de Kant, a origem dos profundos problemas losócos. Suponhamos haver um conhecimento


a-priori (isto é, não justicável pela experiência sensorial) e sintético (isto é, não justicável
pela conexão intrínseca dos conceitos empregados - ou seja, não justicável pela maneira de
entender os termos empregados). Esse conhecimento teria de ser justicado por algum peculiar
terceiro elemento. Seria, além disso, de grande importância compreender de que maneira esse
conhecimento poderia ser obtido. Para Kant, era na Matemática que se encontravam os mais
claros exemplos de tal conhecimento sintético a-priori.

4.1.3 A tessitura aberta da linguagem.


Falamos da distinção entre conhecimento a-priori e empírico e da distinção entre conheci-
mento analítico e sintético, tratando as distinções como se fossem nítidas e precisas. é preciso
reconhecer, porém, que não se trata de distinções perfeitamente claras, não obstante a importân-
cia losóca de que se revestem. Há casos-limite ou periféricos, que não se colocam nem na
categoria a-priori nem na categoria empírica; há, também, casos-limite que nem se situam na
categoria analítica nem na sintética. Em verdade, os casos mais interessantes são, freqüente-
mente, os que se acham na fronteira ou próximos dela.
Um caso-limite bem simples é o de alguém que saiba terem todas as aranhas oito patas.
Esse conhecimento será empírico e assentado necessariamente na experiência, ou a-priori, não
necessitando de justicação que provenha do exame das aranhas? (Em outras palavras: será
analítico ou sintético?) Antes de estarmos autorizados a dizer que as aranhas têm oito patas,
será ou não será preciso olhar para o maior número possível de tais aranhas? Bem, dirão os
mais impacientes, depende da maneira como se emprega a palavra aranha. Se ter oito patas
for parte de sua denição, será a-priori analítico que as aranhas têm oito patas; se não for,
será empírico e sintético. De certo modo, a resposta é boa. é preciso distinguir a sentença (a
seqüencia de palavras) Aranhas têm oito patas dos vários pronunciamentos que alguém poderia
estar fazendo ao formular a sentença.
Quem empregasse a sentença, e estivesse utilizando o vocábulo aranha de tal modo que ter
oito patas fosse parte da denição, estaria fazendo um pronunciamento analítico ea-priori. Quem
empregasse a mesma sentença, e estivesse utilizando o vocábulo aranha de tal modo que ter oito
patas não fosse parte da denição, estaria fazendo um pronunciamento empírico e sintético.
A estória, porém, não se resume nisso. Que dizer dos que enunciam a sentença sem denir,
antes, o vocábulo empregado, aqueles que, anal, empregam a palavra de maneira corriqueira?
Terão feito um pronunciamento a-priori e analítico ou um pronunciamento empírico e sintético?
Suponhamos que uma expedição retorna das cabeceiras do Amazonas trazendo espécies descon-
hecidos de animais, escuros e cheios de pêlos, parecidos com as tarântulas, com os hábitos dessas
aranhas, mas com apenas seis patas. Valendo nos da palavra aranha de maneira ordinária, co-
mo descrever o achado? Deveríamos dizer Aqui está, surpreendentemente, uma aranha de seis
patas; ou deveríamos dizer:

 Eis uma criatura muito parecida com a aranha, mas que não é aranha porque
tem apenas seis patas? 
54 Epistemologia da Matemática II

A questão não admite resposta denida, pois o uso comum da palavra aranha é insuciente
para ditar regras precisas. A linguagem comum não estabelece, de modo satisfatório, a questão
de saber se é ou não auto-contraditório falar de aranhas com seis patas. No máximo, o uso
comum da palavra poderia sugerir certa preferência pela primeira forma de descrever o achado,
sem, no entanto, eliminar a outra forma, igualmente justicada pela experiência anterior. Aqui
está, pois, um caso-limite, um exemplo de caso em que o conhecimento ca na fronteira, entre o
analítico e o sintético; não se enquadra, de forma denida, em nossas categorias. Nesse sentido,
o emprego ordinário do termo aranha apresenta o que lósofos da atualidade chamam tessitura
aberta. Nossas tendências, no uso da palavra, determinam um padrão mais ou menos frouxo,
indenido, que não xa, em denitivo, todas as possibilidades.
Recorramos a mais um exemplo, de grande importância. Antes de Copérnico, o vocábulo
movimento, bem como palavras e expressões relacionadas com ele, aplicavam-se, sem dúvida, aos
casos de objetos que mudassem de posição, relativamente à Terra. Dizia-se que uma caravana se
movimentava na terra, que um navio se movia no mar e que o céu, as estrelas e o Sol pareciam
mover-se. Examinando o linguajar comum anterior a Copérnico , poder-se-ia formular a seguinte
hipótese (chamemo-la hipótese A): as pessoas empregavam a palavra movimento para signicar
alteração de posições, relativamente à superfície da Terra.
É muito possível que, perguntado a respeito, dissessem ser isso, justamente, o que entendiam
(embora o que alguém diga acerca de como emprega uma palavra não mereça mais conança
do que aquilo que um jogador de tênis diz a propósito de como se movimenta ao jogar - é
possível cometer enganos ao descrever as próprias ações). Veio, então, Copérnico. Sugeriu que a
própria Terra estava em movimento, girando em volta do Sol, enquanto o Sol e as demais estrelas
estavam em repouso. A oposição que a idéia despertou pode ter sido fruto, pelo menos em parte,
da sensação de que ela era contraditória. Se movimento signica mudança de posição em relação
à Terra, é impossível que a Terra se mova.
Revendo a pendência à luz da hipótese A, alguém poderia dizer (chamemos a isto ponto de
vista A ): Está bem, é só uma questão de palavras. Se por movimento você entende mudança
de lugar relativamente à superfície da Terra, então a Terra não se move. Mas se por movimento
você entender mudança de lugar relativamente ao Sol e às estrelas, então a Terra estará em
movimento. Trata-se de uma convenção verbal, arbitrária: o vocábulo pode ser empregado de
qualquer das duas formas, e nenhuma delas é mais correta do que a outra. Esse ponto de vista
parece tornar a pendência entre as doutrinas de Ptolomeu e Copérnico uma simples disputa em
torno de palavras (admitindo, é certo, que junto com uma escolha de palavras caminham reações
emocionais que podem ser benécas ou prejudiciais para a religião organizada, e admitindo,
também, que a escolha das palavras pode mostrar-se conveniente ou imprópria, sob o prisma da
investigação cientíca).
Esse ponto de vista dá a impressão de que Copérnico teria agido sabiamente se criasse uma
palavra nova para descrever as suas idéias; poderia, por exemplo, ter dito que a Terra se movi-
menta em volta do Sol.
Isso teria deixado inalterado o vocábulo antigo, permitindo que as pessoas continuassem a
dizer que o Sol se move em torno da Terra. Criando uma nova palavra, em vez de alterar, de
Christian José Quintana Pinedo 55

maneira arbitrária, o signicado da palavra antiga, evitar-se-ia ambiguidade e mal-entendido (e


Galileo não teria o que desmentir).
Não obstante, essa maneira de encarar as coisas não faz justiça aos feitos de Copérnico. A sua
contribuição teria sido muito menos signicativa se ele se tivesse limitado a propor uma teoria
que armasse que a Terra se move; tratar-se-ia de uma idéia valiosa, mas não de um avanço
intelectual revolucionário - como o foi a sua idéia de que a Terra se move. Consideremos, agora,
um segundo ponto de vista (ponto de vista B) em que poderíamos colocar-nos para descrever
a situação. Desse ângulo, dir-se-ia que Copérnico não alterou, arbitrariamente, o signicado
da palavra movimento; focalizou, ao contrário, uma tendência latente que se manifestava no
emprego anterior.
É certo que as pessoas, no passado, tinham a tendência de dizer que algo se movia quando (e
somente quando) havia mudança de posição relativamente à posição média da maioria dos objetos
circundantes. Admitia-se (hipótese B ) que era isso, realmente, que signicava movimento. Na
perspectiva B . é a hipótese B . e não a hipótese A, que descreve corretamente o signicado de
movimento. Por que dizer que a hipótese B reete uma tendência mais profunda no emprego
passado? Em parte, pelo menos, porque a hipótese B nos permite uma explicação da tendência
que havia de dizer que algo estava em movimento se, e somente se, variasse a sua posição
relativamente à Terra: as pessoas assim se exprimiam, outrora, porque supunham a Terra muito
maior e mais compacta do que os outros corpos celestes, de modo que apenas os objetos que
se movessem relativamente à Terra pareceriam estar-se movendo em relação à posição média da
maior parte dos objetos considerados. No século XV I , já se possuíam melhores dados acerca
das dimensões dos corpos celestes, em comparação com as do nosso planeta.
Não se notou, porém, que tais dados enfraqueciam as razões oferecidas para a imobilidade
da Terra. Chegou Copérnico. Reconhecendo que a Terra mudava de posição, relativamente à
media das posições da maior parte da matéria1 circundante, ele propôs a teoria heliocêntrica -
uma teoria que (nas linhas do ponto de vista B ) não alterava o signicado da palavra movimento
e que, em vez disso, revelava serem errôneas as opiniões a propósito daquilo que se move.
Adotamos o ponto de vista A, assentado na hipótese A, que descreve a controvérsia geocentrismo-
heliocentrismo como se fora, em essência, questão verbal, para situá-lo ao nível dos assuntos
analíticos e a-priori ; adotamos o ponto de vista B , assentado na hipótese B . que descreve a
controvérsia como questão de fato, para situá-lo ao nível dos assuntos empíricos e sintéticos
(a saber, a Terra muda ou não muda de posição relativamente às posições médias da maior
parte da matéria circundante?). O importante a notar é que nenhum dos dois pontos de vista é
integralmente correto.
A verdade está em algum ponto intermediário, embora, possivelmente, mais próximo deB
do que de A. Nem A nem B podem ser dadas como hipóteses denitivamente verdadeiras: o
emprego do termo em tela, movimento, não era governado por algumas regras bem denidas, de
modo que não há fundamento decisivo para acolher uma das hipóteses em detrimento da outra.
O que se pode dizer, de modo acertado, é que havia as duas tendências no emprego da palavra
1
matéria: a) Aquilo a que se atribui força ou energia, que é princípio de movimento b) O que dá realidade
concreta a uma coisa individual, que é objeto de intuição no espaço e dotado de uma massa mecânica..
56 Epistemologia da Matemática II

movimento (a tendência de dizer que um objeto se move se, e somente se, muda de posição em
relação à Terra; e a tendência de dizer que um objeto se move se, e somente se, moda de posição
relativamente às posições médias da maior parte de matéria circundante), cabendo armar que
a segunda era, talvez, a mais profunda, menos aparente.

4.2 EPISTEMOLOGIA DA GEOMETRIA


As maiores contribuições matemáticas da antiguidade são atribuídas às civilizações da meso-
potamia e grega, enquanto as culturas egípcia e romana se limitaram a aperfeiçoar as técnicas
de medida e a prática aritmética.
A matemática babilônica se baseava na utilização de um sistema de numeração evoluído,
que, como o atual, denia o valor relativo dos algarismos de acordo com sua posição. O método
empregava equivalência sexagesimal (base sessenta), que permanecem na relação entre horas,
minutos e segundos da medida de tempo, em lugar do sistema decimal adotado na notação
indo-arábica que se impôs em quase todo o mundo.
Os babilônios criaram as primeiras tábuas de informação e de cálculo destinadas a armazenar
dados extraídos da observação astronômica e a prever, com o auxílio de artifícios simples, a futura
disposição dos astros no rmamento. Os matemáticos babilônicos propagaram seus métodos e
operações aritméticas (adição, subtração, multiplicação, divisão, potenciação, radiciação etc.) às
sociedades vizinhas a partir do segundo milênio da era cristã e deixaram testemunhos de sua
sabedoria nas civilizações grega e alexandrina.
As principais fontes de informação concreta a propósito da matemática egípcia são dois
papiros, o de Rhind, ou de Ahmés, e o de Golenishtchev, ambos datado aproximadamente do
século XV I a.C. O papiro de Rhind parece indicar que os egípcios, à semelhança dos babilônios,
se dedicaram à solução de problemas práticos com o auxílio da matemática, sem chegarem,
contudo, à generalização das soluções. Isso explica o fato de terem permanecido no terreno da
aritmética e de não terem incursionado pela álgebra.
O sistema egípcio de numeração era decimal e empregava desenhos de linhas verticais para
representar as unidades, além de outros símbolos para indicar dezenas, centenas etc. As ex-
igências da vida cotidiana impulsionaram o estudo da geometria no Egito, muito especialmente
em razão da necessidade de restaurar marcos divisórios de terra destruídos pelas periódicas in-
undações do rio Nilo. Esses estudos não progrediram, no entanto, para além da geometria das
superfícies e de um esboço da geometria dos sólidos.
Dentre as civilizações antigas, foram os babilônios que deniram o valor relativo dos algar-
ismos por sua posição, através de um sistema sexagesimal de referência usando um símbolo
exatamente nos mesmos termos em que hoje se empregaria o zero. Com tais princípios, puderam
reduzir as frações em bases convencionais, para ns de cálculo, utilizando igualmente tábuas de
divisão, multiplicação, quadrado dos números, raízes quadradas e cúbicas. Criaram as unidades
de tempo (semana, dia, hora, minutos e segundos) e cálculos geométricos como a área do círculo
e o volume do cilindro. Menos diversicada foi a Matemática dos egípcios (aproximadamente
256 − 281 a.C ) que, no entanto, obtiveram valor mais exato para π (Pi) e dispunham da solução
Christian José Quintana Pinedo 57

para equações. Em geometria, limitaram-se ao cálculo das superfícies e esboçaram a geometria


dos sólidos.
Na Grécia (aproximadamente 600 − 500 a.C ), é dado um tratamento cientíco ao material
acumulado pelas civilizações anteriores. Tales de Mileto cria os fundamentos da geometria e
Pitágoras de Samos, segundo a tradição, demonstra o teorema do quadrado da hipotenusa e, o
que é mais importante, forma discípulos. Na índia, é difundida a numeração brahoni, com nove
símbolos diversos, indicando os números de 1 a 9, que servia de base para o sistema decimal
posicional.

4.2.1 Tales de Mileto.


Nenhum escrito de Tales sobreviveu, nem há fontes contemporâneas a seu respeito. As
realizações que lhe são atribuídas baseiam-se em referências tardias ou em lendas mantidas pela
tradição. Segundo Heródoto, Tales foi um estadista de visão que advogou a federação das cidades
jônicas da região do Egeu. Segundo Aristóteles, foi ele o primeiro a armar que a água era a
substância fundamental do universo e de toda a matéria.
Considerado o primeiro lósofo grego, Tales nasceu por volta de 625 a.C. em Mileto, onde
teria, como um dos sete sábios, fundado a escola que conserva o nome de sua cidade natal. Já se
pretendeu ver, na escola de Mileto, quer dizer, em Tales, Anaximandro e Anaxímenes, a expressão
mais autêntica do espírito jônico, ao qual se oporiam os eleatas, representantes do espírito dórico.
A nova concepção de mundo dos milésimos denominou-se logos, palavra grega que signica razão,
palavra ou discurso. As características do logos, que o contrapõem ao pensamento mítico, são a
imanência (oposta à transcendência), o naturalismo e o abandono do antropomorsmo. Esboçou-
se assim a primeira tentativa de explicar de modo racional o universo, sem recorrer a entidades
sobrenaturais.
Os lósofos da escola de Mileto eram homens de saber prático, acostumados a viajar, dedica-
dos à política e ao trabalho intelectual. A partir de fatos particulares, conceituaram a realidade
como um todo organizado e animado. Diante da multiplicidade e da mutabilidade das aparên-
cias, buscavam um princípio unicador imutável, ao qual chamaram arké (origem), substrato e
causa de todas as coisas. Em geometria, atribui-se a Tales a invenção de cinco teoremas. Diz-se
também que ele usou seus conhecimentos geométricos para medir as pirâmides dos egípcios e
para calcular a distância entre navios no mar e a costa [22]. Referências como essas, ainda que
às vezes possam não corresponder à verdade, ilustram todavia a reputação que o cercava.
Tales teria sido um precursor do pensamento cientíco ao substituir a explicação mítica da
origem do universo pela explicação física de sua cosmológica baseada na água. Para ele, a água
era o princípio formador da matéria porque o que é quente precisa da umidade para viver, o
morto se resseca, todos os germes são úmidos e os alimentos estão cheios de seiva. é natural
que as coisas se nutram daquilo de que provem. A água é o princípio da natureza úmida, que
entretem todas as coisas, e a terra repousa sobre a água.
As combinações se fazem pela mistura e pela mudança dos elementos, e o mundo é um só. A
esfera do céu está dividida em cinco círculos, ou zonas: ártica, trópico de verão, equador, trópico
58 Epistemologia da Matemática II

de inverno e Antártica. Primeiro astrônomo a explicar o eclipse do Sol, ao vericar que a Lua é
iluminada por esse astro, Tales de Mileto, segundo o historiador grego Diógenes Laércio , morreu
com 78 anos durante a 58a Olimpíada (548 − 545 a.C.).

4.2.2 Pitágoras.
Deve-se ao lósofo e matemático grego Pitágoras a criação da chamada irmandade pitagórica,
de natureza essencialmente religiosa, cujos princípios teóricos inuenciaram o pensamento de
Platão e Aristóteles. Sua reexão também foi determinante para a evolução geral da matemática
e da losoa ocidental.
Pitágoras nasceu na ilha de Samos, na Anatólia, por volta de 580 a.C. Deixou a terra natal
por aversão à tirania de Polícrates , senhor de Samos. Interessado em ciência e losoa, viajou,
ao que parece, pelo Egito, Fenícia, Babilônia, índia e Pérsia, e visitou santuários gregos. Por
volta do ano 530 a.C., emigrou para Crotona, colônia grega do sul da península itálica. Fundou
uma comunidade ao mesmo tempo religiosa e losóca, de tendências aristocráticas, que visava
à reforma social e política da região. A confraria parece ter tido atuação decisiva na derrota que
Crotona impôs a Sibaris em 510 a.C. Com o triunfo das idéias democráticas, porém, Pitágoras e
seus partidários passaram a ser perseguidos.
A inuência deixada por Pitágoras foi uma das maiores que registra a história do pensamento
antigo, embora ele mesmo não tenha deixado nenhuma obra escrita. Sua doutrina tornou-se
conhecida por intermédio de seus discípulos. Constituiu um movimento de reforma do orsmo2 ,
que, por sua vez, era uma modicação do culto a Dioniso. A obscuridade que cerca o pitagorismo
deve-se, provavelmente, ao caráter religioso e secreto da irmandade, assim como ao fato de
seus adeptos considerarem dever piedoso atribuir todas as conquistas alcançadas ao mestre e
fundador. Como crença religiosa fundamental, Pitágoras ensinava a transmigração das almas e
a abstenção de várias práticas, inclusive a de comer carne, talvez por acreditar na possibilidade
da reencarnação da alma humana em animais.
Ligada a uma forma peculiar de misticismo estava a matemática que, como argumentação
dedutiva-demonstrativa, começou com Pitágoras. Os Pitagóricos interessavam-se pelo estudo
das propriedades dos números e chegaram a fundar uma mística numérica. O lósofo teve a
originalidade de propor algo imaterial - o número - como princípio de explicação das coisas e do
mundo. Para a linguagem pitagórica, número é sinônimo de harmonia, pois, apesar de sua
homogeneidade e invariabilidade, pode expressar as relações que se encontram em permanente
processo de mutação. Se o número (considerado como essência das coisas) é constituído da soma
de pares e ímpares, as coisas também encerram noções opostas, como as de limitado e ilimitado,
donde serem vistas como conciliação de opostos, ou seja, como harmonia. Os Pitagóricos, porém,
valorizavam mais o limitado que o ilimitado e associavam ao primeiro desses conceitos os números
pares e ao segundo, os números ímpares.
2
Culto religioso-losóco, difundido na Grécia a partir dos séculos V II e V I a.C ., ligado ao culto de Dioniso, e
que se acreditava instituído por Orfeu. Caracterizava-se principalmente pela crença na imortalidade, conquistável
por meio de cerimônias, ritos puricadores e regras de conduta moral, que propiciavam a libertação da alma das
sucessivas transmigrações.
Christian José Quintana Pinedo 59

O caráter dualista das coisas era superado pela tese segundo a qual todas as antíteses obser-
vadas no universo acabam por dar lugar a uma grande unidade harmônica, da mesma forma que
as séries de números pares e ímpares - antitéticos - brotam do uno primitivo. Nesse sentido,
todas as coisas seriam harmoniosamente compostas de pequenas partículas ordenadas em guras
numéricas.
Os Pitagóricos observaram também que havia uma relação entre a altura dos sons e o com-
primento das cordas da lira. Da associação do número à música e à mística surgiram os termos
matemáticos média harmônica e  progressão harmônica. Acreditavam que em todo o universo
deve haver essa harmonia, responsável por sua existência e manutenção. O corpo humano com
saúde, por exemplo, é uma harmonia que, quando rompida, deve ser restabelecida pela medicina.
A maior descoberta de Pitágoras ou de seus discípulos imediatos deu-se no domínio da ge-
ometria e se refere às relações entre os lados do triângulo retângulo. O teorema chamado de
Pitágoras demonstra que a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa. Os
egípcios já sabiam que um triângulo cujos lados são 3, 4 e 5 têm ângulo reto, mas os Pitagóricos
chegaram à proposição geral. A teoria dos números ligada à idéia de harmonia não estimulava a
pesquisa cientíca tal como é entendida na atualidade, mas encerra o grande mérito de admitir
que as leis que regem o universo podem ser expressas em termos matemáticos.
A observação dos astros sugeriu-lhes a idéia de que uma ordem domina o universo. Evidências
disso estariam na sucessão de dias e noites, no alternar-se das estações e no movimento circular
e perfeito das estrelas. Em razão disso, o mundo poderia ser chamado de kósmos, termo que
contém as idéias de ordem, de correspondência e de beleza. Para a cosmovisão3 dos Pitagóricos,
a Terra é esférica, estrela entre as estrelas que se movem ao redor de um fogo central. Suas
distâncias do fogo central coincidem com intervalos musicais, de modo que no universo ressoa
uma harmonia das esferas. Alguns Pitagóricos falaram da rotação da Terra sobre seu eixo.
A irmandade pitagórica foi desfeita por uma conspiração que pôs m a sua hegemonia em
grande parte do sul da Itália, a Magna Grécia. Alguns discípulos emigraram e o próprio Pitágoras
foi desterrado para Metaponto , onde morreu por volta do ano 500 a.C.
Baseados nos feitos desses dois homens - Tales de Mileto e Pitágoras - o pensamento matemáti-
co e o conceito de números foram sendo desenvolvidos ao longo dos séculos, principalmente na
Grécia, o raciocínio matemático baseava-se quase que unicamente nas formas geométricas.
A matemática formulada pelos gregos ganhou caráter de ciência abstrata, com bases metodológ-
icas que estruturaram e sistematizaram seu estudo. As escolas losócas dos séculos V II e
V I a.C., inspiradas no pensamento de Pitágoras e herdeiras diretas do conhecimento oriental,
possuíam, no entanto, um sentido mágico da existência que obscurecia em parte suas grandes
conquistas cientícas.
Após um período de notáveis descobertas em geometria e aritmética, em que brilharam
matemáticos como Hipócrates, Heron de Alexandria e Diofanto de Alexandria, Euclides, por
volta de 300 a.C., realizou um exaustivo trabalho de compilação e interpretação das doutrinas
matemáticas gregas nos Elementos, cuja inuência permaneceu até os tempos modernos na Eu-
3
visão de mundo.
60 Epistemologia da Matemática II

ropa. Foi na Grécia que a geometria tornou-se uma ciência abstrata, com a feição dedutiva que
hoje a caracteriza, e que surgiu pela primeira vez a preocupação de estabelecer relações entre as
diferentes partes de uma gura (lados e ângulos de um triângulo, por exemplo).
A escrita numeral grega não trouxe novidades especiais com relação às anteriores, embora
utilizasse prexos de numeração que se conservam atualmente: penta (cinco), deca (dez),
hecaton (cem), quilo (mil) etc. Além disso, a primeira tábua de cálculo conhecida é a de
cordas, contida no Almagesto de Ptolomeu, obra que data do século II da era cristã e que exibe
o valor das cordas de um círculo em intervalos de meio grau.
Durante a chamada Idade Heróica da Matemática, (período iniciado com Anaxágoras até
Arquita), sete homens, através de suas obras descreveram as mudanças fundamentais por que
passou a Matemática um passo antes do ano 400 a.C.
Estes lósofos e matemáticos foram:

4.2.3 Anaxágoras de Clazomene.


Filósofo grego materialista que viveu de 500 a 428 a.C . Foi preso e condenado a morte, conta
a história que neste período em que Anaxágoras esteve preso, ocupou-se com uma tentativa
de quadrar o círculo. Esta foi a primeira menção de um dos três problemas que iria fascinar os
matemáticos por mais de 2000 anos. Quando condenado fugiu de Atenas e voltou para Clazomene
onde morreu.
O problema matemático que Anaxágoras atacou era de tão pouco interesse para um tec-
nologista quanto os que ele levantou em relação à estrutura da matéria. No mundo grego a
Matemática era aparentada mais de perto à Filosoa que a negócios práticos, e esse processo
permaneceu até a atualidade.
Anáxagoras, fez os primeiros cálculos e observações cientícas sobre os eclipses, introduzindo
a noção innitesimal.

4.2.4 Arquitas de Tarento.


Matemático pitagórico, nasceu em 428 a.C. aproximadamente. Acreditava rmemente na
ecácia do número; como governante de Tarento, com poderes autocráticos, era justo e moderado,
pois considerava a razão como uma força trabalhando pelo aperfeiçoamento da sociedade.
Arquitas continuou a tradição pitagórica, pondo a aritmética acima da geometria.
Escreveu sobre a aplicação das médias aritmética, geométrica e subcontrária à música. Entre
seus enunciados encontra-se a observação de que entre dois inteiros que estão na razãon : (n + 1)
não pode existir um inteiro que seja uma média geométrica.
Foi-lhe atribuída a designação dos quatro ramos no quadrivium matemático - aritmética,
geometria, música e astronomia. Arquitas desempenhou papel proeminente na educação.
É provável que Arquitas tivesse acesso a um tratado mais antigo sobre os elementos da
Matemática, e o processo interativo para achar a raiz quadrada. A contribuição mais notável de
Arquitas foi uma solução tridimensional do problema de Delos (a duplicação do cubo).
Christian José Quintana Pinedo 61

Arquitas também aplicou a matemática a mecânica, sendo por isso considerado o fundador
da mecânica cientíca, e, pela primeira vez, utiliza o cubo em geometria.

4.2.5 Demócrito de Abdera.


Filósofo grego materialista, viveu no período de 460 a.C. a 370 a.C. Estudou no Egito os
sistemas físicos e matemáticos, adquiriu também reputação como geômetra. Deu continuidade à
teoria mecânica de seu mestre Leucipo. Pelo movimento eterno de um número innito de corpos
indivisíveis, os átomos, explicava a origem do mundo. Escreveu obras matemáticas que não se
preservaram.
A chave para a Matemática de Demócrito sem dúvida é encontrada em sua doutrina física do
atomismo. Todos os fenômenos deviam ser explicados, em termos de átomos rígidos innitamente
pequenos e variados que se movem incessantemente no espaço vazio. O atomismo físico de
Demócrito pode de fato ter sido sugerido pelo atomismo geométrico dos Pitagóricos e não é de
surpreender que os problemas matemáticos que mais interessavam a Demócrito fossem aqueles
que exigissem alguma forma de tratamento innitesimal.
Considera-se que Demócrito tenha acrescentado alguma coisa ao conhecimento egípcio sobre
o volume das pirâmides que é um terço da base vezes a altura, mas que não conseguiu provar
rigorosamente. Talvez Demócrito tenha mostrado que um prisma triangular pode ser dividido
em três pirâmides triangulares que são, duas a duas, de mesma altura e de área da base iguais e
depois deduziu, assumindo que pirâmides de mesma altura e base iguais são iguais. Foi também
atribuído a Demócrito o teorema que diz que o volume de um cone é um terço do volume do
cilindro circunscrito.
Mais tarde o atomismo geométrico de Demócrito logo se deparou com certos problemas. A
história relata que a pouca popularidade de Demócrito nas duas escolas losócas dominantes
do século seguinte, as de Platão e Aristóteles, tenha encorajado o abandono das idéias dele.

4.2.6 Hipasus de Metapontum.


Por volta de 400 a.C. viveu Hipasus de Metapontum foi expulso da confraria pitagórica, a
história relata várias causas de sua expulsão, relacionadas a vida social e política de Hipasus
e outras relacionadas ao desempenho matemático indiscreto relativo à geometria do pentágono
ou do dodecaedro, talvez uma construção de uma dessas guras. E outra explicação mantém
que a expulsão de Hipasus foi relacionada com a revelação de uma descoberta matemática de
signicação devastadora para a losoa pitagórica - a da existência de grandezas incomensuráveis.
Argumentos antigos citam que parece improvável que Pitágoras conhecesse o problema da
incomensurabilidade. A sugestão mais plausível é que a descoberta fosse feita por Pitagóricos em
algum momento antes de 410 a.C. alguns atribuem especicamente a Hipasus de Metapontum.
As circunstâncias que rodearam a primeira percepção da incomensurabilidade são tão incertas
quanto a época da descoberta. Comumente se supõe que a percepção veio em conexão com a
aplicação do teorema de Pitágoras ao triângulo retângulo isósceles.
62 Epistemologia da Matemática II

4.2.7 Hípias de Elis.


Matemático, nasceu aproximadamente em 460 a.C. e viveu na metade do quinto século a.C.
Nesta época em Atenas, os chamados sostas davam aulas a seus concidadãos e ganhavam
por isto. Hípias é um dos mais antigos matemáticos de que a história informa. A ele deve-se a
introdução da primeira curva além do círculo e da reta, na Matemática, lhe atribuem também a
curva conhecida depois por trissetriz ou quadratriz de Hípias. Com essa curva, faz-se a trissecção
de um ângulo com facilidade.
A curva de Hípias é geralmente chamada de quadratriz pois pode ser usada para quadrar o
círculo. Foi conjeturado que Hípias sabia do método de quadratura mas não podia prová-lo.

4.2.8 Hipócrates de Chias.


Filósofo e matemático grego, viveu aproximadamente em 430 a.C . Era um pouco mais jovem
que Anaxágoras. Trocou sua terra natal por Atenas, era mercador, perdeu seu dinheiro em
Bizâncio por fraude, em conseqüência disto, se voltou para o estudo da geometria, em que con-
seguiu notável sucesso. A História conta que Hipócrates escreveu uma obra chamada Elementos
da geometria, antecipando por mais de um século à mais conhecida Elementos  de Euclides,
os escritos de Hipócrates se perderam.
Uma parte da obra de Hipócrates trata da quadratura de lunas (gura limitada por dois
arcos circulares de raios diferentes), o problema de sua quadratura certamente se originou do da
quadratura do círculo.
Foi atribuído a Hipócrates o teorema que diz:

 O segmento de círculo semelhantes estão na mesma razão que os quadrados de


suas bases .

E ele provou isso, mostrando primeiro que as áreas dos círculos estão entre si como os quadra-
dos dos diâmetros. Desse teorema Hipócrates deduziu a primeira quadratura rigorosa de uma
área curvilínea, da história da Matemática.

4.2.9 Zeno de Eléa.


Filósofo e matemático grego, viveu por volta de 450 a.C . Foi chefe da escola epicurista, dis-
cípulo de Parmênides. Zeno enunciou argumentos para provar a inconsistência dos conceitos de
multiplicidade e divisibilidade. Esses argumentos parecem ter inuenciado profundamente o de-
senvolvimento da Matemática grega, inuência comparável à da descoberta dos incomensuráveis,
com a qual talvez se relacione.
Nessa época as grandezas não eram associadas aos números, mas a segmentos de reta. O
reino dos números continuava a ser discreto, mas o mundo das grandezas contínuas era algo à
parte e devia ser tratado por métodos geométricos. Essa foi talvez a conclusão de maior alcance
da Idade Heróica e não é improvável que se deveu em grande parte a Zeno de Eléa e a Hipasus
de Metapontum.
Christian José Quintana Pinedo 63

A Zeno de Eléa, conta a história, atribuíram-se os exercícios de lógica (aporias e paradoxos),


que são discutidos até hoje por matemáticos.
O principal legado matemático da Idade Heróica pode ser condensado em seis problemas:
quadratura do círculo, duplicação do cubo, trissecção do ângulo, razão de grandezas incomen-
suráveis, paradoxo do movimento e validade dos métodos innitesimais. Até certo ponto eles
podem ser associados aos lósofos matemáticos citados acima. Outras épocas deviam produzir
uma comparável coleção de talentos, mas talvez nunca mais em qualquer época se faria um
ataque tão audacioso a tantos problemas matemáticos fundamentais com recursos metodológicos
tão insucientes.
Mais tarde no século IV a.C. viveu Platão, para ele a Matemática não tinha a nalidade
prática, era pesquisado e analisado apenas como conhecimento. Por esta razão ele nunca gostou
das aplicações da Geometria e dividiu esta em duas partes. Geometria elementar que compreendia
todos os problemas que podiam ser resolvidos com régua e compasso e Geometria superior que
estudava os três enigmas mais famosos da Geometria antiga, não resolvidos com régua e compasso:

1) A quadratura do círculo: Trata-se como indica seu nome, de construir usando somente
régua e compasso o lado de um quadrado que tenha a mesma área que um círculo dado.

2) A Trissecção do ângulo: O problema consiste em dividir um ângulo em três partes iguais


utilizando somente régua e compasso; somente em casos particulares é possível.

3) A Duplicação do cubo: Este problema consiste em achar, mediante uma construção ge-
ométrica, na qual somente utiliza-se a régua e compasso, um cubo que tenha o dobro de
volume de um cubo dado.

Estes três problemas podem ser resolvidos com régua e compasso com toda a aproximação
que se quiser. Resolvem-se precisamente utilizando curvas especiais. Não são problemas que não
foram resolvidos na prática, tratam-se de problemas de importância puramente teórica.

4.3 ENIGMAS DA MATEMÁTICA


O conceito de número foi construído ao longo de séculos de evolução do pensamento matemáti-
co [13]. Em seus primórdios, principalmente na Grécia, o raciocínio matemático se baseava quase
que unicamente nas formas e guras geométricas.
Os Pitagóricos consideravam a geometria mais como um conhecimento iniciático4 e religioso
do que propriamente cientíco, e pode-se imaginar o seu desalento ao descobrirem a existência
dos números irracionais, ou razões geométricas que não podiam ser colocadas como relações entre
números inteiros (por exemplo, a diagonal de um quadrado expressa um número que é igual à
raiz quadrada de dois, e não pode ser medida, em números inteiros, com a mesma unidade de
medida de cada lado do quadrado).
Eudóxio, matemático grego, apresentou um método geométrico através do qual se podia
descrever razões de comprimentos (dadas em números reais) em termos de números inteiros.Este
4
Pertencente ou relativo a iniciação.
64 Epistemologia da Matemática II

método, também chamado teorema de Ptolomeu, relaciona as distâncias entre quatro pontos em
um círculo, em termos de somas e produtos:

AB.CD + AD.BC = AC.BD

Este teorema introduziu o conceito geométrico de número real, tão


importante na moderna análise matemática.
Os geômetras gregos deixaram sem elucidar quatro problemas ele-
mentares, que desaaram a inventividade dos matemáticos por mais de
dois mil anos. Nenhum dos quatro tem importância matemática, hoje
em dia. Históricamente, nunca se colocaram problemas mais prolícos,
com a possível exceção do de Zenão (e o último teorema de Fermat,
recentemente resolvido ). Os repetidos fracassos para resolver os três Figura 4.1:
primeiros revelaram diculdades fundamentais que os antigos não sus-
peitavam, e tornaram necessário melhorar o conceito de número. As tentativas infrutíferas que
se zeram durante uns 2.300 anos para resolver o quarto deram origem, nalmente, a um grande
progresso na metodologia matemática, que agora parece evidente, mas que escapou a alguns dos
mais perspicazes cérebros da história.
Os problemas são os seguintes. Em cada um dos três primeiros, e como uma deferência a
Platão, a construção deverá ser feita inteiramente por meio de um número nito de linhas retas e
de circunferências (estes problemas são chamados também de problemas de Delos, e sua resolução
platônica deveria ser realizada apenas com a utilização de régua e compasso ).

1. Problema um: Trissecção do ângulo.

2. Problema dois: Construir o lado de um cubo cujo volume seja o dobro do de outro dado.

3. Problema três: Construir um quadrado de área igual à de um círculo dado.

4. Problema quatro: Deduzir o quinto postulado de Euclides dos outros.

O quinto postulado equivale ao seguinte:

 Por um ponto P exterior a uma linha reta L se pode traçar, no plano determinado
por P e L uma linha reta não corte a L.

O problema dois é equivalente a pedir uma construção geométrica, pelos meios indicados para
a raiz real de x3 − 2 = 0; o problema um é semelhante. Nenhum dos dois foi resolvido, até que
P. L. Wantzel (francês, 1.814 − 1.848) em 1.837 obteve as condições [23]necessárias e sucientes
para resolver uma equação algébrica de coecientes racionais pelos meios geométricos acima
especicados. Nenhuma das duas equações de terceiro grau satisfaz as condições, e portanto
cou demonstrado que os problemas eram impossíveis.
Se se prescinde da restrição de permitir unicamente um número nito de linhas e de circun-
ferências, é fácil resolver os problemas um e dois, por exemplo, pelas cônicas, como o zera os
gregos, ou por um sistema articulado. A importância histórica destes dois problemas, é devido ao
Christian José Quintana Pinedo 65

impulso que deram, muito posteriormente aos gregos, à investigação da natureza aritmética das
raízes das equações algébricas com coecientes inteiros. A estas raízes se dá o nome de números
algébricos; os números que não são algébricos, são chamados transcendentes.
O terceiro problema é mais profundo. Em virtude do teorema da Wantzel, se o problema três
é solúvel, seu equivalente algébrico há de ser um número nito de equações que satisfaçam suas
condições. O problema seria possível se π = 3, 14 · · · é transcendente. Em 1882, Lindemann
(alemão, 1852 − 1939) demonstrou que π é transcendente. Sua demonstração, com sua curiosa
dependência da aritmética racional, haveria deleitado a Pitágoras.
O problema três, assim como o um e o dois, é solúvel se se o modica, permitindo o uso de
outras curvas, que não seja a circunferência. A quadratriz (µ, β equação polar πµ = 2rβ csc β )
inventada por Hípias no século IV a.C., para o problema da trissecção, é suciente. No entanto,
isto tem muito pouco interesse; a importância da quadratura do círculo reside em suas relações
com os números transcendentes.

 A quadratura do círculo implica uma irracionalidade de natureza radicalmente


distinta àquela que ensinou aos Pitagóricos que nem todos os números são racionais;

2 é algébrico, π não é. Alguém que explorasse o sistema dos números pela primeira
vez, iria lhe parecer razoável supor que todos os números reais são algébricos, ou pelo
menos que os transcendentes seriam extraordinariamente raros.
 Cantor demonstrou em 1872 que os números algébricos são em realidade as ex-
ceções; os transcendentes são innitamente (à potência do contínuo) mais numerosos.
Um exercício muito interessante é o de averiguar o que pressupõe a restrição a um
número nito de linhas retas e de circunferências nas condições dos três problemas
[8].

Como é dito no texto citado, tais problemas geométricos possuem apenas uma importância
relativa, nos dias atuais. Sua resolução, entretanto, interessaria à área da geometria usual,
desenho geométrico, geometria analítica e desenho arquitetônico.
É no mínimo interessante o fato de que, a par das armações de que tais resoluções são impos-
síveis, em virtude de não existirem as equações equivalentes, que possuam solução analítica, ao
mesmo tempo aceita-se, no desenho geométrico, soluções tais como a dada a seguir, que permite
encontrar a raiz quadrada de um número qualquer, pela projeção da diagonal do quadrado:
É evidente quando se consideram os números reais, a projeção da
diagonal ac jamais permitiria encontrar a semi-reta ac0 , que equivale
2 2
à raiz quadrada de ad + dc .
Entretanto, se no desenho geométrico isto é tolerado, então
não cabem os argumentos analíticos dos matemáticos, rejeitando
soluções platônicas para os três problemas gregos (o problema qua-
tro já recebeu soluções sucientes, na forma das geometrias não-
euclidianas de Lobachevski, Bolyai, Riemann, etc).
A seguir, são oferecidas as soluções para estes três problemas. O Figura 4.2:
problema da trissecção é demonstrado; já as construções seguintes
66 Epistemologia da Matemática II

são intuitivas.

4.3.1 Problema da trissecção do ângulo.


O que se deseja, aqui, é dividir um ângulo dado qualquer, em três partes, ou ângulos (internos)
iguais. Apesar de parecer simples, os maiores geômetras de todos os tempos perceberam que este
era um problema difícil, e aparentemente insolúvel. é o que se verá.
Em ângulos retos, não há nenhuma diculdade, e a
solução é trivial. A diculdade real começa a aparecer
quando se trata de ângulos agudos.
Antes de entrar no tema, entretanto, serão vericadas
algumas propriedades pouco conhecidas, ou pelo menos
pouco exploradas.
Seja a seguinte propriedade:
Figura 4.3:
Propriedade 4.1.
O segmento de reta que trissectar o ângulo mantém uma distância proporcionalmente con-
stante do segmento de reta que o divide (ao ângulo) em sua quarta parte. Em outras palavras, o
segmento que o trissecta está sempre a um terço da distância que separa o segmento de reta que
divide o ângulo em quatro partes, da bissetriz do ângulo.

Por exemplo, um ângulo de 60o , dividido em quatro partes, separa-se em distâncias iguais
de 15o cada, e sua trissecção está a uma distância de 5o de sua quarta parte, ou seja, a 20o (um
terço de 15o é igual a 5o ).
Para se encontrar esta terça parte do ângulo, será utilizada também uma propriedade dos
triângulos retângulos, explanada a seguir. Em qualquer triângulo retângulo, tem-se a seguinte
relação, denida pela seguinte gura:

B A A+B C
= ou = (4.1)
A+B C A B
AB A B
De onde: = C, e C = = quando A = B .
A+B 2 2
A A
Para B = , C =
2 3
A medida C é de um terço da medida do segmento A, e foi
encontrada interligando-se os extremos dos segmentos A e B (a
distância entre eles não inui no resultado).
A relação (4.1) é uma relação exata, e deduz-se da proporção
dos segmentos do triângulo retângulo.
Para ângulos agudos, a mesma proporção será utilizada, a partir
de uma outra construção geométrica. O ângulo dado é OP\ Q. Com
raio qualquer, a partir do centro O, traçam-se os pontos P 0 e Q0 . Figura 4.4:
Com raio maior, traçam-se os pontos P 00 e Q00 . Pelo método já
Christian José Quintana Pinedo 67

visto, encontra-se a terça parte do ângulo dado (segmentoOR, que, prolongado, passa pelo ponto
P ).
OQ = OP 0 = OP = OQ0

Figura 4.5:

Por construção tem-se que p = r = a; q = s = b

a0 + b0 = 2b (4.2)

Por construção ⇒ (ângulo externo a um triângulo)

a0 = 2a (4.3)

Por construção ⇒ (ângulo externo a um triângulo)


a0 + b0 a0
Tem-se, então como hipótese b0 = e como tese b0 = .
3 2
De (4.2) e da hipótese:
2b
3b0 = 2b ⇒ b0 = (4.4)
3
De (4.2) e (4.4):
2b 3a0
2b − a0 = , logo 6b − 3a0 = 2b, então b = .
3 4
De (4.2) e (4.3):
3a0 a0 3a0 − 2a0 a0
b0 = 2b − 2a = 2.(b − a) = 2.( − ) = 2.( )= .
4 2 4 2
0 a0
Portanto, b = .
2

4.3.2 Problema da quadratura do círculo.


A solução aqui apresentada não somente permite encontrar o lado do quadrado, bem como
dá também o segmento de reta equivalente à quarta parte da circunferência reticada (Problema
da Reticação da Circunferência). Esta solução, inclusive, conduz à solução da quadratura, e
por isto será vista primeiro.
68 Epistemologia da Matemática II

Construção: Traça-se a circunferência, com dois diâmetros prolongados. Unem-se os pontos


A e B , e traça-se a bissetriz OT . Paralelamente a AB , tangente à circunferência, traça-se CD.
Paralelo a CD, com a mesma distância entre a tangente e AB , traça-se EF .
No meio do segmento ET (ponto O0 ), traça-se, paralelamente a B 0 B , o segmento O0 O00 , que
corta a bissetriz. Unem-se os pontos O00 e B 0 . Este segmento corta o raio AO em duas partes,
r0 e r. Passando pelo ponto de interseção, traça-se o segmento M N , paralelamente a B 0 B .
Temos que M N é o segmento equivalente a um quarto do segmento encontrado na reticação da
r
circunferência : M N = 2.π. .
4

Figura 4.6: Figura 4.7:

Fórmulas relacionadas: (M N divide o segmento OA em duas partes, r e r0 , cuja razão


r π
é: =
r0 2
r π r π
.R = .R ⇒ = ⇒ r = π.r0 (4.5)
r0 2 r0 2
r = R − r0
π R − r0 2R
= 0
π.r0 = 2R − 2r0 π.r0 + 2r0 = 2Rr0 (π + 2) = 2Rr0 =
2 r π+2
r0 R
De (4.5): r = π. = π.
2 π+2
(2R+π.R) π
4.M N = 2.π (π+2) = 2. π+2 .[R(2 + π)] = 2.π.R.

Para a solução da quadratura, faz-se o seguinte. No mesmo círculo anterior, unem-se os


pontos BO0 . Onde este segmento corta a circunferência, traça-se, paralelamente ao diâmetro
AA0 , o segmento GG0 (deve-se notar que, unindo os pontos O00 G e prolongando até o segmento
encontrar o raio OA, a distância do ponto interceptado ao ponto O0 é igual ao raio R).
Observe que GG0 é o segmento igual ao lado do quadrado de área equivalente à área do círculo
de raio OA : (GG0 )2 = π.R2 .

4.4 A TEORIA DO NÚMERO SEGUNDO PIAGET


Iremos fazer agora uma abordagem um pouco diferente do número, uma abordagem defendida
por Piaget [9].
Christian José Quintana Pinedo 69

Jean Piaget nasce a 9 de Agosto de 1896, em Neuchâtel, na Suíça. Em 1918 obtém o seu
doutoramento em ciências. Em Paris contatou com o laboratório de psicologia experimental de
Binet, o que lhe vai permitir fazer a ligação da psicologia à losoa, sobretudo no que se refere
ao problema do conhecimento. Com 85 anos morre, deixando-nos uma obra com mais de 39
volumes e um universo de preocupações cientícas que obrigam a uma leitura do homem, da
vida e do mundo.
Piaget vê o número como uma estrutura mental que cada criança constrói a partir de uma
capacidade natural de pensar e não algo aprendido no meio ambiente. A própria adição está
incluída na construção do número, pois nasce da capacidade natural que a criança tem de pensar.
A teoria de Piaget pode ser entendida num contexto epistemológico. E o que é isto da
epistemologia? Epistemologia é o estudo da natureza e origens do conhecimento manifestado em
questões tais como:

 Como sabemos o que pensamos que sabemos? e  Como sabemos que o que
pensamos que sabemos é verdade?

Duas correntes se debateram na resposta a estas duas questões: o empirismo e o racionalismo.

Locke, Berkeley e Hume, empiristas convictos, defendiam que o conhecimento tem a sua
fonte fora do indivíduo e que ele é interiorizado através dos sentidos. Discutiram que o indivíduo
ao nascer é como uma lousa limpa na qual as experiências são escritas à medida que ele cresce.
, Spinoza e Kant, racionalistas, insistiam em dizer que a razão é mais poderosa do que a
experiência sensorial, e isto porque é ela que nos dá a capacidade de saber muitas verdades que
a observação sensorial nunca poderá avaliar. Isto é, sabemos que existe uma causa para todo o
acontecimento, mas não temos a possibilidade de vericar todos os acontecimentos do passado
e do futuro do universo. Os racionalistas defendem também que não podemos contar com a
experiência sensorial no sentido de nos dar um conhecimento seguro. E sendo a Matemática
uma disciplina puramente dedutiva surge como o primeiro exemplo dos racionalistas na defesa
do poder e da razão. Assim, quando

 que certos conhecimentos ou conceitos são inatos e que desabrocham em função


da maturidade

Para Piaget, estas duas correntes tinham algo de verdade e algo de não verdadeiro. Convenci-
do de que o único meio de responder a perguntas epistemológicas era estudadas cientícamente,
e não respondê-las por especulação, decidiu que a melhor maneira de estudar a natureza do con-
hecimento empírico, era estudar o desenvolvimento das crianças. Assim o estudo que fez sobre
as crianças, foi um meio de responder cientícamente às perguntas epistemológicas.
Dedicou então 60 anos da sua vida, de pesquisa com crianças, para provar a inconveniência
do empiricismo. E para isso realizou a prova da conservação do número.
70 Epistemologia da Matemática II

4.4.1 Prova da conservação do Número.


A conservação do número é a habilidade de deduzir através da razão, que a quantidade
permanece a mesma quando a aparência empírica dos objetos muda.

I. Método
Materiais: 20 chas vermelhas e 20 chas azuis
Procedimento:

1- Igualdade
Estão colocadas em la 8 chas azuis e pede-se `a criança que coloque tantas chas vermelhas
quanto as azuis (Figura (4.9)).

2- Conservação

Figura 4.8: Figura 4.9:

A disposição das chas colocadas inicialmente são modicadas à frente da criança, segundo
a Figura (??) e é feita a seguinte questão:
 Há o mesmo número de chas azuis e vermelhas ou há mais azuis do que vermelhas?.

3- Contra-argumentação
Esta etapa é realizada depois da criança responder à questão anterior.

a) Se a criança acertou, deve-se argumentar a sua resposta, isto é, deve-se pôr em dúvida a
resposta da criança indicando que a la das chas azuis tem mais chas que a la das
chas vermelhas.

b) Se por outro lado, a criança deu a resposta errada, o pesquisador deve relembrá-la com as
respostas de outras crianças que acertaram.

II. Descobertas
a) No 1o estágio a criança não consegue fazer um conjunto com o mesmo número e muito menos
conservar a igualdade dos dois conjuntos. Normalmente a criança coloca todas as chas
segundo a gura (4.10):
A criança só para quando as 20 chas vermelhas acabam.
Christian José Quintana Pinedo 71

Figura 4.10:

Quando as crianças ainda não construíram as primeiras estruturas mentais do número,


estabelecem as extremidades da primeira la como critério para decidir a igualdade das
duas quantidades, como mostra a gura (4.11):

c) No 2o estágio a criança, apesar de fazer um conjunto que tem o mesmo número de chas, não
consegue conservar a igualdade.

d) No 3o estágio, as crianças são conservadoras, isto é, não são inuenciadas por contra-
sugestões e dão argumentos para defenderem a sua resposta:

i) Existe o mesmo número de chas azuis e vermelhas porque não se tirou nenhuma cha
(argumento identidade).
ii) Pode-se colocar todas as chas vermelhas de forma como estavam antes, assim não há
mais azuis do que vermelhas (argumento reversibilidade).
iii) As vermelhas formam uma la mais comprida, mas há espaço entre elas, assim não dá
o mesmo (argumento compensação).

Mas porque é que a criança no 2o estágio não consegue conservar


e mais tarde já o consegue? Teremos de focar-nos na concepção de
número segundo Piaget, e no contexto que ele faz entre três tipos de
conhecimento: Físico, Lógico-Matemático e Social (Convencional). (O
número é exemplo de conhecimento lógico-matemático).
O conhecimento físico é aquele que reete os objetos à realidade
externa. A cor e o peso de uma cha são exemplos de propriedades
físicas que fazem parte dos objetos, assim como saber que uma cha Figura 4.11:
cai quando lançada ao ar.
O conhecimento lógico-matemático consiste nos relacionamentos que um indivíduo faz em
relação a um objeto. A diferença que existe entre uma cha azul e vermelha, é um exemplo do
fundamento do conhecimento lógico-matemático. Essa diferença é a relação criada mentalmente
pelo indivíduo que faz o relacionamento entre os dois objetos. Mas a relação que um indivíduo faz
de um objeto depende dele. Para um indivíduo as chas podem ser semelhantes devido ao peso,
assim como para outro ser diferente devido à cor. A criança coordena as relações que criou entre
os objetos, construindo assim o conhecimento lógico-matemático. Por exemplo, coordenando a
relação igual, diferente e mais, a criança é capaz de deduzir que há mais chas no mundo do que
vermelhas. Assim para Piaget a fonte do conhecimento físico é externa ao indivíduo, ao contrário
da fonte de conhecimento lógico-matemático, que é interna.
72 Epistemologia da Matemática II

4.4.2 A Abstração Empírica e a Abstração Reexiva.


É através de dois tipos de abstração que a criança constrói o conhecimento físico e lógico-
matemático.
Piaget tem uma concepção do número completamente oposta à dos educadores de matemáti-
ca. Para muitos educadores matemáticos, o número é uma propriedade de conjuntos, da mesma
forma que idéias como cor, tamanho e forma se referem às propriedades de objetos.
Na teoria de Piaget, a abstração da cor dos objetos é muito diferente da abstração de número,
porque a abstração de propriedades de objetos é empírica, enquanto que para a abstração do
número é reexiva.
Na abstração empírica, a criança concentra-se numa certa propriedade do objeto e ignora
as outras. Quando ela abstrai a cor de um objeto, ignora todas as outras propriedades, como
por exemplo, o peso. Na abstração reexiva, já existe uma relação entre objetos. Após se fazer
a distinção entre abstração empírica e reexiva, Piaget refere que na realidade psicológica da
criança, uma não existe sem a outra. Por exemplo, a criança não consegue construir a relação
diferente, se não observar propriedades diferentes nos objetos. Se uma criança não tiver uma
estrutura lógico-matemática que lhe permita questionar-se sobre o conhecimento que já adquiriu,
não pode construir o conhecimento físico. Para a criança interiorizar uma certa cor, ela precisa
de um esquema classicatório para distinguir essa cor das restantes. Logo a estrutura lógico-
matemática (construída pela abstração reexiva) é necessária para a abstração empírica, caso
contrário não conseguiria relacionar a realidade externa ao conhecimento já construído.
Esta distinção entre as duas abstrações pode parecer mínima quando a criança está a aprender
números pequenos. Mas a aprendizagem de números maiores, já não é possível por abstração
empírica, mas por abstração reexiva. Apesar de nunca ter contado 1 000 002 objetos, a criança
consegue criar relações com este número.
Piaget defende que a teoria do número é inversa à teoria dos números que podem ser ensi-
nados pela transmissão social, como por exemplo, o contar. O conhecimento social resume-se a
convenções estabelecidas pelas pessoas, e a sua principal característica é a arbitrariedade.
O conhecimento social, tal como o físico, requer uma estrutura lógico-matemática para sua
assimilação e organização. A criança precisa de uma estrutura lógico-matemática para reconhecer
um peixe vermelho (conhecimento físico) e um palavrão (conhecimento social). Assim a mesma
estrutura lógico-matemática é usada pela criança para construir tanto o conhecimento físico como
o social. As pessoas que consideram que o conceito de número deve ser ensinado por transmissão
social, separam o conhecimento lógico-matemático de social. Por exemplo, 2+3=5 em todo o
lado, independentemente do sistema empregue na soma. Na opinião de Piaget, pode-se ensinar a
criança a dar a resposta correta de 2+3, mas não se pode ensinar diretamente as relações ocultas
nessa adição.

4.4.3 Porque é que as crianças conservam?


Como é que as crianças conseguem conservar o número? As crianças adquirem a capacidade
de conservar o número, quando já tem construído a estrutura lógico-matemática do número. No
Christian José Quintana Pinedo 73

exemplo referido acima, essa estrutura já está construída, a criança interioriza que as las são
de tamanhos diferentes.
O número é algo que leva muito tempo a ser construído. No1o estágio, a criança não consegue
fazer um conjunto com o mesmo número de elementos. No 2o estágio, ela já tem capacidade para
isso porque começou a construir a estrutura lógico-matemática (mental) do número. Mas essa
estrutura não é suciente para que a criança conserve a igualdade numérica de dois conjuntos.
No 3o estágio, essa estrutura já está bem presente, para que a criança consiga ver o conjunto
numericamente, em vez de espacialmente.
O número é uma coisa construída dentro de nós, e não por uma transmissão social. Ninguém
ensinou uma criança a conservar o número. Foram muitos os seguidores de Piaget que, de modo
errado, assimilaram conservação dentro da concepção do número como algo que permanece invar-
iável por si mesmo no mundo exterior. Se o número é uma idéia e se se mantém invariável, essa
invariabilidade permanece na mente da criança. A disposição espacial do conjunto é dispensável
para os adultos, mas não para crianças que ainda não construíram a estrutura mental do número.
Concluindo:

1. O número não é empírico por natureza. A criança constrói-o através da abstração reexiva,
pela sua própria ação metal de colocar coisas em relação.

2. Os conceitos de número não podem ser ensinados. Pode ser uma notícia desagradável para
os educadores, mas é boa no sentido de que o número não tem que ser ensinado, uma vez
que a criança constrói-o dentro de si mesma, pela sua capacidade de pensar.

4.5 EPISTEMOLOGIA DOS NÚMEROS RELATIVOS


A noção de número e suas extraordinárias generalizações estão intimamente ligadas à história
da humanidade. E a própria vida está impregnada de matemática: grande parte das comparações
que o homem formula, assim como gestos e atitudes cotidianas, aludem conscientemente ou não
a juízos aritméticos e propriedades geométricas. Sem esquecer que a ciência, a indústria e o
comércio nos colocam em permanente contato com o amplo mundo da matemática [27].
Todas as nações que desenvolveram formas de escrita introduziram o conceito de número
Natural e desenvolveram um sistema de contagem. O desenvolvimento subseqüente do conceito
de número prosseguiu principalmente devido ao próprio desenvolvimento da Matemática.

4.5.1 Sua origem.


Os números negativos aparecem pela primeira vez na China antiga [10]. Os chineses estavam
acostumados a calcular com duas coleções de barras - vermelha para os números positivos e preta
para os números negativos. No entanto, não aceitavam a idéia de um número negativo poder ser
solução de uma equação. Os Matemáticos indianos porém, descobriram os números negativos
quando tentavam formular um algoritmo para a resolução de equações quadráticas. São exemplo
disso as contribuições de Brahomagupta, pois a aritmética sistematizada dos números negativos
74 Epistemologia da Matemática II

encontra-se pela primeira vez na sua obra. As regras sobre grandezas eram já conhecidas através
dos teoremas gregos sobre subtração, como por exemplo (a − b)(c − d) = ac + bd − ad − bc, mas
os hindus converteram-nas em regras numéricas sobre números negativos e positivos.

Denição 4.1. Número relativo.


Sejam a e b dois números reais quaisquer: à diferença a − b chamaremos de número relativo.

4.5.2 Alguns pesquisadores.


Diofanto de Alexandria (século III ), considerado o maior algebrista grego, operou facilmente
com os números negativos. Eles apareciam constantemente em cálculos intermediários em muitos
problemas do seu Aritmetika, no entanto havia certos problemas para o qual as soluções eram
valores inteiros negativos como por exemplo: 4 = 4x + 20 3x − 18 = 5x2 .
Nestas situações Diofanto limitava-se a classicar o problema de absurdo. Nos séculosXV I e
XV II , muitos matemáticos europeus não apreciavam os números negativos e, se esses números
apareciam nos seus cálculos, eles consideravam-nos falsos ou impossíveis. Exemplo deste fato
seria Michael Stifel (1487 − 1.567) que se recusou a admitir números negativos como raízes de
uma equação, chamando-lhes de numeri absurdi . Cardano usou os números negativos embora
chamando-os de numeri cti . A situação mudou a partir do (século XV III ) quando foi de-
scoberta uma interpretação geométrica dos números positivos e negativos como sendo segmentos
de direções opostas.
D'Alembert(1717 − 1783) demonstrou-se confuso na assimilação dos números relativos, con-
forme mostra o artigo :

Dizer que as quantidades negativas estão abaixo de nada é armar uma coisa que
não se pode conceber.

Mais a diante ele insiste no fenômeno de evitação ao negativo.

Quantidades negativas encontradas no cálculo algébrico indicam realmente quan-


tidades positivas que supusemos numa falsa posição. O sinal de menos que encon-
tramos antes de uma quantidade serve para reticar um erro que cometemos na
hipótese inicial.

Neste artigo D'Alembert insiste na não existência de quantidades negativas isoladas.


Lazare Carnot(1753 − 1823), profundo conhecedor da obra de D'Alembert, além de membro
da Academia de Ciências de Paris, foi sem sombra de dúvidas um dos matemáticos que tiveram
um papel provocador na compreensão dos números relativos, porém não apontando soluções para
as questões levantadas:

A quantidade negativa −3 seria menor que +2 ; contudo sabe-se que (−3)2 >
(+2)2 , o que confronta com todas as idéias claras que se poderiam formar sobre
quantidade.
Christian José Quintana Pinedo 75

Carnot, como defensor das idéias D'Alembertianas, admitia que as quantidades negativas
só diferem das positivas por serem tomadas em sentido oposto, em relação ao zero origem.
Partindo dessa premissa, Moebius e Charles viriam a elaborar a teoria sobre geometria orientada,
utilizando um eixo para representar toda a reta real, e sem no entanto recorrer as obras de e
Cramer onde guram o raciocínio de semi-retas opostas.
Pierre-Simon de Laplace (1749−1827), professor da Escola Normal Superior, também demon-
stra o mesmo embaraço de seus antecessores, ao declarar ser "a regra de sinais um assunto que
levantaria diculdades, principalmente o produto (−).(−).
August Cauchy(1789 − 1857) foi o responsável pelo início de uma confusão entre (+ e −)
operatórios e predicativos e que futuramente iria despertar o interesse de Hankel. Cauchy, em
um de seus artigos dene as leis de crescimento e diminuição, respectivamente, pelos sinais+
e − ( operatórios) e em seguida dene quantidades negativas por grandezas que diminuem
representadas por um número precedido do sinal - e positivas precedido pelo sinal+. No entanto
estas denições caíram em contradição, pois podemos diminuir um número (grandeza) positivo
multiplicando-o por um fator entre 0 e 1, e além disto sabe-se que o produto de duas quantidades
negativas resultaria num aumento, contradizendo portanto, às denições de Cauchy . Porém, ele
se põe a reetir e então adota um novo ponto de vista, apresentando a multiplicação de modo
formal.
Seja , a = +A b = −A
+ a = +A; +b = −A;
− a = −A; −b = +A;
Logo, +(+A) = +A = a
+ (−A) = −A = b
− (+A) = −A = b
− (−A) = +A = −b
A partir destas quatro equações Cauchy dene a regra de sinais.
Herman Hankel (1867), em  Teoria dos sistemas complexos, atinge o máximo de compreensão
sobre os números relativos.
É importante destacar que Hankel tinha o propósito de denir a teoria sobre números com-
plexos e foi apenas de passagem, em algumas de suas demonstrações que ele desvendou por
completo todas as dúvidas que pairavam sobre os números relativos.
Hankel armava que os números não são descobertos e sim inventados, imaginados. Ou seja:

aqueles que se aventurarem em procurar todas as explicações lógicas na natureza,


ou mundo real, jamais conseguirão adquirir maturidade em conceitos matemáticos
,que outrora, são denidos para um mundo ideal".

Sob esta linha de raciocínio ele abandonou o ponto de vista concreto baseado em exemplos
práticos passando a adotar o formal.
A partir das propriedades aditivas de R e multiplicativas em R+ , Hankel propõe estender
76 Epistemologia da Matemática II

estas propriedades de R+ a R .

0 = a · 0 = a · (b + op.b) = ab + a · (op.b) (4.6)


0 = 0 · (op.b) = (a + op.a) · (op.b) = (op.a) · (op.b) + a · (op.b) (4.7)
0 = 0 · b = (a + op.a) · (b) = ab + (op.a) · b (4.8)

Comparando as equações (4.6) e (4.7) termo a termo, conclui-se: (op.a) · (op.b) = ab. Logo,
(−) · (−) = (+)
Comparando as equações (4.6) e (4.8) termo a termo , conclui-se: a · (op.b) = (op.a) · b. Logo,
(−) · (+) = (+) · (−)
Diante da revolução causada pela obra de Hankel, pergunta-se: seria possível obter-se este
nível de compreensão sobre os números relativos, séculos antes ? Se os antecessores de Hankel
dispusessem de um bom modelo capaz de sustentar as principais propriedades sobre o conjunto
dos números relativos, certamente a resposta para esta pergunta seria óbvia, sim.

4.5.3 Simetrização do conjunto N.


As noções de Grupo e de Anel são de grande valor, pois, através destas estruturas, podem-se
atualmente demonstrar e justicar muitas das edicações"e princípios matemáticos, entre eles
a regra dos sinais. É exemplo disso o processo como P. Zamansky constrói o conjuntoZ e como
prova a regra dos sinais a partir dessa mesma construção. Vamos seguidamente descrever em
traços gerais o processo por ele utilizado. Como já sabemos emN, as operações inversas"não são
sempre possíveis, ou seja, não existe sempre um número naturalx tal que a + x = b seja possível.
Esta igualdade só é possível em N se b > a e não o é, se a ≥ b. Na tentativa de resolver esta
impossibilidade Zamansky vai construir um novo conjunto em que se possa denir uma lei de
composição interna e que N seja isomorfo com uma parte desse novo conjunto. Consideremos o
conjunto N × N = N2 e ∼ uma relação de equivalência entre dois elementos quaisquer A1 e A2
de N2 .
Denimos A1 ∼ A2 como sendo (a1 ; a01 ) ∼ (a2 ; a02 ) equivalente a1 + a02 = a2 + a01 , sempre que
a01 ; a1 ; a2 ; a02 pertencem a N. Vamos demonstrar que a relação antes enunciada é efetivamente
uma relação de equivalência.

1. Reexiva- Se A1 pertence a N2 , então A1 ∼ A1


Por denição dado A1 ∼ A1 então (a1 ; a01 ) ∼ (a1 ; a01 ) é equivalente a a1 +a01 = a01 +a1 ,
o que é verdade por denição de igualdade.

2. Simetria- Sejam A1 , A2 pertencentes a N2 ,se A1 ∼ A2 então A2 ∼ A1


Com efeito, dado A1 ∼ A2 então a1 + a02 = a01 + a2 isto é equivalente a a2 + a01 = a02 + a1
logo A2 ∼ A1 .

3. Transitividade - Sejam A1 , A2 e A3 pertencentes a N2 ; se A1 ∼ A2 e A2 ∼ A3 então


A1 ∼ A3 .
Christian José Quintana Pinedo 77

Tem-se que A1 ∼ A2 é equivalente a a1 + a02 = a01 + a2 . Por outro lado, A2 ∼ A3 é


equivalente a a2 + a03 = a02 + a3 então a1 + a02 + a2 + a03 = a01 + a2 + a02 + a3 é equivalente a
a1 + a03 = a01 + a3 logo, é equivalente A1 ∼ A3 .

Efetivamente a relação ∼ é uma relação de equivalência.


Seja [A] = { B ∈ N2 /. B ∼ A } a classe de equivalência relativa ao elemento A ∈ N2 ,
consideremos então o conjunto quociente de todas as classes de equivalência determinadas em
N2 , por ∼, e que denotamos por N2 / ∼. Onde N2 / ∼= { [A] /. A ∈ N2 }.
Denimos em N2 / ∼ uma operação ? que seja lei de composição interna. Sejam a, b ∈ N2 / ∼
e a = [A1 ] = [A2 ] , classe de equivalência relativa a A1 igual à classe de equivalência relativa
a A2 e, b = [B1 ] = [B2 ] classe de equivalência relativa a B1 igual à classe de equivalência
relativa a B2 . Escrevemos por denição que a ? b equivalente a [A1 ] ? [B1 ] = [G1 ] classe de
equivalência relativa a G1 = (a1 + b1 ; a01 + b01 ). Como sabemos que [A1 ] = [A2 ] então a ? b
= [A2 ] ? [B1 ] = [G2 ] classe de equivalência relativa a G2 = (a2 + b1 ; a02 + b01 ) então será que
[G1 ] = [G2 ], ou seja, G1 ∼ G2 ?.
a1 +b1 +a02 +b01 = a2 +b1 +a01 +b01 equivalente a a1 +a02 = a2 +a01 equivalente a A1 ∼ A2 o
que é verdade pois [A1 ] = [A2 ]. Assim ? denida é uma lei de composição interna em N2 / ∼
pois a ? b pertence a N2 / ∼. A operação ? goza da propriedade associativa e comutativa.
O conjunto N2 / ∼ possui elemento neutro a0 = [(a; a)] para a operação ?, e cada elemento
de N2 / ∼ tem simétrico, que designamos por a = [(a0 ; a)]. Todos os elementos de N2 / ∼ são
regulares para a operação ?. Seguidamente demonstra-se que o conjunto N2 / ∼ dotado com a
operação ? tem uma parte que denotamos por N0 , que é isomorfo a N com a lei de composição
+ (adição usual); N0 será o conjunto das classes de equivalência relativas aos pares (a + x; a)
em que x pertence a N. Seja a aplicação: f : N −→ N0

Facilmente se verica que esta aplicação é um homomorsmo pois f(a?b) = f(a) + f(b); a, b∈
N0 ,e que é uma aplicação bijetiva, como acabamos de ver, conseguimos identicar o conjuntoN
com o conjunto N0 que é uma parte de N2 / ∼. Designemos agora a lei de composição interna ?
por +, então podemos dizer que prolongamos a lei de composição + (adição usual) ao conjunto
quociente N2 / ∼. Observemos agora que a operação inversa sobre N2 / ∼ é sempre possível.
Sejam a, b pertencentes a N2 / ∼ existe sempre uma classe d tal que : a + d = b, pois (a
+ a) + d = a + b equivalente a d = a + b. Em particular se é possível a operação inversa
para a pertence a N, também é possível em N2 / ∼ , pelas propriedades dos isomorsmos.
Ao conjunto N2 / ∼ que verica todas as propriedades anteriormente enunciadas chamamos
simétrico do conjunto N, dotado da operação + e que a partir de agora se designa por Z e os
seus elementos denominam-se de números inteiros relativos. O elemento neutroa' vai-se designar
com o símbolo 0 (zero) e o simétrico a, representa-se por (-a) e denomina-se por oposto de a.
O leitor pode constatar que o que Zamansky fez foi construir a partir dos elementos de N o
conjunto Z , para que a partir deste momento fosse possível resolver a impossibilidade inicial.
Neste novo conjunto pode-se estabelecer uma relação de ordem , que permitirá caracterizá-lo
como sendo um conjunto totalmente ordenado. Com o objetivo de demonstrar a regra dos sinais,
vamos fazer uma extensão a Z da multiplicação em N. O conjunto N, tem uma outra
78 Epistemologia da Matemática II

lei de composição interna que é a multiplicação usual. Para que se possa utilizar a operação
multiplicação em Z é necessário que esta coincida com a multiplicação de N, para todos os
elementos da parte de Z isomorfo a N.

Quer isto dizer se a = a0 + x; b = b0 + y e c = c0 + xy , tem-se que: [(a; a0 )]∆[(b; b0 )] = [(c; c0 )] .


Vamos seguidamente exprimir c e c0 em função de a, a0 , b, b0 , para melhor denirmos a operação
· em Z.
Seja: ab0 = a0 b0 + b0 x e ba0 = a0 b0 + a0 y

ab = (a0 + x)(b0 + y) = ba0 + b0 x + xy (4.9)

somando a ambos os membros de (4.9) a0 b0 teremos: a0 b0 +ab = a0 b0 +b0 x+ba0 +xy = ab0 +ba0 +xy ;
então c = a0 b0 + ab e c0 = ab0 + ba0 .
Denimos então que a = [(a; a0 )] e b = [(b; b0 )] temos que: a.b = [(ab + a0 b0 ; ab0 + ba)].
Esta lei de composição interna assim denida, verica a propriedade comutativa e associativa.
Todos os elementos exceto o 0 são regulares. O conjunto Z tem elemento neutro para a operação
∆ e é o 1 e os únicos elementos que tem opostos para esta operação são o 1 e o −1.
A partir deste momento, estamos em condições de demonstrar a regra dos sinais tal como
pretendíamos.

1. Consideremos a multiplicação de (−a) por b. se a = [(a; a0 )] então por denição de oposto


−a = [(a0 ; a)] e b = [(b; b0 )] temos que (−a)∆b = [(a0 ; a)]∆[(b; b0 )] = [(a0 b+ab0 ; a0 b0 +ab)] =
−(a∆b), pois a∆b = [(a0 b0 + ab; a0 b + ab0 )] então podemos concluir que −(a∆b) é a classe
oposta a (a∆b).

2. a∆(−b) = [(a; a0 )]∆[(b0 ; b)] = [(ab0 + a0 b; a0 b0 + ab)] = −(ab), pelas mesmas razões que
antes evocamos.

3. (−a)∆(−b) = [(a0 ; a)]∆[(b0 ; b)] = [(a0 b0 + ab; a0 b + b0 a)] = ab, então ca provado que o
produto de dois números negativos é um número positivo.

Conseguiu-se, nalmente, através de uma simetrização de N, provar a regra dos sinais e, prin-
cipalmente, dissipar a dúvida persistente", de que efetivamente o produto de duas quantidades
negativas é uma quantidade positiva. O leitor poderá agora interrogar - Será que não haverá
uma demonstração mais simples da regra dos sinais? Haverá a necessidade de simetrizarN para
provar a regra dos sinais? Efetivamente existe, essa demonstração, que faz recurso à teoria de
anéis e que vamos seguidamente apresentar.

4.5.4 Demonstração da regra dos sinais segundo Bezout.


Bezout (1810) dene primeiro que a multiplicação algébrica é uma operação na qual se repete
uma grandeza à qual chamou multiplicando tantas vezes quantas indica uma outra grandeza
denominada por multiplicador. Quer isto dizer que, por exemplo, (3)(2) = 3 + 3, o número 3
será o multiplicando e 2 o multiplicador. O resultado nal chama-se produto. Em seguida ele
Christian José Quintana Pinedo 79

justica a regra dos sinais da seguinte forma: (+a).(+b) = a + a + a + a + a + · · · + a = +ab,


segundo o mesmo este caso não levanta problemas pois é a soma de quantidades positivasb vezes.
(−a).(+b) = −a − a − a − a − a − a − · · · − a = −ab, esta situação também é evidente pois é
a soma de quantidades negativas b vezes, logo o produto será uma quantidade negativa.
(+a).(−b) = 0 − (a + a + a + a + a + · · · + a) = 0 − (+ab) = −ab, pois como +ab − ab = 0,
ou seja, −ab = 0 − (+ab) então (+a).(−b) = −ab
(−a).(−b) = 0 − (−a − a − a − a − a − a − a − a − · · · − a = 0 − (−ab) = +ab, pois como
+ab − ab = 0, ou seja, +ab = −(−ab).
Relativamente à argumentação de Bezout, podemos dizer que utiliza apenas estratégias de
cálculo, para justicar um resultado que ele já sabe no inicio. Quer isto dizer que ele não acaba
por demonstrar os resultados da regra dos sinais partindo de uma axiomática base, tal como é
exigido na matemática atualmente. Em suma, acho que não podemos dizer que estes matemáti-
cos como outros de valor indiscutível não fossem sérios"ou competentes, por trabalharem com
certos resultados, que apesar de serem verdadeiros, tinham grandes diculdades em justicar ou
demonstrar. Este fato revela-nos por, um lado, que eles não tinham ainda os conhecimentos su-
cientes para fazer melhor e, por outro, que a regra dos sinais era talvez considerado um assunto
de menor"importância.

4.5.5 Demonstração da regra dos sinais segundo Bento de Jesus Caraça.


Bento de Jesus Caraça introduz o conceito de número relativo, pela necessidade de resolver
o seguinte problema: Seja a reta r e o ponto O, o ponto de partida, um móvel desloca-se de
uma unidade de comprimento por segundo, por exemplo o móvel movimenta-se de O para P ,
ou seja, ao m de 3 segundos desloca-se 3 unidades para a direita do ponto de partida O, mas
seguidamente o mesmo móvel movimentou-se para o ponto S , (sentido oposto), cando ao m
de 7 segundos a uma distância de 4 unidades de comprimento do ponto de partida. Se quisermos
obter por via aritmética a posição de S , teríamos de à medida 3, do segmento percorrido na
primeira fase subtrair a medida 7, do segmento percorrido na segunda fase, ou seja, 3 − 7. Esta
situação levanta uma impossibilidade, no campo numérico"que estamos a considerar que é o de
números naturais, pois o aditivo 3 é menor que o subtrativo 7. Então Bento de Jesus Caraça
ultrapassa esta diculdade criando um novo campo numérico", da seguinte forma:

 Sejam a e b dois números reais quaisquer: à diferença a − b chamaremos número


relativo diremos positivo, nulo ou negativo, conforme for a > b, a = b, a < b....

Teremos então que se a > b o resultado de a − b será um elemento do conjunto N, se b > a,


o resultado de a − b será o mesmo de b − a, precedido do sinal - (menos). Os novos elementos
deste novo campo numérico"ou conjunto são os números negativos. Posto isto o resultado do
problema anterior será o número negativo −4. Mas tal como Zamansky, que ao criar o novo
conjunto N2 / ∼, teve a preocupação de incorporar"os números naturais e suas propriedades, em
N2 / ∼,. Bento de Jesus Caraça também tem em cuidado esse fato pois:
80 Epistemologia da Matemática II

...aos elementos novos que aparecem no campo relativo são os números negativos;
os números positivos são os números reais anteriormente conhecidos incorporados
agora no novo campo... .... com todas as suas propriedades...

Tal como o leitor deve ter reparado, Bento de Jesus Caraça utiliza uma reta orientada,
como instrumento de auxílio tanto para levantar como para melhor se compreenderem certas
impossibilidade matemáticas. Como tal, e no seguimento dessa losoa, ele estabelece uma
correspondência entre pontos de uma reta e os elementos do conjunto dos números relativos.
Vejamos o que ele arma:

... a todo o ponto á direita de O corresponde um número real positivo e recipro-


camente, a todo o ponto á esquerda de O, um número real negativo e reciprocamente;
ao próprio O corresponde o número zero...

Pode-se notar que Bento de Jesus Caraça trabalha com uma reta orientada em que considera
O como o ponto de origem, o sentido positivo todos os pontos à direita deO e o sentido negativo
todos os pontos à esquerda de O. Tendo em conta a idéia anterior, é possível estabelecer neste
conjunto uma relação de ordem , tornando-o assim um conjunto ordenado. Assim sendo o
mesmo autor constata que efetivamente um número relativo qualquer pode ser denido por uma
innidade de diferenças p − q de números naturais, exigindo-se apenas que não se altere o sinal
e o valor absoluto da diferença. Quer isto dizer então que um número negativo qualquer se pode
escrever da seguinte forma: p − q = 0 − r = −r, sendo r = q − p, portanto segundo Bento de
Jesus Caraça:

Número negativo pode ser considerado como uma diferença em que o aditivo é
zero e o subtrativo é o número real igual ao seu módulo...".

Podemos constatar na denição anteriormente transcrita que Bento de Jesus Caraça dene
número negativo de um modo semelhante a Bezout, pois, segundo este último uma quantidade
negativa é a diferença entre 0 e uma quantidade positiva, ou seja: −a = 0−(+a), pois +a−a = 0.
Seguidamente vamos ver como é denida a operação de multiplicação sobre números relativos,
pois é esta a operação que mais nos interessa para compreendermos e justicarmos a regra dos
sinais. Bento de Jesus Caraça, ao denir a operação multiplicação de números relativos tem em
atenção dois aspectos: Um deles é denir a multiplicação de números relativos por extensão da
operação multiplicação já denida no conjunto dos números naturais, com o objetivo de que a
multiplicação de números relativos possa "funcionar"tanto para números relativos positivos como
para números relativos negativos. Esta preocupação é curiosa, pois é semelhante à preocupação
de Zamansky quando dene a operação multiplicação de classes de equivalência.
Outro aspecto é o modo como Bento de Jesus Caraça dene número relativo. Pois a operação
que se vai denir deverá ser uma lei de composição interna. Então, vejamos como é denido
o produto de dois números relativos. Seja p − q e r − s dois quaisquer números relativos.
(p − q).(r − s) = p.(r − s) − q.(r − s) = pr − ps − (qr − qs) = pr − ps + qs − qr =
pr + qs − ps − qr = (pr + qs) − (ps + qr). A partir desta denição e da denição de número
negativo, vejamos como Bento de Jesus Caraça justica a regra dos sinais.
Christian José Quintana Pinedo 81

• (+a).(+b) = (a − 0).(b − 0) = (a.b + 0.0) − (a.0 + 0.b) = ab − 0 = +ab

• (+a).(−b) = (a − 0).(0 − b) = (a.0 + 0.b) − (ab + 0.0) = 0 − (ab) = −ab

• (−a).(+b) = (0 − a).(b − 0) = (0.b + a.0) − (0.0 + ab) = 0 − (ab) = −ab

• (−a).(−b) = (0 − a).(0 − b) = (0.0 + ab) − (0.b + a.0) = ab − 0 = +ab

Efetivamente, a regra dos sinais justicada deste modo é válida e não pode levantar objeções,
atendendo ao modo como foi denido número relativo e número relativo negativo. Contudo existe
um fato que me leva a dizer que a demonstração feita por Zamansky é mais elegante"na medida
em que ele na necessidade de resolver uma impossibilidade constrói de raiz um novo conjunto e a
partir de uma axiomática de grupo verica a consistência desse mesmo conjunto. Por outro lado
Bento de Jesus Caraça também, por necessidade de resolver uma impossibilidade, não constrói ,
mas sim dene e convenciona determinados aspectos, e é a partir dessas denições e convenções
que ele vai edicando"o conjunto Z e nalmente justicar a regra dos sinais.

4.5.6 Demonstração da regra dos sinais segundo Euler.


Euler (1707 − 1783), um virtuoso do cálculo como se constata nos seus artigos cientícos pela
maneira audaz como manejava os números relativos e sem levantar questões quanto à legitimidade
das suas construções forneceu uma explicação ou justicação para a regra os sinais. Consideremos
os seus argumentos:

1. A multiplicação de uma dívida por um número positivo não oferece diculdade, pois 3
dívidas de a escudos é uma dívida de 3a escudos, logo (b).(−a) = −ab.

2. Por comutatividade, Euler deduziu que (−a).(b) = −ab.

3. Destes dois argumentos conclui que o produto de uma quantidade positiva por uma quan-
tidade negativa e vice-versa é uma quantidade negativa.

4. Resta determinar qual o produto de (−a) por (−b). É evidente diz Euler que o valor
absoluto é ab. É pois então necessário decidir-se entre ab ou −ab. Mas como (−a).b é
−ab, só resta como única possibilidade que (−a).(−b) = +ab.

É claro que este tipo de argumentação vem demonstrar que qualquer espírito mais zeloso,
como Stendhal, não pode car satisfeito, pois principalmente o terceiro argumento de Euler não
consegue provar ou mesmo justicar coerentemente que − por − = +. No fundo, este tipo
de argumentação denota que Euler não tinha ainda conhecimentos sucientes para justicar
estes resultados aceitalvelmente. Na mesma obra de Euler podemos vericar que ele entende
os números negativos como sendo apenas uma quantidade que se pode representar por uma
letra precedida do sinal − (menos). Euler não compreende ainda que os números negativos são
quantidades menores que zero.
82 Epistemologia da Matemática II

Conclusão.
Por m, o estudo epistemológico descrito neste trabalho mostrou que toda teoria baseada
exclusivamente em exemplos práticos e concretos é suscetível a falhas e contradições, sendo
portanto deciente e responsável pelos problemas dos números negativos perdurarem por 1500
anos até sua completa assimilação. Problemas estes, ainda hoje presentes no meio estudantil
quer seja nos níveis fundamental, médio e a talvez até mesmo em âmbito acadêmico.

4.6 A MAGIA DOS NÚMEROS


INTERPRETAÇÃO FILOSÓFICA
Galileu (Galileo Galilei) (1.564 − 1.642), físico e astrônomo italiano que, junto com o as-
trônomo alemão Johannes Kepler, começou a revolução cientíca que culminou com a obra do
físico inglês Isaac Newton. Sua principal contribuição para a astronomia foi o uso do telescópio
para a observação das manchas solares, vales e montanhas lunares, os quatro satélites maiores de
Júpiter e as fases de Vênus. No campo da física, descobriu as leis que regem a queda dos corpos
e o movimento dos projéteis. Em seu tratado intitulado Diálogo Sobre os Sistemas Máximos
(1.632), defendeu a teoria de Copérnico, segundo a qual a Terra gira ao redor do Sol. Galileu foi
chamado a Roma pela Inquisição, que o acusava de suspeita grave de heresia. Finalmente, foi
obrigado a abjurar em 1.633 e condenado à prisão perpétua, pena que foi diminuída para prisão
domiciliar.
A última obra de Galileo, Discursos e demonstrações matemáticas sobre duas novas ciências,
publicada em Leiden em 1.638 revisa e aprimora seus primeiros estudos sobre o movimento e os
princípios da mecânica em geral. Este livro abriu o caminho que levou Newton a formular a lei
da gravitação universal.
Galileo simboliza a defesa da investigação cientíca sem interferências losócas e teológicas.
O Papa João Paulo II abriu em 1979 uma investigação sobre a condenação eclesiástica do
astrônomo e em outubro de 1992 foi reconhecido o erro do Vaticano.
Galileo identica o espaço físico com a geometria de Euclides. Tudo o que existe no mundo
- coisas e movimento - resume-se às formas geométricas e às leis matemáticas.
As experiências e as observações cientícas pretendem captar a estrutura inteligível das coisas.
Obviamente que a nossa observação do real por vezes é descuidada e supercial. A observação e
experimentação cientícas exigem um certo número de requisitos tais como uma análise minuciosa
e cuidada baseada num rigor metodológico e de linguagem5 .

 A Matemática e a Geometria (área incluída na Matemática) não são mais do


que a linguagem que representa as respostas que a natureza mostra ao cientista. A
losoa está escrita nesse grande livro que temos permanentemente aberto diante dos
olhos (eu quero dizer o universo), mas não a podemos entender se não conhecermos
a língua e ignoramos os caracteres em que ela está escrita. Esta losoa está escrita
5
Segundo Galileo in Diálogo II Saggiatore
Christian José Quintana Pinedo 83

em caracteres matemáticos; os seus caracteres são triângulos, círculos e outras guras


geométricas, sem o intermédio das quais é impossível entender humanamente qualquer
palavra e sem as quais só se erra vãmente num labirinto escuro.

A ciência física-matemática resulta do estudo da losoa grega (em particular da Platônica)


e de conhecimentos que foram desenvolvidos ao longo do século XV I relativamente à natureza
e às metodologias para o conhecer.
A antiguidade grega fez evoluir as Matemáticas no domínio da Aritmética, Geometria e nas
Matemáticas Aplicadas como a Astronomia e a óptica.
A Filosoa Especulativa foi outra disciplina desenvolvida.
Galileo defende que o conceito losóco do universo, jamais poderá contradizer as evidências
que os fenômenos mostram aos investigadores e cientistas. As explicações e concepções losócas
têm de ser compatíveis com as respostas que a natureza oferece.
A Filosoa Natural Especulativa irá impressionar o conhecimento do mundo através da
Matemática.
Há uma viragem no pensamento, a verdade das coisas torna-se única e universal. Esta
universalidade abrange o recinto terrestre observável. As Leis Matemáticas regem o mundo
e automatizam mecanicamente a realidade. Coloca-se um ponto nal no mundo explicativo
fantasioso e sem rigor cientíco. As Leis são imutáveis e a natureza nunca as infringe.
Segundo Galileo, Matemático de prossão, a matemática é um meio, ou seja, uma metodologia
que permite o conhecimento das causas dos fenômenos. Por isso ela é mais do que uma simples
teoria explicativa.
O Pensamento Matemático irá permitir interpretar conceitualmente os fenômenos.
A necessidade de conhecer implica a necessidade de observar, mas a observação não satisfaz
o conhecimento. Para ser conhecerem os fenômenos é preciso contextualizá-los e explicá-los.
Os sentidos são importantes na captação da informação exterior. Para se captar essa infor-
mação é fundamental observar. Só se consegue prever e operar se a observação for devidamente
organizada.
As relações entre os fenômenos para serem descobertas há que apurar as causas desses mesmos
fenômenos, tal como refere Galileo: vericado o qual lhe sucede necessariamente o fenômeno
que designamos por efeito e, na sua falta, deixa de vericar-se o efeito.
A seletividades dos elementos essenciais e acessórios que estão presentes nas causas é complica-
da de fazer. È através do método de dedução matemático, que se desenvolve pormenorizadamente
e arte da seletividade dos elementos.
O cientista formula hipóteses matemáticas. Hipóteses essas que necessitam posteriormente
de comprovação experimental.
É curioso que Galileo tenha sido o fundador da Física Cientíca Matematizada, mas as
experiências que concebeu foram quase todas pensadas, imaginadas representativas de possíveis
vericações da teoria. A interrogação do real através de experiências que desaassem a veracidade
dos fundamentos teóricos.
Os leitores poderão questionar: "Então. A que se deve o mérito de Galileo?". Não se pode
84 Epistemologia da Matemática II

menosprezar o fato de Galileo dispor de material de experimentação difuso e rudimentar, reetido


através deles nas questões cientícas mais delicadas e de extrema importância. Com Galileo, a
Física Moderna explica a realidade exterior através dos números, guras e movimentos.
A visão aristotélica de que a matemática era uma ciência auxiliar baseada fundamentalmente
na abstração, sendo de menor importância que as outras ciências cujo objeto de estudo é a
observação das coisas reais. Termina com a concepção de Galileo defendendo que as ciências
não se podem basear na percepção sensível há que criar modelos de explicação geral. O método
experimental introduzido na ciência por Galileo, inclui a capacidade de imaginar, a formulação
de hipóteses, a tomada de consciência da complexidade de um fenômeno.
Galileo sabe calcular o que poderá acontecer, mesmo antes de experimentar.
, Rene (1596−1650), lósofo francês, cientista e matemático, por vezes considerado o fundador
da losoa moderna. Buscou aplicar à losoa os processos racionais indutivos da ciência, mais
concretamente da matemática. Rejeitou o método escolástico,armando não crer em qualquer
verdade até haver estabelecido as razões para tal. O único conhecimento seguro é o que expressou
em sua famosa frase: Cogito, ergo sum (Penso, logo existo). Partindo do princípio de que esta
inequívoca consciência do pensamento prova sua própria existência, manteve a existência de
Deus.
Na área da ciência, destacam-se seus estudos de óptica e sua descoberta da lei fundamental da
reexão - o ângulo de incidência é igual ao ângulo de reexão -, que inuiria na teoria ondulatória
da luz. Sua maior contribuição à matemática foi a sistematização da geometria analítica. Foi o
primeiro matemático a tentar classicar as curvas conforme o tipo de equações que as produzem,
além de ter contribuído para a elaboração da teoria das equações. Entre suas obras, destacam-se:
Ensaios losócos (1637), que inclui o seu Discurso sobre o método, em que expõe especulações
losócas; Meditações metafísicas (1641; revisado em 1642) e Princípios da losoa (1644).
A descoberta do simples, do objeto da intuição deve ser feita pelo método que através da
dedução ordena racionalmente as descobertas.
A razão vai descobrindo idéias afastando a inuencia dos sentidos ou de qualquer imaginação,
para que seja possível atingir a simplicidade das coisas. A Matemática estaca apegada ao em-
pirismo e daí que não ser possível através dela atingir as certezas. Descartes reetiu e vericou
que a Geometria utilizava processos diferentes da álgebra.
O conhecimento geométrico não oresce da experiência física, mas de concepções abstratas
"por exemplo"retas e planos no espaço que é necessário imaginar. A Geometria parte de conceitos
abstratos, bem denidos que permitem a formulação e demonstração de importantes teoremas.
Os métodos matemáticos tornar-se-iam uns, se nas demonstrações geométricas se utilizassem
conhecimentos analíticos da álgebra.
cria a Geometria Algébrica, hoje denominada Geometria Analítica. Conclui assim que, uma
vez que o mesmo método se aplica à álgebra e à Geometria, logo o mais importante não é os
números, mas sim os processos de evolução da razão para descobrir as relações, compará-las e
ordená-las em séries.
A essência da Matemática reside na ordem e na relação. Deste modo a própria razão tem
uma natureza lógica matemática. Ou seja, os princípios da Matemática são os princípios da
Christian José Quintana Pinedo 85

razão. A ciência é o espírito humano quando se adapta a várias áreas do saber, áreas essas tendo
cada uma o seu próprio objeto. Deste modo, não faz sentido separar as ciências segundo o seu
objeto, tal como diferencia a escolástica.
Descartes termina com o signicado vulgar da matemática, relativa a seres, números, quan-
tidades ou guras e torna-se na Ciência Universal da Ordem e da Medida. Tendo-me esses
pensamentos feito passar do estudo especíco da aritmética e da geometria para uma espécie de
investigação geral da matemática, perguntei-me primeiro o que entendem todos estes por esta
palavra e porque se chamam partes da matemática não só as duas ciências referidas mas também
a astronomia, a música, a óptica, a mecânica e muitas outras ciências. (. . . ) Por conseguinte,
deve haver uma ciência geral que explique tudo o que é possível procurar em relação à ordem e á
medida sem aval a nenhuma matéria particular; e que esta ciência se chama não com um nome de
empréstimo mas com um nome já antigo e recebido pelo uso, a matemática universal, dado que
contém tudo aquilo em virtude do qual se diz de outras ciências que são partes da matemática
( Regras para a Direção do Espírito).
Esta teoria foca uma vez mais as concepções geométricas do mundo defendidas por Platão.
As matemáticas são o modelo da linguagem da verdadeira ciência.
A Matemática origina o método universal se o homem souber construir cadeias de razões que
são o fundamento do saber.

As longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costu-
mam servir-se para chegar às mais difíceis demonstrações tinham-me dado ocasião de
imaginar sucederem-se todas as coisas que podem cair sob o conhecimento dos homens
da mesma maneira.
(discurso do Método)

As ciências assentam na perfeição de um espírito que construa através do rigor, exatidão.


Assim, a universalidade do método unica a ciência com a sabedoria.
Segundo Alexandre Koyré:

É a ordem e a relação que formam o fundo, à própria essência da matemáti-


ca; poder-se-á então traduzir não só qualquer relação numérica em relação espacial
mas também qualquer relação espacial em relação numérica, transformar números
em linhas, linhas em números. Poder-se-á chegar a uma ciência muito mais geral,
ciência justamente das relações e da ordem. Ciência puramente racional, e absoluta-
mente clara para o espírito, pois que nela o espírito nada estuda que as suas próprias
ações, as suas próprias operações, as suas próprias razões - (in Considerações sobre
Descartes).

O espírito humano vai absorvendo e ordenando as relações entre os objetos começando pelos
mais simples e ascendendo sucessivamente às mais complicadas.
A verdadeira ordem das ciências emana da ordenação e composição das idéias desenvolvidas
pelo espírito.
86 Epistemologia da Matemática II

Kant, Immanuel (1724 − 1804), lósofo alemão. é considerado por muitos o pensador mais
inuente da Idade Moderna. Foi da sua mãe que recebeu as primeiras inuências intelectuais e
religiosas, que viriam a ser decisivas na sua concepção de vida. Da sua infância só se lembra da
falta de maturidade intelectual e da falta de liberdade moral. é na sua juventude que é inuen-
ciado pelo Pietismo. Kant cria hábitos de disciplina que o levam a questionar permanentemente
as suas intenções e convicções, vontade e sentimentos. Em 1746 entra para a Universidade de
Königsberg, de onde é natural, e segue cursos de matemática, mecânica newtoniana e losoa,
publicando em 1746 a sua primeira obra, Pensamento sobre o verdadeiro cálculo das forças vivi-
das. Teve muitas diculdades com a hierarquia da igreja, pois os seus textos nem sempre foram
pacícos para o príncipe ou para a religião tradicional. Homem sociável cou conhecido pelo
rigor e regularidade com que vivia o seu dia a dia.
A pedra angular de sua losoa está colocada em sua obra Crítica da razão pura (1781), em
que examinou as bases do conhecimento humano e criou uma epistemologia individual. Para
Kant, todas as proposições comuns que resultam da experiência de mundo são sintéticas: não se
pode chegar a elas apenas pela análise, embora também possam ser empíricas ou a posteriori.
O mesmo se dá com as que surgem a priori, que não se baseiam na percepção e cuja validade
é essencial. A tese proposta na Crítica estabelece a possibilidade de formular juízos sintéticos
a priori (transcendentalismo). Em Metafísica da ética (1.797), expõe seu sistema ético, funda-
mentado na liberdade fundamental do indivíduo e na idéia de que a razão é a autoridade última
da moral. Descreve os dois tipos de ordens dadas pela razão: o imperativo hipotético, que visa
a um m especíco; e o imperativo categórico, que impõe uma trajetória de ação que tem de
ser seguida por sua adequação e sua necessidade. Este último é a base da moral e foi por ele
resumido nos seguintes termos:

 Age de forma que a máxima de tua conduta possa ser sempre um princípio de
Lei natural e universal.

Além de seus trabalhos sobre losoa, escreveu inúmeros tratados sobre diversas matérias
cientícas, sobretudo na área da geograa física, em que se destaca sua História universal da
natureza e teoria celeste (1755).
A Matemática ilustra um sistema de leis que não depende da experiência daí serem soberanas
perante a percepção dos sentidos. Porém o real submete-se a estas leis. Segundo Kant isto só é
possível porque o espaço e o tempo não são reconhecidos através da experiência, mas sim formas
da nossa capacidade de perceber.
Kant opõem-se a Descartes excluindo o fato de se conseguir ter uma percepção das coisas em
si mesmas. Nós não podemos concluir nada sobre as coisas, porque elas não existem para nós.
Tudo o que captamos através da percepção é feito no espaço e no tempo. Essas propriedades
dizem respeito ao sujeito sensível e não às coisas.
As coisas espaço-temporais Kant denomina de Fenômenos, estes opõem-se às coisas em si
mesmas que denomina por Números6 .
6
in Prolegómenos a toda a Metafísica Futura .
Christian José Quintana Pinedo 87

Devemos conceber um ser imaterial, um mundo inteligível, e um ser supremo


entre todos os seres (puros números) porque a razão só nesses seres encontra, como
coisa em si, a perfeição e a satisfação que ela jamais pode esperar derivando os
fenômenos dos seus princípios homogêneos/(. . . ).

Bachelard (1884-1962), nasceu na cidade de Champanha e faleceu em Paris. Passou a sua in-
fância na mais rústica província, onde o homem não perdeu o contato com os elementos primeiros
nem rompeu com a religião dos grandes acontecimentos, o fogo da lareira ou o riacho dos campos.
Consideram-no um racionalista ardente, mas na realidade, é-o menos do que se esforça por se
tornar. Malicioso como pessoa, impetuoso, também é simultaneamente afetuoso e pacista. Não
podemos limitá-lo nem a uma atitude, nem a um traço: é a imagem da própria vida, cheia de
vales com relevos e planícies.
Segundo Bachelard é estritamente necessário afastar da ciência, todo o sujeito que transpõem
para a ciência os seus desejos de eternidade e contemplação.
O sujeito deve ser suprimido de todas as características psicológicas que levem à crença em
mitos e fantasias.
As teorias vigentes até então defendiam que os princípios da matemática que estavam rela-
cionados com a própria estrutura interna do sujeito. Os princípios da matemática tinham origem
na unidade da matemática, unidade essa baseada nas exigências intuitivas. O empirismo defendia
que o sujeito conhecia os princípios matemáticos através da experiência e depois trabalhava com
eles os fatos cientícos. Esta concepção baseava-se na Geometria Euclidiana.
No século XIX Lobatchevski e Rieman descobrem modelos de geometria não-euclideana.
A unidade da matemática foi rompida. A verdade das matemáticas é relativa ao sistema
axiomático considerado. Segundo Bachelar, o sujeito concreto, empírico-racional é o sujeito do
conhecimento cientíco. Será então um sujeito prático, fonte de atividade cientíca e dotado de
objetivação.

E é preciso sempre realizar os teoremas assim descobertos. Para que isto se


consiga, não se trata já, como se repetia incessantemente no século XIX , de traduzir
para a linguagem matemática os fatos que a experiência dá. Trata-se antes, pelo
contrário, de exprimir na linguagem da experiência comum uma realidade profunda
que tem um sentido matemático antes de ser uma signicação fenomenal(. . . ) ( in
études..)

4.7 SISTEMAS DE NUMERAÇÃO


4.7.1 O Sistema de numeração.
O nosso sistema de numeração é aquilo a que chamamos base. A base é o número de unidades
que se convenciona juntar para formar um número maior. No nosso caso a base é dez, isto é, a
partir do dez temos as dezenas, depois as centenas, os milhares, as dezenas de milhares e por aí
fora.
88 Epistemologia da Matemática II

Foram os gregos e os hindus os primeiros a usar o sistema de base dez, apesar de não terem
nenhuma notação, utilizavam as letras do alfabeto para designarem o seu sistema de numeração.
Só por volta de 500 d.C. é que um hindu abandonou as letras que tinham sido utilizadas para
os números e inventou uma notação posicional para aquele sistema.
Cerca de 825 d.C., o matemático árabe Al-Kwarismi escreveu um livro sobre os numerais
hindus, e foi autor de um importante tratado de cálculo Al-jabr w'al-muqabala que é considerado
obra de referência da álgebra.
O sistema de base 10 chegou à Península Ibérica por volta do século XI , apesar da Europa
se mostrar céptica e lenta na mudança. E isto porque os acadêmicos e cientistas não tinham um
processo simples para a representação de frações. Só por volta do século XV II apareceram as
frações decimais e o ponto decimal, introduzido por John Napier, em 1.617.
Quase todos os sistemas de numeração têm base 10. A base 20 e a base 5 são os sistemas
de numeração a seguir da base 10 mais freqüentes. E porquê? Talvez porque temos 10 dedos
nas duas mãos, 20 dedos nas duas mãos e dois pés e 5 dedos em cada mão e pé, facilitando a
contagem.
Mas outra base se impôs. O sistema de base 60, ou o sistema sexagesimal, sumério-babilônico.
Mas porquê 60?
Como nos diz Chou-Pain:

 O quadrado pertence à terra, o círculo ao céu, visto que o céu é redondo e a terra
quadrada .

O círculo pode representar a Perfeição. Deus, o Cosmos, o Universo ou o Todo. Mais pre-
cisamente, o círculo é o emblema do céu. Quantos dias tem o ano? O ano tem aproximadamente
360 dias, isto é, 6 × 60. Temos então a relação entre duração do ano e o número 60.
 O número 60 parecia ser o que melhor reete, encerra e resume as harmonias e os rituais
cósmicos. Se os números permitem ao Homem compreender e dominar o Universo, bom seria
que o sistema de numeração assentasse na base 60.
Curiosidades.
• Sabia que os painéis de São Vicente (num conjunto de seis tábuas, encontradas nos ns do
século passado no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa) é constituída por sessenta
guras?

• Voltando ao círculo e à circunferência, que representa o grande ciclo temporal o Ano. Como
vimos a duração do ano é aproximadamente 360 dias. Ora se dividirmos o nosso círculo
em 360 partes iguais, e se por cada dia que passa zermos que o círculo rode um grau, ao
m de 360 dias o círculo voltou à posição inicial. O céu volta à ordem inicial, e a harmonia
dos números é respeitada.

• Ao que se sabe, o mais antigo dos calendários Egípcios era de base lunar e comportava doze
meses com alternadamente, 29 e 30 dias (No total de 354 dias. Note-se que a duração do
mês lunar é aproximadamente 29 dias, 12 horas, 44 minutos e 2 segundos, isto é, 29, 5 dias.
Ora 12 × 29, 5 = 6 × 29 + 6 × 30.
Christian José Quintana Pinedo 89

Mas no 3o milênio a.C., esse calendário foi substituído por outro de doze meses, onde cada
mês continha 30 dias e cada dia foi dividido em 24 horas, doze para o período diurno e doze para
o noturno. Tínhamos então 360 dias. Mas a estes 360 dias juntamos 5 dias suplementares, os
epagómenes, a cada ciclo de 360 dias. Mas os Egípcios reconheceram que este ajustamento não
era suciente e durante anos, estes não tomaram quaisquer medidas para acertar o calendário.
Foi no decreto de Canopus, de Ptolomeu Euergetes, escrito em três línguas, datado de238 a.C.,
que se impôs a introdução de um 6o dia epagoménico ao m de 4 anos. Mas este calendário
-o Alexandrino-, foi rejeitado pelos Egípcios conservadores, que só aceitaram o seu sucessor, o
calendário Juliano, na entrada da era cristã.
Também a lenda egípcia, relatada por Plutarco conta-nos algo sobre este povo e o seu cal-
endário.
 Ao que parece o grande Deus Rá soube que Nut e Geb secretamente se amavam.
Como castigo lançou sobre Nut uma maldição, de modo a que ela não pudesse ter
lhos em nenhum dia do ano. Tot, porém, que também amava Nut, graças a arti-
manhas conseguiu apoderar-se de partes de vários dias para formar cinco dias que
poderiam ser acrescentados ao calendário do ano, depois do seu último dia. Esses
cinco dias tornaram-se os dos nascimentos dos lhos de Nut e os Egípcios deram-lhes
nomes ao consoante. No primeiro dia nasceu Osíris, no segundo Hórus, no terceiro
Set, no quarto ísis, no quinto Néftis..

4.7.2 A origem e o signicado da palavra avos.


Para frações de denominadores maiores que dez e o porquê da sua utilização
O uso do avos é mais uma manifestação dos constantes esforços da Humanidade para evitar
o uso do difícil conceito de fração. De um modo mais objetivo, quando as pessoas têm que
medir frações de uma quantidade, elas tendem a individualizar um (ou mais) submúltiplo dessa
quantidade e a expressar a medida como múltiplo inteiro desse submúltiplo.
Exemplo 4.1.
• Medimos frações de horas em números inteiros de minutos e de segundos.

• Quando, há poucos anos, foi introduzido o sistema métrico na Austrália, os australianos


começaram a escrever qualquer fração do metro em termos de um número inteiro de
milímetros (não usavam cm).

• Os ingleses expressam frações da sua unidade monetária (a libra ou pound) em schillings


e pennys.

• Apesar do dito acima, encontramos um uso quase moderno da noção de fração em Ar-
quimedes cerca de 200 a.C. Arquimedes, ao enunciar o teorema que diz que a circunferência
D 10D
do circulo de raio D está entre 3D + e 3D + , expressa-se assim:
7 71
 ... é maior do que três diâmetros somados de 10 (vezes a) septuagésima primeira
parte do diâmetro ..
90 Epistemologia da Matemática II

Mas, e quanto aos "avos"?

Bem, aqui a resposta não pode ser tão segura pois o uso dos "avos"parece ser uma exclu-
sividade dos povos que falam português e espanhol, o que nos delimita bastante em termos
bibliográcos. Em todo o caso, apresentamos duas teorias explicando a origem do avos:
Teoria popular:
É a constante na quase totalidade de dicionários etimológicos portugueses e espanhóis. Expli-
cam a origem da palavra a partir do latim octavus, octava, de onde se tirou a suxo avo para ser
acrescentado aos cardinais e assim indicar em quantas partes foi o mesmo dividido. Exemplo:
7
quatro trezavos, sete dozavo ( para ),etc.
12
Teoria da Academia Real Espanhola:
Durante o período da conquista árabe, foi introduzida entre os espanhóis e portugueses
a palavra árabe habba, palavra que sofreu a adaptação à pronúncia portuguesa e espanhola,
tornando-se ava, avo.

4.7.3 Números racionais

Se o leitor não é matemático ou não está envolvido com a matemática, a denição de números
racionais e irracionais não o irá impressionar muito - pelo menos de início. Um número racional
é um número que pode ser expresso como a razão de dois números inteiros ( tal como as frações
); um número irracional não pode ser escrito desta forma.
Muitos números com que nos deparamos na vida de todos os dias são racionais: 3 que pode
3 89
ser escrito como ou 0, 0089 que pode ser escrito como .
1 10000
Além do mais, entre dois números racionais quaisquer existe sempre outro racional. Tal como
a vida, contudo, os racionais utuam num mar de irracionalidade e, num sentido importante e
bem denido devido ao matemático Georg Cantor, existem muitos mais números irracionais do
que racionais. Todos estes números, tanto racionais como irracionais, são ditos números reais
e podem ser expressos como decimais e dispostos ao longo de uma linha, o que é conhecido,
apropriadamente como a reta dos números.

O primeiro número irracional descoberto foi 2, a raiz quadrada de dois (aquele número que
quando multiplicado por si próprio dá exatamente dois), e a descoberta da sua irracionalidade
conduziu a algo semelhante a uma crise na antiga matemática grega. A usual prova indireta da
irracionalidade de 2 é, tal como a demonstração da innitude dos números primos, tão ilustrante
e tão signicativa da técnica clássica reductio at absurdum que iremos incluí-la aqui.

Suponhamos que, ao contrário das nossas crenças, 2 é racional e é igual à razão entre P e
Q. Então:
√ P
2=
Q
M P
Consideremos agora a fração irredutível de , onde M e N são números inteiros que
N Q
Christian José Quintana Pinedo 91

não têm fatores em comum. Então, elevando ambos os membros ao quadrado obtemos:

√ P M M2
( 2)2 = ( )2 = ( )2 ⇔ 2= ⇔ 2N 2 = M 2
Q N N2

prosseguindo, observamos que o lado esquerdo da equação 2N 2 = M 2 contém um dois como


fator, de modo que tem que ser par. Portanto, o lado direito da equação também tem que ser
par. Dado que M 2 é par, também M é par, pois o quadrado de um número ímpar é ele próprio
ímpar.
Portanto, sendo M par ele é igual a 2K , para algum número inteiro K e temos M 2 =
(2K)2 = 4K 2 , ou, após a divisão por dois, N 2 = 2K 2 . Dado que o lado direito desta última
equação contém um 2 como um fator, e é portanto par, também o será N 2 , e portanto N também
deve ser par, visto que um quadrado de um número ímpar é um número ímpar.
Dado que N é par, ele deve ser igual a 2J , para algum número inteiro J . Mas no princípio
tínhamos imposto que M e N não tinham fatores em comum, e acabamos de mostrar que têm
o fator 2 em comum, pois M = 2K e N = 2J . Esta contradição é uma conseqüência direta da

nossa suposição original de que 2 é racional, e portanto isso torna essa suposição insustentável.

Concluímos então que 2 é irracional.
Podemos mostrar a irracionalidade de muitos outros números. O produto de dois números

√ 2
racionais é um racional, de modo que, agora que sabemos que 2 é irracional, sabemos que
√ 2
2 √
também é irracional. Caso contrário, 2 × ( que é igual a 2) seria racional, e acabamos
2 √ √ √
2 2 2
de provar que não é. O mesmo se passa com , , e por aí adiante. Outros números
3 4 5
algébricos como a raiz quadrada de 3, a raiz cúbica de 5 e a raiz sétima de 11 são também
irracionais, tal como π ou o e.

4.7.4 Números reais.


A primeira coisa a explicar-nos é que existem dois tipos básicos de números ?
[ ]:

• Os que usamos para contar ou enumerar: os números inteiros.

• Os que usamos para medir grandezas físicas e geométricas (tais como comprimentos, áreas,
volumes, massa, velocidade, etc.): os números reais.

Evidentemente, o desenvolvimento da noção de número associada às medidas, isto é aos


números reais, foi mais lento, pois envolveu o conceito de número fracionário. A primeira cultura
matemática a aprofundar esse estudo foi a mesopotâmica, que introduziu a noção de ação
sexagesimal, bem como a medidas quaisquer ( isto é de números reais positivos quaisquer ) como
decomposição de uma soma de tais frações. Inventaram, inclusive, um sistema de representação
escrita dessas decomposições: o sistema de numeração posicional sexagesimal cuneiforme.
Os estudo mesopotâmicos foram exclusivamente computacionais: preocupavam-se apenas em
descobrir como fazer as operações aritméticas e as extrações de raízes quadradas e cúbicas para
92 Epistemologia da Matemática II

os reais positivos. Abominavam, contudo, o innito e , conseqüentemente, para os números


irracionais ( que não têm representação sexagesimal nita ) contentavam-se em achar e dar
representações nitas aproximadas. Um exemplo, muito conhecido dessas aproximações, é a
seguinte aproximação - com erro de 0, 000 000 7 - da raiz quadrada de 2 que aparece na tabela
mesopotâmica YBC 7 289: ( usamos algarismos arábicos e não cuneiformes, para simplicar o
trabalho)
√ 24 51 10
2≈1+ + 2 + 3 = 1.4142129
60 60 50
Os matemáticos gregos clássicos, cerca de 400 a.C., foram quem iniciaram os estudos teóricos
dos números: tanto dos números inteiros (que chamavam arithmói ), como dos números reais ou
medidas de grandezas (que chamavam melikotes ).
Entre eles, quem mais se destacou foi Theaithetos, cerca de380a.C., um dos maiores matemáti-
cos de todos os tempos. Ele descobriu uma grande quantidade de resultados sobre os números
reais, os quais foram incorporados por Euclides, cerca de 300 a.C., no livro ou capítulo X de seus
Elementos de Geometria:

• Euclides começa por dividir as grandezas em comensuráveis e incomensuráveis (o que, em


linguagem atual, corresponde a dividir os reais em racionais e irracionais) e introduz um
procedimento - chamado anthyphairesis - para decidir se duas grandezas dadas são ou não
comensuráveis (em linguagem moderna, isso corresponde a caracterizar a racionalidade ou
irracionalidade de um número em termos da sua representação em fração contínua)

• o restante do Livro X dos Elementos trata de classicar as grandezas, ou seja prova dezenas
e dezenas de teoremas que procuram elucidar o quão complicado pode ser um número real.

As culturas matemáticas que se seguiram aos gregos (hindu, islâmica, etc.) relacionam-se
com o desenvolvimento dos aspectos computacionais dos números reais. Os chineses, cerca de
200 AC, desenvolveram um sistema de numeração posicional decimal e eram capazes de calcular
com números de muitas casas depois da vírgula, como nos mostram os escritos de Liu Hui, um
dos grandes matemáticos dessa época.
Aproximadamente, pelo ano 1.000 d.C., esses conhecimentos começaram a chegar à Europa
Cristã. E foi aí que ocorreu a continuação do desenvolvimento teórico dos números reais. Vejamos
como: Os gregos achavam que todas as grandezas (isto é todos os reais positivos ) podiam ser
expressas em termos de um número nito de operações aritméticas e de extrações de raízes
quadradas (note que não falamos em raízes cúbicas ) a partir de inteiros positivos. Fibonacci
mostrou que isso não era verdade (isto é que existiam mais tipos de números do que achavam os
gregos ), ao mostrar que a raiz positiva - ou verdadeira, como dizia-se então - da equação:

x3 + 2x2 + 10x = 20

não era do tipo acima.


De Fibonacci até cerca de 1.850, os únicos desenvolvimentos em torno da noção de número
real foram computacionais. Foram importantes, é bem verdade: Napier, Viete, Stevin e outros,
Christian José Quintana Pinedo 93

no século XV II redescobriram o sistema posicional decimal ( conhecido dos chineses há quase


2000 anos !) o que, combinado com o logaritmo, foi decisivo para o desenvolvimento da Ciência
e Tecnologia Moderna.
Durante todo esse tempo, até matemáticos do calibre de Newton e Euler tinham uma visão
teórica bem simplória dos números reais. Tipicamente não iam além do que se faz nos livros do
primeiro e segundo ano, ou seja: faziam uma identicação intuitiva entre os pontos da reta e os
números reais.
Foi só no início do século passado que os matemáticos perceberam que era necessário dar uma
denição numérica para os números reais , isto é, que para a Matemática atingir um maior grau
de rigor era necessário ter uma denição rigorosa de número real. Muitos matemáticos de nome
envolveram-se nesse trabalho e produziram várias denições formais para a noção de número
real: Cauchy, Weierstrass, Méray, Dedekind, Cantor, Peano, etc.. Cerca de 1890 os resultados
já estavam tão maduros que os professores italianos Dini e Capelli introduziram-nos no ensino
universitário, nas disciplinas de Cálculo Innitesimal e Análise Matemática, de onde nunca mais
saíram. Em algumas países a Teoria dos Números Reais faz parte até do ensino básico.
É necessário acrescentar que, no século passado, o estudo teórico em torno dos números reais
não se limitou à sua formalização. Foi em muito evoluindo o conhecimento sobre os vários tipos
de números reais, como os reais algébricos, bem como sobre vários números reais importantes,
como π , a constante de Euler, a raiz quadrada de 2, etc.
Como conseqüência desses avanços pôde-se, depois de 2 500 anos de esforços, resolver os
chamados Três Problemas Clássicos da matemática grega: a quadratura do círculo, a duplicação
do cubo e a trissecção do ângulo.
No presente século, os estudos sobre números reais iniciaram dedicando-se a elucidar a sua
estrutura algébrica, topológica e de ordem . Esse trabalho culminou com Marshall Stone que, em
1930, provou que, a menos de um isomorsmo, existe um único corpo ordenado, arquimediano e
completo: o dos números reais.
Os desenvolvimentos deste nal de século, em torno dos números reais, são em quantidade
grande demais para enumerarmos. Como exemplo podemos referir que:
• foram produzidos vários tipos alternativos de números reais: reais não-standards, hiper-
reais,etc ( as motivações para tais alternativas vêm da Mecânica Quântica e da própria
Matemática)

• temos o desenvolvimento de sistemas de numeração mais apropriados para o uso em com-


putadores: os números de ponto utuante, a aritmética intervalar, etc.

4.7.5 Números complexos.


Durante este Outono, preocupei-me largamente com a consideração geral das su-
perfícies curvas, o que conduz a um campo ilimitado ... Essas pesquisas ligam-se pro-
fundamente com muitos outros assuntos, inclusive - como me sinto tentado a dizer -
com a metafísica da geometria, e não é sem ingentes esforços que me consigo arran-
car às conseqüências que daí advém, qual seja, por exemplo, a verdadeira metafísica
94 Epistemologia da Matemática II

das grandezas negativas e imaginárias. Em tais ocasiões, sinto vibrar em mim, com

grande vivacidade, o verdadeiro sentido de −1, mas creio que será extremamente
difícil expressá-lo com palavras.
A. Gauss.

Se nunca ouviu falar de números complexos ou nunca percebeu o que são , então esta página
é para si. Em poucas linhas vamos tentar apresentar algumas noções sobre o que são e quais as
suas propriedades mais importantes,para depois explicar qual a sua utilidade.
Podemos então começar por esclarecer o que são os números complexos, para que servem e
um pouco da sua história.
O que são:
Os números complexos são pares de números reais z = (r, i), em que r se designa por parte
real de z e i se designa por parte imaginária de z , e que satisfazem as seguintes propriedades:
Para todos os pares (a, b) e (c, d) pertencentes a R2 temos que:

1.- (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

2.- (a, b) × (c, d) = (a × c − b × d, a × d + b × c)

a estes pares chamamos números complexos (ou imaginários) e ao conjunto formado por estes
pares e por estas operações chamamos Corpo dos Complexos.
Também se representam os números complexos na forma z = a + bi, quando o par (a, b)
designa o número z .
Não podemos deixar de chamar a atenção para o fato de que:

• se b = 0,então z = a, isto é, z é um número real.

• se a = 0,então z = bi, isto é, z é um número imaginário.

Mas o que é então o número i ? é a raiz quadrada de −1. Sabendo que podemos escrever
i = (0, 1), vejamos:

i2 = (0, 1) × (0, 1) = (0 × 0 − 1 × 1, 0 × 1 + 0 × 1) = (−1, 0) = −1

Para que servem:


Com o auxílio deste novo número i, torna-se possível resolver a equação x2 + 1 = 0, o que é
inconcebível com os números reais, sejam eles racionais ou irracionais, só os complexos estão à
altura desta tarefa. Vejamos:

x2 + 1 = 0 ⇒ x2 = −1 ⇒ x 2 = i2 ⇒ x = ±i ⇒ x = ± −1

Portanto a grandeza i nada mais é senão aquilo que se designa tradicionalmente por unidade

imaginária, denida pela igualdade i = −1.
A sua história:
Christian José Quintana Pinedo 95

 Números imaginários - a expressão deve-se a , em cuja geometria surge pela primeira


vez - grandezas sofísticas, como dizia Cardano, que já havia sido sucientemente ousado para
operar com estas grandezas. O grande Leibniz chegou a atribuir aos números imaginários uma
caracterização losóca própria, e reconhecia, no fato de possuírem existência, uma emanação
da innita universalidade do Espírito Divino:

A natureza, mãe de eterna diversidade, ou melhor, o Espírito Divino está por


demais apegado a tão rica variedade, para permitir que tudo seja agrupado numa
única espécie. E deste modo ele encontra um expediente maravilhoso no milagre da
análise, espécie de monstro do mundo das idéias, que quase poderíamos dizer híbrido
de ser e não ser, e que costumamos denominar raiz imaginária.

Ora bem, aqui temos que contradizer Leibniz. Não devemos esperar nada de particularmente
misterioso ou mesmo de místico, pois quem isso procurar cará desiludido. Os novos números
estão denidos pelas regras operacionais acima enunciadas: são as grandezas que satisfazem
aquelas regras e nada mais. Aí nada existe de inimaginável, nada de espantoso, a não ser
talvez o nome imaginário. Porém, os números negativos ou os irracionais, portanto insensatos,
ou os transcendentes, isto é que transcendem toda e qualquer imaginação, são talvez menos
assombrosos e mais razoáveis?

4.8 PARADOXOS
Pode-se entender o conceito de Paradoxo como sendo um dos seguinte ?
[ ]:

• Aquele que exibe aspectos e qualidades contraditória e inexplicável.

• Uma declaração contraditória que parece ser certa.

• Uma declaração essencialmente contraditória baseada em um pensamento válido de su-


posições lógicas.

Os paradoxos existem na matemática desde o início de sua existência e tem sido fundamentais
para uma formalização mais cuidadosa de seus teoremas e leis. Um exemplo muito antigo é o
Paradoxo de Zeno o qual teve grande importância no desenrolar do Cálculo; como veremos mais
adiante, os paradoxos da teoria de conjuntos não dão espaço para que os matemáticos questionem
a consistência das matemáticas formuladas até hoje.

4.8.1 Que e um paradoxo?


Dois pais e dois lhos saem da cidade, porém o número de habitantes da cidade se reduz em
três. Falso? é verdade que aquele trio está formado por pai, lho e neto.
Uma pessoa diz: Estou mentindo. Terá falado a verdade? Neste caso ela esta mentindo; e
se falou uma verdade?
Os dicionários denem uma ilha como uma porção de terra rodeada de água, e uma lagoa
denem como uma porção de água rodeada de terra. Por um instante suponhamos que todo o
96 Epistemologia da Matemática II

hemisfério setentrional fora terra e o meridional fora toda água. Diríamos então que o hemisfério
norte é uma ilha, e o meridional é uma lagoa?
Existem paradoxos em todas as áreas da matemática.

Denição 4.2. Paradoxo.


Deniremos a palavra Paradoxo no sentido de esses exemplos.

Isto é um paradoxo é algo que a primeira vista parece ser falso porém na realidade é ver-
dadeiro; o que parece ser certo porem no rigor é falso ou simplesmente que encerra em se mesmo
contradições.

4.8.2 Que objeto tem os paradoxos da matemática?


O matemático começa por denir objetos com os quais ira a trabalhar que podem ser números,
pontos, linhas ou simplesmente elementos de natureza indeterminada. depois enuncia certas
leis denominadas axiomas ou postulados que norteiam a relação entre os objetos denidos.
Sobre esta base constrói, utilizando-se de uma serie de raciocínios lógicos, todo um edifício de
proposições matemáticas, cada uma das quais sustenta-se nos resultados previamente atingidos.
Entanto não está interessado em saber a verdade que possa conter suas denições, somente se
preocupa em que sejam compatíveis, isto é que não conduzam a contradições (como por exemplo
a do homem mentiroso).

4.8.3 Alguns paradoxos elementares.


Paradoxo 1. Uma pessoa esquisita construiu uma casa de planta quadrada, com uma janela
em cada parede de modo que as quatro estavam de frente para o sul.

Paradoxo 2. Onde uma pessoa, pode sair de sua casa caminhar cinco quilômetros em direção
sul, cinco para o oeste e outros cinco, para o norte e encontrar-se novamente em sua própria
porta?

Paradoxo 3. Um grupo de sete amigos chegou a um hotel de uma pequena cidade, logo pediram
ser acomodados em habitações independentes; o hoteleiro falhou que só tinha seis quartos
porém ele podia atender a todos e resolveu do modo seguinte:
Levou ao primeiro à primeira habitação e pediu a presencia de um dos outros para fazer
companhia ao primeiro, levou ao terceiro para a segunda habitação, logo levou ao quarto
homem para a terceira habitação, ao quinto para a quarta habitação, ao sexto para a quinta
habitação. Voltou logo à primeira habitação e levou ao sétimo homem à sexta habitação.

4.8.4 Paradoxos famosos.


Matemática transcende civilizações e idiomas especícos. é um sistema grande de lógica, é
um tipo de idioma universal. Paradoxos como tal, certos e contraditório surgiram aborrecendo
os matemáticos desde tempos antigos ate os atuais.
Christian José Quintana Pinedo 97

Alguns são paradoxos falsos: eles não apresentam contradições são truques meramente de
lógica. Outros tremeram as mesmas bases de matemática, exigindo pensamento matemático
brilhante e criativo para soluciona-lo. Outros permanecem não resolvidos ate o dia de hoje.
Apresentamos alguns paradoxos.

a) Paradoxo de Cantor:
O conjunto de todos os conjuntos. Seja C o conjunto de todos os conjuntos. Então todo
subconjunto de C é um elemento de C ; logo, o conjunto potência de C é um subconjunto de C ;
porém, isto implica que a cardinalidade do conjunto potência é menor ou igual a cardinalidade
de C . Porém, segundo o Teorema de Cantor, a cardinalidade de C deve ser menor que a cardi-
nalidade do conjunto potência. Assim, o conceito de conjunto de todos os conjuntos leva a uma
contradição.

Paradoxo de conjuntos innitos.


Há mais números inteiros ou mais números inteiros pares ? Parece como uma pergunta
simples, direita, anal de contas, todo número inteiro par é um número inteiro, mas isso é sobre
todos os números inteiros pares. Assim há mais números inteiros que números inteiros pares
?. Mas espera um segundo. Quantos números inteiros são ?. Um número innito. E quantos
números inteiros pares estão lá ? Um número innito. Hmmmm...."Innidade  diz o estudante
de matemática A, "é justo um termo... existe algum modo que você pode me mostrar de fato que
há o mesmo número de elementos de cada conjunto , Certo, deixa te mostrar diz o estudante
de matemática B.
 Me dê um número inteiro, e eu lhe darei um número inteiro par que corresponde a isto. E se
dois de seus números inteiros são diferentes, eu garanto que meus dois inteiros serão diferentes

Estudante de matemática A: Certo... 1
Estudante de matemática B: 2
Estudante A: 2
Estudante B: 4
Estudante A: 18
Estudante B: 36
Estudante A: -100
Estudante B: -200
Estudante A: n
Estudante B: 2n
Estudante A: Eu estou começando a ver o que você quer dizer. Mas consideremos algo da
teoria de conjuntos que nós aprendemos em classe de matemática. O conjunto de até mesmo de
números inteiros está contido no conjunto de números inteiros, mas não são iguais esses conjuntos.
Assim os dois conjuntos não podem ser do mesmo tamanho. (Quem esta certo ? Que tipo de
conjuntos pôs o professor na tábua em classe ? Como estes conjuntos são diferentes ?.)
98 Epistemologia da Matemática II

O paradoxo caracterizado pelo problema acima confundiu os matemáticos durante séculos.


Em 1874 Georg Cantor trabalhou um sistema de graus de innitude resolvendo de uma vez por
todas o grande problema e aumentou a compreensão de innidade e teoria de conjuntos.

A Solução de Cantor: Enumerabilidade


No exemplo anterior, o estudante B emparelhou cada número com seu dobro que resultou na
correspondência da seguinte tabela:

A ...-5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5..
B ...-10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10...

Os inteiros podem ser correspondidos com os números naturais.

Naturais → 1 2 3 4 5 6 7 8 9...
Inteiros → 0 -1 1 -2 2 -3 3 -4 4...

Agora, Cantor fez a seguinte denição:

Denição 4.3. Igualdade de Conjuntos


Dois conjuntos são iguais em magnitude (i.e. tamanho) se seus elementos podem ser postos
entre si em correspondência uma a um

Isto signica que os números naturais, os inteiros, e os inteiros pares todos têm o mesmo
número de elementos. Cantor denotou o número de números naturais pelo número transnito
(aleph-nought pronunciado ou aleph-nulo). Para facilidade de anotação, nós chamaremos este
número d, como o conjunto de todos os números naturais (e todos os conjuntos de igual mag-
nitude) é chamado freqüentemente enumerável. Um conjunto é enumerável, se e só se pode ser
escrito como uma sucessão innita a1 , a2 , a3 , · · ·. Neste caso a1 corresponde ao número natural
1 (um), a2 corresponde ao número 2, e assim por diante.
É chamados número cardinal aquele que denota a magnitude do conjunto. Para conjuntos
nitos, os números cardinais são os números inteiros. É dito que um número cardinalX é maior
que o número cardinal Y se um conjunto de magnitude X têm um subconjunto formal (um
subconjunto que não é o próprio conjunto) de ordem Y , mas um conjunto de ordem Y não tem
um subconjunto formal de ordem X . Desde que qualquer conjunto innito contém um conjuntos
do tipo a1 , a2 , a3 , · · ·, d é o menor número nito.

Propriedade 4.2. Número Cardinal.


O conjunto de números racionais é enumerável, quer dizer, tem número cardinald
Christian José Quintana Pinedo 99

No princípio, a pessoa pensaria que há mais números racionais que números naturais, desde
que exista um número innito de outros números racionais entre qualquer dois números racionais
distintos. Isto não é verdade para os números naturais. Porém, Cantor provou o teorema deste
modo:
Considerando que d é que o menor número transnito, nós há pouco precisamos provar que
um conjunto que contém os números racionais é enumerável. Quer dizer, o conjunto de racionais
é um conjunto innito, assim tem magnitude igual a d, e não pode ter magnitude maior que um
conjunto que no está contido. Considere isto xado:
Observe a seguinte correspondência:

Naturais 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11...
1 1 2 3 2 1 1
Racionais 1 2 3 4 ...
2 3 2 2 3 4 5

Agora comece com zero e inclua o negativo de todo número, para adquirir o conjunto:

1 1 1 1 2
0, 1, -1, , - , , - , , - , 3, -3...
2 2 3 2 2 2

Assim um conjunto que inclui o racionais foi posto em correspondência1 − 1 (biunívoca) com
o conjunto dos números naturais.
Nenhuma introdução a lógica estaria completa sem uma referência às falácias e os paradoxos.
As primeiras, porque representam um atentado às leis e as regras lógicas, constituíram uma
das motivações para o desenvolvimento destas ciências; o segundo, porque parecem ir contra
essas regras, estão também na origem de grandes progressos. Enquanto em relação as falácias
acabamos mais ou menos facilmente por descobrir o erro, os paradoxos permanecem por vezes
durante séculos como um espinho no pensamento. Tal é o caso dos Paradoxos de Zeno, assim
como, mais diretamente relacionado com a lógica, o paradoxo do mentiroso.
Este último pode ser formulado da seguinte forma:
A proposição seguinte é falsa.
A proposição anterior é verdadeira.
Se partirmos do princípio que uma das proposições anteriores é verdadeira, chegamos à con-
clusão, ao relacioná-la com a outra, que é falsa, inversamente se partirmos do princípio que é
falsa chegamos à conclusão que é verdadeira. Parecendo assem entrarmos em contradição.

b) Paradoxo de Zeno.
O grande lósofo grego Zeno de Eléa (nascido algum dia entre 495e480 a.C.) propôs quatro
paradoxos em um esforço para desaar as noções aceitadas de espaço e tempo que ele encontrou
em vários círculos losócos. Os paradoxos dele confundiram os matemáticos durante séculos, e
não era até o desenvolvimento da teoria de conjuntos innitos de Cantor (entre 1860 e 1870) que
os paradoxos poderiam ser solucionados completamente.
100 Epistemologia da Matemática II

Os paradoxos de Zeno enfocam na relação do discreto para o contínuo, um assunto que está
no mesmo coração de matemática. Aqui nós apresentaremos o primeiro dos quatro paradoxos
famosos dele.
O primeiro paradoxo de Zeno ataca a noção assegurada por muitos lósofos, que o espaço
era innitamente divisível, e aquele movimento era então contínuo.

Paradoxo: O Corredor Imóvel


Um corredor quer correr uma certa distância - nos deixe dizer 100 metros - em um tempo
nito. Mas para alcançar a marca dos 100 metros, o corredor tem que alcançar a primeira marca
dos 50 metros, e para alcançá-la, o corredor tem que correr primeiro 25 metros. Mas para fazer
isto tem que, ele ou ela correr primeiro 12.5 metros.
Considerando que espaço é innitamente divisível, nós podemos repetir estes exigências sem-
pre. Assim o corredor tem que alcançar um número innito de "pontos"centrais em um tempo
nito. Isto é impossível, assim o corredor nunca pode alcançar a meta dele. Em geral, qualquer
um que quer mover de um ponto a outro tem que satisfazer para estas exigências, e assim o
movimento é impossível, e a que nós percebemos como movimento somente é uma ilusão.
Onde engana a fratura de argumento? Por que?
Este corredor é desapontado claramente que ele não irá em qualquer lugar.

c) Paradoxo de Russell.
Seja Z o conjunto de todos os conjuntos que não são elementos de si mesmos. | Pergunta-se:
Z é elemento de si mesmo? Sim, Z não pertence a Z, então, pela denição de Z, temos que Z
não pertence a si mesmo.
Em qualquer dos casos há contradição. Este paradoxo é análogo ao Paradoxo do Barbeiro :
O barbeiro de uma aldeia faz a barba de todos os moradores que não se barbeiam a si mesmos.
Mas essa norma muito em breve vai envolvê-lo em um apuro dialético. Ele irá barbear-se? Se o
zer, estará, então, barbeando alguém que barbeia a si mesmo e quebrará a norma. Se não se
barbear, cará barbado e, da mesma maneira, não obedecerá à norma, porque deixou de barbear
uma pessoa da aldeia que não se barbeia a si mesma.

4.8.5 Paradoxo da Pergunta.


Era uma vez uma grande conferência internacional com os mais reputados lósofos, na qual,
miraculosamente, apareceu um anjo que disse:
Venho até vós como mensageiro de Deus. Ser-vos-á dada a oportunidade de fazer qualquer
pergunta que desejem - mas apenas uma! -, cuja resposta verdadeira vos facultarei. Que desejam
perguntar?.
Os lósofos caram compreensivelmente excitados, e começaram de imediato a discutir qual
seria a melhor pergunta a fazer. Mas rapidamente se tornou evidente que precisavam de mais
tempo; pediram portanto ao anjo que voltasse mais tarde. O anjo era bastante prestável, de
maneira que prometeu regressar à mesma hora no dia seguinte.
Christian José Quintana Pinedo 101

Mas é bom que nessa altura estejam preparados - avisou-os -, pois não terão outra oportu-
nidade.
Todos os lósofos presentes na convenção trabalharam freneticamente nas vinte e quatro
horas seguintes, propondo e ponderando os méritos de várias perguntas. Filósofos de todo o
mundo participaram igualmente, enviando as suas sugestões por fax e por correio eletrônico.
Alguns lósofos eram a favor de se fazer o tipo de pergunta prática cuja resposta muitas pessoas
gostariam de saber, como esta:
P1 É melhor ver o óleo do carro quando este está quente, ou quando está frio?
Mas outros lósofos disseram que não deviam desperdiçar esta oportunidade rara, que lhes
dava a possibilidade de aprenderem qualquer coisa sobre um tópico verdadeiramente importante
e intrinsecamente interessante, o que, depois de alguma discussão, acabou por ser em geral aceite.
Os lósofos estavam no entanto sem saber sobre que tópico verdadeiramente importante e
intrinsecamente interessante devia ser a pergunta. O problema era que precisavam de saber à
partida qual seria a melhor pergunta a fazer, de maneira a tirar o maior partido desta maravil-
hosa oportunidade. Uma das propostas era tentar introduzir sub-repticiamente duas perguntas,
perguntando qualquer coisa como:
P2 Qual seria a nossa melhor pergunta, e qual é a resposta a essa pergunta?
Mas esta proposta foi rapidamente recusada, assim que se fez notar que o anjo tinha dito
explicitamente que só tinham direito a uma pergunta. Outra das propostas era fazer apenas a
primeira das perguntas de P2, na esperança de um dia virem a ter outra oportunidade semelhante
a esta, altura em que poderiam então fazer a pergunta que saberiam ser a melhor. Esta proposta
foi recusada, contudo, uma vez que era provável que nunca chegassem a poder fazer a melhor
pergunta, depois de saberem qual era.
Numa certa altura, começou a gerar-se um consenso crescente segundo o qual se devia fazer
a seguinte pergunta:
P3 Qual é a resposta à pergunta que seria a melhor pergunta a fazer?
Desta forma, argumentava-se, teriam pelo menos a informação maximamente importante
contida na resposta relevante.
Mas os lósofos acabaram por car preocupados com a possibilidade de receberem, em re-
sposta a P3, uma resposta como sete, ou sim, que não teria para eles qualquer signicado, a
não ser que soubessem que pergunta estava a ser respondida.
Por m, quando os lósofos já estavam a car sem tempo, um jovem lógico inteligente fez
uma proposta que foi rápida e esmagadoramente aprovada. Eis a sua pergunta:
P4 Qual é o par ordenado cujo primeiro membro é a melhor pergunta que poderíamos fazer-
lhe, e cujo segundo membro é a resposta a essa pergunta?
Quase toda a gente (não esqueçamos que se trata de lósofos) concordava que esta era a
maneira ideal de resolver o pequeno problema com que se confrontavam. Ao perguntarP4, os
lósofos asseguravam que cariam a saber simultaneamente qual era a melhor pergunta a fazer, e
qual era a sua resposta. Os lósofos comemoraram e congratularam-se mutuamente, e, à medida
que se aproximava a altura em que o anjo tinha prometido regressar, havia entre os lósofos do
mundo inteiro uma expectativa quase febril.
102 Epistemologia da Matemática II

Toda a gente estava excitada com a perspectiva de aprender uma verdade magníca e impor-
tante. Estavam também razoavelmente satisfeitos consigo mesmos por terem conseguido encon-
trar uma maneira tão inteligente de resolver o problema de saber qual seria a melhor pergunta,
conseguindo obter também a sua resposta, quando apenas podiam fazer uma única pergunta.
Foi então que o anjo regressou. Os lósofos zeram a sua pergunta solenemente - P4- e o
anjo ouviu com atenção, dando depois a sua resposta:
Resposta: É o par ordenado cujo primeiro membro é a pergunta que me zeram, e cujo
segundo membro é esta resposta que vos estou agora a dar.
Assim que respondeu, o anjo desapareceu, deixando os lósofos a arrancar os cabelos com a
frustração.
Esta história deixa-nos com outro pequeno problema para resolver. Na altura em que os
lósofos perguntaram P4, esta parecia, naquela situação peculiar, a pergunta ideal. Mas acabou
por tornar-se claro que P4 não era de forma alguma a melhor pergunta a fazer. (Mais valia que
tivessem perguntado se devemos vericar o óleo do carro quando ele está quente ou quando está
frio.) O problema é, então, este: o que é que correu mal?

A importância dos Paradoxos.

A importância dos paradoxos na teoria de conjuntos aparece quando nos damos conta de que
usando a lógica clássica , todos os enunciados são provenientes de uma contradição. Aos olhos
de muitos parecia que nenhuma prova matemática é conável, descobriu - se que a lógica e a
teoria de conjuntos debaixo de todas as matemáticas são contraditórias. Os paradoxos são uma
parte importante das matemáticas modernas. Os paradoxos e a teoria de conjuntos tiveram um
efeito profundo no desenrolar e na compreensão da matemática. Os matemáticos atuais são mais
cuidadosos no estudo de todas as suposições que formam um teoria. O matemático se interessa
por suposições que pode provar se é falsa ou verdadeira. Também procura analisar que efeito
teria trocar uma suposição dada. Isto poderia resultar em novas teorias ou novos paradoxos que
nos levam a um melhor entendimento da teoria que se estuda.
É consensual a idéia que não existe um caminho que possa ser identicado como único e
melhor para o ensino de qualquer disciplina, em particular a matemática. No entanto, conhecer
diversas possibilidades de trabalho em sala de aula é fundamental para que o professor construa
sua prática. Dentre elas destacam-se a História da Matemática, a tecnologia da comunicação e
a lógica matemática que podem fornecer os contextos dos problemas, como também os instru-
mentos para construção do raciocínio lógico como estratégia de resolução.
Diante disso percebe-se que o professor também deve estar em constante busca de conheci-
mento para que possa dar o melhor a seus alunos. Buscamos através da resolução de problemas
e dos paradoxos, mostrar que é possível apreender matemática de maneira mais séria no Ensino
Médio, tornando assim os alunos mais responsáveis por sua aprendizagem. é preciso desabrochar
no aluno, socializá-lo a formar o seu espírito crítico, desenvolver todas as suas faculdades e
desmisticar de uma vez por todas que a matemática é difícil e que ninguém entende.
Christian José Quintana Pinedo 103

4.8.6 Paradoxos na Lógica.


Como as lendas e folclores, os paradoxos lógicos tiveram seus predecessores na antigüidade.
Tendo-se ocupado com losoa e com os fundamentos da lógica, os gregos formularam algu-
mas adivinhações lógicas, que nos tempos modernos, voltaram a aigir matemáticos e lósofos.
Os sostas se tornaram especialistas em perguntas para confundir e desnortear seus oponentes
nos debates, mas a maioria deles permaneceu no raciocínio fugidio e nos truques dialéticos.
Aristóteles os arrasou quando apresentou os fundamentos da Lógica clássica - uma ciência que
desgastou e sobreviveu a todos os sistemas losócos da antiguidade e que, em sua maior parte,
é perfeitamente válida hoje.
Mas havia enigmas perturbadores que se mantiveram tenazmente indecifráveis. A maioria
deles e provocada pelo que se chamou "O Circulo Vicioso da fantasia", que é "devido ao aqueci-
mento do princípio fundamental de que o que se refere a um todo não pode, ele mesmo, ser parte
deste todo". Exemplos simples disto são as frases ponticais, familiares a todos, que parecem
Ter grande signicação, quando na realidade não a têm tais como: nunca diga nunca, ou  todas
as regras têm exceções, ou  toda generalização é falsa. Apresentaremos alguns dos paradoxos
lógicos mais avançados, contendo a mesma falsidade básica e, então, discutiremos sua importân-
cia sob o ponto de vista do matemático.

Paradoxo 1: Uma minhoca em equilíbrio.


Uma minhoca em equilíbrio caminha sobre uma ta elástica de um quilômetro de compri-
mento. A minhoca avança à velocidade de um centímetro por segundo. Depois do primeiro
segundo, a ta elástica estica-se um quilômetro. Ao seguinte segundo, ao ta volta-se a expandir
mais um quilômetro (agora tem três quilômetros) e assim sucessivamente. A minhoca chegará à
outra ponta da ta elástica?
A intuição sugere que não, porém é uma idéia equívoca. Podeis dizer-me quanto tempo tarda
em chegar? Os asseguro que o problema tem solução. é uma ousada totalmente fora do real,
porém teoricamente tem solução.

Paradoxo 2: O catálogo dos catálogos que se incluem em si mesmos.


As editoriais com freqüência fazem catálogos com a lista de seus livros.
Alguns destes catálogos incluiriam uma entrada mencionando ao próprio catálogo, em tanto
outras não o farão. Suponhamos que nós somos uma editora de catálogos, e queremos fazer
um catálogo com os catálogos de editoras que não se incluem a si mesmas. Sendo o nosso um
catálogo, devemos decidir si o incluímos ou não na lista. Se o incluímos, é um catálogo que se
inclui em se mesmo, e não deve gurar. Se não o incluímos, é um catalogo que não si inclui em
si mesmo, e portanto deve aparecer.

Paradoxo 3: O enforcamento inesperado.


Um homem é condenado a morte. Se diz que no transcurso de sete dias, à meia noite, será
subitamente executado.
104 Epistemologia da Matemática II

O homem raciocina que ele não será executado a noite do último dia, pois imediatamente
depois da meia noite do dia anterior ele saberia que morreria na noite seguinte, e neste caso a
execução não seria de súbito, descartado o último dia, também não seria a penúltima noite, pois
dois dias antes de cumprir-se o prazo de sete dias ele saberia a noite seguinte que seria executado,
e não seria de súbito. Desse modo o homem descartou todos os dias, até chegar à conclusão de
que não seria executado. Subitamente, ao quarto dia o homem é executado.

Paradoxo 4: O ovo inesperado.


Este problema é análogo ao anterior de modo que contarei os detalhes: Existem10 caixas, 9
de elas vazias, 1 contendo um ovo. Existem vários homens lógicos aos que se pede examinar
cada uma das caixas, em uma delas encontraram o ovo inesperado. O ovo é inesperado no sentido
que eles não sabem , até abrir a caixa, que nessa e não em outra encontra-se o ovo.

Paradoxo 5: A prova surpresa.


É igual aos dois anteriores. Um professor diz a seus alunos no primeiro dia de aula, que
durante o transcurso do ano, um dia aplicará uma prova surpresa.

Paradoxo 6: Aquiles e a tartaruga.


Aquiles e a tartaruga jogam uma carreira. A distância a percorrer é 200 metros. Como
Aquiles corre 10 vezes mais rápido que a tartaruga e acertam que ele dará 100ms de vantagem.
Os dois estão em posição, e começa a carreira. Aquiles começa a correr, e avança os 100m de
vantagem . Porém a tartaruga já avançou 10m, de modo que ainda estava na frente. Quando
Aquiles percorre 10m, a tartaruga já avançou um metro mais. Aquiles segue percorrendo e avança
esse metro, mas a tartaruga no mesmo tempo percorreu dez centímetros. Deste seguem correndo
sem que Aquiles possa alcançar nunca à tartaruga.

Paradoxo 7: Prova da existência de Deus.


Seja a frase:  Esta frase é falsa.
Se a frase é falsa, é falso que Esta frase é falsa isto é, a frase é verdadeira. Se a frase é
verdadeira, é certo que Esta frase é falsa, isto é a frase é falsa.
Seja a frase:  Deus existe ou esta frase é falsa.
A frase é uma disjunção, formada por duas pares; a parte p1 é  Deus existe; a Segunda
parte p2 é  esta frase é falsa, a frase completa é p1 ou p2  onde ou simboliza a disjunção.
A frase é verdade quando p1 ou p2 (ou ambas) a são; é falsa quando p1 e p2 (ambas) a são.
Suponhamos que toda a frase seja falsa, neste caso p1 e p2 (ambas) são falsas; porém p2 é "esta
frase é falsa"que resultaria certa portanto a frase não pode ser falsa. Em conseqüência a frase
deve ser verdadeira, nesta caso p1 ou p2 devem ser verdadeiras; observe que p2 é esta frase é
falsa que resulta uma armação falsa; ao ser p2 falsa, sendo a frase completa verdadeira, deve
ser p1 verdadeira; isto é Deus existe.
Christian José Quintana Pinedo 105

Paradoxo 8: Isto é verdadeiro.


Prova que qualquer coisa que quero mostrar é verdadeira. Seja a frase "Isto que quero mostrar
é certo, ou esta frase é falsa"raciocine como no exemplo anterior.

Paradoxo 9:
A invasão dos terreno de caça de um poderoso príncipe era punível com a morte, mas o
príncipe, posteriormente, decretou que qualquer indivíduo que fosse apanhado em sua reserva
teria o privilégio de decidir se seria enforcado ou decapitado. Permitia ou culpado fazer uma
declaração - se fosse falsa, seria enforcado; se verdadeira, seria decapitado. Um velhaco lógico
conseguiu, para si, essa dupla prerrogativa - de ser enforcado, se não tivesse sido; de ser decapitado
se tivesse sido - ao declarar: serei enforcado.
Este era um dilema que não estava previsto, porque o invasor argumentou: Agora, se me
enforcarem, estarão desobedecendo às ordens do príncipe, porque minha declaração é verdadeira,
e devo ser decapitado; mas, se me decapitarem, também desobedecerão às ordens, porque, então,
o que eu disse será falso e eu deveria ser enforcado.
O invasor, provavelmente, não teve o melhor m às mãos do carrasco do se fosse entregue
a um lósofo, porque, até este século, os lósofos não tem muito tempo para perder com estas
adivinhações infantis - principalmente com as que ele não pode resolver.

Paradoxo 10:
Pense no fato de que todos os inteiros podem ser expressos na língua portuguesa sem o
emprego de símbolos. Assim,

a) 1400 pode ser escrito: mil e quatrocentos, ou

b) 1.769.823 um milhão, setecentos e sessenta e nove mil, oitocentos e vinte e três.

É evidente que alguns números exigem mais sílabas que outros; em geral, quanto maior o
inteiro, tanto mais sílabas são necessárias para expressá-la. Assim, o itema) precisou de 6 sílabas
e b), de 24. Ora, pode-se estabelecer que alguns números necessitam de 27 sílabas ou menos,
enquanto outros precisarão de mais de 27 sílabas. Além disso, não é difícil mostrar que, entre os
inteiros que necessitam exatamente 27 sílabas para serem expressos na língua portuguesa, deve
haver um que seja menor que todos. Ora é fácil ver que O menor inteiro que não pode ser
expresso com menos de 27 sílabas é uma frase que se refere especicamente, a um determinado
inteiro expresso com 27 sílabas. Mas a declaração tem 26 sílabas! Temos, então, uma contradição,
porque o menor inteiro que se pose indicar com 27 sílabas pode ser expresso com 26 !

Paradoxo 11:
A forma mais simples do paradoxo lógico que surge do uso indiscriminado da palavra todos 
pode ser vista no exemplo a seguir:

1) Este livro tem 597 páginas.


106 Epistemologia da Matemática II

2) O Autor deste livro é Confúcio.

3) As armativas dos números 1 e 2 são todas falsas.

O que se pose dizer da armação 3? Que 1 e 2 são falsas, mas 3 é não só um lobo com pele
de cordeiro, como um cordeiro fantasiado de lobo. Não é uma coisa nem outra: não é falsa nem
verdadeira. Vemos um aprimoramento no famoso paradoxo se Russell referente à classe de todas
as classes que não são membros de si próprias. O o da meada é, de certa forma ilusória e deve
ser acompanhado com cuidadosa atenção.

Paradoxo 12:
Usando a palavra classe em seu sentido habitual, podemos dizer que há classes de mesas,
livros, pessoas, números, funções, idéias, etc. Por exemplo, a classe de todos os presidentes do
USA tem como membros todas as pessoas, vivas ou mortas, que tiverem sido presidente dos
USA. Qualquer coisa do mundo, exceto uma pessoa que tenha sido ou é presidente dos USA,
inclusive o próprio conceito da classe, não é membro desta classe. Isto, portanto, é um exemplo
de uma classe que não é membro de si mesma. Da mesma forma, a classe de todos os membros
da polícia secreta alemã, que inclui muitos, mas não todos, os patifes da Alemanha; ou a classe
de todas as guras geométricas de um plano limitado por linhas retas; ou a classe de todos os
inteiros de um a quatro mil, inclusive, tem como membros as coisas ali descritas, mas as classes
não são membros delas próprias.
Ora, se consideramos uma classe como um conceito, então classe de todos os conceitos do
mundo é, ela própria, um conceito e, assim, é uma classe que é membro de si mesma. E também
a classe de todas as idéias apresentadas ao leitor em um livro é uma classe que se contém a si
mesma com membro, porque a menção desta classe é uma idéia que traz à atenção do leitor.
Fixando esta distinção no pensamento podemos dividir todas as classes em dois tipos: as que
são membros de si mesmas e as que não membros de si mesmas. Na realidade, podemos formar
uma classe que é composta de todas as classes que não são membros de si próprias. A pergunta
é a seguinte: esta classe é, ou não, membro de si mesma? Tanto a resposta armativa quanto a
negativa nos envolve em uma contradição sem esperança. Se a classe em questão é membro de si
mesma, não o será por denição, porque deveria conter apenas as classes que não são membros
de si mesmas. Mas, se não é membro de si mesma, tem que ser, pela mesma razão.
Os paradoxos são como fábulas que são apresentadas para parecer histórias inocentes de
raposas e uvas, sapos e pedras. Porque, assim como todos os conceitos éticos e morais foram
habilmente introduzidos em sua criação, todo o raciocínio lógico e matemático, losóco, e
especulativo esta entremeado com estes pequenos gracejos.

4.8.7 Paradoxos na Aritmética.


Neste artigo vamos discutir algumas das surpresas que se podem encontrar nesta matéria, e
pela maior parte vamos limitar a vossa atenção a algumas das propriedades notáveis do número
dois. Não existe nada aqui que o matemático vá achar espantoso, no entanto os resultados que
Christian José Quintana Pinedo 107

se vão apresentar são paradoxais para o não-matemático na proporção em que ele os declararia
provavelmente falsos, ou pelo menos altamente improváveis se lhes pedíssemos uma opinião sobre
eles.
Uma demonstração de que 1 é igual a 2 é familiar à maioria das pessoas. Pode ser estendida
a quaisquer dois números ou expressões. O erro comum a tais fraudes está na divisão por
zero, operação estritamente proibida. Isto porque as regras fundamentais da Aritmética exigem
que todos os processos aritméticos devem conduzir a um único resultado. Obviamente, este
requisito é essencial, porque as operações de aritmética teriam pequeno valor, ou signicação, se
os resultados fossem ambíguos. Se 1 + 1 fosse igual a 2 ou 3 a matemática seria o Chapeleiro
Louco das ciências. Tal como a leitura da sorte ou a frenologia, seria um assunto apropriado
para ser explorado no cais do Coney Island.
Como os resultados da operação de divisão tem que ser únicos, a divisão por zero deve ser
excluída, porque o resultado de tal operação pode ser qualquer coisa que você deseje. Em geral,
a
a divisão é denida de tal forma que, se a, b e c são três números tais que = c, somente quando
c
5
c × b = a. Tendo em vista esta denição, qual é o resultado de ? Não pode ser nenhum número
0
entre zero e innito, porque nenhum número, multiplicado por zero será igual a 5. Então não
5
tem sentido. E mesmo é uma expressão sem signicação, é chamada de forma indeterminada.
0
É certo que são raramente apresentadas falsidades resultantes da divisão por zero em forma
tão simples que possam ser imediatamente reconhecidas. O exemplo seguinte mostra como
surgem os paradoxos quando fazemos um divisão por uma expressão cujo valor é zero.

Paradoxo 1.
Suponhamos que A + B = C e que A = 3 e B = 2.
Multipliquemos ambos os membros da equação: A + B = C por (A + B). Obtemos :
A2 + 2AB + B 2 = C(A + B).
Rearrumando os termos, temos: A2 + AB − AC = −AB − B 2 + BC . Fatorando (A + B − C),
teremos: A(A + B − C) = −B(A + B − C), Isto é, dividindo ambos os membros por (A + B − C),
teremos: A = −B ou A + B = 0 o que implica 3 + 2 = 0 é evidentemente absurdo.

Paradoxo 2.
Determine o erro na seguinte demonstração?

1a Suponha a = b. Multiplicando ambos os membros por a resulta:

2a a2 = ab. Subtraindo b2 de ambos os membros:

3a a2 − b2 = ab − b2 . Decompondo em fatores:

4a (a − b)(a + b) = b(a − b). Dividendo ambos os membros por (a − b)

5a a+b=b

6a 2b = b. Bem, agora você pode supor a = b = 1 e descobrirá que:


108 Epistemologia da Matemática II

7a 2 = 1 o qual é um resultado falso.

Paradoxo 3.
Mostrar que do números distintos (desiguais) são iguais. Suponhamos que:

a=b+c (4.10)

Onde a, b, c são números positivos. Do fato ser a maior que b, multiplicando por (a − b) em
(4.10) teremos: a2 − ab = ab + ac − b2 − bc.
Restando ac de ambos os membros: a2 − ab − ac = ab − b2 − bc.
Obtendo o fator comum: a(a − b − c) = b(a − b − c).
Dividindo ambos os membros por (a − b − c) obteremos: a = b.
Logo mostramos que sendo o número a diferente de b, temos que a é igual a b.

Paradoxo 4.
Ao extrair uma raiz quadrada, é preciso relembrar a regra algébrica que uma raiz quadrada
de um número positivo é igual a dois números, um negativo e o outro positivo. Assim, a raiz
quadrada de 4 tanto é −2 como +2, e a raiz quadrada de 100 é igual a +10 e −10.
Deixando-se de observar tal regra, ocorrerá a seguinte contradição: (n+1)2 = n2 +2n+1 ⇒
(n + 1)2 − (2n + 1) = n2 .
Subtraindo-se n(n + 1) de ambos os termos e fatorando, teremos (n + 1)2 − (n + 1)(2n + 1) =
n2 − n(2n + 1).
1 1
Somando-se (2n + 1)2 , obtemos (n + 1)2 − (n + 1)(2n + 1) + (2n + 1)2 = n2 − n(2n + 1) +
4 4
1 2
(2n + 1) .
4
1 1
Isto pode ser escrito sob a forma: [(n + 1) − (2n + 1)]2 = [n − (2n + 1)]2 .
2 2
1 1
Extraindo-se a raiz quadrada de ambos os membros: (n + 1) − (2n + 1) = n − (2n + 1)
2 2
e, portanto, n = n + 1.

Paradoxo 5.
O raciocínio seguinte mostra como pode-se infringir os axiomas, não obstante os resultados
são corretos.
Se x tem o valor 3, verica-se que: x − 1 = 2.
Somando-se 10 unicamente ao membro da esquerda x + 9 = 2.
Multiplicando ambos os membros por (x − 3) obtém-se x2 + 6x − 27 = 2x − 6.
Subtraindo 2x − 6 de ambos os membros resulta x2 + 4x − 21 = 0.
Decompondo na forma de fatores, (x + 7)(x − 3) = 0.
Dividindo por x + 7, teremos que x = 3, o que é verdadeiro.

Paradoxo 6.
Christian José Quintana Pinedo 109

Mostre que todos os inteiros positivos são iguais. Por divisão ordinária teremos para qualquer
valor de x.
x1 − 1
=1
x−1
x2 − 1
=x+1
x−1
x3 − 1
= x2 + x + 1
x−1
x4 − 1
= x3 + x2 + x + 1
x−1
··· = ···
xn − 1
= xn−1 + · · · + x3 + x2 + x + 1
x−1
xn+1 − 1
= xn + xn−1 + · · · + x3 + x2 + x + 1
x−1
Quando x for igual ao número um todos os valores da esquerda são iguais a 1 (um) e todos
os valores da direita são iguais a 1 ou 2 ou 3 ou 4 ou 5 ou · · · n. Assim 1 = 2 = 3 = 4 = 5 =
,··· ;= n···

Paradoxo 7.
x+5 4x − 40
Resolver a seguinte equação −5= .
x−7 13 − x
Solução.
x + 5 − 5(x − 7) 4x − 40
Podemos escrever na forma: = . Simplicando obtemos:
x−7 13 − x

4x − 40 4x − 40
= (4.11)
7−x 13 − x

Em (4.11) os numeradores são iguais, logo os denominadores terão que ser iguais; assim
7 − x = 13 − x.
Portanto 7 = 13

Paradoxo 8.
Vejamos como a matemática por vezes tem das suas loucuras que em certas situações traduzi-
das  á letra induz a conclusões perigosas. Consideremos a seguinte situação com exemplo.
1 1
Seja: > ; mas esta mesma desigualdade pode ser escrita de outra forma em que o sinal
4 8 · ¸2 · ¸3
1 1
da desigualdade será o mesmo: >
2 2
Aplicando os logaritmos em ambos os membros e como o logaritmo é uma função crescente,
isto é a um número maior corresponde número maior corresponde um logaritmo maior teremos:
· ¸2 · ¸3
1 1
log > log .
2 2 · ¸ · ¸
1 1
Então pelas propriedades dos logaritmos temos: 2 · log > 3 · log .
2
· ¸ 2
1
Em conclusão se dividir-mos ambos os membros por log teremos: 2 > 3.
2
É evidente que á primeira vista todo o raciocínio anterior estaria correto se no entanto não
110 Epistemologia da Matemática II

fosse a loucura da conclusão diríamos que estava certo contudo uma falha se pode encontrar.
Quando se aplica os logaritmos a ambos os membro da desigualdade nada é armado relativa-
mente ao logaritmo do número que estamos calculando. Pois se for consideradolog para números
entre 0 e 1 estamos trabalhando com números negativos, e todo o raciocínio se desmorona como
um castelo de cartas. De fato log((a)2 ) > log((a)3 ), com 0 < a < 1.

Paradoxo 9.
O paradoxo seguinte é um dos que não pode ser resolvido com o uso da Matemática elementar
: suponhamos que log(−1)2 = 2 × log(−1) = 2x.
Mas, por outro lado, log(−1)2 = log(1) = 0, então 2x = 0. Portanto, log(−1) = 0, o que,
obviamente, não é o caso. A explicação está no fato de que a função que representa olog de um
número negativo, ou complexo, não tem um só valor, mas muitos valores.
Quer dizer que, se fôssemos organizar a tabela funcional habitual para o logaritmo de números
negativos e complexos, teríamos uma innidade de valores correspondentes a cada número. A
função logaritmo é o tipo de função multiforme .

Paradoxo 10.
O innito, em Matemática, é sempre incontrolável, salvo se for tratado adequadamente.
Exemplos disto foram encontrados no desenvolvimento da teoria dos agregados e outros mais,
nos paradoxos da lógica. Pode-se apresentar aqui um desses exemplos.
Assim como a Aritmética transnita tem suas próprias leis, diferentes das da Aritmética
nita, são necessárias regras especiais para operar com séries innitas. A ignorância destas
regras, ou sua inobservância, provocará inconsistências.
Por exemplo, consideremos a série equivalente ao logaritmo natural de 2:

1 1 1 1 1
log 2 = 1 − + − + − + ···
2 3 4 5 6

Se rearranjarmos estes termos, como o faríamos na aritmética nita, teremos:

1 1 1 1 1 1
log 2 = (1 + + + + ···) − ( + + + ···)
3 5 7 2 4 6

Então:

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
log 2 = (1 + + + + + + + · · · ) − 2( + + + + · · · )
2 3 4 5 6 7 2 4 6 7
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
log 2 = (1 + + + + + + + · · · ) − (1 + + + + + · · · )
2 3 4 5 6 7 2 4 6 7
Então, log 2 = 0
Por outro lado,
1 1 1 1 1
log 2 = 1 − + − + − + · · · = 0, 69315
2 3 4 5 6
Resposta que pode ser obtida em qualquer tábua de logaritmos.
Christian José Quintana Pinedo 111

Rearranjando os termos de forma ligeiramente diferente:


· ¸ · ¸ · ¸ · ¸
1 1 1 1 1 1 1
log 2 = 1 + − + − + − + ···
3 2 5 4 7 6 8
· ¸
3 1 1 1 1 1 3
log 2 = 1 − + − + − + · · · = (0, 69315)
2 2 3 4 5 6 2
3
Em outras palavras, log 2 = × log 2, isto implica 2 = 3.
2
Uma série famosa, que perturbou Leibnitz, é enganadoramente simples:

+1 − 1 + 1 − 1 + 1 · · ·

Emparelhando diferentemente os termos, teremos uma variedade de resultados; por exemplo:

(1 − 1) + (1 − 1) + ... = 0

1 − (1 − 1) + (1 − 1)... = 1

Alguns números grandes.


Nos tempos em que estamos a maior parte de nós perdeu o respeito pelos números elevados
e jánão é capaz de apreciar a sua verdadeira magnitude. Anal, qual é a grandeza de um bilhão
(um milhar de milhões)? Pensemos no bilhão relacionado com o tempo. Um bilhão de segundos
atrás de todas as pessoas que têm agora trinta e um anos e elas ainda não tinham nascido. Em
1903 apenas um bilhão de minutos tinha decorrido desde o nascimento de cristo, e há um bilhão
de dias o homem estava preste a fazer a sua aparição no mundo.
Finalmente, se a nossa paz de espírito continua imperturbável com a idéia da dívida pública,
consideremos que para pagar cem bilhões de escudos à razão de um escudo por segundo, vinte e
quatro horas por dia, sete dias por semana e cinqüenta e duas semana por ano, levaria cerca de
3.180 anos a completar a tarefa.
Problema: Qual é o maior número que se pode escrever com três 2? Algumas das possibil-
idades que imediatamente nos ocorrem são:

222, 222 , 222 e (22 )2

O mais pequeno destes é (22 )2 = 42 = 16. Depois vem 222 e 222 = 484. O maior é
222 = 4.194.304, alguma vez nos veio à idéia que três meros 2 podiam levar a tanta coisa?
As gerações:
Esta Figura (4.13) é uma tentativa de ilustração para o fato de cada pessoa hoje viva ter2
pais, 4 avós, 8 bisavós, e por aí fora. Quer dizer: uma geração atrás tinha dois antepassados duas
gerações atrás tinha 4 = 2 × 2 = 22 antepassados três gerações atrás tinha 8 = 2 × 2 × 2 = 23
antepassados. De uma forma geral, n gerações atrás tinha 2n antepassados.
Suponhamos agora que uma geração corresponde a trinta anos. Então apenas há 600 anos
112 Epistemologia da Matemática II

Figura 4.12:

- isto é, 20 gerações atrás - cada um de nós tinha 220 antepassados, ou 1.040.400 antepassados!
Houve alguém que utilizou uma vez este argumento para provar  que 600 anos atrás havia cerca
de um milhão vezes mais gente na terra do que há hoje. Não é preciso um perito em censo para
descobrir o erro. é capaz de o fazer?
A cadeia das cartas:
A cadeia das cartas é um fenômeno
que quase todos conhecemos. Consider-
emos o caso simples no qual uma pes-
soa envia uma certa carta a dois ami-
gos, pedindo a cada um deles que copie
a carta e a envie a dois dos seus amigos,
e assim sucessivamente.
Portanto o primeiro grupo consiste Figura 4.13:
em duas, ou 21 cartas, o segundo grupo em quatro, ou 22 cartas, o terceiro em oito, ou 23 cartas,
etc.. Agora pergunta-se quantos grupos de cartas deviam ser enviados de forma a que cada
um dos dois bilhões de homens, mulheres e crianças do mundo recebesse uma carta e uma só?
Não é difícil de mostrar que não seriam precisos mais do que trinta grupos! Só o último grupo
consistiria em 230 = 1.073.741.824 cartas.

4.8.8 Paradoxos na Geometria.


Consideremos a diagonal AC de um quadrado ABCD de lado 1 metro que, pelo Teorema de
Pitágoras, AC mede a raiz quadrada de 2 metros; e, AB = 1 m.
p √
12 + 12 = 2

Desde o ponto D trazemos as paralelas aos lados do quadrado, para obter una linha quebrada
que mede 2 metros.(Figura 14)
Desde os pontos médios de AD e de DC trazemos novas paralelas, formando-se uma nova
Christian José Quintana Pinedo 113

C C
¡
¡ ¡
¡
¡ ¡
¡ ¡
¡ ¡
¡D ¡D
¡ ¡
¡ ¡
¡ ¡
¡ ¡
A B A B

Figura 4.14: Figura 4.15:

linha quebrada cujo comprimento será sempre 2 metros.


Al continuar este processo ao innito, obteremos novas linhas quebradas cujo comprimento
será sempre 2 metros
Estas linhas quebradas confundiram-se com a diagonal AC cujo comprimento é a raíz quadra-
da de 2 metros .Por tanto 2 es igual a la raiz quadrada de 2.
Onde está o engano?

Figura 4.16: Figura 4.17:

4.8.9 Paradoxos do Innito.


Em 1851 foi publicado, em língua alemã, um pequeno livro intitulado Paradoxos do innito
de autoria de Bernard Bolzano. A publicação foi feita três anos depois de sua morte e trata-se
de uma nova e original maneira de abordar o conceito de innito. Conceito esse que trás consigo
inúmeros paradoxos como veremos [1].
O primeiro innito que nos deparamos tem sua origem no nosso princípio da contagem; todos
nós contamos e ordenamos; um, dois, três..., o primeiro, o segundo..., e a noção de cardinalidade
(quantidade) se confunde com a noção de ordinal. Apesar de não experimentarmos o innito,
podemos discerni-lo, pois ao contar, percebemos através do discernimento, que podemos sempre
acrescentar mais um. Essa é a primeira noção de innito, o innitamente grande. Quando no
século XV II Pascal exclama:

... o silêncio desses espaços innitos me apavora...


114 Epistemologia da Matemática II

Pascal nos mostra a crise provocada pelo renascimento ao contrapor um espaço innito à
cosmologia nita de Aristóteles. A outra noção é o innitamente pequeno: uma grandeza pode ser
subdividida indenidamente. Essa noção está relacionada ao conceito de continuidade do espaço,
por exemplo, um segmento de reta pode ser subdividido ao meio, cada metade subdividida ao
meio e cada parte subdividida novamente ao meio, e assim indenidamente. Portanto, é bastante
razoável e geometricamente intuitiva essa idéia de subdivisão indenida produzindo um processo
innito. Ligado a esse conceito está a teoria atomística de (410 a.C.), segundo a qual uma
grandeza é formada por um número muito grande de partes atômicas indivisíveis. Apesar de
menos razoável que o conceito de subdivisão indenida mencionado acima, ele será muito útil
em termos práticos e será utilizado por Arquimedes (287 − 212 a.C.), por Cavalieri na Itália
em 1.635, por Kepler em seus cálculos na astronomia e por Leibniz e Newton com a noção de
innitesimais.
Os paradoxos relacionados com o innito tornaram-se famosos na Grécia e foram muito
estudados na Idade Média de modo especulativo e metafísico. Entre esses paradoxos estão os
conhecidos paradoxos de Zenão de Eléa (450 a.C.) que chama a atenção para as diculdades
lógicas que aparecem ao lidarmos com o conceito de innito. Dois deles são:

• A dicotomia: Se um segmento de reta pode ser subdividido indenidamente, então o


movimento é impossível pois, para percorre-lo, é preciso antes alcançar seu ponto médio,
antes ainda alcançar o ponto que estabelece a marca de um quarto do segmento, e assim
por diante, ad innitum. Segue-se então, que o movimento jamais começará.

• A echa: Se o tempo é formado de instantes atômicos indivisíveis, então uma echa em


movimento está sempre parada, posto que em cada instante ela está numa posição xa.
Sendo isso verdadeiro em cada instante, segue-se que a echa jamais se move.

Muitas explicações foram dadas para os paradoxos de Zenão. Aristóteles, por exemplo, fez
várias considerações a respeito que foram utilizadas na Idade Média para grandes especulações
metafísicas sobre a natureza do innito. A questão é que falta uma linguagem apropriada para
falar do innito, e o paradoxo causa desconforto porque sua linguagem lógica e coerente nega a
realidade que observamos e experimentamos, ou seja, o movimento. Esse desconforto é tamanho
que os innitésimos foram totalmente excluídos da geometria demonstrativa grega. O tipo de
racionalismo grego é que na verdade promove os paradoxos. Mas, é esse mesmo racionalismo que
os responde. A resposta surge então na escola Platônica em torno do ano 350 a.C. através do
método de exaustão creditado a Eudoxo. Esse método foi muitíssimo utilizado por Arquimedes
para calcular diversas áreas e volumes. Os resultados de Arquimedes serviram de base na veri-
cação da ecácia do cálculo innitesimal de Leibniz e Newton no século XV II . O método de
exaustão admite que uma grandeza possa ser indenidamente dividida e baseia-se no seguinte
postulado :

 Se de uma grandeza qualquer subtrai-se uma parte não menor que sua metade,
do restante subtrai-se também uma parte não menor que sua metade, e assim por
Christian José Quintana Pinedo 115

diante, se chegará por m a uma grandeza menor que qualquer outra predeterminada
da mesma espécie.(ou seja, não sobra nada )

O postulado resolve o primeiro paradoxo de maneira brilhante, mas é um tanto marota,


pois o que se faz é simplesmente postular que um determinado processo innito tem m e
esgota a grandeza inicial. Esse tipo de procedimento era aceito pelo racionalismo grego que
se caracteriza pela axiomatização de verdades primeiras das quais todas as outras devem ser
deduzidas. Esse é o critério de verdade iniciado por Tales (600 a.C.) e desenvolvido pela escola
pitagórica (500 a.C.). Temos como exemplo o famoso Teorema de Pitágoras que é verdadeiro
porque foi deduzido, demonstrado a partir de premissas axiomatizadas e tidas como verdades
primeiras e indeléveis. Esse mesmo teorema era conhecido experimentalmente por inúmeros
povos. Mas, para os gregos a verdade não vem da experiência e nem pode ser apreendida
pelos nossos sentidos, digamos imperfeitos, que nos remetem apenas ao conhecimento de uma
representação grotesca da realidade absoluta. Para ter acesso à luz verdadeira somente pela
dedução, ou método axiomático. Isso é uma invenção grega, e nesse aspecto podemos falar que a
matemática é uma invenção grega. Ressaltamos que a mesma coisa foi feita por Euclides quando
postulou o quinto postulado das paralelas: já que não conseguimos demonstrar, que tal te-lo
como postulado da geometria?
Outro grande problema relacionado com o innito foi a constatação pelos Pitagóricos da
existência de segmentos incomensuráveis, isto é, que não possuem comprimento, não podem ser
medidos, como por exemplo a hipotenusa de um triângulo (retângulo) cujos catetos medem um
centímetro cada um. Essa impossibilidade não acontece na prática e parece mesmo uma questão
improcedente, pois é claro que podemos medir qualquer segmento, basta ter uma régua. Mas,
novamente, o tipo de racionalidade grega produzia esses questionamentos. A constatação foi
essa: não existem números sucientes para medir todos os segmentos. Os gregos também não
encontraram números para medir a área de um círculo de raio unitário.
Assim, aparece o problema dos números irracionais, incluindo aí o lendário númeroπ ? (letra p
em grego) que recebeu esse nome no século XV III em homenagem a Pitágoras que foi o primeiro
a perceber o fato absurdo e altamente angustiante que é a insuciência do sistema numérico, ou
do princípio da contagem, mesmo sendo innitamente grande. No século XV III descobriu-se
que a suspeita dos gregos era procedente, ou seja, realmente não existe número para medir a
área de um círculo de raio igual a um. Por outro lado, intuitivamente e geometricamente é óbvio
que deve existir tal número. Acreditando então na existência desse número, os matemáticos do
século XV III o chamaram de ? , mesmo sem ter certeza de sua existência. Assim também
zeram com todos os outros números que não existiam, como raiz quadrada de 2 por exemplo,
e denominaram esses números de irracionais. (A razão da denominação é o fato de que esses
números, se existirem é claro, não são frações, isto é, não são razões de dois inteiros, daí o nome
irracional). Cabe aqui lembrar que os números irracionais, existindo ou não, são totalmente
dispensáveis na produção de tecnologia, mesmo as mais avançadas e modernas. O que deve ser
analisado portanto, e isso cabe às ciências sociais, é se o tipo de racionalidade que produz o
questionamento dos irracionais é realmente necessária para gerar desenvolvimento tecnológico
116 Epistemologia da Matemática II

avançado, (tecnologia posterior ao século XV II ). Como isso é muito duvidoso, vê-se que é meio
ridículo colocar referências ao número ? em sondas espaciais que procuram por vidas inteligentes
fora do planeta. A não ser que estejam procurando gregos no espaço.
A insuciência do sistema numérico perturbou a racionalidade grega. A escola platônica
contornou o problema com a teoria das proporções de Eudoxo para tratar os segmentos in-
comensuráveis descobertos por Pitágoras. Mas não conseguiu resolver a questão, principalmente
o da área de círculos. Na Idade Média, inúmeras abordagens metafísicas foram feitas com re-
lação à natureza do innito. Mas todas elas inócuas. No Renascimento, Cavalieri retoma o velho
conceito das partes atômicas indivisíveis abandonado pelos gregos para construir um princípio
muito útil no cálculo de áreas e volumes, o conhecido princípio de Cavalieri ensinado nas aulas
de geometria da escola básica. Esse princípio foi muito utilizado por Kepler em sua pesquisa do
movimento dos corpos celestes. Cavalieri era aluno de Galileu, que expressava claramente a di-
culdade de entender ontologicamente o innito devido aos inúmeros paradoxos. Galileo concluiu
que innito e indivisibilidade são em sua própria natureza incompreensíveis para nós e piorou
ainda mais a situação ao observar que os atributos maior ,  menor  e  igual  não fazem nenhum
sentido quando utilizados para comparar quantidades innitas. Por exemplo, pode-se construir
uma correspondência um a um entre os números pares e o conjunto de todos os números inteiros
da seguinte forma: a cada número inteiro n associe o número par 2n. Verica-se facilmente que
essa correspondência é um a um, de modo que não podemos armar que temos uma quantidade
de números pares menor do que a quantidade total de números. Isso contradiz um axioma básico
da racionalidade grega, a saber, o todo é maior que a parte. Temos então outro paradoxo com
relação ao innito e refere-se agora aos conjuntos com innitos elementos, como o conjunto dos
números inteiros.
Estamos portanto no século XV II pós renascentista e início da ciência moderna, com seu
método pragmático visando previsibilidade e tecnologia, que é a aliança entre a ciência e a téc-
nica, aliança indispensável para atuar na natureza sujeitando-a. O conhecimento deve agora
prioritariamente proporcionar um completo controle dos fenômenos naturais. Os novos mecan-
ismos de dominação apóiam-se nesse controle através da tecnologia. A visão é antropocêntrica
e o ser humano é senhor do mundo, o explica e o entende por completo, não depende mais da
natureza, mas tem total controle dela. O iluminismo será o ápice desse estado de sentimento. O
mercantilismo e a revolução industrial se impõem. Como o saber deve atender a essa demanda,
assistiremos a uma grande atividade do conhecimento matemático a partir do séculoXV I .
O avanço da matemática se deve à necessidade de se obter relações quantitativas entre os
diversos conceitos e grandezas emergentes, como força e aceleração, temperatura e pressão, ve-
locidade e tempo, velocidade e distância etc.. Essas relações faziam parte principalmente da
mecânica newtoniana recém inventada para dar uma nova interpretação do novo mundo revelado
por Galileo. Essa mecânica foi muito bem aceita, pois atendia ao anseio de previsibilidade. Com
ela podia calcular o momento e o local exatos da passagem de corpos celestes como cometas, e
lembre que nesse paradigma, conhecer é ser capaz de prever.
Dentro desse contexto histórico, a matemática se torna operacional, e o innito passa a ser
tratado de maneira intuitiva tendo como justicativa a funcionalidade. Foi uma época em que os
Christian José Quintana Pinedo 117

resultados justicavam qualquer procedimento. Quer dizer, qualquer raciocínio é válido, desde
que funcione e os resultados possam ser vericados. Com isso, durante três séculos, (X V I, XV II
e XV III ) o método dedutivo grego foi atropelado, ou seja, a racionalidade grega foi atropelada.
Newton e Leibniz ocializaram esse atropelo com a teoria dos innitesimais que culminou no
Teorema Fundamental do Cálculo, a grande ferramenta para calcular áreas, volumes e resolver
equações diferenciais (fundamentais para se obter previsibilidade e determinismo, baseiam-se na
segunda lei de Newton e na noção de velocidade instantânea.)
Newton e Leibniz lidam com partes atômicas indivisíveis (innitésimos) sem nenhum es-
crúpulo em relação à fundamentação de sua natureza. Em outras palavras, ninguém sabia o
que era exatamente um innitésimo indivisível, mas como o método e o raciocínio funcionavam
bem, não se pedia uma fundamentação. Mas, Newton sofreu grande ataque do lósofo e bispo
inglês chamado Berkeley que criticava os innitésimos denominando-os de fantasmas de quan-
tidades que expiraram. Outra coisa, o problema dos irracionais não fora ainda resolvido, mas
obviamente foi também atropelado.
Esse tipo de comportamento não é de todo ruim, pois alavancou o conhecimento grego que
estava estagnado por excesso de zelo com os fundamentos lógicos. ( Era típico dos gregos.)
Mas, por outro lado é perigoso, já que não oferece uma segurança lógica quando as situações
a serem estudadas cam mais complexas e os resultados já não são sucientes para justicar
procedimentos, muitas vezes inadequados levando a contradições teóricas desconfortáveis. é bom
ressaltar que apesar de tudo não se cometeu nenhum erro por falta de fundamentação lógica, e
muita coisa foi feita no século XV III sem essa fundamentação.
O primeiro intelectual a se sentir incomodado com essa falta de rigor foi o enciclopedista
D' Alembert , mas ele limitou-se a alertar seus contemporâneos em 1.754. Outro matemático
preocupado com a falta de rigor foi Gauss no princípio do século XIX .( 1.801) Mas também
não teve nenhuma iniciativa nesse sentido. No século XIX essa insegurança causada pela falta
de rigor começa realmente a incomodar, e por volta de 1.850 já é um consenso a necessidade
de uma revisão completa dos fundamentos da matemática. Muitos fatos contribuíram para
isso, um dos mais importantes foi o aparecimento das geometrias não euclidianas por volta de
1.830 introduzidas pelo matemático húngaro Bolyai e pelo russo Lobashevsky. Essas geometrias
colocaram em dúvida a própria noção de axioma e o sistema hipotético dedutivo característico
da racionalidade grega.
A revisão consistia em demonstrar os resultados sem apelar para intuições geométricas es-
paciais. Para isso seria necessário denir todos os conceitos aritmeticamente, encontrar uma
linguagem adequada para lidar com o innito e denir precisamente o conceito de limite. Essa
tarefa começa a ser feita por Cauchy na França e foi levada a cabo pela escola alemã na segunda
metade do século XIX . A questão dos irracionais levantada pelos Pitagóricos só foi resolvida em
1.872 por Cantor e Dedekind independentemente e de duas maneiras diferentes. Esse movimen-
to cou conhecido como aritmetização da análise. Toda a intuição geométrica foi abolida e as
demonstrações eram puramente analíticas, formais e rigorosas, dentro dos princípios do método
hipotético dedutivo dos gregos. O problemático innito é tratado agora com uma linguagem
aritmética nitista e a teoria dos conjuntos começam a se impor para formar depois a base dos
118 Epistemologia da Matemática II

fundamentos da matemática do século XX .


É nesse cenário que vamos apresentar nosso personagem Bernard Bolzano. Nasceu em Praga
no ano de 1.781. Filho de imigrante italiano, tornou-se padre e foi professor de religião na
Universidade de Praga. Tinha forte inclinação para a lógica e a matemática. Sempre viveu nessa
cidade inexpressiva e longe de qualquer centro cultural importante da época. Foi um homem
de cultura e língua alemãs e possuía um vasto conhecimento em várias áreas do saber. Faleceu
em 1.848 e pode ser considerado um precursor da aritmetização da análise, movimento descrito
no parágrafo anterior. Em 1.817 ele já tinha plena certeza da necessidade de rigor na análise
matemática e Felix Klein o chamou posteriormente de O Pai da Aritmetização. Infelizmente
o trabalho matemático de Bolzano foi grandemente ignorado por seus contemporâneos e vários
resultados seus aguardaram ser redescoberto posteriormente.
Bolzano estudou vários exemplos análogos ao paradoxo de Galileo. Parece ter percebido que
o innito dos possíveis números irracionais era de um tipo diferente do innito dos números
naturais, noção primordial que caracteriza a teoria dos números transnitos criada por Cantor
no nal do século XIX . No seu trabalho Paradoxien des Unendlichen (Paradoxos do Inni-
to) publicado postumamente em 1.851, Bolzano percebe, num verdadeiro lance de gênio, que o
paradoxo de Galileo pode ser interpretado como uma propriedade ou característica genuína dos
conjuntos innitos; e é exatamente essa característica que foi fundamental para o estabelecimento
do cálculo sobre uma teoria de conjuntos innitos rigorosamente desenvolvida no nal do século
XIX . Finalmente, Bolzano foi um gênio abandonado que sozinho desaou o pavoroso e ater-
rorizador innito. Desaou o Cálculo, cuja gênese encontra-se no passado distante, quando os
Pitagóricos reconheceram a diculdade envolvida em tentar substituir considerações numéricas
por magnitudes geométricas supostamente contínuas.

4.9 INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO?


Este artigo [5] discute a problemática da informática na educação do ponto de vista epis-
temológico e didático, ou seja, de como o conhecimento é tratado em um recurso didático-
pedagógico via computador. Para isso, é tomado como exemplo um software, o Cabri-géomètre,
auxiliar no ensino da geometria elementar. Pretende-se que as considerações feitas sobre um soft-
ware sirvam de ponto de apoio para a reexão sobre questões mais gerais relativas à utilização
de programas educativos, principalmente tendo em vista a ampliação desta discussão, enfocando
as relações entre conhecimento, cultura, tecnologia e sociedade.

As Coisas, a bengala, as moedas, o chaveiro, a dócil fechadura, essas tardias


notas que não lerão meus poucos dias que restam, o baralho e o tabuleiro, um livro
e dentro dele a manuseada violeta, monumento de uma tarde por certo inolvidável e
olvidada, o rubro espelho ocidental em que arde uma ilusória aurora. Quantas coisas,
limas, ombreiras, atlas, copos, cravos, nos servem como tácitos escravos, cegas e
estranhamente sigilosas! Durarão para além do nosso olvido e nunca saberão que
somos idos.
Christian José Quintana Pinedo 119

Jorge Luís Borges

Entre as diversas abordagens propostas nos últimos anos sobre a questão informática na
educação, este trabalho procura desenvolver um duplo olhar sobre a utilização de softwares
educativos: o olhar epistemológico, que visa compreender as características do conhecimento
informatizado, e o olhar didático, que procura discutir as implicações que estas reexões sobre
conhecimento teriam para a educação, particularmente no que diz respeito ao uso de recursos
informatizados nas escolas. Estamos considerando que ambas as abordagens, a epistemológica
e didática, são importantes e complementares, e este trabalho também se propõe, mesmo que
indiretamente, a tornar explícitas algumas relações entre estes dois campos de conhecimento, no
caso, em torno de uma problemática especíca: a informática.
Devido à amplitude do problema, à grande diversidade de softwares e principalmente tendo em
vista a necessidade de tornar mais concretas algumas análises, optamos por utilizar como apoio
um software especíco, o Cabri-géomètre. Trata-se de um programa que vem sendo desenvolvido
desde 1987 pelo Laboratoire de Structures Discrètres et de Didactique (LSD), de Grenoble,
França, com uma versão em português desenvolvida pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Esta escolha deve-se, de modo geral, às diversas características do programa,
que serão comentadas ao longo deste trabalho, e ainda às seguintes razões: por ser um programa
que trata de uma área de conhecimento muito importante no ensino fundamental, a geometria
elementar; por apresentar características ao mesmo tempo de micro-mundo e de sistema tutorial,
além de permitir uma certa interatividade; e, nalmente, por tratar-se de um programa que
é parte de um projeto mais amplo e cuja concepção pode ser estendida a outros campos de
conhecimento.
Como pano de fundo desta análise, estaremos considerando as relações entre tecnologia e
sociedade, ou melhor, entre tecnologia e modos de pensar. Procuramos, neste trabalho, man-
ter a dinâmica particular/geral, ou seja, tratar tanto de características gerais do conhecimento
via computador, como das características locais do software escolhido, presentes em ambas as
abordagens, a epistemológica e a didática. Com isso temos como objetivo colaborar para a am-
pliação da discussão sobre informática na educação, principalmente tendo em vista a formação
de educadores, e apontar algumas possíveis direções de pesquisa.

4.9.1 A dupla face.


As tecnologias sempre tiveram papel importante na organização das sociedades, na forma
de interação entre o homem e a natureza, entre o homem e sua cultura, particularmente as
tecnologias da informação, ou seja, as tecnologias que permitem o armazenamento, a difusão e
a elaboração de conhecimento. Podemos considerar, como, que as tecnologias da informação,
ou, conforme denomina o autor, as tecnologias da inteligência ou da mente, cada vez mais
presentes na sociedade, propiciam um novo debate em torno da losoa do conhecimento. Por
serem responsáveis por novas formas de elaboração e distribuição do saber, portanto, de comu-
nicação, colocam em questão alguns pilares da epistemologia contemporânea, como a dualidade
sujeito-objeto, mente-matéria.
120 Epistemologia da Matemática II

Para analisar estas implicações, o autor propõe a análise histórica de três tempos marcados
por formas preponderantes de comunicação na sociedade - a oralidade, a escrita e a informática
-, buscando responder a questão: como e por que as diferentes tecnologias intelectuais dão
nascimento a diferentes estilos de pensamento? ([19], p.89). Responder esta questão implica
considerar as relações entre o sistema cognitivo humano e as formas de comunicação no que diz
respeito a diversas categorias como memória, criatividade, razão, signicação.
A análise de McLuhan (1977) já tratava de desvendar as implicações da imprensa na consti-
tuição da sociedade, no que diz respeito à predominância da palavra escrita a partir da invenção
e difusão da imprensa. Considerando a tecnologia como uma extensão dos sentidos, no caso, da
visão, concluiu que a imprensa como forma predominante na articulação do conhecimento seria
responsável pela emergência de um tipo de racionalidade baseado na linearidade, na certeza, no
progresso e na ciência moderna.
Este enfoque, que tenta explicar a racionalidade a partir da tecnologia, é considerado por Lévy
como determinista. O autor prefere considerar que as relações humanas dependem de recursos
informacionais, mas não são determinados somente por estes, portanto seria fundamental analisar
as transformações que estão ocorrendo na presença e na difusão tão rápida de novas tecnologias,
baseadas na informática. Para isso, explora as inter-relações entre tecnologia/modos de pensar
sob diversos aspectos como relação espaço-temporal, critérios de verdade, ou ainda recorrendo
ao uso de metáforas. Nesse sentido, podemos considerar a questão da tecnologia como tendo
duas faces interdependentes: quanto e como a tecnologia está repleta de subjetividade; e quanto
e como os modos de interação com a técnica estão presentes em nossas atividades cognitivas.
Procuraremos explorar esta dupla-face através de dois olhares complementares, o epistemológico
e o didático, exemplicados no caso especíco do programa Cabri.

4.9.2 Através do exemplo.


Na interação com uma tecnologia da inteligência como é o computador, estão em jogo di-
versos aspectos do funcionamento cognitivo, como a criação de outras formas de relação espaço-
temporal; o gerenciamento da memória; a forma de representação do conhecimento e sua capaci-
dade de modelar o real. No caso do Cabri, por exemplo, é possível percorrer com uma gura
todo o espaço da tela, o que torna o desenho, antes xo no papel, móvel. Dessa forma, temos
uma gura transformada em um conjunto de guras que possuem algumas propriedades comuns.
Além disso, do ponto de vista da interface, assim como nos recursos hipertexto, uma construção,
depois de pronta, pode ser armazenada na forma de macros, num espaço virtual que contém
informações que podem ser acessadas quando necessário. Ou seja, o espaço da tela onde se
opera a geometria do Cabri se assemelha pouco ao plano euclidiano representado pelo papel na
geometria escolar.
Relacionadas com as novas relações espaço-temporais também estão as duas características
principais do Cabri: a mobilidade das guras e a necessidade de validação. Com a possibilidade
de modicar características de um elemento de base de uma gura escolhendo um objeto e
percorrendo com ele a tela com o auxílio do mouse, torna-se possível, diferentemente da geometria
Christian José Quintana Pinedo 121

feita no papel, seguir mudanças na gura em tempo real. Este recurso imprime ao processo
de construção um outro ritmo e uma maior exibilidade, tanto no espaço quanto no tempo.
Concebido na sua origem, seguindo a tendência dos anos 80, a partir de uma metáfora, a do
caderno de rascunho, tornou-se nalmente um caderno de rascunho bastante especial, onde é
fácil corrigir erros e testar rapidamente diferentes soluções. Enquanto que, no papel, da mesma
forma que com a palavra escrita, o conhecimento adquire um caráter, enquanto signicação, xo,
absoluto, univalente, a geometria do nosso exemplo, via computador, adquire, relativamente à
geometria usual, um caráter transitório, maleável, impermanente.
A exibilidade na interação com o conhecimento, devido principalmente ao recurso de deslocar
as guras, tem conseqüências: deslocando-se um objeto, os outros elementos a este atrelados por
relações geométricas seguem seu deslocamento, permitindo multiplicar rapidamente os exemplos,
analisar casos particulares e vericar explicitamente quais são as relações que se mantém na gura
apesar dos deslocamentos. As relações invariantes das guras, visíveis nos deslocamentos, são
na verdade as propriedades denidas através dos teoremas, que se aplicam a um conjunto de
guras, da qual(?) a gura construída é apenas um exemplar. Ou seja, devido ao que Balache
(1991) denominou de transposição informática, em analogia à noção de transposição didática,
passamos a ter uma outra geometria, onde, a cada construção, estaremos na verdade manipulando
uma classe de guras ([2], 1989, p.76). Isto signica que, implicitamente, o aluno estará lidando
com outro conceito de gura geométrica, mais dinâmico, mas também mais complexo.
Assim, no nosso exemplo, fundamentos da geometria elementar, como são as propriedades
geométricas, os axiomas e teoremas, como arma Bellemain (1989), mudam de status: é possível
ver os teoremas e é necessário utilizar as propriedades geométricas para que uma gura seja
construída, e não somente desenhada. De fato, para que seja possível mover uma gura sem
alterar as relações entre os elementos, é necessário validá-la, ou seja, construir todas as guras a
partir de suas propriedades geométricas, assim como denir explicitamente os objetos em uso.
Estas características do conhecimento geométrico do Cabri são decorrentes das formas de
representação do conhecimento e do tipo de interface escolhidos. Considerando, como Laborde
e Laborde (1991), a já existente dualidade entre os dois aspectos da gura, a gura enquanto
desenho, em uma geometria de observação, e a gura sem precisão, portanto numa geometria
de dedução, o Cabri vem introduzir um outro tipo de abordagem para a gura: a conguração,
onde cada gura é um representante de uma classe de guras, guras estas que têm precisão e
são móveis.
Estas considerações de caráter epistemológico no caso do nosso exemplo têm diversas impli-
cações do ponto de vista didático. Uma das diculdades mais comuns do aluno parece ser a
diferença entre desenho e construção. O aluno tende a resolver os problemas localmente através
do desenho sem compreender a função dos teoremas e a importância das propriedades. Nesse sen-
tido, um programa como o Cabri pode ser de grande utilidade, permitindo que o aluno faça uso
empírico de propriedades e teoremas, propiciando uma outra forma de organização dos conceitos
e de operação mental, já que esta geometria exige a construção.
No entanto, se este programa vem solucionar alguns problemas, gera também novas dicul-
dades. A necessidade de validação, por exemplo, é uma exigência que parece não fazer sentido,
122 Epistemologia da Matemática II

já que é desnecessária na geometria do lápis e papel, rompendo com a aparente autonomia do


aluno. Ou ainda, a exigência da construção implica um uso prático dos teoremas, do qual os
alunos não desenvolveram o hábito, acostumados a uma geometria teórica. A noção de classe
de guras não é simples. Como mudar de perspectiva? Como fazer dialogar uma geometria
teórica com sua aplicabilidade, sem o risco de cair, como sugere [18] (1991), numa geometria
mecanizada?
Outras diculdades advém dos limites dos recursos do Cabri. Por exemplo, o programa não
é capaz de reconhecer quando duas construções são diferentes, embora resultem numa mesma
gura. Desse modo, é possível fazer diferentes construções para um mesmo problema. Isto pode
ser uma vantagem, permitindo ao aluno manipular, de variadas formas, as diversas propriedades
envolvidas, mas nos coloca diante da necessidade de discutir a equivalência entre as construções,
resolvida somente através de demonstrações. Além disso, o programa foi denido em função de
uma escolha no modo de representação dos elementos de base da geometria, não permitindo,
portanto, construções a partir de ângulos ou de distâncias, o que restringe as estratégias de
solução de problemas. E ainda diculdades decorrentes dos aspectos grácos, onde a imprecisão
dos traçados, principalmente nos casos limite, como nas intersecções, pode induzir o aluno a
incorreções.
Estamos diante de uma questão fundamental em informática na educação: programas do
tipo micro-mundo como o Cabri caracterizam-se por serem uma modelização de uma teoria - que
por sua vez já é também uma modelização -, implicando opções que acarretam outras formas de
aprendizagem. Queremos que o aluno se aproprie de formas de modelização de uma teoria, como
no caso, por exemplo, do ambiente Logo? Ou queremos que o aluno se aproprie de uma teoria?
Nesse caso, o aluno talvez acabe se apropriando de uma teoria relativamente distante daquela
que serviu de base para o programa, como é o caso do Cabri.
De qualquer maneira, parece fundamental a articulação entre aspectos epistemológicos e
didáticos na pesquisa, por nos permitirem o diálogo entre o conhecimento, da maneira que é
tratado pelo programa, e o conhecimento no contexto das relações entre aluno e professor, ou
seja, em uma situação didática, nesse caso mediados por um novo elemento, o computador.
As questões epistemológicas acima analisadas no caso do Cabri podem, do ponto de vista da
pesquisa, ser tratadas sob diversos aspectos, tendo em vista a elaboração de um programa de
pesquisa em torno do uso de softwares educativos:

1) o modelo teórico do qual deseja-se que o aluno se aproprie e as formas de representação


adequados para isso;

2) as modicações a nível conceitual que esta modelização acarreta;


3) a perspectiva de ensino-aprendizagem tanto do ponto de vista macro quanto micro que nos
possibilite tratar destas implicações, por exemplo articulando o uso de programas educa-
tivos a uma teoria da didática;

4) a análise da utilização de determinados programas através das interações aluno / conheci-


mento / conhecimento-tratado-pelo-programa / professor.
Christian José Quintana Pinedo 123

Outra consideração relevante ao problema da interrelação entre um recurso informatizado e


processos cognitivos diz respeito à memória, como uma forma de gerenciamento da informação.
Conforme Lévy, assim como a escrita nos permite ampliar a memória a curto prazo, a informática
permite ter um auxiliar para a memória biológica, funcionando principalmente como um módulo
externo e suplementar da capacidade de imaginar ([19], p.140). No caso do Cabri, como pode-
mos dispor de algumas construções já prontas, como mediatriz e bissetriz, temos uma espécie de
memória auxiliar, pois não é necessário a cada nova construção retomar todas as etapas desde o
início. Dessa forma, os problemas de construção com o Cabri podem tornar-se mais complexos
e serem resolvidos com maior rapidez. Da mesma forma que as máquinas de calcular em relação
à aprendizagem da aritmética, o computador tem trazido um certo alívio para a memória, tor-
nando evidente que aprender não signica dispor de uma grande quantidade de informação, mas
principalmente saber o que fazer com ela.
Esta questão nos remete a uma outra diferença fundamental entre as duas geometrias, a do
lápis e papel e a do Cabri: o aspecto em jogo na geometria do Cabri não é a memorização de
construções-padrão como no caso do desenho geométrico dos livros didáticos, mas a operacional-
idade dos conceitos. Esta questão particular no caso do exemplo nos remete de volta portanto
à questão mais ampla, que envolve tecnologias e modos de pensar. Talvez a maior diferença
em relação à tecnologia da palavra escrita, como arma Lévy, seja a possibilidade de, além do
aceso à informação, explorá-la, simulando situações diversas, como vimos no caso das guras do
Cabri. A simulação, denida por Lévy como uma forma de imaginação assistida por computa-
dor (p.140), parece ser a característica fundamental do recurso informatizado. Compreende a
experimentação, os ensaios e os erros, enquanto tipo de atividade cognitiva, valorizando a opera-
cionalidade e eciência. Enfatiza o papel dos modelos, relativos e provisórios, enquanto forma
de representação da realidade, em contraposição à imobilidade das teorias.
Procuramos até agora mostrar que um aspecto relevante para o aprofundamento da prob-
lemática da informática na educação é o aspecto epistemológico, que diz respeito tanto aos
processos cognitivos em questão na interação com os programas, quanto à análise da validade
epistemológica dos conceitos envolvidos: a geometria do Logo é diferente da geometria do Cabri,
que é diferente da geometria do livro didático. Portanto, se o meio gera outras funcionalidades,
como vimos no nosso exemplo, resta questionar: que conhecimento queremos? E, indissociável
desta pergunta: para quê?

4.9.3 Ilusões.
Ressaltamos aspectos do conhecimento via um recurso informatizado, exemplicado no caso
do Cabri, através de novas relações espaço-temporais - exibilidade, tempo real, multiplicidade
-; outra forma de conhecimento - conhecimento por exploração/simulação -, relacionados com
outras formas de gerenciamento da memória. Concluiremos a respeito de algumas ilusões.
A primeira delas refere-se ao uso de computadores no contexto de ensino-aprendizagem. Uma
revolução informática, como previa McLuhan (Lima, 1991), ainda não ocorreu, apesar do grande
desenvolvimento tecnológico dos últimos anos. Os programas educativos, se nos têm permitido
124 Epistemologia da Matemática II

tratar de algumas diculdades de aprendizagem, têm trazido também novos problemas.


Anal, concordando com Laborde e Laborde (1991) a respeito dos programas do tipo micro-
mundo, particularmente em uma análise conjunta sobre o ambiente Logo e o programa Cabri,
assistimos a um simples deslocamento dos problemas. Os autores concluem que a simples
virtude de encorajar uma atividade exploratória não é suciente para modicar o sistema de
conhecimentos do usuário. E ainda, a respeito do Logo, que em toda utilização do Logo a escolha
dos problemas depende do professor e somente os 'bons' professores obtém 'bons' resultados
(p.234). Portanto, além de uma ontologia da interface, certamente ilusória, como procuramos
desenvolver, onde são analisados aspectos do conhecimento estritamente relacionados ao meio,
estão as questões diretamente relacionadas com o uso.
Outra ilusão diz respeito ao próprio computador. Isto porque todo recurso informatizado tem
um aspecto enganador. Aspectos como mobilidade, espaços virtuais, tempo real, são ilusórios,
pois ocultam o investimento e o custo operacional, técnico, cognitivo - enm, humano -, em jogo
para que um programa apresente estas capacidades. No caso do Cabri - e trata-se certamente de
um pequeno exemplo -, o que signica deslocar guras em tempo real? Como é possível armazenar
uma informação em macros? Essas questões, relativas à programação, parecem importantes do
ponto de vista da aprendizagem, pois envolvem o contexto de criação do programa com suas
respectivas implicações. Além disso, aprender como é possível, por exemplo, manter propriedades
geométricas apesar dos deslocamentos pode ser tão ou mais importante que manipulá-las através
de uma aparente transparência. Mas não é exatamente o aspecto enganador dos programas que
revela sua inteligência? E será a inteligência de uma máquina hoje e sempre uma mera ilusão?
Finalmente, a ilusão da ilusão. Estamos num contexto, o da informatização, onde as soluções
são aparentemente rápidas e pragmáticas, onde predomina a multiplicidade e a supercialidade,
onde o conhecimento é simulação, categorias bastante presentes no discurso pós-moderno (Har-
vey, 1993). Voltando para as duas faces da questão tecnologia e modos de pensar: se as
tecnologias estão repletas de subjetividade, seria a subjetividade caracterizada pela simulação,
pela multiplicidade, pelo efêmero, característicos da chamada pós-modernidade? Ou seja, deter-
minada sociedade cria determinada tecnologia, espelho dos modos de pensar dominantes, ou o
contrário, as tecnologias criam modos de pensar que se tornam dominantes?
Para romper com esta dicotomia fundada no determinismo, na causalidade, na linearidade,
como considera Santos (1989), inerentes ao modelo de racionalidade da ciência moderna, têm
surgido diversas abordagens integradoras. Lévy (1990), por exemplo, sugere a noção de cole-
tivos pensantes homens-coisas, que se auto-organizam e se transformam, daí a idéia de ecologia
cognitiva. Propõe que as tecnologias intelectuais estão fora dos sujeitos cognitivos, mas também
entre os sujeitos e dentro deles, utilizando a imagem do fractal para representar as relações entre
sujeito e objeto. Considera que a consciência é individual, mas o pensamento é coletivo (p.193)
e que, cessando de manter a consciência individual no centro, descobre-se uma nova paisagem
cognitiva, mais complexa, mais rica (p.196). Considera dois princípios de abertura, básicos
para esta ecologia: primeiro, que uma tecnologia intelectual é uma rede de interfaces aberta cujo
signicado nunca é pré-determinado, e, segundo, o princípio de interpretação, ou seja, que cada
ator, desviando e reinterpretando as possibilidades de uso de uma tecnologia intelectual, acaba
Christian José Quintana Pinedo 125

por conferir-lhe um novo signicado (p.167).


No entanto, Sfez (1.991), a partir do ponto de vista da comunicação, considera que essa
abordagem, entre outras que agrupa em torno de tecnologias da mente e ciências cognitivas,
confunde demasiadamente o sujeito com o objeto técnico. Usa a metáfora do Frankenstein para
tratar deste enfoque da comunicação, onde predomina a identicação completa homem-máquina,
em que o sujeito perde sua identidade: comunicação que não é mais do que a repetição impertur-
bável do mesmo (tautologia) no silêncio de um sujeito morto, de um surdo-mudo, enclausurado
na sua fortaleza interior (autismo), captado por um grande Todo que o engloba e dissolve até
o menor de seus átomos paradoxais (p.121). Considera este enfoque totalitário, pois pretende
imprimir uma verdade universal a todos, ocultando, por exemplo, a delicada inserção de um
sujeito complexo num ambiente complexo (p.121). Para expressar estes dois aspectos carac-
terísticos da metáfora, a tautologia e o autismo, combinados ainda com totalitarismo, cria o
termo tautismo para captar as características de uma abordagem que considera uma confusão
generalizada. Em oposição a ela, sugere, portanto, a interpretação como categoria para pen-
sar a comunicação de modo a resistir ao tautismo, através da valorização do bom senso, da
multiplicidade de signicações, da criatividade do discurso.
Reconhecendo esses mesmos aspectos criticados por Sfez, embora numa análise mais ampla
que engloba a comunicação, Morin (1.991) leva em consideração a conjuntura das interações
cognitivas, relacionada com sistemas de informatização, que tem vindo revolucionar as relações
entre mente e cérebro, sociedade e seus membros. No entanto, diferentemente de Sfez, vislumbra,
tanto no âmbito do desenvolvimento de redes articiais quanto nos progressos do conhecimento
bioquímico do cérebro, duas tendências possíveis. Uma, semelhante à identicada por Sfez,
totalizadora, caracterizada pela dominação social do Grande Computador, dotado de poder
técnico-cientíco sobre os indivíduos. Mas vê também um outro caminho, que exige mudanças
profundas nos modos de pensar ainda dominantes: o desenvolvimento do pensamento complexo,
que permita reforçar e desenvolver a autonomia pensante e a reexão consciente dos indivíduos
(...), capaz de acionar a dialógica entre o global e o particular, a parte e o todo, a objetividade
cientíca e a reexividade losóca (p.99). Considera que ambos os caminhos são possíveis e
que a opção depende fundamentalmente do engajamento de todos nós.
De volta ao nosso foco, a educação, estas abordagens, embora diferentes em alguns aspectos,
indicam claramente a necessidade de rupturas, principalmente no que diz respeito à dissociação
entre conhecimento, técnica e cultura. Um olhar que nos permita inserir a técnica no universo
da cultura, considerar as poéticas tecnológicas, como faz Machado (1993), talvez seja um alerta
para a necessidade de mais espaço para o trabalho criador, na sociedade e nas escolas, com ou
sem o uso de novas tecnologias.
Isto signicaria sermos capazes de realizar um deslocamento de enfoques: do enfoque prag-
mático, talvez característico da interface computador, talvez característico de uma ideologia que
engole e oculta outros olhares possíveis sobre uma interface - ou uma complexa combinação destes
e de outros fatores -, para o enfoque criativo. Para isso seria necessário ir além das dualidades,
descontruindo ilusões, talvez inevitavelmente construindo novas, mas pelo menos com a certeza
de que estas são impermanentes e subjetivas. Aliar, portanto, teoria e prática, como vimos
126 Epistemologia da Matemática II

através do exemplo: a aparente leveza gerada pela operacionaldade dos conceitos geométricos
no Cabri com o aparente peso gerado pelo corpo teórico da geometria euclidiana. E, sobretudo,
aliar criatividade com criticidade, possibilitando que a informática na educação e, em geral, o
uso de novas tecnologias em educação, assumam um papel emancipatório (Giroux, 1993)
Anal, concordando com Machado (1993):

talvez estejamos caminhando rumo à evidência de que, no m das contas, à luz


de uma abordagem epistemológica mais anada com o estágio dos conhecimentos acu-
mulados, as práticas da ciência, da técnica e da arte não sejam assim tão diferentes
entre si (p.13).

E parece que estamos chegando a esta evidência, em grande parte, graças ou apesar da pre-
sença de novas tecnologias em nossa sociedade e seu duplo, a sociedade informatizada. Esperemos
que, no âmbito da educação, este novo modo de pensar possibilite o diálogo entre o pensamento
lógico e o sentimento artístico, entre a sensação e a intuição. E onde a máquina seja realmente
um meio e não um m.
Observação
Neste trabalho não temos como objetivo descrever o software Cabri ou analisar suas funcional-
idades. Para informações sobre os recursos do programa, especicações técnicas e exemplos de
atividades, consultar: Cabri-Géomètre, o caderno iterativo para ensinar e aprender geometria.
Manual do usuário (versão 1.7 para MS-DOS), 2.ed., São Paulo: Pontifícia Universidade Católica.

4.10 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL


4.10.1 O Primeiro grande momento da inteligência articial [29]
Caros amigos e colegas,

Quero dizer o que disse a Herbert Simon ao telefone, há alguns minutos atrás:
estou profundamente sensibilizado pela notícia que um programa de computador tenha
nalmente ultrapassado o campeão do mundo de xadrez num jogo completo. Para
todos aqueles que como nós assistiram ao nascimento do campo da I.A., este era sem
dúvida o problema do grande desao. O xadrez computacional não é, certamente,
toda a I.A., mas como o primeiro amor, ca conosco para sempre (parece super
sentimental, mas é sincero).
Herbert Simon disse-me:  Bem, talvez eu não tenha sido demasiado preciso ao
prever o futuro em dez anos, mas z tudo o que pude para ser carreto num horizonte
de quarenta anos..
Edward A. Feigenbaum

4.10.2 História da Inteligência Articial.


Apesar de relativamente recente como Inteligência articial (I.A.), esta ciência é a realiza-
ção de um sonho do homem que remonta à Antiguidade Clássica.
Christian José Quintana Pinedo 127

No Renascimento, e com a expansão de um espírito prático e quantitativo, surge a mecânica


e, com ela, (e com o aperfeiçoamento do mecanismo do relógio) uma nova concepção do homem.
Imprescindíveis para o avanço da I.A. foram os trabalhos dos matemáticos dos séculos XV II
a XIX . No século XIX , surge a gura de Alan Turing mas só em 1.956 é que a Inteligência
articial  começa a ser reconhecida como ciência.
Os desenvolvimentos em I.A. avançam lado a lado com a evolução dos computadores que,
ao longo do tempo foram fazendo com que se começassem a encarar essas máquinas como in-
teligentes alterando mesmo o nosso conceito de inteligência e aproximando o conceito máquina,
tradicionalmente não inteligente da inteligência, capacidade antes consignado exclusivamente
ao homem.
No entanto o seu objeto de estudo continua rodeado de uma certa bruma, no sentido em que
o homem ainda não possui uma denição sucientemente satisfatória de inteligência e para se
compreenderem os processos da inteligência articial e da representação do conhecimento terão
de se dominar os conceitos de inteligência humana e conhecimento.
Mas chegará o conhecimento através da manipulação de conceitos complexos ou através da
percepção?
Devemos então fornecer à máquina uma avalanche de dados, teorias formais de 'bom senso',
de crenças, de um universo simbólico superior ou, pelo contrário, basear o estudo da cognição
no nível inferior da percepção e do controlo motor. A tendência geral foi no sentido de conciliar
as duas teorias numa terceira teoria híbrida, segundo a qual a máquina seria capaz de raciocinar
utilizando conceitos complexos, e de perceber o seu meio envolvente.
Nos últimos anos tem-se dado atenção a alguns dos setores de pesquisa abandonados no
passado, como a representação de redes neurais e a tradução automática, interesses renovados
graças aos enormes progressos a que se tem assistido no domínio das ciências da computação.
Assim a história da I.A. é povoada de diferentes paradigmas que se contrapõem, de teorias
que se defendem e abandonam, e que são consecutivamente retomadas.
Não se pode acreditar em coisas impossíveis, disse Alice Isso é falta de treino,
disse a Rainha.
Lewis Carol, in Alice no País das Maravilhas

4.10.3 Inteligência articial.


Existem dois pontos de partida para denir a inteligência articial - sonho e
tecnologia .
Terry Winograd

 Inteligência articial é hoje um domínio do conhecimento cada vez mais na moda. Dela
fala-se, escreve-se, ouve-se falar, lê-se. Mas saberemos nós o que é na verdade esta ciência, o
que estuda, que aplicações práticas tem? A verdade é que muitas vezes os nossos conhecimentos
sobre I. A. não vão além do 'isso tem qualquer coisa a ver com computadores, não é?'
A I.A. é por um lado uma ciência, que procura estudar e compreender o fenômeno da in-
teligência, e por outro um ramo da engenharia, na medida em que procura construir instrumentos
128 Epistemologia da Matemática II

para apoiar a inteligência humana. A inteligência articial é inteligência como computação,


tenta simular o pensamento dos peritos e os nossos fenômenos cognitivos.
No entanto, a inteligência articial (I. A.) continua a ser a procura do modo como os seres
humanos pensam, com o objetivo de modelizar esse pensamento em processos computacionais,
tentando assim construir um corpo de explicações algorítmicas dos processos mentais humanos.
é isto o que distingue dos outros campos de saber, ela coloca a ênfase na elaboração de teorias e
modelos da inteligência como programas de computador.
Allen Newell em 1977, levantando a questão sobre o que é a inteligência articial responde
que:

...é conhecimento - teoria, dados, avaliação - que descreve os meios para alcançar
uma classe de ns desejados.

O estudo em inteligência articial atualmente divide-se em quatro ramos fundamentais.

• Distinguamos assim uma área ligada ao estudo das redes neurais e ao conexionismo que
se relaciona também com a capacidade dos computadores aprenderem e reconhecerem
padrões.

• Um outro ramo ligado à biologia molecular na tentativa de construir vida articial.

• Um terceiro relacionado com a robótica, ligada à biologia e procurando construir máquinas


que alojem vida articial.

• E nalmente o ramo clássico da I.A. que se liga desde o início à Psicologia, desde os anos
70 à epistemologia e desde os anos 80 à sociologia, e que tenta representar na máquina os
mecanismos de raciocínio e de procura.

Mas onde está a I.A.? Certamente 'dentro dos agentes que são capazes de representar as
situações que enfrentam e de realizar ações possuindo processos para manipular essas represen-
tações'. Mas estará ela no algoritmo, ou pelo contrário na arquitetura de estados mentais?
A construção de máquinas inteligentes pressupõe a existência de estruturas simbólicas (rep-
resentação), a capacidade de elas poder raciocinar (procura) e a existência de conhecimentos
(matéria prima). Assim o campo mais popular da I.A. é sem dúvida o da engenharia do conhec-
imento pois é aí que se concebem os sistemas periciais, que são capazes de representar conheci-
mentos e de raciocinar.
Uma outra questão que se levantou desde os primeiros anos de I.A. foi se os computadores
seriam realmente capazes de aprender. Questão que, a par da questão da representação de
conhecimentos, e da capacidade das máquinas serem inteligentes e capazes de raciocinar é um
pilar da investigação em I.A.

4.10.4 Aplicações em inteligência articial


• Planejamento.
Christian José Quintana Pinedo 129

• Visão computacional.

• Xadrez.

• Fala.

• Quinta geração.

• Sinergia.

• Sistemas periciais.

Planejamento.

O planejamento está intimamente ligado ao raciocínio. Um programa com capacidade de


planejar é capaz de fazer escolhas hipotéticas, estabelecer compromissos e ordenar as suas escolhas
segundo os critérios que melhor servem os seus objetivos. O planejador consegue ainda avaliar
se os compromissos tomados até então conduzem a um plano completo e coerente.
Um exemplo de um excelente planejador é o Deep Blue, o programa da IBM que venceu o
campeão mundial de xadrez, a Kasparov em 1.997. O programa foi capaz de elaborar planos
estratégicos e adaptá-los às novas situações de jogo que foram surgindo.
Assim funciona um planejador, ele xa um objetivo, e atinge-o supervisionando um ou mais
dispositivos capazes de realizar ações no mundo real. Este tipo de programas vem muitas vezes
substituir os programas de procura que tentam passar de uma situação inicial (dados), através
de sucessivas aplicações de transformações à representação dos dados do problema, para uma
situação nal (objetivos). O planejador aproxima-se muito mais de uma solução heurística e do
processo como nós, homens, pensamos.
Procuram-se resolver problemas gerais, tomar decisões e raciocinar em interação com uma
base de dados.

Visão computacional.

A primeira abordagem sobre o reconhecimento dos caracteres ópticos remonta já aos anos50.
E esta área assume-se hoje como uma área cientíca de excelência que engloba grandes volumes
de informação (variada e complexa) relacionados entre si.
Os sistemas de visão que conhecemos hoje são capazes de construir descrições do ambiente
que os envolve, processar e reconstruir imagens.
A visão está muito ligada à idéia de percepção computacional e do facto de a máquina
reconhecer o seu ambiente e comportar-se de acordo com este. Assim encontramos a percepção
visual computacional relacionada com os movimentos dos agentes, com a sua coordenação motora,
o controlo dos seus movimentos e não podemos deixar de falar em robótica ao abordarmos esta
nova concepção de visão ativa.
130 Epistemologia da Matemática II

Xadrez.
Este é um dos problemas preferidos da I.A. Ao longo dos anos tem-se desenvolvido um sem
número de programas de jogo de xadrez. Em 1957 Allen Newell e Herbert Simon chegaram
mesmo a prever que num prazo de 10 anos um programa de computador venceria o campeão
mundial de xadrez, mas essa previsão ainda demoraria 40 anos a efetivar-se.
Mas a investigação em xadrez impulsionou as técnicas para a resolução de problemas combi-
natórios e foi desenvolvendo as técnicas heurísticas em grandes espaços de conhecimento onde a
procura precisa de ser guiada, avaliada e controlada. Assim o xadrez foi desde cedo a bancada
de trabalho para técnicas de procura, representação, planejamento, heurísticas, concepção de
agentes inteligentes,. . .

Fala.
A compreensão e o reconhecimento da língua natural foi também desde cedo um dos desaos
colocados à I.A. então jovem ciência, com a proposta da tradução automática (um dos primeiros
objetivos da I.A. que fracassou redondamente).
Mesmo depois de 40 anos de evolução estamos ainda um pouco longe de conseguir que progra-
mas computacionais reconheçam e reproduzam a língua natural, isto apesar do recente sistema
CYC que trabalha já com a manipulação de conceitos, este programa entende o signicado das
palavras e já não trabalha exclusivamente com caracteres verdadeiro e falso.
Esta área está intimamente ligada ao estudo da língua e dos sistemas de signicação e permite
uma abordagem sobre o conhecimento humano não-lógico (a maior parte dele) mas inexato,
incompleto e parcial, a qual se tornou um objetivo geral para a maior parte dos sistemas periciais
e um dos núcleos de investigação piloto em I.A. a partir dos anos 80.

Quinta geração.
Os computadores de 5a Geração representam uma importante área de aplicações daI.A. Eles
seriam já programados em PROLOG e ligariam a compreensão teórica das questões a processos de
programação em lógica, à representação do conhecimento a técnicas de resolução dos problemas,
articulando grandes bases de dados em paralelismo.
Assim essas grandes máquinas pensantes seriam capazes de articular teorias da decisão com
métodos estatísticos e lógicos, com a losoa a psicologia cognitiva e as ciências da gestão de
conhecimentos. Isto seria então o reexo da automatização do raciocínio (aproximado, proba-
bilístico) assegurando a manutenção da verdade através de lógicas não monótonas.

Sinergia.
As sinergias combinam a inteligência com as capacidades de memória. é, de certa forma a
fusão tecnológica no sentido da optimização das pesquisas em informação.
Assim o próximo desao encontra-se no domínio do desenvolvimento de estratégias apropri-
adas para representar a informação e de conseguir chegar a raciocínios sintéticos ao longo de
Christian José Quintana Pinedo 131

diferentes bases de conhecimentos.


As interfaces de língua natural para bases de dados dotadas de regras de inferência gramatical,
possuem heurísticas de discurso adaptadas a vários ambientes de programação.
Uma outra área em que os esforços se têm redobrado nos últimos anos é a da aprendizagem
computacional, a possibilidade de os computadores aprenderem com os erros e de irem atual-
izando a sua própria informação agindo sobre a mesma, mas apesar dos contínuos progressos,
nesta e noutras áreas ainda estamos longe do computador que tenha a perfeita modelização do
homem e da sua inteligência, o que não implica que não continuemos a pesquisar.

Sistemas periciais.
A imaginação é, de longe, muito mais importante do que o conhecimento..
Albert Einstein

4.10.5 Ciências cognitivas.


As ciências cognitivas armaram-se como a construção de uma nova ciência dos fenômenos
constitutivos dos aparelhos e os comportamentos psicobiológico e das interações entre estes apar-
elhos e os comportamentos humanos (no que se refere também às suas formas altamente sim-
bólicas, tais como as linguagens e as culturas). Com o objetivo de compreender a inteligência
humana, as ciências cognitivas têm a nalidade de descrever, explicar, e, eventualmente, simular
as principais disposições e capacidades do espírito humano - linguagem, raciocínio, percepção,
coordenação motora e planicação. . . O método aplicado é o de escrever programas que copiem
e reproduzam os modos como o ser humano pensa, fala, compreende, aprende, procurando-se
elaborar uma réplica da inteligência humana, o que sugere o caráter totalizante das ciências
cognitivas.
Ciências essas, que podem ser vistas como uma nova ciência do espírito, que para além da
vertente cientíca e descritiva, não negligencia a vertente losóca. No entanto, a relativamente
recente evolução das ciências cognitivas diculta a sua denição quer de um modo extensional, ou
seja, segundo os seus objetos de estudo, quer de uma forma intencional (que considera as opções
teóricas que elas sustentam de forma redutora quanto às capacidades humanas). No domínio das
ciências cognitivas, uma denição é sempre uma problemática, que constitui o lado apaixonante
e enriquecedor deste espaço de debates e reexões. Assim, estas ciências, acabam por se tratar,
muitas vezes, de interrogações sobre o Homem que remontam mesmo aos primórdios da losoa.
Unidas pela preocupação comum com as relações espírito/cérebro, e com as modelizações
possíveis desta relação, com a análise dos funcionamentos aí implicados, ou com as condutas
daí derivadas, as disciplinas diretamente ligadas às ciências cognitivas são: as neurociências, a
inteligência articial, a losoa, a psicologia e a lingüística.
Há muito, muito tempo, vivia em Itália um velho chamado Gepeto. Era carpinteiro e fabricava
todo o tipo de brinquedos de madeira, marionetas, animais e relógios, que adornavam a sua ocina
e a sua modesta casa.

Até que enm que estás pronto!


132 Epistemologia da Matemática II

disse Gepeto, erguendo o boneco nas mãos. Antes de se deitar, Gepeto olhou pela janela e vendo
a estrela de alva exclamou:

Oh! Estrela dos desejos, estrela azul! Faz com que o meu boneco Pinóquio se
converta num menino de verdade.
in Clássicos da Disney CIBERNÉTICA E ROBÓTICA

A cibernética está ligada à Inteligência Articial, na medida em que é a sua concretização


prática. A Inteligência Articial teoriza e a cibernética encontra formas de materializar e de
aplicar esses modelos teóricos.
A cibernética, ligada à robótica, encontra modelos onde os sistemas criados pela I.A. se
alojam. Assim, a Inteligência Articial relacionada com as ciências cognitivas, compreende e
reproduz os processos mentais, ao mesmo tempo que, a cibernética e a robótica compreendem e
reproduzem os processos biológicos e motores dos seres humanos.
Ao longo da história da cibernética e ao longo da história da robótica, máquinas cada vez mais
próximas dos comportamentos humanos foram substituindo, progressivamente, os autômatos que
caracterizaram os primeiros passos desta ciência.
Atualmente, vemos robôs que jogam futebol em equipe, que dobram folhas de papel atribuindo-
lhes formas, que conseguem passar linhas por buracos de agulha,... que conseguem realizar tarefas
tão minuciosas e tão particulares, tarefas que até à bem pouco tempo apenas eram do domínio
humano.
Também, hoje em dia, encontramos aplicações cibernéticas em diversas indústrias e cada
vez mais, em diversas áreas de trabalho. As investigações, em cibernética e robótica, vão no
sentido de aperfeiçoar a percepção visual e o controlo motor dos robôs e de encontrar linguagens
de programação que permitam uma melhor comunicação homem-máquina, máquina-máquina e
máquina-homem.

Comportei-me como uma criança, brincando na praia, à procura de uma concha


mais bonita do que o ordinário, enquanto o grande oceano da verdade permanecia por
descobrir.
Isaac Newton

4.11 O ÚLTIMO TEOREMA DE FERMAT


 À Descoberta do Segredo de um Problema Matemático Secular, de Amir D. Aczel [?]
Tradução de André Milheiriço Dias Melancia e Joaquim Coutinho Revisão cientíca de Paulo
Almeida (Instituto Superior Técnico) Gradiva, 1997, 128 pp.
is um pequeno livro, claro, informado e de leitura apaixonante sobre a grande façanha
matemática deste século que agora se aproxima do seu m: a demonstração do último teore-
ma de Fermat. Como estudante de losoa analítica, ouvi muitas vezes referências ao último
teorema de Fermat (tal como ainda ouço referências à conjectura de Goldbach) por constituir
uma situação sui generis, tanto quanto sei diagnosticada pela primeira vez por Kripke, o famoso
lósofo e lógico de Princeton: mesmo quando não sabíamos se a proposição expressa na frase:
Christian José Quintana Pinedo 133

xn + y n = z n não tem solução inteira quando n > 2

era verdadeira, sabíamos qual era o seu estatuto modal - nomeadamente, sabíamos que seria
necessária; se viéssemos a descobrir que era verdadeira, seria necessariamente verdadeira; se
viéssemos a descobrir que era falsa, seria necessariamente falsa. Estas elucubrações losócas,
no entanto, são talvez irrelevantes para o matemático e misteriosas para o leigo...
Para um leigo em matemática, como eu, o livrinho proporciona uma boa leitura. Descreve
toda a trama que conduziu à demonstração do teorema e fa-lo de maneira tal que parece um
romance. E informa o leitor espantado das origens dos problemas associados ao último teorema
de Fermat, origens que ultrapassam até a veneranda antiguidade grega.
Fermat foi um matemático "amador"do século XVII. Apesar de amador (ele era jurista),
demonstrou talvez mais resultados matemáticos do que qualquer prossional do seu tempo - e
isto apesar de o seu tempo ter sido um dos mais generosos em grandes matemáticos.
A proposição que enuncia o teorema de Fermat não era um verdadeiro teorema porque não es-
tava demonstrado. Mas também não estava demonstrado que era falso. Na verdade, conseguiu-se
demonstrar, ao longo dos tempos, que o teorema era verdadeiro para vários números maiores de 2;
mas só em 1994 o teorema foi demonstrado para qualquer número maior de 2, por Andrew Wiles,
e publicado no número de Maio do ano seguinte da revista internacional de matemática Annals
of Mathematics. Antes disso, porém, em 1993, Wiles tinha apresentado uma "demonstração"que
meses depois se descobriu estar errada.
Este livro mostra vários aspectos relacionados com a demonstração de Wiles: a primeira
tentativa falhada, o trabalho no qual ela se apóia, a demonstração corrigida e todos os aspectos
humanos relacionados com as várias demonstrações parciais que Wiles usou na sua demonstração
- incluindo um suicídio, traições e as tristes baixezas humanas.
Deste último ponto de vista, o livro é recomendável aos que pensam que descobriram a
pólvora quando armam que os cientistas são pessoas como as outras - como Feyarabend e
os que gostam de denegrir a ciência pelo fato de os seus praticantes serem capazes de ser tão
baixo quanto o resto das pessoas. O que estas pessoas não compreenderão nunca é que o que
é grandioso na ciência - como na democracia - não é o fato de ser feita por pessoas impolutas,
mas o fato de ter mecanismos públicos de crítica, por cultivar a liberdade e por não aceitar o
peso da autoridade sem o peso do argumento razoável, publicamente discutível. Tal como a
diferença entre a democracia e a ditadura não reside no caráter dos governantes - Cavaco Silva,
por exemplo, tem o perl típico de ditadores como o Salazar - mas antes no sistema que não
os deixa fazer todo o mal que gostariam de fazer, também na ciência e na losoa analítica se
instituíram sistemas de controle de erros precisamente porque a natureza humana deixa bastas
vezes muito a desejar.
Outro aspecto abordado no livro de Aczel é a intrincada história dos problemas e descobertas
da matemática que conduziram ao teorema de Wiles. A perspectiva histórica é extremamente
interessante e dá-nos a verdadeira sensação do que é pertencer a uma tradição: continuar o
trabalho dos nossos antecessores, corrigir-lhes os erros, expandir-lhes as teorias, acrescentar-lhes
horizontes.
134 Epistemologia da Matemática II

Claro que os sucessores dos matemáticos antigos são os matemáticos modernos e não os
historiadores da matemática - uma verdade óbvia que aparentemente ainda não foi interiorizada
pelos portugueses que defendem pertencer a uma tradição losóca pelo fato de fazerem a sua
história. E Aczel também torna evidente que sem preparação matemática não é possível fazer-se
história da matemática - outra verdade trivial a que os historiadores portugueses da losoa
resistem.
Do ponto de vista matemático não posso dizer grande coisa porque sou um leigo na matéria.
Posso armar que as partes nas quais era relevante apresentar alguns conceitos lógicos Aczel o fez
com precisão e clareza; o material técnico de matemática pareceu-me claro, mas a sua precisão
escapa-me completamente porque não percebo nada de matemática.
Um último comentário sobre a demonstração de Wiles. A demonstração de Wiles consiste na
verdade em várias demonstrações encadeadas, aproveitando muitas demonstrações já realizadas
pelos seus antecessores. Aczel dá ao leitor uma idéia desse encadeamento lógico. Este aspecto
tem o interesse didático de fazer as pessoas perceber um aspecto da losoa analítica que costuma
ser mal compreendido (no famoso O Mundo de Soa, a única frase que por lá aparece sobre o
maior movimento losóco atual - a losoa analítica - limita-se a armar que se trata de uma
escolástica tecnicista e irrelevante).
Se Wiles não tivesse a paciência de demonstrar calmamente os pormenores, se ele não tivesse
a paciência de demonstrar as relações lógicas existentes entre vários teoremas já conhecidos, não
teria chegado ao resultado a que chegou. E se os seus pares não tivessem estudado exaustivamente
a sua primeira demonstração nunca teriam descoberto o erro que escondia. é este amor à verdade
que caracteriza a losoa analítica, e não um tecnicismo bacoco, tal como é o amor à verdade
matemática que caracteriza a matemática e não o tecnicismo bacoco.
O tecnicismo é apenas um meio - um excelente meio - de controlar erros e produzir argumentos
e teorias precisos. Mas o objetivo, claro, é sempre a verdade, clara e precisa.

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