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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP


FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

A POSSE DA TERRA E O SEM-TERRA NO SUL DE MATO GROSSO DO SUL


O CASO ITAQUIRAÍ

JOÃO EDMILSON FABRINI

PRESIDENTE PRUDENTE
1995

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JOÃO EDMILSON FABRINI

A POSSE DA TERRA E O SEM-TERRA NO SUL DE MATO GROSSO DO SUL


O CASO ITAQUIRAÍ

Dissertação submetida ao Programa de Pós-


Graduação Mestrado em Geografia da Universidade
Estadual Paulista como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Márcio Antônio Teixeira

PRESIDENTE PRUDENTE/SP
1995

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INTRODUÇÃO

A concentração fundiária, com a presença da grande propriedade rural destinada à


pecuária de corte, destaca-se no sul de Mato Grosso do Sul como característica de fundamental
importância, e, como tal, passagem obrigatória para aquele que procura compreender a dinâmica
agrária desta região do Estado.
Foi, a partir da constatação empírica dessa realidade, com a qual tivemos a
oportunidade de conviver, que nos despertou o interesse em avançar além do senso comum,
procurando compreender a questão através de uma investigação sistematizada, a fim de
desenvolver este trabalho, levando em consideração que "toda ciência seria supérflua se a
aparência, a forma das coisas fosse totalmente idêntica à sua natureza". (Marx, citado por Alves
1986:39 ).
O estudo da forma como a terra foi e está apropriada, a presença de trabalhadores rurais
sem terra, sua organização e sua prática, passaram a constituir o objetivo de nossa pesquisa.
Assim, para escrever o presente trabalho, procuramos problematizar a questão com base em
algumas conjecturas que foram postas da seguinte forma: Que relação existe entre a
concentração fundiária e a presença de um grande número de trabalhadores rurais sem terra na
região sul de Mato Grosso do Sul e no município de Itaquiraí? Por que se fazem presentes na
região e como participam do processo social e histórico? Os conflitos existentes entre
proprietário de terra e trabalhadores sem terra com a ocupação de latifúndios, em especial, o
caso da Fazenda Itasul, em Itaquiraí, por que ocorrem? Como se dá a luta pela terra a nível
nacional, regional e quais os seus resultados? E o Assentamento Indaiá, é ele resultado de luta
pela terra em Itaquiraí ou resultado da doação de terra pelo INCRA?
O método é o caminho da construção do trabalho. Assim, procuramos partir do processo
histórico da ocupação e colonização da região, que foi marcada inicialmente pela disputa entre

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nações (Espanha, Portugal, Paraguai), e, posteriormente, pelo monopólio de arrendamento da
Cia Mate Laranjeira.
Mais tarde, com o encerramento do monopólio, o Estado passa a promover a ocupação e
apropriação da terra baseada na grande propriedade, que se intensifica com o avanço da "marcha
pioneira" e a apropriação das terras por fazendeiros paulistas e paranaenses, principalmente.
Procuramos fazer uma análise histórica com informações obtidas através de entrevistas
com moradores antigos da região e do município, dados do Terrasul (Departamento de Terras e
Colonização de Mato Grosso do Sul), Cartórios de Registro de Imóveis, Prefeituras, IBGE,
INCRA, além de referências bibliográficas sobre a história da ocupação e colonização da região.
Após a fundamentação histórica do processo de ocupação da região, discorremos sobre
a relação existente entre a estrutura fundiária e a presença de trabalhadores sem terra que,
através de sua organização e seu movimento, passam a promover a luta pela terra na região e no
município de Itaquiraí. Para isso, utilizamos, como referência bibliográfica básica: Alves(1984),
Grzybowski (1990), Martins (1990), Oliveira (1991), Prado Jr (1979), bem como informações
obtidas através de entrevistas com o MST, CPT e na convivência com os próprios sem-terras.
A análise do Assentamento Indaiá mostra os resultados da luta pela terra, procurando
compreender seus resultados econômicos, produtivos, sociais e as relações de trabalho aí
predominantes. As informações foram obtidas através da aplicação de 160 questionários a 25%
dos assentados, entrevistas com membros e diretoria da Associação do Distrito Verde, Agências
Bancárias, Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária, Empaer, além de uma referência
bibliográfica clássica de autores que realizaram trabalho de pesquisa em assentamentos e projeto
de colonização.
Com o andamento do trabalho e sua sistematização mais elaborada, fomos percebendo
a forma como a terra foi apropriada na região. A intensificação de sua ocupação com a
territorialização do capital, representada pelo avanço da "frente pioneira", na década de 50, leva
a região a incorporar-se, ainda mais, à lógica do capital, sob o domínio da atividade pecuária
que abrange cada vez mais território, a partir do final da década de 60, isso com o patrocínio do
Estado, que dá prioridade à colonização e à ocupação da região com base na grande

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propriedade. Esta tem sido a razão principal da presença e existência de uma massa de
trabalhadores rurais sem terra, na região e no município de Itaquiraí.
Embora o "sul de Mato Grosso do Sul" não seja uma área delimitada, consideraremos,
neste estudo, aquela área que foi ocupada durante a "expansão pioneira" (década de 1950) e
onde a colonização ocorreu sem a participação de empresas colonizadoras, com a concessão de
venda de lotes de terra feitas pelo próprio Estado.
Levando sempre em consideração o elemento histórico, procuramos demonstrar que a
ocupação da região sul de Mato Grosso do Sul ocorre mais intensamente com a "marcha
pioneira", época em que as terras devolutas já haviam sido apropriadas e não ocupadas por uma
classe de proprietários de terra, residentes nas áreas de colonização mais antigas. A maioria
deles possuía objetivos especulativos, pois apropriaram-se de terras cobertas por florestas que
seriam revendidas, mais tarde, a fazendeiros paulistas e paranaenses, principalmente. É neste
momento que a terra é ocupada e explorada para fins produtivos com a atividade pecuária, logo
após a derrubada das matas; é, também, este o momento inicial do surgimento do trabalhador
sem terra, pois a maioria deles partiu de regiões "velhas" para trabalhar na derrubada das matas
e formação de pastagens, como peões e arrendatários, e por isso tiveram acesso periódico à
terra, já que deveriam deixar o lote após a formação das pastagens, quando arrendatários; e,
quando peões, não mantinham nem mesmo esse vínculo.
Observa-se, no entanto, que a dimensão capitalista se faz presente, antes desse período,
ou seja, por ocasião da disputa pela posse da terra entre nações (Portugal, Espanha e, mais tarde,
Paraguai), mas principalmente com a ação da Cia Mate Laranjeira, empresa ligada ao capital
financeiro (Banco Rio-Mato Grosso), que detinha o monopólio de exploração de erva-mate e o
domínio capitalista das terras que abrangiam uma área superior a três milhões de hectares, desde
o Rio Iguatemi, ao sul, até o Rio Paraná, à leste, Brilhante, ao norte, e, à oeste, a Serra de
Amambaí na fronteira com o Paraguai.
Procuramos compreender as razões da presença dos trabalhadores rurais sem terra na
região, relacionando-as com a concentração fundiária aí existente, e, igualmente, estudar o caso

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Itaquiraí, preocupado em analisar esta questão, levando em consideração o conflito de classe
que envolve a posse da terra e o papel desempenhado pelo Estado.
A manifestação desses conflitos e contradições têm início, a nível nacional, com o
esgotamento do plano político e agrário dos militares, período em que se intensificou a
expropriação do pequeno proprietário, ampliando-se ainda mais as contradições da posse da
terra. A abertura política no final da década de 70 permitiu a organização dos trabalhadores
rurais sem terra e, posteriormente, com a criação do MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), a luta tem se territorializado nacionalmente, organizando ocupações de terra
nos vários Estados brasileiros.
Em 1989 ocorre em Itaquiraí, a ocupação da Fazenda Itasul por trabalhadores sem terra
de vários municípios da região. A ocupação da Itasul se fez também com a participação de
grande número de brasiguaios, cuja presença na região é uma das razões do surgimento do
fenômeno "sem-terra" e dos conflitos de terra aí existentes.
Após dois anos de acampamento e luta pela desapropriação da área (89/91), ocorreu o
assentamento de 630 famílias de trabalhadores. A condição de assentado coloca o sem-terra
diante de novas necessidades, ou seja, a conquista de recursos (de órgãos governamentais e não-
governamentais) e criação de infra-estrutura para implementar a produção agrícola.
Consideramos o estudo desse tema de importância fundamental para comprender a
forma de colonização implantada e como as relações capitalistas se territorializaram no sul de
Mato Grosso do Sul, principalmente no período da "marcha pioneira", quando foram
reproduzidas contradições, neste "novo" território do capital, com a desigual distribuição de
terras, ou seja, concentração de terras em mãos de poucos proprietários. Este trabalho tem,
também, a intenção de contribuir para o registro histórico do movimento e luta do sem-terra,
promovidos no campo contra o monopólio da terra, destacando, no processo, o papel
representado pelo Estado que, ao mesmo tempo, é provedor e contrário à democratização da
posse da terra.
Procuramos fazer uma série de críticas à colonização com base na grande propriedade;
ao projeto de Reforma Agrária, cujos resultados acabam dependendo muito mais da luta do sem-

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terra do que de uma proposta política de Reforma Agrária e de investimentos feitos pelo Estado;
a forma como os órgãos públicos planejam os Assentamentos.
Procuramos, também, demonstrar o papel desempenhado pelo trabalhador sem-terra,
sujeito no processo histórico e na luta pela Reforma Agrária, que se realiza através de ocupações
e acampamentos, como aquele ocorrido na Fazenda Itasul em 1989, considerada a principal
forma de luta do MST.
O contexto inicial da apropriação capitalista da terra é a condição preliminar para
compreender a dinâmica agrária atual da região; comparamos esse contexto inicial com o
quadro que ora se apresenta, ou seja, presença atual de uma massa de trabalhadores rurais sem
terra, as ocupações de latifúndios, manifestações por eles realizadas e oganização de sua
produção agrícola enquanto assentados.
O trabalho está estruturado em 4 capítulos, onde demonstramos que, quando a
apropriação da terra é feita em grandes propriedades, tem-se a razão principal do surgimento de
uma grande massa de trabalhadores sem terra. Os trabalhadores, têm se organizado pela
conquista da terra, resultando nos vários assentamentos ocorridos na região, entre os quais
priorizamos a luta pela terra e o assentamento ocorrido no município de Itaquiraí.
Além da concentração fundiária e a desigual distribuição de terras na região,
consideramos também, como elemento importante, a presença dos brasiguaios, para
compreender o movimento do sem-terra. Resultado da concentração de terras e
expropriação/expulsão nos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, principalmente,
muitos brasileiros acabaram se deslocando para o Paraguai, e, mais tarde, retornaram em
grande número para esta região de Mato Grosso do Sul, sendo que sua presença torna-se
elemento essencial para a compreensão da luta pela terra e seus resultados, em Itaquiraí.
No Primeiro Capítulo, estudaremos o caráter capitalista e concentrador da estrutura
agrária brasileira. Buscamos fundamentação teórica na obra de PRADO JR (1979) "A Questão
Agrária". Demonstramos como este fenômeno tem ocorrido ao longo da História. Apresentamos
tabelas com dados que nos permitem visualizar a concentração da propriedade da terra a nível
nacional, estadual e municipal.

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O Segundo Capítulo aborda o processo de ocupação, posse e concentração de terras
desde um passado distante, quando portugueses e espanhóis disputavam a hegemonia e domínio
dessas terras, e depois a Guerra do Brasil com o Paraguai e a ação da Cia Mate Laranjeira que
detinha o monopólio de arrendamento de exploração de erva-mate e domínio de terras "sem
fim", abrangendo uma grande área de Mato Grosso do Sul. Num passado recente, com o avanço
da expansão pioneira e a intensificação das relações de produção capitalista, a pecuária de corte
será a atividade "vocacionada", época em que ocorre maior ocupação com o deslocamento de
paulistas e paranaenses para a região. Nessa fase, o Rio Paraná e seus afluentes desempenharam
papel importante, pois substituíram a ferrovia que muito contribuiu para ocupação do oeste
paulista e norte do Paraná. Aqui, a ocupação terá início nos vales, com os pequenos portos de
embarque de madeira e gado, principalmente. Os portos perdem sua importância econômica
com a construção das estradas de rodagem.
O movimento do sem terra e a conjuntura nacional serão abordados no Terceiro
Capítulo, contexto em que surgem as lutas isoladas e, posteriormente, o MST. Consideramos,
ainda, a sua atuação em Mato Grosso do Sul, com organização que levou à ocupação da
Fazenda Itasul; sua primeira ocupação, em l989, com trabalhadores rurais sem terra brasileiros e
brasiguaios, resultando no assentamento de 630 famílias.
No Quarto Capítulo abordaremos os aspectos agrícolas e agrários do assentamento e
seus resultados produtivos, destacando as culturas de maior importância, as dificuldades
enfrentadas pelos assentados com a escassez de recursos, a dimensão dos lotes, a deficiência de
fertilidade natural dos solos, etc. Com informações obtidas dos questionários (amostragem de
25%) aplicados aos assentados e, também, convivendo com eles, participando de reuniões,
encontros, discussões, procuramos compreender os resultados socio-econômicos do
assentamento, as perspectivas dos assentados e sua participação no processo histórico.
Localizado na micro-região de Campos de Vacaria e Mata de Dourados, segundo
classificação feita pelo IBGE, o município de Itaquiraí possui uma área de 1.977 Km2 e conta
com uma população de l3.053 habitantes (Censo 9l), sendo que 59,6%, ou seja, 7.792 habitantes
residem na zona rural. A principal atividade econômica aí desenvolvida é a pecuária de corte na

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grande propriedade e, em razão disso, o núcleo urbano possui baixa movimentação comercial e
de prestação de serviços. Até o final da década de 70, a indústria madeireira, com mais de 20
serrarias, era uma das atividades mais importantes, mas com o escasseamento da madeira e
devastação das florestas, perdeu sua importância econômica do passado, de modo que a cidade
estava praticamente "fechando suas portas" até o momento em que ocorre o assentamento das
famílias sem terra. A partir desse momento, a cidade toma novo impulso com instalação de
novos estabelecimentos industriais, comerciais, construção de residências, etc. O resultado foi o
aquecimento das atividades econômicas nessa localidade.
Itaquiraí surge, em l957, com um grupo de sitiantes do Estado de São Paulo
(Rancharia), que adquiriram pequenas propriedades na Gleba Itaquiraí de João Paulo Cabreira,
um grande proprietário de terra que loteou uma de suas propriedades (lote Itaquirahy) e que,
mais tarde, deu origem à cidade e município de Itaquiraí, chegando à emancipação político-
administrativa em 1980. Até 1890, a área correspondente ao município de Itaquiraí fazia parte
do município de Miranda, passando, em 1898, para o município de Nioaque. Em 1912,
Itaquiraí passa a fazer parte da jurisdição de Ponta Porã. Em l948, foi desmembrado de Ponta
Porã, passando a constituir o município de Amambaí e, a partir de l963, de Iguatemi, quando se
emancipa administrativamente, em 12/05/1980, através da Lei de Regulamentação n. 75. Os
mapas a seguir permitem visualizar a localização do município de Itaquiraí; a Fazenda Itasul e a
divisão político-administrativa do sul de Mato Grosso do Sul, ao longo do tempo..

MAPA 2

MAPA 3

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I - FORMAÇÃO DA ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA

A estrutura fundiária diz respeito à forma como a propriedade da terra está distribuída, e
isto tem sido preocupação de muitos estudiosos da questão agrária brasileira, pois a
concentração fundiária torna-se elemento fundamental para compreensão do campo brasileiro. A
concentração da terra teve origem na formação da própria sociedade brasileira, que surgiu
como uma sociedade agrária.
A agricultura brasileira foi organizada, desde o seu início, com o objetivo de fornecer
produtos tropicais que interessavam ao mercado internacional. As terras eram obtidas através de
doações feitas pelo Rei, incidindo sobre grandes lotes de terra. A cana-de-açúcar, primeiro
produto agrícola cultivado, exigia grandes plantações, reunindo um grande número de
trabalhadores. Isso não seria feito por pequenos proprietários camponeses. Estas foram as
condições de início da exploração agrária brasileira: a monocultura, o trabalho escravo, a
produção destinada ao mercado externo e a grande propriedade, características do sistema
"plantations" e que acompanharão por longo tempo a agricultura brasileira.
É, neste momento, que se inicia o monopólio da terra, com a propriedade fundiária
regulada pela Lei das Sesmarias e cuja posse era permitida somente a uns poucos: àqueles que
dispunham de escravos, sendo o direito à terra proporcional ao número de escravos que cada
um possuía. O poder do senhor era atribuído, não pela propriedade da terra mas, sim, pelo
número de escravos que possuía e acabava consequentemente dominando a terra. Aquele que
não possuía escravo tornava-se posseiro e servia como instrumento de senhores de escravos,
pois tinha a função de desbravar as terras, com a produção de gêneros de subsistência e um
pequeno excedente comercializado nas cidades, originando-se, assim, a pequena propriedade no
Brasil. Os posseiros situavam-se entre a área de avanço das "plantations" e as fazendas de gado
não incorporadas à produção para a exportação.
Todas as atividades na Colônia giravam em torno do sistema de "plantations"
açucareiros que produziam para exportar. Os pequenos proprietários (posseiros) estavam

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sujeitos ao domínio dos latifundiários que, a qualquer momento, poderiam solicitar a posse
daquelas terras, pois, de acordo com a lei de sesmaria, o posseiro não tinha direito à propriedade
da terra.
No latifúndio, a atividade principal era aquela destinada à exportação e ocupava os
melhores solos. À margem da atividade principal, encontrava-se a produção de alimentos, feita
por pequenos produtores livres que pagavam uma renda ao proprietário ou, feita pelos próprios
escravos, nos domingos e feriados, em solos de menor fertilidade do latifúndio e tinha por
objetivo manter o funcionamento da economia de exportação. Os posseiros desenvolviam
atividades agrícolas separadas da grande lavoura, trabalhando na maioria com a própria família .
No período colonial, além da produção agrícola de subsistência e a açucareira, havia a
pecuária que, proibida de ser praticada na zona da mata, deslocou-se para o sertão. A criação era
praticada em grandes áreas e tinha objetivo de atender as necessidades alimentares da população
colonial, inclusive nos engenhos. "Nos primeiros tempos a criação de gado foi uma atividade a
que se dedicaram pessoas com espírito demasiadamente independentes para se submeterem à
hierarquia social rígida da sociedade açucareira; como não dispunham de capitais para montar
engenhos, adquirir escravos e plantar canaviais, procuraram estabelecer-se sempre nas
proximidades da costa ou dos rios navegáveis... A guerra holandesa e o mêdo de perder seus
animais requisitados pelos invasores, fizeram com que os criadores alagoanos e sergipanos
subissem o Rio São Francisco em demanda do sertão. Ricos Senhores-de-engenho, como João
Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros e Duarte Gomes da Silveira, costumavam fundar
nas áreas mais secas e distantes, fazendas e currais onde soltavam o gado visando abastecer os
engenhos". 1
Com o fim do sistema de Sesmaria, no início do século XIX, ocorre aumento das
posses, até que, em l850, uma nova lei foi elaborada disciplinando e definindo a posse da terra
(Lei de Terras). As terras devolutas somente deveriam ser apropriadas mediante a compra. Neste
momento, o capitalismo cria novas relações, a terra torna-se cativa e as regras de mercado

1ANDRADE, Manoel Correia. A Terra e o Homem no Nordeste.2. Ed., São


Paulo, Brasiliense, l964, p.137/38.

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aparecem nitidamente. Enquanto a mão-de-obra era escrava, as terras estavam livres, mas com
o fim do tráfico de escravos, em l850, e a abolição da escravatura um pouco mais tarde, as terras
ficaram escravizadas através da propriedade privada capitalista, regulamentada pela lei n. 601.
Essa lei tem íntima relação com a regulamentação da lei de mercado de trabalho que, ao mesmo
tempo em que se proibiu o tráfico de escravos, não foi permitido o acesso amplo dos
trabalhadores à terra, que passam a fornecer a sua força de trabalho aos latifundiários na
condição de colonos, recebendo um valor fixo anual pelo trabalho que desenvolviam nas terras
do latifúndio e o direito de produzir cereais para a subsistência. O colono, ao mesmo tempo em
que cultiva produtos de subsistência, cultiva, também, o produto da monocultura. As culturas
para auto-consumo são realizadas nas ruas de café e, quando o colono consegue alguma sobra,
procura adquirir uma pequena área de terra. No entanto, essa não era a forma preferida pelos
fazendeiros, que procuram ceder uma área de terra distante da cultura principal.
Dessa forma, se a terra e o trabalho fossem livres, o latifúndio encontraria grande
dificuldade de resolver o seu problema com a falta de mão-de-obra.
As crises ocorridas na agricultura brasileira (monocultura/latifúndio) foi também, época
em que ocorreu alguma expansão da pequena propriedade, pois o fazendeiro depara-se com a
necessidade de desfazer-se de parte de sua terra para saldar dívidas contraídas, ou entregar parte
da terra na forma de parceria ou arrendamento, proporcionando a fragmentação em pequenas
propriedades. Esse fenômeno se deu, principalmente, com as sucessivas crises do café, no início
deste século, quando ocorreu a venda de pequenos lotes de terra. Na época em que a grande
exploração prospera, ocorre um retraimento da pequena propriedade e a concentração de terras
tende a aumentar. Quando a grande exploração entra em crise, ocorre a expansão da pequena.
"E o fato é comprovado pela observação geral que é precisamente nas zonas em que a grande
exploração goza de padrões relativos mais elevados, que a propriedade fundiária se acha mais
concentrada e a margem deixada ao setor secundário da produção de modestos agricultores é
mais estreita".2

2PRADO JUNIOR, Caio. A Questão Agrária no Brasil. São Paulo,


Brasiliense, l979, p. 56/7

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O problema da falta de mão-de-obra no latifúndio, com o fim da escravidão, foi
resolvido com a imigração que toma impulso, a partir de 1870, substituindo a mão-de-obra
escrava pelo trabalho livre no regime de colonato. Anteriormente a essa data já haviam sido
feitas experiências com imigrantes europeus em l847, quando o Senador Nicolau Vergueiro
instalou, em sua fazenda, 177 famílias de migrantes estrangeiros.
Simultaneamente à economia monocultora e ao latifúndio, foi instalada a colonização
com pequenas propriedades nas áreas que não eram interessantes ao latifúndio. No sul do país,
por exemplo, foi colocada em prática uma política de colonização e povoamento da fronteira
com base na pequena propriedade rural, constituindo-se aí, um campesinato autônomo.
A colonização com migrantes estrangeiros e distribuição de pequenos lotes de terra
ficou para segundo plano, quando foi dada preferência ao regime de colonato, que dificultou o
acesso à terra para o trabalhador. O fazendeiro de café monopolizava a terra.
A instalação destes núcleos, no sul, com imigrantes italianos e alemães principalmente,
tinha o objetivo de povoar a fronteira e produzir alimentos para o conjunto do país. Os alemães
situaram-se nos vales e encostas e os italianos, na serra. Desenvolveram a policultura e
estabeleceram o comércio da produção atingindo grandes mercados urbanos.
As áreas de colonização não interessantes ao latifúndio passam a diferenciar-se do resto
do país, pois com a ausência da grande fazenda, os pequenos proprietários desenvolvem
lavouras de subsistência e policultura destinadas ao mercado interno.
Expandia-se, ainda, quando as empresas imobiliárias viam perspectivas de maiores
lucros com o loteamento e venda aos pequenos proprietários, como ocorreu no norte do Paraná
e oeste de São Paulo.
Contribuiu, também, com a expansão da pequena propriedade, o loteamento de glebas
em pequenas propriedades por causa do esgotamento da cultura latifundiária do café.
A contestação e revolta contra o regime latifundiário se fizeram presente desde um
passado distante, ampliando-se após a Proclamação da República, que levou à descentralização
do poder da União, transferindo o poder provincial às oligarquias rurais regionais e a decisão
sobre a propriedade fundiária, quando os coronéis consolidaram o monopólio da terra. O caso

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da Revolta de Canudos, Contestado, o Cangaço retratam a aversão ao domínio dos latifundiários
coronéis.
A presença do regime de colonato e parceira, foi considerada por alguns autores como
se fossem relações pré-capitalistas, existindo no Brasil restos feudais.
Segundo PRADO JR, no Brasil, onde a grande propriedade foi a regra e a pequena
exploração ocupou as áreas marginais, as relações de trabalho que se fizeram presentes são
relações capitalistas. As relações de trabalho como a meação, parceria, colonato, a quarta
(pecuária do nordeste) não são consideradas relações semi-feudais, sendo um equívoco fazer tal
afirmação. "Mas as formas peculiares de relações entre proprietários rurais e seus trabalhadores
que resultam daquela situação (formas essas aliás em franco declínio, na medida em que a
última geração de escravos e senhores de escravos se extingue e desaparece), não têm nada de
'feudais'. Apresentarão quando muito traços que fazem lembrar a escravidão. Mas isso é outra
coisa. O emprego de expressões que de qualquer maneira evocam o feudalismo, nas referências
às relações de trabalho na agropecuária brasileira, é assim pelo menos imprópria". 3 Existiram
sim, restos escravistas que, em muitos casos, na economia mercantil tinham grande importância
e, no Brasil, o escravismo serviu de base à economia mercantilista. As relações de trabalho no
campo brasileiro não são semi-feudais porque ocorre, neste caso, o pagamento pela prestação de
serviços, que pode não ser necessariamente em dinheiro, mas de outras formas como, por
exemplo, através do direito de utilizar uma parte das terras do proprietário ou, então, uma parte
da produção, assumindo formas não monetárias. "É importante acentuar esse caráter de locação
de serviços que constitui a real essência das relações de trabalho na agropecuária brasileira.
Efetivamente, aquilo de que essas relações se formam, o fato principal que nelas se figura, é a
prestação de serviços. É isso e somente isso que o proprietário procura e obtem do trabalhador;
e são serviços unicamente que este último de fato presta ao proprietário, seja qual for o tipo de
retribuição que recebe por esta prestação. Assim, é na concessão de terras para culturas próprias
do trabalhador, o que notoriamente nada mais constitui que um meio de fixar esse trabalhador

3Id. Ibid., p. 68.

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na propriedade e tornar assim a prestação de serviços de que o proprietário tem necessidade,
mais estável e segura". 4
O aprofundamento das relações capitalistas, no século XX, levou à modificação das
relações de trabalho sem, contudo, alterar a estrutura fundiária; pelo contrário, a concentração
aumentou ainda mais e, nas grandes propriedades, ocorreu o aparecimento do trabalho
assalariado, pois o proprietário acaba dispendendo menor quantia em dinheiro para o
pagamento da força de trabalho ao trabalhador, que se encontra expropriado dos instrumentos e
meios de produção.
Como vimos, a concentração da posse da terra tem raízes profundas e vem de longa
data, devido ao tipo de ocupação e colonização implantado no território brasileiro, desde o
momento em que os europeus aqui chegaram. A concentração e monopólio da terra, que
permanecem, e até se intensificaram nos dias atuais, têm sido a razão principal do surgimento de
conflitos no campo brasileiro, manifestados, entre outras formas, através dos movimentos
promovidos pelos escravos com a formação dos quilombos, e de Canudos, no nordeste, que
contestavam o poder dos coronéis. Assim, também, como fatos ocorridos mais recentemente que
contestavam a cobrança da renda da terra, como a revolta de Porecatu, Sudoeste do Paraná,
Trombas e Formoso, etc.
A partir da década de 70, ocorre uma elevação da concentração de terras. Dentre as
principais razões, destacamos a apropriação das terras da Amazônia, onde, ao lado dos projetos
de colonização, surge o crescimento da grande propriedade, acentuando os conflitos entre
indígenas, posseiros e grandes proprietários na região. Acrescentem-se a isso as mudanças
ocorridas com a modernização da agricultura brasileira, quando muitas pequenas propriedades
acabaram sendo absorvidas pela médias e grandes, levando os pequenos agricultores a perder
suas terras.
Para termos uma idéia da apropriação da terra no Brasil, em Mato Grosso do Sul e no
município de Itaquiraí, podemos observar os dados das tabelas da estrutura fundiária.

4Id. Ibid., p. 62/3

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ESTRUTURA FUNDIÁRIA (BRASIL)
Número de estabelecimentos
Classe área 1960 % 1970 % 1980 % 1985 %
Menos 100 2.986.435 89,4 4.454.022 90,4 4.614.793 89,4 5.252.265 90,0
100 a - 1000 314.746 9,4 414.746 8,4 488.521 9,4 518.618 8,8
1000 e mais 32.480 0,9 36.874 4.924.0190,7 47.841 0,9 50.105 5.834.779
0,8
Total 3.337.769 99,7 99,5 5.159.851 99,7 99,6
Área ocupada (ha)
Classe área 1960 % 1970 % 1980 % 1985 %
Menos 100 53.518.671 21,4 69.153.199 23,5 73.498.602 20,2 79.708.718 21,1
100 a - 1000 86.029.455 34,4 108.742.676 36,9 126.799.188 34,8 131.893.557 35,0
1000 e mais 110.314.016 44,1 116.249.591 39,5 164.556.629 45,2 164.684.300 43,7
Total 249.862.142 99,9 294.145.466 99,9 363.854.521 99,2 376.286.577 99,8
Fonte: IBGE
Em 1985, os estabelecimentos acima de 1000 ha abrangiam menos de 1% do total de
estabelecimentos e ocupavam 43,7% da área total, enquanto 90,0% dos estabelecimentos
inferiores a 100 ha ocupavam 21% da área total, ou seja, apenas 79,7 milhões de ha para
5.252.265 estabelecimentos, contra 164,6 milhões de ha dos 50.105 estabelecimentos acima de
1000 ha.
A expansão recente da agricultura brasileira, a partir da década de 70 se fez com base na
grande propriedade, acentuando-se ainda mais a sua concentração. A comparação entre os
dados do período de 1960 a 1985 nos dá uma idéia.
Entre 1960 e 1970, o número de estabelecimentos aumentou em 1.586.250, e a área
ocupada, em 44.283.324 hectares. Já no período de 1970 a 1980, a área ocupada aumentou em
69.708.955 ha. Neste mesmo período, o número de novos estabelecimentos aumentou somente
235.832; número inferior de estabelecimentos para uma área bem maior, se comparado com a
década passada.
No período de 1980 a 1985, surgiram 674.928 novos estabelecimentos, e a área ocupada
aumentou em 13.431.956 ha. O que demonstra o crescimento de estabelecimentos menores do
que o período 70/80.

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Algumas propriedades chegam a ser superiores a certos Estados brasileiros,
apresentando latifúndios com área superior a 4 milhões de hectares como, por exemplo, a
MANASA (Madeiras Nacional S.A)

OS MAIORES LATIFÚNDIOS DO BRASIL


Nome Município área (ha)

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Madeira Nacional S/A Labrea- AM e Guarapuava - PR 4.140.767
Jari Florestal e Agropecuária Ltda Almerin - PA 2.918.892
Aplub-Agroflorestal da Amazônia Jutaí/ Carauari - AM 2.194.874
Cia Florestal Monte Dourado Almeirin-PA/ Magazão-AP 1.682.227
Cia de Desenvolvimento do Piauí Castelo do Piauí/ São Miguel do Tapuio/
Pimenteiras/ Manoel Emídio/ Nazaré do
Piauí/ São Francisco do Piauí/ Oeiras/
Canto do Buriti/ Floriano/ Ribeiro goncalves
Urucuí - PI 1.076.752
Cotriguaçu Col. do Aripuanã S/A Aripuanã - MT 1.000.000
João Francisco Martins Barata Calcoene - AP 1.000.000
Manoel Meireles de Queiroz Manoel urbano - AC 975.000
Rosa Lima Gomes Amora Labria - AM 901.248
Pedro Aparecido Dolto Manoel Urbano e Sena Madureira - AC 804.888
Albert Nicola Vitali Formosa do rio Preto - BA 795.575
Antônio Pereira de Freitas Atalaia do Norte, Benjamin Constant e
Estirão do Equador - AM 704.574
Mallh hassan Elmadula Itamarati - AM 661.173
Moraes Madeiras Ltda Itamarati e Caruari - AM 656.794
Indeco S/A - Ind. Des. e colon. Alta Floresta, Aripuanã e Diamantino - MT 615.218
Mario Jorge de Medeiros Moraes Caruari - AM 540.613
Agroindustrial do amapá S/A Marzagão - AP 460.406
Francisco Jacinto da Silva Sandovalina-SP, Naviraí-MS, Feijó,
Tarauca e Envira - AM 452.000
Plínio Sebastião X. Benfica Auxiliadora e Manicore - AM 448.000
Cia Colonizadora do Nordeste Carutapera - MA 436.340
Jorge Wolney Atala Pirajuí-SP, Feijó-AC 432.119
Jussara marques Paz Surunduri - AM 432.119
Alberto Cordeiro e Silva Pauini e boca do Acre- AM, Feijó-AC 323.170
Romulo Bonaluni Canamari-AM, Cruzeiro do Sul-AC 406.121
União de contrutoras S/A Formosa do rio Preto-BA 405.000
Mapel Marochi e pecuária Ltda Itaituba - PA 398.786
Total 25.547.539
Fonte: Calculos, tabulação e idealização do Eng. Agrônomo, Carlos Lorena, a partir dos dados do Incra. Publicado
em “Alguns pontos de discussão sobre a questão da Reforma Agrária: o caso do Brasil, José Gomes da Silva (in
Oliveira,1991:33)

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A concentração fundiária está desigualmente distribuída pelo território brasileiro.
Algumas regiões apresentam maior concentração de terras que outras. Podemos observar os
dados da região Centro-Oeste do Brasil, que apresenta concentração superior a outras regiões.
Ali existe um grande número de grandes propriedades abrangendo, também, uma grande parcela
da área total, resultado do recente processo de ocupação da região.

ESTRUTURA FUNDIÁRIA- REGIÕES (1985)


Número de Estabelecimentos
Regiões total(estabel. Menos 100 a 1000 e mais
) 100 -1000
Norte 547.095 79,3 19,0 1,5
Centro-Oeste 268.965 66,1 27,5 6,5
Nordeste 2.8l7.909 94,3 5,1 0,4
Sudeste 998.907 85,4 13,5 0,8
Sul 1.201.903 94,1 5,4 0,5
Área ocupada (ha)
Regiões Total (ha) Menos 100 100 a - 1000 e
1000 mais
Norte 62.238.758 l7,2 33,2 49,6
Centro-Oeste 99.731.819 5,5 23,1 71,4
Nordeste 91.988.105 28,6 39,3 32,1
Sudeste 73.614.727 25,6 46,7 27,7
Sul 48.7l3.066 39,0 35,9 25,0
Fonte: IBGE
A região Centro-Oeste apresenta elevada concentração fundiária pois, 6,5% dos
estabelecimentos acima de 1000 ha abrangem 71,4% da área total. Os 65% dos
estabelecimentos com menos de 100 ha (268.965) ocupam apenas 5,5% da área total.
A concentração fundiária é ainda maior se considerarmos os níveis estadual e
municipal. Tomando o exemplo de Mato Grosso do Sul, Estado que apresenta a maior
concentração de terras do Brasil, as atividades agropecuárias são desenvolvidas em
estabelecimentos com média de 568 ha, significativamente superior à média nacional que é de
64,4 ha. Evidencia-se que 61,6% dos estabelecimentos (33.666) inferiores a 100 ha abrangiam,

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em 1985, 2,3% da área total (735.064 ha). Por outro lado, 11,3% dos estabelecimentos com
mais de 1000 ha (6.215) ocupavam 80,4% da área total, ou seja, 24.967.432 ha.
A concentração de terras é evidente em Mato Grosso do Sul, onde existe uma
percentagem considerável (11,3%) de grandes estabelecimentos, enquanto em outros Estados
onde a concentração também é acentuada, é menor o número de grandes estabelecimentos
acima de 1000 ha.
No município de Itaquiraí não existem grandes diferenças quanto à concentração de
terras existente no Estado e percebe-se, também, um número elevado de grandes
estabelecimentos acima de1000 ha.

ESTRUTURA FUNDIÁRIA-ITAQUIRAÍ (1950 - 1985)


Número de Estabelecimentos
Classe de área (ha) l950 % 1960 % 1970 % 1975 % 1980 % 1985 %
Menos de 100 l97 28,3 986 62,4 1300 87,0 3306 92,2 536 67,5 437 80,6
100 a - 1000 303 43,5 377 23,8 117 7,8 151 4,2 151 19,0 45 8,3
1000 e mais 196 28,1 215 13,6 77 5,1 126 3,7 107 13,4 57 10,5

Área ocupada (ha)


Classe de área(ha) 1950 % 1960 % 1970 % 1975 % 1980 % 1985 %
Menos de 100 6838 1,0 29045 3,7 34842 9,0 52537 8,9 8797 1,9 5282 2,6
100 a - 1000 116074 18,3 137888 17,9 42720 11,0 51.818 8,8 58.018 13,1 17365 8,7
1000 e mais 508494 80,5 600613 78,2 307554 79,8 480736 82,1 375459 84,8 176839 88,6
Fonte: IBGE (Censos Agropecuários)
Observando os dados de 1950, podemos notar que 28,1% dos estabelecimentos
possuem 1.000 ha e mais, abrandendo 80,5% da área total. Já, em 1985, embora tenham
ocorrido algumas alterações, predominam, de forma absoluta, os grandes estabelecimentos,
onde 10,5% dos estabelecimentos, com 1000 ha e mais, ocupavam 88,6% da área total do
município, enquanto 80,6% dos estabelecimentos inferiores a 100 ha ocupavam apenas 2,6% da
área total.

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A concentração de terras no município de Itaquiraí, bem como em todo o sul de Mato
Grosso do Sul, não é resultado da aglutinação de pequenos lotes, mas da política de ocupação e
colonização adotada pelo Estado. Os dados acima demonstram que o predomínio de grandes
estabelecimentos não é fato recente, já que a área média dos estabelecimentos, em 1950, era
907,1 ha, reduzida, em 1985, para 370,1 ha.
Esta sensível alteração na média dos estabelecimentos deve-se, principalmente, aos
desmembramentos, com a criação de novos municípios, e ao fato de que, em 1950, havia menor
número de arrendamentos para derrubada de matas e formação de pastagens nas fazendas, ao
contrário de 1960 em diante, quando aumenta o número de estabelecimentos devido à ocupação
mais intensa da região.
Por outro lado, esta alteração não significou a desconcentração da terra, pois a área
média dos estabelecimentos de até 100 ha era de 34,7 ha em 1950, reduzido em 1985 para 12,0
ha. Os estabelecimentos acima de 1000 ha, passaram, neste mesmo período, de uma área média
de 2.549ha para 3.102 ha.

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II - A POSSE E CONCENTRAÇÃO DE TERRA NO SUL DE MATO GROSSO DO SUL

1 - ESPANHA E PORTUGAL: DISPUTA PELA HEGEMONIA


A disputa pela posse das terras do sul de Mato Grosso do Sul originou-se em um
passado distante, iniciando-se praticamente com a chegada dos europeus ao continente
americano, quando (Portugal e Espanha) passaram a disputar entre si o domínio desta terra,
procurando deslocar a linha divisória de Tordesilhas, a fim de ampliar seu território.
A Espanha procurou garantir seus domínios através da fundação de núcleos (fortes e
aldeias), como a de Buenos Aires, em l536, mais tarde destruída pelos indígenas, e,
posteriormente, com a fundação do Forte Nuestra Senõra de la Assunción em l537, às margens
do Rio Paraguai.
Com a chegada de Domingos Irala ao governo de Asunción, esse manda organizar
expedições a fim de conquistar efetivamente a região, chegando a pontos muito afastados de
Asunción, como o sul de Mato Grosso de Sul e Paraná. Foram fundados, aí, núcleos como o de
Ontivero, no encontro do Rio Paraná com o Rio Iguaçu, Ciudad Real del Guairá, próxima à foz

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do Rio Piquiri, Villa Rica del Espiritu Santo, próxima à foz do Rio Ivaí, e Santiago de Xerez em
Mato Grosso do Sul, no ano de 1580.
Desde os meados do século XVI, São Paulo tinha o controle de uma série de vias
fluviais que chegavam até Asunción. Irala, procura então, estimular a fundação de núcleos em
pontos estratégicos das possíveis rotas dos bandeirantes paulistas, a fim de rebater este controle
e as pretensões dos portugueses sobre o vale do Rio Prata. "Contudo, a verdadeira política de
penetração e defesa dessa parcela do território castelhano, a Província do Paraguai, foi realizada
pelos jesuítas (...) tendo como base material a fixação de aldeamentos indígenas e a sua
organização produtiva, sob o comando da Companhia de Jesus".5
Figueiredo (l968) chama a atenção para a atividade ervateira desenvolvida pelos
espanhóis em Asunción. Em l588, com a chegada dos missionários da Companhia de Jesus,
essa atividade teve um novo impulso, ao explorar os ervais de Guaíra e Maracaju, no noroeste
do Paraná e sul de Mato Grosso do Sul, respectivamente, distantes cerca de 100 a 200 léguas de
Asunción, o que proporcionava meios para assegurar aos castelhanos a posse das terras do sul
de Mato Grosso do Sul. "A par das explorações ervateiras, as autoridades espanholas e os
jesuítas cuidaram de explorar as distantes regiões dos ervais, movidos por outros motivos,
principalmente a posse efetiva da terra pelo governo espanhol e a organização da província
jesuítica pelos Missionários."6
Nas reduções jesuíticas, criava-se o gado, fabricavam-se tecidos, produzia-se e
comercializava-se erva-mate, essa quase totalmente controlada pelos missionários que, logo,
passaram a sofrer restrições às exportações pelo governo espanhol, além do problema
representado pelos bandeirantes paulistas que, partindo de São Vicente, atacavam as reduções,
como em Guaíra e Itatin, em l629 e l632, para capturar silvícolas a serem utilizados como mão-
se-obra escrava, já que entre l617 e l641 a Holanda monopolizava o fornecimento de escravos
negros provocando violenta elevação de seu preço. O ataque às reduções e o apresamento de

5 DAVIDOFF, Carlos . Bandeirantismo: Verso e Reverso. São Paulo,


Brasiliense, l986. p.4l.
6 FIGUEIREDO, Alvanir de. Presença da Atividade Ervateira em Mato
Grosso. P. Prudente. F.F.C.L, l968. Tese de Doutoramento, p.l99.

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indígenas surgiam como alternativas econômicas para os vicentinos, além de proporcionar
meios para garantir a posse daquelas terras.
De l580 a l640, com a União Ibérica de Portugal e Espanha, ficou facilitada a entrada de
portugueses em território espanhol, principalmente após a viagem de D. Luís de Céspedes
Xeria, governador do Paraguai, que utilizou o caminho fluvial do Tietê e Paraná para chegar aos
seus domínios; quando os bandeirantes chegaram a Assunción, onde mantiveram contatos
amigáveis com os paraguaios. Com o final da União Ibérica, tornaram-se comuns as invasões
dos territórios de ambas as partes.
Em l750, o Tratado de Madri, que levou em consideração o princípio do usucapião,
garantia a posse da terra àquele que tivesse efetivamente ocupado. No Tratado de Santo
Ildefonso, em l777, portugueses e espanhóis chegaram a um acordo sobre a fronteira de Mato
Grosso do Sul com o Paraguai, quando foi revalidada a lindeira de Igurey. Apesar deste acordo,
continuou havendo conflito entre as partes pela posse das terras da fronteira. Para assegurar o
direito de posse das terras do sul de Mato Grosso do Sul ao domínio de Portugal, Morgado
Mateus manda fundar na cabeceira do Rio Iguatemi, em l766, a Praça de Nossa Senhora dos
Prazeres do Rio Iguatemi.
A Colônia Militar resistiu até l777, quando foi atacada e destruída por forças
espanholas vindas de Assunción e comandadas por Agostinho Fernandez de Pinedo.7
Outra experiência de ocupação foi a instalação da Colônia Militar de Dourados, em
l86l, sediada na cabeceira do Rio Dourados, próxima a atual cidade de Ponta Porã.

2 - A GUERRA COM O PARAGUAI E A POSSE DAS TERRAS DO SUL DE MATO


GROSSO DO SUL
Em l8l5 com a independência do Paraguai do Vice-Reino do Prata, liderada por D.
Gaspar Garcia de Francia, entra em vigor, no Paraguai, uma política de isolamento que permitiu
o desenvolvimento das suas forças produtivas e militares.

7 ROSA, Pedro Angelo da. Resenha Histórica de Mato Grosso (Fronteira


com o Paraguai). Campo Grande, Livraria Rui Barbosa, l962. p. 7

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A estatização das terras permitiu grande desenvolvimento da pecuária, com o
surgimento das Estâncias de la Pátria, além do arrendamento de terras para a agricultura,
assegurando a auto-suficiência de arroz, algodão, milho e legumes, sendo reativada a
experiência de duas colheitas por ano, introduzida pelos jesuítas, mas desativada até o início do
governo de Francia.
Graças aos investimentos do Estado paraguaio, houve grande desenvolvimento da
manufatura, principalmente, da indústria têxtil, de papel, tinta e pólvora. A exportação de erva-
mate, algodão, tabaco, couro, cigarro e mel possibilitou superávits, que foram aplicados na
siderurgia, na produção de peças militares e na implantação de estaleiros em Asunción.
O desenvolvimento dos transportes, com a construção de uma ferrovia e o monopólio da
navegação interior, permitiu ao Estado controlar todo o comércio de exportação e importação.
Nessa época foi inaugurado o primeiro sistema telegráfico da América Latina.8
Chega ao governo do Paraguai Carlos Antônio Lopes e abandona a política de
isolamento adotada por Francia, procurando criar condições para proporcionar a expansão
paraguaia e para que suas mercadorias pudessem entrar no Uruguai, Argentina e Brasil,
principalmente na província de Mato Grosso, sendo para isso necessário o controle das vias
fluviais e a ocupação das terras do atual Mato Grosso do Sul, onde os limites das fronteiras não
possuíam a dimensão atual. A Tríplice Aliança entre Uruguai, Argentina e Brasil, financiada
por banqueiros ingleses, tomou providências, em lugar da Inglaterra, para impedir a expansão
do Paraguai.
A partir de l865, a fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai foi palco de
operações de guerra, onde praticamente não existia resistência brasileira, a não ser o pequeno
destacamento da Colônia Militar de Dourados, formado por l6 homens, que foram atacados por
forças paraguaias com o objetivo de ocupar a província de Mato Grosso, sendo destruído neste
mesmo ano e reestabelecido somente com o final da guerra. Depois de ocupada, o governo

8ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História: 1870-1929 ( Ensáio


sobre a transição do domínio da casa comercial para a hegemonia do capital
financeiro), Boletim Paulista de Geografia, São Paulo. AGB. n.6l, 1984, p.7.

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paraguaio cuidou logo de anexar a área compeendida entre o Rio Ivinhema, ao norte; Iguatemi,
ao sul; Rio Paraná, a leste, e a serra de Amambaí, ao oeste.
Após a destruição da colônia, as terras do sul de Mato Grosso do Sul, apropriadas por
Martins Urbieta em nome do governo paraguaio, foram transferidas à Madame Elisa Lynch,
que as adquiriu por uma quantia de l55.000 pesos entre outros bens, em dezembro de l865.
"Após a destruição da Colônia Militar de Dourados, vencida a resistência de Antônio João e
seus l5 soldados, Urbieta assenhoreou-se das terras devolutas do extremo sul de Mato Grosso,
cuja ocupação oficial resumia-se àquela Colônia. Cumprindo as instruções executivas do
decreto de Francisco Sanchez, procedeu-se às 'formalidades especificadas pela transmissão das
terras à adquirente, representada no ato respectivo'. Assistida por um pelotão de cavalarianos, a
cerimônia da imissão de posse foi realizada em 27 de dezembro de l865, quase um mês após a
queda de Dourados, à margem direita do Rio Ivinhema. 'A ocupação efetiva, iniciada em
fevereiro, não perduraria, diante das hostilidades naturais possuidores daquelas paragens, onde
não admitiam condomínio."9 Esta forma de transferência contrariava o regime de posse da terra
no Paraguai, pois todas as terras eram pertencentes ao poder público e poderiam ser apenas
arrendadas, mediante o pagamento da renda.
A guerra já durava dois anos e a dominação daquela área pelo governo do Paraguai era
absoluta, como pode ser observado através da Retirada de Laguna, em que uma expedição
brasileira, que partiu do Rio de Janeiro e invadiu o Paraguai, foi obrigada a fazer penosa retirada
daquele território, sendo seguida e atacada por forças do exército paraguaio até às proximidades
de Aquidauana.
Desde a Retirada de Laguna até l870, data final da guerra, ocorreram muitas batalhas
nos variados pontos do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai, quando chega à Serra de
Amambaí, perseguido pelo exército inimigo, Francisco Solano Lopez, acampando em vários
lugares da fronteira com o Brasil. Em l de março foi morto às margens do Rio Aquidabam, em
Cerro Corá, pelas forças comandadas pelo general Câmara, encerrando-se aí aquela que foi a
mais cruenta guerra entre países Sul-Americanos.
9FIGUEIREDO, Alvanir de. Op. Cit., p.223.

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As terras brasileiras que foram adquiridas por Elisa Lynch no início da guerra, foram
motivo de investida, a partir de l892, pelo seu filho, Enrique Venâncio Solano Lopez, que se
dirigiu ao Cartório de Imóveis de Corumbá com documentos que comprovavam a transferência
de posse de uma área de 33.175,30 quilômetros quadrados de Elisa Lynch a Venâncio Solano
Lopez e João Batista Médici, que reivindicavam a posse daquela terra. "...pretendia reivindicar
a posse das terras situadas entre os Rios Ivinhema ao norte, Paraná a leste, Iguatemi ao sul, e
serra de Amambai ao oeste, num total de 33.l75,30 Km (...) Pretendia o requerente provar seu
domínio privado e pedia restituição de todo o território ocupado pelo Estado, pagamento de sua
utilização e indenização dos danos causados.
Subindo os autos à instância do Superior Tribunal Federal, este proferiu sentença em
dezembro de l902, considerando que as referidas terras eram devolutas e como tais faziam parte
do patrimônio da nação".10
Outra pretensão de apossar-se de imensa área de terra (90.000 km2) foi empreendida
pelos herdeiros do Barão de Antonina, em l90l.
Até a primeira metade do século XIX, as terras do sul de Mato Grosso do Sul eram
habitadas por indígenas e poucos haviam penetrado nesta região. Sendo todas terras devolutas,
o primeiro desbravador tomava posse.
O Barão de Antonina, Senador do Império, sabendo da elaboração da lei de terras,
promulgada com o n. 60l,11organizou plano com objetivo de garantir a posse das terras
devolutas depois de l850. Incumbiu, então, o sertanista Francisco Lopes, com uma equipe para
fazer o reconhecimento da região, obter informações e justificar a posse. Após o

10 ROSA, Pedro Angelo da . Op. Cit., p.4l.


11 A lei de terras de l850, promulgada sob o número 60l, regulamentava e
colocava fim ao sistema de posse, já que, nesse regime, a terra estava livre e
a pessoa instalava-se numa área cultivava durante um certo tempo e
solicitava o documento. Vigorou de l820 a l850. A partir desta data, segundo
a lei em seu Art. 1, ficava proibida a aquisição de terras por outro meio que
não a compra. Eram fixados preços mínimos, muito superiores do que aqueles
praticados no País.
A todos aqueles que tivessem começado cultivar o solo ou
justificassem seu direito era permitido o registro num prazo de até 4 anos
após a promulgação da lei, ou seja, até l854.

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reconhecimento, Francisco Lopes seguiu para Miranda e mandou fazer as escrituras nas quais
os supostos posseiros vendiam as terras para o Barão de Antonina.
Após a morte do Barão, em l875, a posse ficou abandonada com exceção da fazenda
Sete Voltas. Em l901, os herdeiros do Barão requereram o registro das terras, o que foi feito e
as terras vendidas a João Abbott, sendo a demarcação do imenso latifúndio impedida por
moradores, posseiros, proprietários, políticos da região, etc. Muito se debateu sobre a questão,
que chegou ao Superior Tribunal Federal, onde foi vencida, Também não tiveram êxito as
pretensões dos herdeiros do Barão de Antonina em apossar-se de imensa área de terra.
Esta foi uma das pretensões de apropriar-se privadamente de imenso latifúndio no sul
de Mato Grosso do Sul, mas aquela que muitas consequências trouxe à geografia, à economia e
à vida de relações sul-mato-grossenses, foi o arrendamento feito pela Cia Mate-Laranjeira,
junto ao Império em l882.

3 - A POLÍTICA DE TERRAS APÓS A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E A AÇÃO


DA CIA MATE-LARANJEIRA
Com a Proclamação da República, a política fundiária passou para a competência dos
Estados. A descentralização do poder da União com a República transferiu o poder sobre a terra
para as oligarquias regionais, que passam a decidir sobre a sua propriedade dentro do domínio
estadual, monopolizando a sua posse e colocando em prática a política de concentração, quando
ocorre a transferência das terras devolutas do Estado através da venda e arrendamento a
grandes fazendeiros e empresas capitalistas que atuam neste setor.
Aqui deve ser considerado que, com a abolição da escravatura, ocorrem alterações na
ordem social e econômica pois, durante o período escravista, a posse de escravos era a forma de
exercer o poder, e após a Lei de Terras, extinção do tráfico de escravos e a escravidão, a
propriedade da terra passou a ser o principal instrumento de monopólio do poder, controle social
e econômico. Se, até a primeira metade do século XIX, o domínio pertencia ao senhor de
escravos, agora, não; o domínio pertenceria ao senhor de terras!

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Para garantir o domínio estadual, as oligarquias regionais lançam-se sobre as terras de
Mato Grosso do Sul, pois a política fundiária havia sido passada para a responsabilidade do
Estado. "Disso se aproveitou a burguesia mato-grossense para estabelecer, segundo suas
conveniências, a regulamentação da venda, arrendamento e doação de terras. Foi sensível,
então, a formulação de uma política fundiária que se desenvolveu sob a égide da concentração.
O Estado(...) passou a doar aos colonos, gratuitamente, área de no máximo 50 hectares, quando
destinadas à agricultura, e de 200 hectares, quando destinadas a pecuária. A compra e o
arrendamento, porém, livres de qualquer cerceamento, incidiam sobre áreas gigantescas. Os
ervais do sul mato-grossense, por exemplo, tiveram sua exploração monopolizada pela
Companhia Mate-Laranjeira, ligada ao Banco Rio e Mato Grosso..."12 Acrescente-se a isso o
ardil utilizado por proprietários que subornavam agrimensores no procedimento de demarcação
das áreas. Áreas várias vezes maiores que as legalmente demarcadas e adquiridas do Estado
como terra devoluta.
Através da tabela abaixo, com os dados sobre o número de títulos provisórios,
definitivos e concessões de terra expedidos pelo Estado, podemos perceber como se
desenvolveu o processo de concentração fundiária em Mato Grosso, comandada por sua classe
dirigente.

NÚMERO DE TÍTULOS E CONCESSÃO DE TERRA EXPEDIDO PELO ESTADO(MT)


Discriminação 1908 1914 1921 l926 1929
Tít. Provisórios 49 126 183 89 107
Área Abrangida 101.973 318.398 402.362 200.002 223.395
Área Média 2.081 2.527 2.199 2.247 2.088
Tít. Definitivos 25 l7 50 76 61
Área Abrangida 121.002 386.732 340.200 427.179
Área Média 8.840 7.735 4.476 7.003

12 ALVES, Gilberto Luiz. Op. Cit. p. 30/1.

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Conc. Gratuitas 14 51
Área Abrangida 700 2.950
Ärea Média 50 58
Fonte: CORREIA, Mario. (l927), p.152; COSTA, Pedro Celestino Correia. (1909), p. 15; COSTA, Pedro Celestino
Corrêa da. (1922), p. 59-60; MARQUES, Joaquim Augusto da. (1915), p. 48/9; TOLEDO, Anibal. (1930), p. 80.
( In ALVES, Gilberto Luiz: 1984:44)
Tomando-se o ano de l921 como exemplo, podemos observar que foram concedidos,
através de compra, 233 títulos provisórios e permanentes, abrangendo uma área total de 789.094
ha, enquanto que as concessões gratuitas, que desencadeiam uma ação contrária à concentração
fundiária, são 5l, para uma área total de 2.950 ha, bem menos expressivas que a aquisição
através de compra.
A concessão gratuita de terras soaria como uma atração para trabalhadores despossuídos
de terra de outras regiões, política que o Estado abandonou, deixando por conta das
colonizadores particulares, cujo empreendimento está exclusivamente voltado para o lucro,
impedindo a intensificação do processo migratório de trabalhadores que não possuíam recursos
para comprar terra.
Assim, a expansão da pequena propriedade esteve controlada de forma rígida, cujo
resultado é demonstrado através de seu pequeno crescimento. No sul de Mato Grosso do Sul a
expansão da pequena propriedade esteve controlada pela Cia Mate Laranjeira, através do
monopólio de exploração de erva-mate. Isso não permitiu o desenvolvimento de pequenas
propriedades, nem mesmo para que os pequenos proprietários servissem como mão-de-obra na
coleta de erva-mate, com a formação dos chamados "viveiros" de mão-de-mão. Essa era
recrutada no Paraguai, onde mais de três mil trabalhadores paraguaios chegavam perto da
margem do Rio Paraná fazendo a coleta daquele produto para a empresa monopolista. Foram
encontradas nas regiões dos ervais, próximas ao Rio Paraná, sepulturas com indícios da
presença da cultura paraguaia.
A pequena propriedade é um fator de grande importância para o povoamento de uma
área, pois torna-se a força de atração de pessoas, principalmente sem terra, permitindo maior
concentração da população e ocupação de uma região. No sul de Mato Grosso do Sul, foram

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colocados obstáculos ao crescimento do número de pequenas propriedades devido, entre outras
razões, à disputa que havia entre o Sul e o Norte do Estado de Mato Grosso.
Essa rivalidade entre Sul e Norte do Estado foi, conforme LIMA (1978), fato que
asfixiou o desenvolvimento do Sul, pois a presença do latifúndio seria condição para o seu não-
desenvolvimento. "Que tempos houve, em que se procurou asfixiar o desenvolvimento do sul,
disto não resta a menor dúvida.
Comprovemos o fato:
No ano de l909, um deputado do norte, João da Costa Marques, apresentou um projeto à
Assembléia Legislativa Estadual, autorizando a venda de extensas áreas de terras, por preço
mínimo, na zona fronteiriça; com o que se criaria imensos latifúndios, que dificultariam
sobremaneira o povoamento do Sul, que para o deputado e autor do projeto, seria um grande
mal para o Norte no futuro."13
Outra consequência dessa rivalidade, é a idéia de separatismo, existente desde 1900,
liderada por caudilhos rio-grandenses, principalmente, que se degladiavam entre si, estimulados
por grupos dirigentes do Norte.
Terminada a guerra com o Paraguai, foi firmado o tratado de limites entre Brasil e
Paraguai. A Comissão de demarcação de limite era chefiada por Rufino Eneas Gustavo Galvão,
que, mais tarde, tornar-se-á o Barão de Maracaju. Partindo da foz do Rio Apa, os integrantes da
Comissão foram construindo marcos nas cabeceiras do divisor de água, chegando ao Rio
Paraná, na região de Sete Quedas.
A Comissão de Demarcação era abastecida por uma loja de Porto Alegre e tinha, como
funcionários, Ernesto Paiva e Tomaz Laranjeira, época em que este tomou conhecimento dos
ervais do sul de Mato Grosso do Sul.
Terminados os trabalhos de demarcação, Ernesto Paiva voltou para o Rio Grande do
Sul e Laranjeira, que recebeu como pagamento três carretas e dois bois, resolveu ficar em Mato
Grosso com intenção de explorar os ervais. De início, os trabalhos foram modestos e, em

13 LIMA, Astúrio Monteiro de. Mato Grosso de outros Tempos: Pioneiros e


heróis. São Paulo, Soma,1978. p. l56.

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dezembro de l882, conseguiu o monopólio de exploração dos ervais dos terrenos devolutos
entre os marcos Rincão do Júlio e Cabeceira do Rio Iguatemi, graças à influência do Barão de
Maracaju no Império. Contribuiu também para a concessão do monopólio, os favores e proteção
do General Antônio Maria Coelho (primeiro governador de Mato Grosso), amigo de Laranjeira
desde a época da demarcação da fronteira. Mais tarde, o governo da província iria contribuir
novamente para que fosse ampliada a área arrendada, que ia do Rio Ivinhema ao Iguatemi e do
Rio Paraná à cabeceira do Rio das Onças.
Vieram associar-se à empresa os irmãos Murtinho, personagens de grande influência na
política do Estado. Para um empreendimento de tamanho vulto era necessário grande montante
de recursos, que foram conseguidos com a junção da empresa monopolista ao Banco Rio-Mato
Grosso, dirigido por Joaquim Murtinho. Mais tarde, associou-se à Companhia Laranjeira,
Francisco Mendes Gonçalves, de Buenos Aires, comprador exclusivo de erva-mate da
Laranjeira, constituindo-se, assim, a empresa Laranjeira Mendes & Cia que, em l.902,
monopolizava a exploração de erva-mate numa área arrendada superior a 3 milhões de hectares,
que ia do Ivinhema ao Iguatemi, como podemos observar no mapa abaixo, além de 27l.026 ha
adquiridos através de compra nos município de Bela Vista e Ponta Porã.
A administração da empresa localizava-se em Capivari, na boca da Picada de Chiriguelo
no Paraguai, depois foi transferida para o Brasil. As exportações eram feitas por terra até
Concepción, chegando ao Rio Paraguai e pelas picadas de Nhú-verá e Ipehum.
Com a construção do Porto Murtinho, estradas carreteiras e de ferro, como a São
Roque-Porto Murtinho, as exportações de erva e importação de outros produtos passaram a ser
feitas também por aí. Buscando outras vias mais econômicas, a erva-mate passou a ser
transportada principalmente pelos rios Amambai, Iguatemi, Dourados, Brilhante e Ivinhema,
tributários do Paraná. Chegando até Guaíra, a erva era exportada para a Argentina.
A empresa cresceu muito, tornando-se um poderoso grupo econômico, como podemos
constatar através de suas exportações e do volume de produção, excedendo os 3.750.000 quilos
anuais após a concessão de l894. Possuia uma receita bruta que chegou, em l922, a ser, cinco
vezes maior que a arrecadação do Estado e, também, era a maior credora do governo mato-

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grossense com grande poder de interferência nas decisões políticas, econômicas e sociais do
Estado. Podemos citar como exemplo, a "questão do Mate" (polêmica sobre a renovação do
contrato de arrendamento dos ervais), para demonstrar o poder da Empresa Mate Laranjeira.

MATO GROSSO: EXPORTAÇÕES DE ERVA-MATE (1906-1940)


Quinquênio Total (ton.) Média Anual Valor impos. expor.
1906-1910 25.117 5.023,5 1.384:519 $
1911-1915 27.535 5.507,0 1.540:357 $
1916-1920 31.642 6.318,4 1.632:305 $
1921-1925 44.957 8.991,4 2.319:544 $
1926-1930 65.904 13.180,8 4.467:628 $
1931-1935 49.131 9.826,2 3.336:028 $
1936-1940 60.695 12.139,0 3.336:028 $
Fontes: Album Gráphico... (19l4), p. 102/120: CORREIA, Mario, (1927), p. s/n; CORRÊA FILHO, Virgílio. (1922);
LIMA, Archimedes (1941), p. s/n; PIRES, Manoel Ary da Silva, (1937), p. s/n. (in: ALVES, 1984: 71)

PRINCIPAIS PROD. EXPORTADOS DE MATO GROSSO (Val. Arrec. em Mil Reis)


Especificação 1879 1885 1893* 1899*
Gado Vacum em pé 9:503$ 11:006$ 20:000$ 47:200$
Couros 14:006$ 31:100$ 87:000$
Erva-Mate 16:854$ 200.000$ 250:000$
Borracha 5:000$ 60:000$
Ipecacuanha 4:336$ 30:000$ 21:400$
Caldo de Carne 3:320$
Total Imp. Arrecadado 17:149$ 51:341$ 286:600$ 467:540$
* Estimativas Orçamentárias
Fontes: Album Gráphico... (1914), p.101; ALENCASTRO, José Maria de (1982), p.s\p; FERREIRA, José Joaquim
Ramos (1887), p.s\p; PIMENTEL, Joaquim Galdino (1886). p.s\n. (in: ALVES, 1984:21)
Os primórdios da "questão do mate" estão relacionados com a corrente imigratória do
Rio Grande do Sul, quando muitos gaúchos deslocaram-se para o Estado de Mato Grosso a
partir de l.893.
Durante a guerra com o Paraguai, na Serra de Amambai, com a Coluna do General
Câmara, muitos combatentes tomaram conhecimento da existência de campos devolutos que

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poderiam ser utilizados na prática da pecuária, e levaram estas informações para o Rio Grande
do Sul, com o final da guerra.
No ano de l893, inicia-se grande agitação entre os membros do Partido Federalista
(Maragatos) e do Partido Republicano (Chimangos), marcando o início da Revolução
Federalista. Este conflito foi a razão principal da saída de muitos rio-grandenses em busca de
outras terras, fugitivos das perseguições políticas.
A existência de campos propícios à pecuária e formações ervateiras foram informações
levadas pelos combatentes da guerra e por aqueles que haviam chegado ao sul de Mato Grosso
do Sul, antes da Revolução Federalista, além de saberem que lá prosperava a indústria ervateira
de um gaúcho (Tomaz Laranjeira), atraídos, se dirigiram para aquela região. Entretanto, "Não
foi apenas a erva-mate que atraiu povoadores para o sul de Mato Grosso. Foi, realmente a
pecuária que estimulou mais a ocupação por parte de rio-grandenses fugidos do sul".14
Em vários municípios do Rio Grande do Sul, eram organizadas comitivas,
principalmente em São Borja e São Luiz Gonzaga. Vinham a pé, a cavalo ou em carretas, e
entravam em Posadas, atravessavam o Rio Paraná, alcançando Encarnación, onde a maioria
seguia por Villa Rica e San Pedro entrando no Brasil por Ipehum. Outros seguiam até
Asunción e Concepción, entrando pela picada de Chiriguelo em Ponta Porã, e daí para Bela
Vista, Miranda, Aquidauana e Campo Grande.
Fixaram-se na terra, mas contra a sua permanência existiam os indígenas e a empresa
monopolista Mate Laranjeira, que os considerava intrusos, já que representavam uma ameaça de
limitação da área de exploração, pois as reivindicações dos migrantes pela posse eram
constantes, mas raramente seus requerimentos de terra junto ao Estado obtinham despacho
favorável em vista do protesto da Cia Mate Laranjeira. Isso dificultou a ocupação e o
povoamento da região.
A preocupação dos defensores da Mate Laranjeira pode ser observada através da carta
de Manoel Murtinho a Generoso Ponce, em 1907, líder maior da burguesia comercial no Estado
de Mato Grosso. Diferente dos paraguaios que entram na região apenas para o corte de erva e
14 FIGUEIREDO, Alvanir de. Op. Cit., p. 2l8.

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depois volta para sua terra, os rio-grandenses tinham objetivo de fixar-se permanentemente na
terra e "... na situação cada vez mais melindrosa em que vai entrando o sul do Estado com a
desordenada corrente imigratória rio-grandense, que, sem o menor obstáculo, vai se apossando
de terras devolutas, conviria pôr paradeiro às ambições desenfreadas dessa gente que, dentro em
pouco, ficará avassalando aquela região, constituindo um estado no Estado, subtrair-lhe ao
alcance o território ainda desocupado, e isso só se faria, insensivelmente arrendando ou
vendendo lotes desse território à uma emprêsa importante, maxime explorada por companhia
estrangeira poderosa com a qual os forasteiros e imigrantes não quereriam e nem poderiam
travar luta, porque esta seria até capaz de provocar a intervenção da União."15
Generoso Ponce, na qualidade de futuro Presidente do Estado, tinha planos de lotear a
área dos ervais em glebas de 450ha, mediante o seu parcelamento, semelhante ao que ocorrera
nos Estados do Sul (PR-SC-RS), onde o cultivo era feito em pequenas propriedades,
proporcionando condições de povoamento da área de abrangência do arrendamento da empresa
Mate Laranjeira. O choque dessas aspirações, entre a Empresa monopolista e de Generoso
Ponce, resultou no adiamento da discussão para quando se aproximasse o encerramento do
contrato de arrendamento em l9l6.16
A primeira concessão foi realizada em l882, através do decreto 799, sendo renovada em
l894. Em l907, a empresa voltou a pedir a manutenção de seus privilégios, apresentando um
longo memorial solicitando, entre outros benefícios: " A) Prorrogação do monopólio por mais l4
anos, até l930; B) Permissão para organizar fôrça policial, 'que ela julgar conveniente para
manutenção da ordem, cumprimento da cláusula antecedente (que vedava a estranhos
permanecerem nos ervais sem a sua autorização) e defesa de outros interêsses comuns às duas
partes(Estado e Emprêsa)"17. Sendo analisada pela Assembléia, esta negou seu atendimento
julgando pouco proveitoso devido ao baixo preço do arrendamento, além de criticar as
15 CORRÊA FILHO, Virgílio. Joaquim Murtinho. Rio de Janeiro, INL,
1951, p.189.
16 _____________ História de Mato Grosso. Rio de Janeiro, INL, l969, p.
603.
17 _____________Ervais do Brasil e Ervateiros. Rio de Janeiro, Ministério
da Agricultura,1957. p.62.

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pretensões, pois a Assembléia não poderia fazer concessão no sentido de colocar força policial
a serviço da empresa monopolista. A companhia solicitava do Estado apenas a formalização do
item acima, pois havia força policial própria da empresa na região dos ervais. "Visando conter
as constantes fugas e manter a ordem nos seus domínios, a empresa criou a sua própria polícia,
formada por assassinos a soldo, que eram conhecidos na região sob a designação de
'comitiveiros'. Para ilustrar a sua ação sanguinária, na fronteira sul de Mato Grosso, são
contados casos de grupos de trabalhadores paraguaios que, em breve lapso, tendo se deslocado
para a região, foram aniquilados em sua totalidade."18
Em l9l2, a empresa julgou conveniente repetir seu requerimento, uma vez que o
governo não tinha oposição na Assembléia. Mesmo fora do governo, Pedro Celestino, liderança
política em Mato Grosso posicionou-se contra a manutenção do monopólio, encontrou respaldo
na Assembléia e dez dos vinte e quatro deputados não compareceram à sessão impedindo a
votação do projeto. A Empresa pediu desistência do referido requerimento.
A solução para a "questão do mate" foi o fim do monopólio, através da lei 725 de l9l5,
que reduzia a área do arrendamento para l.440.000 ha, em vez de "terra sem fim", a ser
arrendada à Empresa Laranjeira ou a quem oferecesse melhores vantagens. Aos ocupantes de
terra na área do arrendamento, seria garantida preferência para aquisição de até dois lotes com
3.600 ha cada.
Segundo CORRÊA FILHO (l969), a "questão do mate", com o fim do monopólio, foi
uma vitória dos pequenos posseiros, mas rebatida por LIMA (l978) e ALVES (l984), que
interpretaram da seguinte forma: A solução da questão foi mais favorável à Empresa
Monopolista do que aos posseiros, pois estes eram produtores particulares de erva-mate que
ficaram subjugados aos interesses do grande capital. "Estes passaram a girar sob a órbita de
influência da Empresa Laranjeira Mendes & Cia., que lhes comprava toda a produção de erva-
mate com base em preços que ela própria fixava(...) pois a empresa dominava os transportes e,
como decorrência, o escoamento da produção."19 , e também como um choque entre as duas

18 SEREJO, Helio. Apud ALVES, Gilberto Luiz. Op. Cit., p. 53


19 ALVES, Gilberto Luiz. Op. Cit., p.53

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facções da burguesia: a comercial, ligada aos imigrantes gaúchos e aos posseiros, e a burguesia
financeira, representada pela Empresa Mendes Laranjeira & Cia.
Os produtores particulares, fracos, financeiramente, se comparados com a poderosa
Empresa monopolista, viam-se obrigados a vender o produto exclusivamente à Mate Laranjeira,
que possuía imenso aparato de transporte: mais de 500 carretas, 30 chatas, lanchas à vapor, boas
estradas, l8 mil bois para carretas, estradas de ferro, monopolizando a navegação do Rio Paraná
e seus afluentes que davam acesso ao Porto de Guaíra e, daí, aos mercados de erva-mate na
Argentina onde era exportada a maior parte da produção. Observamos que os posseiros não
eram tão frágeis a ponto de serem denominados como "pequenos posseiros", pois a maioria era
integrada imigrantes gaúchos, fazendeiros e caudilhos, fugidos do Rio Grande do Sul.
Além da atuação da Mate Laranjeira, várias outras empresas ligadas ao capital
financeiro organizaram sua produção na exploração de grandes áreas de terra para a prática da
pecuária, como a Brasil Land, Cattle And Packing Co. com 2.553.200 ha, The Brazilian Meat
Company com 3l6.0l0 ha, Territorial Franco-Brasileira, com 4l4.803 ha, The Miranda Estância
Company com 219.506 ha, além de outras empresas, intensificando-se o processo de
concentração de terras em Mato Grosso do Sul.20

4 - A PECUÁRIA E A OCUPAÇÃO DO SUL DE MATO GROSSO DO SUL


A exploração do ouro em Mato Grosso levou ao surgimento da criação de gado. Com o
escasseamento do ouro, muitos passaram a dedicar-se à criação de animais, impulsionando a
pecuária nessa região.
A povoação e ocupação do território sul-mato-grossense teve início na segunda metade
do Século XIX com a expansão das fazendas de gado.
Com a intensificação das relações de produção capitalistas, que na fase imperialista,
ultrapassa a livre concorrência, ocorre uma maior divisão regional do trabalho. Mato Grosso do
Sul passaria a organizar sua produção de acordo com esta nova ordem econômica,
especializando-se na produção de certas mercadorias.
20 Id. Ibid. , p. 43.

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Esta divisão regional do trabalho que condiciona a produção de gado para Mato Grosso
pode ser observada através da forma como outras atividades, industriais principalmente
(indústria de açúcar e de charque, como exemplo) foram sufocadas no final do século XIX,
como demonstra ALVES (1984).
A indústria açucareira teve sua expansão em fins do século XIX, principalmente depois
da inauguração da usina Itaici, que supria as necessidades do mercado regional, mas que
encontrou grande abstáculo para o seu desenvolvimento devido à modernização ocorrida nas
usinas de São Paulo por serem adquiridas por grupos monopólicos franceses; dificuldades de
exportação de açúcar para o Paraguai devido às barreiras protecionistas colocadas a este
produto e à dificuldade de compertir com os baixos preços praticados na Bolívia;
estabelecimentos de cotas de produção com a criação do IAA, a fim de evitar a superprodução.
Os grupos do centro-sul não foram prejudicados com essa medida, pois eles exerciam maior
pressão para o aumento de suas cotas. As usinas de Mato Grosso, com capacidade ociosa,
tornaram-se inviáveis à pratica dessa atividade, acabando em completa decadência.
A indústria de charque de Mato Grosso expandiu-se na mesma época em que se
instalavam os grandes frigoríficos industriais em São Paulo. As charqueadas de Mato Grosso
tiveram crescimento enquanto a atuação desses monopólios estava mais centralizada na região
platina (Argentina e Uruguai). Os Saladeiros e charqueadas já haviam sucumbido por não
sobreviverem diante do grande capital, representado pelos frigoríficos industriais que pagavam
melhores preços aos pecuaristas.
A partir de l9l5, o grande capital irá promover um melhoramento do rebanho do Estado,
com a criação de outras raças de puro sangue, principalmente depois da abertura da estrada nas
matas de Indiana (Indiana- Porto Tibiriçá, no rio Paraná), e a construção de outras estradas
boiadeiras que permitiram a penetração nos "sertões de Mato Grosso". Papel de destaque
tiveram os boiadeiros que trocavam gado de melhores raças por gado magro em Mato Grosso.
Com o melhoramento do rebanho, foi possível seu aproveitamento pelos frigoríficos de São
Paulo, já que, antes, o rebanho sul-mato-grossense, de inferior qualidade somente seria viável
economicamente se aproveitado em saladeiros e charqueadas.

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Mas o golpe fatal nas indústrias de charque seria a construção da estrada de ferro
Noroeste do Brasil, que levou essa indústria à estagnação, após l925. A contrução da Ferrovia
Noroeste do Brasil foi guiada mais por interesses econômicos do que geopolíticos, quando foi
interpretada como forma de integração nacional e com objetivos imperialistas. Essa ferrovia,
antes de tudo, proporcionou meios para o barateamento do transporte de gado, reforçando as
empresas monopolistas do setor frigorífico de São Paulo, em detrimento daquelas sediadas no
eixo platino (Buenos Aires e Montevidéu), deslocando, assim, a hegemonia econômica para São
Paulo.21
A construção da ferrovia foi financiada por capitalistas franceses e belgas, com o
objetivo de transportar gado vivo, para serem abatidos e industrializados nos frigoríficos de
São Paulo.
Transportando o gado em pé, um vagão leva consigo carga ociosa, se comparada com o
transporte do mesmo gado já morto e transformado em charque. Fazendo isso, provocaria o
barateamento dos fretes, mas levaria a uma violação da função econômica que fora atribuída
pelo capitalismo ao Mato Grosso do Sul na divisão regional do trabalho, uma vez que as
indústrias de carnes estariam em Mato Grosso e não em São Paulo. Por isso, à esta ferrovia
caberia transportar o gado vivo, pois não poderia e nem possuía infra-estrutura para o
transporte do gado abatido.
A construção da Ferrovia Noroeste do Brasil é o fato que consolida a verdadeira
"vocação" de Mato Grosso do Sul e que acaba provocando transformações na pecuária,
principalmente nas áreas próximas aos trilhos da ferrovia, além de outras transformações na
economia do Estado. Aí ocorre elevação dos preços da terra; as cidades por onde passa a
ferrovia ganhavam novo impulso, como foi o caso de Campo Grande, Miranda e Aquidauana,
centros de compra de gado; grileiros se apossam de grande áreas de terra entrando em conflitos
com posseiros; sem contar o intercâmbio de mercadorias.
As áreas mais distantes dessa estrada de ferro e, onde a vegetação de cerrado não
ocorria com maior frequência, sofreram influência indireta, como foi o caso das áreas
21 Id. Ibid., p. 65.

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florestadas do sul de Mato Grosso do Sul, que serão ocupadas mais tarde, com a prática da
pecuária, e utilizadas para a engorda de gado magro trazido pela Noroeste da região pantaneira,
já que as pastagens dessa nova área são artificiais ou melhoradas.
Assim, o sul de Mato Grosso do Sul ficou como uma área à margem da Noroeste,
principalmente pela distância de seus trilhos. Essa região será ocupada, a partir das décadas de
50 e 60, com o avanço da "marcha pioneira" e com a prática da atividade pecuária.
A construção da Ferrovia Noroeste do Brasil, o deslocamento dos monopólios das
regiões platinas, e a instalação de frigoríficos industriais em São Paulo no início do século XX,
resultou na divisão regional do trabalho, onde Mato Grosso do Sul se especializaria na atividade
criatória.
Criadas estas condições, no início deste século, Mato Grosso do Sul assume sua
verdadeira "vocação", que, em vez de diversificar a sua produção, exportaria gado bovino em
pé. É neste sentido que a pecuária do Estado passa a desenvolver-se e, com ela, a concentração
de terra.

A relação de trabalho, predominantemente assalariada, surge na região com


territorialização do capital e o avanço da "frente pioneira" paulista. No entanto, as relações
capitalistas de monopólio se fizeram presentes desde o final do século XIX, como se pode
observar pela disputa entre Paraguai e Brasil; pela ação da Cia Mate Laranjeira na região; pelas
limitaçãoes ao desenvolvimento da indústria regional (charque e açúcar) e criação de infra-
estrutura para beneficiar as empresas monopolistas de São Paulo; o estabelecimento da divisão
regional do trabalho, como demonstra ALVES (1984) em seu estudo sobre a Casa Comercial e
o Capital Financeiro em Mato Grosso.
O sul de Mato Grosso do Sul foi ocupado através de duas frentes colonizadoras. Uma
mais antiga, formada por imigrantes vindos do Rio Grande do Sul no final do século XIX e
início do XX, que buscavam áreas de campos para a prática da pecuária e a atividade ervateira,
em áreas de topografia mais elevada na Serra de Amambaí; e outra, mais recente, no reverso da
"cuesta" da serra de Amambaí, próxima aos limites com os Estados de São Paulo e Paraná, em

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áreas onde predominam as florestas. A ocupação dessa última área foi feita, basicamente, por
paulistas, paranaenses e nordestinos, no processo de expansão da "frente pioneira" para o oeste.
A concepção de "frente pioneira" nem sempre tem o mesmo conteúdo, variando de
acordo com a conotação das disciplinas. Na concepção geográfica (Monbeig), a "frente
pioneira" é entendida a partir da ocupação de novos espaços e da mobilidade espacial. "O 'novo',
que é uma das dimensões do conceito de zona pioneira, é novo apenas na ocupação do espaço
geográfico e não na estrutura social."22
A expansão da fronteira não se dá de forma gradual e contínua (equilibrada), mas por
ondas de ocupação.
Sem escamotear o sentido geográfico de "frente pioneira", Martins (1975) imputa-lhe
significado sociológico. Fala do avanço e intensificação das relações capitalistas (estrutura
social) no novo espaço do capital e distingue dois momentos na ocupação de territórios: a frente
de expansão e a frente pioneira.
Aqueles que não tinham o direito à terra no Regime de Sesmaria, quando a apropriação
da terra dava-se pela concessão do poder imperial, bem como aqueles que não tinham
condições financeiras para adquiri-las, através de compra, como determinava a lei n.601 de
1850, deslocavam-se para o interior, isto é, para a frente, buscando a terra desocupada para abrir
uma posse.
Com a expansão do capitalismo, o posseiro será deslocado e passa a avançar sobre as
terras indígenas, pressionado pelo capital, preparando campo para o avanço da "frente pioneira".
A terra ocupada e situada entre o território do fazendeiro e a sociedade tribal, é
resultado do fenômeno chamado frente de expansão. Aí se destaca a figura do posseiro. Sua
economia não pode ser classificada como natural, já que está integrada através do valor de troca
do excedente aí produzido, realizado na economia de mercado. No entanto, as relações não são
determinadas pela produção de mercadorias.

22 MARTINS, José de Souza. Tradicionalismo e Capitalismo. São Paulo,


Pioneira, 1975. p.45.

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A "frente pioneira" vem num segundo momento, quando as relações capitalistas
tornam-se imperativas, e avançam sobre as terras dos posseiros, surgindo aí os conflito de terra
entre posseiros e fazendeiros. A "frente pioneira", se caracteriza pelo empreendimento
econômico; propriedade privada da terra (concebida como mercadoria e adquirida através de
compra); e produção voltada para o mercado.
A "frente pioneira" leva a incorporação de novas regiões à economia de mercado, com a
territorialização do capital, apresentando-se como uma fronteira econômica, que segundo
Martins (1975), está aquém da demográfica, e o espaço entre as duas, é o espaço da frente de
expansão.
A distinção entre frente de expansão e frente pioneira nem sempre ocorre de forma
nítida, já que não existe ocupação demográfica sem ocupação econômica e, às vezes, a
especulação de terras (ocupação econômica) surge sem que necessariamente ocorra a ocupação
demográfica.23 Esse fato pode ser observado na colonização do sul de Mato Grosso do Sul,
quando a apropriação da terra ocorreu antes da ocupação mais intensa, com as fazendas de
proprietários paulistas e paranaenses. A presença do posseiro era marcante na margem do Rio
Paraná e a ocupação da terra, rarefeita, dispersa e em dimensão reduzida.
Quando a "frente pioneira" paulista chegou às terras próximas a Mato Grosso do Sul,
ainda no Estado de São Paulo, à margem esquerda do Rio Paraná, a marcha para o oeste não era
exclusivamente a marcha do café, pois este já havia passado por crises de superprodução e
muitos fazendeiros já se dedicavam à atividade pecuária, conforme argumenta MONBEIG.
(1984) "Entre Barretos e Presidente Prudente, ao sul, passando por Olímpia, Novo Horizonte e
Rio Preto, todos ao norte do Tietê, e Araçatuba, e Santo Anastácio, ao sul, estima-se que
aproximadamente 50.000 Km2 de mata virgem transformaram-se em pastagens."24

23 PEREIRA, Alberto Carlos Lourenço. Garimpo e a Fronteira Amazônica


(As transformações dos anos 80). Belo Horizonte. UFMG, 1990. Disertação
de Mestrado, p. 46
24 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo,
Hucitec-polis, l984 . p.302.

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A cultura do café desfrutava de uma posição extrememente privilegiada na economia
brasileira, até a última década do seculo XIX, com preços elevados no mercado internacional e
elevação da produção. Em l896, o café enfrenta sua primeira dificuldade, quando os preços
começam a declinar e os estoques se acumular Aliada a esta primeira crise de superprodução
encontra-se a crise financeira vivida no País, que se abre para o sistema financeiro internacional
com participação na comercialização do café.
Nos primeiros anos de crise, o preço do café não oscilara muito. Em l905 os estoques de
café já haviam acumulado um grande volume do produto, chegando a 11 milhões de sacas, ou
seja, 70% do consumo mundial durante um ano. Procurou-se resolver o problema diminuindo a
formação de novas lavouras com a tributação sobre elas.
Até l925, a produção será muito variável e com muitas oscilações, já que as condições
climáticas e o trato das lavouras variavam muito de um ano para o outro e a produção acabava
acompanhando o volume de exportação. Após essa data as crises momentâneas tornam-se
permanentes.
Deve-se destacar que as crises eram somente para os produtores. O excesso de
produção não diminuia o preço aos consumidores, porque os comerciantes (bancos
internacionais) adquiriram a produção na época das colheitas, a baixo preço, devido à grande
oferta, com formação de reservas que seriam desfeitas nas épocas de menor produção a um
preço mais elevado.
O Estado intervem no mercado com a compra de café, elevando os preços do produto,
com a chamada política de valorização do café. Os recursos seriam obtidos de grupos
financeiros internacionais que não participavam do controle do comércio do café, quando foi
comprado pelo Estado no período de l906 a l9l0, cerca de 8,6 milhões de sacas de café e
retiradas do mercado. As dívidas e juros seriam pagos com a elevação dos impostos do café
exportado.
A partir de l9l8, com o reestabelecimento econômico da Europa, aumentará a plantação
de cafeeiros, até que, em l924, com a nova crise, a política de valorização do café torna-se
permanente e o café passa a ser retido pelo Instituto do Café, que procura regular a entrega de

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exportação, fato que levou a um grande acúmulo de estoque retido à espera de melhores
oportunidades de venda. Em l929, com a queda da Bolsa de Nova Iorque, ocorreu nova queda
de preços e redução das exportações. Essa, entretanto, não foi uma crise passageira, pois as
dificuldades da atividade cafeeira tinham raízes profundas e vinham de longa data, desde o final
do século XIX, com variações e oscilações de produção, mas que se intensificaram a partir de
l925, com uma produção muito superior às exportações, o que gerou a necessidade de destruição
de enorme quantidade de café estocado.
Os empréstimos de dinheiro estrangeiro para salvação do café elevou a dívida pública
para 72,7 milhões de libras esterlinas, em l933, considerando-se, ainda, l3 milhões de libras
utilizadas para indenizar metade de todos os débitos dos agricultores.
Enquanto os cafeicultores eram privilegiados com a política de valorização do café
para salvar seus lucros, os prejuizos e as dívidas eram socializados para toda a população; além
disso, para comprar os estoques, o governo deveria emitir papel-moeda que, consequentemente,
desvalorizava-se, prejudicando os trabalhadores que viviam de renda fixa.
A baixa produtividade que acompanhara a expansão da lavoura cafeeira, a partir dessa
época, leva à destruição de muitas plantações, acrescentando-se, ainda, o escasseamento de
terras aptas para a lavoura, que já chega ao noroeste do Paraná e Mato Grosso do Sul, quando
começa a entrar em decomposição a estrutura econômica assentada na produção e exportação
de café.
A crise cafeeira e a II Guerra Mundial criam as condições para o desenvolvimento da
pecuária, além da facilidade de crédito pelo Banco do Brasil; muitos agricultores começaram a
arrancar seus cafezais e substituí-los por animais, como ocorreu na fazenda Almeira Prado, onde
foram arrancados 900.000 pés de café e instalados, em seu lugar, 20.000 animais, sem contar o
papel desempenhado pela empresas inglesas Swift, Wilson, Anglo e Armour, que possuíam ou
arrendavam grandes invernadas em São Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás.25
Após a II Guerra, a exportação de café encontrou condições favoráveis e novas
plantações começaram a surgir, feitas geralmente em pequenas propriedades ou em áreas de
25 Id. Ibid., p.303.

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ocupação recente, como nas terras novas e férteis de arenito do Noroeste do Paraná e Mato
Grosso do Sul. Neste momento, muitos grandes proprietários de terra de São Paulo e Paraná, já
haviam abandonado o café, dedicando-se às novas atividades, como à pecuária, quando ocorre a
adaptação às novas condições econômicas com a substituição da lavoura de café pela criação de
gado, nas regiões já cansadas e, nas novas regiões, como no sul de Mato Grosso do Sul.
Considera-se, também, como contribuição à expansão da pecuária a necessidade de carne no
mercado internacional durante os períodos de Guerra Mundial e o mercado interno representado
pelos centros urbanos brasileiros.
Neste contexto, a "marcha pioneira" (paulista e paranaense) avança sobre as terras
novas e baratas do sul de Mato Grosso do Sul. A iniciativa particular se fez presente na
colonização através de loteamentos, como aqueles feitos pelos grupos BATA, SOMECO,
Colonizadora Vera Cruz-Mato Grosso e outros. A ação governamental também se fez presente
com a CAND (Colônia Agrícola Nacional de Dourados) e Iguatemi. Observa-se também a
venda de lotes de terras devolutas feita pelo próprio Estado. Este tipo de colonização será feito
com base na venda de grandes lotes de terra que, mais tarde, serão transferidos a fazendeiros
pecuaristas de São Paulo e Paraná, dando-se origem à elevada concentração fundiária existente
no sul de Mato Grosso do Sul. Nas áreas onde ocorreu a "colonização dirigida", com a
participação de colonizadoras particulares e oficial, a concentração de terras não foi tão
elevada.26

26Os problemas e dificuldades conceituais e de terminologia, para a


compreensão dos fenômenos relativos à colonização, já foram levantados por
Petrone (1973:50).
A colonização implica, necessariamente, a idéia de expansão,
considerada como decorrência de estímulos externos; iniciativas e decisões
partidas de fora da área. As áreas de colonização velha propiciam a utilização
de outras áreas que são "organizadas economicamente como áreas de
sustentação, visando fornecer produtos para às primeiras." (Petrone. 1973:54).
Assim, podemos afirmar que a colonização não é um fenômeno que ocorre
espontaneamente.
A "colonização dirigida" refere-se àquela colonização onde houve a
participação de colonizadoras (oficial ou particular), com um projeto
específico de loteamento para que o Estado pudesse colocar em prática o seu
projeto.

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A colonizadora Vera Cruz-Mato Grosso da cidade de Vera Cruz/SP, por exemplo,
loteou a gleba Naviraí (9.469 ha) e Bonito ( 9.528 ha), localizadas entre os Rios Amambaí e
Laranjaí, no então município de Dourados, na década de 50, quando grande parte do lote foi
vendida a pequenos e médios proprietários vindos do Paraná e São Paulo e que, mais tarde irão
dar origem ao município e cidade de Naviraí. Nesta área de loteamento, o algodão surgiu como
uma das alternativas econômicas para os pequenos e médios proprietários, visto que nesta
época as lavouras de café não despertavam muito interesse, embora fosse praticada por
pequenos proprietários. A produção de café se sutentava basicamente pela prática em áreas de
terras novas, ocupadas a partir desse momento. Os grandes proprietários, porém, priorizaram a
pecuária.
Para promover a venda dos imóveis do loteamento era feito, entre outras formas, o
anúncio através do jingle "Vamos Pra Naviraí",tocado em emissoras de rádio do oeste paulista,
principalmente.

Vamos pra Naviraí


O Navio apitô,
Tá na hora de parti,
Vamos, morena, vamos,
Vamos pra Naviraí.

Morena, sou lá de fora,


Tô passando por aqui;
Se você quer ir embora,
Vamos pra Naviraí.
Morena, minha morena,
Chega, chega cá pertinho,
Que coração bom eu tenho,
O que falta é carinho.

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Nós desce o Rio Paraná,
E sobe o Amambaí,
Vamos fazer nosso rancho,
Junto de Naviraí.

O navio apitô...
Tá na hora de parti,
Vamos morena, vamos,
Vamos pra Naviraí....o navio apitô...o navio apitô...

5 - O PAPEL DO RIO PARANÁ E SEUS AFLUENTES NA OCUPAÇÃO DO SUL DE


MATO GROSSO DO SUL
Enquanto esteve limitada aos Estados de São Paulo e Paraná, a marcha para o oeste foi
auxiliada pelas estradas de ferro, construídas nos espigões e divisor de águas. Porém, isto não
ocorreu no lado sul-mato-grossense e os rios substituíram a função das ferrovias. A Ferrovia
Noroeste do Brasil, que corta Mato Grosso do Sul no sentido leste-oeste, pouco contribuiu para
a ocupação desta região, mesmo considerando o ramal que chegava até Ponta Porã, por ser uma
área "marginal", muito distante de seus trilhos, onde praticamente não existiam estradas de
rodagem que chegassem até a ferrovia, pois esta havia sido construída com o objetivo principal
de transportar gado vivo do extremo oeste (região do pantanal) para os mercados consumidores
do centro-sul.
No momento em que tem início a ocupação mais efetiva do sul de Mato Grosso do Sul,
o transporte, através de vias férreas, estava sendo colocado em plano secundário, em favor dos
interesses das empresas estrangeiras fabricantes de automóveis e caminhões. Os caminhos
rodoviários no sul de Mato Grosso do Sul apresentavam-se em condições precárias e a malha
rodoviária encontrava-se mais densa na área de colonização mais antiga, em vista da ação da
Cia Mate Laranjeira, inviabilizando a penetração da região por este meio. O Rio Paraná e seus

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afluentes surgem como grande alternativa para a territorialização do capital que penetra mais
intensamente, na região, a partir da expansão pioneira.
Ao contrário da ocupação das terras paulistas e paranaenses, que se iniciara em áreas de
topografia mais elevada, onde foram construídas as estradas de ferro, no sul de Mato Grosso do
Sul, a ocupação dar-se-á pelos vales.
Esses rios, com uma tradição de navegabilidade, já haviam sido utilizados pelos
bandeirantes paulistas desde o século XVII, no aprisionamento de nativos e destruição das
reduções jesuíticas, e, mais tarde, serviram para chegar às regiões interioranas produtoras de
ouro em Mato Grosso, e Paraguai.
Em l628, para chegar em terras de seu domínio, o governador do Paraguai, D. Luís de
Céspedes Xeria, utilizou-se desses rios, apesar de serem caminhos proibidos. Saindo de São
Paulo, toma os Rios Tietê e Paraná para chegar em Ciudad Real del Guairá e Asunción, no
Paraguai.
Esta atitude do governante paraguaio foi duramente criticada e condenada pelos
jesuítas, uma vez que colocava em risco sua organização (reduções) e tornava vulnerável ao
ataque de bandeirantes, além de abrir espaço para a investida dos povos de São Paulo sobre as
terras da América Meridional. Para destruir Santiago de Xerez e conquistar grande parte de
Mato Grosso do Sul (Itatim), os bandeirantes também utilizaram-se do caminho fluvial do
Paraná.
Após o ciclo de devassa das terras, como argumenta TAUNAY, os bandeirantes
paulistas utilizaram-se do Rio Paraná e seus afluentes para chegar ao interior de Mato Grosso,
região produtora de ouro, no século XVII, com a navegação monçoeira quando muitas viagens
foram empreendidas utilizando-se os afluentes do Paraná no lado sul-mato-grossense.
Para se chegar até Cuiabá eram utilizados vários caminhos fluviais e terrestres. O
estudo sobre os caminhos fluviais montantes ao Rio Paraná e dos terrestes foge aos objetivos
deste trabalho, por isso trataremos da navegação em caminhos que desciam o Paraná, pois é a
partir daí que a navegação nestes rios contribuiu para a ocupação do sul de Mato Grosso do Sul.

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Os principais caminhos percorridos pela navegação de Monções e pelos bandeirantes foram os
seguintes:
"1 - Desciam o Paraná até o Ivinhema, subiam depois êsse rio, venciam um varadouro
de 40 Km para atingir o Miranda, que depois os levava até o Taquari e deste ao Paraguai.
Subiam o Paraguai, entravam no São Lourenço e no Cuiabá...
2 - Desciam o Rio Paraná, subiam o Pardo e o Anhanduí até um varadouro de cêrca de
50 Km que o separava do Aquidauana, afluente direto do Miranda, que lhes facilitava o
caminho já descrito;
3 - Desciam o Paraná, subiam o Pardo e o Rio Vermelho, até o varadouro de Camapuã .
Desciam o Rio Camapuã, passando para o Coxim e depois para o Taquari, deste ao Paraguai e
daí por diante seguindo o caminho já conhecido."27
Com a navegação de monções, as terras adjacentes aos varadouros (caminho por terra
para alcançar outra via fluvial) são ocupadas por plantações com roças de milho, feijão,
mandioca, criação de suinos, etc., como aquela que foi praticada no varadouro de Camapuã,
entre os rios Ivinhema e Miranda, permitindo a intensificação da ocupação, já que foram
empreendidas muitas viagens utilizando-se o Rio Paraná e seus afluentes com o objetivo de
chegar até Cuiaba. Assim, nota-se que o Rio Paraná e seus afluentes possui tradição de
navegabilidade.
Esses rios serão intensamente utilizado com e exploração de erva-mate pela Companhia
Mate Laranjeira no início deste século, quando foram muito utilizados para o transporte daquele
produto levado, dos centros produtores, ao porto de Guaíra e, posteriormente, exportado para a
Argentina. A extração de erva-mate avançou sobre as terras próximas ao Paraná e, em vista da
distância que dificultava o transporte daquele produto até o Porto Murtinho, no Rio Paraguai, ou
por outros caminhos terrestres, a Empresa Mate Laranjeira solicitou em l909 autorização para
abrir um porto para exportação na foz do Rio Iguatemi. Em l9l5, os afluentes e o próprio Paraná
já canalizavam a maior parte da produção ervateira para exportação com a navegação nos rios

27CAMPOS, Fausto Vieira. Retrato de Mato Grosso. São Paulo, Direitos


Autorais do Estado de MT,l955. p.l08.

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Paraná, Amambaí, Iguatemi, Ivinhema, etc. Às margens destes rios foram construídos pequenos
portos para o embarque de erva-mate, como foi o caso do Porto Felicidade, no Rio Amambaí,
D. Carlos e Lescano-Cuê (atual Santo Antônio) no Rio Paraná, além de muitos outros que
permitiam acesso aos principais portos de exportação de erva-mate.
Com o avanço da "frente pioneira", os pequenos portos tornaram-se as principais portas
de entrada na ocupação desta região sul de Mato Grosso do Sul, além de muitos outros
construídos com a intensificação da derrubada das matas. A madeira, que no início não foi
utilizada em escala comercial, somente passou a ser aproveitada, dessa forma, com a entrada de
empresas madeireiras como a Pereira & Gomes, Inconave (Indústria, Comércio e Navegação
S.A.), e empreiteiras na derrubada das florestas que passaram a transportar os troncos (toras),
através do Rio Paraná, rebocadas por embarcações a vapor do Serviço de Navegação da Bacia
do Prata e também das próprias madeireiras, até o porto de Guaíra (PR), mas principalmente
para o porto de Presidente Epitácio (SP), onde estavam localizadas as serrarias. Era
transportado, também por este meio, a produção agropecuária.28
Deve-se destacar que os principais produtos transportados eram a madeira e o gado, já
que na região predominou a grande propriedade com pecuária de corte como atividade
principal. Podemos observar através da tabela abaixo, a área ocupada por lavoura e pecuária,
nos municípios de Amambaí e Iguatemi. A produção agrícola teve pequena participação e as
lavouras eram praticadas, no máximo, três anos nas grandes propriedades, e logo eram
substituídas pelas pastagens.
ÁREA E ESTAB. OCUPADOS POR LAVOURA E PECUÁRIA (IGUATEMI E AMAMBAÍ)
Ano At. Econômica Área (ha) N. Estab. %Área % Estab.
1960 Lavoura 12.771 1.880 2,4 79,9
Pecuária 523.152 47l 97,6 20,1

28 Toda a produção agropecuária da região era escoada e transportada pelos


vapores que faziam a linha Guaira- Presidente Epitácio, duas vezes na
semana, como por exemplo os vapores Tibiriçá, Porto Murtinho, Amambaí,
do Serviço de Navegação da Bacia do Prata. Informações obtidas através de
entrevistas aos Sr. Lourival Brito, José Tenório e Luiz Firmino dos Santos,
pioneiros do município de Itaquiraí.

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1970 Lavoura 15.028 1.550 7,6 66,5
Pecuária 182.191 778 92,4 33,5
1975 Lavoura 64.786 3.237 11,4 92,0
Pecuária 449.216 297 88,6 7,9
Fonte: IBGE (Censos Agropecuários)
Com a instalação de serrarias (a vapor), estes pequeno portos tomaram novo impulso,
transformando-se num pequeno aglomerado de população, como foi o caso dos portos Santo
Antônio, Maracaí, Cabureí, Baunilha, Iporã, no município de Itaquiraí. O mapa abaixo permite
visualizar a presença dos pequenos portos na margem direita do Rio Paraná e afluentes.

Mapa – portos Rio Paraná

O Rio Paraná e os pequenos portos tiveram grande importância no transporte de gado,


já que foram as portas de entrada e saída de animais do sul de Mato Grosso do Sul. O gado que
desembarcava nos portos era constituído em grande parte por fêmeas (novilhas e vacas),
servindo à reprodução, e seguiam para as áreas tradicionais de criação. Desembarcava, também,
gado magro para engorda, vindo do Pantanal pela Noroeste, mas a maior parte era levada para
as pastagens do oeste paulista, e a parcela menor desembarcava em Três Lagoas, seguindo para
Porto Independência e, posteriormente, com destino às pastagens plantadas em áreas de antigas
florestas do sul de Mato Grosso do Sul. As pastagens formadas com capim colonião, em áreas
de antigas florestas, passaram a ser utilizadas para a engorda de gado magro, pois muitos
fazendeiros receberam subsídios para a aquisição de animais, criados, principalmente, na região
de Naviraí.
Enquanto isso, nas áreas tradicionais de criação, ou seja, nos campos e cerrados da
Serra de Amambaí, as pastagens são nativas e as condições de alimentação do gado são
deficientes devido à pobreza deste tipo de pastagem, ou, quando são artificiais, 29 apresentam-se
em pequena proporção com características do sistema extensivo; a pecuária tinha um caráter
29 VALVERDE (1985:213) prefere chamar as pastagens não cultivadas;
semeadas e depois queimadas anualmente no Brasil central, de "pastos
subespontâneos."

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reprodutivo e de cria, como pode ser observado através da tabela do total de bovinos (macho e
fêmea) nos municípios de Ponta Porã, Amambaí e Iguatemi, áreas onde o melhoramento da
atividade intensificou-se num período mais recente. Os bezerros ficavam, nessa região, de um a
dois anos, quando eram embarcados para a recria e engorda nas pastagens artificiais de outra
região de Mato Grosso do Sul ou de São Paulo e, posteriormente, eram destinados ao corte.
BOVINOS MACHOS E FÊMEAS (PONTA PORÃ, AMAMBAÍ, IGUATEMI)
Ano Vacas e Novilhas Bois e Garrotes
1940 54.151 21.782
1950 25.019 5.640
1970 37.907 17.751
1975 115.954 62.935
Fonte : IBGE (Censos agropecuários)
Obs. Os dados de l940 são do município de Ponta Porã; os de l950, são do município de Amambaí, e de l.970 e l975
são de Iguatemi, já que em l963 Iguatemi foi desmembrado de Amambaí, e este em l948 de Ponta Porã.
Podemos perceber, através da tabela acima, que o número de cabeças de gado bovino
fêmeo (vacas e novilhas) é superior ao gado macho (bois e garrotes), demonstrando que a
pecuária, nestes municípios, possuiam um caráter reprodutivo.
Foram, ou ainda são, características da criação de maior parte do gado de corte, a
prática em áreas distantes daquela de engorda. A pecuária de cria era praticada em um sistema
extensivo em condições de alimentação deficiente, devido à pobreza das pastagens,
permanecendo aí até atingir um ano. Após este período, o gado passa para outro estágio
intermediário de recria; quando atinge cerca de três anos é levado para as áreas de engorda de
São Paulo e proximidades, onde permanece de seis meses a um ano antes do abate. Apenas um
pequeno número de fazendeiros realizava, em um único estabelecimento, a cria, recria e
engorda, sendo necessária, na maioria dos casos, a existência da intermediação no processo de
produção, que leva à necessidade de movimentar as boiadas de uma fazenda para outra, pois um
único fazendeiro não dominava totalmente o processo. A comercialização e movimentação do
gado implicam na necessidade de transporte para outras áreas, que era feito na maioria dos
casos, a pé. Como no sul de Mato Grosso do Sul praticamente não existiam estradas de
rodagem que permitissem a movimentação do gado através de caminhões, até a decada de 60, de

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modo geral os animais eram transportados a pé até os portos do Rio Paraná e embarcados para
as invernadas ou frigoríficos de São Paulo.
Em l965, havia 22 empresas que faziam o transporte no Alto Paraná (Guaíra-Presidente
Epitácio), com uma frota de 70 barcos e chatas, destacando a frota do Serviço de Navegação da
Bacia do Prata, que possuía quatro chatas boiadeiras e, juntas, possuíam uma capacidade de
transporte de até l.200 bois magros ou 800 gordos, gastando 24 horas na descida e 50 horas na
subida Guaíra-Epitácio.
A Empresa de Navegação Fluvial Moura Andrade, que se dedicava exclusivamente ao
transporte de gado, encontrava-se mais bem equipada por dispor de 6 chatas com capacidade de
transporte de maior número de bois do que as do Serviço de Navegação da Bacia do Prata,
transportando cargas em ambos os sentidos. Em l965, foi calculado pela Secretaria de
Transportes do Estado de São Paulo, o transporte de cerca de l20.000 bovinos pelas várias
firmas que fazem a navegação no Alto Paraná.
Os portos também foram porta de entrada de mercadoria industrializada, vinda dos
centros produtores, como podemos observar, através da argumentação de CAMPOS (1955) "A
mercadoria que vem pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, com destino a Ponta Porã,
Dourados e Amambaí não raro demora cêrca de dois meses na estrada(...) De São Paulo a Pôrto
Felicidade, as cargas nunca levam mais de quinze dias, a muito demorar. Em geral chegam com
oito dias. Esta mercadoria pode estar em Pôrto Felicidade, saindo de Pôrto Epitácio, em lancha,
com 12 a 15 dias após o despacho, de procedência geralmente de São Paulo. De Pôrto
Felicidade para Dourados, Ponta Porã e Amambai, distantes respectivamente l00, l80 e 120 Km
do referido pôrto, temos um ou dois dias no máximo de viagem, com cargas em ambos os
sentidos."30
Os portos Santo Antônio, Morumbi e Caiuá, no Rio Paraná e o Porto Oculto, no Rio
Amambaí, tiveram grande importância na formação das cidades de Itaquiraí, Eldorado e
Naviraí, respectivamente, pois foram estes (rios e portos) que permitiram a entrada da população
na região, como demonstra o verso da música Naviraí:
30 CAMPOS, Fausto Vieira. Op. CIT. , p. 25

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"Nós desce o Rio Paraná,
E sobe o Amambaí,
Vamos fazer nosso rancho,
Junto de Naviraí."
O crescimento industrial subordinado ao capital internacional levou à instalação de
empresas transnacionais fabricantes de automóveis no Brasil. A partir do final da década de 50,
com o aprofundamento da relações capitalistas, ocorre a proliferação de veículos rodoviários.
Surge nesse momento, a necessidade de criação e melhoramento da infra-estrutura rodoviária,
como resultado dessa nova dinâmica que privilegiou o transporte sobre rodas.
No sul de Mato Grosso do Sul, foi construída a rodovia MS l4l, atual BR l63,
praticamente paralela ao Rio Paraná, ligando o extremo sul do Estado à cidade de Ivinhema e
Dourados, e, também, como via de acesso dos Estados da Região Sul do Brasil (RS, SC e parte
do PR) a Campo Grande, Cuiabá e Região Norte do Brasil, além da rodovia BR 267 ligando P.
Prudente/Epitácio a Dourados e Campo Grande.
Os portos ficam cada vez menos utilizados por causa dessas novas condições e da
devastação das florestas que faz reduzir o volume de madeira a ser transportado. A
movimentação dos portos ocorrerá enquanto persistirem as serrarias ali instaladas, que possuem
"vida curta" naquele local, por estarem limitadas à extração de madeira das derrubadas das
florestas, que cada vez mais, avançam para o interior (oeste) e, com elas a população
trabalhadora que sobrevive basicamente da indústria madeireira. Podemos observar que, em face
à exploração pecuária em grandes propriedades que começam a surgir após a derrubada das
florestas, não há a fixação do homem na região, o que resulta numa baixa densidade
demográfica.

6 - A APROPRIAÇÃO DA TERRA EM ITAQUIRAÍ


A área de terras florestadas do sul de Mato Grossso do Sul, ou seja, aquela ocupada
durante a expansão da "frente pioneira" paulista e paranaense, foi apropriada por sul-mato-
grossenses das áreas de colonização mais antiga (Ponta Porã, Amambaí, Dourados, Campo

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Grande, etc.) e não foram utilizadas por eles na exploração agropecuária logo que apropriadas,
demonstrando que o domínio da terra com a titulação ocorre antes de sua ocupação. A atividade
de maior importância, nesta fase da colonização, foi a exploração ervateira, praticada desde o
início do século pela Cia Mate Laranjeira, pois a presença dessa espécie vegetal ocorre com
abundância nessa região.
Apropriadas, na maioria, por pessoas que exerciam atividades urbanas (militares,
funcionários públicos, comerciantes, empresas madeireiras, etc.) e, também, por fazendeiros
pecuáristas, nas décadas de 30 e 40, essas terras serão ocupadas mais intensamente no avanço da
"frente pioneira" e com a prática da pecuária a partir da década de 50. Aqueles que adquiriram
terra, via de regra grandes propriedades, junto ao Estado (terras devolutas), deixaram-na à
espera de valorização31 quando seriam parceladas ou vendidas integralmente a fazendeiros de
São Paulo e Paraná. É, neste momento, que se intensifica a concentração de terras na região e
no município de Itaquiraí, onde a estrutura fundiária "nasceu" concentrada, acentuando-se com
a expansão pioneira e a ocupação mais intensa feita por paulistas e paranaenses.
TÍTULOS PROVISÓRIOS EXPEDIDOS PELO ESTADO EM ITAQUIRAÍ
Dimensão(ha) N. Títulos Área (ha) % Títulos % Área
Até 100 0 0 0 0
100 - 1000 8 5.092 l5,3 2,9
Mais de 1000 44 170.492 84,7 97,1
Total 52 175.584 100,0 100,0
Fonte: TERRASUL (Departamento de Terras e Colonização de Mato Grosso do Sul)

31 Sobre a apropriação da terra feitas por sul-mato-grossenses das regiões de


colonização antiga, é preciso esclarecer que as terras apropriadas por eles
eram terras de negócio e que, mais tarde, foram compradas por novos
proprietários de terras, mas agora colocadas à produção."...Quando o
capitalista se apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio, em
terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da
terra, ela se transforma em terra de trabalho. São regimes distintos de
propriedade, em aberto conflito com o outro. Quando o capitalista se apropria
da terra, ele o faz com o intuito de lucro, direto ou indireto. Ou a terra serve
para explorar o trabalho de quem não tem terra; ou a terra serve para ser
vendida por alto preço a quem dela precisa trabalhar e não tem. Por isso, nem
sempre a apropriação da terra pelo capital se deve à vontade do capitalista de
se dedicar à agricultura."MARTINS, Jose de Souza. Expropriação e
Violência. 3. ed., São Paulo, Hucitec, 1991. p.55.

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Pela tabela acima, dos títulos de posse expedidos pelo Estado no município de Itaquiraí,
percebemos que, desde o início da apropriação capitalista da terra, a grande propriedade esteve
presente, quando os títulos foram adquiridos do Estado, como terra devoluta. Não foi concedido
nenhum título inferior a 100 ha, sendo que a grande maioria, (84,7%) dos títulos concedidos foi
acima de l.000 ha, abrangendo (97,1%) do total da área titulada do município.
Este fenômeno pode ser observado com dados de outros dois municípios da região
(Naviraí e Iguatemi), o que demonstra que, neles, a apropriação da terra também já "nasceu"
concentrada.
TÍTULOS PROVISÓRIOS EXPEDIDOS PELO ESTADO EM NAVIRAÍ
Dimensão (ha) N. Títulos Área % Títulos % Área
Até 100 0 0 0 0
100 - 1000 3 1.929 7,6 1,1
Mais de 1000 36 169.880 92,4 98,9
Total 39 l71.809 100,0 100,0

TÍTULOS PROVISÓRIOS EXPEDIDOS PELO ESTADO EM IGUATEMI


Dimensão (ha) N. Títulos Área % Títulos % Área
Até 100 0 0 0 0
100 -1.000 19 11.874 30,1 6,3
Mais de l.000 44 176.616 69,9 93,7
Total 63 188.490 100,0 100,0
Fonte: Terrasul (Departamento de Terras e colonização de Mato Grosso do Sul).

Os parcelamentos não ocorreram com muita frequência e a regra foi a venda integral
dos lotes. Como um exemplo dos poucos parcelamentos de latifúndios que ocorreram, podemos
citar o lote Itaquirahy no então município de Ponta Porã, que foi adquirido junto ao Estado, em
l938, por Antero Pereira e vendido a João Paulo Cabreira e Geraldo Fernandes Fidélis, que
parcelaram em lotes menores. Inicialmente, os lotes eram arrendados para trabalhadores vindos
de São Paulo (região da alta sorocabana, principalmente). Eles derrubavam as matas e
cultivavam cereais e café, com a perspectiva de posterior compra do lote. Inicialmente havia
facilidade de aquisição destes pequenos lotes, já que o proprietário do loteamento tinha
interesse na vinda de outras famílias que proporcionavam cada vez mais, valorização de suas

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terras. Assim, este latifúndio (lote Itaquirahy) foi dividido em 58 lotes menores, que eram na
maioria inferiores a 100 ha.
Entretanto, quase todos os lotes foram vendidos integralmente para fazendeiros
pecuaristas que iam adquirindo outros lotes, do mesmo ou de outros proprietários, acentuando-
se, ainda, mais a concentração de terras.
No município de Itaquiraí, os primeiros proprietários que adquiriram as terras devolutas
do Estado, não se interessaram pelo parcelamento dos lotes, pois teriam despesas com
corretores, agrimensores, etc. As grandes propriedades foram vendidas integralmente a
pecuaristas de São Paulo e Paraná, principalmente. É, nesse momento, que a renda da terra 32 é
cobrada, considerando-se ainda um acréscimo, pois os primeiros proprietários deixaram-na à
espera de valorização. Valorização essa que ocorre, mesmo que as propriedades não
estejam colocadas à produção, pois quem dá valor às terras improdutivas são as propriedades
que estão produzindo e quando são insuficientes para atender às necessidades de produtos no
mercado, o seu valor aumenta, aumentando-se, também, o valor daquelas terras que não estão
produzindo.
Assim, podemos perceber que aqueles proprietários que adquiriram terras devolutas do
Estado nas décadas de 30 e 40, no sul de Mato Grosso do Sul, bem como aqueles que mantêm
em seu poder grandes área de terra e não colocam à produção, têm, como objetivo principal, a

32 A apropriação da terra, no modo de produção capitalista, é diferente da


apropriação de outros meios de produção, já que esta não é produzida pelo
processo de trabalho. Para apropriar-se da terra é necessário pagar um preço
pelo direito de sua utilização e exploração. Essa licença paga pelo direito de
utilizar a terra é a renda da terra.
A renda da terra pode ser resultado da concorrência (renda
diferencial) ou de monopólio (renda absoluta). A renda diferencial resulta do
caráter capitalista da produção e pode ser oriunda dos investimentos de capital
no solo, da localização, da fertilidade natural do solo. A renda absoluta resulta
do monopólio da terra por uma parcela da sociedade, os proprietários de terra.
Essa renda não é resultado de parte do trabalho agrícola excedente daquela
terra, mas resulta da mais-valia social paga ao proprietário. Daí a necessidade
da concentração da terra para que seja aumentada a capacidade de extrair a
mais-valia social.
A terra, transformada em mercadoria, permite ao proprietário cobrar
a renda, quando ela estiver sendo utilizada para produção, ou quando for
vendida.

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garantia da posse da terra para especulação e apropriação da renda da terra. A Fazenda Itasul
serve para exemplificar o fato acima, pois foi classificada pelo INCRA nas várias vistorias
realizadas, como latifúndio por exploração. Essa Fazenda será motivo de intenso conflito no
município de Itaquiraí.
Fica evidente que a apropriação da terra no sul de Mato Grosso do Sul, naquele
momento (décadas de 30 e 40), foi norteado por interesses especulativos, característica do
latifúndio brasileiro.33
Devido a esta herança na forma de ocupação e apropriação da terra, a região e, em
especial, o município de Itaquiraí apresenta atualmente uma concentração de terras superior à
média brasileira, pois no País existem diversidades quanto à concentração de terras, e, em
algumas áreas, a concentração é superior a outra. A pequena propriedade ocupa em pequena
proporção áreas marginais não interessantes ao latifúndio. "Em todo o Brasil tropical, as
pequenas propriedades, nem sempre com títulos legitimados, estão extremamente dispersas em
pequenos redutos, como 'ilhas' num oceano de latifúndio."34Embora utilizando de conceitos
diversos (propriedade e estabelecimento),35 podemos constatar, através dos dados de 1985, que o
33 Considerando a perspectiva econômica, os latifúndios são grande imóveis
rurais improdutivos. Os latifúndios poderão perder essa característica
(improdutividade) e deixar de ser considerados como tais, transformando-se
em grandes propriedades produtivas, ou seja, modernas empresas capitalistas.
A evolução do capitalismo e as mudanças agrícolas
ocorridas a partir de meados da dec. de 60, com a "fusão" da indústria e
agricultura, levaram os latifúndios a mobilizar-se, dedicando-se à produção
voltada para os mercados externos, principalmente, com o empregos de
máquinas, defensivos, etc. Observa-se, portanto, que existem os latifúndios
(improdutivos), e as grandes propriedades empresariais (produtivas), resultado
da modernização conservadora.
Para GRZYBOWSKI (1990:57/8), o latifúndio é uma
categoria social, politicamente recriada nas lutas no campo. " O importante é
que hoje os setores dominantes no campo são socialmente qualificados como
'latifundiários' apesar de a categoria latifúndio, como categoria analítica, não
dar conta inteiramente da concentração e das relações existentes no campo. A
disputa social passa a ser se o latifúndio é 'produtivo' ou 'improdutivo', e os
direitos que isso garante aos latifundiários perante a lei".
34 VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira.
Petrópolis, Vozes, 1985. p. 244.
35Para fazer a relação entre a concentração da terra no Brasil e no município
de Itaquiraí, utilizamos, para o primeiro, o conceito estabelecimento, com
dados do IBGE, que trabalha com a perspectiva econômica. Para abordar a

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Brasil apresenta um grande número de estabelecimentos inferiores a l00 ha (90% do total de
estabelecimentos), ocupando 2l% da área total. Já no municípo de Itaquiraí, observa-se um
pequeno número de pequenas propriedades inferiores a l00 ha (l5% do total de propriedades),
abrangendo também uma pequena área total (0,3%). Por outro lado, podemos observar um
grande número de propriedades superiores a l.000 ha, abrangendo praticamente todo o território
do município, ao contrário da média brasileira que apresenta poucos grandes estabelecimentos
(0,8%), abrangendo uma área muito grande, 43,7% da área total, ou seja, (164.684.300 ha).
O processo de remembramento e reaglutinação pouco tem ocorrido em Itaquiraí, com
exeção de uma área muito reduzida próxima à cidade onde ocorreu o loteamento da gleba
Itaquiraí.
ESTRUTURA FUNDIÁRIA DE ITAQUIRAÍ-PROPRIEDADES (1989)
Dimensão (ha) N. Prop. % Prop. % Área
Até 100 19 15,2 0,3
100 - 1000 54 43,2 11,8
Mais de 1000 52 42,6 87,9
Fonte: Prefeitura Municipal de Itaquiraí
O parcelamento do lote Itaquirahy será o marco inicial do pequeno aglomerado que
surge em l957, a cerca de l5 Km do Rio Paraná, no então município de Amambaí. Esse pequeno
aglomerado teve início com um grupo de pequenos proprietários que adquiriram lotes na Gleba
Itaquiraí e ali se instalaram. Os pequenos proprietários dedicavam-se à cultura de café que,
naquele momento, já havia passado pelo seu auge, mas sobrevive devido ao plantio em área de
terras novas. Dedicavam-se, também, ao plantio de culturas temporárias para o comércio e
subsistência.
O escoamento da produção era feito pelo Rio Paraná e sua comercialização em
Presidente Epitácio e Guaíra. Mais tarde, com a instalação de serrarias (final das déc. de 60, e
70) na pequena vila, muitos trabalhadores começaram a deslocar-se para Itaquiraí, atraídos pela
possibilidade de trabalho nas serrarias e nas fazendas. Vinham principalmente do noroeste do

estrutura fundiária de Itaquiraí, utilizamos o conceito propriedade, que


permite a melhor caracterização da forma como a terra está distribuida entre
os proprietários.

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Paraná (Umuarama, Icaraíma, Cruzeiro do Oeste etc.) e do oeste paulista (P. Prudente, P.
Epitácio, Rancharia, Andradina,etc.), dando início à formação da cidade de Itaquiraí. Processo
semelhante ocorreu na formação das cidades de Eldorado e Naviraí.
Os fazendeiros que adquiriram terra em Itaquiraí já possuíam terras em outros Estados
(Paraná e São Paulo principalmente) e não se dedicaram ao cultivo de café e de outras lavouras.
De modo geral, a atividade praticada por eles foi a pecuária, característica dos grandes
estabelecimentos em todo o Brasil, com a formação de pastagens logo após a derrubada da
floresta.
RELAÇÃO ENTRE ÁREA DE LAVOURA E ESTABELECIMEN- TOS RURAIS NO BRASIL
(1970)
Área Estab. (ha) % utilizada p/ lavouras
Menos de 10 65,5
10 a 100 26,1
100 a 200 11,4
200 a 500 8,6
500 a 1000 6,6
1.000 a 10.000 3,2
10.000 mais 0,6
Fonte: IBGE (in Valverde, 1985:256)
Esses criadores não fixaram residência no município de Itaquiraí. A derrubada das
florestas e a formação das pastagens foram feitas por peões, principalmente. Grande parte dos
trabalhadores eram nordestinos e já haviam passado pelos Estados de São Paulo e Paraná.
"Verificamos que a maioria dos nordestinos de Mato Grosso, não vão direto para lá, mas passam
por experiências de trabalho em São Paulo e Paraná, principalmente".36 O trabalho era dirigido
por um funcionário de confiança do fazendeiro (capataz ou administrador da fazenda), que
repassava a tarefa aos empreiteiros, os "gatos" que contratavam os trabalhadores.
A prática da pecuária de corte em grandes propriedades não permitiu a elevação da
densidade demográfica da região. Essa atividade exige poucos trabalhadores e não permite o
desenvolvimento de atividades acessórias, como o comércio por exemplo.

36 FIGUEIREDO, Alvanir. Op. Cit., p. 255.

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PROPRIETÁRIOS RESIDENTES E ABSENTISTAS DE ITAQUI- RAÍ(1990)
Área (ha) Residentes Absentistas Total
Até 10 01 0 01
10 -100 13 05 18
100 -1000 07* 47 54
Mais de 1000 0 52 52
Total 21 104 125
Fonte: Prefeitura Municipal de Itaquiraí
* Registrado como a pessoa jurídica residente em Itaquiraí, mas um único proprietário deste grupo de área
tem residência fixa no município de Itaquiraí.
A ocupação das terras do município de Itaquiraí ocorreu durante a expansão da "marcha
pioneria", por meio de duas frentes, com proprietários de São Paulo e Paraná, que apropriaram-
se, em sua maioria, das terras do sul, leste e nordeste do município, enquanto que, pelo norte e
noroeste, a maior parte dos proprietários são de Naviraí, município de colonização um pouco
mais antiga, que se limita com Itaquiraí, e de Dourados.
Além de peões, houve a participação de famílias de arrendatários na derrubada das
florestas, que arrendavam um lote da fazenda e utilizavam a força de trabalho da própria
família. Contratadas ou recontratadas, pois um arrendatário tomava em seu nome um área maior,
em torno de 200 ha, e redistribuía lotes a vários outros arrendatários, variando, na maioria, entre
5 e 20 ha. Nesse sistema de arrendamento, ocorre uma desvinculação do homem à terra por ser
sua permanência, naquele lote, temporária. Contratadas, geralmente por três anos, deveriam
deixar a área pronta ou mesmo plantada com capim. No primeiro caso, em que o arrendatário
deixava o lote preparado para a plantação de capim, o pagamento da renda é feito ao
proprietário da terra através de entrega de parte da produção. No segundo caso, mais frequente,
o pagamento do arrendamento feito em dias de trabalho, como por exemplo, a plantação de
capim com o encerramento do contrato. Terminado o contrato, era arrendado outro lote, nas
mesmas condições.
Nos estabelecimentos brasileiros acima de l000 ha, ocorre o predominío do trabalho
assalariado, enquando que a relação de trabalho predominante nos estabelecimentos inferiores a
100 ha, é a familiar. No entanto, houve grande participação do trabalho familiar nestes grandes

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estabelecimentos, na época de derrubada das matas e formação das pastagens. Mais tarde, o
trabalho familiar foi substituído por um pequeno número de trabalhadores assalariados devido à
pequena necessidade de mão-de-obra, por ser praticado aí a pecuária de corte, característica
desta atividade no Brasil.
Nas regiões de predomínio de grande propriedade destinada à pecuária de corte, uma
característica que surge na formação de suas pastagens é o fato de que a maioria dos
trabalhadores fica sujeita ao "sistema de barracão", como ocorreu nas fazendas de café, em
outras regiões ocupadas anteriormente. Nesse sistema, o fazendeiro revendia produtos (gêneros
de primeira necessidade) aos trabalhadores em estabelecimentos localizados no interior da
fazenda, a preços muito acima daqueles praticados nas cidades. Essa era uma forma de manter
sob seu domínio e garantir a reprodução do trabalho dos arrendatários e peões.
No caso de Itaquiraí, os fazendeiros ou empreiteiros residiam, geralmente, nas cidades
do Estado de São Paulo e Paraná (P. Epitácio, P. Prudente, Londrina, Umuarama, etc.) e
adquiriam aí os produtos de que os trabalhadores necessitavam, para serem descontados no
momento da venda da produção ou quando recebessem a remuneração. Aos peões contratados
pelos empreiteiros, através do trabalho "livre" de alimentação e de moradia, o pagamento dos
dias trabalhados era feito mediante o desconto de uma parcela para cobrir as despesas
(alimentação e moradia). Em ambos os casos, os preços dos produtos e serviços pagos pelos
trabalhadores eram muito elevados, de modo que sempre havia débito com a fazenda ou com o
empreiteiro. "...no fundo, uma revenda ao trabalhador de produtos de sua cesta básica,
comprados na cidade pelo grande proprietário por um preço de mercado, para repassá-los no
barracão à preços de monopólio, muito superiores aos do mercado. Uma forma ao mesmo tempo
de superexploração do trabalho e de manutenção da reprodução do trabalho dentro de uma
relação de controle da elite rural".37
Essa massa de trabalhadores (peões e arrendatários) partiu das regiões "velhas" como o
Nordeste, a partir da década de 50, principalmente. Despojados de terra e em péssimas

37 MOREIRA, Rui. Formação do Espaço Agrário Brasileiro. São Paulo,


Brasiliense,1990, p. 4l.

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condições de vida, dirigiram-se para as regiões "novas" do sul de Mato Grosso do Sul, mas
antes com alguma passagem por São Paulo e Paraná. A região sul de Mato Grosso do Sul,
tornou-se uma "valvula de escape" para os problemas causados pela desigual distribuição de
terras nas regiões de origem desses trabalhadores.
A abertura dessa nova frente de ocupação, cuja característica principal de ocupação foi
a concentração da terra, acaba trazendo a necessidade da reprodução camponesa, sem permitir,
no entanto, o acesso à terra, já que os trabalhadores não eram proprietários, mas sim, peões e
arrendatários que tiveram acesso periódico à terra, devido à sua condição de não-proprietários.
Dessa forma, houve a transferência dos problemas das regiões "velhas", ampliando-se
as contradições, também, nestas "novas" regiões, manifestadas através dos conflitos de terra aí
existentes entre trabalhadores sem terra e grandes proprietários. Os trabalhadores procuram
retomar a terra através das ocupações de latifúndios ou luta pela permanência na terra.
É nesse contexto de expropriação, expulsão do trabalhador arrendatário, parceiro e do
peão, devido principalmente ao processo de concentração fundiária e a desigual distribuição da
terra, que vamos encontrar a origem dos conflitos pela terra no sul de Mato Grosso do Sul e no
município de Itaquiraí.

III - O MOVIMENTO DO SEM-TERRA

1 - O MOVIMENTO DO SEM-TERRA E A CONJUNTURA AGRÁRIA NACIONAL

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Os movimentos sociais podem ser caracterizados como manifestações organizadas da
sociedade civil com o objetivo de manter a ordem estabelecida, impedindo a modificação da
estrutura da sociedade; e, por outro lado, movimentos que procuram contestar a maneira como a
sociedade está organizada.38
Podemos citar o exemplo do movimento dos latifundiários, através da UDR, para
impedir qualquer iniciativa de Reforma Agrária em vista do anúncio do PNRA, em 1985, dentre
aqueles que procuram manter a ordem estabelecida; e de outro lado, o Movimeto do Sem-Terra
(MST) que busca modificação desta mesma ordem com a transformação da estrutura agrária
brasileira.
A partir da década de 70, surgem os novos movimentos sociais que, embora não
neguem a participação das instituições, não são tutelados por elas (Estado, Partidos ou Igreja),
dando ênfase à participação de todos os envolvidos na tomada das decisões. O Movimento do
Sem-Terra manifesta-se como novo dentre os movimentos sociais, proporcionando a
conscientização política do trabalhador rural que descobre seus direitos e passa a lutar pela
conquista da cidadania. O sem-terra torna-se sujeito de sua história, já que agora o movimento
não é concebido como antes, quando a luta pela Reforma Agrária seria uma tática para alcançar
o objetivo maior, ou seja, o fortalecimento e o avanço da classe operária, meio pelo qual se
chegaria ao socialismo.
Os novos movimentos sociais não estão isolados e nem possuem "autonomia total", pois
percebem-se, na sua práxis, elementos que identificam a presença das instituições, como Igreja,
Sindicato e Partido.
Deve-se considerar que, durante muito tempo, os movimentos sociais no campo
estiveram marginalizados em relação ao movimento dos operários, devido à hegemonia de
certos esquemas teóricos que consideravam a luta dos operários aquela encarregada de
promover as grandes transformações na sociedade. Tais esquemas seriam os merecedores de
atenção e valorizados.
38 RODRIGUES, Arlete Moysés. Os Movimentos Sociais Urbanos - das
reivindicações fracionadas a construção de novos paradigmas. Datilografado,
Presidente Prudente.1992. s/p.

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O movimento dos camponeses que lutavam para não ser expropriados e, de modo
especial, o dos sem-terras que lutavam para entrar na terra, seria um obstáculo ao crescimento
do operariado e ao desenvolvimento das forças produtivas, já que se tornando proprietário de
terra de trabalho, estariam impedindo a proletarização, fator necessário para a superação do
capitalismo. Assim, o camponês deveria aceitar a expropriação como um fator necessário, já
que se continuasse possuindo terra estaria oxigenando o capitalismo e seus elementos de
sustentação. "Seria, entretanto, pura imbecilidade tentar convencer o camponês de que está
sendo despejado, cuja casa está sendo queimada pelo jagunço e pela polícia, de que deve aceitar
tal fato como uma contingência histórica como ocorrência que é ruim para ele, mas é boa para a
humanidade (ou ao menos aos ideólogos e justificadores de tais violências e injustiças)".39
A concentração fundiária, com a existência de latifúndios improdutivos, foi
considerada, por muito tempo, um impecilho ao desenvolvimento do capital industrial no
campo. Os latifúndios não faziam parte das relações capitalistas, eram considerados um atraso
para o capitalismo e não faziam parte desse modo de produção. Esse atraso econômicos e social
chegaria ao fim com as pressões exercidas pelas próprias relações capitalistas, levando o
latifúndio a investir capitais e aumentar a produtividade, ou se desmembraria com venda de
parte dessas terras.
O Partido Comunista teve grande participação no direcionamento e na definição de
como deveriam ser encaminhados os movimentos sociais, principalmente aqueles ocorridos no
campo. Para o PCB, no Brasil, existiam restos feudais e um exemplo era o latifúndio,
considerado parasitário e não contribuia com o desenvolvimento da economia nacional,
representando um obstáculo ao progresso do País, que impedia o desenvolvimento das forças
produtivas, condição necessária para acelerar o processo revolucionário e alcançar o
socialismo. "Este era um arcaismo, um entrave, impedindo que milhões de camponeses se
constituissem em mercado interno para a indústria que se implantava. Sob essa ótica, a extinção
de latifúndios e dos latifundiários, enquanto classe, era uma necessidade do desenvolvimento do

39 MARTINS, Jose de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil.


Petrópolis, vozes, 1990.p.13.

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capitalismo, e, portanto, contaria com o apoio de diversas classes sociais. Além do interesse
mais imediato dos camponeses, que assim se veriam libertados da miséria e opressão, e do
proletariado, também a burguesia industrial nacional só teria a ganhar com o fim do latifúndio,
visto que se libertariam as forças produtivas no campo e ampliar-se-iam os mercados." 40 Seria
necessário, também, abolir outras relações consideradas como restos do feudalismo existente no
campo brasileiro, como por exemplo, as relações de parceira, cambão, foreiros, etc.
Em l.958, o Partido Comunista reconhece que, mesmo com a predominância do
latifúndio e das relações "semi-feudias" de produção no campo brasileiro, ocorre um
desenvolvimento das forças produtivas. Nesse mesmo ano, o Comitê Central do PCB, apresenta
sua política para a Reforma Agrária com a proposta de formação de uma frente única
"...composta pela classe operária, pelos camponeses, pela pequena burguesia urbana, pela
burguesia e pelos setores latifundiários que possuem contradições com o imperialismo
americano."41
Assim, dever-se-iam reunir todas as forças contra o modo de produção feudal, também
contra o imperialismo norte-americano, considerado o centro das contradições da sociedade
brasileira, privilegiando os meios pacíficos e legais de organização, pelos quais se deveria
conquistar a Reforma Agrária com a mobilização da população, procurando revogar o
parágrafo da Constituição que estabelecia que as desapropriações só poderiam ser feitas com a
justa indenização em dinheiro, além da conquista de direitos trabalhistas como aposentadoria,
férias, direitos já assegurados aos trabalhadores urbanos. Mais tarde, o PCB irá incluir outro
elemento na frente única, que são os grupos imperialistas contrários ao imperialismo norte-
americano.
Esta postura de "Aliança Democrática Revolucionária" do PCB irá tornar clara a
divergência entre o Partido e as Ligas camponesas na luta pela Reforma Agrária. Embora ambos
usassem o termo "Reforma Agrária Radical", havia muitas divergências entre eles. Para o PCB,

40 MEDEIROS, Leonilde Sérvolo. História dos Movimentos Sociais no


Campo. Rio de janeiro, Fase,l989. p.27
41MARTINS,José de Souza . Op. Cit. , p.85.

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a Reforma Agrária seria em etapas e através de medidas parciais sustentadas pela proposta de
frente única. Para as Ligas, a "Reforma Agrária Radical" não poderia vir em aliança com a
burguesia e setores latifundiários, sendo necessário o fim do monopólio da terra. "Para as Ligas
não havia contradição essencial entre os latifundiários e a burguesia como entendia o PCB." 42
A união de liberais e conservadores contra a reforma agrária ficou demonstrada pelo golpe de
estado de l964 e elaboração do Estatuto da Terra.
Em época mais recente, podemos perceber, também, a aliança entre liberias e
conservadores. O anúncio do PNRA levou OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras)
apesar de suas posições liberais, juntar-se aos latifundiários da CNA (Confederação Nacional da
Agricultura) e SRB (Sociedade Rural Brasileira) para impedir a implantação da Reforma
Agrária, sendo criado o estranho Congresso Brasileiro sobre a Reforma Agrária.
No Congresso Camponês de Belo Horizonte ficou marcada a posição predominante das
ligas, embora com número bem menor de Delegados (125 das Ligas e 1.220 da ULTAB/PCB), a
influência maior e as decisões tomadas no Congresso foram pelas idéias das Ligas que
defendiam a seguinte palavra de ordem: "Reforma Agrária na Lei ou na Marra".
Os vários diagnósticos, entre eles os inspirados em parâmetros teóricos da CEPAL,
procuravam demonstrar que a presença do latifúndio e da concentracão de terra representava um
atraso econômico e limitava a industrialização do Brasil, pois significava dificuldades na oferta
de alimentos às cidades, já que a produção não reagia na mesma proporção das necessidades.
Essas condições levariam à elevação dos preços dos alimentos e, consequentemente, do salários,
tornando inviável o processo de industrialização e não permitia a ampliação do mercado interno,
pois as fazendas eram quase auto-suficientes e não adquiriam grande parte dos produtos que
necessitavam.43
No entanto, o processo de industrialização avança e amplia sua participação na
agricultura, e a concentração fundiária, o latifúndio permaneceu presente e até aumentou neste

42Id. Ibid., p.89


43SILVA, Jose Graziano da. O que é Questão Agrária. São Paulo,
Brasiliense. l.986. p.29

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período de expansão da indústria na agricultura, a partir de meados da década de 60,
provocando a expulsão de milhares de trabalhadores rurais (parceiros, pequenos proprietários,
rendeiros, etc.).
Os agricultores expropriados e expulsos da terra acabaram deslocando-se em grande
parte para as cidades, proporcionando elevada urbanização, criando, assim, o mercado
consumidor para os produtos industrializados, sem aumentar o poder de consumo dos
trabalhadores.
A aceleração da concentração fundiária ocorreu no período conhecido como do
"milagre brasileiro" (67/72), em que muitas grandes propriedades acabaram engolindo as
pequenas através do processo chamado "processo de fagocitose",44 além da concentração com a
apropriação das terras na Amazônia.
Devido à estrutura fundiária altamente concentrada, com a presença do latifúndio
improdutivo, o campo brasileiro foi e tem sido palco de inúmeros conflitos de terra em todo
território, especialmente nas regiões de colonização mais antiga (Centro-Sul e Nordeste) que
concentram, juntas, mais de 70% dos conflitos ocorridos no campo.
A expropriação dos camponeses intensificou-se com a proposta do governo militar que
procurou implementar a modernização da agricultura através de mecanização, uso de
fertilizantes, crédito rural para a aquisição de máquinas e produtos industriais. Entre l960 e l970,
o emprego de tratores triplicou (6l.338 para l65.870); o número de empresas que empregam
fertilizantes industriais, entre l970 a l975, foi de 6.093 para 36.555, e o emprego de agrotóxicos,
de l965 a l980, passou de 24.6 ton. para 80.9 ton.45
Muitos trabalhadores que perderam suas terras tiveram que migrar para as cidades, para
a Amazônia (Mato Grosso e Rondônia) e para o Paraguai. Uma alternativa criada por esse
grande número de trabalhadores expulsos da terra é a recusa à proletarização com a luta pela
permanência ou retorno à terra, através de ocupações de grandes propriedades improdutivas que

44 O termo "processo de fagocitose" corresponte ao processo de anexação de


imóveis em que as grandes propriedades vão engolindo as pequenas
propriedades que estão à sua volta.
45 MOREIRA, Rui. Op. Cit., p.68.

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passaram a ocorrer em todo o território brasileiro. Somente em dois anos (9l/92) ocorreram mais
de l00 ocupações de latifúndios em vários Estados brasileiros.
Essa forma de recusa à proletarização e a evidência das contradições, intensificaram
com a abertura política e o estrangulamento do plano dos militares que, durante o período em
que estiveram no governo, mostraram a sua capacidade anti-democrática com a perseguição a
todos os tipos de movimentos camponeses, como foi o caso das Ligas Camponesas, no
Nordeste, logo após o golpe de Estado de l.964.
Neste período, os movimentos camponeses sofreram um refluxo diante da repressão
empreendida pela ditadura militar, com a proibição de manifestações, greves, etc. "Nas área de
conflitos mais intensos, foram realizadas verdadeiras ocupações militares. Muitos trabalhadores
foram presos. Os despejos passaram a se suceder, agora sem nenhum tipo de resistência e
desapropriações feitas foram revistas e muitas áreas foram devolvidas a seus antigos donos." 46
Implantou-se no Brasil um clima de terror e todas organizações camponesas foram
reprimidas. Os únicos que persistiram com muita dificuldade foram os sindicatos que, em vez de
empreender a luta por Reforma Agrária e melhores condições na relação proprietários de terra
- capital - trabalho, passaram a exercer atividades basicamente assistenciais (Funrural,
assistência médica, dentária, etc.).
A Reforma Agrária dos militares foi propagada com a distribuição de títulos de posse
de terra nos projetos de colonização, às margens das estradas da Amazônia, com a entrega de
l.000.000 de títulos, no governo Figueiredo, com a idéia de que, se existisse homem sem terra
no Nordeste e terra sem homens, na Amazônia, deviam-se juntar tais elementos com a finalidade
de aliviar as tensões sociais nas regiões de conflito, funcionando como uma válvula de escape.
Os projetos de colonização serviram para desmobilizar a luta pela terra e, também, como forma
de desbravar as terras através da mão-de-obra barata desses camponeses. Essas propostas logo
apresentaram grandes dificuldades, como a falta de estradas, acesso aos mercados de consumo,
assistência médica, condições de produção; isso causou completo abandono dos que migraram
em busca de terra nesses projetos de colonização. Além disso, um grupo de trabalho (IPES) foi
46 MEDEIROS, Leonilde Sérvolo. Op. Cit., p.86.

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encarregado de elaborar um proposta de Reforma Agrária, com objetivos prioritariamente
técnicos, ou seja, a modernização da estrutura agrária visando conter os conflitos no campo e
proporcionar o aumento da produtividade agrícola e o desenvolvimento das forças produtivas.
No ano do golpe, foi aprovado o Estatuto da Terra, proposto pelo governo, baseado em
um modelo essencialmente desenvolvimentista e em comum acordo com os latifundiários,
estabelecendo a divisão dos imóveis rurais em minifúndio, latifúndio por exploração, latifúndio
por dimensão e empresa rural.
O latifúndio e o minifúndio, fontes geradoras dos conflitos, seriam substituídos pela
empresa rural através de desapropriações, pois uma emenda constitucional garantia a
desapropriação por interesse social sem a justa indenização em dinheiro, e sim por meio de
Títulos da Dívida Agrária.
O latifúndio era considerado uma irracionalidade e seria substituído por uma exploração
"racional", ou seja, a empresa rural capitalista. Esse modelo ideal de imóvel rural cumpriria
função social da terra determinada pela Constituição.
Essa forma de substituição dos latifúndios pela empresa rural através de
desapropriações por interesse social, ficou para segundo plano, sendo dada preferência à
tributação para a extinção dos latifúndios, em que o acessório (tributação e colonização) tornou-
se o elemento principal para implantação da Reforma Agrária, em desacordo com o Estatuto da
Terra que previa, claramente no capítulo I do título II, que a desapropriação por interesse social
seria uma das medidas fundamentais para permitir o acesso à terra. Dessa forma, a tributação e a
colonização foram confundidas com a própria Reforma Agrária. "De resto, a pressão tributária,
em nenhum país, até hoje, levou à melhor distribuição de terra, quando já estabelecido o sistema
de propriedade. O Estatuto da Terra desdenhou, adotando-a, no entanto, como instrumento
auxiliar inserido na área da Política Agrícola (título III) e não como um instrumento típico de
Reforma Agrária. E a expectativa era a de que o peso do Imposto Territorial Rural (ITR)
dificultasse, nas áreas ainda não ocupadas, a formação de enormes latifúndios. Ocorre que o
Imposto Territorial Rural (ITR) nunca foi cobrado seriamente, a tal ponto que, em l976, foram
pagos apenas 7,7% do tributo devido pelos latifúndios por dimensão. Podem ser creditadas,

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portanto, à omissão do próprio Governo na cobrança de seu tributo e à distribuição de
incentivos fiscais, a formação de enormes latifúndios hoje existentes nas áreas ocupadas nos
último vinte anos".47 A tabela abaixo nos dá a idéia do pagamento do ITR pelos proprietários
rurais.

PAGAMENTO DO ITR POR CATEGORIA DE IMÓVEL (%)


Imóvel Pagam Sonegam
Minifúndio 6l 39
Emp. Rural 79 2l
Lat. Exploração 39 6l
Lat. Dimensão 4 96
Fonte: MIRAD ( in: OLIVEIRA, 1992: 26)
O Estatuto da Terra jamais seria posto em prática; além disso, fazia da "...reforma
agrária brasileira, uma reforma tópica, de emergência, destinada a desmotivar o campesinato
sempre e onde o problema da terra se torna tenso, oferecendo riscos políticos".48
Uma das exceções de desapropriação, para fim de interesse social, foi a usina Caxangá,
em l.965, no Estado de Pernambuco, ocasionando reação por parte dos latifundiários. Havia,
também, proprietários que tinham interesse que seu imóvel fosse desapropriado.
A política agrária do governo militar, contribuiu para que muitos grupos econômicos,
nacionais e estrangeiros, adquirissem grandes áreas de terra na Amazônia, para instalação de
projetos agropecuários. Para isso, foram concedidos incentivos fiscais através da SUDAM,
como, por exemplo, a isenção de imposto de renda, demonstrando a aliança entre o governo, a
burguesia e os latifundiários. Assim, os capitalistas do centro-sul do País ou estrangeiros
tornaram-se grandes latifundiários incentivados por este meio. A partir daí, intensificam-se os
conflitos entre empresas agropecuárias, posseiros e indígenas, na Amazônia, o que provocou
verdadeira guerra civil no campo, como pode ser observado através dos assassinatos, ameaças,
perseguições, além de elevar a concentração fundiária, visto que as empresas apropriaram-se de
grandes áreas de terra.
47 SILVA, José Gomes da. Caindo por terra (Crises da Reforma Agrária na
Nova República).São Paulo,Busca Vida, 1987.p.l03.
48 MARTINS, José de Souza. Op. Cit., p.96.

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No final da década de 70, surgem os primeiros sinais de esgotamento do plano político e
agrário dos militares, com manifestações públicas de protestos, como as que acompanharam o
assassinato de Vladimir Herzog; a onda oposicionista, com a vitória do MDB em l.974; as
greves no ABC e a própria expropriação do pequeno proprietário, neste período, com as
mudanças ocorridas na agricultura; a atuação da CPT e do sindicalismo combativo entre os
trabalhadores rurais. Foram esses alguns indicadores de aversão ao governo ditatorial.
Do ponto de vista agrário, intensificam-se as lutas no campo, como por exemplo, as
greves de cortadores de cana na Zona da Mata, em Pernambuco, mobilizando cerca de 20.000
trabalhadores, em l979, e 240.000 em l980. A greve sustentou-se na mobilização dos
trabalhadores permententes, os fichados, mas procurando também envolver os clandestinos, ou
seja, aqueles sem vínculos empregatícios, cuja participação era fundamental para obtenção de
melhores resultados aos trabalhadores.
A reivindicação desses trabalhadores exigia melhorias salariais e condições de trabalho
como férias, repouso remunerado, equipamentos de proteção, assinatura de carteira de trabalho
e o direito à terra, com o cumprimento da lei do sítio, demonstrando que os trabalhadores
assalariados não exigem somente melhores salários mas, sobretudo, a terra. A experiência da
greve de Pernambuco serviu como modelo de organização a outros movimentos grevistas que
ocorreram, na região nordeste, como no Rio Grande do Norte em l982 e, na Paraíba, em l984,
porém sem articulação entre eles. Os movimentos foram marcados por dura repressão, mas
resultaram numa série de reivindicações atendidas. Foi necessário empreender novas lutas para
garantir o cumprimento dos acordos.
Outra frente de luta, foi a greve de assalariados que ocorreu em São Paulo, na região de
Ribeião Preto (Guariba), em l984, e surge contra as péssimas condições de trabalho.
Praticamente desorganizados, (o sindicato foi criado no processo) e a CPT apenas iniciara os
trabalho na região, quando ocorre a insurreição dos trabalhadores contra o sistema de ruas
introduzido pela usinas, que levou ao ataque do supermercado em que os trabalhadores faziam
suas compras, e, também, às instalações da Sabesp.

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Outro fato que demonstra o esgotamento do plano político e agrário dos militares foi o
surgimento, no final da década de 70, da luta dos pequenos proprietários, integrados à indústria,
contra a política agrícola governamental voltada para o grande proprietário e por melhores
preços de seus produtos. Esses movimentos manifestaram-se através de atos públicos,
assembléias, fechamento de rodovias e agências bancárias, interrompendo a entrega de
produtos, numa ação de protesto contra as indústrias que atuavam no setor e o Estado.
Neste contexto, em que a Reforma Agrária e as lutas no campo eram tratadas como
caso de polícia, ocorre o aumento da concentração fundiária, uma das principais características
do campo brasileiro, razão maior do surgimento dos movimentos camponeses e sem-terras,
principalmente depois da abertura política que permitiu sua proliferação e a ampliação da
organização dos trabalhadores rurais, espalhando-se por todo o território brasileiro.
MEDEIROS (1989), MARTINS (l990), GRZYBOWSKI (l990), OLIVEIRA (l99l)
destacam os seguintes movimentos sociais no campo, hoje: O movimento dos posseiros,
Indígenas, peões, brasiguaios, barragens, camponeses integrados, boias-frias e sem-terra.
Esses movimentos tem surgido como forma de luta contra a expulsão/expropriação e
exploração ocorridas no campo brasileiro. A perda da terra por muitos pequenos lavradores
levou a uma concentração ainda maior da terra no Brasil. A expulsão/expropriação torna-se a
principal característica para que o capital possa expandir-se e sujeitar o trabalho no campo,
separando o trabalhador dos meios de produção. Com a expulsão/expropriação, o capital cria o
outro lado do processo, ou seja, a exploração do trabalhador expropriado. Daí em diante, o
trabalhador terá que vender sua força de trabalho de acordo com as leis de mercado, como
assalariado rural ou urbano.49

2 - ORIGEM DA LUTA DOS SEM TERRA


A origem da luta do sem-terra tem início no final da década de 70 por trabalhadores
excluídos e expropriados com o processo de modernização, ocorrida na agricultura, que levou à

49 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Agricultura Camponesa no


Brasil. São Paulo, contexto, 199l, p.110/11.

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expulsão de muitos trabalhadores do campo, principalmente no centro-sul. Esses trabalhadores,
através de ação de resistência, passam a promover ocupações de grandes propriedades,
recusando a proletarização e o deslocamento para a Amazônia, em vista da dificuldade de se
reproduzir, como camponês, nessa região. No entanto, simultaneamente à expropriação com o
desenvolvimento do capitalismo no campo, abre-se a possibilidade de retorno à terra, não só em
lugares distantes como a Amazônia e Paraguai, mas na mesma região onde foram expropriados
e expulsos da terra, através das ocupações de terra e dos assentamentos.
Os primeiros movimentos surgem de forma isolada, já que não havia contatos entre si,
como a ocupação das fazendas Macali e Brilhante, em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. No
Paraná, ocorre a luta dos agricultores que perderam suas terras com a barragem de Itaipu, no
movimento "Justiça e Terra", reivindicando a justa indenização das terras; em Santa Catarina,
ocorre a ocupação da fazenda Burro Branco, no município de Campo-Erê. Nesta mesma época,
ocorre a ocupação da fazenda Primavera, em Andradina. Em Mato Grosso do Sul, ocorre a luta
de resistência na terra pelos camponeses arrendatários, em Glória de Dourados e Naviraí.
Em Naviraí, foi iniciado o movimento de resistência na terra pelos arrendatários que
derrubavam as matas e formavam pastagens nas fazendas Entre Rios(40 famílias), Água Doce
(40 famílias) e Jequitibá (160 famílias), com forte participação da CPT e do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Naviraí na organização do movimento. Os arrendatários, através do
advogado Joaquim das Neves Norte, moviam ação contra os proprietários pela permanência na
terra por mais três anos, devido às irregularidades existentes no primeiro contrato de
arrendamento. Contrariando a lei, o contrato foi feito apenas por dois anos. Em l980, a justiça
dá ganho de causa aos arrendatários da Fazenda Jequitibá, autorizando a sua permanência nos
lotes pelo período de um ano. Com a atuação da CPT e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Naviraí, os arrendatários passam a reivindicar a desapropriação da Fazenda Jequitibá para
Reforma Agrária. A resposta do proprietário foi a liberação de cerca de 5.000 cabeças de gado
sobre a plantação dos arrendatários. O advogado pede a aplicação das normas legais do Estatuto
da Terra, com a desapropriação da área para fins de Reforma Agrária. Ao passo que a pressão e
organização dos arrendatários aumentavam, recrudeciam as represálias dos proprietários. "Neste

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mesmo ano de 1982 aconteceu um fato grave, dando um desfecho dramático ao conflito
iniciado em l979 na cidade de Naviraí. O advogado Joaquim das Neves Norte, já mencionado
anteriormente, é assassinado em frente à sua casa, no dia 12 de junho, a mando dos
fazendeiros".50 Este fato acabou desmobilizando a organização dos arrendatários e muitos,
temendo o ataque de jagunços, deixaram os lotes, buscando um novo arrendamento que havia
sido iniciado na fazenda Curupaí, além do despejo das famílias da Fazenda Jequitibá que
resistiram na área. Estava lançada, em Mato Grosso do Sul, a semente da luta e organização
dos trabalhadores sem terra.

3 - A LUTA DO SEM-TERRA EM MATO GROSSO DO SUL


Consideramos que o marco inicial da luta do sem-terra em Mato Grosso do Sul foi o
movimento dos arrendatários de Naviraí; no entanto, essa iniciativa foi isolada. Será, nesta
região de Mato Grosso do Sul, que os conflitos pela terra se intensificarão a partir do final no
final da década de 70 e início de 80. Atualmente, apresenta-se como área de grande tensão
social.
No final da década de 70, aconteceram encontros entre lideranças de sem-terras,
promovidos pela CPT, em todo o Brasil. Em 1978, a CPT-MS promove vários encontros
intermunicipais na região da Grande Dourados, e foi este trabalho de organização do sem-terra
pela CPT, que deu base para o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), em Mato Grosso do Sul.
A partir deste momento, a CPT procura criar as "Comissões Municipais de Sem-Terra",
despertando consciência política desses trabalhadores. Em 1982, as Comissões encontravam-se
organizadas em 11 municípios, quando é realizado, em Glória de Dourados, nos dias 3 e 4 de
Abril de 1982, um encontro com a presença de sem-terras de vários municípios, sendo criada,
aí, a "Comissão Estadual do Sem-Terra", composta por 11 membros, representando o sem-terra
de cada um dos municípios onde havia Comissões Municipais. A Comissão Estadual procura
50SOUZA, Claudio Freire de. O Homen e a Terra: A luta dos sem terra e a
Educação nos assentamentos do Sul de Mato Grosso do Sul. Campo
Grande, UFMS, 1992, Dissertação de Mestrado, p.45.

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dar maior direcionamento à luta e organização dos sem-terras. Nesse momento, os sem-terras
procuravam articular-se com um pequeno número de sindicatos considerados combativos,
independente das posições da FETAGRI/MS, desacreditada por grande parte dos trabalhadores
em virtude das posições tomadas junto ao governo.
Na estratégia de luta da CPT, " o primeiro momento era esgotar as vias legais,
acreditando, que era possível convencer o governo apenas com um 'abaixo-assinado' de 3.600
assinaturas a fazer a reforma agrária no Estado"51, quando havia grande esperança no governo
eleito em 1982 pelo PMDB, na solução dos problemas do sem-terra, época em que ocorre um
refluxo do movimento. O rompimento da relação amigável entre a CPT e o governo ocorre com
as posições tomadas no despejo das famílias de arrendatários da Fazenda Jequitibá, em julho de
1983.
Em 1984, em estudo sobre reforma agrária realizado na cidade de Fátima do Sul, com
acessoria de Miguel Presburger e João Pedro, ocorre mudança da estratégia de luta dos sem-
terras. " É neste contexto que se fala que uma das formas de se fazer reforma agrária é fazendo
ocupações de terra, por que é uma maneira mais fácil de organização e taticamente representa
um ataque aos inimigos. De fato, percebendo que todo o trabalho de troca de correspondências e
negociações entre governo e o sem-terra não havia dado resultado, optaram pelo caminho da
ocupação"52
A primeira ocupação ocorrida, nesta fase da organização do sem-terra, foi a Gleba Santa
Idalina, em 28 de abril de 1984, no município de Ivinhema, de propriedade do grupo SOMECO,
envolvendo trabalhadores sem terra de 11 municípios da região e de brasiguaios.
A ocupação das terras do grupo SOMECO tornou-se fato de destaque em Mato Grosso
do Sul, fazendo vir a público os conflitos e as contradições existentes com a injusta distribuição
de terras, sufocados durante o período da ditadura militar. Também é dada ao conhecimento

51 CPT. História da Comissão Pastoral da Terra/ Mato Grosso do Sul-


Período 78/92 - Participação/contribuição da CPT nas lutas dos trabalhadores
rurais em MS. CPT Regional MS, Campo Grande,1993. p. 36.
52 Id., Ibid., p. 38.

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público a questão, que envolve a posse da terra no Estado, onde uma oligarquia regional, detém
o monopólio da posse da terra e o controle do Estado.
A ocupação da Gleba Santa Idalina faz os latifundiários se "preocuparem" com a
organização dos trabalhadores sem terra, posicionando-se rapidamente em defesa do
proprietário daquela terra, além da ação judicial (reintegração de posse) movida pelos
proprietários da gleba.
As declarações de autoridades do poder público (Secretário de Segurança Pública de
Mato Grosso do Sul e do deputado Nelson Trad), veiculadas na imprensa, dão idéia de como
elas concebiam a ocupação da Gleba Santa Idalina. "Não vamos mais permitir movimentos
organizados que visem criar focos de intranquilidade em nosso Estado, através da desordem,
do pânico e do caos. Estamos realizando uma sindicância especial para apurar os verdadeiros
responsáveis pela invasão coordenada da Gleba Santa Idalina, em Ivinhema" e que os
trabalhadores não seriam capazes de organizar tal movimento, pois "os invasores, segundo
relato fartamente documentado, se constituem em sua maioria de velhos, reedição grotesca do
exército de brancaleone, substrato paupérrimo trabalhado por ensimas de grande poder
catalítico, estes sim, os verdadeiros marginais da história "53
Reação contrária à organização do sem-terra partiu da UDR, que se estruturava a nível
nacional, bem como no Estado.Composta basicamente por pecuaristas, teve seu início em Mato
Grosso do Sul na cidade de Dourados, centro próximo à região de grandes conflitos. Seu ataque
inicial foi contra a CPT e Igreja Católica, onde estava a base da organização do sem-terra em
Mato Grosso do Sul, neste momento.
Criadas essas condições "preliminares" pela atuação massiva da Igreja na organização
do sem terra, surge em Mato Grosso do Sul o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra). No final do ano de l.986, ocorre a separação entre a atuação da CPT e do MST, com a
vinda de um de seus membros da Direção Nacional, Darci Domingos Zehn e sua esposa, que irá
liderar a ocupação da Fazenda Itasul no município de Itaquiraí, em l.989. Essa foi, portando, a
primeira ocupação organizada pelo MST em Mato Grosso do Sul.
53 Jornal O Progresso. Dourados, 18 e 30/05/84, p. 1 e 2.

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Conforme o MST foi adquirindo autonomia, passou a encaminhar a luta pela terra no
Estado, surgindo aí dificuldades no relacionamento entre a CPT e o MST. Cada um passa a
encaminhar suas lutas separadamente. A partir de 1991, a CPT/MS passa a atuar
prioritariamente nos assentamentos, enquanto o MST procura atuar na organização dos
trabalhadores sem terra de forma mais ampla, preocupando-se com a organização e luta pela
conquista da terra e também desenvolvendo trabalho nos assentamentos.
Como já nos referimos, o MST, a nível nacional, surge de movimentos isolados de
trabalhadores sem terra nos Estados de RS, SC, PR, MS e SP. A partir daí, surge a necessidade
de intercâmbios realizados através de encontro de trabalhadores sem terra. É realizado, em
Medianeira no Paraná, o primeiro grande encontro de sem-terras dos cinco Estados do Sul. Em
janeiro de l.984, acontece em Cascavel o I Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, nascendo aí o MST, onde foram definidos os princípios, forma de organização,
reivindicações e forma de luta do Movimento. Em l.985, no I Congresso Nacional, foi definido
que as ocupações seriam as principais formas de lutas. A Coordenação Nacional e os objetivos
gerais do MST também foram definidos e são os seguintes:
"l - Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha;
2 - Lutar pela Reforma Agrária;
3 - Lutar por uma sociedade sem explorados e exploradores;
4 - Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical para conquistar a
Reforma Agrária;
5 - Organizar os trabalhadores rurais na base;
6 - Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político;
7 - Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política de trabalhadores;
8 - Articular-se com os trabalhadores da cidade e da América Latina".54
O Movimento, com seu caráter sindical, popular e político, passa a representar uma
nova fase na organização dos trabalhadores sem terra, com novas formas de luta para a

54 MST. Agenda do MST. l994. p. s/p. Sobre os princípios e objetivos gerais


do MST, ver: Construindo o Caminho., São Paulo, MST, 1986, p. 44/5.

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conquista da Reforma Agrária, fazendo com que a sociedade veja a sua condição de
marginalizado e excluído do processo produtivo e da apropriação da terra, e criando situações
para envolver o Estado na questão da terra, através de caminhadas, ocupações de órgãos do
governo, atos públicos, audiência com autoridades do governo, etc. No entanto, a forma de luta
que tem proporcionado mais resultados positivos é a ocupação de terras e os acampamentos.
As ocupações ocorrem, geralmente, após várias negociações com o governo, para
desapropriação de alguma área de terra; mas o governo se mostra incapaz. Devido ao seu
comprometimento político, ou mesmo por falta de vontade, não procura resolver a questão.
Assim, o movimento parte para as ocupações, que são feitas com grande número de
trabalhadores rurais, vindo de várias partes e sempre levando em consideração a facilidade de
acesso e de desapropriação do latifúndio a ser ocupado, mesmo que a área não seja suficiente
para assentar todas as famílias. O mais importante é criar o fato político e que a sociedade,
através da imprensa principalmente, veja o problema do sem-terra.
Antes da ocupação, a liderança procura informar as famílias sobre a vida no
acampamento e dar noções de organização afim de formar politicamente as famílias, fato que
será reafirmado durante o acampamento. No acampamento, existe uma organização interna
através das Comissões e Coordenação Geral, procurando dividir as responsabilidade entre
todos, distribuindo cargos e tarefas. "Esta descentralização propiciou uma organização em torno
da qual os Sem Terra passaram a ter oportunidade de se tornarem sujeitos do próprio processo,
participando ativamente da luta pela reforma agrária"55
As Comissões ou Brigadas são formadas no acampamento procurando envolver toda a
família (mulheres, jovens, etc.) e são encarregadas da segurança, da saúde, da higiene, do
transporte, do ensino, da imprensa e reza do acampamento.
Atualmente, o Movimento apresenta-se organizado em acampamentos de famílias e
assentamentos de forma articulada em 22 estados brasileiros (1995) e vem recebendo adesão

55 LISBOA, Teresa Kleba. A Luta dos Sem Terra no Oeste Catarinense.


Florianópolis, MST, l988. p.101.

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cada vez maior de trabalhadores, técnicos, políticos, professores, advogados, religiosos e
apresentando resultados e alternativas na luta pela Reforma Agrária.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o que apresenta maior grau
de articulação interna entre os movimentos de luta pela terra e, por isso, revela maior
homogeneidade nas forma de luta em seus vários conflitos particulares.
GRZYBOWSKI (1990) argumenta da seguinte forma sobre o Movimento: "Apesar de
se autodefinir como 'articulação de lavradores dentro do Movimento Sindical' e de estar em
vários municípios articulados aos sindicatos, sobretudo com aqueles que sofreram a renovação
com a chamada 'oposição sindical', a desenvoltura e agilidade do movimento reside na sua
estrutura própria e no apoio que lhe empresta a Igreja. Não só tendem a ser tensas as relações
entre o movimento sem-terra e a estrutura sindical, mas também as Federações e a Contag têm
dificuldades em reconhecer este amplo movimento de luta pela terra que não se submete à sua
direção e disciplina"56
Com base no II Congresso Nacional do MST, GÖRGEN e STÉDILE (1993) destacam
as principais reivindicações que caracterizam a proposta de Reforma Agrária do MST:
Desapropriação dos latifúndios; desapropriação das terras de propriedade de multinacionais;
definição de um tamanho máximo de propriedade rural, partindo da idéia de que nenhuma
família, mesmo no capitalismo, precisa de uma área superior a 750 ha para progredir; contra os
projetos oficiais de colonização, porém dando atenção especial aos projetos já realizados;
política agrícola voltada para o pequeno agricultor; autonomia para os projetos indígenas;
desapropriação das áreas próximas aos açudes, no nordeste, para o assentamento dos
trabalhadores rurais; punição aos assassinos de trabalhadores rurais e desapropriação das áreas
onde foi encontrado trabalho escravo; cobrança sumária do ITR. 57
Os primeiros anos do Movimento dos Sem-Terras estiveram marcados pela prioridade à
conquista da terra com a idéia de que "terra não se ganha, se conquista" e a atuação maior era

56 GRZYBOWSKI, Cândico. Caminhos e Descaminhos dos Movimentos


Sociais no Campo. Petrópolis, Vozes, l.987.p.22.
57 GÖRGEN, Frei Sérgio e STÉDILE, João Pedro. A Luta pela Terra. São
Paulo, Scrita,l.993, p.45/6.

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no processo de conquista e luta pela terra, através das ocupações. Diante da experiência
adquirida neste período de lutas, novas necessidades passaram a surgir, já que ocupar, parcelar
o latifúndo e conquistar a terra não eram condições suficientes para resolver os problemas
básicos dos trabalhadores rurais sem terra, como a fome, expropriação, moradia, etc.
Os proprietários de terra e as forças conservadores, através da UDR, investiam
(inclusive por meios violentos) no fracasso da política do MST e da Reforma Agrária,
procurando "passar" a idéia, através dos meios de comunicação, de que os assentamentos eram
inviáveis, pois estes eram verdadeiras favelas rurais, devido à miséria aí existente e a baixa
produtividade agrícola.
Em l.989, durante o V Encontro Nacional do MST, é definida a palavra de ordem
Ocupar, Resistir e Produzir, como resultado do amadurecimento e experiência de luta, a fim de
avançar no processo de organização do sem-terra. A preocupação daí em diante não seria
somente a conquista da terra, mas também era preciso pensar no modo como se vai produzir na
terra.
Deste amadurecimento da luta pela terra, surge a proposta da Cooperação Agrícola nos
Assentamentos. A preocupação com a produção nos assentamentos não seria apenas para
demonstrar que eles produzem bem mais que o latifúndio desapropriado e rebater as críticas da
UDR mas, antes de tudo, como forma de resistência e proposta política para fortalecer a luta
pela Reforma Agrária. "...as associações e cooperativas não devem se organizar apenas com
objetivos econômicos, mas também com objetivos políticos, de longo prazo, que permitam
conscientizar os trabalhadores para fortalecer as suas lutas, tendo em vista a transformação da
sociedade, e chegar ao controle absoluto dos meios de produção".58
A Cooperação Agrícola nos Assentamentos é uma forma de somar esforços de cada
assentado para produzir, adquirir máquinas, ferramentas, insumos e em conjunto, utilizar
coletivamente a terra para aumentar a produtividade do trabalho e o volume de produção
negociado.

58__________________Assentamentos: Resposta Econômica da Reforma


Agrária. Petrópolis. Vozes. l99l, p.l46.

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Baseadas nos fundamentos econômicos do desenvolvimento da produção e consumo,
as cooperativas procuram utilizar a tecnologia, a divisão e especialização do trabalho,
modernização técnica, leis de mercado e outros meios para superar aquilo que o MST considera
como formas artesanais59 de produção agrícola, comum nos assentamentos, visando produzir em
escala, com possibilidades de obter maiores vantagens na comercialização da produção.
A participação do assentado nas cooperativas é voluntária; no entanto, a maioria dos
assentados dá preferência à produção individual familiar, sobretudo devido à sua herança
cultural e à concepção de desenvolvimento econômico, baseados no trabalho individual.
A opção pela participação nas cooperativas de assentamento depende de um
amadurecimento político de cada assentado, que geralmente tem início nos acampamentos. O
seu desenvolvimento está condionado às "condições objetivas" e às "condições subjetivas".
Por condições objetivas, entendem-se os fatores naturais (clima, solo, dimensão dos
lotes), capital disponível, mercados, insumos, etc. Por condições subjetivas, o grau de
consciência política, nível cultural, conhecimento técnico, suas perspectivas ideológicas e a
consciência de classe a qual pertence. 60
As cooperativas podem ser de comercialização e de produção. Nas primeiras, a terra e a
produção são individuais e, nas segundas, as cooperativas de produção podem ser da seguinte
forma:
" l - As terras podem ser de propriedade da cooperativa e serem escrituradas em nome da
cooperativa...
2 - O INCRA dá o título em lotes individuais. Mas os associados fazem um acordo passando,
em comodato parte ou toda a terra para a cooperativa cultivar;
59 Para o MST, existem comportamentos ideológicos que consistem em um
complexo de valores determinados pelas funções que cada indivíduo
desempenha no processo produtivo. Assim, "o comportamento ideológico do
camponês é um processo de organização de tipo artesanal, porque o
camponês (este artesão do campo) opera em um processo produtivo único
(sem divisão) no qual o produtor inicia e termina o produto." MST. Elementos
sobre a Teoria da Organização no Campo. Caderno de Formação n. 11,
1986, p.12
60 Ver sobre condições objetivas e subjetivas GÖRGEN, Frei Sérgio e
STÉDILE, João Pedro.1991, Op. Cit.p.148.

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3 - O INCRA dá um título coletivo, em nome de todos os agricultores(...) sem que os
agricultores saibam qual é o seu pedaço;
4 - Os agricultores tem seu lote, e apenas fazem um acordo simples de empréstimo de parte ou
de toda a terra para a cooperativa".61
Foi destacada aqui a forma de cooperação através das cooperativas de assentamentos;
no entanto, existem outras formas de cooperação, como as associações e grupos coletivos, semi-
coletivos, etc.

4 - A LUTA PELA TERRA EM ITAQUIRAÍ E A FAZENDA ITASUL


O município de Itaquiraí, bem como todo o sul de Mato Grosso do Sul, ocupado durante
a expansão pioneira, possuem um grande número de trabalhadores rurais sem terra. Isso deve-se
à forma como a terra foi apropriada nessa região, que não permitiu o acesso e a fixação do
homem à terra, pois a maior parte deles eram parceiros, arrendatários, peões e não-proprietários.
Após a derrubada das matas e formação das pastagens deveriam deixar o lote.
O número de pequenas propriedades é reduzido e muitos desses trabalhadores foram
expropriados e suas propriedades aglutinadas por médios e grandes proprietários.
Uma das consequências dessa situação, no município de Itaquiraí, foi a reação desses
trabalhadores, que ocuparam uma área de terra entre as fazendas Baunilha e Bulle, sob a
suspeita, por parte dos trabalhadores, de que fosse devoluta, no início da década de 80.
Com a nomeação de Pedro Pedrossian, para o governo do Estado de Mato Grosso do
Sul, é lançado o Projeto Guatambu com objetivos de melhorar a rentabilidade e a organização
da produção agrícola, com assistência técnica, mecanização, fornecimento de insumos,
facilidade de crédito, garantia de preço mínimo etc. A ação foi integrada, entre a Empaer e
Agrosul, e direcionada ao pequeno proprietário, procurando diminuir o êxodo rural em Mato
Grosso do Sul.

61 MST. Caderno de formação n. 20 (A Cooperação Agrícola nos


Assentamentos) l992, p. 30.

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Sobre esse projeto, foi feito anúncio com grande propaganda por parte do governo.
Nesta mesma época, trabalhadores sem terra de vários municípios da região ocuparam a área
intermediária entre as fazenda Bulle e Baunilha, em Itaquiraí. Uma das estratégias do sem-terra
foi utilizar o nome do Projeto Guatambu, fazendo uma grande placa com os símbolos do
Projeto, instalada perto do acampamnento como uma forma de respaldar a ocupação e o próprio
acampamento. Segundo um sem-terra participante da ocupação, "havia uma proposta do novo
governo de ajudar os pequenos com o Projeto Guatambu, então teve-se a idéia de colocar o
símbolo do projeto, que era o cabo da enxada, no acampamento; e aí, nós pintamos uma placa
com os dizeres do guatambu. Fui chamado na delegacia, pois todos sabiam que eu era pintor,
para dar explicação daquilo, sendo obrigado a retirar a placa." 62 O projeto não havia sido feito
para envolver-se na questão da posse da terra e estrutura fundiária e seria esperar muito que um
governo, sustentado pela ditadura militar, implantasse um projeto com a filosofia de
envolvimento com a posse da terra, como muitos procuram entender.
Após três dias de acampamento, é feita a retirada do sem-terra com forte aparato
policial da força militar, sendo despejados em uma área às margens da estrada MS l4l (atual BR
163), próximo ao Rio Itaquiraí. Soldados da polícia militar, destacados para esse fim, fizeram-se
presentes no município todo o tempo em que os sem-terras estiveram acampados, quando, após
um ano de acampamento, as 7l famílias, que restaram, foram transferidas para a Gleba Água
Limpa no município de Chapadão do Sul.
As 7l famílias foram assentadas em uma área de terra de fertilidade muito baixa, apesar
de existirem no lugar terras férteis. Desprovidos de recursos e créditos, tiveram péssimas
colheitas. Segundo um técnico da Secretaria de Estado da Agricultura, que participou da
elaboração e execução do projeto, os acampados de Itaquiraí "...tinham raízes e experiências
agrícolas em áreas de matas e foram colocados em região de campos, considerada uma das

62 Declaração obtida através de entrevista com o Sr. Osvaldo Andrelo,


participante da ocupação e acampamento, em l.98l, da área entre as fazendas
Bulle e Baunilha.

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razões do insucesso do assentamento, sendo transferidos para a Gleba Celeste no norte de
Mato Grosso".63
4.1 - A Fazenda Itasul - A Fazenda Itasul originou-se do lote Santa Dolores. Esse lote de terra
foi vendido pelo Estado como terra devoluta a Dolores Zavala Villalba, paraguaia e residente no
município de Ponta Porã, em l.93l. O lote Santa Dolores possuia uma área de 5.000 ha, no
município de Ponta Porã, e limitava-se-ao norte e oeste-com a linha divisória do arrendamento
da Cia Mate Laranjeira S.A.; ao sul, por um afluente do Rio Paraná que, mais tarde, seria
denominado de Rio Itaquirahy; e a leste, com o Rio Paraná. Eram terras próprias para pastagens,
agricultura e exploração ervateira (Em cerca de l/3 do lote encontravam-se raras espécies
ervaterias), conforme informações obtidas do agrimensor através do memorial descritivo.
Iniciada a medição do lote, em 0l/06/32, feita pelo agrimensor Antônio Menna
Gonçalves, ficou constatada uma área de l5.968 ha e não 5.000 ha como foi solicitado e
expedido pelo Estado no título provisório de posse. O Estado, então, exige o pagamento do
restante das terras em excesso. Em l.936, a proprietária desiste da aquisição do lote Santa
Dolores revertendo integralmente o mesmo ao Estado e solicitando que o valor pago de Rs.
l4:l67$750 fosse aplicado como parte do pagamento de outros dois lotes de sua propriedade
denominados Cambarembê e Cecy, também localizados no município de Ponta Porã. 64
63 Declaração obtida através de entrevista realizada com o Coordenador do
"Projeto Guatambu", Engenheiro Agrônomo, Gerônimo Alves Chaves, da
Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Agrário
(SECAP) de Mato Grosso do Sul.
64 "Faz saber aos que virem, que para servir de título provisório a Sra.
Dolores Zavala Villalba, da-se-lhe a seguinte cópia do termo de venda de um
lote de terras devolutas. Aos vinte e nove dias do mês de outubro de mil
novecentos e trinta e um nesta repartição, compareceu a Sra. Dolores Zavala
Villalba que requereu em data de 2l de julho de l93l, por compra ao Estado,
o lote de terras devolutas com área de 5.000 hectares, no município de Ponta
Porã, e disse em presença de testemunhas, abaixo assinadas, que lhe havendo
o Sr Delegado Especial de Terras e Obras Públicas, por despacho de vinte e
nove de outubro de l93l, concedido por título de venda, um lote de terras
devolutas, pastais e hervateiras de cinco mil hectares mais ou menos situados
no município de Ponta Porã, no local denominado Santa Dolores, limitando
ao norte e poente com a linha divisória da zona arrendada a Cia Mate
Laranjeira S.A, ao sul por um afluente do Rio Paraná, e ao nascente pelo Rio
Paraná desde a barra à linha divisória da zona arrendada a Companhia Mate
Laranjeira S.A... Delegacia Especial de Terras e Obras Públicas em Ponta

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Segundo a proprietária, o motivo da desistência da compra do lote Santa Dolores foi
porque ele estava em uma zona despovoada e de difícil acesso e comunicação, a não ser por via
fluvial, com navegação praticada pela Cia Mate Laranjeira em serviço único e particular, além
da falta de recursos para efetuar o pagamento da área em excesso de l0.868 ha.65
Segundo o memorial descritivo feito pelo agrimensor, as terras estavam cobertas em sua
totalidade por matas altas com abundância de madeira de lei e ervais. A existência de um porto
abandonado, no Rio Paraná, conhecido como "Lescano Cuê" havia servido ao escoamento de
erva. As vias de comunicação estavam restritas ao Rio Paraná e à estrada (de automóvel)
ligando Campanário ao Porto D. Carlos, no Rio Paraná. Encontravam-se, no lote,
arranchamentos provisórios de pau-a-pique cobertos de capim, feitos por ervateiros que
trabalhavam naquela região. Segundo alguns moradores antigos, eram posseiros que habitavam
a região e que, mais tarde, foram expulsos com a ocupação mais intensa da área.
Após a desistência de aquisição do referido lote de terra por Dolores Zavala Villalba,
este retornou ao Estado e, portanto, considerado como terra devoluta.
Em l.938 Antero Pereira requereu compra de 500 ha, abrangendo parte da antiga
fazenda Santa Dolores, o local conhecido como Itaquirahy, que quer dizer "pedra redonda do
rio", na língua Tupi-Guarani. Após a medição da área, ficou constatado um excesso de 5.971 ha,
já que a área demarcada somou um total de 6.47l ha, sendo vendida mais tarde a João Paulo
Cabreira e Geraldo Fernandes Fidelis, que lotearam parte da gleba, dando origem ao núcleo de
Itaquiraí. O restante das terras foi dividida entre vários requerentes:
Orfíria Fernandes Isnardi requereu em l.938, o lote Baunilha com uma área de 2.025 ha;
Air Catarina Serejo adquiriu dois lotes, um com 737ha e outro com l.011, denominados Santo
Antônio; Estela Batista Jurgielewicz requereu, em l.950, o lote Triângulo com 388 ha; Rosa
Serejo e Francisco Serejo adquiriram o lote 14 de Maio em l.948 com 5.097 ha; João Paulo

Porã, 29 de outrubro de 1931.”Conforme Título Provisório de compra do lote


Santa Dolores requerido em 21/10/31.
65 Conforme processo de medição e demarcação do lote Santa Dolores -
TERRASUL (Departamento de Terras e Colonização de Mato Grosso do sul)

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Cabreira adquiriu dois lotes. Um com área de 1.348 ha e outro com 4l8 ha denominados, São
Luiz e Santo Antônio.
Os lotes comprados do Estado não serão abertos incialmente com a derrubada de suas
matas, nem postos à produção agropecuária, com exceção de parte do lote Itaquirahy e de uma
parcela, à margem do Rio Paraná, que foi quase toda aberta por posseiros, praticando o cultivo
de lavouras de café, principalmente. Os posseiros foram sendo expulsos ou mortos com a
intensificação da ocupação da região no processo de avanço da "frente pioneira". Em um
cemitério clandestino às margens da antiga estrada que dava acesso ao Porto Santo Antônio
(MS-488), foram enterrados muitos cadáveres vítimas das disputas de terra entre o proprietário
do título e os posseiros, segundo moradores antigos do município.

Mapa: origem fazenda Itasul

"Através do deslocamento de posseiros é que a sociedade nacional, isto é, a branca,


expande-se sobre os territórios tribais. Essa frente de ocupação territorial pode ser chamada de
frente de expansão. Um segundo movimento é constituído pela forma empresarial e capitalista
de ocupação do território - é a grande fazenda, o banco, a casa de comércio, a ferrovia, a
estrada, o juiz, o cartório, o Estado. É nessa frente que surge o que em nosso País se chama
hoje, indevidamente, de pioneiro. São na verdade os pioneiros das formas sociais e econômicas
da exploração e dominação vinculadas à classe dominante e ao Estado. Essa frente pioneira é
essencialmente expropriatória porque está socialmente organizada com base numa relação
fundamental, embora não exclusiva, que é a de compradores e vendedores de força de trabalho.
Quando se dá a superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão é que surgem os
conflitos pela terra."66
Com exceção das áreas descritas acima (parte do lote Itaquirahy e a parcela à margem
do Rio Paraná), os lotes, que deram origem à fazenda Itasul, permaneceram cobertos por

66 MARTINS. José de Souza. Expropriação e violência. 3 ed., São Paulo,


Hucutec, 1991, p.67/8.

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florestas até a década de 60, e seus proprietários não exploraram a terra com produção
agropecuária. Com o avanço da "marcha pioneira" às terras do sul de Mato Grosso do Sul,
muitos fazendeiros de São Paulo e Paraná, principalmente, começaram a adquirir vários grandes
lotes dos primeiros proprietários, provocando a aglutinação destes lotes e intensificando-se,
ainda mais, a concentração de terras.
Alguns dos grandes lotes formadores da Fazenda Itasul foram desmembrados, como foi
o caso do lote Itaquirahy; mas a maioria permaneceu com as mesmas dimensões até o final da
década de 50, quando tem início aglutinação, formando um único lote, dando origem à
Fazenda Itasul com uma área de l3.993,4 ha até l.989. A fazenda Itasul é resultado da
aglutinação de l4 glebas adquiridas, em l.964, por Serafim Rodrigues de Moraes e Sérgio Lisa e
Adolpho Bulle (A-674ha; B-388ha; C-4l7,8ha; D-1.011ha; E-2.025ha; F-736,9ha; G-674ha;
H-597ha; I-l21ha; J-2.455ha; L-l45,2ha; M-1.050ha), e mais doi lotes, sendo um com 21.8ha de
Geraldo Fernandes Fidelis, e o outro, com 3.676,7ha de Raimundo Durães, José Sabó e Sérgio
Lisa).
Uma pequena porção, a leste, próxima ao Rio Paraná, e outra conhecida como
"Arrendamento dos 40", haviam sido abertas na Fazenda Itasul, quando o proprietário, em fins
da década de 60, resolve explorá-la mais intensamente com a prática da pecuária e entrega o
trabalho de derrubada das florestas aos arrendatários, que se inicia próximo à cidade de Itaquiraí
e avança para o local conhecido como "represa" e, posteriormente, em direção ao Rio Paraná,
sentido oeste/leste. Sobre os arrendatários é preciso esclarecer que a renda obtida pelo
arrendatário camponês é diferente da renda do arrendatário capitalista. "...a característica básica
entre a renda da terra camponesa e a renda capitalista da terra, reside no fato de que a primeira,
a camponesa, nasce na produção. É, pois , o próprio produtor que entrega diretamente para os
proprietários da terra um parte da produção, ou de dias de trabalho ou, ainda, uma parte da
produção convertida em dinheiro (renda em produto, renda em trabalho, e renda em dinheiro).
É, pois, o trabalhador que paga a renda. Entretanto, com relação à renda capitalista da terra, o
mesmo não acontece, pois esta não nasce na produção e sim na distribuição da mais-valia."67
67 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Op. CIT, p. 65.

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Na Fazenda Itasul e em toda a região sul de Mato Grosso do Sul ocupada com a
expansão pioneira, os arrendatários tiveram acesso periódico à terra, não com o objetivo de
extrair mais-valia com trabalho de assalariados, como ocorre com os arrendatários capitalistas
em algumas partes do país. Foram camponeses sem terra que trabalhavam com sua própria
família, na derrubada das florestas, pagando a renda, em produção ou em dias de trabalho, na
formação das pastagens no encerramento do contrato.
Os proprietários de terra realizavam a derrubada das matas e formação das pastagens
com o trabalho de trabalhadores arrendatários camponeses, praticamente o único momento em
que eles estiveram presentes na grande propriedade na região. Após os três anos de contrato
(quando era cumprido pelo fazendeiro o que determinava a lei), o arrendatário cedia lugar ao
gado, que é cuidado com o trabalho de funcionários assalariados.
Nos estabelecimentos acima de l.000 ha, ocorre, de maneira geral, o predomínio do
trabalho assalariado; participação de 80% do total do pessoal ocupado nesses estabelecimentos
brasileiros (dados de 1985). Por outro lado, o trabalho familiar tem uma participação de 88%
do pessoal ocupado nos estabelecimentos abaixo de 100 ha contra 12% de assalariados. Assim,
nos grandes estabelecimentos, há o predomínio do trabalho assalariado, já nas pequenas
propriedades o trabalho é essencialmente familiar.
A dimensão do lote dos arrendatários, na Fazenda Itasul, variava entre 5 a l5 ha e de
acordo com o número de trabalhadores de cada família ou com as possibilidades financeiras de
cada arrendatário. Aaqueles que tinham melhores condições possuíam até 50 ha e o cultivo era
feito com implementos próprios e alugados. Não havia prévia demarcação da área que seria
arrendada, podendo o arrendatário escolher o lote, contanto que já não estivesse ocupado e
cultivado por outro arrendatário, além da possibilidade de aumentar a sua área de derrubada e
plantio. No final das colheitas, cada arrendatário deveria pagar os l5% de renda de cada safra.
No encerramento do contrato havia obrigação de formar as pastagens, caso não fosse paga a
renda das colheitas.

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Ao final do contrato de três anos o arrendatário deveria restituir o lote limpo de pragas e
preparado ou plantado com capim, conforme o combinado. Se houvesse interesse entre ambas as
partes, o arrendatário dirigia-se para outra área da fazenda, repetindo o processo.
A maioria não possuía contrato e, quando feito verbalmente, era elaborado pelo próprio
administrador da fazenda, não tendo validade para a obtenção de financiamentos bancários
que, muitas vezes, eram de interesse dos arrendatários. Apesar da insistência dos arrendatários
para que fossem elaborados contratos, o proprietário recusava-se e a única vantagem ficava com
a própria fazenda que tinha garantidos os l5% da renda. Houve época em que a produção foi
muito baixa e a renda não cobria os gastos familiares e, mesmo assim, os arrendatários eram
obrigados a pagar a renda. Algumas vezes a prefeitura teve que fornecer alimentos aos
arrendatários.
Deve-se considerar que as outras fazendas do município estavam em estágio mais
adiantado de exploração e grande parte de suas florestas já haviam sido derrubadas na década de
60, também com o trabalho de arrendatários e de peões contratados pelos empreiteiros. Toda a
mata da Fazenda Itasul foi derrubada com o trabalho de arrendatários, de modo que, em meados
das década de 80, estava praticamente “aberta”. Neste momento, o proprietário resolve não
mais arrendar lotes e os arrendatários que ainda estavam na fazenda, cerca de 270 famílias,
deveriam deixar o imóvel. A articulação dos arrendatários, através do sindicato, pela
permanência na terra começa a se formar. Havia ainda os rumores de desapropriação por
interesse social, já que, na fazenda, tinha um grande número de arrendatários e havia sido
classificada pelo INCRA como latifúndio por exploração, através das várias vistorias realizadas
desde o início da década de 80. É, neste momento, que se intensifica a latência do conflito
existente na Fazenda Itasul, entre os arrendatários, que passam a lutar pela permanência na terra,
e o proprietário, que insiste na saída dos trabalhadores. Aqui a luta dos camponeses é contra a
expropriação/expulsão, o centro das contradições no campo, e não contra a exploração feita
pelo fazendeiro.
Consideramos que esse período de movimento dos arrendatários pela permanência na
terra é o momento de latência vivido pelo conflito porque, apesar de não estar declarado, de não

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vir a público, está presente e vivo na fazenda. A divulgação do conflito ocorrerá com a
ocupação da Itasul pelos trabalhadores sem terra que, organizados pelo MST, desenvolvem luta
integrada, de abrangência em nível nacional, manifestando o conflito e as contradições existente
no campo brasileiro.
Os movimentos não surgem num estalo ou passe de mágica, eles necessitam da
latência, e, no caso do movimento de ocupação da fazenda pelos sem-terras, essa latência do
conflito foi a situação vivida pelos arrendatários, considerada como um "pré-requisito" anterior
à manifestação explícita das contradições.
A latência do conflito na Fazenda Itasul, com o movimento dos arrendatários no início
da década de 80, pode ser observada através da elaboração de proposta feita pelo INCRA de
desapropriação de parte da Fazenda Itasul, que, após ter realizado vistorias no imóvel,
classificou-o como latifúndio por exploração, sendo possível, portanto, a desapropriação por
interesse social para fins de reforma agrária, conforme o Estatuto da Terra. Em l985, é proposto
pelo INCRA que se declare a Fazenda Itasul, área prioritária para Reforma Agrária, devido à
incidência de grande número de arrendatários e a constatação de um GUT e GEE inferiores
àqueles determinados pela lei. Seria desapropriada uma área de 5.997 ha, dentro do Programa
UTILTERRA-MS (Programa de Utilização de Terras Inexploradas), dividida em l99 parcelas
com uma média de 30 ha para cada uma, a fim de assentar os arrendatários na terra.
Segundo essa proposta, o INCRA reconhecia grande viabilidade na desapropriação e
assentamento dos arrendatários, pois apresentava uma série de condições favoráveis. Aspectos
como localização, facilidade de acesso dos assentados à infra-estrutura da sede do município,
rede viária que facilitava o escoamento da produção, eram algumas das condições favoráveis
para que se implantasse o assentamento, além de outras como proximidade da sede do Projeto
Fundiário de Dourados e de solucionar parte dos problemas fundiários, possibilitando o acesso
à terra àqueles que nela trabalham.
Os conflitos entre arrendatários e proprietários de terra não é fato recente, como se
pode observar através do registro do movimento dos arrendatários de Santa Fé do Sul/SP em
l959, que desenvolveram luta pela ampliação dos contratos de arrendamento, em vista da

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dificuldade de encontrar terra a ser arrendada, resultando na prisão dos líderes do movimento e
expulsão dos arrendatários.
O movimento de luta pela terra dos arrendatários, em Itaquiraí, centralizado em torno
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaquiraí, não mantinha relação com a CPT ou MST.
Havia até certa rivalidade entre o Sindicato e o Movimento na época da ocupação da fazenda
pelos sem-terras, conforme evidencia-se através do argumento do presidente do Sindicato. "...
eu não deixei que entrassem pessoas estranhas no meio do nosso movimento, do movimento
dos arrendatários". Apesar da posição da direção do movimento dos arrendatários, a CPT havia
articulado algumas famílias para a ocupação da Gleba Santa Idalina em 1984.
De l985 a l989 aconteceram as mobilizações mais intensas. Houve muitas viagens dos
representantes dos arrendatários, ou mesmo caravanas, para pressionar e negociar, com os vários
órgãos do governo (Estadual, Federal, INCRA), a desapropriação e o assentamento dos
arrendatários.
Segundo o presidente do Sindicato de Itaquiraí, "procurou-se envolver o poder
legislativo estadual, com a atuação de alguns deputados, mas estes se recusaram a apoiar o
nosso movimento, porque estavam comprometidos com os interesses dos fazendeiros. Quanto
ao governo, nos recebia, mas quando entrou Marcelo Miranda, nunca mais nossa comissão foi
recebida."
Os arrendatários haviam alcançado um certo nível de organização, chegando a eleger
para vereador (PMDB) o Presidente do Sindicato. Entretanto, deve-se considerar que o
sindicato procurava manter-se isolado em relação aos outros movimentos, devido, acima de
tudo, ao comprometimento político de seu presidente com políticos conservadores do município
e da região, além da sua própria postura ideológica e corporativista, mantendo contatos somente
com a FETAGRI/MS.
O último ano que o proprietário arrendou lotes na Fazenda Itasul foi o de l.984 e todos
os contratos tinham a duração de três anos, de modo que, em 30 de julho de l.987, com o
encerramento do ano agrícola, todos os arrendatários deveriam deixar os seus lotes. Como o
movimento pela permanência na terra estava relativamente organizado, o proprietário

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preocupado com a organização dos arrendatários, pressionou a saída deles no final do ano de
l.986, quando "mandou seus serviçais deitarem capim à terra (semente de braquiária e mudas de
colonião)..."68 em alguns lotes, além da ameaça de jogar o gado sobre a plantação dos
arrendatários, caso não se retirassem da fazenda. Nesta época, os arrendatários se reuniram e
tomaram a decisão de impedir a entrada do caminhão com as mudas e sementes de capim, o
que acabou envolvendo força policial, a pedido do administrador da fazenda para a passagem do
veículo.
O Sindicato, juntamente com a participação da Fetagri, que lhe assessorava
juridicamente, impetrou ação de manutenção de posse em nome dos arrendatários por um prazo
de mais três anos, conforme determina o parágrafo 2 do Art. 22 decreto do 59.566/66, lei que
determina que o proprietário deve notificar a saída dos arrendatários, num prazo de seis meses
antes do vencimento do contrato, no mesmo ano de seu encerramento, além de referir-se à
função social da terra, com base no Estatuto da Terra e na constituição brasileira, em que o
Incra seria encarregado de promover a Refoma Agrária em área com grande incidência de
arrendatários, parceiros e posseiros, conforme determina o item V do Artigo 20 do Estatuto da
Terra. "Art. 20 - As desapropriações a serem realizadas pelo poder público, nas áreas
prioritárias, recairão sobre: V - As áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários,
parceiros e posseiros." Em junho de l.988, ocorre a audiência no Forum de Naviraí para decidir
pela permanência ou não dos arrendatários da Fazenda Itasul, levando o Ministro da Reforma
Agrária a solicitar prazo ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul para negociar com o
proprietário. "Estando marcada para o dia l4 de junho próximo, a audiência de manutenção de
posse, a qual poderá redundar no despejo das famílias ocupantes da área, venho solicitar de V.
Exa. o exame da possibilidade de que a referida medida seja sobreestada por noventa dias,
prazo necessário para que o Ministério mantenha negociações com o proprietário do imóvel,
visando a solução amigável para a pendência".69

68 Informações obtidas nos Autos do processo de manutenção de posse


movido pelos arrendatários da Fazenda Itasul, no Forum de Naviraí.
69 Documento enviado pelo Ministro da Reforma e Desenvolvimento
Agrário, Jader Barbalho, ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

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Em l.986 havia, na Fazenda Itasul, 270 famílias de arrendatários exigindo o direiro à
terra. Para livrar-se da pressão dos arrendatários e desmobilizar o movimento, o proprietário
procura subornar lideranças ou, então, ameaçá-las de morte. A partir desse momento foi
solicitada proteção policial para o presidente do Sindicato de Itaquiraí e, segundo, ele
recusaram a atendê-lo, tendo que ser protegido e acompanhado pelos próprios arrendatários.
Outra forma de esvaziar o movimento, foi a compra do "direito" dos arrendatários, ou
seja, o proprietário pagava uma quantia pelo restante de tempo do contrato que faltava para o
vencimento, devendo o arrendatário sair imediatamente do lote sem mesmo retirar a colheita.
Dessa maneira, dos 270 arrendatários que existiam no auge do movimento, restaram 83 na
época do assentamento. Nos lotes abandonados, o proprietário mandava soltar o gado e, como
não havia cerca, o gado invadia e destruía as plantações dos outros lotes, sendo muitas vezes
movidas ações de perdas e danos pelos arrendatários.
Em dezembro de 1987, o proprietário manda instalar, na única entrada que dava acesso
ao interior da fazenda, uma porteira acorrentada com vigias armados, segundo os arrendatários,
com um horário de funcionamento das 6:00 às l8:00 horas. Fora desse período não seria
possível entrada ou saída de arrendatários, sem o controle dos vigias. Alguns eram obrigados a
assinar o horário de entrada ou saída. Entretanto, existia um pequeno grupo de arrendatários que
tinha livre acesso à fazenda e eram aqueles que procuravam tomar conhecimento dos planos e
decisões do grupo para levarem até o fazendeiro.
O controle de entrada e saída da fazenda era válido somente para os arrendatários e,
após a identificação, teriam ou não a permissão de trânsito. Além de dificultar e pressionar os
arrendatários, a porteira, estrategicamente instalada, tinha a função de impedir a suposta
ocupação da fazenda pelo sem-terra, devido aos boatos que circulavam na cidade.

A instalação da porteira e do posto de fiscalização, na única estrada de acesso à fazenda,


gerou revolta por parte dos arrendatários e agravou-se, ainda mais, quando um parente veio
visitar os familiares nas festas de final de ano e foi impedido de entrar de automóvel na fazenda.
Teve de percorrer cerca de l5 Km a pé. Os arrendatários se reuniram e decidiram pela

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destruição da porteira. Cerca de 65 pessoas prenderam os vigias, destruíram e queimaram a
porteira.
O movimento desenvolvido pelos arrendatários na luta pela terra esteve praticamente
preso aos limites institucionais, com negociações e batalha jurídica pela desapropriação e
permanência na terra e com apoio de políticos conservadores do município, até que ocorresse a
ocupação da fazenda pelo sem-terra em l2/02/89. Esses, agora, ultrapassam as barreiras legais e
o movimento de luta pela terra, em Itaquiraí, toma novo impulso resultando na desapropriação e
assentamento de 83 famílias de arrendatários. Após o assentamento, o movimento dos
arrendatários desarticulou-se completamente, uma vez que a sua luta era exclusivamente pela
permanência na terra e seu movimento isolado, desarticulado de outras lutas.

5 - A OCUPAÇÃO DA FAZENDA ITASUL PELO SEM-TERRA


A ocupação da Itasul pelo sem-terra representa uma nova fase de luta pela terra em
Itaquiraí, já que este movimento está articulado a nível nacional, fazendo com que as
contradições e os conflitos existentes na região e no município venham a público e que, embora
não negue os meios institucionais como o Partido, o Sindicato, a Igreja possui uma autonomia
em relação a eles e uma forma singular de contestar a "ordem capitalista", através da sua
organização e forma de luta pela terra.
A ocupação da Fazenda Itasul foi a primeira organizada pelo MST, em Mato Grosso do
Sul, uma vez que as outras lutas e ocupações foram organizadas pela CPT ou por movimentos
isolados. Alguns sindicatos de trabalhadores rurais ou grupos de trabalhadores a eles filiados,
como foi o caso de Mundo Novo, Glória de Dourados, Sete Quedas, contribuíram na
organização dos trabalhadores sem terra para a ocupação da Fazenda Itasul.
A negociação para a desapropriação da Fazenda Itasul, entre a liderança sem terra e o
governo já se arrastava por mais de seis meses, até que o MST considera necessária a ocupação
de uma área para presssionar a desapropriação e o assentamento do sem-terra.
A escolha do latifúndio a ser ocupado é feita levando-se em consideração a facilidade
de acesso às famílias e aquele em condições de maior facilidade de desapropriação, onde a terra

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não esteja cumprindo a função social, aquele que possui documentação irregular da terra e esteja
em litígio ou, ainda, aquelas áreas onde ocorre alguma forma de latência de conflitos. Como na
Fazenda Itasul existia a latência do conflito promovido pela atuação dos arrendatários, a
facilidade de acesso dos sem-terras ao latifúndio a ser ocupado, além de outras condições que
veremos adiante, os sem-terras, sob a liderança do MST, resolvem ocupar este latifúndio com
l.280 famílias. A ocupação ocorre no dia 12/02/89 com trabalhadores de vários municípios da
região: Naviraí, Sete Quedas, Ivinhema, Mundo Novo, Angélica, Novo Horizonte do Sul,
Itaquiraí, Japorã, Anastácio, Deodápolis, Glória de Dourados, além das famílias vinda do
Paraguai (os brasiguaios), com a disposição de resistir na área, conforme declaração da
liderança dos sem-terras. "A delegacia do MIRAD recebeu um telex do Movimento, assinado
por Jorge Rainha Junior, em que os 'sem-terra' mostram disposição de resistir a 'qualquer preço,
com consequência imprevisíveis', caso as famílias sejam despejadas, com intervenção policial.
Esta posição foi ratificada ontem (...) por Darci Domingos Zehm, que mostra disposição de não
aceitar um assentamento provisório, nem teme a repressão policial, e justifica a invasão70 como
'último recurso', pois a famílias estariam negociando a desapropriação desta área de setembro,
sem qualquer definição".71 O mapa a seguir destaca os municípios de origem dos sem-terras que
ocuparam a Fazenda Itasul.
A principal forma de luta do MST é a ocupação e o acampamento no latifúndio
improdutivo. Esta forma de luta, definida no I Congresso Nacional do MST, procura colocar em
evidência a situação do sem-terra, fazendo com que a sociedade veja a sua condição de
excluído, forçando o Estado a tomar medidas que lhes garantam o acesso à terra. "O sentido
político da luta dos sem-terra não decorre das relações mais imediatas que eles mantêm, mas
70 Discordamos do termo invasão, a que se refere a citação acima, pois existe
muita diferença entre invasão e ocupação. "...a invasão é ilegítima e a
ocupação é legítima. Invadir seria alguém que não precisa de terra, apossar-se
de algo que pertence a outro ou à sociedade e fazer-se dono. ...A ocupação é
legítima porque tem em vista a defesa da vida, dos instrumentos para
conseguir a sobrevivência, porque é praticada por gente marginalizada pela
sociedade, e se realiza em propriedades de quem as usa mal e não necessita
delas para viver." GORGEN e STËDELE. Luta pela Terra.São Paulo, Scrita,
1993, p. 58/9.
71 Jornal Correio do Estado, l5/02/89, p.13.

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está no fato de porem a nu a sua comum situação de excluídos devido à estrutura agrária
vigente, e de exigirem do Estado medidas que lhes garantam o acesso à propriedade da terra e
sua reintegração econômica e social como pequenos proprietários. Os sem-terra não se
defendem, mas tomam a iniciativa ocupando áreas e, sobretudo, organizando acampamentos."72
A ocupação justifica-se pelo fato de os trabalhadores entenderem que a Reforma
Agrária depende deles próprios, da sua organização e pressão para o atendimento de suas
reivindicações, já que existe um descrédito das instâncias do poder para realizar a Reforma
Agrária. Um exemplo foi o anúncio da proposta do PNRA em l985 pelo MIRAD/INCRA, que
previa o assentamento de 1,4 milhão de famílias nos 4 anos do Governo Sarney ( de l985 a
l988). Neste mesmo ano a CPT afirmava que a Reforma Agrária não seria realizada pelo
governo da nova república, mas sim pela organização dos trabalhadores sem terra. Até l992,
haviam sido assentados, no Brasil, 115.945 famílias em 797 assentamentos em uma área de
6.485.169 ha, realizados pelo INCRA e governos estaduais. Em Mato Grosso do Sul foram
assentadas, até l992, 4.856 famílias numa área de l39.8l6 ha, em 23 assentamentos.
Devido às ambiguidades do Estatuto da Terra, como por exemplo, o seu caráter
reformista e desenvolvimentista, permitiu-se elaborar uma proposta de PNRA que, até certo
ponto, pode ser considerada avançada, mas acabou sofrendo uma série de mudanças até o ato de
sua assinatura pelo Presidente da República, em 10/85, frustrando as esperanças do sem-terra e
setores da sociedade comprometidos com a Reforma Agrária, o que foi reconhecido, até pelo
Ministro do MIRAD, como um retrocesso em relação ao Estatuto da terra, como por exemplo,
pela não fixação das zonas prioritárias para a Reforma Agrária.
A elaboração e implantação do PNRA provocou fortes reações por parte dos
latifundiários através das várias entidades defensoras de seus interesses, como a Sociedade
Rural Brasileira (SRB), Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Sociedade Brasileira
de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) e, um pouco mais tarde, a violenta UDR,
além de outras em nível estadual. Para eles a proposta inicial elaborada pelo INCRA/MIRAD
era resultado de um complô da CIA e KGB contra a possibilidade de o Brasil chegar a e
72 GRZYBOWSKI, Cândico. Op. Cit. , p. 24.

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potência econômica, devido ao seu potencial agrícola. Foi fundando um Congresso Nacional da
Categoria (Congresso Brasileiro sobre a Reforma Agrária), que através de caravanas a Brasília,
combatesse a implantação da proposta de Reforma Agrária.
Desde a proposta anunciada pelo Presidente da República no IV Congresso da
CONTAG em 26/05/85 até a data da assinatura do Plano em 10/10/85, ocorreram muitas
discussões. Os órgãos encarregados da Reforma Agrária sofreram muitas pressões dos
latifundiários, a fim de modificar sua proposta inicial. O resultado das pressões foi a mudança
de última hora (preparada pelos juristas do Palácio do Planalto), em pontos essenciais da
proposta, descaracterizando o objetivo da desapropriação sem estabelecer critérios sobre o que é
propriedade improdutiva. Entre os recuos do PNRA, podemos citar a restrição à desapropriação
de imóveis que apresentassem elevada incidência de arrendatários e parceiros; a criação da
figura do "latifúndio produtivo"; a omissão na definição das áreas prioritárias para Reforma
Agrária no Plano Nacional, que foi passada para a competência dos Planos Regionais, além de
outros recuos que muito agradaram os latifundiários. Segundo os latifundiários, o plano
afastava-se das posições ideológicas de esquerda da proposta inicial do INCRA.
No mesmo mês da assinatura do PNRA, o Presidente do INCRA deixou o cargo por não
concordar com as mudanças sofridas na proposta inicial que retirava latifúndios improdutivos
dentre as áreas a serem desapropriadas.
O Plano assinado ficou muito aquém do que fora proposto e as desapropriações e
conquistas têm ocorrido muito mais devido à organização e luta dos trabalhadores sem terra do
que pelos benefícios do Plano.
Os sem-terras são trabalhadores rurais expropriados ou que nunca possuiram terra ou
instrumentos de produção e, quando possuem, são insuficientes para manter a família. Eles
apresentam uma diversidade na sua origem quanto à relação de trabalho que mantêm com a
terra. Assim, os sem-terra podem ter sido parceiros, pequenos proprietários, arrendatários,
posseiros, assalariados, filho de pequenos proprietários, e o próprio assentado que muitas
vezes se considera também como sem-terra.

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O parceiro é um produtor que, trabalhando com sua família, arrenda uma área de terra
e paga sempre com uma parte da produção, que pode ser à meia (meeiros) ou à terça parte
(terceiros). Geralmente, o parceiro entra com o trabalho, ferramentas e sementes, e o
proprietário com a terra, adubos, etc. Essa relação de produção foi muito utilizada com a cultura
de café, na década de 60, no Estado do Paraná, principalmente.
Os pequenos proprietários são lavradores que trabalham com a família na sua
propriedade, mas possuem uma área de terra, conseguida, geralmente por herança ou compra
com dinheiro proveniente do trabalho em parceria ou arrendamentos, insuficientes para o
sustendo da família, tendo de assalariar-se temporariamente para sobreviver e, por isso, ele
precisa de mais terra.
Arrendatários são agricultores que alugam um lote de terra e pagam um valor fixo em
dinheiro, produto ou trabalho, como por exemplo, o trabalho de formação de pastagens em
fazendas ao encerrar-se o contrato de arrendamento. Existem os arrendatários capitalistas que
alugam grandes lotes de terra e fazem a exploração com o trabalho de assalariados
permanentes e bóias-frias. Obviamente, esses arrendatários não são considerados sem-terras.
Os posseiros são aqueles que trabalham numa área como se fosse sua, mas não
possuem o título de propriedade da terra que pertence ao Estado ou a um proprietário de terra.
Dessa forma, o posseiro nega a essência do capitalismo, ou seja, a propriedade privada da terra
mas, mas por outro lado, é utilizado como instrumento do capital para a ampliação da fronteira
agrícola na frente de expansão, tornando-se um desbravador para o avanço do capitalismo.
Assalariados são os agricultores que não possuem terra e vendem, para sobreviver, a
sua força de trabalho para um proprietário. Os assalariados podem ser permanentes e
representam uma pequena parcela do total dos trabalhadores rurais do País. Podem ser
temporários e, muitas vezes, são pequenos proprietários, parceiros, arrendatários, assentados,
que vendem sua força de trabalho em certas épocas do ano (colheitas), pois sua terra é
insuficiente para manter a família, além do trabalhador bóia-fria, o peão que vivem migrando de
um lugar para outro na busca de serviço.

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Os filhos dos pequenos proprietários são aqueles que não conseguem reproduzir-se
como camponeses, tendo que deixar a terra, quando constituem família principalmente, devido à
pequena dimesão do lote dos pais.
A presença de trabalhadores sem terra no sul de Mato Grosso do Sul e em Itaquiraí
decorre de uma série de razões mas, principalmente pela concentração fundiária ali existente,
originada no processo de ocupação e colonização da região. Os elementos econômicos como a
modernização da agricultura, que, de modo geral, levou à expulsão do pequeno proprietário,
contribuem para o surgimento de trabalhadores sem terra na região, de forma secundária. A
ocorrência maior se deu nas áreas de "colonização dirigida" (Projeto de Colonização Iguatemi,
CAND, SOMECO, Vera Cruz-Mato Grosso, etc.) onde a pequena propriedade destinada ao
cultivo de lavouras teve maior participação.
Outro elemento, que deve ser considerado para explicar a presença de trabalhadores
rurais sem terra na região, é a dificuldade dos trabalhadores arrendatários em conseguir área de
arrendamento nas fazendas. Geralmente, a reforma das pastagens são entregues àqueles
arrendatários (arrendatários capitalistas) que dispõem de certos recursos financeiros,
equipamentos agrícolas, tratores para realizar a destoca e terraceamento exigidas pelos
fazendeiros. Alguns fazendeiros preferem fazer a reforma das pastagens com seus próprios
maquinários e funcionários, já que, após um ano de tombamento poderá semear o capim. Se
entregarem aos arrendatários, devem esperar no mínimo 3 anos, conforme determina a lei; sem
contar o papel representado pela Coopernavi (usina de açúcar e destilaria álcool instalada no
município de Naviraí), que, praticamente, monopoliza os arrendamentos para reforma de
pastagens com a plantação de cana-de-açúcar por um contrato de cinco anos.
Aí tem ocorrido um aparente fechamento das possibilidades de criação e recriação das
relações não-capitalistas. Essa relações, com a presença de arrendatários camponeses, foram
mantidas enquanto meio de derrubada das florestas e formação da primeira pastagem, pois
exigia-se menor investimento em dinheiro do proprietário da terra. Isso, porém, não significa
que as relações capitalistas e o trabalho assalariado tem avançado de forma absoluta, destruindo
totalmente o trabalho familiar dos arrendatários, mesmo considerando a presença da destilaria

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de álcool, símbolo das relações "puramente capitalistas" que aí tem se territorializado, utilizando
mão-de-obra assalariada. Os camponeses arrendatários, no entanto, recusam a proletarização.
Isso pode ser observado através dos movimentos de arrendatários pela permanência na terra e,
principalmente, pelas ocupações de terra feitas por trabalhadores sem terra, que procuram abrir a
possibilidade de reprodução como camponês assentado no território monopolizado pelos
capitalistas e proprietários de terra.
Alguns proprietários de fazendas em Itaquiraí têm arrendado grandes áreas de terras
para a plantação de cana em antigas pastagens, mesmo sem a necessidade de reformá-las, por
exigir menos preocupação de sua parte com a produção, atestando a idéia de que estes grandes
proprietários se interessam mais pela garantia da posse da terra do que pela atividade produtiva.
Assim, em Itaquiraí, bem como em todo o sul de Mato Grosso do Sul, que foi ocupado
durante a "expansão pioneira", são duas as causas principais do surgimento de trabalhadores
sem terra: a primeira razão é de caráter histórico, já que os trabalhadores não tiveram acesso à
terra devido à forma como foi apropriada e ocupada na região, com grandes propriedades
destinada à atividade pecuária.
Os trabalhadores não eram proprietários da terra mas, principalmente, peões e
arrendatários, que faziam a derrubada das matas e formação das pastagens, e foram sendo
expulsos da terra com o escasseamento das florestas. De modo geral, no sul de Mato Grosso do
Sul, os trabalhadores rurais sem terra, não são os pequenos proprietários expropriados, mas
trabalhadores rurais que nunca possuíram terra. Verificamos que o sem-terra originário das áreas
de loteamento, como a CAND e Colonização Iguatemi, por exemplo, onde a pequena
propriedade teve maior participação, aparece pequeno número de proprietários expropriados.
Tomando como exemplo o sem-terra assentado no Projeto Indaiá, vemos que das 630
famílias assentadas, apenas 17,5% possuíram a propriedade da terra e foram expropriadas. Os
outros 82,5% dos assentados nunca foram proprietários de terra, pois a maioria era composta
assalariados rurais e urbanos, arrendatários, parceiros, peões e outros, isto é, trabalhadores
rurais em grandes ou pequenas propriedades, que não tiveram acesso à terra na região,
destacando-se como razão principal a concentração fundiária aí existente.

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A segunda razão, bem mais recente, tem raízes externas àquela região, envolvendo
causas estruturais e o projeto de desenvolvimento adotado para a agricultura brasileira. São os
brasiguaios, presentes em Mato Grosso do Sul na fronteira com o Paraguai. Somavam, em l987,
um total de 85.000 sem-terras na esperança de serem assentados
Em vista de sua presença e do papel desempenhado na luta do sem-terra na região sul de
Mato Grosso do Sul e, especificamente, na ocupação da Fazenda Itasul, faz-se necessária a
abordagem da questão dos brasiguaios.73
Os brasiguaios são trabalhadores sem terra que foram expropriados/expulsos e
expatriados pelo processo de modernização da agricultura com a iniciativa de implantação de
um sistema agrícola de base empresarial, quando muitos pequenos estabelecimentos acabaram
sendo incorporados a áreas maiores, levando à expansão das culturas de trigo e soja. Esta
última, visava principalmente, os mercados externos.
Essas mudanças provocaram uma desestruturação dos pequenos proprietários que,
expropriados, migraram para a Amazônia, Rondônia e Mato Grosso, principalmente, para as
cidades ou, então, para o Paraguai, procurando reproduzir-se como camponês. Acrescente-se a
isto a crise da lavoura cafeeira e a construção da barragem de Itaipu que levaram muitos
trabalhadores a buscar as terras férteis e baratas do Paraguai.
Segundo BATISTA (l990), houve dois momentos de migração de brasileiros para o
Paraguai: um, entre l.950 a l.969, de curta distância e pouca intensidade; e outro, de l.970 a
l.979, este bem mais intenso e causado principalmente pela modernização da agricultura,
quando entraram no Paraguai 77,2% dos brasiguaios, motivados pelos incentivos à imigração
como financiamentos a pequenos proprietários, e chegando em l.982, a compor l4% da
população residente no Paraguai.74

73 Sobre a organização e a luta dos brasiguaios pela terra em Mato Grosso do


Sul, ver dissertação de BATISTA, Luiz Carlos. Brasiguaios na Fronteira:
Caminhos e Lutas pela liberdade. Paulo, USP, Dissertação de Mestrado,
1990.
74 Id. Ibid., p. 21/2.

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A entrada de brasileiros no Paraguai atendia também interesses imperialistas. A
construção da Ponte da Amizade, o Tratado de Itaipu e o Tratado de Amizade e Cooperação
Econômica fizeram com que muitos brasileiros se deslocassem para a fronteira do Paraguai e
mesmo para o interior daquele País, como forma de dominação política e econômica, garantindo
a presença de empresas brasileiras em território paraguaio como a UEB (União das Empresas
Brasileiras), empresas colonizadoras, Geremia Lunardelli, Banco do Brasil, de acordo e com
incentivo do governo ditatorial paraguaio, que vê interessante e vantajoso para si o
expansionismo brasileiro. Com a presença das empresas brasileiras e dos brasileiros no
Paraguai, a Nação e o Estado acabam perdendo a dimensão territorial e tais relações destroem as
fronteiras administrativas no território dominado pelas relações imperialistas. É nesse mesmo
território que o camponês se reproduz como classe.
Muitos brasileiros, que se estabeleceram no Paraguai, passaram a praticar a cultura do
café, principalmente em Corpus Cristi, trabalhando em regime de parceria nas fazendas e nos
projetos de colonização. Desenvolveu-se, também, a cultura de hortelã, algodão e soja, esta
praticada através de métodos mecanizados, além da pecuária, realizada, na maioria, em grandes
propriedades de empresas colonizadoras brasileiras, que podiam adquirir terra sem limite de
área e depois arrendar para os brasiguaios.
A partir da década de 80, principalmente, as dificuldades dos brasiguaios começaram a
intensificar-se, com a mecanização da agricultura e o avanço da cultura de soja, quando muitas
famílias venderam seus lotes. Muitos, também, perderam suas posses adquiridas do IBR
(Instituto de Bienestar Rural), porque não possuíam as escrituras que deveriam ser feitas no
único Cartório de Registro de Imóveis (Registro Nacional de la Propriedad) localizado em
Asunción.
A entrada de colonizadoras particulares brasileiras, que receberam concessão do
governo paraguaio para lotear e vender terras, acabou incidindo sobre as terras dos brasiguaios,
expulsando-os e, muitas vezes, de forma violenta. Depois de formar suas plantações, derrubar
matas, construir benfeitorias; enfim, valorizar as propriedades, são obrigados a deixar seus
lotes, transformando-se em arrendatários, parceiros, bóias-frias, etc. Muitos tiveram que parcelar

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seus lotes devido a irregularidades no negócio da terra. O título de posse de terra é uma das
maiores dificuldades enfrentadas pelos brasiguaios, pois muitos acabam adquirindo terras de
grileiros, que vendem o mesmo lote para dois compradores. Mais tarde, aparece o outro
comprador tendo que dividir o lote ou fazer acordo com os comissários para regularizar a
documentação.
Outra dificuldade enfrentada pelos brasiguaios é com a documentação de estrangeiro,
ficando sujeitos à estrutura corrupta das autoridades paraguaias. O imigrante é obrigado a fazer
o Permisso, devendo renová-lo a cada três meses; caso seja encontrado sem a documentação em
dia, pagam multas ou vão presos, devendo, muitas vezes, pagar altas propinas a policiais
corruptos para conseguir a liberdade. Outro documento necessário é a Libreta, documento que
dá direito ao trânsito nas estradas, tendo validade por um ano.
A violência praticada por policiais paraguaios é grande. Pessoas são espancadas ou
mortas com base apenas em denúncias, por causa de pequenos desentendimentos, e mesmo
quando os brasiguaios são encontrados sem os documentos exigidos a estrangeiros; sofrem
violência e quando são presos, devem pagar um preço muito alto pela saída da prisão.
Na comercialização da produção, o pouco valor dado aos produtos agrícolas é outro
problema e, ainda, devem sujeitar-se à corrupção das autoridades paraguaias, principalmente no
comércio de madeira.
Problemas também são encontrados com falta de escolas para os filhos e aprendizagem
da língua ensinada, uma mistura de Guarani e Castelhano, de difícil compreensão pelos
brasiguaios. As escolas e os professores são mantidos pelas próprias pessoas. O serviço militar
é um recrutamento forçado e os filhos maiores de l4 anos são praticamente raptados de seus
familiares para servir.
A falta de participação política é muito grande e os movimentos dos trabalhadores
sofrem dura repressão. Mesmo as reuniões religiosas e festas beneficentes, como aquelas feitas
para angariar fundos para o retorno dos brasiguaios, que se iniciaram em 1984, são fortemente
reprimidas e suas lideranças perseguidas. Outra dificuldade que impede a permanência de
brasileiros no Paraguai é a assimilação dos novos costumes e líguüa castelhana.

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Diante de tantos problemas e dificuldades, muitos brasiguaios começaram a pensar no
retorno para o Brasil, além do entusiasmo com o anúncio do PNRA, em 1985, que animou os
brasiguaios, acelerando a saída desses trabalhadores na esperança de conseguir terra para
trabalhar. A partir de 1983, a CPT e a Comissão dos Trabalhadores Rurais Sem Terra já
procuravam atuar entre os brasiguaios com reuinões de preparação e formação de lideranças
para a ocupação de terras em Mato Grosso do Sul. Mais tarde irão ocupar a Gleba Santa Idalina,
em 1984. Cerca de l.000 famílias de brasiguaios irão acampar em Mundo Novo, no ano de
1985.
Dessa região haviam emigrado muitos brasileiros para o Paraguai. Tinham vindo para o
sul de Mato Grosso do Sul atraídos pela implantação do Projeto Iguatemi, que possuía, entre
outros objetivos, o de povoar a fronteira em nome da Segurança Nacional. Continuaram a
manter vínculos políticos, socias e comerciais na cidade de Mundo Novo, principalmente.
Facilitou-se, pois, o acampamento nesta cidade e, mais tarde, em Eldorado, Naviraí e Sete
Quedas. "O retorno dos brasiguaios representa dois momentos de lutas. No primeiro, definido
pela forma direta de ocupar as terras e resistir, embora despejados violentamente, eles sentem
orgulho de terem participado dessa luta (ocupação da Fazenda Santa Idalina em 23 de abril de
1984). O segundo momento redefiniu a tática de ocupar de forma direta as fazendas, passando-
se a utilizar os acampamentos nas cidades que estrategicamente serviriam como forma de
pressão, de preferência municípios da fronteira com o Paraguai para facilitar o retorno dos
brasiguaios; os municípios escolhidos foram : Mundo Novo, Sete Quedas, Naviraí, e Eldorado
(MS)."75
O retorno dos brasiguaios tornou-se uma verdadeira operação de fuga e resistência
diante da reação das autoridades paraguaias, que procuravam impedir a sua saída, e, por outro
lado, às autoridades brasileiras que procuravam impedir a sua entrada. Essa reação, em Mato
Grosso do Sul, contra os brasiguaios, ocorreu através da polícia militar e do prefeito de Mundo
Novo, José Carlos da Silva, proibindo o acampamento de brasiguaios naquele município, que
então, se deslocou para a cidade vizinha de Eldorado. No entanto, a repressão da polícia e do
75 Id. Ibid., p. 120.

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prefeito não conseguiram impedir a entrada dos brasiguaios que chegavam em pequenos
grupos.
Em 1986, um grupo de brasiguaios entregou ao Ministro da Reforma Agrária, Nelson
Ribeiro, um documento relatando a situação dos brasileiros no Paraguai, sujeitos à exploração,
humilhação e corrupção dos policiais paraguaios e sua decisão e determinação de voltar para o
Brasil, contra ou a favor das autoridades brasileiras.
O MIRAD, procurou priorizar o assentamento de brasiguaios acampados, em relação
aos outros sem-terra de Mato Grosso do Sul. A identificação de origem do Paraguai foi
através da apresentação do Permisso. A maioria foi assentada no Projeto Novo Horizonte, hoje
município de Novo Horizonte do Sul, e no Projeto São José do Jatobá, em Sete Quedas
(Paranhos).
No início, o movimento de retorno dos brasiguaios teve grande participação da CPT.
No caso do retorno dos brasiguaios que ocuparam a Fazenda Itasul, a participação maior foi do
MST, principalmente com a atuação dos grupos de Mundo Novo, Japorã e Sete Quedas.
A maioria dos brasiguaios que ocuparam a Fazenda Itasul não vieram direto do
Paraguai. Estes já haviam deixado o Paraguai, residindo provisoriamente em Mundo Novo,
Japorã, Novo Horizonte do Sul e Anastácio, onde já havia assentamentos de brasiguaios ou
alguma organização com participação da CPT e Movimento do Sem Terra. Os brasiguaios, que
retornaram a estes municípios, trabalhavam como parceiros, arrendatários ou bóias-frias em
fazendas, no próprio assentamento, nos lotes de algum parente ou conhecidos já assentados, ou
mesmo na cidade, quando a liderança sem-terra procurava, através de reuniões, conscientizar os
brasiguaios sem terra da sua condição. Ficaram na expectativa da definição de uma área a ser
ocupada; neste caso, a Fazenda Itasul.
PAÍS E MUNICÍPIO DE SAÍDA DOS BRASIGUAIOS QUE OCUPARAM A ITASUL
Paraguai Brasil Novo Horizonte do Sul 47,5%
% % Mundo Novo/ Japorã 24,1%
26,4 73,5 Anastácio 1,8%
Fonte: Questionário aplicado com uma amostragem de 25% dos assentados (1993)

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Os brasiguaios, que ocuparam a Fazenda Itasul, possuem uma história de migração e a
maioria é paranaense, gaúcha e paulista; Estados onde as mudanças agrícolas, com a
mecanização, foram muito fortes. Estes (gaúchos, paulistas e paranaenses), representam 67,9%
dos brasiguaios que ocuparam a Fazenda e estão assentados na Gleba Indaiá.
NATURALIDADE DOS BRASIGUAIOS QUE OCUPARAM A ITASUL
PR SP RS MG NE ES SC
20 08 08 06 05 03 03
37,8% 15% 15% 11,3% 9,5% 5,7% 5,7%
O retorno dos brasileiros que residiam no Paraguai e dos sem-terras não brasiguaios,
que saíram dos vários municípios, enfrentou sérios obstáculos, para chegar até a área a ser
ocupada. A polícia militar de Itaquiraí fez barreiras. No município de Naviraí, sobre a ponte do
Rio Amambaí, também se formaram barreiras de policiais para impedir a passagem dos
caminhões que transportavam os trabalhadores sem terra.
Os sem-terras que entraram em Itaquiraí, vindos de Mundo Novo e do Paraguai, foram
os primeiros a chegar, sendo barrados, de madrugada, na entrada da cidade, quando os policiais
questionavam o destino de um número tão grande de pessoas e procuravam impedir o trânsito
dos caminhões alegando não estar em conformidade com a regulamentação legal para o
transporte de passageiros. Os policiais mesmo contrariados resolveram autorizar a passagem,
após duas horas, diante da pressão e da firme determinção dos sem-terras em ocupar a Fazenda
Itasul.
Aqueles que entraram em Itaquiraí, vindos de Naviraí e de outros municípios, em cerca
de 15 caminhões, também foram interceptados na divisa dos município de Naviraí e Itaquiraí
sobre a ponte do Rio Amambaí, onde se encontravam dez viaturas e policiais fortemente
armados para impedir a passagem dos sem-terras. Após horas de impasse, os trabalhadores
exigem a passagem e vão em direção às viaturas postas na estrada, sobre a ponte, com a
proposta de retirá-las com as próprias mãos e jogá-las ponte abaixo. Os policiais se colocam em
posição de tiro e, mesmo assim, os trabalhadores, que estavam em número superior a 4.000
pessoas, dirigem-se com os caminhões e a pé contra as viaturas e policiais, que não resitem à
pressão e resolvem liberar a passagem dos caminhões que se dirigem para a fazenda a ser

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ocupada. Esta é uma das razões por que o Movimento do Sem Terra dá grande importância às
ocupações que devem ser feitas envolvendo um grande número de trabalhadores.
O grupo de Mundo Novo, Japorã e Paraguai chegou antes daqueles que entraram por
Naviraí e, ao amanhecer, foram novamente procurados por soldados da polícia militar do
destacamento de Itaquiraí, segundo a liderança do MST para reconhecer a força e o número de
famílias acampadas "Nós que viemos do lado de Mundo Novo, de madrugada confundimos o
local de montar o acampamento e, antes de clarear o dia, a polícia chegou para reconhecer a
nossa força e verificar se estávamos somente em seis caminhões. Então como estratégia, nós
organizamos uma parte para ir ao encontro da polícia, ficando o restante escondido no mato.
Quando o policiais perguntaram quantas pessoas estavam no acampamento, nós dissemos que
havia mais de 5.000 pessoas e pedimos para os companheiros saíssem do mato e que
circundaram os l0 policiais dando a impressão de que havia mesmo 5.000 pessoas. Mas não
havia todas aquelas pessoas, porque houve o engano do local a ser ocupado e o outro grupo
com l5 caminhões, que veio de Naviraí e acampou no lugar certo. Depois disso, os policiais
foram embora e nós fomos procurar o acampamento do outro grupo para nos juntarmos."76
Nos primeiros dias de ocupação, ocorre, nos acampamentos, grande tensão e
preocupação com a segurança, devido à possibilidade de jagunços infiltrarem-se no
acampamento disfarçados de sem-terra. É montado um rigoroso esquema de segurança com uma
comissão organizada para este fim, controlando a entrada e saída de pessoas do acampamento, e
cuidando de qualquer movimento suspeito.

6 - ACAMPAMENTO E DESAPROPRIAÇÃO DA FAZENDA ITASUL


Os acampamentos são lugares onde os sem-terras montam os seus barracos, feitos com
madeira bruta retirada do mato e cobertos, geralmente, com lona de plástico preto. É quase
insuportável viver nestes barracos devido à elevada temperatura que atingem, nos meses mais
quentes, mais de 40C no seu interior. No período do inverno, o frio dentro-deles-é intenso.

76 Declaração obtida através de entrevista ao membro da Coordenação


Estadual do MST, o Sr. Gonçalo de Jesus Batista, assentado no Projeto Indaiá.

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Antes da ocupação, são formados grupos de famílias que, posteriormente, procuram
montar seus barracos uns próximos dos outros e cada grupo possui um coordenador. Nos
barracos, o acampado improvisa mesas, prateleiras, cadeiras, camas feitas por eles mesmos e
altas, para livrarem-se de chuvas e animais rasteiros. Alguns possuem móveis e
eletrodomésticos, mas muitos não os trazem para o acampamento.
Os que possuem trazem seus animais (cavalos, vacas, porcos, bezerros, galinhas, etc.)
para o acampamento onde servirão de alimento para a família. Aqueles acampados que possuem
algum recurso financeiro, tratores, gado, automóveis, geralmente acabam com esses poucos
bens, vendendo-os, muitas vezes, para comprar alimentos e sobreviver à vida dura e desgastante
do acampamento. Quando são assentados, estão completamente desprovidos de recursos
financeiros para investir na destoca, no terraceamento, no preparo do solo e lavoura, na
construção de casas. Esses são aspectos negativos dos acampamentos.
POSSE DE BENS DOS ACAMPADOS
DA FAZENDA ITASUL(1989)
BENS %
Casa e Lote Urbano 15,6
Arrendamento 13,2
Gado 10,7
Trator/Caminhão/Auto 6,3
Lote Rural 4,3
Cavalo 3,7
Estab. Comercial 3,7
Carrinho de tração animal 2,5
Outros Bens 5,0
Não Possuía Bens 35,0
Fonte:Questionário aplicado pelo autor (amostragem de 25% dos assentados).
Pequenas lavouras são improvisadas com culturas temporárias para a subsistência, como
feijão, milho, hortaliças, nas terras do latifúndio, próximas ao acampamento. Quando as
necessidades aumentam, os sem-terras resolvem abater alguns bois da fazenda ocupada para
matar a fome. O acampamento se sustenta com trabalho dos próprios acampados, com recursos
conseguidos do governo e com ajuda dos sem-terras já assentados que se consideram, também,
um trabalhador sem terra, devido à identidade criada entre eles. Isso não é uma regra porque,

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após o assentamento, ocorre um refluxo do movimento e muitos assentados não se envolvem
com outros acampamentos.
Não é permitida a entrada de pessoas estranhas e desconhecidas no acampamento e, nos
primeiros dias de ocupação, somente a imprensa tem acesso; depois, com a devida
identificação, o acampamento torna-se mais acessível aos não-acampados.
As decisões no acampamento são tomadas em assembléia geral com a participação de
todos. Assim, os sem-terras tornam-se sujeitos de sua própria história, porque estão construindo
e participando do processo de conquista da Reforma Agrária. Suas idéias saem da esfera do
individual para o social. Podem ouvir, defender suas idéias e decidir os rumos que irão dar ao
acampamento e à luta pela terra.
Por envolver um número muito grande de pessoas, é necessário, no acampamento, uma
organização interna através de núcleos ou grupos de base que têm origem anterior ao
acampamento, isto é, no processo de preparação para a ocupação. A partir desses grupos,
formados por cerca de 30 a 40 famílas, são organizadas as comissões internas ou brigadas, que
são encarregadas das tarefas no acampamento como alimentação, saúde, finanças, educação,
higiene, reza. A segurança é prioridade.
Além dos grupos, existe a coordenação geral do acampamento, escolhida pelos
próprios acampados e formada pelos membros do MST. São responsáveis pelo encaminhamento
da luta, pelas negociações, que não são feitas necessariamente com o proprietário da terra. As
negociações são feitas com o Estado, que é colocado no centro das reivindicações e torna-se o
provedor e contrário aos sem-terras. Isso ocorre porque ao mesmo tempo que o Estado garante a
apropriação capitalista da terra, é chamado e pressionado a atender as reivindicações do sem-
terra, como desapropriação, assistências aos acampados, fornecimento de alimentos, etc.
O Movimento leva o Estado a democratizar aquilo que ele próprio privatizou através
das leis, neste caso a posse da terra. "A unidade dos movimentos sociais pode também ser
expressa pelo fato de ser o Estado o interlocutor privilegiado. Estado que é ao mesmo tempo
provedor e inimigo. Provedor porque será através de suas instâncias que se pode obter o
atendimento das necessidades...E o Estado que regulamenta a forma de apropriação do solo, da

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riqueza, das relações de trabalho-desde salário até as organizações sindicais e suas relações com
o patronato. Os movimentos sociais dirigem-se ao Estado buscando a publicização dos
equipamentos e meios de consumo coletivos. Na hegemonia Neoliberal, esta interlocução é no
mínimo contraditória. O Estado passa do estatal para o privado e os movimentos buscam a
publicização." 77
Nos acampamentos organizados pelos MST, logo nos primeiros dias da ocupação, a
bandeira é instalada na parte central do acampamento em meio a um ritual, onde serão
realizadas as assembléias e tomadas as decisões relativas ao encaminhamento da luta. No
acampamento da Fazenda Itasul a bandeira foi instalada logo no segundo dia de ocupação, com
as devidas explicações feitas pela liderança sobre o significado daquele símbolo, que se torna,
entre os acampados, um elemento fortalecedor na luta pela terra, deixando claro o papel e a
importância dos fatores simbólicos como a bandeira, as ferramentas de trabalho em punho sob
"palavras de ordem", que carregam um conteúdo místico no movimento de luta pela terra. A
explicação das cores e de seus símbolos, colocando-se que o vermelho da bandeira significa o
sangue dos trabalhadores tombados na luta pela terra, torna-se um fator de fortalecimento das
lutas. Isso se faz necessário por que grande parte dos trabalhadores faz a relação da cor
vermelha da bandeira com o comunismo, sinônimo de perversidade e diabólico, servindo de
motivo para desarticulação dos trabalhadores.
O acampamento da Itasul recebeu, no início do mês de março/89, a visita do candidato a
Presidência da República pelo então PCB. O convite foi enviado pelo MST a todos os possíveis
candidatos a visitar o acampamento, demonstrando que embora o MST não seja tutelado pelos
partidos, Igreja, Sindicato, não nega a participação deles, característica dos novos movimentos
surgidos a partir da década de 70. Em seu discurso aos trabalhadores sem terra, Freire
apresentou-se como um agente do comunismo, simbolizado pela bandeira vermelha de seu
partido. Parte dos acampados não estranhou seu discurso, pelo contrário, fortaleceu o ânimo na
luta pela terra, visto que a liderança do Movimento havia conscientizado por ocasião da

77 RODRIGUES, Arlete Moysés. Op. Cit., s/p.

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instalação da bandeira do MST, sobre as futuras especulações para desarticular a organização
dos trabalhadores.
O período de acampamento foi marcado por grandes dificuldades para o sem-terra: falta
de alimentação, assistência médica, perseguição às lideranças, infiltramento de políticos locais
para tirar proveito eleitoreiro. Como o ano de l.989 foi o da eleição para Presidente da
República, o acampamento foi objeto de investida de políticos locais e estaduais, na procura de
votos para seus candidatos e para si mesmos, pois o acampamento possuía um peso eleitoral
muito grande e em l990 haveria eleição para Governadores, Senadores e Deputados. O MST,
identificando-se com o PT (Partido dos Trabalhadores), acabava indo contra o interesse dos
políticos do município e da região. Eles procuraram, através de aliança com um grupo de
acampados contrários à forma de coordenação do MST, dividir o acampamento. Isso provocou
a ruptura da unidade do grupo acampado, que não reconheceu a coordenação do acampamento,
chegando mesmo a destituir a segurança da porteira de acesso ao acampamento, porque não
concordavam com aquele tipo de organização. Essa questão somente foi contornada com o
retorno dos líderes que haviam deixado o acampamento para participar do V Encontro Nacional
do MST. Esta é uma demonstração da necessidade de o MST estar presente, através das
lideranças, na luta do sem-terra, para manter a unidade do acampamento.
A liderança do MST, no acampamento, tinha pouca articulação com o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Itaquiraí e com a classe política do município. Isso contribuiu, segundo
o próprio MST, para a divisão do acampamento. O grupo de sem-terra contrário à organização
do MST, tinha estes políticos como "amigos" dos sem-terras, o que conseguiu a adesão de um
número elevado de acampados em torno dessas pseudolideranças manipuladas pelo prefeito de
Itaquiraí.
Por outro lado, o grupo em torno, da liderança do MST, contrário à tutela e controle
desses políticos (prefeito e deputado residente no município), procurava manter a unidade do
acampamento para conseguir a desapropriação integral da Fazenda.
A divisão do acampamento acentuou-se, ainda mais, com a influência do Padre da
Paróquia de Itaquiraí, que comparecia ao acampamento para realizar celebrações, e,

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participando de uma reunião dos acampados, disse que deveria ser retirada a bandeira do
Movimento para que pudessem vir dois caminhões de alimentos para o acampamento. "O
Padre de Itaquiraí chegou ao acampamento e nós o convidamos para participar de nossa
reunião. Foi, então, que ele pediu a palavra e disse que poderiam vir dois caminhões de
alimentos, mas se fosse retirada a bandeira vermelha do MST que, segundo ele, era comunista e
contra Deus. Houve muita revolta no acampamento contra a liderança e, depois de muita
discussão, a bandeira foi retirada pelo povo para que pudessem vir as carretas de alimentos,
mas elas nunca apareceram. O acampamento só foi reorganizado com a volta das lideranças
nacionais que haviam deixado o acampamento porque seus nomes constavam como agitadores
do povo. Era o que dizia uma intimação trazida pelo oficial de justiça de Naviraí". 78 Percebe-se
que, embora o MST tenha raízes também nas CEBs, CPT e Igreja, de modo geral, alguns setores
são contrários ao Movimento do Sem-Terra, como demonstra o modo de agir do padre da
Paróquia de Itaquiraí, atestando a idéia de que a Igreja não é um bloco monolítico. Existe,
também, na Igreja, aversão a este tipo de movimento.
Após a ocupação da Fazenda Itasul, vieram as reações contrárias por parte do governo,
declarando que a ocupação seria incitada por grupos organizados que não aceitam a viabilidade
do projeto de Reforma Agrária implementado pelo Estado. A reação dos proprietários contra os
acampados foi no sentido de mover ação de reintegração de posse, com a concessão de despejo
imediato dos ocupantes. A ação tramita no Forum de Naviraí, onde compareceram como réus,
no dia 06/04/89, Darci Domingos Zehm, Daniel Rocha e mais 30 acampados. Neste período, os
líderes acima haviam deixado o acampamento para entrar em contato com o advogado de defesa
cedido pelo CDDH (Centro de Defesa dos Direitos Humanos), Marçal de Souza (Tupã-y). Em
07/04, é expedida a reintegração de posse a ser cumprida num prazo de l5 dias e, se preciso,
requisitar força policial. Isso exigia, conforme documento do comandante geral da PM, metade
da força policial do Estado, pois eram aproximadamente 6.000 pessoas acampadas na Fazenda
Itasul "...Recebi uma requisição de força militar, suficiente para, em companhia dos oficiais de

78 Declaração do Sr. Gonçalo de Jesus Batista, Assentado no Projeto Indaiá


(Coordenação Est. MST)

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justiça desse juizo, dar cumprimento ao mandado de reintegração de posse expedido nos autos
de reintegração movida por Serafim Rodrigues de Moraes e sua mulher, contra Daniel Rocha e
outros, residentes na Fazenda Itasul.
Por se tratar de uma operação em que seria envolvida praticamente, metade da força
pública disponível no Estado, importando a execução de um esquema onde há a necessidade de
ser dispendido tempo na locação de recursos humanos e materiais, estou remetendo a requisição
de força pública ao exame do Exelentíssimo Senhor Secretário de Segurança Pública do
Estado...."79
Em 26/04/89 mediante negociação com o governo através do Secretário de Assuntos
Fundiários do Estado de Mato Grosso do Sul, Aparício Rodrigues, os sem-terras desocuparam a
Fazenda Itasul, acampando em uma área próxima à cidade de Itaquiraí, quando cerca de 1000
famílias sem-terras foram cadastradas pelo INCRA .
Neste momento, os advogados do sem-terra procuram comprovar as dúvidas sobre a
efetiva posse da Fazenda Itasul, que estaria indisponível ao proprietário, devido ser atingida
pelo processo de liquidação extrajudicial do AGROBANCO - Banco Comercial S/A. "O Banco
Central do Brasil, de acordo com o artigo 1. da Lei 6.024/74 e com fundamento no Artigo 51 da
mesma lei, e considerando haver decretado a liquidação extrajudicial do Agrobanco - Banco
Comercial S/A, estabelecer idêntico regime para o Agrodados Processamentos e Serviços Gerais
Ltda, com sede am Goiânia (GO) nomeado liquidante com amplos poderes de administração(...)
em cumprimento às disposições do artigo 38 da Lei 6.024 de 13.03.74, solicitamos a V. Exa. o
especial obséquio de mandar comunicar aos cartórios de registro único do Estado e aos ex-
administradores do Agrobanco - Banco Comercial S/A, em liquidação extrajudicial, que estão
com o patrimônio atingido pela indisponibilidade prevista no artigo 36 do citado diploma legal:
(...) Serafim Rodrigues de Moraes, entre outros proprietários do Agrobanco." e que "Os bens de
Serafim Rodrigues de Moraes estão atingidos pela indisponibilidade prevista no artigo 36 da Lei

79 Documento de Comandante Geral da Polícia Militar de Mato Grosso do


Sul enviado ao Juiz da Comarca de Naviraí, quando do despejo dos
acampados da Fazenda Itasul.

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6.024, de 03/04/74, conforme averbação lançada da transcrição acima mencionada datada de 15
de setembro de 1978."80
O Movimento do Sem Terra procura pressionar o INCRA para agilizar a desapropriação
da Fazenda Itasul, que há tempo estava em lento processo de negociação com o proprietário
para desapropriação. Isso demonstra que as desapropriações para Reforma Agrária dependem,
em grande parte, da "boa vontade" dos proprietários com uma negociação feita caso-a-caso,
como podemos observar, através da decretação de parte da Fazenda Itasul como área de
interesse social para Reforma Agrária. Somente após a afirmação do acordo de desapropriação
amigável da área de 7.340 ha. em 05/05/89, foi firmado o termo de compromisso entre o
INCRA e o proprietário com o objetivo de promover a desapropriação amigável de parte da
Fazenda Itasul.
Firmado o termo de compromisso, o Presidente da República declarou a área de 7.340
ha, de um total de 13.993,4 ha, do imóvel Itasul, como de interesse social para fins de Reforma
Agrária, através do decreto 97.758 de 18/05/89, com base na Lei 4.504/64 e decreto-lei 554/69,
compreendida na zona prioritária. O INCRA dirige-se ao Juízo Federal de Mato Grosso do Sul e
propõe a ação de desapropriação de uma área de 7.340 ha por interesse social. o Juizo Federal
manda imitir o INCRA na posse do imóvel. "O Juiz federal da l Vara da seção judiária de Mato
Grosso do Sul, em substituição, manda a qualquer oficial de justiça desse juizo a quem for
distribuido o presente, que em seu cumprimento, dirija-se à Comarca de Itaquiraí, neste Estado,
e lá Imita o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, na pessoa de seu
representante legal a posse do imóvel constante de uma área de 7.340 ha, denominado Fazenda
Itasul, situada no município de Itaquiraí...".
A área de 7.340 ha, desapropriada da Fazenda Itasul, não foi suficiente para assentar
todas as famílias cadastradas do acampamento pelo INCRA. Observa-se que a área total da
fazenda (l3.993,4 ha) estava totalmente indisponível ao proprietário. Poderia ter sido feita a
desapropriação integral do imóvel; no entanto, o que ocorreu foi a desapropriação parcial,
80 Parte do processo de liquidação do Agrobanco (Banco Comercial S.A),
decretado pelo Banco Central do Brasil e das certidões do cartório de Registro
de Imóveis de Naviraí.

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deixando 272 famílias de acampados como excedentes na classificação, além daqueles
reprovados no cadastramento feito pelo INCRA. Cerca de l00 famílias do grupo excedente
ocuparam a Fazenda Tamakavi, propriedade onde, até os dias atuais, ocorre a incidência de
grande número de arrendatários. Os sem-terras que ocuparam a Fazenda Tanakavi, foram
despejados em uma área urbana, permanecendo aí por tempo indeterminado.
Uma parte dos excedentes e daqueles que ocuparam a Tamakavi foram assentados com
nova redução da dimensão dos lotes do assentamento, devido à idealização de um Distrito
Verde que reduziu 48 lotes para 4 ha, permitindo o assentamento de um número maior de
famílias. Além dessa, já havia sido feita uma outra redução da dimensão dos lotes, pois a
proposta inicial era a de assentar 350 famílias em lotes com dimensão do módulo mínimo, e que
acabou sendo alterada para que aquelas famílias excedentes não ocupassem novos latifúndos no
município.
A Fazenda Itasul possuia 13.993,4 ha que estavam totalmente indisponível ao
proprietário, sendo possível portanto, a desapropriação total do imóvel. Entretanto, foi
desapropriado apenas 7.340. Assim surge a questão: por que foi decretada e desapropriada, por
interesse social, somente parte da área total da Fazenda Itasul ?
Após a imissão de posse ao INCRA, os acampados retornaram à Fazenda, agora na
condição de assentados provisoriamente na terra desapropriada. Divididos em cinco grupos
(Barranca do Rio, Satílio, Represa, São Luiz e Farinheira) trabalhavam no preparo da terra para
a plantação de culturas temporárias. Alguns grupos procuraram organizar a produção, sob
orientação e auxílio do MST e CPT, através da cooperação e de forma semi-coletivizada, onde
45 famílias divididas em dois grupos (Farinheira e Barranca) desenvolviam atividades agrícolas
e, também, a instalação de um aviário.
Esta forma de produção acabou não proporcionando os resultados esperados, devido a
uma série de fatores, entre as quais destacamos: falta de controle sobre o trabalho, em que
aqueles que muito se esforçavam para produzir, trabalhando maior número de horas, recebiam
os mesmos benefícios dos que pouco se esforçaram, quando da divisão da produção; pequena
compreensão de cooperação agrícola e grupo coletivo, com uma concepção mais subjetiva do

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que objetiva e concreta de Cooperação Agrícola em Assentamentos; falta de infra-estrutura
adequada, como instalações, água, energia elétrica, principalmente para o grupo que trabalhava
com o aviário, sendo necessário grande despesa com gás de cozinha para substituir a energia
elétrica e, principalmente, a dificuldade de competir com o preço das empresas monopolistas,
além das razões de ordem ideológica e da herança cultural, em que as condições históricas
incutiram no trabalhador sem terra a consciência de posse individual e a competição entre os
indivíduos, pois a maioria dos assentados trabalharam em terras do "patrão" ou de forma
individual. No entanto, o fato que muito contribuiu para a dissolução dos grupos, foi o sorteio
dos lotes de cada parceleiro, quando o INCRA colocou obstáculos pela demarcação da área
coletiva dos grupos. Algumas famílias não aceitavam receber seus lotes em comunhão com
outras famílias, provocando a desestruturação dos grupos.
Parte dos membros destes grupos, o "grupo dos l3", procurou reunificar-se no momento
do assentamento no Distrito Verde. Não obtiveram os resultados esperados, devido a uma série
de razões técnicas, principalmente pela falta de irrigação.
Os grupos ficaram acampados (assentados provisoriamente) durante um ano e meio na
expectativa da demarcação dos lotes. Para que isso ocorresse, foi necessário que os sem-terras
realizassem movimentos, como o fechamento da Prefeitura por mais de uma semana exigindo a
presença do INCRA e dos órgãos do governo do Estado ligados à terra para que se efetivasse a
devida demarcação dos lotes, na área desapropriada. O desinteresse do Estado pelo
assentamento Indaiá pode ser observado, desde o seu surgimento. O tempo utilizado para a
demarcação dos lotes, de aproximadamente dois anos, é um exemplo, pois a desapropriação
ocorreu no mês 08/89, e o assentamento somente no mês 05/91.
É importante destacar que existem entre os assentados e os pequenos proprietários,
algumas características que lhes são peculiares. A principal delas é a forma como se dá o acesso
à terra.
Os pequenos proprietários tiveram acesso à terra através de herança e compra,
principalmente, com dinheiro conseguido pelo trabalho em arrendamentos ou parceria.

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Mantendo relações não-capitalistas, sujeitam-se às regras capitalistas com o pagamento da renda
da terra a um proprietário de terra ou loteadora.
Por outro lado, os assentados tiveram acesso à terra por meio de movimentos
reivindicatórios e mediante muita luta. Esses, de alguma forma, negam as regras capitalistas,
pois embora os antigos "proprietários" dos latifúndios sejam indenizados, mediante
desapropriação, a posse da terra ocorre não pelo seu pagamento, mas sim por meio de luta pela
sua conquista.
A conquista da terra é resultado da consciência de excluído, propiciada, sobretudo, pela
participação nos acampamentos. Por um lado, os acampamentos possuem aspectos negativos,
mas por outro, são uma importante "escola" formadora da consciência política de seus
participantes, com influência após o seu assentamento, pois os parceleiros possuem relativa
capacidade de articulação para lutar em conjunto por benefícios juntos aos órgãos públicos.

IV - O ASSENTAMENTO INDAIÁ

1 - ASPECTOS PRODUTIVOS DO ASSENTAMENTO

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Após a demarcação dos lotes na área desapropriada, foram assentadas 630 famílias em
lotes que variavam entre 4 a 32 ha, com 99% das parcelas inferiores ao módulo mínimo da
região que é de 25 ha, e abrangendo 3,7% da área total do município. A dimensão dos lotes da
área parcelada foi realizada levando em consideração as condições de natureza física,
econômica e política, como a aptidão agrícola do solo, proposta da formação de um Distrito
Verde, etc. A maior parte dos lotes têm área inferior a 10 ha, sendo que 348 lotes (55%) são
inferiores a 10 ha; 280 lotes (44,3%), variam entre 11 e 20 ha e apenas 04 lotes (0,7%) variam
entre 21 e 32 ha.
O tamanho adequado do estabelecimento é muito importante para qualquer projeto de
assentamento ou colonização. WAIBEL (1956), em estudo sobre a colonização no sul do Brasil,
referiu-se à dimensão dos lotes, quando aplicado o sistema de rotação de terras, apresentando o
conceito alemão minimale ackernahrung, ou seja, um tamanho mínimo que deve possuir a
propriedade agropecuária, que utilizando-se de mão-de-obra familiar, proporcione o sustendo do
agricultor, mantendo um nível econômico e cultural decente.
O minimale ackernahrung somente pode ser feito através de estimativas, em função de
elementos como fertilidade da terra, sistema de cultivos, transporte, acesso aos mercados, etc.
Isso varia de uma para outra região.
Para VALVERDE (1985), cada região tem seu minimale ackernahrung e varia,
também, no tempo, devido ao esgotamento ou adubação do solo, novas plantas de cultivo,
flutuação dos preços no mercado. Isso exige fazer revisões periódicas, a fim de que se ajuste à
realidade econômica.
Tratando-se das pequenas propriedades do planalto meridional e aplicando-se a rotação
de terras, Waibel estima que a minimale ackernahrung deveria ser entre 55 a 65 ha em terra boa,
e 80 a 105, em terra ruim. Não considerando essas dimensões, o resultado será o rápido
esgotamento do solo, levando à estagnação econômica. Quando é praticada a rotação de
culturas, os lotes podem ser menores.

ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO ASSENTAMENTO INDAIÁ

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Área lotes (ha) N. lotes Área total % lotes % Área
Até 4 48 192 7,5 2,6
7 10 75 1,5 1,0
8 31 263,5 4,5 3,5
9 69 656,5 10,9 8,9
10 190 1995 30,0 26,4
11 47 540,5 7,4 7,3
12 84 1050 12,9 14,3
13 59 796,5 9,3 10,8
14 21 304,5 3,3 4,1
15 11 170,5 1,5 2,3
l6 04 66 0,6 0,8
17 29 508 4,5 6,9
l8 19 351,5 3,0 4,7
19 03 58,5 0,4 0,7
20 03 61,5 0,4 0,8
21 02 43 0,3 0,5
24 01 24 0,1 0,3
32 01 32 0,1 0,4
Obs. Foi incluinda no cálculo, a área ocupada pelas estradas, a área reservada para o Distrito Industrial e outras, de
aproximadamente 150 ha.
Entre os assentamentos de sem-terra e os projetos de colonização existem algumas
características semelhantes. No entanto, um conjunto de diferenças marca a distinção entre as
duas formas. Uma diferença marcante entre os Assentamentos e os Projetos de Colonização
implantados em certas partes do país, é a forma como a terra foi adquirida. Os assentados
obtiveram a terra como resultado de seu amadurecimento político, consciência de seus direitos e
sua organização.
Embora, nos projetos de colonização, ocorra intervenção do Estado, esta parece ser
mais direta nos assentamentos. Pressionado pelo movimento, o Estado assenta os trabalhadores
sem terra. Nos projetos de colonização, a participação do Estado ocorre de acordo com seu
interesse, proporcionando meios para o capital territorializar-se.
O presente estudo do Assentamento Indaiá passa por uma abordagem dos aspectos
agrícolas e agrários. A questão agrícola envolve aspectos técnicos e da produção: o que se
produz, os resultados econômicos dos cultivos, quantidade de produção, preços. A questão
agrária refere-se às relações de produção: como se produz, quem produz.

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As transformações ocorridas na forma de produzir, a partir do final da década de 60
com a intensificação das relações capitalistas de produção no campo, coloca-nos diante da
questão agrária. Na realidade elas estão relacionadas entre si e não há, na essência, separação
entre ambas; porém, isso não quer dizer que sejam a mesma coisa.
Por algum tempo, a Reforma Agrária foi apresentada como uma solução para a crise
agrária e agrícola, pois fazia aumentar a produção agrícola e eliminava o latifúndio. No entanto,
os problemas agrícolas brasileiros foram resolvidos com a intensificação das relações
capitalistas, no campo, sem a promoção da Reforma Agrária. O aumento da produção não foi
acompanhado pela elevação do poder de compra da população, levando à necessidade de
destinar parte da produção para a exportação. Neste caso, a forma como foram resolvidos os
problemas agrícolas agravou o agrário.
As informações sobre o assentamento foram obtidas através de um conjunto de técnicas
de investigação, com destaque aos questionários aplicados a 160 famílias de assentados, no
período de agosto a outubro/93. Correspondem a uma amostragem de 25% das famílias
assentadas e cobrindo uma área de 1.930 ha. Procuramos distribuir a aplicação dos questionários
de maneira uniforme, permitindo a abrangência de todo o assentamento, como podemos
observar no mapa dos lotes das famílias entrevistadas.
As terras próximas dos Rios Itaquiraí, São Luiz, Bico do Papagaio e Paraná, e outras
terras que apresentam limitação à prática de lavouras, além da deficiência de fertilidade, foram
parceladas em lotes que variavam de l3 e 2l ha, e abrangiam 44,4% da área total do
assentamento. Grande parte é destinada à prática de pecuária. Esses são os lotes que apresentam
maior porcentagem de áreas inexploradas, já que muitos dos assentados, nesses lotes, não
dispõem de recursos para preparação das pastagens e aquisição de animais. A lavoura também
é praticada, mas de forma reduzida, em virtude dos vários fatores limitantes à sua prática. Esta
parcela do assentamento possui 44,8% da área inexplorada, com uma média de 6,3 ha por lote,
enquanto que a média de terras inexploradas, na área total do assentamento, é de 2,4 ha por
lote. As pastagens estão situadas na baixa vertente, ou seja, no "fundo" do lote. As pequenas
lavouras ficam nas "cabeceiras" dos lotes.

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Na meia encosta e no topo, a área de terras inexploradas é menor, com a predominância
da agricultura; são as terras que apresentam boas condições para a prática de lavouras se for
feito nível de manejo tipo C, com práticas agrícolas que requerem alto nível tecnológico. 81
Como os parceleiros não dipõem dessas condições, existe grande dificuldade para a prática de
lavouras por causa da baixa fertilidade do solo. A alternativa tem sido a plantação de mandioca,
cultura pouco exigente quanto a fertilidade do solo.
Através dos mapas a seguir (figura 13 e 14) podemos ver a área do assentamento que
apresenta solos com fatores limitantes além da deficiência de fertilidade e sua relação com
dimensão dos lotes, pois estes apresentam-se maiores do que aqueles onde a limitação ocorre
somente pela deficiência de fertilidade, geralmente na meia encosta e no topo.

fig. 13

fig. 14
81 No trabalho de levantamento e classificação da aptidão agrícola dos solos
do Assentamento Indaiá, realizado pela TERRASUL/Empaer, estabelecem-se
vários níveis de manejo do solo, que refletem o nível tecnológico utilizado.
"Nível de manejo A (Manejo primitivo) - As práticas agrícolas que
correspondem aos métodos que refletem baixo nível tecnológico.
Praticamente, não há emprego de capital para a manutenção das condições da
terra e das lavouras. Os cultivos dependem, principalmente, do trabalho
braçal. Alguma tração animal é usada, com emprego de implementos
agrícolas simples. Nível de Manejo B (Manejo subdesenvolvido)- As práticas
agrícolas relacionadas com o uso modesto de tecnologia. Há pouco emprego
de capital e de resultados de pesquisa para manutenção e melhoramento das
condições agrícolas das terras e das lavouras. Os cultivos estão
condicionados, principalmente, ao trabalho braçal e animal. Quantidades
modestas de calcário e ferramentas são utilizados para sustentar as
produções, usualmente muito menores que as recomendações fundamentadas
na pesquisa. Nível de Manejo C (Manejo Desenvolvido) - Práticas agrícolas
que requerem alto nível tecnológico. Há emprego de capital sufuciente para
manutenção e melhoramento das condições das terras e das lavouras.
Empregam maquinaria agrícola e conhecimento tecnológico capazes de
elevar o potencial produtivo. Prevê intensos serviços de drenagem, medidas
de controle à erosão, tratos fitossanitários, rotação de culturas, com plantio de
sementes e mudas melhoradas, mecanização adequada, calagem e adubação
em níveis econômicos preconizados através de pesquisa, além de outros".

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12

Os lotes de maior dimensão, aqueles que apresentam vários fatores limitantes, são
classificados pela Empaer/Terrasul como regulares para lavouras com nível de manejo C, ou, no
máximo, com aptidão para pastagem natural ou silvicultura. Os solos são os seguintes:
Latossolo Vermelho-Escuro Distrófico A moderado textura média fase floresta tropical
sub-perenifólia de I classe relevo ondulado. Apresenta, como principais fatores limitantes, a
deficiência de fertilidade e susceptibilidade de erosão devido a sua declividade acentuada e
"pertencentes à classe de aptidão regular nos níveis de manejo B e C e restrita ao nível de
manejo A.";
Latossolo Vermelho-Escuro Distrófico Eupieutrófico A moderado textura média fase
floresta tropical sub-perenifólia de I classe e relevo suave ondulado e ondulado, apresentando
como principal fator limitante a susceptibilidade à erosão;
Latossolo Vermelho-Escuro Álico A moderado textura média floresta tropical sub-
perenifólia de I classe e relevo ondulado e suave ondulado. Este tipo de solo tem como
principais fatores limitantes a deficiência de fertilidade e a susceptibilidade a erosão e regular
na prática de manejo B e C e restrito para o A;
Latossolo Vermelho-Escuro Álico A moderado textura média fase floresta tropical sub-
perenifólia de II classe relevo suave ondulado, apresentando como principais fatores limitantes a
deficiência de fertilidade e a suceptibilidade à erosão e regular aptidão nos níveis de manejo B e
C e restrito para o A;
Latossolo Vermelho-Escuro Álico A moderado textura média fase campo cerrado
tropical relevo suave ondulado, com limitação na deficiência de fertilidade e susceptibilidade à
erosão, considerada regular aptidão em nível de manejo B e C e restrito para o A;
Solos orgânicos Distróficos A turfoso textura indiscriminada fase campo de várzea e
relevo plano, apresentando como fatores limitantes a deficiência de fertilidade, o excesso de
água ou deficiência de oxigênio e impedimento à mecanização e no máximo aptidão para
pastagem natural ou silvicultura;

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4
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Glei Pouco Humico Álico A moderado textura argilosa fase campo de várzea e relevo
plano. Este tipo de solo apresenta deficiência de fertilidade excesso de água ou deficiência de
Oxigênio e impedimento à mecanização como principais fatores limitantes, e no máximo apto
para pastagem natural e silvicultura.82
Todos estes tipos de solos, com exceção dos solos orgânicos distróficos e do Glei pouco
húmico álico, apresentam, em menor proporção, ocorrência de terras menos aptas para
lavouras.83
Durante o primeiro ano agrícola, as principais culturas do assentamento foram as de
algodão e milho. Do segundo ano em diante, a lavoura predominante foi a mandioca. Ao final
de dois anos, a cultura de mandioca deixa o solo praticamente esgotado, considerando-se, ainda,
que muitos assentados não realizam a rotação de culturas devido à pequena dimensão dos lotes.
Essa cultura toma grande parte do lote faltando-lhe terra onde possa cultivá-lo no ano posterior,
porque parte do lote destina-se às pequenas pastagens e culturas de auto-consumo. Alguns
assentados já começaram a plantar capim nas terras antes ocupadas com a cultura de mandioca.
Consideram uma das poucas alternativas econômicas que lhes resta diante da baixa fertilidade
do solo, seu esgotamento com a cultura de mandioca, e da dificuldade de correção do solo
devido à baixa capitalização do assentado. O auto-financiamento depende de uma renda líquida
para a formação de uma reserva para o investimento.
Na área destinada aos cultivos, ocorre uma alternância das culturas, com exceção da
mandioca, pois agricultores repetem a plantação na mesma área ocupada anteriormente. A
mandioca, cultura principal no assentamento, é plantada entre os meses de julho a setembro,

82 A aptidão dos solos do Assentamento Indaiá referidos acima, foram


classificados pela Terrasul e Empaer.
83 A abordagem específica sobre os tipos e aptidão dos solos para a
agricultura, referidos acima, deve-se ao fato de ser este elemento, o
condicionante de natureza física mais relevante, e utilizado para o loteamento
da Gleba Indaiá. Isso não significa que outros elementos como o microclima,
hidrografia, topografia, não devem ser considerados para a delimitação dos
lotes.
Por ser um elemento que apresenta grande variação na área do
loteamento, o solo torna-se o critério emergente, e por isso priorizado na
demarcação da dimensão dos lotes.

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período em que ocorre 92% da plantação desta lavoura. Como esta cultura possui um longo
ciclo vegetativo, sendo colhida geralmente dez meses após a plantação, alguns assentados,
devido à necessidade de saldar suas dívidas, acabam vendendo a produção antes mesmo do
momento ideal para a colheita, ocorrendo queda na produtividade/produção.
O milho é plantado no período de agosto a outubro, época em que ocorre 81% da
plantação dessa lavoura. O arroz é plantado nos meses de agosto/setembro e dezembro e 80%
das plantações desse produto são feitas nesta época do ano. A plantação de feijão ocorre
especialmente nos meses de julho e agosto, quando 79% dos assentados procuram semeá-lo na
terra. 84% dos assentados que cultivam algodão procuram semear esta cultura no período entre
setembro e outubro. O amendoim é plantado no assentamento de agosto a outubro, quando 80%
dos assentados que cultivam esta lavoura plantam preferencialmente nesta época do ano.
Consideramos, aqui, apenas as culturas de maior importância econômica comercial e de
subsistência dos assentados, já que as lavouras de soja, mamona, erva-mate, abacaxi e banana
ocupam pequena parcela (menos de 1%) da área cultivada.
Uma parcela considerável dos assentados entrevistados (51%), não desejam continuar
com a cultura de lavouras como atividade principal, mas sim formar pastagem na maior parte do
lote e dedicar-se à prática da pecuária leiteira, deixando as lavouras em plano secundário.84 Por
outro lado, esta atividade apresenta grande limitação, porque os lotes são em grande parte,
secos, isto é, não banhados por rios. Os outros 49% dos assentados demonstram interesse em
continuar com a agricultura, no mínimo em metade de seus lotes. Os lotes, onde predomina a
pecuária, aquela atividade é praticada na meia encosta e fundo de vale dos rios (média e baixa
vertente), e a pequena área de lavouras fica nas "cabeçeiras".
WAIBEL (1979) advoga que, na pequena propriedade, não deve ocorrer a separação
econômico-espacial de lavouras e pecuária, e que, mais importante que utilizar o arado é
aproveitar o esterco produzido pelo gado na adubação das terras de lavouras. Apesar do
pequeno número de cabeças de gado, devido à dimensão dos lotes e do baixo poder aquisitivo
84 Pelo que tudo indica, o Mercosul provocará alteração no preço do leite, e
consequentemente, atingirá os assentados de Indaiá, levando-os a adaptar-se
às novas condições.

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da maioria dos assentados e do gado não ser criado em estábulos, o assentado de Indaiá poderá
conseguir, aí, o adubo necessário para fertilizar a terra onde desenvolve sua cultura. No entanto,
essa técnica não é utilizada no assentamento, por razões de ordem econômica e cultural, pois a
modificação do sistema de cultivo das lavouras e a melhor utilização do solo tornam-se difíceis
porque estes agricultores possuem um conjunto de valores que, muitas vezes impedem a
modificacão dessa forma de cultivo.
Por outro lado, aqueles agricultores que possuem um contado maior com a cidade,
através de relações com o poder público, entidades, partidos políticos, MST estão mais abertos
às mudanças e novas técnicas de cultivo, como é o caso de alguns assentados que desenvolvem
criação de minhocas nos próprios lotes, para a adubação das hortaliças.
Nos questionários aplicados, foi constatado que a organização produtiva está baseada
na agricultura, com um total de 898,5 ha (46%), e com predominância absoluta de culturas
temporárias (mandioca, milho, arroz, feijão, algodão e amendoim). O total dos cultivos ocupa
1220,5 ha, pois em uma mesma área, pode ser cultivado mais de um produto.
A pecuária ocupa uma área de pastagem de 513,5 ha (26,6%), mas com uma tendência
de futura elevação da área de pastagem, produção e produtividade.
A área ocupada por florestas abrange 179,5 ha (9,3%). A área abandonada, onde não
são desenvolvidos cultivo ou criação, é de 399 ha (l7,5%). Onde não aparece a capoeira, a terra
está coberta por capim colonião da antiga fazenda, consequência da falta de recursos para
adquirir semente e preparar o solo. O capim da antiga fazenda é parcialmente aproveitado, ou
seja, naquela parte que o assentado consegue cercar e, mais tarde, com a melhoria das condições
financeiras, ele procura formar pastagem com grama africana ou humedícula. Quando há
intenção de praticar lavoura naquela área coberta pelo capim, ela fica abandonada até o
momento em que o agricultor conseguir as condições necessárias para pagar o maquinário para
o tombamento. Uma grande parte dos assentados realizou a preparação da terra manualmente e
com tração animal.
Existe a idéia de que os assentamentos, nos moldes capitalistas, "só são possíveis
quando o Estado, dada a falta de capitalização inicial dos beneficiários, supre determinadas

12
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necessidades vitais para a reprodução do núcleo. Isto faz com que somente a terra não

solucione os anseios daqueles que nela produzem".85 Podemos constatar no assentamento, um


elevado nível de produção, se comparado com o antigo latifúndio, chegando a resultados

surpreendentes.

As lavouras de mandioca apresentam-se atualmente como a principal cultura do

assentamento. Ocupam uma área de 394 ha da amostragem, com 8l% da produção destinada ao

mercado e uma média de produção de 12,6 ton. por ha. Os assentados cultivam lavouras de

mandioca devido a uma série de razões, pois este é um produto muito consumido no próprio lote

(subsistência e sustentação de outras atividades) e tem se apresentado como alternativa

econômica devido à facilidade de comercialização desse produto com fecularias próximas ao

assentamento. Um grande número de lotes (74%) produzem mandioca para o mercado.

A construção de duas fecularias, no município de Itaquiraí, pelo que tudo indica dará ao

assentamento uma nova dinâmica, com fornecimento de mandioca pelos assentados às fecularias

e indústrias instaladas próximas ao assentamento.

A produção de mandioca no assentamento não está integrada às indústrias na forma

contratual, como ocorre com a sericicultura e avicultura, em outras regiões do Estado ou País. A

integração com as indústrias ocorre através do mercado, onde há o predomínio de uma

integração "autônoma". O assentado vende a sua produção àquela fecularia que oferecer melhor

preço pelo produto.

85 MULLER, Apud GÖRGEN, Frei Sérgio e STËDILE, João Pedro.


Assentamentos: Respota Econômica da Reforma Agrária.Vozes, 1991.
p.22.

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De modo geral, os pequenos e médios produtores se articulam com o complexo

industrial agrícola por meio de duas formas principais: "integração formal" e "integração

autônoma". Na integração formal com as empresas industriais, (cooperativas que atuam neste

setor, ou empresas privadas), são eliminados os efeitos diretos do mercado na relação entre

empresa e produtor. A segunda forma de integração ocorre através do mercado, que organiza a

relação entre as partes (empresa e produtor rural).86

A flexibilidade entre a venda e o consumo da mandioca, ocorre no assentamento.

Quando as condições de mercado não oferecem preços satisfatórios para a venda, o assentado

pode optar pelo consumo no próprio lote. Isso, porém, não é muito significativo, pois a

produção e área elevada de plantio, e o cultivo de espécies impróprias para o consumo in

natura, não permitem grande flexibilidade. Os assentados acabam vendendo a maior parte da

produção às fecularias. A cultura de mandioca para a alimentação e consumo no próprio lote é

feita geralmente numa área à parte.

Outra cultura que ocupa área considerável no assentamento é o milho, com 296 ha da

amostragem. A maior parte da produção (60%) destina-se ao consumo no próprio lote, devido à

necessidade de alimentação dos suinos e aves. A média de produção é de 1.141 Kg por ha. O

milho é cultivado por 79% dos assentados, sendo que entre eles, praticamente, todos utilizam

alguma parte para o consumo no próprio lote.

O arroz e o feijão, juntos, ocupam uma área de 284 ha, com 93% da produção de arroz e

77% de feijão destinados à subsistência. A média de produção de arroz por hectare é de 438

quilos/ha (7,3 sacos) e a de feijão é de 366 quilos/ha. Muitos assentados declararam que

86 SORJ, Bernardo, et alii. Camponeses e Agroindústrias. Rio de Janeiro,


Zahar Editores, 1982. p.33.

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cultivaram o feijão para subsistência, mas foram abrigados a vender parte daquela produção

para adquirir produtos que não cultivam. Parte dos assentados (12%) que plantou feijão, durante

o ano agrícola de 93, não conseguiram colher, já que essa cultura exige solo muito fértil.

Praticamente todos os tipos de solos do assentamento apresentam deficiência de fertilidade. As

colheitas foram catastróficas.

O algodão ocupa uma área de l56 ha e 100% da produção destina-se ao mercado. A

média da produção é 825 quilos/ha (55 arroubas). Essa cultura possui a desvantagem de causar

uma despesa considerável com inseticidas, fazendo com que muitos produtores tomem

empréstimo nas cerealistas e cooperativas para adquirir defensivos agrícolas, ou mesmo para a

sobrevivência. Ficam sujeitos a juros elevadíssimos cobrados pelos intermediários. É comum

entre os assentados, devido principalmente à necessidade de adquirir os agrotóxicos, vender

toda ou parte da produção, ainda no pé, "na folha", por um preço bem inferior ao de mercado.

A redução pode atingir até 50% do preço do produto.

O amendoim é cultivado por 38% dos assentados, em 62 ha, com uma média de l.404

quilos/ha e a maior parte da produção destina-se ao mercado. Outras culturas como mamona,

soja, erva-mate, banana, abacaxi têm pequena expressão produtiva e comercial no assentamento.

A produtividade no assentamento não é superior à produção média por hectare do

município; no entanto, observa-se o aumento do volume da produção, principalmente das

lavouras de milho, mandioca, arroz, feijão e hortaliças. A oferta de hortaliça, especialmente nas

épocas de colheitas, proporciona uma sensível redução nos preços desses produtos para a

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população da cidade. São vendidas na Feira do Produtor, organizada e mantida pela Associação

dos Produtores do Distrito Verde, como veremos adiante.

Diante da análise dos cultivos do assentamento, e com base no volume de produção,

área cultivada e finalidade da produção, podemos classificar as culturas em grupos destinados:

1 - Comércio - Mandioca, Algodão e Mamona;

2 - Comércio e subsistência - Mandioca, Milho, Feijão e Amendoim;

3 - Subsistência e sustentação de outras atividades - Mandioca, Milho, Arroz e Feijão.

A inserção dos assentados no mercado, com a produção de mandioca e algodão

principalmente, se dá através de uma relação particular, e as razões econômicas tornam-se

insuficientes para compreender o seu modo de vida, já que sua integração ao mercado ocorre de

uma forma parcial e mediada por uma relação pessoal. A capacidade concorrencial da produção

típica de mercado torna-se menos importante que a formação de um clientelismo e dependência

de intermediários. No Assentamento Indaiá, são as cerealistas e comerciantes, os intermediários,

que fornecem os financiamentos e adquirem a produção.

O acesso ao crédito ocorre através de investimentos oficiais, com recursos do FCO

(Fundo Constitucional para o Centro-Oeste), que destina 10% da verba total para os

assentamentos da região Centro-Oeste, resultado das lutas dos assentados através do MST, CPT,

CUT, COAAMS (Coordenação das Associações dos Assentamentos de Mato Grosso do Sul) e

outros.

Outra forma de acesso ao mercado de capitais e crédito no assentamento é obtida

através de fontes locais, ligadas a condições pessoais com os emprestadores de dinheiro

13
1
13
(comerciantes e cerealistas). Esse vínculo de pessoa a pessoa fica nítido com a venda "na folha".

As cerealistas, principalmente, adquirem o produto, permitindo que o assentado possa investir

na produção com aquisição de agrotóxicos, equipamentos de trabalho e no próprio consumo

alimentar.

Dessa forma, somente os mecanismos de mercado não podem explicar essa relação,

onde os juros, pelo adiantamento de dinheiro, é fixado pelo próprio comprador. As

circunstâncias pessoais e o conhecimento das partes, dos agentes envolvidos, são básicos para o

funcionamento dos sistema.87

A pecuária bovina é de grande importância econômica no assentamento, com destaque

para o gado leiteiro. No ano de l.993, parte dos assentados (200) adquiriu três vacas leiteiras,

com recursos liberados pelo FCO.

O interesse demonstrado pela pecuária de leite pode ser observado pelo número de

desistência do plano de custeio de feijão com os recurso de l.8 bilhões de cruzeiros (valores de

03/93). Dos duzentos assentados que haviam planejado investir estes recursos na adubação,

calagem, sementes, preparo do solo, para cultivar feijão, restaram apenas l9 assentados. Os

outros optaram pela aquisição de vacas leiteiras. Há, no entanto, um descontentamento geral

com a qualidade das vacas adquiridas, uma vez que não foram os parceleiros que escolheram as

que melhor lhes convinham e, sim, a Associação dos Produtores do Projeto Indaiá, com a

87 Sobre a integração parcial dos camponeses ao mercado e os vínculos de


pessoa a pessoa nessa
relação,ver ABRAMOVAY. Paradigmas do Capitalismo
Agrário em Questão. 1992. p.115-127.

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participação do gerente do escritório local da Empaer e representação dos grupos que formam a

Associação. Levantou-se a suspeita de superfaturamento na venda.

As pastagens no assentamento abrangem 26% da área total (5l3,5ha) com 1.028 cabeças

do total da amostragem e uma média de 2,4 cabeças por ha, incluindo animais de trabalho. Uma

parcela considerável (90%) dos lotes possui alguma área de pastagem (considerando as áreas

exploradas e não exploradas), com uma média de 3,5 ha por lote, sendo que 82% dos lotes

possuem até 5 hectares.

As pastagens são formadas basicamente por capim (colonião e brizantão) e grama

(humedícula e brachiária). As pastagens de gramas são preferidas por 83% de assentados; que

desenvolvem atividade pecuária em seus lotes, e o restante, ou seja, 17% são pastagens

formadas por outras espécies ou nativas. Na formação das pastagens, o assentado tem dado

preferência às gramas devido serem elas mais vantajosas, para o pequeno produtor, porque

sustentam maior número de cabeças de gado; a formação da pastagem ocorre mais rapidamente;

são mais resistentes às geadas, além da facilidade de encontrar as mudas. Este, porém, não é o

pasto preferido pelos animais e pelos grandes proprietários.

Aqueles que têm as pastagens formadas por capim colonião, aproveitaram as pastagens

da antiga fazenda, demonstrando interesse de, futuramente, formar pastagens com gramas.

GADO BOVINO POR ESTABELECIMENTOS

N. cabeças N. estab. % estab.


1-5 63 55,2
6 - 10 28 24,5
11 - 15 08 7,0

13
3
13
l6 - 20 07 6,1
21 - 25 04 3,5
26 - 30 01 0,8
31 e mais 03 2,6
Total 114 99,7
Fonte: Questionário aplicado pelo autor em 25% dos lotes (1993).

A média de produtividade pecuária do assentamento é muito superior àquela praticada,

na antiga fazenda, que possuía no ano de l990 uma média de 0,3 cabeças por ha, ou seja, 4.500

cabeças de bovinos, não se considerando a produção bovina dos arrendatários. Nota-se que a

produtividade da fazenda era baixa, característica dos grandes estabelecimentos de todo o

Brasil. Isso prova que a terra é utilizada por grande parte dos grandes proprietários como reserva

de valor e não para fins produtivos, com terra coberta por florestas ou ocupada pela pecuária de

corte. "Assim, podemos verificar o real papel da concentração fundiária no País, qual seja, a

retenção da terra como reserva de valor e a pecuária de corte como 'instrumento' para escondê-

la e caracterizá-la como 'produtiva".88

VALOR DE PRODUÇÃO POR GRUPOS DE ÁREA -l985 (%)

Grupo de Área Prod. Animal Prod. Vegetal Silvicul. Extrat. Veg.


Até 100 46,8 48,2 12,4 48,8
100 - 1.000 33,5 33,2 25,8 27,7
1.000 e mais 19,7 18,6 61,8 23,5
Fonte: IBGE

Consideramos, no entanto, que não basta fazer a terra produzir como tem acontecido em

algumas partes do país com a expansão de canaviais, da cultura da soja, e mesmo a pecuária

88 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Agricultura Brasileira:


Desenvolvimento e contradição. Datilog., 1992. p.45.

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praticada nas grandes propriedades em pastagens artificiais, como a que ocorre no sul de Mato

Grosso do Sul. A questão aqui colocada vai além da dimensão capitalista, pois implica na forma

de uso e no uso social da terra, que não pode ser verificado somente pelo volume de produção.

Poderíamos atribuir o fato do aumento da produção bovina e agrícola, nos dois

primeiros anos do assentamento, à retirada da fertilidade natural do solo, pois a terra não estava

sendo explorada produtivamente na antiga fazenda. Com o esgotamento da fertilidadade da

terra, o assentado não seria capaz de corrigi-la, em vista de sua "descapitalização", com reflexo

e queda na produção. Entretanto, o que ocorre, é que, com os vários anos de cultivo e criação, os

assentamentos produzem cada vez mais, como demonstra a experiência de assentamentos mais

antigos. Temos exemplo na Região de Cruz Alta/RS, Pirituba/SP e outros, necessitando um

pequeno impulso inicial com investimentos do governo.

A suinocultura e a avicultura tem pequena expressão comercial, com exceção da

pequena participação daqueles que receberam financiamentos dos recursos do FCO. Por outro

lado, 88% das aves destinam-se ao consumo do próprio assentado são criadas em 96% dos

estabelecimentos, com média de 53 cabeças por lote, sendo criadas de forma rústica; da mesma

forma, ocorre a criação de suinos em que 72% da produção destina-se ao auto-consumo com

uma média de 7 cabeças por lote e praticada em 71% dos estabelecimentos. Deve-se considerar

que os suinos são criados para a subsitência, mas acabam sendo vendidos devido às

necessidades de aquisição de produtos que o assentado não produz. Tanto a avicultura quanto a

suinocultura comercial enfrentam dificuldades para desenvolver-se no assentamento, já que

essas atividades, se praticadas individualmente, sem a integração com a indústria, não

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conseguem competir com as empresas monopolistas do setor, por causa do preço da ração,

infra-estrutura necessária, instabilidade no comércio, condições necessárias para a produção de

animais a curto prazo, como ocorre nas granjas integradas à indústria.

Um conjunto de condições é necessário para que ocorra a integração da produção com a

empresas industriais, como é o caso da existência de um certo número de pequena propriedades.

As indústrias de transformação de produtos agrícolas raramente se fazem presentes nesta região,

onde a pequena propriedade, elemento importante para a presença da integração, sofreu severas

restrições ao seu desenvolvimento, como já vimos anteriormente. Os estabelecimentos

industriais instalados em Itaquiraí voltados para a pequena propriedade agrícola, é fato recente e

ocorreu somente após o assentamento dos sem-terras.

O assentamento apresenta-se como um grande potencial produtivo, principalmente com

a instalação de indústrias que visan adquirir a produção do assentamento, como as fecularias e

laticínios. A presença de indústrias visando adquirir a produção de mandioca principalmente,

significa, por outro lado, a sujeição da renda da terra ao capital.

Uma das forma de sujeição da renda da terra, é a territorialização do capital na

agricultura. O capitalista apropria-se da terra tornando-se proprietário e desenvolvendo

geralmente atividades monocultoras. É o caso da pecuária de corte, cultura da cana, soja, etc.

Outra forma, são as indústrias de transformação de produtos agrícolas. O capital monopoliza a

renda sem territorializar-se, criando mecanismos como a integração para sujeitar a renda da

terra.

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A sujeição é da renda da terra e não do trabalho, pois não estamos diante de uma

sujeição formal como aquela que ocorre com o operário, onde sua força de trabalho é vendida

ao capitalista. A subordinação do pequeno proprietário de terra, bem como do assentado, não

ocorre com a separação dos meios de produção (terra, instrumentos de trabalho, etc) do

trabalhador, pelo contrário, o assentado continua de posse da terra e dos instrumentos de

trabalho e não é assalariado de ninguém. Uma análise centrada unicamente na sujeição do

trabalho ao capital está comprometida com a idéia de que o capitalismo no campo é a

dominação do trabalho pelo capital.89 É a partir da sujeição da terra que se tem as condições

para, também, sujeitar o trabalho que se dá na terra.

O trabalhador é que tem a posse da terra, das ferramentas, dos instrumentos; a sua

mercadoria não é a força de trabalho, não é por este meio que o capital o atinge, mas através do

fruto do seu trabalho; essa sim é a mercadoria do lavrador que possui os meios de produção.90

A apropriação da renda da terra pelo capital ocorre na grande propriedade, quando o

capital apropria-se diretamente da terra, isso nos setores onde a renda da terra é alta, como

acontece com a soja, a cana e a pecuária de corte. Também, na pequena propriedade, onde a

renda da terra é baixa, esta mais próxima do nosso caso (produção voltada para abastecer as

fecularias e fornecimento de leite para o laticínio), o capital cria as condições para extrair o

excedente econômico sem se tornar proprietário da terra.91

Embora, no Brasil, a maior parte da produção de mandioca (68%), seja destinada ao

consumo no próprio estabelecimento, em forma de polvilho, farinha, ou in natura, no


89 MARTINS, José de Souza.Camponeses e a política no Brasil. Petrópolis,
Vozes, 1990. p.174.
90________ Expropriação e violência. 3 ed., São Paulo, Hucitec, 1991. p.16.
91 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Indústria e Agricultura no Brasil.
Boletim Paulista Geografia, 58. 1980. p.8.

13
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assentamento esse é o produto agrícola comercial de maior importância. Mais de 80% da

produção destina-se ao mercado, ou seja, às fecularias instaladas no município e região.

Os serviços fornecidos por bancos e crédito financeiro é muito reduzido no

assentamento e são poucos os assentados que possuem conta bancária na única agência local. Os

recursos do Procera/FCO são liberados através da agência do Banco do Brasil (Naviraí) e de

acordo com decisão da Comissão do Procera/FCO de Mato Grosso do Sul.

Com relação aos recursos, houve várias alterações na forma de liberação. Incialmente,

os recursos eram liberados, individualmente, mediante a elaboração de planos para

investimento, forma que foi modificada, pois os assentados planejavam investir em

determinados setores e, na realidade, acabavam sendo desviados para outras áreas. Outra forma

foi a elaboração de planos para investimento, como o caso da aquisição de matrizes leiteiras

(vacas). A Associação, juntamente com representante dos grupos de assentados e Gerente local

da Empaer, adquiria as vacas que melhor lhes conviessem e repassavam ao assentado, gerando

descontentamento com a qualidade e suspeita por parte dos assentados de superfaturamento na

venda. A última compra de animais foi feita individualmente (praticamente todos os assentados

foram beneficiados com matrizes leiteiras) mas, mediante a anuência de um técnico designado

(veterinário), que analisava a qualidade das vacas e autorizava a compra pelo assentado. Isso,

porém, não eliminou as suspeitas de irregularidades por parte dos compradores.

O número de tratores particulares no assentamento é muito baixo e somente 4% dos

assentados os possuem. A Associação dos Produtores do Projeto Indaiá possui 5 tratores

adquiridos com recursos do FCO. No entanto, são apenas 90 assentados que se beneficiam deste

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maquinário. Os outros associados preferiram não participar da compra dos tratores que

trabalhavam com capacidade ociosa, já que são cinco para 90 sócios, com uma área aproximada

de 1.000 ha, considerando as pastagens. O restante do tempo disposto pela patrulha mecanizada

é aproveitado pelos assentados não-associados, que pagam preço maior pela sua utilização; são

utilizados também fora do assentamento, nas mesmas condições. Assim, podemos ter uma idéia

da mecanização do assentamento. Apesar do baixo número de tratores particulares, existe a

possibilidade de aproveitamento da patrulha mecanizada da Associação.

A tração animal tem grande participação nos trabalhos do assentamento e 80% dos

assentados possuem animais para o trabalho. Geralmente os mesmos são utilizados para

transporte e cargas, com exceção de alguns assentados que utilizam touros para carga e tração.

2 - O DISTRITO VERDE

O Distrito Verde se destaca no plantio de hortaliças, principalmente. Sua criação é

resultado de escaramuças de políticos do município e técnicos da Empaer.

A desapropriação da área destinada ao assentamento dos trabalhadores sem terra não foi

suficiente para assentar todas as famílias acampadas, mesmo considerando a alteração da

proposta inicial de assentar 350 famílias. O excedente de famílias ocuparam outra fazenda no

município, com possibilidade de desapropriação (Fazenda Tamakavi).

A Empaer (Empresa de Pesquisa Assistência e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul),

Prefeitura Municipal de Itaquiraí e lideranças políticas do município propuseram e incentivaram

uma nova redução da dimensão dos lotes próximos à cidade para criação de um Distrito Verde,

possibilitando o assentamento de um número maior de famílias que receberam lotes de 3,8 a 4

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ha cada, num total de 48 lotes. Durante dois anos as famílias ficaram abandonadas em seus

lotes de 4 ha cultivando algodão, mamona e amendoim principalmente, culturas que fogem

completamente das característica de um Distrito Verde.

Neste período ocorreram tímidas tentativas de implementar a produção de hortaliças

através da COAGRAN (Cooperativa de um conjunto assentamentos: Indaiá, Novo Horizonte,

Nova Esperança, Casa Verde, São José do Jatobá e Amandina) e COOPAI (Cooperativa dos

pequenos produtores do Assentamento Indaiá), ligadas à CPT, que procurava estruturar, no

Distrito Verde, um grupo coletivo com treze famílias, o "grupo dos treze". As treze famílias,

eram remanescentes das 45 que formavam o grupo coletivo, na época do assentamento

provisório, e os lotes ainda não estavam demarcados e sorteados. Conta-se também, a iniciativa

individual de algumas famílias.

Em l.992, os assentados formaram a Associação dos Produtores do Distrito Verde do

Assentamento Indaiá, sob forte influência da agência local do Banco do Brasil, que exigia a

criação da Associação para liberar as verbas destinadas à instalação de um sistema de irrigação,

contrariando o que havia decidido a Comissão de Procera/FCO de Mato Grosso do Sul.

Segundo a Comissão, que conta com a participação de um representante do Banco do Brasil, os

recursos poderiam ser liberados através de grupos organizados.

Houve a tentativa, através do representante local do Banco do Brasil (Agência de

Naviraí), para que a administração dos recursos ficasse subordinada à COOPRAIL (Cooperativa

Agropecuária Itaquiraí Ltda) dirigida por produtores estranhos e desconhecedores da realidade

do assentamento. Essa era uma das condições necessárias para a liberação dos recursos

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conseguidos através da luta dos assentados. No entanto, isto não ocorreu, e os recursos foram

liberados através da Associação dos Produtores do Projeto Indaiá, até que se formalizasse a

recém formada Associação do Distrito Verde.

Em maio de 93, o Movimento dos Sem Terra realizou um curso de Formação Integrada
na Produção (FIP) para os assentados do Distrito Verde, montando um viveiro coletivo de
mudas. Esta atuação do MST, além de muitas outras, é a demonstração de que, após a conquista
da terra, o Movimento continua acompanhando o sem-terra assentado na luta pela Reforma
Agrária, preocupando-se com questões ligadas à produção, na convicção de que a conquista da
terra simplesmente não resolve os problemas básicos desses camponeses, levando adiante a
palavra de ordem: Ocupar, Resistir e Produzir. "Fruto do planejamento feito pelo FIP
(Formação Integrada na Produção), o Distrito Verde já se destaca, no Assentamento Indaiá e no
município, com uma plantação surpreendente de hortaliças. Tem-se em campo l4.000 pés de
tomate, 7.950 covas de repolho, 3.200 covas de pimentão, 2.300 de pepino, 9.000 de melancia,
l.750 de berigela, entre outros".92
O Distrito Verde apresenta um grau de aproveitamento da terra superior aos dos lotes do
restante do assentamento, visto que praticamente não existem terras inexploradas. Isso deve-se
principalmente à dimensão reduzida dos lotes e à própria concepção de Distrito Verde.
Embora fosse criada certa infra-estrutura para a produção hortaliças e frutas, as culturas
temporárias têm grande participação no total da produção do Distrito Verde. As lavouras
ocupam 76% da área total do Distrito, enquanto que as pastagens ficam com 16% da área total.
O milho é a lavoura com maior área de cultivo, correspondente a 35% da área cultivada; a
mandioca vem em segundo lugar com 19% da área de cultivo; o arroz e feijão ocupam,
respectivamente, 15% e 12% da área total dos cultivos. O algodão ocupa 10% e o amendoim 7%
da área cultivada.
Sob orientação do MST e participação da Associação dos produtores do Distrito Verde,
oito famílias formaram um grupo semi-coletivo que, além de possuir um viveiro comunitário de
92 MST. Jornal Sem Terra. n. l32, Dez/93, p.7.

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mudas, passaram a organizar a produção com o cultivo de cerca de l,0 ha de horta (cebola,
pimentão, tomate, etc.). Neste grupo semi-coletivo, cada família dispõe de um membro adulto
que trabalha e recebe a produção proporcional ao número de horas trabalhadas. "Nós somos
oito famílias que trabalham coletivamente a terra. Estamos plantando coletivamente uma área de
l,0 ha em um de nossos lotes e cada família tem uma pessoa que trabalha um certo número de
horas e a gente vai anotando no caderno, e, quando chega a colheira cada um recebe de acordo
com o número de horas que trabalhou". 93
Atualmente, o grupo semi-coletivo de cultivo da terra encontra-se desativado, pois sua
permanência durou somente até a primeira colheita. Logo foi abandonado pelos assentados. A
formação do grupo deve-se, principalmente, à atuação e ao incentivo do MST que, ultimamente,
não tem priorizado a organização deste grupo do Distrito Verde, devido às dificuldades no
estabelecimento de bases entre os assentados para produzir coletivamente na terra.
A comercialização da produção tem sido um dos problemas estruturais do Distrito
Verde, pois o mercado consumidor local é muito reduzido e há grandes distâncias das cidades
maiores, mas os assentados têm encontrado variadas formas de transportar e comercializar a
produção nas cidades vizinhas.
Problemas com a comercialização da produção de "horti-fruti" ainda não ocorreram
seriamente, pois são poucos os assentados (cerca de 10) que desenvolvem cultura de horta no
Distrito. Caso todos os assentados beneficiados com a irrigação resolvam cultivar horta, o
problema da comercialização tende a emergir com maior intensidade. Exemplo disso ocorreu
com o tomate. Vários horti-fruticultores plantaram e colheram na mesma época, surgindo o
problema do excedente do produdo. Foi necessária a transferência para as cidades vizinhas. Os
produtores, através da Associação, têm idéia de planejar a produção com a divisão e
especialização de certos produtos para cada assentado.
Para a comercialização da produção, o MST estimulou a formação de uma pequena
feira do produtor, que é mantida pela Associação dos Produtores do Distrito Verde, onde os

93 Declaração do Sr. José Sales, Presidente da Associação do Distrito Verde


(04/94)

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assentados do Distrito vendem a produção à população da cidade. A feira tem encontrado
dificuldades para manter-se, porque o mecanismo de irrigação encontra-se desativado
temporariamente, contribuindo para que a maior parte dos assentados que cultivam horta no
Distrito abandonassem a cultura desses produtos.
A não participação de todos os assentados do Distrito Verde na produção de hortaliças
deve ser entendida por razões econômicas, como a dificuldade de mercados por exemplo. Outro
elemento que deve ser considerado é o aspecto cultural e ideológico dos assentados, já que
praticamente todos foram agricultores de lavouras temporárias e permanentes. Existem,
portanto, dificuldades na assimilação e até uma aversão pelas novas formas de produção com
hortaliças, frutas, e granjas. A história dos assentados no Projeto Indaiá, no Distrito Verde, não
é a de um pequeno proprietário expropriado e produtor de hortaliças; seu passado vem de uma
relação de trabalho assalariado temporário (rural e urbano), ou, quando muito, arrendatário ou
parceiro. A maioria desses assentados nunca trabalhou na produção de hortaliças e em granjas.
Entre grande parte desses assentados não existe o "espírito camponês", no cultivo
desses produtos. Por isso a necessidade de considerar o elemento subjetivo para entender o
Distrito Verde e seus resultados.
Percebe-se, assim, que não basta somente o fornecimento de recursos financeiros, para
que se possa elevar a produção e para o êxito do Distrito Verde, mas os investimentos devem ser
pensados e planejados levando em consideração a herança cultural do assentado, fato que não
ocorreu com a idealização do Distrito Verde proposto pela Prefeitura e Empaer.
A partir da segunda metade de 94 a maioria dos assentados que produziam hortaliças e
frutas, abandoram essa atividade: todo o mecanismo de irrigação está desativado, por que os
assentados não conseguiram saldar os débitos com o fornecimento de energia elétrica. A forma
como foi planejada a instalação do mecanismo de irrigação (os técnicos da Empaer optaram pela
instalação de equipamentos de grande potência) levou ao consumo muito elevado de energia,
contribuindo para que toda essa infra-estrutura de irrigação ficasse abandonada nesse período.
Começa surgir uma distinção na forma de exploração da terra e de pensar a produção,
entre os assentados do Distrito Verde e do restante do assentamento. Os primeiros são levados a

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encarar a produção semelhante à forma empresarial dentro da "ótica capitalista", dando
prioridade à produção voltada para o mercado, procurando minimizar custos, realizar
investimentos com possibilidade de proporcionar maior renda a curto prazo, racionalizar a
produção, ou seja, alcançar níveis de competitividade. Segundo argumentação de alguns
assentados, a produção do Distrito, a longo prazo, poderá ser exportada para os países do
Mercosul, visto que, entre outras facilidades, o Distrito Verde localiza-se próximo a um
corredor de exportação (Rio Paraná). No entanto, o que se observa é que as culturas temporárias
(algodão) e para subsistência, como o milho, arroz e feijão têm grande participação na produção
do Distrito.
Por outro lado, os assentados fora do Distrito Verde não têm a mesma preocupação com
a competitividade. A exploração da terra é realizada de forma tradicional, com lavouras
temporárias e a produção de subsistência tem grande participação na finalidade da produção,
embora muitos destes assentados tenham procurado investir na moto-mecanização, utilizando
maquinários e implementos da Associação do Produtores do Projeto Indaiá, procurando
"integrar" a produção de mandioca com as fecularias do município e região, produzindo leite
para abastecer o laticínio, e criando aves para serem abatidas no frigorífico, recentemente
instalado no município.

3 - AS RELAÇÕES DE TRABALHO
Entre o assentamento e as terras vizinhas nota-se nítida diferença. O primeiro com
intenso movimento de pessoas, presença de muitas moradias, culturas temporárias. No outro,
uma paisagem monótona das imensas pastagens das grandes propriedades. O assentamento
surge como uma mancha de pequenas "propriedades", voltadas para as culturas temporárias e
pecuária leiteira, rodeadas por terras dominadas pela pecuária de corte e grandes propriedades
com pastagens subaproveitadas.
A forma de exploração das terras é muito variada quando se leva em consideração a
dimensão da propriedade. Nas grandes áreas, a exploração pode ser feita diretamente pelo
proprietário, que geralmente não reside ali, e os executores das tarefas são os assalariados.

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Podem ser exploradas também, indiretamente, quando o locatário paga uma quantia por essa
locação e o proprietário está mais interessado na renda fundiária. A pequena propriedade está
mais ligada à exploração direta pelo próprio agricultor e sua família.
A relação de trabalho predominante nos pequenos estabelecimentos brasileiros e,
consequentemente, no Assentamento Indaiá, é a familiar. Essa questão tem sido motivo de
grandes discussões e, até pouco, tempo predominava, a concepção de que a evolução do
capitalismo levaria à expansão do trabalho assalariado no campo. Os clássicos da questão
agrária afirmavam que os mercados seriam os responsáveis pelo desaparecimento da agricultura
camponesa e familiar.
Os camponeses seriam transformados em capitalistas do campo ou perderiam os meios
de produção, transformando-se em assalariados "...o artesão ou o camponês que produz com
seus próprios meios de produção ou será transformado gradualmente num pequeno capitalista
que também explora o trabalho alheio ou sofrerá a perda de seus meios de produção e será
transformado em trabalhador assalariado". 94
Teóricos, como Kautsky e Lênin, procuraram demonstrar a superioridade da grande
exploração. Lênin afirma, em seu estudo sobre a agricultura capitalista dos Estados Unidos, que
a grande exploração não significa necessariamente grande extensão de terra (grandes
estabelecimentos), mas deve ser entendida através do volume de capital investido, enfatizando
que, na sua grandeza, deve-se levar em consideração o valor gasto com a mão-de-obra
(assalariada), um importante indicador do caráter capitalista da agricultura. "A importância do
emprego de mão-de-obra assalariada é, evidentemente, o indicador mais incontestável e direto
do desenvolvimento do capitalismo. Ora, este indicador nos mostra que o celeiro da América, a
região das famosas e impressionantes 'fábricas de trigo', é menos capitalista que a região
industrial e a região de agricultura intensiva, onde o progresso agrícola não se expressa através

94 MARX, Karl. Apud ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do


Capitalismo Agrário em Questão. 1992, Hucitec. p. 35.

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da superfície cultivada, mas pelo crescimento das inversões de capital na terra, que vai de par
com a redução desta superfície."95
A presença do camponês representava o atraso técnico, baixa produtividade, dificuldade
de incorporação de inovações, e sua permanência no capitalismo "explica-se não pela
superioridade técnica da pequena produção agrícola, mas pelo fato de que os pequenos
camponeses reduzem suas necessidades abaixo das necessidades dos operários assalariados e
exaurem-se infinitamente mais do que estes últimos"96 ou que a "...existência da agricultura
familiar no capitalismo-foi encarada pelos clássicos do marxismo sob o ângulo de uma espécie
de competitividade perversa que o excesso de trabalho e a miséria absoluta propiciavam ao
camponês: sua 'infinita capacidade de sofrer', retomando os termos de Louis Malassis, é que lhe
permitia ficar no mercado, mas sabendo que o progresso técnico acabaria fatalmente por apertar
a corda que sua própria pobreza colocava-lhe em volta do pescoço".97
Segundo Abramovay (1992), o trabalho familiar tem importante presença na agricultura
dos países capitalistas, principalmente nos países de capitalismo avançado como Estados
Unidos, Grã-Bretanha e Europa. A unidade de produção familiar (empresa familiar) que foi, por
muito tempo, encarada como sinônimo de atraso e condenada ao desaparecimento,
desempenhou papel importante na modernização e no desenvolvimento da agricultura nos
países capitalistas avançados, e não se deve considerá-la como pequena produção.
No Brasil, grande parte da produção agrícola deve-se às propriedades rurais inferiores a
100 ha, onde a relação de trabalho predominante (88%) é a familiar.
Devido à própria característica de assentamento de trabalhadores sem terra, a relação de
trabalho predominante, no Assentamento Indaiá, é a familiar. A utilização de mão-de-obra
estranha à família tem alguma participação somente no período das colheitas, que são feitas
pelos "proprietários" e vizinhos assentados.

95 LÊNIN. Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos da América.


São Paulo, Brasil-Dedates, 1980. p. 37.
96 LÊNIN. Apud ABRAMOVAY, Ricardo. Op. Cit., p.75.
97 ABRAMOVAY, Ricardo. Op. Cit. p. 211.

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Quase todos os membros da família têm alguma função na produção agrícola no
assentamento, onde o "proprietário" centraliza a administração dos trabalhos, realizados
conjuntamente com a mulher e filhos, que começam a trabalhar na roça desde os 7 anos de
idade.
De acordo com a forma de exploração praticada nos lotes98 e, em vista de sua dimensão,
ocorre, em muitos casos, um excedente de mão-de-obra, pois a média de pessoas de cada família
é de 6,1, sem considerar aqueles que já deixaram o lote. Se considerarmos o total de
trabalhadores, teremos uma média de 4,2 trabalhadores para cada lote, incluindo aqueles que
possuem mais de uma família. Mais da metade das famílias assentadas (58%) tem algum
membro da família que trabalha como diarista, com uma média de 2,3 pessoas em cada família,
trabalhando 98 dias durante o ano. Do total de pessoas que trabalham como diaristas, 52%
realizam atividades no próprio assentamento, 3l% fora do assentamento e l7% deslocam-se ao
Paraguai no período da colheita de algodão e café naquele país.
A principal razão pela elevada porcentagem de diaristas do próprio assentamento ocorre
devido ao fato de os dias de trabalho serem trocados, na época de colheitas principalmente, não
havendo remuneração entre ambas as partes. Os rendimentos não permitem pagamento em
dinheiro aos trabalhadores. Mesmo considerando o pagamento em dinheiro ao trabalho dos
diaristas, esta não é caracterizada como relação de exploração, pois aí a contratação não se faz
com o objetivo de acumular e extrair mais-valia. Isso ocorre, com os 3l% que trabalham fora do
assentamentos, no corte de cana-de-açúcar para a destilaria ou em fazendas da região.
O assentado que contrata o trabalhador não é um capitalista e o trabalhador não é um
expropriado, com posse apenas da força de trabalho, mas sim um trabalhador que detém a posse
dos meios de produção (ferramentas, instrumentos, terra, etc). "Da parte do trabalhador
98 O excedente de mão-de-obra pode ser relativizado de acordo com a forma
de exploração. "A dimensão ótima é uma noção circunstancial, infinitamente
variável no tempo e no espaço e tende a aumentar com a mecanização e a
motomecanização, desde que essa não se faça acompanhar de especializações
que exijam práticas de jardinagem como a horticultura realizada em estufas e
abrigos envidraçados, a arboricultura delicada, etc. Um camponês do Extremo
Oriente fica absorvido pelo trabalho de 1 ou 2 ha." GEORGE, Pierre.
Geografia Rural. São Paulo, Difel, p. 121.

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assalariado, verifica-se que não é um trabalhador expropriado dos meios de vida e produção,
que possuísse apenas a força de trabalho. Ao contrário, é um camponês, proprietário dos meios
de vida e produção, vivendo a condição de trabalho acessório, nos momentos em que a
amplitude da família permite. Pode-se concluir que, tanto do lado da procura como do lado da
oferta, é a força de trabalho familiar que provoca a necessidade da utilização do trabalho
assalariado, bem como o seu desaparecimento..."99
A mão-de-obra excedente no assentamento é pouco requisitada pelas fazendas da região
porque a atividade, nelas praticadas, ou seja, a pecuária de corte, exige poucos trabalhadores
para realizar as tarefas na fazenda. Não há necessidade de contratação de trabalhadores
temporários em épocas de colheitas. Isto, porém, ocorre no período do corte de cana para a
destilaria, que possui grandes parcelas de terras arrendadas na região, mas a destilaria tem dado
preferência aos trabalhadores diaristas de Naviraí, cuja sua presença é muito elevada.
Em 23% dos lotes encontram-se mais de uma família, trabalhando em área arrendada ou
de parceria, sendo que l7% são para os próprios familiares (filhos casados na maioria).
A participação de trabalhadores assalariados permanentes é inexpressiva e somente 6%
dos lotes mantêm esta relação de trabalho, com destaque aos lotes que foram adquiridos através
de compra ou quando o proprietário possui mais de um lote.
De forma geral, a expropriação não atinge diretamente os pequenos proprietários, mas
tira a possibidade dos filhos dos pequenos proprietários de continuar como camponeses. São
estes que, na maioria dos casos, deixam os lotes e dirigem-se para as cidades. Da mesma forma
como ocorre aos pequenos proprietários, existe, no assentamento, a migração de filhos de
assentados para as cidades, para a Amazônia e Paraguai, ou negam a sua condição de
expropriados, ocupando, assim como seus pais, latifúndios improdutivos. No assentamento,
muitos membros da família, ou seja, 29% dos filhos adultos (solteiros e casados) já deixaram
seus familiares e 51% migraram para as cidades; 24% trabalham como assalariados em fazendas
ou como parceiros em outras regiões; l8% dos filhos dos assentados estão acampados ou

99 TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Os Colonos do Vinho. 2 ed.,


São Paulo, Hucitec, 1984, p. 44.

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assentados neste ou em outros projetos realizados no Estado e 7% deslocaram-se ou
continuaram no Paraguai.
A CPT de Mato Grosso do Sul que, a partir de 1991, passou a atuar prioritariamente nos
assentamentos, e o Movimento do Sem Terra têm procurado criar formas alternativas de
produção, como por exemplo, o trabalho Coletivo, Semi-Coletivo, Cooperação Agrícola,
Associações, Mini-Projetos Semi-Coletivos. Procura-se diminuir a "expropriação" que atinge o
trabalhador rural assentado.
Para aumentar a renda familiar, alguns assentados (6%) recorrem ao arrendamento de
alguma área de terra, geralmente no próprio assentamento. Outra forma é o assalariamento dos
membros da família que trabalham, como professores, em escolas do assentamento, faxineiras,
motoristas, tratoristas, etc. Porém, isso não ocorre com muita frequência, já que em apenas 4%
dos lotes existem pessoas que trabalham fora do lote como assalariado permanente.

4 - ASPECTOS CULTURAIS E IDEOLÓGICOS


Existe, no assentamento, uma parcela considerável de trabalhadores assentados de
origem nordestina; no entanto, a maioria é do centro-sul do País. Trinta e cinco por cento são
naturais da região sudeste (São Paulo e Minas Gerais). Trinta e dois e meio por cento, da região
sul, sendo a maioria paranaense. Nordestinos são 25% do assentados, e aqueles da própria
região centro-oeste, 7,5%. Esses dados são válidos somente para aqueles que detêm o título de
posse, o "proprietário", e não para todas as pessoas da família.
Uma parte desses assentados são trabalhadores rurais que foram expropriados e
perderam suas terras em suas regiões de origem (17,5%), mas a maioria é sem- terra, trabalhador
que nunca teve acesso permanente à terra (82,5%), que trabalhava em suas regiões de origem,
ou no próprio Estado de Mato Grosso do Sul, como parceiros, assalariados urbanos e rurais,
empreiteiros, arrendatários e bóias-frias principalmente, nas grandes propriedades da região, e
mais tarde, irão ocupar latifúndios a fim de serem assentados, como ocorreu na Fazenda Itasul,
resultando no Projeto de Assentamento Indaiá.

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A maioria dos assentados de Indaiá não é natural dessa região. Possuem uma história de
migração, que resulta numa instabilidade muito grande. Ora estavam em cidades, ora na zona
rural, sem residência fixa e definitiva. A instabilidade contribui, de alguma forma, para o
desenraizamento e perda do vínculo do trabalhador rural com terra. Seu contato torna-se
periódico através de relações não-capitalistas, como a parceria, o arrendamento, e
principalmente como assalariado temporário, permanente e urbano.
Consideramos que essa perda do vínculo com a terra e o seu desenraizamento, tem
contribuido para que muitos assentados vendam seus lotes, que dirigiam-se para as cidades, para
o Norte (Norte de Mato Grosso), ou trabalhem como assalariados, bóias-frias na região.
Contribui, também, para que o assentado venda o seu lote, as questões de caráter
econômico, como falta de assistência técnica, onde apenas 16% dos assentados recebem este
benefício realizado pelo MST, Empaer, Cooperativas e particulares; ausência de capital para
investimento e custeio das lavouras; dificuldade de sobrevivência da família em lotes de
dimensão reduzida; baixo grau de organização dos assentados, onde a Associação dos
Produtores do Projeto Indaiá tem pouca credibilidade e representatividade.
Apesar de pouco mais de 2 anos de assentamento, pudemos constatar pelo questionário
aplicado em 08 a 10/93, que 19% dos assentados dispuseram de seus lotes, com uma tendência
ainda maior de venda das terras. Observa-se, entretanto, que alguns dos assentados que
venderam seus lotes retornaram ao assentamento, adquirindo novos lotes através de compra.
O entendimento da questão da venda dos lotes e do próprio resultado do Projeto de
Assentamento, está na análise da totalidade dos elementos econômicos, políticos, culturais e
ideológicos do assentado.
Apesar da dificuldade de obter informações de alguns parceleiros que adquiriram lotes
através de compra, quando foi feita aplicação dos questionários, podemos perceber três classes
de "proprietários":
1 - O trabalhador rural sem terra que conseguiu algumas economias e procurou comprar
um lote. Dentre eles estão alguns dos ex-acampados que ficaram como excedentes na
classificação do Incra para o assentamento no Projeto Indaiá;

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2 - O trabalhador rural assentado que já possui um lote, ou mesmo trabalhadores, fora
do assentamento, originários, dos mais variados município da região e do Noroeste do Paraná.
Os assentados que adquiriram outros lotes no assentamento atingem um índice de 5%. Alguns
parceleiros desse grupo venderam um imóvel de 3 ou 4 hectares e adquiriram outro maior, no
assentamento. O preço do lote chega a ser até 2/3 inferior ao preço de mercado. Isso ocorre
porque os lotes não podem ser registrados como imóvel pelos compradores;
3 - Na maioria são "proprietários" que não são trabalhadores rurais e após adquirir os
lotes entregam a um trabalhador para cultivar ou cuidar do gado. São residentes nas cidades
(comerciantes, funcionários públicos, etc.) e adquirem estes lotes com objetivos especulativos e
como reserva de valor. Alguns destes "proprietários" possuem vários lotes.
Este último grupo representa uma parcela pouco expressiva dentre aqueles que
adquirem terra no assentamento. A maioria são trabalhadores rurais sem terra que conseguiram
algumas economias trabalhando como arrendatário/parceiro, ou em forma de herança.
Existe, em torno dos assentados, um estereótipo. A comunidade, influenciada por
setores conservadores, entende que os sem-terras são invasores de propriedade, preguiçosos e
mal-feitores. Até mesmo os pequenos furtos que ocorrem na cidade, logo são atribuidos ao sem-
terra. Dizem, até, que os roubos aumentaram com a chegada do sem-terra. Atualmente esta idéia
está presente entre algumas pessoas que ainda não entenderam o processo; no entanto, muitos já
consideram como um grande benefício para a comunidade a presença do sem-terra e do
assentamento, principalmente em relação ao aquecimento do comércio local e a elevada oferta
de gêneros alimentícios, que são comercializados e consumidos pela população da cidade.
O aumento da população da cidade, com o assentamento, forçou o poder público
municipal a investir na saúde e educação, setores que continuam em plano secundário pelo
governo municipal. Em relação à educação, as escolas do assentamento encontram-se em
péssimo estado. Constatamos isso pela participação em várias reuniões feitas no local. A
maioria é construída de madeira bruta e coberta de capim e lona de plástico. Os professores são
do próprio assentamento. A maioria deles não é habilitada. Alguns não possuem nem mesmo o
primeiro grau. Os cursos de aperfeiçoamento são raros e, quando realizados pela CPT, os

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professores são pressionados a não participar, pois julga-se que aí se discute muito sobre
política, sem contar a perseguição que alguns professores sofrem devido ao seu posicionamento
político, com ameaças e demissões pela Prefeitura.
Existem escolas feitas de pau-a-pique, construídas pelos próprios assentados. Uma delas
foi incendiada, após muitas reivindicações por melhoria de suas condições. Os alunos perderam
o ano escolar, pois não há interesse do poder público em reconstruí-la.
As escolas do assentamento são todas de ensino primário (1 a 4 séries) e, a partir dessas
séries, os alunos dirigem-se para a cidade em ônibus e caminhões (Caçambas de carregar terra),
fato que tem provocado muita revolta dos pais e alunos, diante do risco desse tipo de transporte,
além da chuva e do frio a que os alunos ficam expostos nos meses de inverno.
Existe, no assentamento, uma relação muito próxima entre pessoas, se compararmos
com a cidade. Embora as moradias sejam dispersas, os assentados têm facilidade de aglutinação
quando são marcadas reuniões e discussões dos mais variados assuntos. A Igreja desempenha
papel importante na aglutinação de pessoas. A maioria absoluta é católica. Nota-se que, em
virtude da necessidade de contato entre pessoas, surge em alguns lotes, um pequeno armazém
ou bar, onde as pessoas se encontram. No entanto, esta relação mais próxima entre as pessoas
não tem reflexo sobre as mudanças no sistema de cultivo e produção agrícola, pois cada
assentado procura, individualmente, trabalhar com sua família no lote. A modificação do
sistema de cultura torna-se difícil devido aos valores e à cultura do assentado, que desenvolve o
sistema de produção que considera como suficiente para a manutenção e reprodução do grupo.
Assuntos como trabalho cooperativo e coletivo são descartados por grande parte dos assentados.
Segundo Rosalvo Rocha Rodrigues, agente pastoral da CPT de Mato Grosso do Sul,
existem grandes dificuldades para desenvolver a cooperação agrícola com trabalho coletivo nos
assentamentos de Mato Grosso do Sul e, principalmente, no Indaiá, "devido à herança cultural
dos assentados que são pessoas que trabalharam durante muito tempo como bóias-frias
(nordestinos), não possuindo tradição de produção com a terra e, sim, com salários. Quando
entram na terra, têm grandes dificuldades de organizar a produção ou trabalhar coletivamente ou
semi-coletivamente; além de dificuldades de ordem técnica e econômica. Por outro lado, se

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estes agricultores fossem dos Estados do Sul, onde eles foram pequenos proprietários
expropriados, o trabalho coletivo teria maior possibilidade de êxito. Eles possuem um tradição
maior de produção na terra".
Apesar do contato do sem-terra com a liderança e a própria vida no acampamento terem
proporcionado, experiências de participação política, muitos assentados são manipulados por
pessoas e políticos que, na essência, são contrários ao seu movimento. Um exemplo disso foi a
divisão que ocorreu no acampamento. Políticos locais e regionais procuraram "infiltrar-se" no
acampamento para utilizar o acampado como massa eleitoral e encontraram respaldo em um
grupo de sem-terra.
O resultado desta divisão é nítida, no assentamento, e, embora os sem-terras
conseguissem amadurecimento político para promover a ocupação do latifúndio e luta pela
democratização da posse da terra, eleitoralmente a maioria acaba se posicionando ao lado de
políticos comprometidos com o interesse dos proprietários de terra. Assim, muitos assentados,
devido à razão vista acima, à carência e necessidade, "vendem" seus votos no período eleitoral
àqueles candidatos que fornecem cestas básicas, remédios, sementes, tratores, etc. Quanto aos
tratores, são utilizados na preparação do solo.
Os assentados usam os tratores para mecanizar (destocar) seus lotes, e 54% dos lotes
encontram-se mecanizados dessa forma ou com tração animal. A carência de investimentos do
governo no assentamento, não permite a mecanização.
O fornecimento de tratores e sementes, principalmente nos períodos de campanhas
eleitorais, tem proporcionado resultados favoráveis para os candidatos que dispõem de maior
volume financeiro a ser aplicado na "compra" de votos. O assentamento representa um elevado
peso político/eleitoral, razão pela qual os candidatos investem, dessa forma, no assentamento.
A formação escolar, no assentamento, é baixa, principalmente entre os pais, que
apresentam escolarização até as 4 primeiras séries do primeiro grau. Grande parte deles apenas
lê e assina o nome. Entre os filhos dos assentados, a formação escolar é melhor. Muitos cursam
a fase final de 1 e 2 graus e, alguns, possuem nível superior.

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O acesso à informação e meios de comunicação é reduzido. Destaca-se o rádio e, bem
pouco, a televisão, um meio que se encontra limitado pela falta de energia elétrica. No
momento da aplicação dos questionários, a eletrificação rural não havia atingido o assentamento
e a televisão era um meio de comunicação utilizado apenas em 5% dos lotes. Outros meios de
comunicação, como jornais, livros, revistas, estão restritos a contatos esporádicos, distribuídos
pelo MST,CPT, Empaer, Partidos Políticos e outros.

5 - MORADIA E ANEXOS
Logo que sorteados os lotes para cada família, os assentados procuraram improvisar a
construção de moradias. Aqueles que possuíam alguns recursos construíram definitivamente as
casas, mas a maioria construiu barracos de lona plástica ou madeira, e, até hoje, alguns
continuam morando nos barracos de madeira, embora o governo construisse 300 pequenas
casas de alvenaria no assentamento.
A construção das 300 casas foi realizada com recursos do Ministério da Ação Social e
gerenciados pela Prefeitura. Entretanto, muitas não foram acabadas, faltando teto, janelas,
portas, etc. Outras foram ou estão sendo derrubadas pelo vento que, embora não derrube os
barracos, desmoronam as fracas estruturas com que foram construídas, fato que tem gerado a
revolta dos assentados. As casas eram muito pequenas (30 m2) e sem divisão de cômodos.
Segundo os assentados, a empreiteira alega que não recebeu o valor total para que pudesse
terminar a construção das casas. A prefeitura argumenta que o dinheiro "acabou", não sendo
possível terminá-las. Como os assentados não estão suficientemente mobilizados para
pressionar o término das casas e os órgãos públicos pouca atenção dão ao fato, elas continuam
até hoje sem possibilidade de serem habitadas.
De modo geral, a forma como estão distribuídas as moradias sofre influência de uma
série de fatores. No caso do assentamento Indaiá, a distribuição das habitações está relacionada
com fatores políticos e econômicos principalmente: o sistema de cultivo das lavouras, a

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estrutura fundiária e a forma como foi planejado o assentamento, leva à dispersão das
residências. Elas se encontram cerca de 500 metros distantes umas das outras conforme a
dimensão dos lotes e a localização das moradias nos mesmos.
A necessidade da presença do assentado, no lote, é condição principal da existência de
habitações dispersas. Este tipo de povoamento apresenta vantagens e desvantagens. De um lado
o agricultor vive próximo ao local de trabalho, à terra e às lavouras, tornando-se mais fácil a
administração do estabelecimento. De outro lado, a desvantagem de se ficar distante dos
vizinhos dificultando os contatos sociais e culturais entre a comunidade. Esse fato, porém,
parace não afetar tanto o assentamento, já que existe um conjunto de elementos aglutinadores da
comunidade, como reuniões, festas, jogos e Igreja.
O assentamento representou a aglomeração da população e das moradias, se comparado
com o sistema de cultura e atividade econômica desenvolvida na antiga fazenda, com a prática
da pecuária..
Grande parte das habitações está localizada na cabeceira do lote, perto das estradas que
dão acesso à sede do município. No entanto, surgem habitações localizadas ao "fundo" dos
lotes, perto dos rios, devido à necessidade de água, de fontes nascentes no próprio lote. Alguns
não possuem poço e nem água encanada.
Quase toda água utilizada é de poços construídos, no lote, e retirada manualmente.
Apenas 7% possuem motores ou bombas para levá-la até o reservatório e distribuir para casa ou
lote. Outros obtêm água com a instação da irrigação nos lotes, como é o caso de alguns
assentados no Distrito Verde.
O material de construção das casas é basicamente constituído de madeira e alvenaria
(aquelas construídas pelo governo): 40% são formadas por madeira/alvenaria; 35% de madeira e
25% construídas de madeira bruta, lona e teto de telha de amianto. As casas tem em média 44
m2. Setenta e três por cento estão entre 20 e 50 m2, e a média das famílias é de 6,1 pessoas
residente em cada lote.
As casas estão rodeadas por um conjunto de instalações, entre as quais se destacam:
a) o poço de água: 95% dos assentados obtem água por este meio;

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b) a horta: destinada à subsistência, é cultivada por 62% dosassentados. No período do
inverno, a horta aparece praticamente em todas as residências;
c) a tulha ou paiol: construído em 50% dos lotes para guardar a produção, ferramentas,
máquinas, medem entre l5 e 25 m2 e 50% são construídos com madeira bruta retirada do mato e
cobertos de lona;
d) a mangueira: aparece apenas em l6% dos lotes; embora, a pecuária leiteira seja uma
atividade de grande importância no assentamento. São construídas para o cuidado com o gado e
ordenha de vacas, feitas de tábua e arame, com área entre 50 e 100 m2;
e) o "galinheiro": um aviário rústico, onde abrigam-se as aves, construídos de madeira
bruta. Somente 3% dos lotes criam aves com técnicas modernas com finalidade para o mercado;
f) o pomar: aparece em 90% dos lotes, mas que poucos se encontram em produção
devido ao pouco tempo em que os assentados estão nos lotes, (quatro anos).

V - CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Diante das questões propostas para o trabalho, pode-se chegar a um número expressivo
de verificações sobre a forma como a terra foi apropriada e a presença do sem-terra no sul de
Mato Grosso do Sul e no município de Itaquiraí, especificamente.
A concentração de terra marca a formação da estrutura agrária brasileira que teve início
com o avanço das relações de produção capitalistas, resultado do expansionismo europeu com a
organização de colônias, como ocorreu no Brasil, com produção monocultora de produtos
tropicais voltada para o mercado externo. A concentração de terras portanto, vem de longa data
e está presente nos dias atuais.
Concluímos que a concentração fundiária brasileira apresenta-se desigualmente
distribuída e, na porção sul de Mato Grosso do Sul, onde se encontra o municípo de Itaquiraí,
esta concentração apresenta-se superior à média brasileira. Aqui as pequenas propriedades
tiveram uma participação inexpressiva. A concentração das terras brasileiras e da região aqui
estudada ocorreu, principalmente, no início da ocupação. No caso de Itaquiraí, a ação
concentradora mais significativa teve início com a Cia Mate Laranjeira, que possuía o
monopólio de arrendamento de imensa área de terra, onde o Império e, posteriormente, o Estado
(República) e Empresa formavam uma aliança para monopolizar a posse da terra.
O final do monopólio de arrendamento da Cia Laranjeira permitiu a ocupação mais
intensa da região e do município de Itaquiraí, principalmente a partir da década de 50 com o
avanço da marcha pioneira, quando fazendeiros de São Paulo e Paraná, na maioria, apropriaram-
se da terra, procurando explorá-la através da atividade pecuária. Neste momento, intensificou-se
ainda mais a concentração de terras, pois um único fazendeiro adquiria vários grandes lotes.
Verificamos que foi neste período que surgiu uma grande massa de trabalhadores sem
terra (peões a arrendatários), pois foram estes que fizeram a derrubada das florestas e formação
das pastagens. Devido à condição de não-proprietários, foram expulsos da terra com o
escasseamento das florestas.Deu-se origem a um grande numero de trabalhadores rurais sem
terra que, mais tarde, passaram a organizar-se, resultando no Movimento do Sem-Terra (MST)

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O Movimento do Sem-Terra (nível nacional) surgiu, basicamente, com o esgotamento
da proposta política e agrária dos militares. Em Mato Grosso do Sul, já no final da década de 70,
os trabalhadores ocuparam uma suposta área de terra devoluta no sul do Estado (Itaquiraí), além
de desenvolver luta de resistência na terra, organizada pelos arrendatários. Esse foi o embrião do
Movimento do Sem-Terra no Estado. Inicialmente, os sem-terras utilizaram a estrutura da
Igreja, através da CPT, para sua organização.
O Movimento do Sem-Terra surgiu como elemento politizador, pois os trabalhadores
tornam-se sujeitos da própria história, apresentando-se como elemento novo, no processo de
conquista da Reforma Agrária, sem a tutela de esquemas teóricos que defendem superioridade
operária, como classe responsável pela transformação da sociedade.
Através das ocupações e acampamentos, o sem-terra pressiona as autoridades e a
sociedade para garantir seu direito, na convicção de que existem meios legais, como cobrança
do ITR e o próprio Estatuto da Terra, para garantir o direito à terra.
Dessa forma o Movimento tem conseguido avanços e conquistas, como o que ocorreu
com o assentamento de 630 famílias de sem-terra, após luta e ocupação da Fazenda Itasul no
município de Itaquiraí.
Em Mato Grosso do Sul, o Movimento do Sem-Terra apresenta-se mais organizado no
sul do Estado, onde o número desses trabalhadores é mais elevado, região também onde os
conflitos de terra apresenta-se com maior intensidade e o MST possui uma uma sede regional na
cidade de Dourados.
A ocupação da Itasul resultou no assentamento de 630 famílias (Assentamento Indaiá),
no município de Itaquiraí. O projeto de assentamento apresenta grande viabilidade; no entanto,
sofre severas restrições em relação à necessidade de investimentos, pois os assentados, após dois
anos de desgastes financeiros da vida de acampamento, não dispõem de recursos financeiros
para implementar a produção.
Faz-se necessário investimento maior do Estado, através de financiamento de recursos,
pois notou-se que um pequeno impulso do Estado à produção, com o financiamento da irrigação
no Distrito Verde, determinou um elevado aumento da produção. Este fato, porém, faz surgir a

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necessidade de diferente planejamento, já que o Distrito surge como resultado de influência de
camadas políticas e técnicas locais, para assentar um número maior de famílias. Se todos estes
assentados, cerca de 50, dedicarem-se à produção horti-fruti-granjeira, o problema da
comercialização tende a emergir, em vista do limitado mercado consumidor local e regional.
O assentamento ocorre como resultado da luta e organização pela conquista da terra.
Certas posições conservadoras, presentes até mesmo na concepção de alguns sem-terras
assentados, afirmam que a terra é resultado da doação feita pelo governo.
As técnicas de cultivo e de uso do solo são, em parte, resultado da capitalização de
alguns assentados, uma vez que aqueles que possuem maior recurso procuram fazer
terraceamento, adubação e utilização de maquinários.
Além dos fatores políticos e econômicos, devem ser acrescentados, na análise do
Assentamento, o elemento ideológico e cultural do assentado, que possui uma tradição de
cultivos temporários e que, muitas vezes, é deixado de lado no planejamento do assentamento.
A introdução de novas técnicas de cultivo no assentamento e a elevação da produção envolvem
a questão econômico-político-cultural que, se não considerada em conjunto, corre-se o risco de
uma compreensão unilateral do Projeto de Assentamento.
Mesmo com a baixa fertilidade da terra, pequena dimensão dos lotes, o assentamento
apresenta grande viabilidade, principalmente com a possibilidade que a presença da "pequena
propriedade" abre para a instalação de indústrias, como as fecularias e laticínio; embora
apresentem-se como uma forma de sujeitar a renda da terra ao capital. Observamos que a
instalação da indústria, sem a integração, permitiu ao assentado uma nova alternativa
econômica, principalmente com a cultura de mandioca.
Além da possibilidade de produção mais voltada para a indústria e mercado, como
ocorre com a mandioca, leite e horti-fruti, os assentados criam novas alternativas além da via
capitalista, como por exemplo, a Cooperação Agrícola no Assentamento e os mini-projetos de
produção dirigidos pela CPT. No entanto, esta primeira forma de produção agrícola enfrenta
muita resistência entre os assentados. Além disso, o assentamento apresenta-se como uma
relativa solução ao problema social, pois permitiu o acesso a terra aos trabalhadores.

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Embora haja uma relativa organização com objetivos produtivos, ela apresenta-se
incipiente no assentamento. Embora incipiente, é elemento fundamental para o avanço
econômico e político do Projeto de Assentamento.
Dentro da perspectiva da aplicabilidade deste trabalho, ou seja, tratando-se de uma
geografia aplicável, levantamos os seguintes pontos:
1 - O presente trabalho pode ser utilizado como registro e referência histórica sobre a
forma como a terra foi apropriada na região; o movimento de luta pela democratização da posse
da terra e os resultados (políticos, econômicos e sociais) obtidos com o assentamento do sem-
terra. O registro histórico poderá contribuir no sentido de levar a sociedade, em nível regional e
local principalmente, a tomar a consciência da necessidade e da importância do movimento
realizado pelo sem-terra, passando a apoiar, cada vez mais, a luta pela terra e pela Reforma
Agrária. Assim, o registro histórico do movimento de luta pela terra procura fazer com que o
sem-terra se veja como sujeito que produz a sua história, além de contribuir na sua divulgação;
serve como estímulo para as atuais e futuras mobilizações de trabalhadores rurais, bem como de
outros setores da sociedade;
2 - Poderá ser utilizado como subsídio no planejamento, seja ele feito por órgãos
públicos, como secretarias de Estado, ou por entidades ligadas à terra, como é o caso do MST,
CPT, partidos políticos, etc.
Uma proposta de Reforma Agrária numa região conflituosa como é o sul de Mato
Grosso do Sul, exige uma série de reflexões. Este trabalho poderá ser instrumentalizado para
elaboração de proposta e plano de Reforma Agrária, em se tratando de nível regional.
O estudo do assentamento Indaiá procura contribuir para o entendimento dos resultados
políticos, econômico-produtivos e sociais, podendo ser utilizado para o questionamento na
realização de outros projetos de assentamento, visando um aperfeiçoamento técnico. Sabemos,
no entanto, que as decisões políticas, muitas vezes, superam a viabilidade técnica, como foi
constatado no estudo do caso do Assentamento Indaiá;
3 - Consideramos, também, que este estudo poderá contribuir para que o sem-terra, o
Movimento do Sem-Terra possam questionar, rever e repensar o processo de luta desenvolvido,

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além de proporcionar conhecimentos que visem fortalecer e reforçar a proposta política do sem-
terra, que, através de sua organizaçào e luta, procura democratizar a posse da terra;
4 - Além desses, acreditamos que este trabalho poderá subsidiar a Secretaria de
Educação e escolas municipais da região, na elaboração de diretrizes curriculares para as
disciplinas de História e Geografia, que envolvam estudos relacionados ao processo de
ocupação do município de Itaquiraí e região.
A escola nos assentamentos não pode estar isolada da vida de seus participantes e, para
que isso seja superado, deverá ser uma escola que leve à reflexão sobre a luta do sem-terra e a
realidade por ele construída. Para isso, torna-se necessário uma escola que envolva a
participação de todos os setores na elaboração de uma proposta de ensino nos assentamentos.
Assim, através desse trabalho, pretendemos dar nossa parcela de contribuição ao
questionamento e à elaboração de conteúdos curriculares que tratem das experiências vividas
nos acampamentos e assentamentos. Conteúdos e escolas que contribuam na formação dos
sujeitos participantes das lutas populares. Eis, pois, a necessidade de conhecer e reconhecer a
forma como o assentado produz a sua história.

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VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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