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A Ciência da informação
encontra
Pierre Bourdieu

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Projeto Gráfico / Formatação:
Ana Rosa da Silva

Revisão Gramatical:
Guilherme Larré

Catalogação na fonte:

C569 A Ciência da informação encontra Pierre Bourdieu [recurso


eletrônico] / organizadores: Elaine Rosangela de Oliveira
Lucas e MuriloArtur Araújo da Silveira – Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 2017.

Inclui referências.
ISBN 978-85-415-0968-8 (e-book)

1. Ciência da Informação. 2. Pierre Bourdieu.


I. Lucas,Elaine Rosangela de Oliveira. (Org.). II. Silveira,
Murilo Artur Araújo da (Org.).

020 CDD (23.ed.)

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ELAINE ROSANGELA DE OLIVEIRA LUCAS e
MURILO ARTUR ARAÚJO DA SILVEIRA

Organizadores

A Ciência da informação
encontra
Pierre Bourdieu

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APRESENTAÇÃO

Os percursos e desafios contemporâneos das pesquisas em in-


formação se estabelecem pela inserção e pelo incremento de novos
aportes teóricos e metodológicos em uma perspectiva crítica. Os
enfoques possíveis para as investigações exigem configurações de
problemas de pesquisa ousados, estabelecimento de objetivos e me-
tas exeqüíveis e responsáveis e alcance de resultados compatíveis
com a nova ordem social. Diante desta tônica epistemológica que se
vislumbra na atualidade, as iniciativas identificadas, ainda que real-
izadas em pouca quantidade, são constituídas de sustentação teórica
e metodológica satisfatória e de pluralidade técnica e tecnológi-
ca sistematizada. Há um longo caminho a ser percorrido, mas já
podemos afirmar que a Ciência da Informação iniciou sua trajetória.
Como complemento às discussões empreendidas no campo
da Ciência da Informação, a obra ora apresentada se lança como
uma dessas incursões apontadas, com o objetivo de ampliar e verti-
calizar os debates e reflexões sobre as pesquisas realizadas no país.
Para tanto, os organizadores selecionaram um importante intelec-
tual contemporâneo, cujas ideias tenham influenciado às investiga-
ções na Ciência da Informação na dimensão acima destacada. A
decisão que culminou na escolha se deu pelo fato dos organizadores
e de outros importantes pesquisadores do campo compartilharem
as mesmas referências sobre este autor. Em conversas nos eventos
ou nas leituras correntes e retrospectivas da literatura, observou-
se que o repertório teórico e metodológico produzido por Pierre
Bourdieu será sempre atual, crítico, fundamentado em outros impor-
tantes repertórios e amplamente sintonizado com os compromissos
sociais e culturais assumidos pela Ciência da Informação.

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A coletânea que se apresenta está organizada em três partes,
com a intenção de expressar as perspectivas das pesquisas no campo
da informação, suas interfaces e circunstâncias, nas seguintes dimen-
sões: teórica e metodológica (parte um), aplicada (parte dois) e comparativa
(parte três). O conjunto de dezenove artigos contempla as conexões
entre a extensa bibliografia de Pierre Bourdieu, suas ideias e pontos de
vista, com o aparato teórico, metodológico e aplicado consolidado
pelo campo. Os textos são assinados por vinte e sete autores com
atuação e experiência profissional destacadas no campo da Ciência
da Informação de diferentes instituições acadêmicas e científicas do
país.
A primeira parte do livro, denominada de dimensões teóricas e
metodológicas, está organizada por meio de nove artigos que versam
sobre contribuições teóricas e propostas metodológicas. Trata-se de
textos voltados para os processos de produção, organização, me-
diação e comunicação da informação, com enfoque em aspectos
históricos, filosóficos, epistemológicos, entre outros.
A segunda parte da obra, intitulada de dimensões aplicadas, con-
templa estudos analíticos que se baseiam nas propostas teóricas e
metodológicas lançadas por Pierre Bourdieu, perfazendo seis textos.
As contribuições vinculadas à segunda sessão do livro analisam
as estruturas sociais e cognitivas que configuram a dinâmica dos
campos da Ciência da Informação e da Arquivologia, por meio do
instrumental teórico e metodológico consolidado e que se intersec-
ciona com as ideias do autor.
A terceira parte da obra, designada de dimensões comparativas,
agrupa quatro artigos que fixam relações e estabelecem distinções
entre Pierre Bourdieu e outros importantes autores e intelectuais. Por
meio de enfoques teóricos e aplicados, os textos tecem compara-
ções e formalizam distinções científicas com Merton, Kuhn, Marx,

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Luckás e Zubiri e como elas podem ser processadas e articuladas nos
estudos de informação com enfoques epistemológicos, políticos,
históricos e éticos.
Os dezenove textos vinculados a este coletânea, ao mesmo
tempo em que se inserem nas discussões críticas dos recortes temáti-
cos reconhecidos pelo campo da Ciência da Informação, aglutinam
renomados e promissores pesquisadores e circunscrevem suas in-
vestigações em dimensões epistemológicas necessárias, promissoras
e de alcance longitudinal ao longo do tempo. Além disso, este livro
se lança como uma singela homenagem aos quinze anos de morte
do ilustre pesquisador Pierre Bourdieu, com a intenção de demarcar a
dimensão social da Ciência da Informação enquanto campo cientí-
fico consolidado e pertencente ao conjunto de ciências sociais apli-
cadas.
Aproveitando a oportunidade, agradecemos aos autores que
colaboraram para a realização deste projeto, pela confiança de-
positada em nosso trabalho e, ainda, pela compreensão diante das
exigências e cumprimento dos prazos e demandas. Agradecemos
também à Editora da Universidade Federal de Pernambuco (Eitora UFPE)
pelo incentivo à concretização deste trabalho e pela contribuição
acadêmica, científica e profissional ao campo da Ciência da Infor-
mação no Brasil.
Convictos do valor e do vigor dos textos e da organização
desta obra, convidamos todos os leitores à leitura.

MURILO ARTUR ARAÚJO DA SILVEIRA e


ELAINE ROSÂNGELA DE OLIVEIRA LUCAS

Organizadores

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PREFÁCIO

No ano que marca os 15 anos da morte de Pierre Bourdieu, este


livro coletânea representa uma homenagem de um conjunto impor-
tante de pesquisadores da comunidade científica da Ciência da In-
formação (CI) no Brasil que, em parceria com a Editora da Universi-
dade Federal de Pernambuco (Editora UFPE), produziram e publicaram
esta obra que publica estudos sobre temas ligados à informação, que
tomam as teorias bourdieusianas como referência, empreendimento
que significa uma importante contribuição aos estudos do campo
da CI.
A existência desse coletivo de autores que têm nos últimos
anos construído abordagens em torno do fenômeno informação
pautadas nas contribuições de Pierre Bourdieu, motivou os profes-
sores/pesquisadores Lani Lucas (UDESC) e Murilo Silveira (UFPE),
autores/organizadores desta obra, a convidarem e congregarem
parte desses pesquisadores para a produção dos capítulos consti-
tutivos deste livro coletânea, tornando-o uma obra testemunho do
empenho intelectual de adensamento das reflexões acerca da in-
formação, por potencializar o debate em uma perspectiva crítica e
transversal, à luz das proposições bourdieusianas.
O sociólogo e filósofo francês Pierre Bourdieu, com suas
proposições reflexivas no âmbito da Sociologia e Antropologia,
contribuiu significativamente com a produção do conhecimento
nas áreas da Política, Educação, Cultura, Literatura, Artes e Lin-
guística, estabelecendo um diálogo intenso e vigoroso com Max
Weber e Karl Marx para tratar do que denominou de construtivismo
estruturalista, argumentando que nas relações sociais, cujas dimen-
sões atuam sob as forças do “jogo” dialético, revela-se a existência

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de estruturas construídas socialmente, que atuam na ação e coação
dos sujeitos sociais. Nesse diapasão, Bourdieu analisa a incorporação
dessa estruturação social pelos sujeitos, dando legitimidade a ela e,
consequentemente, gerando as condições necessárias a sua sustent-
abilidade e reprodutibilidade.
Abordando o campo simbólico enquanto espaço social no qual
as representações se firmam e se legitimam pela via do confronto,
Bourdieu descortina o cenário no qual o sentir, o pensar e o agir atu-
am na incorporação da estrutura social pelos sujeitos, apresentando
a noção de habitus, experiências nas quais os sujeitos enfrentam e
geram forças que, acumuladas, potencializam a formação, e também
apropriação pelos sujeitos, do capital social, cultural, econômico e
simbólico. Os sujeitos sociais se posicionam e são posicionados
nos espaços sociais (campos) conforme o capital social, cultural,
econômico e simbólico acumulados, o que revela um “jogo” de
dominação e reprodução de valores.
Sob as matizes que edificou, Bourdieu refletiu e nos convoca
a refletir acerca da educação, do funcionamento do sistema esco-
lar e da mídia, sobre cultura e poder, nos desafiando a superar o
olhar ingênuo que trata as dimensões objetivas e subjetivas como
antagônicas e dissociadas.
Em resposta a esse convite, o coletivo de autores que aqui se
apresenta compartilhou nesta obra seus estudos, convergindo entre
sina adoção de abordagens que partem da discussão de conceitos
nucleares da sociologia de Bourdieu, como os de Lucas Mendes e Elaine
de Oliveira Lucas e de Jorge Moisés K. do Prado e Adilson Luiz Pinto, este
como um estudo comparativo que estabelece debate entre o pensa-
mento de Bourdieu e Merton sobre publish or perish.
Outro grupo de capítulos apresenta estudos como o de Anna
Elizabeth e Willian Lima de Melo sobre a microssociologia relacio-
nada ao processo da institucionalização da ciência e de Nair Kobashi,
que aborda as lutas simbólicas existentes nas atividades de pesquisa

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científica, focalizando os mecanismos de avaliação da produção
científica, à luz das políticas de avaliação dominantes na sociedade
contemporânea, tomando como referência as teorias sobre a crítica
social do julgamento, propostas por Pierre Bourdieu. Ainda nessa per-
spectiva, apresenta-se o texto de Isa Freire, que trata o campo cientí-
fico no espaço do saber, estabelecendo relações entre o conceito
de campo de Bourdieu e de regime de informação no contexto da
comunidade científica da CI.
Giovani Miguez e Antonio Tadeu C. dos Santos desenvolvem um
confronto crítico entre o enfoque filosófico de Zubiri, acerca da
epistemologia científica, e o enfoque sociológico de Bourdieu, bus-
cando trabalhar elementos teórico-epistemológicos à produção de
conhecimento na CI. Por seu lado, Gustavo Saldanha, situando Bour-
dieu na filosofia da linguagem, trabalha em seu texto as relações e
articulações entre conhecimento, linguagem e simbólico, enquanto
lastro às reflexões acerca da CI, buscando ainda discutir questões
levantadas por Bourdieu em torno da linguagem, identificadas na
centralidade do discurso epistemológico fundante da Organização
do Conhecimento, especialmente a partir das contribuições de Te
sauro.
Entre os estudos que têm as teorias bourdieusianas como
referência, situam-se também o de Bruna Nascimento e Leilah Santiago
Bufrem que formula uma compreensão do campo da CI a partir dos
aportes teóricos da sociologia reflexiva; o de Elisa Cristina Delfini
Correa sobre a construção do campo da CI brasileira em suas re-
lações com a Biblioteconomia, a partir da sociologia da ciência e
da sociologia da técnica, assim como o de Angélica Marques sobre o
habitus, abordando o campo e o capital científico da Arquivologia no
Campo da Informação, analisando questões relacionadas à interna-
cionalização, institucionalização e suas relações disciplinares.

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Outra temática cara à CI é a comunicação científica e os es-
tudos acerca dela, que são abordados nesta obra pelos textos de
Regina Marteleto; Cláudio Nascimento; Jorge Moisés Kroll do Prado e Adilson
Luiz Pinto, sempre norteados pela contribuição teórica de Bourdieu.
A estes se juntam autores como Márcia Regina Silva; Leilah Santiago
Bufrem, Juliana Lazzarotto e Natanael Vitor Sobral; Murilo A. Araújo da
Silveira; assim como Lidiane Carvalho, os quais abordam a comunica-
ção científica, os estudos métricos e a avaliação dessa comunicação
sob a mesma perspectiva teórica.
Em outro foco de debates, situam-se os textos de Marco
Schneider e Arthur Bezerra, abordando as contribuições das teorias
bourdieusianas nas discussões em torno da competência crítica
em informação, frente aos embates da dominação do simbólico e
o dilema da ética informacional. Por sua vez, Marco Antônio de
Almeida apresenta suas reflexões em torno das relações entre me-
diação, cultura e informação, problematizando a interligação entre
habitus e capital cultural, para se (re)pensar as atividades de mediação
da informação realizadas pelos profissionais da informação.
Outras contribuições importantes estão postas no texto de
Ricardo M. Pimenta, que elabora uma análise dos possíveis usos da
internet e da web social enquanto lugares/simulacros de dominação
simbólica, assim como no texto de Ricardo B. Sampaio, Jorge Henrique
C. Fernandes e Elaine de Oliveira Lucas, no qual se discute e analisa as
redes sociais a partir do corpo conceitual da sociologia formulado
por Bourdieu.
Em síntese pode-se assinalar que, na sua totalidade, o corpus
textual deste livro coletânea registra e testemunha os avanços dos
estudos sociológicos da informação em dialogia com Pierre Bourdieu,
contributivamente tecendo-se um lastro ao processo reflexivo em
torno do complexo e dinâmico fenômeno informacional, razão pela

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qual este prefácio se encerra com o convite a sua leitura integral.

HENRIETTE FERREIRA GOMES

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SUMÁRIO

PARTE 1 – DIMENSÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

A comunicação científica e o pesquisador-intelectual


Regina Maria Marteleto 23

Conceitos (ou noções) fundamentais no pensamento


de Pierre Bourdieu
Elaine Rosangela de Oliveira Lucas e Lucas Mendes 47

Bourdieu e a noção de campo: a intencionalidade


cognitiva informacional versus capital simbólico
Willian Lima Melo e Anna Elizabeth Galvão Coutinho Correia 67

A sociologia reflexiva de Pierre Bourdieu no campo


da Ciência da Informação: relacionamentos possíveis
Bruna Silva do Nascimento e Leilah Santiago Bufrem 85

O pensamento de Bourdieu à luz da análise de


redes sociais
Jorge Henrique Cabral Fernandes, Ricardo Barros Sampaio e
Elaine Rosangela de Oliveira Lucas 105

Crédito científico e métricas alternativas:


possíveis aproximações
Márcia Regina da Silva 129

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O método relacional de análise da informação
(MRAI) na análise de domínio
Lidiane Carvalho 153

Sobre a O²S²O, de tesauro à Bourdieu: linguagem


simbólica e a organização ordinária dos saberes
socialmente oprimidos
Gustavo Silva Saldanha 173

Refletindo sobre mediações, cultura e informação


com Pierre Bourdieu
Marco Antônio de Almeida 197

PARTE 2 – DIMENSÕES APLICADAS

Habitus, campo científico e capital científico da


Arquivologia no campo da informação:
internacionalização, institucionalização e
relações de uma disciplina
223
Angélica Alves da Cunha Marques

O campo científico no espaço do saber


Isa Maria Freire 245

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A Ciência da Informação encontra Bourdieu:
análise da produção científica dos bolsistas de
produtividade em pesquisa (PQ) na
Base Brapci (1993-2015)
Leilah Santiago Bufrem, Juliana Lazzarotto Freitas e
Natanael Vitor Sobral 283

Pesquisa científica, produção científica e dinâmica


dos campos: um olhar sobre a Ciência da Informação
Nair Yumiko Kobashi 311

O domínio da organização e representação do


conhecimento no Brasil à luz dos conceitos de
produção e distinção de Bourdieu (2011-2014)
Murilo Artur Araújo da Silveira 333

Da Aesthetica informacional e do capital simbólico


na contemporaneidade: a internet e suas redes sociais
enquanto campo
Ricardo Medeiros Pimenta 353

PARTE 3 – DIMENSÕES COMPARATIVAS

Publish or Perish: um acerto com Pierre Bourdieu


e Robert Merton
Jorge Moisés Kroll do Prado e Adilson Luiz Pinto 375

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A constituição do campo científico da Ciência da
Informação no Brasil: um diálogo sociológico
Elisa Cristina Delfini Corrêa 389

Dominação simbólica e reificação: contribuições de


Pierre Bourdieu, Karl Marx e György Lukács para os
estudos sobre ética e competência crítica em
informação
Marco Schneider e Arthur Coelho Bezerra 343

A Ciência da Informação enquanto ciência social


interdisciplinar: as contribuições de Zubiri e
Bourdieu
Antonio Tadeu Cheriff dos Santos e Giovani Miguez 349

Apresentação dos autores 457

20
PARTE 1

DIMENSÕES TEÓRICAS
E METODOLÓGICAS

21
22
A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O
PESQUISADOR-INTELECTUAL

REGINA MARIA MARTELETO

“Dansl’ univers de lapensée, il n’y a pas, commelerappelait


Nietzsche, d’immaculéeconception; mais il n’y pasdavantage
de péchéoriginel.” (Pierre Bourdieu. Méditationspascaliennes,
1997)

1. INTRODUÇÃO

A definição do que seja a comunicação científica está associada


ao modo como se entende o que é a própria ciência, as formas
de produção do conhecimento, o papel científico e social do
pesquisador – que lugar ele ocupa e de que forma atua no universo
acadêmico e no mundo social. As disciplinas que tomam a ciência
por objeto de estudo – a filosofia, a história, a sociologia –de um
modo geral estabelecem duas abordagens para analisar a ciência,
o conhecimento e os seus produtores, quais sejam, a internalista
e a externalista. A primeira parte de uma visão da ciência priori-
tariamente pela sua dimensão racional, lógica e funcional e dos
pesquisadores como indivíduos dotados de credenciais que os
tornam capazes deproduzir conhecimentos de validade universal.
A segunda ressalta a dimensão histórico-social da ciência enquanto
uma prática de coletivos envolvidos em determinados espaços, cujos
conhecimentos alcançam legitimidade por meio de mediações social
e historicamente construídas. Tanto em um caso como em outro, a
ciência é abordada seja a partir de uma ruptura entre a comunidade
científica e os conteúdos do conhecimento, seja por uma redução do
social nas atividades cognitivas dos produtores dos conhecimentos.

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A compreensão sobre a origem e a prevalência dessas formas
dicotômicas na análise da ciência, da atividade científica e de seus
praticantes serão recorrentes na obra de Pierre Bourdieu, desde
os seus estudos etnográficos iniciais nos anos de 1950 sobre as
condições da colonização e descolonização da Argélia e seus impac-
tos culturais, sociais e econômicos, até posteriormente na sua região
de origem, o Béarn, na França, período após o qual operou uma
ruptura com a filosofia, sua disciplina de formação, para se dedicar
à sociologia. Desde então, no exercício teórico e metodológico desta
disciplina, procurou refletir não apenas sobre os objetos de estudo,
mas ainda a respeito dos modos como os conhecimentos são pro-
duzidos.
Segundo o sociólogo, mais do que estudar a ciência por um
ou outro ângulo – internalista ou externalista – ou mesmo tentar
operar uma síntese dos dois, trata-se de realizar uma reflexão sobre
as condições históricas e sociais de formação dessas categorias de
entendimento da ciência, valendo-se do que Bourdieu(1997b) deno-
mina “racionalismo historicista”, a fim de analisar a história social
da razão e o campo científico como lugar da gênese histórica das
condições sociais de produção da razão.
Essa genealogia histórica levaria a considerar as mudanças na
ordem do conhecimento e da ciência em diferentes períodos, a fim
de se indicarem caminhos para o próprio entendimento do que seja
a comunicação científica: os modos de interação entre os agentes
do próprio campo científico e os seus produtos – as publicações –
ou ainda a comunicação como uma interação ampliada entre pares
epistêmicos de diferentes domínios ou sub-campos científicos e da
sociedade. Essas abordagens diferenciadas e complementares seri-
am prudentemente oportunas no momento atual onde se debatem

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temas como a ciência aberta, os dados abertos, o acesso universal,
visões que se acentuam com as mediações tecnológicas e sua pala-
vra-chave: acesso.
No campo de estudos da informação, onde me situo, desde os
anos de 1980, no decurso das pesquisas as leituras de Bourdieu têm
indicado uma conversão do olhar sobre as questões do conheci-
mento, da cultura e da informação, ou seja, do mundo das ideias, dos
conhecedores e dos seus produtos como um universo complexo de
relações que demanda práticas, mediações, usos e políticas. E do
campo científico como um microcosmo social, um espaço relativa-
mente autônomo, dotado de leis próprias e sujeito, como os demais
campos sociais, a disputas, coações e pressões externas. Logo, para
entender o modo de funcionamento de um campo de produção cul-
tural, como o campo científico, não basta a referência aos conteú-
dos textuais de suas produções - a informação - , e nem ao mundo
social onde ele se insere como um contexto, para estabelecer uma
relação direta entre o texto e o contexto. O campo científico seria
um universo mediador entre esses dois polos (o texto e o contexto),
no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,
reproduzem ou difundem a ciência - um mundo social como os de-
mais, que obedece a regras específicas (BOURDIEU, 1997a; 2001).
Para desenvolver o tema do capítulo nessa perspectiva, será
primeiramente delineado um breve perfil de Bourdieu como intelec-
tual acadêmico e intelectual público, situado num determinado
sub-campo científico - as ciências sociais - sujeito a regras específi-
cas e variáveis de funcionamento, segundo os espaços e as épocas
históricas. Essa visão do campo científico, especialmente da socio-
logia, será refletida em sua própria obra e nas suas formas de par-
ticipação no campo científico e em outros espaços na sociedade.

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Na parte seguinte do capítulo serão recuperadas certas iniciativas
do sociólogo como um criador coletivo de mídias na comunicação
e na divulgação científicas, em diferentes períodos de sua produção
acadêmica e atuação pública, desde a necessária qualificação e inter-
nacionalização da produção científica das ciências sociais na França,
até a participação engajada dos intelectuais e a criação de disposi-
tivos de informação e comunicação para o exercício de uma so-
ciologia dialógica e pública, num período histórico de globalização
econômica e mundialização cultural. A terceira e última parte será
dedicada à reunião de algumas de suas reflexões críticas sobre as
condições da circulação internacional das ideias e o imperialismo
cultural, ou seja, sobre o próprio sistema no qual essas mídias são
produzidas: seu “senso prático” e seu “senso crítico” a respeito da
produção, da circulação e da internacionalização dos conhecimen-
tos e das ideias.
O modo de ser e de fazer do sociólogo será delineado para
abordar de que forma ele se revelou um criador coletivo de meios
de informação e comunicação para a qualificação do conhecimento
produzido no seu domínio de conhecimento e áreas afins, numa
perspectiva crítica em relação às formas descontextualizadas de cir-
culação das ideias e das obras. O objetivo será o de destacar certas
questões referentes à comunicação e à divulgação científica, na ótica
de Bourdieu, que guardam bastante atualidade no panorama atual
da ciência e das novas formas de produção, circulação e apropriação
dos conhecimentos.

2 O INTELECTUAL ACADÊMICO E O INTELECTUAL


PÚBLICO

No prefácio escrito pela Profa. Maria Cecília Minayo (2017),

26
pesquisadora reconhecida do campo da saúde coletiva, no livro-
coletânea que organizamos sobre a obra de Pierre Bourdieu1, ela
destaca o que mais lhe marcou na trajetória do sociólogo, tomando-
o como exemplo de postura ética na práxis acadêmica:
a) acoerência de sua trajetória intelectual;
b) a coerência de seu discurso teórico;
c) a coerência de seu engajamento como cidadão e ator políti-
co, sempre qualificado por sua produção científica. Pierre Bourdieu
encarnou, segundo ela, talvez como poucos sociólogos de sua ge-
ração, a figura contraditória do homo academicus, que ele tanto abor-
dou criticamente em suas obras, buscando enfrentar as contradições
do fazer acadêmico, tanto em sua trajetória científica e intelectual,
na sua obra teórica, quanto no agir como intelectual público e ator
político.
Alguém disse em algum lugar: “Bourdieu é um autor para
todos”. Por que? Lido, mal lido, muitas vezes pouco compreendido,
foi um intelectual coletivo de múltiplas facetas, suscitando leituras e
apropriações diversas de sua obra tanto na França quanto em outros
países. Entretanto, uma questão geral parece despertar o interesse
de tantos leitores: as formas de produção, mediação e apropriação
do conhecimento, principalmente num campo de estudos - as ciên-
cias sociais – cujo discurso se aproxima da linguagem do mundo
social, tanto quanto seus problemas e objetos, e da figura do Estado
e suas instâncias, os quais elegem as agendas temáticas das questões
sociais (BOURDIEU, 1994).

1
MARTELETO, Regina M.; PIMENTA, Ricardo M. (Orgs.).Pierre Bourdieu e
a produção social da cultura, do conhecimento e da informação. Rio de Janeiro:
Ed. Garamond, 2017.

27
Desde suas primeiras obras, até as de sua maturidade acadêmi-
ca, Bourdieuse ocupou da análise reflexiva a respeito da autono-
mia relativa do campo científico, e mais especificamente das ciên-
cias sociais, em relação às demandas externas do Estado ede outros
campos. Em sua obra “Le métier de sociologue. Préalablesépistémologiques”
(1983, 4a. ed.), publicada originalmente em 1968, em co-autoria
com Jean-Claude Chamboredon e Jean-Claude Passeron, o objetivo
é logo estabelecer um campo epistemológico, teórico, metodológico
e prático para o exercício da sociologia, por um processo de vigilân-
cia epistemológica que se impõe sobretudo em relação às ciências
humanas e sociais, onde a separação entre a opinião comum e o
discurso científico é ainda mais indefinida do que em outras disci-
plinas. Os autores alertavam para o risco de um empiricismo colado
aos fatos sociais, ou, de outro lado, um discurso filosófico do social
descolado dos dados concretos, herdados de correntes sociológi-
cas com foco seja na estrutura social dada, inaugurada por
E. Durkheim, seja na ação dos atores sociais, analisada por
M. Weber. Por isso a obra, além de discutir as preliminares episte-
mológicas, considera o processo de construção do objeto sociológi-
co, tanto quanto um repertório crítico das ferramentas conceituais
e técnicas da pesquisa, como a observação direta, a entrevista, a
codificação de dados e a análise estatística, sublinhando assim uma
intenção pedagógica e científica na reconfiguração do campo da
sociologia.
Numa das obras de maturidade, Méditationspascaliennes, onde
volta a estabelecer um diálogo mais direto com a filosofia, depois
de um longo processo de ruptura, destinado a refazer uma síntese
epistemológico-crítica dos fundamentos do seu pensamento a res-
peito do conhecimento, sobretudo aquele produzido pelas ciências
sociais, Bourdieu retoma uma reflexão crítica a respeito da razão

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escolástica, cuja configuração se deu historicamente com o processo
de autonomização dos campos de produção simbólica, primeiro a
filosofia, posteriormente a literatura, a arte, a ciência. O ponto de
vista escolástico, segundo ele, se traduz nas ciências por meio de
um erro epistemocêntrico que consiste em projetar numa prática
a teoria construída para explicá-la, constituindo dessa forma
conhecimentos e conhecedores aparentemente desinteressados,
livres e distanciados do mundo que estudam. O sociólogo deve
neutralizar o ponto de vista escolástico, que faz dele um expectador
exterior ao mundo social, a fim de reencontrar uma relação prática
com a prática, tentando compreender a lógica da prática sem limitar
a racionalidade unicamente à razão teórica (BOURDIEU, 1997b;
CHAUVIRÉ, FONTAINE, 2003).
Cabe destacar que nessa empreitada ele desenvolveu duas práxis
distintas e complementares: de intelectual acadêmico e de intelectual
público, que constituem as duas faces de um mesmo habitus, de um
mesmo ethos de campo, voltado para a sistematização e a renovação
dos princípios epistemológicos, teórico-conceituais, metodológicos
e práticos da sociologia e das ciências sociais em geral:
“Eu me inspiro [...] por uma convicção cientificista [...] que me
leva a pensar que se conhecemos os mecanismos sociais, não
seremos ainda capazes de controlá-los, mas aumentamos pelo
menos um pouco as chances de controlá-los, sobretudo se eles
repousam sobre o desconhecimento. Existe uma força autôno-
ma do conhecimento que pode destruir, numa certa medida, o
desconhecimento.” (BOURDIEU, 2002, p. 2)

Em 1988, num encontro/debate com Roger Chartier, na


rádio France Culture, ele se dirigia a um público mais amplo para
enunciar, com outras palavras, o que seriam osaber e o fazer da
sociologia: “O que a sociologia produz, pelo menos a que eu concebo e pratico,
são instrumentos... de um lado, são instrumentos de autodefesa contra a agressão

29
simbólica, contra a manipulação simbólica, etc. Isto é, essencialmente contra
os produtores profissionais de discursos” (PIERRE BOURDIEU, 2004,
p. 9). Em outras duas ocasiões, em entrevistas concedidas em mí-
dias de televisão, ele lembrava a expressão de Wittgenstein “Quando
a linguagem gira no vazio, ela pensa por nós” (PIERRE BOURDIEU,
2004, p.52-53), a fim de esclarecer o seu ponto de vista a respeito
dos discursos dos profissionais da palavra- professores, jornalistas,
filósofos, e todos aqueles que fazem profissão de falar do mundo
social contra a retórica dos discursos de senso comum, valendo-
se dos conhecimentos produzidos pela sociologia. Um desafio para
o sociólogo é o de responder, do ponto de vista teórico-prático-
metodológico, à seguinte questão: “De que forma conciliar a exigência
de pureza, de esoterismo que é inerente a toda espécie de trabalho científico e
intelectual, com a inquietação democrática de tornar esses saberes acessíveis ao
número maior possível de pessoas?” (PIERRE BOURDIEU, 2004, p. 53).
Por outro lado, a intenção essencial de abarcar a construção de
uma ciência social unificada em diálogo com os construtos de seus
fundadores (K. Marx;M. Weber; E. Durkheim) e com diferentes
correntes teóricas e metodológicas - em perspectiva interdisciplinar,
histórica e internacional - permitiria aos e studiosos das demais
disciplinas, cujos objetos se inserem nos domínios das práticas
sociais e dos sistemas simbólicos, a apropriação orientada do quadro
teórico e metodológico das ciências sociais, com centralidade na
sociologia.
O sociólogo afirmava, em artigo publicado no Le Monde diplo-
matique que existe, especialmente nas ciências sociais, uma dicoto-
mia que lhe parece prejudicial, entre scholarship e commitment, ou
seja, entre aqueles que se dedicam ao trabalho de pesquisa e aqueles
que se engajam e levam o seu conhecimento para fora do campo

30
científico. No entanto, segundo ele é preciso ser um pesquisador
autônomo e que trabalha segundo as regras do campo científico
para poder construir um conhecimento legitimamente engajado.
“Este conhecimento somente se adquire no trabalho científico, submetido às re-
gras da comunidade científica” (BOURDIEU, 2002). Essa compreensão
sobre o papel do intelectual-pesquisador foi construída ao longo
de sua trajetória como intelectual acadêmico e intelectual público,
desde o período do grande movimento de desenvolvimento das
ciências sociais na França, nos anos de 1960, com a expansão dos
laboratórios de pesquisa e do número de pesquisadores, quando ele
se dedicou a fazer emergir essa figura do scholarshipwithcommitment.
Essa encarnação do pesquisador-intelectual se revelou nele próprio,
de forma mais contundente, a partir dos anos de 1990, pela necessi-
dade de confrontar uma “política de mundialização” (BOURDIEU,
2002) que se enraizava no discurso científico, na sociedade, nas es-
feras estatais, na economia e nas organizações. Ela se revela na sua
atuação, teórico-política-prática de produtor coletivo de mídias nas
ciências sociais.

3. PIERRE BOURDIEU PRODUTOR COLETIVO DE


MÍDIAS DA CIÊNCIA

Em março de 2003, um ano após a morte de Bourdieu, o INA


– InstitutNational de l’Audiovisuel, responsável pelo depósito legal
de toda a produção audiovisual na França, realizou, em parceria com
a Sorbonne, um encontro de dois dias com o tema “Pierre Bourdieu
et les médias”, com o objetivo de refletir e debater sobre três facetas
do sociólogo em relação às mídias, no seu sentido lato2. (PIERRE
BOURDIEU, 2004):
a) como estudioso das mídias enquanto instâncias de difusão

31
cultural, focando na cultura erudita e na cultura de massas;
b) como criador e produtor de mídias científicas e culturais,
isto é, “instrumentos de trabalho e experimentação”, segundo
Jacques Revel;
c) como um personagem das mídias, ou seja, como ele consid-
erava, enquanto intelectual, a sua participação no debate públi-
co através das mídias. No entanto, como lembram os organiza-
dores do evento, mais do que o discurso sobre as mídias ou o
jornalismo, o que esteve em jogo nesse encontro foi a própria
definição do papel dos intelectuais (CHAMPAGNE, 2004).
Para abordar a produção científica e a atuação pública de Bour-
dieu, considerando as três facetas acima ressaltadas, seria necessário
considerar a sua presença em diferentes mídias, desde os livros e
as revistas científicas; os artigos em jornais de grande circulação
na França e no exterior; as contribuições em revistas literárias
e de divulgação científica; as autorias em obras publicadas em
outros países e as próprias traduções de suas obras; a participação
em emissões de debates em diferentes mídias de rádio e televisão;
a presença em debates em escolas, associações, sindicatos, coletivos
de estudantes; as entrevistas concedidas em revistas científicas e
em diferentes veículos de comunicação como jornais, revistas, rádio,
televisão.
Embora reconhecendo a importância e a indissociabilidad e
das múltiplas facetas do sociólogo, para alcançar uma compreensão
crítica de sua atuação enquanto um intelectual público e um

2
O encontro foi organizado por dois interlocutores de Pierre Bourdieu: Patrick
Champagne, sociólogo, seu colaborador em pesquisas e co-autor em publica-
ções; Roger Chartier, historiador, seu parceiro nas reflexões sobre as relações
entre a sociologia e a história.

32
intelectual acadêmico, será aqui realçada aquela que projeta Bour-
dieu como criador de mídias na ciência3, tanto quanto as críticas que
ele mesmo impõe às formas como se criam mídias científicas no
contexto da mundialização e da globalização, num circuito interna-
cional de ideias e na perspectiva da circulação de produtos orienta-
dos por uma “razão imperialista”.
Em 1968 Pierre Bourdieu cria e dirige, na Ecoledes HautesEtude-
senSciencesSociales (EHESS), o Centre de SociologieEuropéenne(CSE),cujo
projeto se propõe analisar as condições de possibilidade e de real-
ização de um espaço europeu de pesquisa em ciências sociais e hu-
manas. É transformado em 2010 em Centre Européen de Sociologie et de
Science Politique de la Sorbonne (CESSPS)4, por meio da fusão entre o
próprio Centre de SociologieEuropéenne (CSE) e o Centre de Recher-
ches Politiques de la Sorbonne (CRPS), por conta de diretrizes das políti-
cas francesas para as instituições de ensino e pesquisa. Atualmente é
dirigido por Jean-Louis Briquet.
No livro La liberté par laconnaissance, organizado por Jacques
Bouveresse e Daniel Roche (2004), uma das várias obras produzi-
das por colaboradores e interlocutores de Pierre Bourdieu depois
de sua morte, Jean-Claude Passeronrelata criticamente os primeiros
estudos desse centro, focados na análise do sistema de ensino e nos
mecanismos de violência simbólica presentes no ambiente escolar
francês; a forte demanda pela entrada nas universidades e suas
consequências em relação à estrutura acadêmica e de poder vigente
no meio acadêmico, nas décadas de 1960 e 1970.

3
Apesar da polissemia do termo “mídia”, oumuitasvezes do seuempregoreferi-
dounicamenteàsmídias de massa, optou-se peloseuusoparacaracterizar a diversi-
dade de dipositivos de informação e comunicaçãoproduzidoscoletivamentepor
Bourdieu e seusdiferenciadoscolaboradores.
4
http://cessp.cnrs.fr/

33
No sítio web do CESSPS, uma entrada a respeito do Centre
de sociologieeuropéen (CSE)5 esclarece que desde os anos de 1990 os
seus objetos de estudo, anteriormente orientados para a educação
e a cultura, progressivamente se diversificaram, abrangendo temas
como: a sociologia do Estado, da política, das mídias, da economia
e do trabalho, em amplitude cada vez mais internacionalizada. A
abordagem desses objetos é relacional e estrutural e requer práticas
de pesquisa amplamente compartilhadas entre os seus membros,
no sentido da renovação das problemáticas das ciências sociais.
O Centre Européen de Sociologie et de Science Politique de la Sor-
bonne (CESSPS),por sua vez, reúne prioritariamente pesquisadores
das áreas de sociologia e ciências políticas, além de antropólogos
e economistas, os quais conservam o projeto comum inaugurado
por Pierre Bourdieu de estudar o mundo social atentos às relações
sociais de dominação e aos dispositivos de poder nos quais elas se
inserem. Ao mesmo tempo, e respeitando a dinâmica inaugurada
pelo fundador do CSE, seus membros procuram difundir o resul-
tado de suas pesquisas para além das fronteiras do campo científico,
em formato oral ou escrito, em mídias ou publicações destinadas ao
público mais amplo e aos profissionais mais diretamente interessa-
dos pelas temáticas e objetos estudados6.
A coleção Le senscommun, dirigida por Bourdieu, publicada a
partir de 1965, pelas Les Éditions de Minuitlembra, segundo Roger
Chartier, (2004)a dimensão coletiva do seu trabalho, na formação

5
Disponível em : http://cessp.cnrs.fr/spip.php?rubrique290&lang=fr Acesso
em abril de 2017.
6
Disponível em:http://www.cessp.cnrs.fr/spip.php?article374&lang=fr
Acesso em abril de 2017.

34
de equipes de pesquisa e na tradução de títulos importantes de clás-
sicos das ciências sociais nessa coleção, além da reunião e publicação
de autores franceses cuja obra encontrava-se dispersa e mal difundi-
da. Jacques Revel (2004), historiador, comenta que dos títulos publi-
cados na coleção entre 1965 e 1980, mais da metade eram traduções.
E vários títulos do próprio autor, dentre eles La Distinction. Nessa
época, tratava-se de revigorar a sociologia na França, defasada em
relação a outros centros acadêmicos europeus, sobretudo a
Alemanha, e de recuperar a fase inaugural e produtiva da sociologia
francesa na virada do séc. XIX para o XX e nas primeiras décadas
seguintes.Além de vários títulos importantes de Pierre Bourdieu, a
coleção inclui obras de autores como E. Durkheim; T.W. Adorno;
E. Benveniste; B. Bernstein; M. Bakhtine; L. Boltanski; E. Cassirer;
R. Castel; C. Charle; E. Goffman; J. Goody; R. Hoggart; W. Labov;
H. Marcuse. M. Mauss; M. Halbwachs; E. Panofsky, dentre outros
autores franceses e estrangeiros.
Actes de laRechercheenSciencesSociales, revista criada em 1975, por
Bourdieu, foi concebida como uma “revista de combate”, e também
uma revista de escola, destinada a reafirmar um certo número de
convicções e a ilustrar certas maneiras de proceder no campo cientí-
fico. Com um design gráfico e temáticas inovadores, como lembra
Jacques Revel (2004, p. 64), encontra-se nessa revista um voluntaris-
mo que esteve no núcleo da criação da AnnéeSociologique, criada por
Durkheim, na virada dos sécs. XIX e XX. No editorial (anônimo)
escrito por Bourdieu no primeiro número, ele lembra a proposta
da revista, de criticar e romper com os formalismos da publicação
científica, recusando:
“tudo o que conduz à estandartização e à normalização dos
produtos da pesquisa. Não reconhecer outro imperativo que
não sejam aqueles que impõem o rigor da demonstração e, se-
cundariamente, a busca da lisibilidade, significa libertar-se das
censuras, dos artifícios e das perversões que ocasionaa preo-

35
cupação de se conformar às convenções e ao tom certo do
campo universitário”.(PIERRE BOURDIEU, 2004, p. 64)

Em seus primeiros números, como meio de evidenciar a for-


ma provisória de instrumentos a serviço do trabalho coletivo, são
empregados inúmeros recursos icônicos e gráficos: figuras, alusões,
citações, dados, documentos, fotografias, comentários, que objetiva-
vam divulgar um dossiê de trabalho, com o espírito de “dar acesso
ao ateliê do pesquisador” (REVEL, 2004). Os autores sãojovens
alunos, pesquisadores do Centre de SociologieEuropéenne e muitos es-
trangeiros como Jack Good, antropólogo; Paul Thompson e Eric
Hobsbawm, historiadores, além de parceiros de pesquisada rede
social e científica de Bourdieu.
A revista Liber, fundada em 1989por Pierre Bourdieu com
edição simultânea na França, Alemanha e Itália, circulou também
como suplemento em três grandes jornais europeus generalistas: Le
Monde, El País e FrankfurterAllgemeineZeitung e dois jornais literários:
Times LiterarySupplement e L ‘Indice. Passou a ser editada também em
búlgaro, húngaro, sueco, romeno, grego, norueguês e turco (BOUR-
DIEU; MICELI, 1997). A revista, como sugeria o seu nome, (Liber
significa ao mesmo tempo livre e livro) e, como indicava o seu sub-
título, uma “revista europeia dos livros” (FERENCZI, 2004, p.
81),tinha o projeto de ter uma abrangência autoral e temática euro-
peia.
A coleção Raisons d’Agir, dirigida por Pierre Bourdieu e pub-
licada pela Ed. Seuil, começou em 1996 com a publicação de Sur-
latélévision, de Pierre Bourdieu e, em 1997, Chiens de garde, de Serge
Halimi. As duas obras analisam as mídias e o seu peso na vida in-
telectual francesa. O objetivo da coleção, segundo Bourdieu, era:
“Oferecer instrumentos de compreensão, logo de liberdade, produzidos
pela pesquisa internacional em todas as suas formas, literária, científica,

36
reunir, sem outra consideração que não seja a qualidade das obras, sua novi-
dade, seu rigor, sua originalidade, trabalhos franceses e estrangeiros sobre
os problemas os mais difíceis e os mais complexos do pensamento e da
ação, este é o propósito dessa coleção que quer reunir as exigências de um
rigoroso classicismo e as audácias da vanguarda” (BOURDIEU apud RAI-
SONS d’AGIR. Quisommesnous. Site web.2017).7

A organização dessa coleção assinala um momento signifi-


cativo do trajeto científico e intelectualdo sociólogo. A publicação
de Surlatélévisioncausa um grande impacto no mundo jornalístico e
intelectual, ao abordar o poder dos mídias de massa, os quais detêm
o monopólio da difusão, um poder que Bourdieu julga excessivo,
em relação ao lugar que deveria ser ocupado pelas ciências sociais na
vida política e social. Nessa mesma obra ele questiona certos vieses
perceptivos provocados pela mídia (sobretudo a televisão) sobre o
papel dos intelectuais, ao refletir sobre como esses últimos se tor-
nam fast-thinkers, ou seja, “intelectuais midiáticos” ou “intelectuais
de paródia” (BOURDIEU, 1996, p. 30).
Empregando uma chave de leitura conceitual do próprio
Bourdieu, Champagne e Christin (2012, p. 195) refletem que a luta
na qual ele se lançou ao longo de sua carreira, nesse momento se
explicitou como uma disputa entre três campos para impor uma
certa representação do mundo social e das questões da luta política:
o campo político, o campo jornalístico e o campo das ciências soci-
ais. A luta se cristaliza em torno da definição do intelectual legítimo.
A Liber-Questions d’Agir é uma editora independente criada na
França em 1996, com o estatuto de uma associação, resultado da
união entre a revista Liber e a Raisons d’Agir. Reúne militantes e pes-
quisadores, no contexto da renovação editorial militante dos anos

Disponível em http://www.raisonsdagir-editions.org/qui-sommes-nous/
7

Acesso em abril de 2017.

37
de 1990 e da propagação das edições de livros de bolso, formato
considerado por Pierre Bourdieu como o mais eficaz para o debate
intelectual naquele tempo. Em entrevista concedida à revista
Vacarme (2001)8 ele dizia a respeito dessas publicações, das quais
ele participou do projeto editorial, que era preciso que elas fossem
ao mesmo tempo “chiques e radicais. Elas não devem parecer com um bo-
letim sindicale, ao mesmo tempo, elas devem ser sóbrias, modestas, que se possa
colocá-las no bolso, e que não custem caro”(Entrevista, Pierre Bourdieu,
2001).
O projeto de Liber-Raisons d’Agir era apresentado da seguinte
forma pelo coletivo que o produziu:
“Liber-Raisons d’Agir apresenta o estado mais avançado da
pesquisa sobre os problemas políticos e sociais da atualidade.
Concebido e realizado por pesquisadores em ciências sociais,
sociólogos, historiadores, economistas, e ocasionalmente, por
escritores e artistas, todos animados pela vontade militante de
difundir o saber indispensável à reflexão e à ação política numa
democracia, essas pequenas obras densas e bem documentadas
deveriam constituir pouco a pouco uma enciclopédia popular
internacional”(PIERRE BOURDIEU, p. 57-58).

Esse conjunto de iniciativas editoriais e de intervenção nos


cenários acadêmico e público reflete o contexto político-econômico
da globalização, das políticas neoliberais e seus impactos em relação
ao trabalho, aos direitos sociais, às políticas de educação e pesquisa
e à organização das instituições acadêmicas, aos mecanismos de fi-
nanciamento e avaliação. Por isso mesmo evidenciam o esforço
coletivo de pesquisadores e de múltiplos atores em relação à inova-
ção nas formas de produção e divulgação dos conhecimentos gera-
dos nas pesquisas; o rigor na produção qualificada do conhecimento

8
Disponível em: http://www.vacarme.org/article224.html Acesso em abril,
2017.

38
e, ao mesmo tempo, a mobilização de equipes com perfis institucio-
nais e sociais diversificados; o fortalecimento do diálogo entre os
pesquisadores franceses e de outros países europeus no campo das
ciências sociais.

4 PIERRE BOURDIEU CRÍTICO DO PROCESSO DE


CIRCULAÇÃO INTERNACIONAL DO CONHECIMEN-
TO

Em 30 de outubro de 1989, numa conferência proferida na


Universidade de Frieburg, na Alemanha, Bourdieu discorreu sobreo
que se pode fazer hoje,quando se tem uma preocupação real em
favorecer a internacionalização da vida intelectual. E isso porque
comumente se acredita que a vida intelectual é espontaneamente
internacional:
“Nada mais falso.A vida intelectual é o lugar, como todos os
outros espaços sociais, de nacionalismos e de imperialismos,
e os intelectuais veiculam, quase tanto como os outros, pre-
conceitos, estereótipos, ideias prontas, representações muito
sumárias, muito elementares, que se alimentam dos incidentes
da vida cotidiana, das incompreensões, dos mal-entendidos,
das feridas (aquelas por exemplo que podem atingir o narci-
sismo pelo fato de ser desconhecido num país estrangeiro”)
(BOURDIEU, 2002, p. 3-4)

Bourdieu mostra alguns fatores que dificultam as trocas inter-


nacionais no campo das ciências sociais e humanas. O primeiro é o
de que os textos circulam sem o seu contexto. Recorre a uma passa-
gem de Marx no Manifesto do Partido Comunista, onde ele observa
que os pensadores alemães sempre compreenderam mal os pensa-
dores franceses, porque eles recebiam textos que eram portadores
de uma conjuntura política como “textos puros”, transformando o
agente político que era o princípio desses textos, em sujeito
transcendental. Dessa forma, lembra Bourdieu, muitos mal entendi-

39
dos na comunicação internacional refletem o fato de que os textos
não carregam o seu contexto com eles. Por outro lado, o sentido e a
função de uma obra estrangeira são determinados tanto pelo campo
da recepção quanto pelo campo de origem, uma vez que a passagem
de um campo nacional a outro se dá através de uma série de opera-
ções e mediações sociais:
a) uma operação de seleção : o que se traduz? O que se pu-
blica? Quem traduz? Quem publica? ;
b) uma operação de marcação, feita pela editora, o coordena-
dor da coleção, o prefaciador, etc, que orienta e direciona a
leitura da obra;
c) uma operação de leitura por um campo de produção dife-
rente.
Bourdieu enfim lembra a necessidade de se realizar uma
história social comparada das ciências sociais e das disciplinas, de
modo a liberar os modos de pensamento herdados da história,
assegurando os meios de obter um controle consciente das formas
escolares de classificação, as categorias impensadas de pensamento
e as problemáticas obrigatórias, capazes de orientar a circulação das
ideias e das obras tanto no nível nacional, quanto no internacional.
Em outro artigo, em co-autoria com LoïcWacquant (1998),
os autores discutem o “estado do mundo”, criticando o eufemis-
ticamente designado processo de globalização e remetendo-o para
a análise concreta das relações de poder em escala mundial, que
podem originar um “internacionalismo social e científico”, desde
que não replique o processo social que caracteriza a universalização
conceitual e analítica das agendas políticas e universitárias norte-
americanas: “O imperialismo cultural assenta no poder de universalizar os
particularismos ligados a uma tradição histórica singular, fazendo com que não

40
sejam reconhecidos como tais” (BOURDIEU, WACQUANT, 2015, p.
409).
Para refletir criticamente sobre a internacionalização, os
autores consideram que alguns pontos prioritários deveriam ser
considerados. Primeiro, a crescente naturalização dos argumentos
que tratam da “internacionalização” como fim último da produção
do conhecimento. Segundo, a reprodução e difusão global de
linguagens e saberes específicos, como acontece com os discursos
empresariais e organizacionais, os quais emanam de um determi-
nado meio científico e geopolítico e penetram nos discursos cientí-
ficos e organizacionais. Terceiro, a necessária reflexão para tornar
inteligíveis certas políticas públicas e para analisar a sua universaliza-
ção ou ocidentalização.
Diversas noções que se tornam conceitos, anotadas pelos
autores, são prova de um suposto internacionalismo que mascara
processos de “colonização simbólica” , de imperialismo cultural e
de “intrusões etnocêntricas”: multiculturalismo; globalização; raça;
underclass; minoria ou identidade. A universalização do particular,
processo que tanto interessou Bourdieu como conjunto de mecanis-
mos de produção e legitimação da dominação, revela-se aqui na sua
íntegra (CURTO, et al..2015).
A partir de vários exemplos sobre a migração de conceitos e a
des-historicização das ideias através das fronteiras nacionais, Bour-
dieu e Wacquantconcluem que somente uma verdadeira história da
gênese das ideias acerca do mundo social, associada a uma análise
dos mecanismos sociais de circulação internacional dessas ideias “é
que pode levar os cientistas, neste e em outros campos, a dominar melhor os in-
strumentos com os quais fundamentam os seus argumentos, sem que sobre eles,
antecipadamente, tenham de entrar em confronto”. Bourdieu e Wacquant

41
(2015, p. 433-434).
Diante de um mundo editorial dominado por grandes
conglomerados econômicos caberia aos pesquisadores-intelectuais
atuarem coletivamente, no plano internacional, a fim de buscarem
meios de qualificação de obras e autores, empregando novos meios
de informação e comunicação, inspirados, por exemplo, em Diderot
e a Encyclopédie, na época, um instrumento de luta para com-
bater o obscurantismo e a opressão (PIERRE BOURDIEU, 2004).
Mesmo reconhecendo as dificuldades estruturais e institucionais do
seu momento histórico para realizar um amplo movimento interna-
cional de pesquisadores e intelectuais, Bourdieu empregou as armas
de que dispunha a fim de promover uma renovação nos meios de
comunicação e divulgação científica, importantes de serem retoma-
dos e analisados para se refletir sobre a necessária complementa-
ção do perfil atual dos pesquisadores-intelectuais e a autonomia do
campo científico em relação ao Estado, ao mercado, à política.

5 INVENTAR NOVAS FORMAS DE INFORMAÇÃO E


COMUNICAÇÃO

No campo de estudos da informação existe uma tendên-


cia histórica em se refletir sobre a renovação dos processos de
produção, circulação e apropriação dos conhecimentos, a partir dos
seus suportes materiais, onde as técnicas de armazenamento,
organização e r ecuperação ocupam um destaque central. Este
constitui o núcleo epistemológico e legitimado das perguntas sobre
a informação e o conhecimento. Entretanto, enquanto um domínio
do campo das ciências sociais, os estudos informacionais carecem
de uma maior ampliação dos ângulos de abordagem a respeito dos
modos de produção dos conhecimentos e das informações, em

42
perspectiva histórica e política.
Nesse capítulo buscou-se recuperar um perfil de Pierre
Bourdieu como um pesquisador-intelectual, de forma a indicar
alguns caminhos para uma reflexão sobre diferentes formas de
comunicação científica e pública criadas e empregadas por ele para
fortalecer o campo epistemológico, político e social da sociologia e
das ciências sociais. À diversidade de mídias científicas e de divulga-
ção, correspondia uma intenção consciente e ética de produzir
conhecimentos científicos devidamente qualificados pelos seus
pares, condição para a sua circulação no debate público, dos quais
Bourdieu não se afastou em nenhum momento de sua trajetória
científica e intelectual.Lembrando a sua concepção do campo cientí-
fico (BOURDIEU, 2001, p.69) , este é um campo de forças e um
campo de lutas, como outros campos, onde as relações entre os
diferentes agentes concorrem para a sua permanência ou reconfigu-
ração. São relações de força específicas, simbólicas, uma vez que elas
se referem ao capital científico, uma espécie de capital simbólico que
age na e pela comunicação.
Um estudo das redes científicas e sociais nas quais o pesquisa-
dor-intelectual Pierre Bourdieu participou, ao longo do tempo,
talvez pudesse indicar os laços que ele criou com diferentes atores
acadêmicos e não-acadêmicos, os capitais sociais acumulados nes-
sas redes, os conhecimentos e reconhecimentos compartilhados
em publicações e ações públicas e políticas, a invenção de
novas formas de comunicação entre os pares científicos e destes
com a sociedade - uma genealogia histórica dos conhecimen-
tos produzidos coletivamente. Seria um procedimento analítico
semelhante àquele empregado por Bourdieu (1992) para estudar o
campo literário e suas relações com o campo do poder em busca de

43
autonomia, na França do século XIX, centrado na figura de Flaubert
e na rede que se formou entre escritores, artistas, editores, compila-
dores de obras, mecenas, imprensa, dentre outros atores do cenário
intelectual, artístico, científico e literário daquele tempo.

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59-68.

46
CONCEITOS (OU NOÇÕES) FUNDAMENTAIS
NO PENSAMENTO DE PIERRE BOURDIEU

ELAINE ROSANGELA DE OLIVEIRA LUCAS e


LUCAS MENDES

1 INTRODUÇÃO

Pierre Bourdieu é considerado um dos intelectuais mais in-


fluentes e profícuos do seu tempo. Desenvolveu artigos, ministrou
palestras e publicou dezenas de livros, entre eles “Les héritiers” [Os
herdeiros] que escreveu em coautoria com Jean-Claude Passeron em
1964, e que dá início as obras de maior repercussão na sua produção,
sendo também o marco inicial das discussões sobre ‘capital cultural’
e as estruturas de ensino. Em 1970 publica “La reproduction”
[A reprodução] onde apresenta a noção da ‘violência simbólica’
também em coautoria com Passeron. Durante a década de 70,
Bourdieu se concentrou em estudos sobre os processos de diferen-
ciação social que culminou na obra “La distinction” [A distinção]
publicada em 1979. Em 1980, apenas um ano depois, publicou “Le
sens pratique” [O senso prático] com intuito de situar sua “sociologia
genética” como dizem alguns autores, ou como preferia o próprio
Bourdieu - no caso de rótulos - um ‘estruturalismo construtivista’
ou ‘construtivismo estruturalista’. Em 1984 publica “Homo Aca-
demicus” que trata do sistema universitário Francês do ponto de
vista do poder simbólico que possui e da violência simbólica que
exerce. Vieram ainda “Le Pouvoir Simbolique” [O Poder simbólico]
em 1989 e “Raisons pratiques” [Razões práticas] em 1994. Em 2000
publica “Pascalian meditations” [Meditações Pascalianas], seguida
de sua ultima obra autoral “Esquisse pour une auto-analyse” [Es-

47
boço de auto-análise] publicada somente após sua morte, ocorrida
em janeiro de 2002. Além destes, vários outros livros foram publica-
dos, alguns reproduzem suas conferências e introduzem suas ideias
de forma peculiar, para não especialistas. No entanto, mesmo estas
obras necessitam de uma apresentação previa do mundo sob o olhar
de Bourdieu.
Para garantir a devida compreensão dos escritos bourdieusia-
nos, é fundamental conhecer os conceitos que o autor emprega e os
significados que lhes atribui. Ressalta-se que o esclarecimento de
vários termos utilizados é importante, pois muitos deles não pos-
suem uma definição habitual.
Considerado um dos maiores sociólogos da segunda metade
do século passado, suas ideias tiveram grande impacto. Sua teoria é
baseada na tentativa de superar a dualidade entre estrutura social e
objetivismo. Para tentar explicar isso, Bourdieu apresenta dois novos
conceitos, habitus e campo e reinventa um já estabelecido: capital.
Um dos pais fundadores da Sociologia, e que exerceu grande
influência sobre o pensamento de Bourdieu, foi Max Weber. Ele
elaborou o texto “Conceitos Sociológicos Fundamentais”, publi-
cado como introdução na obra `Economia e sociedade´, organizada
por Marianne Weber, a partir de textos inéditos, após sua morte. O
referido texto possui o intuito de elucidar termos recorrentes e de
maior relevância na produção intelectual de Weber. Infelizmente,
não podemos contar com uma obra desenvolvida de forma se-
melhante por Bourdieu. No entanto, com a pretensão de apresentar
alguns dos conceitos e noções bourdieusianos ‘fundamentais’ que
norteiam sua obra é que apresentamos este capítulo.
Não há intenção de apresentar a teoria social de Bourdieu, mas,
em poucas linhas, introduzir seu pensamento por meio de conceitos

48
e noções.
A obra francesa `Dictionnaire Bourdieu´ organizada por
Stéphane Chevallier e Christiane Chauviré, apresenta alguns termos
com respectivas citações nos escritos de Bourdieu. Em contato com
a versão castelhana da obra, traduzida por Estela Consigli em 2011,
se decidiu repetir esta estratégia, criando uma lista com quatorze
(14) termos a serem apresentados a partir de citações de obras de
Bourdieu em edições em Português.
Na apresentação da obra original, Chevallier e Chauviré afir-
mam que com o tempo, a assimilação das contribuições de Bourdieu
pode estar ameaçada por um resumo simplista ou pela má interpre-
tação de alguns conceitos de seus escritos. Portanto, não devemos
nos contentar com uma compreensão superficial dos principais
conceitos e noções que Bourdieu nos legou, devemos nos esforçar
para reviver sua atividade conceitual.
Mesmo que o texto apresentado aqui pretenda ser um marco
modesto neste esclarecimento conceitual, se trata de uma ambição,
dada a complexidade do pensamento bourdieusiano.
Favorecendo a explicação de intenções teóricas que levaram à
criaçao de conceitos (habitus, campo, etc.) ou renovação de conceitos
tradicionais (capital, dominação, etc.), o que os organizadores do
Dicionário desejavam era uma forma de acesso privilegiado à leitura
do pensamento do autor.
Para Bourdieu, os conceitos só podem ser levados a sério
quando participam de uma teoria aplicada, pois são inseparáveis da
atividade científica de experimentação e observação que podem efe-
tivamente avaliar seus efeitos de inteligibilidade.
Por fim, Chevallier e Chauviré reiteram que os efeitos de in-

49
teligibilidade produzidos pela densa rede de conceitos que Bourdieu
desenvolveu, não só representou efeitos de ruptura e de supera-
ção de problemas anteriores, mas ajudou a forjar uma filosofia que,
mesmo apresentada por ele como uma filosofia negativa, não pode
deixar de ter a sua própria identidade conceitual.

2 OS CONCEITOS (OU NOÇÕES) FUNDAMENTAIS

Os títulos das ediçoes em Português das obras de Bourdieu


que foram utilizadas para descrever os termos, por meio de citaçoes
diretas, foram Mediações Pascalianas (MP); Questões de Sociolo-
gia (QS); Dominação Masculina (DM); Razões Práticas (RP); Coi-
sas Ditas (CD); A economia das trocas simbólicas (LPS); O senso
prático (SP); A miséria do mundo (MM); e Lições de aula (LL).
Como termos escolhidos, a partir do mapeamento feito an-
teriormente por meio do `Dictionnaire Bourdieu´ de Chevallier e
Chauviré, têm-se Agente; Capital; Campo; Disposição; Distinção;
Dominação; Economia das práticas; Estratégia; Habitus; Illusio;
Poder simbólico; Relação; Sentido prático; Violência simbólica.
Cada um dos termos pode ter uma ou mais citaçoes diretas,
conforme as citaçoes encontradas nas obras. Em seguida, indicamos
em quais obras os termos foram recuperados.
Agente: MP; Capital: MP; Campo: MP, QS; Disposição: DM,
MP; Distinção: RP, CD, QS, MP; Dominação: MP, DM, QS, LPS;
Economia das práticas: SP, RP, MP, MM; Estratégia: CD, SP, MP;
Habitus: SP, R; Illusio: RP, CD, R, D, MP, LL; Poder simbólico: MP,
DM, QS, SP, CD; Relação: RP, SP, R; Sentido prático: MP, SP, CD;
Violência simbólica: MP, DM, RP.

50
{AGENTE}
“A questão do sujeito se acha suscitada pela própria existência
de ciências cujo objeto e o que se costuma cham ar de ‘sujeito’:
esse objeto para quem existem objetos[...].” (BOURDIEU,
2007, p. 157, MP).

“[...] Isso significa afirmar que o agente nunca é por inteiro o


sujeito de suas práticas: por meio das disposições e da crença
que estão na raiz de envolvimento no jogo, quaisquer pres-
supostos constitutivos da axiomática prática do campo (a doxa
epistêmica, por exemplo) se introduzem até nas intenções apa-
rentemente mais lúcidas.“ (BOURDIEU, 2007, p. 169, MP).

“O ‘eu’ que compreende praticamente o espaço físico e o espa-


ço social (sujeito do verbo compreender, não sendo necessaria-
mente um ‘sujeito’ no sentido das filosofias da consciência, mas
sim um habitus, um sistema de disposições) encontra-se abar-
cado, em sentido completamente distinto, ou seja, englobado,
inscrito, implicado nesse espaço: ele ocupa ai uma posição, da
qual se sabe (pela analise estatistica das correlações empiricas)
estar regularmente associada a tomadas de posição (opiniões,
representações, juízos etc.) sobre o mundo físico e o mundo
social.” (BOURDIEU, 2007, p. 159-160, MP).

{CAPITAL}1
“Todo tipo de capital (econômico, cultural, social) tende (em
graus diferentes) a funcionar como capital simbólico (de modo
que talvez valesse mais a pena falar, a rigor, em efeitos simbóli-
cos do capital) quando alcança um reconhecimento explícito
ou prático, o de um habitus estruturado segundo as mesmas
estruturas do espaço em que foi engendrado.” (BOURDIEU,
2007, p. 295-296, MP).

“Sob suas diferentes espécies, o capital é um conjunto de


direitos de preempção sobre o futuro; garante a alguns o
monopólio de certos possíveis que, no entanto, encontram-se
oficialmente garantidos a todos (como o direito a educação).”
(BOURDIEU, 2007, p. 275, MP).
1
“No caso da ciência, o capital se refere à autoridade científica, a luta que se trava
entre os agentes é uma disputa em torno da legitimidade da ciência. Os pesquisadores
que desfrutam de posições hierarquicamente reconhecidas como dominantes dispõem
de maior capital científico, possuem individualmente maior celebridade e prestígio, mas
socialmente detêm ainda o poder de impor, para os outros componentes do campo [...].”
(ORTIZ, 1983, p.21).

51
“O capital simbólico assegura formas de dominação, que en-
volvem a dependência perante os que ele permite dominar:
com efeito, ele existe apenas na e pela estima, pelo reconheci-
mento, pela crença, pelo crédito, pela confiança dos outros, lo-
grando perpetuar-se apenas na medida em que consegue obter
a crença em sua existência” (BOURDIEU, 2007, p. 202, MP).

{CAMPO}
“O processo de diferenciação do mundo social condicente à
existência de campos autônomos concerne, ao mesmo tempo,
ao ser e ao conhecer: ao se diferenciar, o mundo social produz
a diferenciação dos modos de conhecimento do mundo: a cada
um dos campos corresponde um ponto de vista fundamental
sobre o mundo que cria seu próprio objeto e encontra nele
mesmo o principio de compreensão e explicação conveniente
a esse objeto.” (BOURDIEU, 2007, p. 120, MP).

“A lógica especifica de um campo se institui em estado incor-


porado sob a forma de um habitus especifico, ou melhor, de um
sentido do jogo, ordinariamente designado como um ‘espirito’
ou um ‘sentido’ (‘filosófico’, ‘literário’, ‘artístico’ etc.), que
praticamente jamais e posto ou imposto de maneira explicita.”
(BOURDIEU, 2007, p. 21, MP).

“Cada campo se caracteriza, na verdade, pela busca de uma


finalidade especifica capaz de favorecer investimentos igual-
mente absolutos por parte de todos os que (e somente esses)
possuem as disposições requeridas (por exemplo, a libido
sciendi).” (BOURDIEU, 2007, p. 21, MP).

“As estruturas de pensamento do filósofo, do escritor, do ar-


tista ou do erudito, bem como os limites do que se Ihes impõe
como pensável ou impensável, são sempre dependentes, em
certa medida, das estruturas de seu campo, portanto da história
das posições constitutivas desse campo e das disposições nele
favorecidas.” (BOURDIEU, 2007, p. 120, MP).

“[...] a estrutura da distribuição (desigual) das diferentes espé-


cies de capital que, ao engendrar a raridade de certas posições
e os ganhos correspondentes, favorece as estratégias visando
destruir ou reduzir tal raridade, pela apropriação das posições
raras, ou a conservá-Ia pela defesa dessas posições.”
(BOURDIEU, 2007, p. 223-224, MP).

52
“Cada campo e a institucionalização de um ponto de vista nas
coisas e nos habitus. O habitus específico imposto aos novos
postulantes como um direito de entrada, não é outra coisa se
não um modo de pensamento especifico (um eidos), princípio
de uma construção especifica da realidade, fundado numa
crença pré-reflexiva no valor indiscutível dos instrumentos
de construção e dos objetos assim construídos (um ethos).”
(BOURDIEU, 2007, p. 121, MP).

“Esquece-se que a luta pressupõe um acordo entre antago-


nistas sobre aquilo que merece que se lute e que está recalcado
no que é óbvio, deixado no estado de doxa, quer dizer tudo o
que faz o próprio campo, o jogo, as paradas em jogo, todos os
pressupostos que tacitamente se aceitam sem se saber sequer,
pelo facto de se jogar, de se entrar no jogo.” (BOURDIEU,
2003, p. 121, QS).

{DISPOSIÇÃO}
“O habitus como sistema de disposições de ser e de fazer
constitui uma potencialidade, um desejo de ser que, de certo
modo, busca criar as condições de sua realização, por-
tanto a impor as condições mais favoráveis ao que ele é.”
(BOURDIEU, 2007, p. 182, MP).

“[...] a existência de uma disposição (como lex insita) permite


prever que um conjunto determinado de agentes se compor-
tara de uma determinada maneira, em quaisquer circunstan-
cias concebíveis de uma espécie determinada.” (BOURDIEU,
2007, p. 182, MP).

“Ademais, mesmo que as disposições possam se depauperar


ou se enfraquecer por uma espécie de “usura” ligada à ausên-
cia de atualização (correlata, sobretudo, de uma mudança de
posição e de condição social) ou pelo efeito de uma tomada de
consciência associada a um trabalho de transformação (como
a correção dos sotaques, das maneiras etc.), existe uma inercia
(ou uma hysteresis) dos habitus cuja tendência espontânea
(inscrita na biologia) consiste em perpetuar estruturas cor-
respondentes as suas condições de produção.” (BOURDIEU,
2007, p. 98, MP).

“O que não deve levar a dizer (como Sartre, por exemplo) que
o agente escolhe (de ‘má fé’) o que o determina, porque, caso

53
se possa dizer que ele se determina, na medida em que ele
constrói a situação que o determina, confirma-se que ele não
escolheu o princípio de sua escolha, isto e, seu habitus, e que
os esquemas de construção aplicados por ele no mundo foram
eles mesmos construídos pelo mundo.” (BOURDIEU, 2007,
p. 182, MP).

“As disposições não conduzem de modo determinado a uma


ação determinada: elas só -se revelam e se realizam em
circunstâncias apropriadas e na relação com uma situação.”
(BOURDIEU, 2007, p. 182, MP).

“Cada uma delas pode se manifestar em práticas diferentes, até


opostas, segundo a situação [...]” (BOURDIEU, 2007, p. 182, MP).

{DISTINÇÃO}
“Abro aqui um parêntese para dissipar um mal-entendido,
freqüente e funesto, a propósito do titulo, La distinction, que
levou a crer que todo o conteúdo do livro se reduzia a dizer
que o motor de todas as condutas humanas seria a busca da
distinção. O que não faz sentido e, além disso, não seria nenhu-
ma novidade se pensarmos, por exemplo, em Veblen e em seu
consumo conspícuo (conspicuous consumption). De fato, a idéia
central éque existir em um espaço, ser um ponto, um individuo
em um espaço, e diferir, ser diferente; ou, de acordo com a
fórmula de Benveniste ao falar da linguagem, ‘ser distintivo,
ser significativo, é a mesma coisa’.” (BOURDIEU, 2008, p. 22-
23, RP).

“[...] os dominantes só aparecem como distintos porque, tendo


de alguma forma nascido numa posição positivamente distinta,
seu habitus, natureza socialmente constituída, ajusta-se de ime-
diato às exigências imanentes do jogo, e que eles podem assim
afirmar sua diferença sem necessidade de querer fazê-lo, ou
seja, coma naturalidade que é a marca da chamada distinção
“natural”: basta-lhes ser o que são para ser o que é preciso ser,
isto é, naturalmente distintos daqueles que não podem fazer a
economia da busca de distinção.” (BOURDIEU, 2004, p. 23-
24, CD).

“[...] aquelas mesmas relações que constituem um espaço de


posições exteriores umas às outras, definidas umas em relação
às outras, não só pela proximidade, pela vizinhança ou pela

54
distância, mas também pela posição relativa - acima ou abaixo
ou ainda entre, no meio.” (BOURDIEU, 2004, p.152, CD).

“[...] uma diferença, uma propriedade distintiva, cor da pele


branca ou negra, magreza ou gordura, Volvo ou 2CV, vinho
tinto ou champanhe, Pernod ou uísque, golfe ou futebol, piano
ou acordeão, bridge ou bocha (procedo por oposições porque
e assim que se faz, na maioria das vezes - mas as coisas são
mais complicadas), só se torna uma diferença visível, percep-
tível, não indiferente, socialmente pertinente, se ela é percebida
por alguém capaz de estabelecer a diferença - já que, por estar
inscrito no espaço em questão, esse alguém não é indiferente
e é dotado de categorias de percepção, de esquemas classifi-
catórios, de um gosto, que lhe permite estabelecer diferenças,
discernir, distinguir [...]”. (BOURDIEU, 2008, p. 23, RP).

“[...] põem em pratica princípios de diferenciação diferentes


ou utilizam diferenciadamente os princípios de diferenciação
comuns. [...] Eles estabelecem as diferenças entre o que é bom
e mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é
vulgar etc., mas elas não são as mesmas. Assim, por exemplo,
o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode parecer dis-
tinto para um, pretensioso ou ostentatório para outro e vulgar
para um terceiro.” (BOURDIEU, 2008, p. 22, RP).

{DOMINAÇÃO}
“[...] e preciso romper com o intelectualismo da tradição kan-
tiana e perceber que as estruturas cognitivas não são formas da con-
sciência, mas disposições do corpo [...]” (BOURDIEU, 2007, p. 214,
MP).
“Assim, a experiência do tempo se engendra na relação entre
o habitus e o mundo social, entre disposições de ser e de fazer
e as regularidades de um cosmos natural ou social (ou de um
campo). Mais precisamente ela se instaura na relação entre ex-
pectativas ou as esperanças práticas constitutivas de uma illusio
como investimento num jogo social, e as tendências imanentes
a esse jogo, as probabilidades de preenchimento que oferecem
a tais expectativas [...]” (BOURDIEU, 2007, p. 255, MP).

“O habitus e esse ‘poder ser’ que tende a produzir práticas


objetivamente ajustadas as possibilidades, sobretudo ao orien-
tar a percepção e a apreciação das possibilidades inscritas na

55
situação presente.” (BOURDIEU, 2007, p. 265-266, MP).

“A ‘causalidade do provável’: tendente a favorecer o ajusta-


mento das esperanças às oportunidades, constitui decerto um
dos fatores mais poderosos de conservação da ordem social.
De um lado, ela garante a submissão incondicional dos domi-
nados a ordem estabelecida mediante a relação dóxica com o
mundo, adesão imediata que coloca as condições de existência
mais intoleráveis (do ponto de vista de um habitus constituído
em outras condições) a salvo do questionamento e da contesta-
ção.” (BOURDIEU, 2007, p. 283, MP).

“[...] pode deixar certa margem de liberdade a uma ação políti-


ca desejosa de reabrir o espaço dos possíveis.” (BOURDIEU, 2007,
p. 286, MP).
“A partir do momento e que há um espaço social, há luta, há
luta de dominação, há um polo dominante, há um polo domi-
nado, e a partir desse momento há verdades antagónicas. Faça-
se o que se fizer, a verdade é antagónica. Se há uma verdade, é
que a verdade é uma parada em jogo de luta.” (BOURDIEU,
2003, p. 98, QS)

{ECONOMIA DAS PRÁTICAS}


“[...] há uma economia das práticas, ou seja, uma razão ima-
nente às práticas que não encontra sua ‘origem’ nem nas ‘de-
cisões’ da razão como calculo consciente nem nas determi-
nações de mecanismos exteriores e superiores aos agentes.”
(BOURDIEU, 2009, p.84, SP).

“Sendo constitutiva da estrutura da prática racional, isto é, a


mais bem feita para alcançar um custo mínimo os objetivos
inscritos na lógica de um determinado campo, essa economia
pode se definir em relação a todas as espécies de funções, entre
elas a maximização do benefício do dinheiro, única reconhe-
cida pelo economismo.” (BOURDIEU, 2009, p.84, SP).

“Tendo-se aplicado, por meio de uma nova ruptura, o modo


de pensamento estruturalista (inteiramente estranho a Max
Weber) tanto às obras e às relações entre elas (como o estru-
turalismo simbólico), como às relações entre os produtores de
bens simbólicos, pode-se, então, construir enquanto tal, não
somente a estrutura das produções simbólicas, ou melhor, o

56
espaço das tomadas de posição simbólica num determinado domínio
da prática (por exemplo, as mensagens religiosas), mas tam-
bém a estrutura do sistema dos agentes que as produzem
(por exemplo, os sacerdotes, os profetas, e os feiticeiros), ou
melhor, o espaço de posições que eles ocupam (o que denomino
campo religioso, por exemplo) na concorrência que opõe
uns aos outros: alcança-se assim o meio de compreender essas
produções simbólicas, ao mesmo tempo em sua função, sua
estrutura e sua gênese, com base na hipótese, empiricamente
validada, da homologia entre os dois espaços).” (BOURDIEU,
2007, p. 216, MP).

“A teoria das práticas propriamente econômicas é um caso par-


ticular de uma teoria geral da economia das práticas.” (BOURDIEU,
2009, p.203, SP).

{ESTRATÉGIA}
“Ela é produto do senso prático como sentido do jogo, de um
jogo social particular [...].” (BOURDIEU, 2004, p. 81, CD).

“O bom jogador, que é de algum modo o jogo feito homem,


faz a todo instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda
e exige. Isso supõe uma invenção permanente, indispensável
para se adaptar às situações indefinidamente variadas, nunca
perfeitamente idênticas.” (BOURDIEU, 2004, p. 81, CD).

“O sentido do jogo e esse sentido do futuro do jogo, do que


resta a fazer (‘era a única coisa a fazer’ ou ‘ele fez o que era
preciso’), para que ocorra o porvir que se anuncia ai por um
habitus predisposto a antecipa-Io, esse sentido da história do
jogo, que só se adquire por meio da experiência do jogo
- fazendo com que a iminência e a preeminência do porvir
tenham como condição uma disposição que e o produto do
passado.” (BOURDIEU, 2007, p. 259, MP).

“Na verdade, as estratégias não são respostas abstratas a uma


situação abstrata, tal como um estado do mercado de trabalho
ou uma taxa media de lucro; elas se definem em relação a
solicitações, inscritas no pr6prio mundo, sob a forma de indí-
cios positivos ou negativos que não se endereçam a qualquer
um, mas que só se revelam “eloquentes” (em oposição a tudo
o que “não lhes diz nada”) para agentes dotados de um certo

57
capital e de um certo habitus.” (BOURDIEU, 2007, p. 269, MP).

“As coisas a fazer, os negócios (pragmata) que constituem o


equivalente do conhecimento pratico se definem na relação en-
tre a estrutura das esperanças ou das expectativas constitutivas
de um habitus e a estrutura das probabilidades, constitutiva de
um espaço social. Isto significa que as probabilidades objetivas
só se tornam determinantes para um agente dotado do sen-
tido do jogo como capacidade de antecipar o futuro do jogo.”
(BOURDIEU, 2007, p. 259, MP).

“Assim, o poder (isto é, o capital, a energia social) comanda


as potencialidades objetivamente oferecidas a cada jogador,
suas possibilidades e impossibilidades, seus graus de ser em
potencia, de potência para ser e, ao mesmo tempo, seu desejo
de potência que, profundamente realista, está grosseiramente
ajustado às suas ‘potencias’.” (BOURDIEU, 2007, p. 265, MP).

“A ‘causalidade do provável’: tendente a favorecer o ajusta-


mento das esperanças as oportunidades, constitui decerto um
dos fatores mais poderosos de conservação da ordem social.
De um lado, ela garante a submissão incondicional dos domi-
nados a ordem estabelecida mediante a relação dóxica com o
mundo, adesão imediata que coloca as condições de existência
mais intoleráveis (do ponto de vista de um habitus constituído
em outras condições) a salvo do questionamento e da contesta-
ção.” (BOURDIEU, 2007, p. 283, MP).

“A noção de estratégia é o instrumento de uma ruptura com


o ponto de vista objetivista e com a ação sem agente [...].” (BOUR-
DIEU, 2004, p. 81, CD).

“Em termos mais precisos, ela predispõe a uma concepção


ingenuamente finalista da prática (a que sustenta o emprego
corrente de noções como interesse, cálculo racional, etc,).”
(BOURDIEU, 2004, p. 129-130, CD).

“Na verdade, todo o meu esforço visa, ao contrário - com a


noção de habitus, por exemplo -, explicar o fato de as condu-
tas (econômicas e outras) adquirirem a forma de seqüências
objetivamente orientadas em referência a um fim, sem serem
necessariamente produto nem de uma estratégia consciente,

58
nem de uma determinação mecânica.” (BOURDIEU, 2004, p.
130, CD).

{HABITUS}
“Os condicionamentos associados a uma classe particular de
condições de existência produzem habitus, sistemas de dis-
posições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas pre-
dispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja,
como princípios geradores e organizadores de práticas e de
representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu
objetivo sem supor a intenção consciente de fins e o domínio
expresso das operações necessárias para alcança-los, objetiva-
mente ‘reguladas’ e ‘regulares’ sem em nada ser o produto da
obediência a algumas regras e, sendo tudo isso, coletivamente
orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um
maestro.” (BOURDIEU, 2009, p. 87, SP).

{ILLUSIO}
“A illusio é estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar que o
jogo vale a pena ou, para dizê-Io de maneira mais simples, que vale
a pena jogar.” (BOURDIEU, 2008, p. 139, RP).

“A fé religiosa no sentido corrente não tem nada a ver com o


interesse propriamente religioso no sentido em que o entendo,
isto é, o fato de se ter alguma coisa a fazer com a religião, com
a Igreja, com os bispos, com o que se diz deles, com o fato de
se tomar partido a favor de tal teólogo contra o tribunal, etc.”
(BOURDIEU, 2004, P.109, CD).

“[...] é um interesse por objetos cuja existência e persistência


comandam direta ou indiretamente minha existência e minha
persistência social, minha identidade e minha posição sociais.”
(BOURDIEU, 2004, p. 109, CD).

“A illusio como pronta adesão à necessidade de um campo


tem chances tanto maiores de aflorar a consciência quando
ela é posta de algum modo a salvo da discussão: a título de
crença fundamental no valor dos móveis da discussão e nos
pressupostos inscritos no próprio fato de discutir, ela constitui
a condição indiscutida da discussão.” (BOURDIEU, 2007, p.
123-124, MP).

“Em lugar de se inserir na ordem dos princípios explícitos,

59
das teses formuladas e defendidas, a illusio faz parte da ação,
da rotina, das coisas que se faz e que se faz porque se fazem e
na verdade sempre se fez assim.” (BOURDIEU, 2007, p. 124,
MP).

“A illusio constitui essa maneira de estar no mundo, de estar


ocupado pelo mundo fazendo com que o agente possa ser
afetado por uma coisa bem distante, ou ate ausente, embora
participando do jogo no qual ele esta empenhado.” (BOUR-
DIEU, 2007, p. 165, MP).

“Libido seria também inteiramente pertinente para expressar


o que chamei de illusio ou investimento.” (BOURDIEU, 2008, p.
141, RP).

{PODER SIMBÓLICO}
“[...] o problema está no fato de que, no essencial, a ordem es-
tabelecida não constitui problema [...]” (BOURDIEU, 2007, p. 217,
MP).
“Mesmo quando repousa sobre a força nua e crua, a das armas
ou a do dinheiro, a dominação possui sempre uma dimensão sim-
bólica.” (BOURDIEU, 2007, p. 209, MP).
“É legitima uma instituição, ou uma acção, ou um uso que é
dominante e desconhecido como tal, quer dizer tacitamente recon-
hecido.” (BOURDIEU, 2003, p. 116, QS).
“Essa ação transformadora e tanto mais poderosa quando se
exerce, no essencial, de maneira invisível e insidiosa, por inter-
médio da familiarização com um mundo físico simbolicamente
estruturado e por meio da experiência precoce e prolongada de
interações animadas pelas estruturas de dominação.” (BOUR-
DIEU, 2001, p. 205, MP).

“Dito de outro modo, no principio da ação generosa, do dom

60
inaugural (aparente) de uma série de trocas, em vez da inten-
ção consciente (calculadora ou não) de um individuo isolado,
existe essa dispositivo do habitus que vem a ser a generosidade
e que tende, sem intenção explicita e expressa, a conservação
ou ao aumento do capital simbólico: como o sentido da honra
(que pode constituir o ponto de partida de uma sucessão de
assassinatos obedecendo à mesma lógica que a troca de dons),
essa disposição e adquirida quer pela educação expressa (como
no caso evocado por Norbert Elias, do jovem nobre que vê
seu pai atirar pela janela a bolsa de moedas que ele acabara de
devolver, intacta), quer pelo transite precoce e prolongado em
universos em que ela constitui a lei indiscutida das praticas.
Para aquele dotado de disposições ajustadas a lógica da econo-
mia de bens simbólicos, a conduta generosa não é o produto
de uma escolha da liberdade e da virtude, sequer de uma de-
cisão livre implementada ao cabo de uma deliberação o que dá
lugar a possibilidade de atuar de outra forma: ela se apresenta
como ‘a única coisa a fazer’.” (BOURDIEU, 2007, p. 236, MP).

“[...] as disposições do conhecimento e reconhecimento da


fronteira mágica entre dominantes e dominados, atos des-
encadeados pela magia do poder simbólico, atuantes, nesse
caso, como um gatilho.” (BOURDIEU, 2007, p. 205, MP).

“[...] preexistem em estado potencial, ‘em pontilhado’, na reali-


dade, como um dos princípios de divisão possíveis (que não é
necessariamente o mais evidente para a percepção comum), as
divisões que a teoria, enquanto princípio de visão e de divisão,
alça à existência visível.” (BOURDIEU, 2004, p.31, CD).

{RELAÇÃO}
“[...] cada prática (por exemplo, a prática do golfe) ou con-
sumo (por exemplo, a cozinha chinesa) em si mesmas e por
si mesmas, independentemente do universo das práticas in-
tercambiáveis e concebe a correspondência entre as posições
sociais (ou as classes vistas como conjuntos substanciais) e os
gostos ou as praticas como uma relação mecânica e direta [...].”
(BOURDIEU, 2008, p.16, RP)

.
Contrário de relação: “[...] é preciso cuidar-se para não trans-
formar em propriedades necessárias e intrínsecas de um grupo
qualquer (a nobreza, os samurais ou os operários e funcionári-
os) as propriedades que lhes cabem em um momento dado,
a partir de sua posição em um espaço social determinado e

61
em uma dada situação de oferta de bens e práticas possíveis.”
(BOURDIEU, 2008, p. 17-18, RP).

“Essa fórmula, que pode parecer abstrata e obscura, enuncia


a primeira condição de uma leitura adequada da analise da
relação entre as posições sociais (conceito relacional), as dis-
posições (ou os habitus) e as tomadas de posição, as “escolhas”
que os agentes sociais fazem nos domínios mais diferentes da
prática, na cozinha ou no esporte, na música ou na política
etc. Ela lembra que a comparação só é possível entre sistemas
e que a pesquisa de equivalentes diretos entre traços isolados,
sejam eles diferentes a primeira vista, mas “funcional” ou tec-
nicamente equivalentes (como o Pernod e o shochu ou o saquê)
ou nominalmente idênticos (a pratica do golfe na França e no
Japão, por exemplo), arrisca-se a uma identificação indevida de
propriedades estruturalmente diferentes ou a distinção equivo-
cada de propriedades estruturalmente idênticas.” (BOURI-
DEU, 2008, p. 18, RP).

{SENTIDO PRÁTICO}
“O senso prático é o que permite agir de maneira adequada (ôs
dei, dizia Aristóteles) sem interpor ou executar um ‘é preciso’;
uma regra de conduta. Maneiras de ser resultantes de uma
modificação durável do corpo operada pela educação, as dis-
posições atualizadas pelo corpo permanecem desapercebidas
enquanto não se convertem em ato, e mesmo então, por conta
da evidencia de sua necessidade e de sua adaptação imediata à
situação.” (BOURDIEU, 2007, p. 169-170, MP).

“Cada agente possui um conhecimento prático, corporal, de


sua posição no espaço social [...]” (BOURDIEU, 2007, p. 169-170,
MP).
“Nada é simultaneamente mais livre e mais coagido do que a
ação do bom jogador. Ele fica naturalmente no lugar em que a
bola vai cair, como se a bola o comandasse, mas, desse modo,
ele comanda a bola.” (BOURDIEU, 2004, p.82, CD).

“os agentes jamais sabem completamente o que eles fazem que


o que fazem tem mais sentido do que imaginam.” (BOURDIEU,

62
2009, p.113, SP)

{VIOLÊNCIA SIMBÓLICA}
“A violência simbólica á essa coerção que se institui por inter-
médio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder
ao dominante (portanto, a dominação), quando dispõe apenas,
para pensá-lo e para pensar a si mesmo, ou melhor, para pensar
sua relação com ele, de instrumentos de Conhecimento par-
tilhados entre si e que fazem surgir essa relação como natural,
pelo fato de serem, na verdade, a forma incorporada da estru-
tura da relação de dominação; ou então, em outros termos,
quando os esquemas por ele empregados no intuito de se per-
ceber e de se apreciar, ou para perceber e apreciar os domi-
nantes (elevado/baixo, masculino/feminino, branco/negro
etc.), constituem o produto da incorporação das classificações
assim naturalizadas.” (BOURDIEU, 2007, p. 206-207, MP).

“Como a teoria da magia, a teoria da violência simbólica


apoia-se em uma teoria da crença ou, melhor, em uma teoria
da produção da crença, do trabalho de socialização necessário
para produzir agentes dotados de esquemas de percepção e de
avaliação que lhes farão perceber as injunções inscritas em uma
situação, ou em um discurso, e obedecê-las.” (BOURDIEU,
2008, p.171, RP).

“Dado que ela é resultado de um processo que a institui, ao


mesmo tempo, nas estruturas sociais e nas estruturas mentais
adaptadas a essas estruturas, a instituição instituída faz com
que se esqueça que resulta de uma longa série de atos de
instituição e apresenta-se com toda a aparência do natural.”
(BOURDIEU, 2008, p.98, RP).

“[...] uma denegação (no sentido verdadeiro de Verneinung)


da força, uma afirmação da força que não deixa de ser uma
negação da força, o mesmo que define uma força de polícia
policiada, capaz de se esquecer e de se fazer esquecer enquanto
força, logo convertida em força legitima, desconhecida e re-
conhecida, em violência simbólica.” (BOURDIEU, 2007, p.
116, MP).

63
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurou-se realizar uma análise, e não uma interpretação, dos


conceitos e noções fundamentais que Bourdieu seguiu nas suas in-
vestigações. Isto foi possível porque o que ele constrói e aperfeiçoa
ao longo da vida não é propriamente um método original, mas um
sistema de hábitos intelectuais que rejeita algumas idéias enquanto
absorve outras das escolas de pensamento sociológico e filosófico.
Esse capítulo pode ser de grande valia, sobretudo aos inter-
essados no pensamento de Bourdieu de língua Portuguesa, em
primeiro lugar porque a obra francesa ‘Dictionnaire Bourdieu’ de
Chevallier e Chauviré não foi traduzido para o Portugues e por
outro lado, porque a leitura e o entendimento dos conceitos da teor-
ia Bourdieusiana pelos conceitos e noções do próprio Bourdieu nos
afasta de imprudências que podem ser cometidas por interpretações
equivocadas.
Esse texto não pode ser considerado uma receita pronta para
utilização, que permite esquivar-se da leitura aos textos originais de
Bourdieu, deve ser lido como um esforço para aproximar-se ainda
mais da possibilidade da leitura atenta a estes originais, possibili-
tando o entendimento, protegido de equivocos, das contribuições
bourdiesianas.
Por fim, este texto é tambem uma homenagem a Bourdieu e
um incentivo para a continuidade dos estudos sobre seu pensa-
mento.

64
REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. 2. ed. Rio de Ja-


neiro: Bertrand Brasil, 2002. 160 p.

________. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. 234 p.

________. Mediações Pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Bra-


sil, 2001. 324 p.

________. O Senso Prático. Petrópolis: Vozes, 2009. 471 p.


(Coleção Sociologia). Tradução de Maria Ferreria.

________. Questões de Sociologia. Lisboa: Fim de Século, 2003.


289 p.

________. Razões Práticas: Sobre a teoria da ação. 9. ed. Campi-


nas: Papirus, 2008. 224 p.

CHEVALLIER, Stéphane; CHAUVIRÉ, Christiane. Diccionario


Bourdieu. Buenos Aires: Nueva Visión, 2011. 192 p. Traducción
de Estela Consigli.

65
66
BOURDIEU E A NOÇÃO DE CAMPO:
A intencionalidade cognitiva informacional
versus capital simbólico

WILLIAN LIMA MELO e


ANNA ELIZABETH GALVÃO COUTINHO CORREIA

1 INTRODUÇÃO

Uma das grandes contribuições de Bourdieu, ao proporcionar


a adoção do método de análise de campo, poderia ser, respeitando
particularidades, a capacidade de perceber princípios sociais presen-
tes no campo científico e formular questões sobre a especificidade
destes princípios.
Com perspectivas incluídas na esfera de estudos sobre a socio-
logia do conhecimento, Bourdieu é reconhecido pelo senso crítico
de suas obras, possuindo uma “[...] tendência de ir contra a maré,
contra a corrente” (BOURDIEU, 2002, p.17). O autor desenvolve
a noção de campo científico, essa, derivada de construções teóricas
anteriores (campo social e espaço social) (BOURDIEU, 2012).
Os estudos sobre campo científico, de Bourdieu tratam da
estrutura cultural da Ciência, ou seja, são estudos que examinam
os costumes que circundam a institucionalização da Ciência.
Em resumo, Burke (2003, p.16) indica que os trabalhos de Bourdieu
conseguem trazer de volta discussões “[...] para o mapa da sociolo-
gia numa série de estudos sobre ‘prática social’, ‘capital cultural’ e
poder de instituições como as universidades para definir o que conta
e o que não conta como conhecimento legítimo”.

67
Este trabalho traz discussões sobre o pensamento de Bourdieu
(1893; 1996; 2004; 2008) demonstrando a transdisciplinaridade e
contribuições teóricas do referido autor que ajudam a compreender
fenômenos voltados ao universo dos estudos da Ciência da Infor-
mação.
O principal objetivo aqui é debater sobre elementos presen-
tes na microssociologia dos agentes e instituições responsáveis pela
institucionalização da Ciência. Para isso, serão apresentados no
desenvolvimento deste trabalho: i) a noção de campo, apresentando
os elementos componentes no processo social de construção da
Ciência; ii) a questão da intencionalidade cognitiva informacional
versus capital científico, demonstrando o potencial risco de inter-
ferência na dinâmica do ciclo que a informação é construída e venha
a circular; e, iii) a questão da autonomia da Ciência no processo de
institucionalização, discutindo os potenciais riscos de interferência/
influências de outros campos diretamente no campo científico.
Resgatando-se a presença de perspectivas teóricas de autores da
área de Ciência da Informação, Filosofia, Ciência Política e Sociolo-
gia da Ciência, a influência do pensamento de Bourdieu é notória e a
mesma é caracterizada como principal norte teórico neste trabalho.

2 A NOÇÃO DE CAMPO

Bourdieu (2004) demonstra a incrível capacidade de construir


uma análise particular para universos diferentes responsáveis por
produzir, reproduzir e difundir as produções culturais. Existem
variações em produções culturais (arte, literatura, ciência, princípios
de regras categóricas, etc.), existem variações nos universos respon-

68
sáveis por germinar tais produções. Bourdieu (2004, p.20, grifo do
autor) utiliza a terminologia “campo” para designar o seguinte
sentido:
Digo que para compreender uma produção cultural (literatu-
ra, ciência etc.) não basta referir-se ao contexto textual dessa
produção, tampouco referir-se ao contexto social contentando-
se em estabelecer uma relação direta entre o texto e o contexto.
O que chamo de ‘erro de curto-circuito’ [...]. Minha hipótese
consiste em supor que, entre esses dois pólos, muito distancia-
dos, entre os quais se supõe, um pouco imprudentemente, que
a ligação possa se fazer, existe um universo intermediário que
chamo o campo literário, artístico, jurídico ou científico.

A análise de campo retira a generalidade dos exames, pois a mes-


ma não é conivente com a apreciação igualitária sobre as condições
de produção, reprodução e difusão das variadas produções culturais.
Cada campo, com seus agentes e instituições, com sua lógica de
funcionamento e de relacionamento com outros campos.
Não se distanciando dessa construção, encontra-se a Ciência.
Sendo uma construção social, um produto cultural particular, está
inserida num processo de circulação em que estão presentes agentes
e instituições (BOURDIEU, 2004). Uma melhor visualização desse
organismo pode ser imaginada ao pensar uma dinâmica corrente
entre agentes (pesquisadores, cientistas, professores, etc.) e as insti-
tuições (universidades, instituições de fomento, laboratórios) em um
espaço único. A leitura de “espaço único” não adota à noção exclu-
siva de extensão dimensional, mas sim um espaço de correlações e
influências físicas e sociais, com exigências, expectativas e impactos.
Ou seja, a produção cultural (Ciência, por exemplo) não é compar-
tilhada num meio social como um simples resultado cognitivo do
indivíduo ou de um grupo, ela é também é resultado de um contexto
social exigente e específico.
Algumas notas introdutórias mostram-se válidas, como, por

69
exemplo, as que dizem respeito às intencionalidades e interações
presentes no campo científico, responsáveis por lhe conferir identi-
dade própria. O campo científico possui uma perspectiva de inter-
dependência (cognitiva e social), em que se faz necessário ressaltar
itens como a representatividade simbólica (capital simbólico) e o
contexto de luta entre os agentes. Sobre a questão do capital
simbólico, Bourdieu detalha:
[...] o capital simbólico (o qual, sabe-se, é fundado sobre atos
de conhecimento e reconhecimento) que consiste no recon-
hecimento (ou no crédito) atribuído pelo conjunto de pares-
concorrentes no interior do campo científico (o número de
menções do Citation Index é um bom indicador, que se pode
melhorar, como o fiz na pesquisa sobre o campo universitário
francês, levando em conta os sinais de reconhecimento e de
consagração, tais como os prêmios Nobel ou, em escala na-
cional as medalhas do CNRS e também as traduções para as
línguas estrangeiras). (2004, p. 26, grifo do autor)

Em um campo, a conquista de espaço por um agente, signifi-


ca alterar o espaço de outro (BOURDIEU, 2008). A discussão de
Bourdieu (2008) sobre o campo científico diz respeito a um espaço
de conquista e perda de poder/capital em um ambiente mutável de
característica fragmentada e desproporcional, não eventualmente,
mas sim devido ao acúmulo estratégico de capital científico dos
agentes e instituições presentes nesse campo.
A informação recebe, neste contexto, grande importância,
afinal é ela a expressão codificada do conhecimento, resultado da
capacidade de organização do pensamento coletivo e/ou individual
presente no fluxo da informação circulante (BARRETO, 2000), reter
capital científico, poder ser reconhecido por esse fator e conseguir
retribuições em seu próprio campo ou até mesmo em outros é um
exercício necessário, porém muitas vezes não muito justo (SHINN;
RAGOUET, 2008).
Bourdieu (2008, p.32) lembra que “[...] quanto mais um campo

70
é autônomo e próximo de uma concorrência pura e perfeita, mais
a censura é puramente científica e exclui a intervenção de forças
puramente sociais (argumento de autoridade, sanções de carreira)”.
Com a relativa autonomia de um campo é possível observar o fator
de o campo científico manter relações com outros campos sociais
(o econômico e o político, por exemplo), criando uma relação de
mutualismo entre os mesmos, em que os resultados sejam benéficos
para os envolvidos.

3 INTENCIONALIDADE COGNITIVA INFORMACIO-


NAL VERSUS CAPITAL CIENTÍFICO

Corrente ao pensamento do fluxo da informação, descrito


por Barreto (2000), é encontrado o pensamento de que “não
há, realmente, pensamento isolado, na medida em que não há
homem isolado” (FREIRE, 1997, p. 66). Com isso, percebe-se que
neste campo, ser reconhecido exige o desafio de validar o conhe-
cimento perante seus pares. Um conflito árduo, porém necessário
(SCHWARTZMAN, 2008).
O que pode parecer imperceptível – ou, de tão notório, ser
esquecido – é o detalhe de que a informação não expressa somente
a capacidade individual, ou coletiva, de organização do conheci-
mento do indivíduo. Ela também exprime a intencionalidade cogni-
tiva do homem que a quer ver representada em seu meio.
O pensamento de que o “[...] homem, como um ser
de relações, desafiado pela natureza [fenômeno/mistério], a trans-
forma com o seu trabalho [cognição]; e que o resultado desta trans-
formação [conhecimento], que se separa do homem [informação],
constitui seu mundo [fluxo]” é considerado uma obviedade para

71
Freire (1997, p.65).
Ainda neste sentido, Barreto (1998, p.122) afirma que “A
Essência – Essência é ação com vigor dinâmico - do fenômeno da
informação é a sua intencionalidade”. A intencionalidade expres-
sada na informação é o dispositivo da controvérsia, colocando a
ciência em um estado vivo (KUHN, 1998).
Contudo, como já mencionado anteriormente, a ciência é re-
sultado de uma colaboração social, dependente de um sistema de
avaliação que se aperfeiçoou com o tempo (MUELLER, 2000). O
direito de colocar intenções cognitivas na informação pode até ser
livre, mas é consensual que a garantia do crédito científico exigirá
a obediência de ritos. Assim, a atividade de produção do conheci-
mento científico confere ao pesquisador a possibilidade de expres-
sar sua intencionalidade na confecção da ciência, contanto que tais
resultados passem pelo crivo científico dos pares e sejam aprovados.
No caso da produção acadêmica, relações sociais entre os
componentes do campo científico (agentes e instituições) são
responsáveis pela validação dos novos conhecimentos/informações.
É necessário trazer à luz das discussões alguns fatores que cruzam
a ingênua idéia de liberdade da criação intelectual e que fujam da
simples concepção de obediência a ritos. Na perspectiva da influên-
cia que o capital científico exerce sobre os agentes, Bourdieu arrisca
em afirmar a existência de um “jogo” e seus determinantes, que, em
um contexto social exigente e específico é capaz de gerar impactos:
Esse capital, de um tipo inteiramente particular, repousa, por
sua vez, sobre o reconhecimento de uma competência que,
para além dos efeitos que ela produz e em parte mediante es-
ses efeitos, proporciona autoridade e contribui para definir não
somente as regras do jogo, mas também suas regularidades, as
leis segundo as quais vão se distribuir os lucros nesse jogo, as
leis que fazem que seja ou não importante escrever sobre tal
tema, que é brilhante ou ultrapassado, e o que é mais compe-
sador publicar no American Journal de tal e tal do que na Revue

72
Française disso e daquilo. (BOURDIEU, 2004, p.27, grifo do
autor)

Bourdieu (1983) insiste sobre a existência, no campo cientí-


fico, de uma estrutura baseada na distribuição do capital científico.
A facilidade ou dificuldade de continuação dos interesses (expressão
científica intencional) dos agentes constituintes do campo cientí-
fico será, então, uma variável. Ou seja, irá depender do acúmulo
de capital que cada agente possuir. Pode-se, com isso, imaginar um
campo de força organizado capaz de facilitar ou dificultar a prática
dos agentes/instituições. Nestas peculiaridades, com a seguinte lei-
tura, o autor complementa a definição de campo científico:
[...] como um espaço de conflitos, como campo de acção so-
cialmente construído em que os agentes dotados de dife-
rentes recursos se defrontam para conservar ou transfor-
mar as relações de força vigentes. Os agentes empreendem
aqui acções que dependem, nos seus fins, meios e eficácia, da
sua posição no campo de forças, ou seja, da posição na estru-
tura da distribuição do capital. (BOURDIEU, 2008, p.54, grifo
nosso).

É perceptível, na passagem acima, a característica de que a


divisão estrutural do campo não é absoluta. Por mais que seja
organizada em sua complexidade, ainda é suscetível a mudança. Para
Bourdieu (2008), o contexto da luta seria a analogia mais perspicaz
para comparar as ações praticadas no campo, sendo, por vezes,
utilizado também o contexto do jogo.
Tanto no contexto da luta quanto no contexto do jogo, o que
fica demonstrado é a presença de quem triunfa (ditando as regras)
e de quem perde (obedecendo às regras postas ou rebelando-se
contra as mesmas). Contudo, o campo é um espaço de interações,
de afinidades e de repulsas aos interesses ali postos pelos agentes/
instituições. Sobre essa situação vital para o desenvolvimento da
ciência, pois abre margem a mudanças, Bourdieu (2008, p.55, grifo

73
nosso) comenta:
Longe de se manifestarem face a universos sem gravidade e
inércia, em que poderiam desenvolver-se à vontade, as estra-
tégias dos investigadores [agentes] são orientadas pelas limita-
ções e possibilidades objectivas inscritas na sua posição e pela
representação (ela própria ligada às suas posições) que podem
ter da sua posição e da dos seus concorrentes, em função das
suas informações e estruturas cognitivas. O espaço de mano-
bra deixado às estratégias dependerá da estrutura do campo,
caracterizada, por exemplo, por um nível mais ou menos eleva-
do de concentração de capital (que pode variar desde o quase
monopólio [...] até uma distribuição quase igual entre todos
os concorrentes); mas organizar-se-á sempre em redor da
oposição principal entre os dominantes [...] e os domina-
dos. Os primeiros estão em posição de impor, geralmente
sem nada fazer para isso, a representação da ciência mais
favorável aos seus interesses, ou seja, a forma ‘conveni-
ente’, legítima, de jogar as regras do jogo, portanto da
participação no jogo.

Os termos utilizados pelo autor ao indicar que as estratégias


não são realizadas em universos sem gravidade e inércia, eviden-
ciam claramente a não fortuita maneira que a ciência é desenvolvida.
Servem também como reforço para a ideia de que não basta apenas
obedecer aos ritos propostos pelos sistemas de avaliação científi-
ca da atualidade, uma vez que apresenta questões sobre a eventual
constatação de privilégios conquistados facilmente por aqueles que
detêm mais capital simbólico/científico.
A lógica presente no campo científico consegue imputar
algumas exigências para os agentes que queiram reter capital
simbólico. Isso significa, em parte, direcionar temáticas específicas,
metodologias de análise, tipos de comunicação científica (livros,
capítulos de livro, artigos publicados em periódicos, apresentação
em eventos científicos, etc.). Na Ciência, a valorização pelos
agentes/instituições ou o risco do ostracismo não depende apenas
de uma postura autônoma e revolucionária, a mesma é condicio-
nada a regras (pré)determinadas que podem vir a ser tiranas e

74
excludentes.

4 A RELATIVA AUTONOMIA DA CIÊNCIA NO PRO-


CESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO: UMA PERSPEC-
TIVA TRANSVERSALISTA

É difícil imaginar uma Ciência autônoma em todos os seus


aspectos. A sociologia da Ciência possui a difícil missão de
acompanhar e tentar compreender os fenômenos relacionados ao
desenvolvimento científico de modo contextual a fatores internos
e externos do campo científico. Shinn e Ragouet (2008) ofe-
recem grande contribuição ao reafirmarem as noções defendidas
por Bourdieu, bem como problematizarem as mesmas com objetos
mais atuais e dinâmicos.
Em Shinn e Ragouet (2008, p.124), o processo de instituciona-
lização da Ciência é apresentado sob uma nova perspectiva: a trans-
versalista, os argumentos estão voltados na sugestão “[...] de análises
mais afinadas das inter-relações entre a Ciência e a sociedade,
prestando atenção à plasticidade das fronteiras e a seus imbricamen-
tos possíveis”. Bourdieu e Whitley aparecem como fundamenta-
ção teórica para essa nova perspectiva. As fundamentações de
Bourdieu e Whitley não são excludentes, e, segundo Shinn e Ragou-
et (2008), ambas, na sociologia da Ciência, contemplam a recusa
de uma oposição entre abordagens internalistas (característica
da epistemologia) e externalistas (característica da sociologia).
Sobre a sustentação da perspectiva transversalista é possível
encontrar que: i) entender o campo científico como um campo de
relações sociais particular é benéfico para o entendimento do pro-
cesso de institucionalização da Ciência; ii) a Ciência, nesta perspec-

75
tiva, é entendida como uma grande reprodutora de complexas estru-
turas de processos organizacionais e intelectuais; e, iii) os limites dos
campos disciplinares são tênues em diversos aspectos.
Sobre os limites dos campos disciplinares, Shinn e Ragouet
(2008, p.135), sob a luz do pensamento de Bourdieu, indicam que
“[...] mesmo se as disciplinas são dotadas de alguma estabilidade
em razão de seu caráter institucionalizado e de sua historicidade,
suas fronteiras permanecem como motivos de lutas e essas lutas
afetam ‘o’ campo científico e seu conjunto”. Nesse ponto, termi-
nologias como “disciplina” e “campo” surgem com sentidos próxi-
mos, porém, para Bordieu (2008) campo científico pode ser descrito
como um conjugado de campos locais (disciplinas) que possuem
comum interesse. Vê-se aqui, em uma concepção paradoxal, uma
Ciência de caráter fragmentado, mas que se esforça na existência de
unidade/caráter minimal (SHINN; RAGOUET, 2008).
A confirmação das máximas de que os campos possuem uma
lógica própria de funcionamento e seguem uma evolução específica
e que a Ciência não pode ser concebida como um universo puro de
intelectuais desinteressados é pautada na perspectiva transversalista.
É visto que a construção da Ciência ocorre por meio de dinâmicas
operacionais internas aos campos científicos e transversais a eles.
E, ao chegar nessa questão, é necessário afirmar a existência nos
campos científicos de dois tipos de capital: o científico e o temporal.
Sobre os mesmos, temos a seguinte exposição:
Uma, dita ‘científica’, está ligada ao reconhecimento pelos
pares; ela é pouco institucionalizada e encontra-se aberta a
contestação. A outra, dita ‘temporal’, remete a uma espécie
de poder institucional sobre os meios de produção (os crédi-
tos financeiros, por exemplo) e de reprodução (uma posição
em comissões como Conselho Nacional de Universidades da
França). [...] A existência dessas duas formas de capital atesta o
grau relativo da autonomia do campo científico: o capital tem-
poral é a marca da empresa burocrática de poderes temporais

76
sobre os campos científicos, a dos ministérios e das instituições
de administração da pesquisa ou, ainda, aquela dos grupos fi-
nanceiros e industriais, mas também da ‘ágora’ formada pelas
mídias. (SHINN; RAGOUET, 2008, p.126-127)

Sob a égide dessas contribuições, Shinn e Ragouet (2008,


p.136) apresentam a perspectiva transversalista com objetivos de
fundar uma visão realista e dinâmica dos campos disciplinares que
discuta “[...] ao mesmo tempo, (1) suas dinâmicas internas e (2) a
emergência de dinâmicas transversais, mas que visa igualmente (3)
restituir as relações de interpenetração entre o campo científico e os
outros microcosmos sociais”.
Apresentar uma análise sobre as dinâmicas internas dos cam-
pos disciplinares é reconhecer que as disciplinas (campos) possuem
internamente fragmentações de domínios, gerando entidades
subdisciplinares. No entanto, o caráter heterogêneo não é sinônimo
de estagnação para os agentes que desenvolvem atividades em
determinado campo/disciplina. É possível existir a comunicação
entre os agentes capaz de ultrapassar fronteiras de comunidades
internas de trabalho (por exemplo, comunicações de física nuclear
que possuem potencial apreciação na física atômica molecular) e
também externas à disciplina (por exemplo, comunicações na área
de física que possuem potencial apreciação na área da química). Para
Shinn e Ragouet (2008, p. 139), resgatando a leitura de Image and
logic: material culture of microphysics, de Peter Galison (1997), a con-
vergência de saberes ocorre devido “[...] à existência de uma lin-
guagem comum mínima, inteligível pelos praticantes que desejam
trocar informações para além de sua própria comunidade. [...] um
dialeto cujo vocabulário e sintaxe rudimentares são, entretanto,
compreensíveis”.
O reconhecimento acima é visto quando parte-se para uma

77
análise de mudanças internas às disciplinas, e é nessa que podem ser
entendido as possibilidades de transição e mutabilidade internas e
externas de disciplina e de entidades subdisciplinares.
A manifestação das dinâmicas transversais por meio de
regimes de produção e difusão da Ciência vem se transformando
desde o século XVII (BRAGA; GUERRA; REIS, 2010). Os
modos de produção e difusão da Ciência e da Tecnologia assumem
quatro formas intelectuais e institucionais de desenvolvimento. São
os regimes: disciplinar; utilitário; transitório; e, transversal. Antes de
iniciar a diferenciação desses regimes, faz-se saber que existe o fator
da ação específica e da coexistência entre os supracitados.
Sobre o regime “disciplinar”, cabe explicar que esse não pos-
sui apenas o objetivo de descrever as histórias de surgimentos e
declínios de disciplinas científicas. A perspectiva da história e
da sociologia da Ciência está presente no regime disciplinar para
auxiliar na missão de identificar os enraizamentos responsáveis pela
formação ou eliminação de campos (disciplinas). A produção e a
difusão neste regime estão em ação/circulação por meio de labo-
ratórios, departamentos universitários, revistas científicas, congres-
sos e conferências, procedimentos de certificação, etc. Shinn e
Ragouet (2008, p.141, grifo do autor) recorrem à seguinte afirmação:
Em grande medida, esse regime consome suas próprias
produções, essencialmente na forma de artigos submetidos à
aprovação dos pares. As bases de dados do Institute os Scien-
tific Information (ISI), e mais particularmente o Science Cita-
tion Index (SCI), permitem medir quantitativamente a produ-
tividade de indivíduos, de laboratórios, de departamentos e
das próprias disciplinas.

O regime utilitário de produção e difusão da Ciência e da Tec-


nologia traz aproximações de um regime de controle prático. Por
exemplo, agentes inseridos nesse regime estão voltados a domínios

78
internos e externos do campo científico (campo social distintos,
como por exemplo, economia e a política):
[...] desenvolvimento e a manutenção de invenções destinadas
à produção industrial, ao controle de qualidade, à calibragem
de instrumentos de medida, à aplicação de padrões e normas
metrológicas [...]. O objetivo dos pesquisadores do regime util-
itário é certamente publicar, mas também produzir patentes.
De imediato, suas descobertas caem tanto no domínio
privado, como no domínio público.” (SHINN; RAGOU-
ET, 2008, p.143, grifo nosso)

Demonstrando complexidade pontual em relação ao regime


utilitário, o regime transitório traz a questão do aproveitamento da
mudança de território para surgir novas possibilidades de estratégias
de produção e difusão da Ciência e da Tecnologia. A multidiscipli-
naridade, pluridisciplinaridade, transdisciplinaridade e interdiscipli-
naridade podem ser vistas como potenciais caminhos para o atendi-
mento a demandas para novos eixos de pesquisa, novos mercados,
gerando, com isso, novos perfis de difusão da Ciência. Porém, é
necessária a afirmação de que “[...] no regime transitório, o centro
principal da identidade e da ação dos praticantes [agentes] encontra-
se, também aqui, nas disciplinas, embora os indivíduos atravessem
os campos disciplinares”. (SHINN; RAGOUET, 2008, p.144).
Finalizando, o regime transversal apresenta um sistema de
produção e difusão da Ciência, carregado de características próxi-
mas da onipresença em campos disciplinares (internos e externos)
e outros campos sociais (internos e externos). Sobre a similaridade,
do regime transitório com o regime o transversal, Shinn e Ragouet
(2008, p.150) entendem que este último “[...] representa um modo
distinto de produção científica. No regime transversal, o grau de
liberdade e o campo de ação dos praticantes são maiores que no
regime transitório”. Os agentes responsáveis pela engrenagem
desse regime operam em arenas “intersticiais”, não se ligando pro-

79
priamente a uma disciplina ou a outro setor específico (empregador
particular) (SHINN, RAGOUET, 2008). Possuem a característica
de produzir, inseridos em grupos de pesquisas especializados (ne-
cessários para importação de ideias), tecnologias genéricas (fáceis de
adaptação e de exportação para interesses múltiplos em diferentes
disciplinas e até mesmo diferentes campos sociais).
Segundo Shinn e Ragouet (2008), cada um dos quatro regimes
de produção e difusão da Ciência está fundado em uma forma de
divisão do trabalho intelectual, que pode ser: intelectual, técnico, e,
social. Com isso, a perspectiva transversal consegue exceder uma
leitura internalista e externalista de fenômenos ligados à produção
e a difusão da Ciência e da Tecnologia voltados ao campo cientí-
fico, apresenta transversalidades internas (em zonas de transição
de campos disciplinares distintos ou até mesmo em zonas distintas
de entidades subdisciplinares) e externas ao campo científico
(demonstrando interesses transversais de agentes transitórios pre-
sentes no campo científico, no campo econômico, e no campo
político, por exemplo).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Leituras como as de Bourdieu (2004; 2008; 2012) auxiliam no


entendimento sobre a construção social da Ciência. O trabalho aqui
exposto compilou e trouxe para a convergência perspectivas de
algumas áreas do conhecimento que podem reforçar análises sobre
fenômenos da Ciência da Informação. O debate sobre os elementos
presentes na microssociologia dos agentes e instituições é fecundo,
coube aqui discutir a questão da institucionalização da Ciência.
A noção de campo apresentada por Bourdieu (2004) coloca

80
em xeque certezas que acreditamos e, por vezes, defendemos. Ao
desenvolver a teoria da ação, Bourdieu (1996) indica que não existe
ato desinteressado, para o autor, apenas o louco possui a justificativa
do desinteresse presente em seus atos. A intencionalidade cogni-
tiva informacional está inserida nas condições do ato interessado,
obedece as regras do jogo, seja para a continuidade ou a conflito na
produção de novos artefatos (o que Bourdieu chama de produções
culturais). Obedece a um jogo de ganhos e perdas, uma espécie de
mecanismo que permite o acesso aos privilégios e a ascensão social
entre os agentes e instituições inseridas internamente e até externa-
mente ao campo científico.
Optando por um caminho transdisciplinar de desenvolvi-
mento das ideias, foram demonstradas nesse trabalho contribuições
de Bourdieu para o entendimento do fluxo da informação científica,
da gênese às transversalidades presentes no percurso até a difusão.

AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – CAPES pela concessão da bolsa de mestrado na época
do desenvolvimento das pesquisas e ao Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco.

81
REFERÊNCIAS

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84
A SOCIOLOGIA REFLEXIVA DE PIERRE BOURDIEU
NO CAMPO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO:
relacionamentos possíveis

BRUNA SILVA DO NASCIMENTO e


LEILAH SANTIAGO BUFREM

1 INTRODUÇÃO

O fio condutor deste capítulo será a discussão dos conceitos


estruturantes da Sociologia Reflexiva proposta por Pierre Bourdieu
e o possível aporte teórico que ela pode oferecer aos Estudos Mé-
tricos da Informação e, por conseguinte, ao campo da Ciência da
Informação (CI). Acredita-se que a sedimentação da CI, ou de qual-
quer outro campo científico, se dê mediante o conhecimento das
estruturas que o condicionam, dos ritos de investidura preconizados
aos recém-chegados, da hierarquização das temáticas e, por fim da
aquisição dos capitais e de sua conversão e reconversão.
O que aqui se propõe é analisar os constructos teóricos que
embasam a Sociologia Reflexiva de Pierre Bourdieu visando descon-
struir a ideia positivista de que Estudos Métricos não devem, ou
simplesmente prescindem, de uma análise qualitativa para a com-
preensão e validação dos dados. Cumpre ressaltar que a distinção
entre as abordagens quantitativas e qualitativas reforça os discursos
dicotômicos, as análises descontextualizadas, ou por fim, esfacelam
a lei dialética da passagem da quantidade à qualidade que julga im-
possível que a análise de qualquer objeto seja crível e verrosímil,
quando somente partes desse mesmo objeto são verificadas. Nesse

85
sentido, um estudo que contemple a integralidade dos fenômenos
e, por conseguinte, aproxime-se ao máximo da verdade, será sem-
pre quantitativo e qualitativo, junção de olhares e metodologias, de
contextos e conjunturas. Em sendo assim, considera-se original a
proposição de alinhavar os conceitos basilares da Teoria Bourdiesi-
ana e suas possíveis aplicações aos Estudos Métricos da Informa-
ção.
As pesquisas que priorizam a análise integral dos objetos e
fenômenos analisados, em detrimento, da escolha por uma, ou
outra classificação redutiva propiciam ao pesquisador uma imersão
no contexto analisado, ou melhor, a certeza de que, ao aplicar dife-
rentes metodologias nessa observação, os resultados obtidos são, de
maneira inconteste, mais amplos e reveladores dos comportamentos
sociais que geram e estruturam o saber científico. Compreendendo
a Ciência como um campo inter-relacionado com a política, com a
religião, com o social, mas acima de tudo, como produtora e como
produto dos conflitos humanos, as análises baseadas somente no
viés métrico, não mais explicam o fazer científico e, principalmente,
não refletem a busca por maiores entendimentos acerca de como a
Ciência se constrói, se institui e se institucionaliza.
A Sociologia Reflexiva, uma proposta de Bourdieu em prol de
uma ciência social capaz de controlar seus próprios vieses, defende
a independência dos “ritos de instituições”, por ele ilustrados em
passagens de Lições de aula (2001) e Homo academicus (2013),
obras acusatórias dos determinantes sociais da produção intelectual
nas instituições acadêmicas francesas. Esse compromisso com a in-
dependência da Ciência é amplamente manifesto em sua luta para
aprimorar e disseminar os instrumentos do pensamento crítico e
para criar um “intelectual coletivo”. Postula que os comportamen-

86
tos dos agentes que conformam o campo não estão relacionados
unicamente às estruturas dispostas, mas sim, condicionados por elas
e por sua articulação com o contexto social. Desse modo, a práxis
dos agentes seria conformada pela assimilação dessas estruturas
externas e, principalmente, por “esquemas práticos [...] esquemas
informacionais [ou seja] princípios de classificação, de hierarquiza-
ção, de divisão que são também princípios de visão, em suma, tudo
que permite a cada um de nós distinguirmos coisas que os outros
confundem [...].” (BOURDIEU, 2011c, p. 99).
Nesse sentido, acredita-se que os estudos métricos da infor-
mação, realizados dentro do espaço acadêmico e social da Ciên-
cia da Informação, visam analisar os indicadores, as avaliações, as
produções, mas, sobretudo, os agentes que constituem o campo
científico, sem prescindir da análise de seus componentes motiva-
cionais, dos elementos circunstanciais e condicionantes, que
determinam suas atitudes, valores e expectativas provenientes de sua
origem social e de suas condições de produção científica. Assim,
visualiza-se a estrutura de demandas, possibilidades, prioridades e
restrições ao fazer científico. Nesse sentido, explorar os constructos
teóricos de Bourdieu, a saber, habitus, campo e capital sob a ótica da
CI pode corroborar para a expansão sociológica analítica dos estu-
dos métricos, pois ao empregar a Sociologia Reflexiva neste contex-
to é possível estabelecer um retrato de como os capitais se articulam
e se mimetizam, criando o espaço conhecido como campo acadêmi-
co. Essa articulação teve início nos anos 90 a partir dos estudos de
Bufrem (1991) e Marteleto (1992) que utilizaram, pela primeira vez
no campo da CI, a Teoria Sociológica de Pierre Bourdieu em suas
pesquisas de doutoramento.

87
2 A ANÁLISE RELACIONAL DE PIERRE BOURDIEU E
SEUS SUSTENTÁCULOS: O CONCEITO DE HABITUS,
CAMPO E CAPITAL

A Análise Relacional é considerada uma marca distintiva da


ciência moderna, pois busca conectar agentes, estruturas e resulta-
dos. Para Medeiros ( 2007, p. 53), “[...] empreendimentos como
esses [análises sociológicas integrais] vão afirmar que o que existe
no mundo social são relações, não interações ou ligações intersubje-
tivas entre os agentes, mas relações objetivas que existem indepen-
dentemente das consciências e das vontades individuais.”
A aplicação da Análise Relacional de Bourdieu contribui para
um entendimento não só das conexões estabelecidas entre os agen-
tes que compõem o campo, mas principalmente, entre as posições
de poder e instâncias de consagração ocupadas e desfrutadas por
eles. Para tanto, é necessário que se compreendam três conceitos
basilares dessa Sociologia, a saber: o habitus, o campo e o capital.
Para Pierre Bourdieu (2011d, p. 87, grifo nosso), o conceito de
habitus se refere a um
[...] sistema de disposições duráveis e transponíveis, estruturas
estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estru-
turantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores
de práticas e de representações que podem ser objetivamente
adaptadas ao seu objetivo sem supor a intenção consciente de
fins e o domínio expresso das operações necessárias para alca-
nça-los, objetivamente, ‘reguladas’ e ‘regulares’ sem em nada
ser o produto da obediência a algumas regras e, sendo tudo
isso, coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação
organizadora de um maestro.

Em relação ao conceito de habitus, é importante destacar o seu


afastamento do que se entende, no senso comum, como hábito.
Eles podem ter a mesma origem léxica, mas representam, sob a
perspectiva teórica de Bourdieu, conceitos distintos. Se o hábito tem

88
por característica ser algo permanente, mas calcado no princípio da
repetição, o habitus é criativo, princípio e não fim gerador das práti-
cas, ou seja, ao introduzir a noção de habitus, Bourdieu desejava por
em evidência as “capacidades criadoras, ativas, inventivas [...]” a ele
relacionadas. (BOURDIEU, 2011, p. 59).
A capacidade de antecipação do futuro, ou melhor, essa visão
do jogo, mas, sobretudo, o modo responsivo do agente ao seu en-
torno, aos estímulos, às pessoas que o cercam, essa conduta dura-
doura – esquema profundo e internalizado – é o que melhor define
habitus na Teoria Reflexiva. É através do emprego desse conceito
que Pierre Bourdieu sinaliza a interdependência entre indivíduo e
sociedade, entre agente e campo.
O campo como “[...] espaço social de relações objetivas.”
(BOURDIEU, 2011, p. 63) deve ser entendido como um espaço
de lutas entre os agentes em busca de reconhecimento, de capitais
e de espaço. É importante frisar que esse modus operandi é observado
não só no campo acadêmico e/ou científico, mas em todo e qual-
quer campo, que como eles pode ser designado como uma arena de
poder.
Ao falar de poder, não se pode prescindir das relações que se
estabelecem na busca entre os agentes e que são, na maior parte das
vezes, relações hierárquicas, desiguais e, portanto, de dominação.
Para Weber (1974) esse comportamento envolve em certa medida
uma vontade de obedecer. Por mais determinista que essa afirmação
possa parecer, ao analisar a estrutura do campo acadêmico observa-
se que as relações dominante-dominado são interdependentes, mas
de forma alguma igualitárias.
Cumpre ressaltar que o capital científico é composto por
dois tipos de capital, que seriam, segundo Bourdieu (2004), o capital

89
científico puro, formado pelos louros atribuídos pela apropriação,
domínio e contribuição específica para a sedimentação e legitimi-
dade do campo (produção científica) e o capital científico tempo-
ral, constituído pela atribuição e pelo exercício de cargos políticos
no campo.
Ou seja, para galgar maior capital algumas condutas e compor-
tamentos subservientes são determinados pela hierarquia do campo,
pois “[...] a forma pela qual as honras sociais são distribuídas numa
comunidade, entre grupos típicos que participam nessa distribuição,
pode ser chamada de ordem social.” (WEBER, 1974, p. 212).

2.1 OS PODERES NA CIÊNCIA E NA ACADEMIA: RELA-


ÇÕES ENTRE CAPITAIS DESIGUAIS

Não raro, as trocas simbólicas, no campo, ocorrem de acordo


e regimentadas pela posição hierárquica que cada agente ocupa. Ou
seja, quanto mais capital um agente possui menor é a probabilidade
que realize concessões para obtenção de qualquer vantagem
na cadeia de produção científica, o contrário já não se mostra
verdadeiro, pois como afirmou Bourdieu (2004) anteriormente, aos
recém incorporados no campo cabe o papel de clientela dócil ante
as relações propostas.
Mediante o domínio que assegura sobre as instâncias e os in-
strumentos de consagração, academias, dicionários, prêmios ou dis-
tinções (nacionais, pelo menos), o poder científico institucional [...]
chega a produzir o efeito de halo carismático, especialmente sobre
os jovens pesquisadores, frequentemente levados (e não somente
pelo servilismo interessado) a emprestar as qualidades científicas
daqueles dos quais dependem para sua carreira e que podem asse-

90
gurar-se assim de clientelas dóceis e de todo o cortejo de citações de
complacência e de homenagens acadêmicas. (BOURDIEU, 2004,
p.39).
Nesse sentido, Bourdieu (2004, p. 62) ao analisar o campo
acadêmico assume o risco de se “[...] intrometer no que uma insti-
tuição científica tem de mais íntimo e mais sagrado, isto é, o con-
junto de mecanismos e procedimentos pelos quais ela assegura
sua reprodução [...].” Assim, pensar os processos de avaliação,
progressão e inclusão de membros no campo prevê observar criti-
camente o reforço aos antigos laços, aos objetos de pesquisa
hierarquicamente superiores e, por conseguinte, um perpetuum móbile,
ou seja, a manutenção das estratégias vigentes que permitem e ratifi-
cam a reprodução no campo. Em contrapartida,
[...] parece inteiramente desejável reforçar a capacidade cole-
tiva de resistência que os pesquisadores devem ter, apesar das
concorrências e dos conflitos que os opõem, para estar em
condições de resistir às intervenções mais ou menos tirânicas
dos administradores científicos e de seus aliados no mundo dos
pesquisadores [...].” (BOURDIEU, 2004, p.61, grifo nosso).

Se o coletivo pode interpor resistência, o membro do campo


de forma individual não possui capital suficiente (social e científico)
para engendrar modificações. Assim, o poder de articulação e de
reflexão fica a cargo dos grandes grupos (reunião de membros com
relevante capital social e científico) como a única possibilidade de
articulação contra os já naturalizados mecanismos de reprodução
do campo. Entretanto, em que medida isso se daria? Sabendo
dos limites impostos pelo campo, como forma de delimitá-lo e
garantir sua legitimidade, não se pode imaginar grandes rupturas na
estrutura do campo, pois caso isso ocorresse o próprio campo
ficaria vulnerável. Em sendo assim, de acordo com os postulados
de Bourdieu (2004, 2013a), essas alterações aconteceriam de modo

91
sutil e gradual afiançando a permanência do campo no cenário
científico mundial.
As práticas confirmam, portanto, apesar das alterações pos-
síveis, a tendência dos dominantes a perpetuação. São diferenciadas
e organizam-se objetivamente, sem que tenham sido expressamete
concebidas e postas com relação a este fim. São formas de per-
petuação e domínio, que, assegurando a reprodução, reforçam com
seu poder simbólico as relações de poder nas instituições sociais e
acadêmicas.
As instâncias de consagração e as formas de relações de poder
estabelecidas distinguem aquele que pode ter voz, aquele a quem é
dado o direito de manifestação do espírito do corpo (porta-voz
autorizado), dos pressupostos que regem e comandam o campo,
como resultado da assimilação des enjeux e do próprio ethos do
campo. Bourdieu (2011b, 149, grifo do autor) afirma que isso ocorre
como decorrência do monopólio da nomeação legítima, o qual é
atribuído ao agente autorizado, como uma espécie de “imposição
simbólica que tem a seu favor toda a força do coletivo, do
consenso, do senso comum [...] porque ela é operada [pelo] detentor
do monopólio da violência simbólica legítima.”
O habitus, principalmente o acadêmico, tem por prerrogativa
a adequação espontânea a situações também variáveis forjadas no
confronto instituído no campo. Esse confronto não se fundamenta,
obviamente, em uma rivalidade pessoal, mas sim, na contradição
de ideias e de ideais que são postos a prova a cada nova pesquisa
publicada. Essa regulamentação vaga e não legislável é a linha tênue
que delimita o campo acadêmico, pois somente os detentores desse
habitus podem pleitear o reconhecimento de seus pares. “Por meio
dele, a estrutura da qual é o produto governa a prática, não de acor-

92
do com as vias de um determinismo mecânico, mas por meio das
pressões e dos limites originariamente atribuídos a suas invenções.”
(BOURDIEU, 2009, p. 91).
Por ser um sistema pautado na hierarquia, o poder se distribui
de maneira desigual entre os agentes, por meio da acumulação de
capital, de modo mais específico o científico, que se caracteriza por
ser “[...] uma espécie particular do capital simbólico [...] que
consiste no reconhecimento (ou no crédito) atribuído pelo con-
junto de pares-concorrentes no interior do campo científico. [...].”
(BOURDIEU, 2004, p.26). Esse reconhecimento se dá pela égide da
consagração que confere ao agente um valor distintivo em função de
suas produções e, por conseguinte, contribuições feitas ao campo.
As relações de poder instauradas e responsáveis pela enjeux1
do campo baseiam-se no maior ou menor domínio desses capitais.
Dessa forma, é possível avaliar as posições de poder do campo quan-
do o universo de análise está circunscrito ao âmbito da produção
científica e, por conseguinte, das instâncias de consagração por ela
ensejadas. Essas estratificações não são observáveis somente na hi-
erarquia do poder político e social, mas também na construção da
agenda científica a ser aplicada no campo, pois os temas são, indis-
cutivelmente, trabalhados sob essa mesma perspectiva.
A hierarquização das temáticas, empregada de acordo com os
interesses dos agentes detentores dos valores do campo, e – por
conseguinte, porta-vozes autorizados dele, permite que determina-

1
Conceito que não foi completamente traduzido na obra de Bourdieu, mas que segundo
seus principais comentadores (Afrânio Mendes Catani, Cristina Carta Cardoso de Me-
deiros, Loïc Wacquant, Maria Alice Nogueira, Paulo Sérgio Miceli entre outros) signifi-
caria uma espécie de “aposta”, ou seja, uma noção incorporada do que é necessário fazer
para permanecer ou galgar poder dentro do campo.

93
dos assuntos repercutam de maneira mais contundente nos veícu-
los de comunicação científica. Essa repercussão indica quais são os
temas que, ao serem escolhidos como norte de pesquisas, rendem
maior capital simbólico aos seus produtores.
À medida que o capital social aumenta, ou seja, um maior e
mais representativo grupo de agentes apresenta-se de maneira
conectada, as possibilidades de interferência no campo são otimiza-
das. Cumpre ressaltar que as pequenas rupturas com o arcabouço
teórico vigente são operadas nesse contexto de sedimentação de
grupos e métodos e não somente pelo acúmulo dessas mesmas
partes. Em contraposição à ciência positivista, a Sociologia Reflexi-
va de Pierre Bourdieu propõe uma ampliação no que se entende
por acúmulo de conhecimentos. Para o sociólogo, não há dúvidas
de que a ciência se institui por meio da acumulação de saberes, no
entanto, são outros fatores como o aumento das relações acadêmi-
cas entre os agentes e a desvinculação do campo científico com o
campo político que promovem as rupturas científicas.
A diferença entre causa e efeito é esclarecedora do anterior-
mente exposto. Não raro, modificações no cenário político e social
causam impacto sobre o fazer científico, mas não devem ser catal-
izadores de efeitos sobre o campo científico. Em suma, os prob-
lemas da ciência devem estar inscritos nos mecanismos autorregu-
latórios do campo, pois dessa forma, as instâncias de consagração
(universidades, prêmios, periódicos científicos) irão operacionalizar
as condições para uma ruptura significativa no campo.
Essa trajetória resulta no princípio básico para a legitimação do
campo, para que ele encontre “[...] na ruptura contínua o verdadeiro
princípio de sua continuidade.” (BOURDIEU, 2013b, p. 132). Nesse
sentido, a interrelação entre os diferentes campos de poder (político,

94
científico, social, entre outros) não deixa de acontecer, até mesmo
porque isso descaracterizaria a teoria relacional proposta e aqui em-
pregada, mas as forças condicionantes se impõem como causa na
espera que o efeito reverbere e se solidifique no campo específico.

2.2 OS ESTUDOS MÉTRICOS DA CIÊNCIA: EXPOSIÇÃO E


AVALIAÇÃO DE CAPITAIS ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO
CIENTÍFICA

Meadows (1999) aponta que, com a utilização dos tipos móveis


de Gutemberg, a partir do século XVII o sistema de informação
científica toma grandes proporções ampliando seu alcance geográfi-
co e atingindo um número maior de leitores. Nesse mesmo período,
a sedimentação científica pós Idade Média enseja a ampliação dos
canais de comunicação, à medida que o volume de conhecimentos
e o aumento no número de agentes inviabilizam que sejam utiliza-
dos somente os canais informais de comunicação, a saber, cartas,
reuniões, seminários e conversas pessoais. Essas possibilidades
deixam de figurar como modo preferido para a troca de informa-
ções entre cientistas e passam a compor um rol de canais (formais e
informais) de informação científica. (BURKE, 2003).
Nesse contexto em constante mudança, inovador e interna-
cionalizado, o campo converge para a adoção de tecnologias que
favorecem tanto o fenômeno da colaboração científica e da
construção de redes e de políticas que as apoiem, quanto a própria
compreensão dessas estruturas que se institucionalizam. Transfor-
mam-se as condições para a construção de saberes, provocando a
procura por formas coerentes de compreensão e intervenção na
realidade, especialmente, a partir de modos de colaboração cientí-
fica, tanto sob o ponto de vista de seu conteúdo substancial quanto

95
de sua estrutura formal. As atividades científicas atualizam-se e
revigoram-se.
As atividades científicas e técnicas são o manancial de onde
surgem os conhecimentos científicos e técnicos que se trans-
formarão, depois de registrados, em informações científicas e
técnicas. Mas, de modo inverso, essas atividades só existem,
só se concretizam, mediante essas informações. A informação
é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não pode se
desenvolver e viver. Sem informação a pesquisa seria inútil e
não existiria o conhecimento. Fluido precioso, continuamente
produzido e renovado, a informação só interessa se circula e,
sobretudo, se circula livremente. (LE COADIC, 2004, p. 27,
grifo nosso).

Um conceito possível para comunicação científica é o da livre


circulação das informações, pois é através desse mecanismo que
o intercâmbio de informações, entre os membros da comunidade
científica, se constitui. De acordo com Meadows (1999), a comuni-
cação científica encontra-se no coração da ciência e é através dela
que o campo se edifica. Para o autor não se pode imaginar um cam-
po científico sedimentado sem um sistema eficaz de comunicação
científica. Esse sistema tem por característica principal a busca pela
imparcialidade na avaliação dos originais, pela colaboração inter
e intrainstitucional entre agentes, pela maior visibilidade de seus
produtos, mas, sobretudo, pela construção de uma rede composta
por periódicos, temáticas e agentes (pesquisadores e instituições)
que ao se manterem articulados propiciam ao campo maior institu-
cionalização no cenário da ciência.
Nesse sentido, a principal função da literatura científica é
tornar visíveis/públicos os resultados das pesquisas realizadas. O
processo de comunicação científica compreende, na concepção de
Targino (1999), desde o momento da escolha temática e dos
possíveis colaboradores, da divulgação dos resultados, até a incor-

96
poração desse novo saber ao arcabouço científico.
É sabido que o ato de publicar destina-se a tornar oficial um
produto ou texto, garantir a primazia e/ou propriedade da
descoberta e, além disso, sob a ótica da teoria sociológica de Pierre
Bourdieu, ao acúmulo de capital científico puro que, conforme dito,
anteriormente, pode transformar-se em capital científico temporal,
assegurando cargos relevantes na administração do campo. No
contexto científico brasileiro,
[...] a edição de um artigo científico, além de confirmar com-
petência, pode, agora, assegurar empregos, e quiçá, prêmios e
recompensas variadas. Ademais, a política vigente das agências
de fomento também concorre para a crescente autoria múlti-
pla, priorizando os projetos integrados de pesquisa em vez de
trabalhos individuais. (TARGINO, 2005, p. 8-9, grifo nosso).

Em sendo assim, o sistema de comunicação científica chancela


e confere distinção aos autores que dele fazem parte, atribuindo-
lhes maior capital científico puro, que poderá ser transformado em
temporal conforme os postulados de Pierre Bourdieu. Essa distin-
ção, feita não só com base em temáticas e teorias, mas também nas
regras instituídas e compartilhadas, define aqueles que compõem
o campo, mas principalmente, aqueles que se destacam no campo
(elite científica). “Se fosse preciso dar uma definição transcultural da
excelência, eu diria que ela é o fato de se saber jogar com a regra do
jogo até o limite, e mesmo até a transgressão, mantendo-se sempre
dentro da regra.” (BOURDIEU, 2011c, p.99).
A afirmação anteriormente exposta é inquietante visto que,
para o senso comum, transgredir pressupõe ultrapassar as regras,
transpor as leis. Nesse sentido, são os próprios agentes os respon-
sáveis pela manutenção dos limites do campo e pela definição das
práticas legítimas, seja pela atribuição de capital econômico, cultural
ou simbólico, seja pela função de “guardião dos limites do grupo:

97
pelo fato de que a definição de critérios de entrada no grupo está em
jogo a cada nova inclusão [...].” (BOURDIEU, 2011a, p.68).
O maior problema da atualidade no Brasil, no que concerne
à avaliação da produção acadêmica, diz respeito não só aos crité-
rios que garantiriam a qualidade do que se produz e se publica, mas
também à forma como esses critérios são empregados nos diferen-
tes níveis exigidos pela comunicação científica. A saber, ineditismo
da abordagem proposta, contribuição para o campo, colaborações
intra e interinstitucionais realizadas, entre tantas outras regras, facil-
mente identificáveis na seção de orientações ao autor de qualquer
periódico qualizado.
Todavia, Ortiz (2013b), ao traduzir o texto Le champ scientifique
publicado por Pierre Bourdieu em 1976, aponta que “a medida que
a definição dos critérios de julgamento e dos princípios de hierar-
quização está em luta, ninguém é bom juiz porque ninguém deixa
de ser ao mesmo tempo juiz e parte interessada.” (BOURDIEU2,
2013, p. 119, grifo do autor). Ora, é salvaguardada a ele, ou melhor,
ao grupo empossado de maior capital científico temporal a função
e o direito de legislar e, por conseguinte, de perpetuar um sistema
de avaliação que lhes garanta a manutenção no poder já alcançado.
O autor ainda conclui que somente uma análise global do cam-
po, analisando posições políticas, sociais e intelectuais, faria justiça
a uma proposta de Sociologia da Ciência em consonância com a
Sociologia Reflexiva proposta por Bourdieu. Concorda-se com a
assertiva, principalmente por se considerar que o campo acadêmico
é formado e conformado pelas relações estabelecidas entre dife-

2
A autoria foi atribuída a Pierre Bourdieu, considerado o autor dos textos escolhidos
por Renato Ortiz publicados na obra: ORTIZ, Renato (Org.). A sociologia de Pierre
Bourdieu: textos de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho D’água, 2013.

98
rentes polos de poder. São eles que, em articulação, determinam
condutas, ditam tendências e estabelecem as hierarquias legitimadas
que sustentam o campo.
É perceptível que os pesquisadores brasileiros, que em sua
maior parte também são professores de ensino superior, acabaram
por conformar-se ao sistema “publish or perish” (WILSON, 19423
apud GARFIELD, 1996, p.11), ensejado no pós-guerra pelos
Estados Unidos como forma de garantir maiores conhecimentos
em determinados campos do saber – em especial aos de importân-
cia militar, incorporando-o em seu fazer científico de maneira natu-
ralizada. É inegável que, principalmente para as agências de fomento
brasileiras, os critérios quantitativos de publicação ainda – mesmo
depois de mais de sete décadas – são utilizados como sinônimos de
qualidade e, até mesmo, de profundidade na análise da produção
científica, seja no nível individual, seja no âmbito institucional.
Essa concepção, aceita e ratificada pela práxis da produção
acadêmica, gera – ao mesmo tempo – certo desconforto, ou no
mínimo, inquietações à comunidade acadêmica, entre elas a de como
conciliar excelência na execução dos três pilares (ensino, pesquisa e
extensão) que sustentam a universidade brasileira.
É essa a realidade das Instituições de Ensino Superior (IES)
brasileiras onde, de modo incisivo, observa-se a incorporação da
ideia americanizada (publish or perish) de se fazer ciência, pela qual
o volume de produções, mesmo a despeito do real impacto que elas
produzem no campo, é sinônimo de maior empenho, qualidade e
distinção. Nesse contexto, empregando uma análise bourdiesiana, é
improvável que a algum autor/pesquisador do campo seja permitida

3
WILSON, Logan. The academic man: a study in the sociology of a profes-
sion. New York: Oxford University Press.

99
a não conformação às regras vigentes e impostas sob pena de sua
exclusão do próprio campo.
Aqui se entende autor por “[...] alguém que possui uma capaci-
dade especial – a de publicar o implícito, o tácito – alguém que reali-
za um verdadeiro trabalho de criação.” (BOURDIEU, 2011a, p.102).
Essa criação não se restringe à redação de produtos científicos, mas
estende-se à compreensão do campo, à ratificação da crença que o
sustenta e ao entendimento dos jogos linguísiticos engendrados
pelos agentes que compõem o campo. (BOURDIEU, 2011b). Sendo
assim, acredita-se que a busca pela legitimidade individual do agente,
mas, sobretudo pela legitimidade coletiva do grupo dominante,
esbarra na antinomia inerente aos processos de avaliação vigentes.
Cumpre ressaltar que a Sociologia Reflexiva pressupõe a toma-
da de consciência de que as diferenças de capital e, por conseguinte,
de poder dentro do campo, determinam as possibilidades de inter-
ferência dos agentes nesse espaço. Isso pode ser observado não só
nas dificuldades encontradas pelos iniciantes e detentores de pouco
capital simbólico, em publicar seus originais nos maiores veículos de
comunicação científica, mas também e principalmente, na falta de
voz que esses indivíduos têm dentro do campo.

3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Acusado por muitos de ser fatalista por denunciar a imobi-


lidade dos agentes, ou a impossibilidade de alteração no campo,
Pierre Bourdieu – através da sua Sociologia Reflexiva – propõe an-
tes de tudo uma autoanálise, ou melhor, viabiliza com seu escrutínio
dos conceitos de habitus, de campo e de capitais, que todo e qual-
quer indivíduo, mesmo não sendo porta-voz de grupo dominante,

100
compreenda que indicadores, sejam de produção científica, sejam
de desenvolvimento humano, são influenciados por condições que
extrapolam a objetividade.
Nesse sentido, salienta-se que o conhecimento prévio do
agente sobre a existência dessas barreiras e hierarquias que regem o
desenvolvimento de qualquer campo, distancia a teoria bourdiesiana
do fatalismo da noção de imutável, pois na verdade saber como
o jogo é jogado antes de nele apostar, confere ao indivíduo
a consciência necessária para, questionar parâmetros e resul-
tados, sobretudo, ao negociar seus capitais, uma vez que a distri-
buição, classificação e conversão deles se dão de forma hierárquica e
desigual. E nesse campo, ao mesmo tempo espaço de interação e de
atualização, ocorre a intersecção entre os diferentes saberes. E se os
agentes na luta para imporem sua visão dispõem de capital desigual,
devido ao seu pertencimento e a essa posição no campo, suas
estratégias discursivas também serão diferenciadas e explicitadas em
meio às relações de força simbólicas entre os campos e os trunfos.
Em suma, o espaço de manobra, para Bourdieu, é pequeno, mas de
maneira nenhuma inexistente.
Ao propor o uso da Sociologia Reflexiva para os Estudos Mé-
tricos de Informação o presente capítulo buscou clarificar con-
ceitos básicos que são fundamentais para a compreensão do campo
acadêmico como um local de lutas como qualquer outro. Salienta-se
que, de acordo com Pierre Bourdieu, é neste ambiente próficuo de
ideias e de boas intenções para com o progresso científico, que a
vontade de ser reconhecido é, não raro, manifestada como vontade
de conhecer.

101
REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Lições da aula: aula inaugural proferida no


Collège de France. São Paulo: Ática, 2001.

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______. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2011a.

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______. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2011c.

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Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

102
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phrase ‘Publish Or Perish’? The Scientist, v. 10, n. 12, June 10,
1996. p.11-12.

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e co-autoria. In: FERREIRA, Sueli Mara Soares Pinto; TARGINO,
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teoria e prática. São Paulo: Reichmann & Autores, 2005. P. 35-54.

WEBER, M. Classe, estamento, partido. In: GERTH, H.; MILLS,


W. (Orgs.). Max Weber: Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Za-
har Editores, 1974, p. 211-228.

103
ZIMAN, John Michael. Conhecimento público. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1979.

104
O PENSAMENTO DE BOURDIEU À LUZ DA
ANÁLISE DE REDES SOCIAIS

JORGE HENRIQUE CABRAL FERNANDES


ELAINE ROSANGELA DE OLIVEIRA LUCAS
RICARDO BARROS SAMPAIO

1 INTRODUÇÃO

O mundo social, para Bourdieu, deve ser visto a partir de três


conceitos fundamentais: Campo, habitus e Capital. Bourdieu
articula esses conceitos em torno de uma teoria do conheci-
mento praxiológico, por ele também denominada de construtivismo
estrutural ou estruturalismo construtivo. Trata-se de uma teoria
simultaneamente estruturalista e construtivista, baseada na dialética,
que prioriza epistemologicamente o objetivismo da estrutura sobre
o subjetivismo do agente. Em que pese Bourdieu ter empregado
com grande frequência termos como estruturas, análise estrutural,
redes, agentes, relacionamentos e interações, termos fortemente
associados com a análise de redes sociais, o pensador era muito
crítico quanto ao emprego de métodos de Análise de Redes Sociais
(ARS) para o desenvolvimento de seus estudos.
Bourdieu rejeita a ARS como método de investigação relacio-
nando esta ao interacionismo simbólico de Max Weber (de Nooy
2003). No seu lugar o autor utiliza a análise de correspondência
como método capaz de representar de forma mais adequada a
estrutura das relações objetivas e não as relações interpessoais que
é retratada, na maioria dos casos, pelos pesquisadores que se valem
dos métodos anteriores. No entanto, modelos mais recentes que

105
utilizam a ARS tem se mostrado capazes de explicar de forma mais
adequada alguns dos conceitos do autor.
Desde 1995, pelo menos, pesquisadores tem desenvolvido
modelos em análise de redes sociais que operem sobre os concei-
tos desenvolvidos por Bourdieu, especialmente os conceitos de
campo e capital. Este texto analisa algumas dessas contribuições,
bem como explora as possibilidades práticas de desenvolvimento
de modelos em ARS que possam ser empregados para modelar o
conceito Bourdiano de habitus, dentro do universo do ensino supe-
rior. Ao explorar esses desenvolvimentos, o texto também introduz
conceitos básicos da ARS, que podem contribuir para aprofundar o
estudo do pensamento de Bourdieu.
De forma bastante sucinta, para (Bourdieu and Wacquant
1992, 16) um campo consiste em um conjunto de relações objetivas
e históricas entre posições ancoradas em certas formas de poder
(ou capital), enquanto habitus consiste de um conjunto de relações
histórias “depositadas” no interior de corpos individuais na forma
de esquemas de percepção, apreciação e ação mentais e corporais.
Os conceitos de campo, habitus e capital, acima citados de for-
ma integrada, são explorados a seguir.

2. CAMPO
Para Bourdieu o campo (field) é uma entidade eminentemente
relacional, uma rede, na qual os pontos de ancoragem desta
representariam formas de poder ou capital. A estrutura do campo
é, portanto, um dos elementos centrais na discussão de Bourdieu
quando relacionado com a ARS e onde desenvolvem as suas
argumentações a grande maioria dos autores que trabalham

106
tentando unir estes dois universos.
2.1 VISUALIZANDO O CAMPO NA FORMA DE UM GRAFO

A fim de introduzir essa conceituação no contexto da análise


de redes sociais, a figura 1 descreve visualmente o que poderia ser,
de forma bastante abstrata, um campo, expresso na forma de um
grafo – uma estrutura matemática composta por vértices e arestas
- no qual os vértices seriam as posições ancoradas em distintas
formas de poder, aqui denominadas A, B, C, D e E. As arestas nesse
grafo seriam as relações objetivas, historicamente estabelecidas
entre essas formas de poder ou capital.
Figura 1- Um grafo para representar uma abstração de um campo de poder.

Em um campo, assim como ocorre na sua representação


visual e matemática abstrata, um grafo, não há uniformidade nos

107
relacionamentos entre as posições. Desse modo, a visualização de
um grafo permite observar essa heterogeneidade de relações, bem
como de posições de poderes.
Embora a representação de um grafo seja também usada para
representar uma rede social, um campo não é uma rede social,
porque numa rede social as relações são estabelecidas entre agentes
(chamados de atores em ARS), e não entre as posições estruturais,
como será aprofundado adiante.
A visão de que um grafo poderia ser usado para representar
um campo também é reforçada por (Bourdieu and Wacquant 1992,
97) quando argumentando que:
Em termos analíticos, um campo pode ser definido como
uma rede, ou uma configuração, de relações objetivas entre
posições. Essas posições são definidas de forma objetiva, na
sua existência e nas determinações que impõem sobre seus
ocupantes, agentes ou instituições, conforme suas situações
presentes e potenciais (situs) na estrutura da distribuição das
espécies de poder (ou capital) cujas posses comandam acesso
aos lucros específicos que estão em jogo no campo, bem como
conforme suas relações objetivas com outras posições (domi-
nação, subordinação, homologia etc).

Tomando-se por exemplos de relações entre as posições de


poder ou capital as de dominação, subordinação, homologia ou
outras, a figura 2 apresenta uma visão mais concreta da abstração
representada na figura 1, tomando-se por base uma representação
hipotética no campo acadêmico universitário. As formas de poder
representadas seriam as de chefe de departamento, coordenador
de curso, professor titular, orientando de doutorado e bolsista de
iniciação científica, entre outras. Seriam identificadas algumas
relações de homologia, subordinação e dominação entre essas
posições, entre várias outras que estariam presentes, mas não

108
representadas nesse simples exemplo.

Figura 2 - Um grafo para representar uma abstração de um campo de poder


acadêmico.

Acerca dos agentes e instituições que ocupariam essas posições,


é imposto sobre esses o acesso aos “lucros específicos” que estão
em jogo no campo, no caso do campo acadêmico-universitário,
formas de capital ou poder tais como mérito e titulação acadêmi-
cas, mérito científico, certificação profissional, remuneração, bolsa,
prestígio social etc. Também é imposto a esses agentes o exercício
das relações de poder estabelecidas, tais como alguma homologia de
responsabilidades entre chefes de departamento e coordenadores de
curso, dominação de professores titulares sobre seus orientandos de
doutorado, subordinação de bolsistas de iniciação científica a pro-
fessores e orientadores de doutorado. É certo que existem outras

109
relações que não estão mapeadas na figura 2, sendo que muitas delas
tem intensidades bem menores.
Até o momento em que se encontra representada a condição
descrita na figura 2, acha-se empiricamente determinada a estrutura
de relações do campo. Entretanto, na estrutura não se encontram
representados os agentes (ou instituições) que de modo específico
ocupam o campo. Assim sendo, não se pode dizer que a figura 2
representa uma rede social, pois não são apresentadas relações en-
tre agentes, mas apenas entre posições de poder ou capital, ou
seja, relações da estrutura, e não relações entre agências. A figura 3,
embora também não seja uma rede social, descreve uma associação
concreta entre agentes e posições estruturalmente definidas em um
campo.
Figura 3 - Associação de agentes a um campo de poder acadêmico-universitário.

Na representação de campo expressa na figura 3 são

110
indicados de forma explícita quem seriam os agentes (ou institu-
ições) que estão ocupando as posições estruturalmente definidas.
Fulano, Beltrana e Sicrano, entre outros, ocupam respectivamente
as posições de chefe de departamento, coordenador de curso e
professor titular em um determinado campo em um determinado
momento de investigação desse campo. Nesse caso, em coerên-
cia com a abordagem do estruturalismo, as ações desses agentes
seriam determinadas, de modo mais forte ou mais fraco, a se
alinhar com as posições ocupadas pelo agente no campo, a fim de
usufruir dos benefícios da posição, bem como agir conforme suas
relações objetivas com as outras posições. Que capitais devem ser
acumulados por um chefe de departamento? Por um coordena-
dor de curso? Por professores titulares? Por bolsistas de iniciação
científica? Há por exemplo, na relação de dominação estabelecida
entre o orientador e seu orientando, um determinismo forte ou
fraco? Isso é, todos os orientadores dominam seus orientandos
de doutorado, ou apenas uma fração menor?

2.2 DINÂMICA DO CAMPO

O que confere dinâmica a um campo? Para (Bourdieu and


Wacquant 1992, 17), o campo é um “espaço socialmente estrutu-
rado, no qual os agentes lutam, conforme a posição que ocupam
nesse espaço, seja para trocar ou preservar seus limites e sua forma”.
Dada a diversidade de capitais que são colocados em jogo no campo
do poder, de ordem social, cultural, econômica etc, Bourdieu fre-
quentemente compara a atividade no campo à de um jogo. Para
ele, o campo é um espaço de lutas, e aos ocupantes das posições
objetivamente definidas no campo é imposto acesso aos benefícios
específicos que estão em jogo no campo, bem como o exercício das

111
relações de dominação, subordinação ou homologia nele presentes,
entre outras.
Segundo Lahire (2002, 47-48), “os elementos fundamentais e
relativamente invariantes da definição do campo [...]” são descritos
em 14 itens (anexo A). Como forma de facilitar o entendimento,
esses elementos fundamentais são comentados e exemplificados
com auxílio das figuras seguintes:
Figura 4 - Campos são microcosmos em macrocosmos.

A figura 4 demonstra como poderia ser evidenciado o conceito


de campo por meio de várias redes sobrepostas, com os seus mi-
crocosmos (campo econômico, campo político, campo científico...)
incluídos no macrocosmo. Cada um desses campos possui regras e
desafios específicos, que podem ou não ser adotadas uniformemente

112
por todos os agentes. Cada campo pode ser considerado como um
sistema complexo com as posições bem estruturadas onde estas
posições são motivos de lutas de poder na tentativa de apropriação
do capital específico que aquela posição permite ter acesso.
Figura 5 - Relacionamentos mapeados entre agentes presentes
em um campo de poder.

A luta entre os diferentes agentes (e instituições) se manifesta


por meio dos vários tipos relações, estabelecidas ou ausentes, entre
os agentes que ocupam suas posições na estrutura. Assim sendo,
visando alinhar a utilização da análise de redes sociais com o pensa-

113
mento Bourdiano, essa luta pode ser evidenciada, em parte, pela
análise dos relacionamentos entre os agentes, empregando técnicas
de mapeamento de redes sociais, como busca ilustrar a figura 5. A
figura informa que o chefe de departamento encaminhou uma
convocação de reunião para um professor titular, o chefe de departa-
mento e coordenador de curso interagiram em co-responsabilidade
na alocação de turmas, um orientado de doutorado submeteu seu
projeto de tese ao orientador, o professor titular analisou relatório
produzido por bolsistas, e o doutorando alocou tarefas e definiu
prazos de entrega junto aos bolsistas.
Pode-se perceber, portanto, que o capital é desigualmente dis-
tribuído dentro do campo e essa distribuição desigual determina a
sua estrutura. Os agentes, tendo conhecimento dessa estrutura e do
poder dentro dela, empregam estratégias para se relacionar dentro
do campo. A análise das lutas na busca pela apropriação de capital
específico (cultural, científico, acadêmico, econômico etc), ou pela
redefinição desse capital, pode ser evidenciada pela análise das im-
plicações para a alocação de capital em um ou mais dos envolvidos,
decorrente dos relacionamentos sociais observados ou ausentes no
campo, que podem ser evidenciados pela Análise de Redes Sociais.
Se faz necessário, para análise do campo, que se estime que
tipo de capital é deslocado ou criado, e para quem, em consequên-
cia desses e de outros relacionamentos. Essa análise é ilustrada por
meio de acréscimo de informações e interações sobre a figura 5,
constituindo a figura 6. Algumas implicações hipotéticas são traça-
das em decorrência dos novos relacionamentos e ações mapeadas
no campo.

114
Figura 6 - Deslocamentos e redefinições de poder ou capital, em
consequência de relacionamentos e ações mapeadas entre agentes presentes em
um campo de poder.

Na análise da figura 6 pode-se percebe que entre Fulano (chefe


do departamento) e Beltrana (coordenador de curso), ambos
respondem de forma coerente com as suas posições estruturais,
reforçando o tipo de capital acumulado por ambos, acadêmico nesse
caso, decorrente de suas próprias posições. No caso do relacio-
namento entre o chefe do departamento Fulano e o professor titu-
lar Sicrano, enquanto uma convocação de reunião, bem como sua
execução, levam o chefe a acumular capital acadêmico, a ausência
do professor à reunião reforçaria uma tentativa de redefinição das
relações entre chefia e professor titular, na busca por independência,
isso é, redefinição das relações ou do capital envolvido, exemplo,
tentativa de conversão de capital científico em capital acadêmico.
A submissão da tese do orientando ao orientador reforça a relação
de dominação já existente. Já as relações estabelecidas entre os bol-

115
sistas e o orientando buscam, na forma de lutas, redefinir a relação
de subordinação, assim como a entrega do relatório diretamente ao
professor titular, sem que tenha passado previamente pelo orientan-
do de doutorado/orientador dos bolsistas de iniciação científica
também buscaria redefinir essa relação de subordinação.
Apesar da luta existir dentro do campo, há interesse dos agen-
tes em manter a existência do campo, o que Bordieu chama de
“cumplicidade objetiva”. Com isso, “os interesses sociais são sem-
pre específicos de cada campo e não se reduzem ao interesse de
tipo econômico” (Lahire 2002, 47-48). Para enriquecer a análise do
campo, Bourdieu traz o conceito de habitus, que se incorpora ao
campo, com suas relações, interesses e todo o contexto envolvidos
no campo. “Desta maneira apenas quem tiver incorporado o habitus
próprio do campo tem condição de jogar o jogo e de acreditar n(a
importância d)esse jogo. Cada agente do campo é caracterizado por
sua trajetória social, seu habitus e sua posição no campo.”

3 HABITUS
Como já mencionado em 2, o habitus pode estar vinculado
a um indivíduo físico, que recebe ao longo de sua “condição de
existência” o depósito de esquemas mentais e corporais ligados à
percepção, apreciação e ação. Trata-se de um (Bourdieu and
Wacquant 1992, 18) “mecanismo estruturante que opera no interior
de agentes, que não é estritamente individual, nem é totalmente
determinante da conduta”.
Mais ainda acerca da construção do habitus, (Bourdieu 1980,
88) cita que “os condicionamentos associados com uma classe par-
ticular de condições de existência produzem os habitus, sistemas de

116
disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predis-
postas a funcionar como estruturas estruturantes, isso é, [...] como
princípios que generalizam e organizam práticas e representações
que podem ser objetivamente adaptadas aos seus resultados, [...]
podem ser coletivamente orquestrados sem ser o produto da ação
organizadora de um condutor”.
Os agentes do campo, para Bourdieu, desenvolvem o habitus,
que tem sua gênese da velha noção aristotélica de hexis retomada
no final da década de 60. Ao retomá-la, Bourdieu desejava re-
agir contra o estruturalismo e a sua filosofia da ação. Tratava-se de
chamar a atenção para o que ele mesmo denominou de ‘primado da
razão prática’ (Bourdieu and Catani 2012, p61).
Nos estudos sobre os cientistas e os seus modos de ‘fazer ciên-
cia’, Bourdieu (2012, p. 23) afirma que “o habitus científico é um
modus operandi científico que funciona em estado prático segundo
as normas da ciência sem ter estas normas na sua origem” e que,
portanto, essa espécie de sentido do jogo científico faz com que se
realize o que é preciso fazer no momento certo, sem necessidade de
planejar passo a passo o que havia de ser feito, e menos ainda a regra
que permite gerar a conduta adequada do jogo.
No uso analítico dos instrumentos teóricos concebidos
por Bourdieu, como campo, habitus e capital, é necessária a
devida atenção ao fato de que fazer uma ‘análise utilizando
Bourdieu’ é diferente de fazer uma ‘análise bourdieusiana’. A dife-
rença está na utilização dos conceitos desvinculados da análise na
sua forma prática, o que levará apenas a um reducionismo do que
foi concebido pelo autor como uma nova forma de análise, em que
é preciso verificar o funcionamento desses instrumentos teóricos.
Percebe-se que para Bourdieu, é a estrutura das relações

117
objetivas entre os agentes que determina o que eles podem e não
podem fazer. Isso significa que “só compreendemos verdadeira-
mente o que diz ou faz um agente engajado num campo se estamos
em condições de nos referirmos à posição que ele ocupa nesse cam-
po, se sabemos de onde ele fala” (Bourdieu 2004, 23-24). Tal noção,
por conseguinte, permite fortalecer a análise das relações entre
atores científicos, qualificando-as a partir do capital objetivado, que
é compartilhado dentro de um campo ou subcampo científico.
Dessa forma, embora o habitus seja ligado a um individuo
físico, também pode ser estruturante da ação coletiva. De que
forma, portanto, a análise de interações entre agentes, carac-
terística inerente à análise de redes sociais, poderia ser utilizada
para caracterizar o habitus de um agente ou ator social?
Os autores deste trabalho hipotetizam que o habitus pode ser
evidenciado, na ARS, por meio do desenvolvimento de modelagem
estatística inferencial de redes sociais, usando a abordagem ERGM
- Exponential Random Graph Models (Lusher, Koskinen, and Robins
2012). Para que isso seja possível se faz necessário o registro e a
correlação entre dados relativos às trajetórias sociais de cada ator
numa rede social, frente aos padrões de relacionamentos estabeleci-
dos entre esses atores numa rede sobreposta a um campo, quando
na busca pela apropriação de capital específico ou pela redefinição
desse capital no campo. As trajetórias sociais de cada ator seriam
registradas na forma de seus atributos individuais, tais como gênero,
raça, educação, faixa etária, experiência profissional, origem, entre
outros, Através da análise de redes sociais com um número de atores
de varia de poucas dezenas a poucas centenas, os modelos ERGM
possibilitam a análise de relações de causalidade entre atributos de
atores e padrões estruturais de relacionamentos estabelecidos numa

118
rede.
Figura 7 - Mapeamento de atributos de atores em uma rede de
relacionamentos sobreposta a um campo social.

A título de exemplo, a figura 7 ilustra uma situação hipoté-


tica na qual atributos potencialmente determinantes do habitus
de agentes do campo acadêmico-universitário podem ser suposta-
mente utilizados para determinar correlações estatisticamente
significativas com a ocorrência de relacionamentos de luta no
campo. Em existindo um número suficientemente grande de dados
sobre atores, seus atributos e relacionamentos, é possível obter-se
resposta a questões tais como: Quais as chances de que um chefe
de departamento de um gênero específico perca capital acadêmico
para professores titulares do mesmo gênero? Quais as chances de

119
que um orientador de doutorado que possui um elevado número de
orientandos seja alguém idoso? Quais as chances de que um bolsista
de iniciação científica desafie a relação de subordinação a alunos de
doutorado que auxiliam na coordenação de projetos?

4 CAPITAL

O conceito de capital para Bourdieu está relacionado com


poder e como esse poder pode influenciar as relações objetivas e
de estrutura dentro de um campo. Alguns autores discutem com
profundidade a ARS como método eficaz quanto a aplicação dos
conceitos de Bourdieu na análise de campos e as relações entre
agentes, contra argumentando o próprio autor (Anheier, Gerhards,
and Romo 1995; Nooy 2002; de Nooy 2003; Santoro, Bottero, and
Crossley 2011). Para esses autores os tipos de capital mais comuns
são econômico, cultural e social. Além desses, o capital científico
também é outro tipo de capital descrito por Bourdieu, principal-
mente na sua obra Homo Academicus (Bourdieu 1990).
O capital científico é “uma espécie particular de capi-
tal simbólico [...] que consiste no reconhecimento (ou no crédito)
atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes no interior do cam-
po científico” (Bourdieu 2004, p.26). O reconhecimento de uma
competência proporciona autoridade e contribui para diferentes
acúmulos dentro do campo, possibilitando, inclusive, o aumento do
capital econômico de um agente.
O capital econômico representa os recursos financeiros de um
agente mas também as formas como esses recursos chegam até o
agente. No caso de capital cultural, esse existe de diferentes formas,
como o acúmulo de obras culturais no campo físico ou do conhe-

120
cimento e na participação de movimentos culturais. Para o capital
social, esse pode ser avaliado quanto à soma dos recursos potenciais
ou atuais pela participação de clubes ou grupos sociais (Anheier,
Gerhards, and Romo 1995).
Bourdieu argumenta que as interações são impulsionadas
pela distribuição de capital entre os agentes. Alinhados com essa
proposição os analistas de redes utilizam os atributos de capital
econômico e cultural no estabelecimento e análise das relações em
seus objetos de pesquisa. Atributos como recursos financeiros ou
formas de relação entre diferentes grupos musicais (Santoro,
Bottero, and Crossley 2011) são comuns entre as análises realizadas
com ARS.
Quanto ao capital social, Nooy (de Nooy 2003) argumenta que
há dois tipos de análises realizadas por analistas de redes, que são as
relações intersubjetivas e as com foco nos padrões. A primeira está,
segundo o autor, mais próxima das ideias de Bourdieu, enquanto a
segunda leva em consideração os capitais econômicos e culturais
que os agentes da rede possuem.
Além desses tipos de capital descritos, existe também o capital
simbólico, que alguns autores incluem como subtipos dos capitais
anteriormente citados ou como formas específicas de capital. Nesse
ultimo caso, essa forma de capital é também uma boa candidata para
o uso da análise de redes (de Nooy 2003). Por exemplo, no caso
do capital simbólico estar relacionado com o prestígio, as análises
assimétricas, ou direcionadas, dentro da academia, podem indicar
prestígio social entre os pares, como o número de citações de um
determinado pesquisador. A análise de redes possui uma gama de
indicadores de prestígio que podem ser aplicados a autores ou a
organizações (Wasserman and Faust 1994).

121
O mundo da ciência, como o mundo econômico, conhece rela-
ções de força, fenômenos de concentração de capital e de poder ou
mesmo de monopólio, relações sociais de dominação que implicam
a apropriação dos meios de produção e de reprodução. Conhece
também as lutas que normalmente almejam o controle dos meios de
produção e reprodução específicos, próprios do subuniverso a ser
considerado (2004, p.34). Desse modo, os campos científicos são os
lugares de duas formas de poder, correspondentes aos dois capitais
científicos:
de um lado, um poder que se pode chamar de temporal (ou
político), poder institucional e institucionalizado que está liga-
do à ocupação de posições importantes nas instituições cientí-
ficas, direção de laboratórios, etc.[...]. De outro, um poder espe-
cífico, prestígio pessoal que é mais ou menos independente do
precedente, segundo os campos e as instituições e que repousa
quase exclusivamente sobre o reconhecimento pouco ou mal
objetivo e institucionalizado, do conjunto de pares ou da fra-
ção mais consagrada dentre eles (BOURDIEU, 2004, p.35).

Um exemplo específico desse poder pode ser percebido nos


“colégios invisíveis” que, segundo Bourdieu (2004, p.35) são “for-
mados por eruditos unidos por relações de estima mútua”. Assim,
os agentes de um campo tendem a se unir ainda mais devido às
semelhanças científicas; essas uniões resultam (ou podem resultar)
em trabalhos produzidos em coautoria, desenvolvendo espécies de
alinhamentos e realinhamentos de agentes do campo.
Do mesmo modo, o capital científico no formato temporal
também usufrui do mesmo princípio da rede de relações, muito em-
bora Bourdieu afirme que, nessa forma de poder, esse fenômeno
acontece com menor incidência (2004, p.35-36).
Apesar da afirmação de que o Capital Científico é uma espécie
de capital simbólico, as leituras mais atentas da obra de Bourdieu
depreendem a necessidade de repensar a ideia sobre o capital cientí-

122
fico, em função da própria mudança que ocorre na proposta do
autor, bem como o uso do capital simbólico na literatura bourdieu-
siana.
Aos poucos Bourdieu substitui a noção de ‘capital simbólico’
pela de ‘poder simbólico’, tratando da inserção desse tipo de poder
em todos os capitais - inclusive no econômico. Essa transição acon-
tece porque o capital simbólico foi concebido como algo relaciona-
do ao prestígio dos agentes de um campo, sendo, então, percebido e
conferido pelos outros, por pares do campo.
Partindo dessa concepção, o capital científico de um agente lhe
atribui poder simbólico no campo científico específico de atuação
(com raras exceções feitas a gênios, como o físico Albert Einstein
que extrapolam seu campo). Ao ser reconvertido em capital cultural
no estado objetivado, torna-se perceptível estatisticamente, como o
demonstrou Bourdieu na obra ‘Homo academicus’.
O capital científico pode ser configurado como uma expressão
do capital cultural, manifesto em três formas: cultural objetivado,
incorporado e institucionalizado. Outro modo de realizar a distin-
ção, segundo Bourdieu, compreende o Capital Científico em sua
forma temporal (ou política) e em sua forma específica (prestígio),
tendo como base o poder simbólico a eles associado.

5 CONCLUSÃO

É claro e notório na obra de Bourdieu que ele rechaça o uso


da ARS como método para análise das interações entre agentes. Ele
defende que as interações retratadas com o uso do método não são
objetivas e sim consequências do campo, pelo fato de não levar em
consideração a estrutura real e de poder existente. Em contrapar-

123
tida, ele utiliza o método de análise de correspondência ou análise
fatorial de correspondência para demonstrar visualmente as rela-
ções e distanciamentos entre os agentes.
No entanto, os autores deste trabalho, bem como outros
autores citados nesta obra defendem que existem várias formas de
se representar as relações com ARS e que a evolução dos métodos
com distribuições de força similares à utilizada pela análise
de correspondência, tais como redes multicamadas, block modeling,
análise probabilísitica e estatística de redes (p-models) dentre
outros, tem a capacidade de aplicar a análise preconizada pela obra
de Bourdieu em diferentes campos.
As técnicas, modelos e ferramentas disponíveis na Análise de
Redes Sociais atual, significativamente mais avançadas que as
que estavam em prática no auge da vida acadêmica de Bourdieu,
possibilitam a avaliação de campos de poder, em alinhamento e em
auxílio a uma compreensão mais objetiva dos conceitos de
Bourdieu.

REFERÊNCIAS

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125
work Analysis: Methods and Applications. 1st ed. Cambridge
University Press.

APENDICE

Segundo (Lahire 2002, 47-48), “os elementos fundamentais e relati-


vamente invariantes da definição do campo [...] são os seguintes:
i. Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo
constituído pelo espaço social (nacional) global.
ii. Cada campo possui regras do jogo e desafios específicos,
irredutíveis às regras do jogo ou aos desafios dos outros campos (o
que faz “correr” um matemático – e a maneira como “corre” nada
tem a ver com o que faz “correr” – e a maneira como “corre” –
um industrial ou um grande costureiro).
iii. Um campo é um “sistema” ou um “espaço” estruturado de
posições.
iv. Esse espaço é um espaço de lutas entre os diferentes agen-
tes que ocupam as diversas posições.
v. As lutas dão-se em torno da apropriação de um capital
específico do campo (o monopólio do capital específico legítimo)
e/ou da redefinição daquele capital.
vi. O capital é desigualmente distribuído dentro do campo e
existem, portanto, dominantes e dominados.
vii. A distribuição desigual do capital determina a estrutura do
campo, que é, portanto, definida pelo estado de uma relação de
força histórica entre as forças (agentes, instituições) em presença
no campo.

126
viii. As estratégias dos agentes entendem-se se as relacionarmos
com suas posições no campo.
ix. Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a
oposição entre as estratégias de conservação e as estratégias de
subversão (o estado da relação de força existente). As primeiras são
mais frequentes as dos dominantes e as segundas, as dos domina-
dos (e, entre estes, mais particularmente, dos “últimos a chegar”).
Essa oposição pode tomar a forma de um conflito entre “antigos”
e “modernos”, “ortodoxos” e “heterodoxos” ...
x. Em luta uns contra os outros, os agentes de um campo
têm pelo menos o interesse em que o campo exista e, portanto,
mantêm uma “cumplicidade objetiva” para além das lutas que os
opõem. – Logo, os interesses sociais são sempre específicos de
cada campo e não se reduzem ao interesse de tipo econômico.
xi. A cada campo corresponde um habitus (sistema de dis-
posições incorporadas) próprio do campo (por exemplo o habitus
da filologia ou o habitus do pugilismo).
xii. Apenas quem tiver incorporado o habitus próprio do
campo tem condição de jogar o jogo e de acreditar n(a importância
d)esse jogo.
xiii. Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória
social, seu habitus e sua posição no campo.
xiv. Um campo possui uma autonomia relativa: as lutas que
nele ocorrem têm uma lógica interna, mas o seu resultado nas lutas
(econômicas, sociais, políticas...) externas ao campo pesa forte-
mente sobre a questão das relações de força internas.”

127
128
CRÉDITO CIENTÍFICO E MÉTRICAS
ALTERNATIVAS: possíveis aproximações

MÁRCIA REGINA DA SILVA

1 INTRODUÇÃO

O comportamento dos cientistas, a formação e a organização


das comunidades científicas, bem como a interação com a sociedade,
constituem o escopo da Sociologia da Ciência, campo de conheci-
mento que apresenta sólidas interfaces com a Ciência da Informa-
ção. Investigar as atividades e as práticas científicas foi o objetivo de
vários teóricos e a principal contribuição tem início nos anos 1940
com Robert Merton, considerado o pai da Sociologia da Ciência. O
período de influência de suas ideias vai até a década de 1970 e seus
estudos abordam temáticas relacionadas à explicação estrutural da
mudança científica, ao sistema normativo da ciência da ciência, com
a proposição do ethos científico, uma série de diretrizes não escritas
que caracterizavam a ciência e deveriam regular o comportamento
dos cientistas. Uma importante contribuição do sistema de recom-
pensas da ciência mertoniana é o “Efeito Mateus” que postula haver
maior reconhecimento nas contribuições científicas dos cientistas
que possuem reputação considerável do que naquelas feitas pelos
que ainda não se distinguiram (MERTON, 1968). Mais tarde, esse
fenômeno foi apropriado pelo fundador da Cientometria, Derek de
SollaPrice (1976) ao formular o conceito de “vantagens cumulati-
vas” da ciência mediante o qual o reconhecimento acumulado pelos
cientistas poderia ser expresso nas distribuições hiperbólicas das leis
bibliométricas, conforme explicam Silva, Hayashi e Hayashi (2011).

129
As teorias de Merton e Price sobre a estratificação da ciência
também encontraram eco na Sociologia da Ciência de Pierre
Bourdieu (1976, 2002, 2004) que propõe o conceito de “campo
científico” em substituição ao conceito mertoniano de “comuni-
dade cientifica”. Ou seja, o campo científico, para Bourdieu (1976),
é um lugar de luta política pela dominação científica onde se mani-
festam relações de poder e no qual há uma distribuição desigual de
um tipo específico de capital.
Essas teorias sobre a estratificação da ciência formuladas por
Merton, Price e Bourdieu encontram ressonância com os conceitos
utilizados na Bibliometria, entre os quais os de “autores de elite”, de
“frente de pesquisa” e de “análise de citação”, como ressaltado por
Hayashi (2014).
A literatura científica da área de Ciência da Informação publi-
cada no Brasil registra algumas aproximações com as teorias bourdi-
anas, embora essas perspectivas epistemológicas não sejam recor-
rentes nos estudos métricos. Por exemplo, os conceitos bourdianos
de campo, habitus e capital cultural também foram utilizados por
Urbizagastegui-Alvarado (2010) para discutir a produtividade de au-
tores (Lei de Lotka ) e a frente de pesquisa (Lei do Elitismo) a partir
da posição que ocupam no campo da Bibliometria. A importância
das contribuições de Bourdieu para os estudos métricos da infor-
mação também foi enfatizada no estudo de Silva e Hayashi (2012)
que mostraram a interface de suas reflexões sociológicas sobre
a atividade científica com aquelas próprias dos campos da Biblio-
metria e da Cientometria. Ainda sobre a aproximação das teorias
bourdianas com a Bibliometria, Hayashi (2014, p. 298) aponta que
os indícios dessa relação podem ser buscadas [...] quando esse autor
tece considerações sobre a escolha de um tema de pesquisa pelos

130
pesquisadores e mostra que algumas temáticas são mais atrativas
devido ao impacto que ela causará no campo científico. O argumen-
to da autora é que “ao traçar o perfil dos temas mais estudados em
uma área ou mesmo demonstrar a ausência de outros, por meio da
análise de citações, as análises bibliométricas podem ser ampliadas
se incorporar em suas interpretações o conceito de hierarquia social
dos objetos científicos” formulado por Bourdieu (HAYASHI, 2014,
p.301). Por sua vez, o estudo de Lucas (2014) evidenciou que os
conceitos sociológicos de Bourdieu podem ser um enfoque teórico-
metodológico importante para a compreensão das redes de relações
entre pesquisadores, suas citações e de temas pesquisados.
Os conceitos bibliométricos são aplicados à literatura cientí-
fica tendo como premissa o mapeamento e o impacto da produtivi-
dade dos autores. Nessa perspectiva, o pesquisador é reconhecido
pela capacidade de publicar quantidade significativa de resultados
de pesquisas em veículos de maior fator de impacto, por ter laços
fortes de pesquisa com pesquisadores e instituições de reconhecidas
competências científicas, por integrar frentes de pesquisa constituí-
das por aqueles que são referência na sua respectiva área de conhe-
cimento, e pela repercussão de suas publicações, mensuradas pela
análise de citações.
Aliás, os índices de citação produzidos pelo Institute for Scientific
Information (ISI) – criado em 1958 nos Estados Unidos, por iniciativa
de Eugene Garfield e tendo como respaldo teórico os fundamentos
sociológicos da ciência formulados por Merton e Price– deram out-
ras perspectivas aos processos de avaliação da produção científica,
não só por oferecer aos formuladores de políticas científicas e tec-
nológicas bases mais racionais para a tomada de decisão, mas tam-
bém por se constituírem uma poderosa ferramenta para o estudo

131
histórico e sociológico da ciência, conforme as palavras de Merton
(1979) ao prefaciar o livro de Garfield sobre a teoria e aplicações do
Citation Index. Essas medidas de avaliação do impacto da ciência e da
literatura científica produzida por meio da elaboração de indicado-
res de produtividade individual e institucional baseados em análise
de citações permitem mensurar, entre outros aspectos, atividades
realizadas por pesquisadores, disciplinas e áreas de conhecimento.
Contudo, diante das novas formas de produção, comunicação
e divulgação de conhecimento, em que os artigos científicos
circulam em plataformas digitais integradas de natureza acadêmica,
como o Mendeley, ou mesmo nas redes sociais como o Facebook
e o Twitter, sinalizam um aumento efetivo do uso das mídias para
o compartilhamento de pesquisas científicas, tendo como base
os emergentes canais virtuais de comunicação. Com essas mídias
emergentes, as medidas tradicionais representadas pelos indicado-
res bibliométricos e cientométricos tornam-se mais contestadas
(PRIEM, 2013), abrindo espaço para o desenvolvimento das métri-
cas alternativas, e tornando a web um importante nicho de estudos
sobre os impactos da ciência.
Essa breve explanação sobre as origens da Sociologia da Ciên-
cia e sua interface com a Ciência da Informação serviram de pano de
fundo para introduzir a proposta desse texto: expor as contribuições
de Bourdieu (1983) para o estudo da Altmetria, uma das atuais mé-
tricas de avaliação da ciência. Discutir as teorias de Bourdieu é sem-
pre um desafio, tendo em vista que sua profícua obra tem aderência
em distintas temáticas e disciplinas de vários campos científicos. Ai-
nda que não tenha sido um estudioso das métricas da informação,
os conceitos de campo científico e de crédito científico de Bourdieu
(1976, 1983, 2004) presentes em seus escritos sociológicos da ciên-

132
cia podem contribuir para o adensamento das questões relacionadas
à obtenção de indicadores para a avaliação das atividades científicas.
Além desses aspectos sociológicos da ciência tratados nessa
introdução, o texto está organizado em mais duas partes: a primeira
apresenta um breve contexto sobre o surgimento do conceito de
Altmetria, destacando o ambiente digital como espaço de circulação
da comunicação e divulgação científica; em seguida, discutem-se os
conceitos bourdianos sobre a atividade científica. As reflexões
finais encerram o texto, com a ressalva de que nessa oportunidade a
complexidade do tema não permitirá seu aprofundamento, cabendo
aqui, mesmo que ainda de forma superficial, levantar alguns aspec-
tos considerados importantes para posteriores discussões.

2 ALTMETRIA E A QUANTIFICAÇÃO DA CIÊNCIA NA


WEB

Com o advento da comunicação científica no ambiente digital


despontam os estudos das métricas alternativas, ou Altmetria como
ficou conhecida, utilizada como alternativa aos indicadores basea-
dos em citações. Trata-se de uma métrica que visa estimar o impacto
das descobertas científicas fora da esfera da comunidade científi-
ca. A ideia da utilização da Altmetria é buscar a compreensão dos
atores, processos, produtos e impactos da comunicação científica. O
estudo prevê a medição que extrapola a citação, tendo como parâ-
metros o compartilhamento, as tags, anotações, comentários, etc.
Traz ainda como diferencial das métricas convencionais, o estudo
dos usuários além da academia, bem como de outros produtos que
não a produção bibliográfica (dados, softwares, blogs, etc). (PRIEM
et al., 2010).

133
Por meio da Altmetria é possível ter uma medição quase ime-
diata da atenção recebida por um trabalho disponibilizado na rede.
Tais métricas são contruídas por meio de aplicativos web como o
Altmetrics e o ImpactSory, por exemplo, que contribuem no rastrea-
mento do impacto de diversos artefatos informacionais de pesquisa
em meios de comunicação sociais de escopo geral como o Twitter,
Wikipedia e Facebook, além de redes de comunicação acadêmica
como o Mendeley e o PloS.
Embora ainda haja questionamentos sobre a correlação en-
tre os estudos de citação e as novas métricas (HAUSTEIN et al.,
2014a; HAUSTEIN et al., 2014b; ROBINSON-GARCIA et al.,
2014), fica evidente que as métricas aplicadas às mídias sociais in-
dicam aspectos diferentes da utilização de documentos científicos,
sem substituição aos estudos de citação (HAUSTEIN; COSTAS;
LARIVIÈRE, 2015).
Segundo González-Valiente, Pacheco-Mendonza e Arencibia-
Jorge (2016), a Altmetria demonstra ser uma disciplina emergente de
avaliação da ciência, aparecendo com mais frequência na literatura
europeia e norte-americana. Ainda segundo os autores, essa métrica
alternativa começa a ser estudada a partir de 2005, ganhando mais
força a partir de 2010.
No Brasil, alguns pesquisadores estudaram a Altmetria no
escopo teórico (GOUVEIA, 2013; SOUZA, 2014). Esses estu-
dos trazem para o campo da Altmetria a proposta do uso de da-
dos webométricos e cibermétricos em estudos cientométricos e a
possibilidade de contribuição com os estudos sobre a comunicação
científica. Outros estudos que apresentam resultados de aplicações
(ALPERIN, 2014; ARAÚJO, 2014; ARAÚJO, 2015; NASCIMEN-
TO; ODDONE, 2014), apontaram o Twitter como mídia social

134
mais comumente associada aos estudos altmétricos no Brasil, além
de evidenciarem que o estudo altmétrico de artigos científicos da
Ciência da Informação tem repercussão logo que publicados. Araújo
(2015), por exemplo, utilizou a Altmetria para analisar 125 artigos de
periódicos da Ciência da Informação Qualis A presentes em mídias
sociais. Os dados altmétricos levantados, assinalam a atenção que os
artigos recebem logo após a publicação, dando indícios de citações
futuras. Já Nascimento e Oddone (2015) demonstraram que ainda
são poucos os periódicos científicos brasileiros na área de Ciência
da Informação para os quais é possível gerar métricas alternativas
de citação, porém, o estudo indica o crescimento do uso de redes
sociais para divulgação e compartilhamento de informações pela co-
munidade acadêmica.
Haustein, Bowman1e Costas (2016) citaram alguns autores
(BORNMANN, 2014; EYSENBACH, 2011; MOHAMMADI et
al., 2014; ZAHEDI; COSTAS; WOUTERS, 2013) para traçar um
panorama dos debates a respeito da Altmetria, indicando suas pos-
sibilidades como: bom indicador de impacto social; como forma
de medição precoce do impacto científico e; como possibilidade
de uso educativo e prático. Sob outra perspectiva, outros autores
argumentam que essas métricas não refletem nada, estão mais
voltadas para medir a popularidade, ou simplesmente a visibilidade
(COLQUHOUN, 2014). Por exemplo, Haustein, Bowman1 e
Costas (2016, p. web) argumentam que
[...] as novas métricas dependem particularmente da plata-
forma, de sua absorção e usuários, das temáticas de pesquisa,
da unidade de análise e do contexto. Em geral, o que ainda
falta são modelos concretos de estruturas e teorias que possam
ajudar a apoiar e enquadrar interpretações e uso dessas novas
métricas de mídias sociais.

135
Os autores chamam a atenção para a necessidade de interpre-
tação correta dos atos que levam as métricas capturadas. Além das
discussões postas, o desenvolvimento da Altmetria no Campo das
Métricas da Informação estabelece a Web, em particular as redes
sociais, como locus de análise, podendo extrair dessas mídias
indicadores científicos importantes para tomada de decisões no
escopo institucional e político.
Nesse contexto que difere das métricas baseadas na literatura
científica, será discutido se o campo científico configurado no am-
biente digital espelha as teorias bourdianas.

3 CRÉDITO CIENTÍFICO E AS MÉTRICAS DA INFOR-


MAÇÃO

Para Bourdieu (2004), o campo dá lugar a duas espécies de


capital científico: um capital institucional ou institucionalizado que
está ligado à ocupação de posições importantes nas instituições
científicas, tais como direção de laboratórios ou departamentos,
pertencimento a comissões, comitês de avaliações etc, e ao poder
sobre meios de produção (contratos, créditos, postos etc.) e de re-
produção (poder de nomear e fazer as carreiras) que ela assegura.
E outro, chamado por ele de capital “puro”, pois depende do re-
conhecimento dos pares. É um “poder específico, cujo ‘prestígio’
pessoal é mais ou menos independente do precedente, segundo os
campos e as instituições, e que repousa quase que exclusivamente
sobre o reconhecimento, pouco ou mal objetivado ou instituciona-
lizado, do conjunto de pares ou da fração mais consagrada dentre
eles” (BOURDIEU, 2004, p. 35).
As duas formas de capital científico têm leis de acumulação

136
diferentes: no capital científico dito “puro” o reconhecimento
advém das contribuições ao progresso da ciência, as invenções ou
descobertas, bem como publicações em fontes com maior prestí-
gio. No capital científico institucionalizado (de natureza política),
por exigirem tempo, o reconhecimento dá-se na maior participação
em comissões, bancas (de concursos e teses), cerimônias e eventos
científicos em geral (BOURDIEU, 2004).
Assim, as duas formas de capital científico são igualmente difí-
ceis de transmitir na prática. O capital científico puro é fragilmente
objetivado, impreciso e indeterminado e depende do “carisma”,
podendo consagrar seus colaboradores, ao publicar em conjunto e
recomendar às instâncias de consagração, conferindo-lhes legitimi-
dade. Por outro lado, o capital científico institucionalizado segue as
regras burocráticas de contratação e nomeação, pré-ajustada à
medida do candidato desejado.
Posto isso, Bourdieu insere o conceito de “crédito científico”,
que é um capital simbólico, não monetário de autoridade/com-
petência científica, uma espécie particular de capital “que pode ser
acumulada, transmitida e até reconvertida, sob certas condições, em
outros tipos de capital” (BOURDIEU, 1975, p. 23), em um mercado
específico, o da produção do conhecimento científico. Dessa ma-
neira, “Bourdieu não faz apenas uma analogia do campo científico
com o mercado capitalista, mas, indo além, propõe que esse é mais
um mercado particular dentro da ordem econômica capitalista”.
(HOCHMAN, 1994, p. 2010).
Os pesquisadores podem ser caracterizados pela posição que
eles ocupam na estrutura de poder. Num extremo, os detentores
de um forte crédito específico e de um frágil peso político e; no
extremo oposto, os detentores de um forte peso político e de um

137
frágil crédito científico (em especial, os administradores científicos)
(BOURDIEU, 2004). Estabelece-se nesse campo os conflitos
intelectuais que para Bourdieu também são conflitos de poder. Há
uma dimensão política e uma dimensão científica, variando
conforme o campo e a posição no campo. Pode haver, por exem-
plo, a maior proximidade às esferas de poder, menor o prestígio. O
pesquisador que acumula crédito científico junto aos pares pode ter
dificuldade de obter poder político, já que se torna uma ameaça ao
poder estabelecido, a ordem científica ou mesmo as pessoas que já
se encontram a mais tempo no campo e que desejam manter o status
quo.
O crédito científico, diz Bourdieu (2004), pode continuamente
assegurar, apesar de tudo, uma forma de crédito político, de consag-
ração temporal que, em alguns contextos, pode ser um fator de des-
encantamento ou mesmo de descrédito. A questão que se coloca é:
o campo seria mais eficiente se os mais prestigiados fossem os mais
poderosos? Bourdieu alerta para a importante divisão de po-
deres, que inibe o que ele chama de “teocracia epistemocrática dos
melhores”, ou inversamente numa cisão completa dos dois poderes
condenando os “melhores” a mais completa impotência.
Na lógica de Bourdieu, a busca pelo capital simbólico e social
passa também pela quantificação da produção científica e conexões
sociais dos pesquisadores. O modelo cíclico de obtenção de crédito
científico é representado na Figura 1.

138
Figura 1 - Modelo cíclico de obtenção de crédito científico

Fonte: Adaptado de Vinck (1995) e Pignard (1999)

Os conhecimentos são os recursos que podem ser permuta-


dos, dentro do próprio campo, pelo crédito científico, que acumula-
do, pode ser investido para produzir novos conhecimentos e ganhar
mais créditos. Conforme Bourdieu (1983, p. 123), o funcionamen-
to do campo científico “produz e supõe uma forma específica de
interesse”, ou seja, o valor de uma produção científica associa-se
não só aos resultados apresentados, mas ao interesse que os pares
lhes dá. Por isso, o cientista deve dar visibilidade a sua produção
científica buscando evidenciar o valor das mesmas. Na concepção
de Bourdieu, essas estratégias tornam o cientista uma capitalista
que busca investir no melhor momento em temas e métodos mais
“rentáveis” em relação a necessidade do mercado.
Daí podemos inferir que os indicadores métricos reflete o
“sucesso” daqueles cientistas, ou seja, podem denotar seu recon-
hecimento e prestígio entre os pares. O ambiente digital também
espelha o campo científico de Bourdieu, porém, os dispositivos dis-
poníveis nesse ambiente dão visibilidade imediata às métricas. Acen-

139
tuando, de certa forma, essa lógica da quantificação. A pesquisa de
Grosser (2014) traz elementos que contribuem para reflexão sobre
essa questão, o autor utilizou a ferramenta Facebook Demetricator, que
faz a remoção das métricas do Facebook (quantidade de likes, com-
partilhamento, visualização), para demonstrar que a retirada dessas
métricas pode impactar nos padrões predeterminados de quantifi-
cação, podendo permitir uma cultura de mídia social menos depen-
dente de quantificação.
No que se refere à construção de indicadores de impacto com
base em medidas bibliográficas, é possível citar uma crítica relacio-
nada às teorias de capital de Bourdieu. O sociólogo, em sua catego-
rização sobre as formas de capital no meio acadêmico diferencia
as formas mais externas e econômicas como aquelas relacionadas
ao poder institucional, como o cargo que ocupa, que é um indica-
dor de capital externo; e aquelas relacionadas a reputação entre os
pares, que envolve, por exemplo, a liderança de grupos de pesqui-
sa, como um indicador interno (BOURDIEU, 2004). As medidas
bibliográficas tradicionais necessitam de tempo para se acumu-
larem (HOFFMANN; LUTZ; MECKEL, 2015), dessa forma, o
pesquisador com maior experiência acadêmica tende a apresentar
uma produção científica mais densa e, possivelmente, de maior im-
pacto. Neste contexto, a variável tempo tem impacto importante na
interpretação de indicadores quantitativos construídos. Conforme
Bornmann e Daniel (2008) e Eysenbach (2011), as medidas
bibliográficas tradicionais são lentas para se adaptarem às mudanças
no status social ou no capital relacional.
O fator tempo pode interferir na aquisição de crédito científico
e essa é uma crítica a interpretação das métricas tradicionais. Alguns
fatores contextuais podem modificar um pouco essa lógica; algumas

140
áreas/instituições, por exemplo, tendem a atribuir mais peso e/ou
relevância à produção mais “recente”, dentro do espírito de valo-
rização da “inovação”. A medição precoce de uma publicação na
rede pode contribuir nesse aspecto, por isso, as métricas alternativas,
merecem ser melhores discutidas.
Hoffmann, Lutz e Meckel (2015) aplicaram a análise de re-
des sociais para medir às interações dos pesquisadores em um site
de rede social acadêmica, a ResearchGate, rede social voltada para
pesquisadores e profissionais da área de Ciência, com a intenção de
gerar potenciais métricas de impacto científico. Os pesquisadores
tiveram como foco medir a centralidade derivada das interações dos
participantes da rede. Esta pesquista é relevante no contexto deste
texto, pois ao levantar fatores que podem afetar a centralidade de
um pesquisador dentro de uma rede social acadêmica, chega a um
ponto que remete as teorias de capital de Bourdieu. Tais fatores
podem ser categorizados em: 1) engajamento do pesquisador com a
plataforma: a atividade do pesquisador dentro da plataforma, pode
indicar seu envolvimento e participação na comunidade científica.
Essa categoria é a base fundamental da abordagem altmétrica.
Altos níveis de atividade podem impactar na atenção atraída dentro
de uma comunidade on-line específica (THELWALL; KOUSHA,
2014a); 2) Experiência: a experiência acadêmica contribui para a
atenção recebida na plataforma; 3) Impacto da publicação: o impac-
to das publicações também pode ser medido no ambiente on-line
(por exemplo, gostos pessoais, dowloads ou compartilhamentos).
Hoffmann, Lutz e Meckel (2015) fazem um paralelo dessas
categorias com teorias bourdianas. No que se refere ao engajamento
do pesquisador na plataforma, relacionam com a posição de um
pesquisador dentro do campo científico, podendo indicar uma acu-

141
mulação de capital científico; quanto à experiência, destacam que
conforme descrito por Bourdieu (2004) a academia tende a institu-
cionalizar a reputação e a influências dos pesquisadores sob a forma
de prêmios, posições, rankings ou participação em conselhos
editorias. Sendo assim, correlacionam a experiência acadêmica com
o impacto da publicação. Em relação ao impacto da publicação,
apontam que o registro de uma publicação não é apenas uma me-
dida, mas também um condutor de prestígio e reputação dentro da
comunidade científica em rede (THELWALL; KOUSHA, 2014b;
THELWALL; SUD; WILKINSON, 2012).
A comunicação científica é estabelecida como troca de infor-
mações entre cientistas, ou seja, os pares, sobre achados científicos
por meio de veículos formalizados como os artigos científicos e/ou
eventos temáticos voltados para um público específico. No ambi-
ente digital novos fatores são acrescidos a esse modelo de produção
e comunicação. Esses fatores relacionam-se a maior abrangência do
acesso às pesquisas, a visibilidade do pesquisador e de sua produção
científica e um elemento determinante da web atual: a possibilidade
de interatividade. Esse último fator é o mais impactante, já que pode
aumentar o número de conexões entre pesquisadores. O fato de
um pesquisador ter participação efetiva em redes sociais acadêmicas,
além de dar maior visibilidade as suas pesquisas, abre espaço para
interação com outros participantes da rede.
A filosofia da quantificação está atrelada ao nosso cotidiano,
tornou-se a maneira se medir se nosso desejo está sendo satisfeito.
Em todos os campos, está estabelecido que a forma de avaliação
dá-se pelos indicadores numéricos. Em tempos de Facebook, este
comportamento é mais latente, as curtidas se tornaram sinônimo
de validação e promoção. Se o post recebe muitas curtidas significa

142
que muitas pessoas se identificaram com o conteúdo da postagem,
e a quantidade de curtidas e de compartilhamento evidencia o im-
pacto e/ou repercussão do que foi postado. Esse ambiente digital,
parece reproduzir o modelo estabelecido de produção e comunica-
ção científica. Em muitos casos, a postagem nem é lida, valendo a
curtida pelo prestígio do autor da postagem.
No caso das redes sociais acadêmicas, como o Mendeley, por
exemplo, nem todos documentos indexados nas bibliotecas pessoais
dos participantes são lidos, conforme demonstraram Mohammadi
e Thelwall (2014) em pesquisa realizada com os participantes dessa
rede. Segundo os autores, 85% dos usuários do Mendeley afirmaram
que arquivam documentos no gerencionador de referências para
citá-los posteriormente, no entanto, apenas 27% tinham lido todos
os documentos arquivados. De uma perspectiva puramente social,
o capital social explica como o uso dessas plataformas beneficia os
estudiosos, proporcionando-lhes uma rede de recursos potenciais
para extrair e utilizar quando necessário.
Se o acúmulo de crédito científico passa pela quantificação da
produção científica e conexões sociais dos pesquisadores, as redes
sociais acadêmicas podem ser um potencializador para obtenção
desse poder simbólico. Valendo ressaltar que nesse campo científico
on-line, àqueles com maior confiança em seus achados científicos,
tendem a expor sua produção nos vários canais da Internet, contri-
buindo para que sua publicação gere mais visualizações e dowloads.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na ciência estabeleceu-se um sistema de capital, no qual a


quantificação reverbera o comportamento do cientista e é a forma

143
de avaliação do que é produzido. Nesse modelo constituído de cam-
po científico, o valor do capital simbólico e social é obtido por meio
da quantidade e impacto da produção científica de um pesquisador,
um grupo de pesquisa, uma instituição, organização, entre outros,
colocando-os em evidência, permitindo o reconhecimento e prestí-
gio entre os pares/concorrentes.
As críticas que advém desse sistema cíclico de produção e co-
municação científica o qual acaba valorizando o número, convergem
com o sucesso de um pesquisador pela quantidade de publicação em
periódicos especializados conceituados e pela quantidade de citações
obtidas. O acúmulo de capital social traduz-se pela quantificação de
suas redes de relações e pelo prestígio dentro do campo científico,
a carreira do cientista passa a ser uma corrida para alcançar tais pa-
tamares que são expressos pelo reconhecimento dos pares de sua
produção científica. Nesse sentido, as métricas são valorizadas, pois
dão conta por meio de métodos e técnicas constituídas de represen-
tar uma trajetória científica em números.
A Altmetria, aplicada em redes sociais acadêmicas, deixa ainda
mais explícita as teorias bourdianas em relação à busca pelo capital
simbólico e social, já que pode levantar indicadores imediatos de
impacto, se diferindo das métricas tradicionais baseadas na literatura
que demandam mais tempo para demostrar por meio de índices de
citações o impacto de uma pesquisa.
Vale ainda destacar que a maioria dos estudos métricos se
assenta em uma forma específica de capital, conceituado por
Bourdieu como capital científico ‘puro’, fundamentado no prestígio
e reconhecimento pelos pares. É nessa vertente de pesquisa que as
métricas alternativas também se estabelecem e merecem ser mais
bem investigadas.

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151
152
O MÉTODO RELACIONAL DE
ANÁLISE DA INFORMAÇÃO (MRAI)
NA ANÁLISE DE DOMÍNIO

LIDIANE CARVALHO

1 INTRODUÇÃO

As Ciências da Informação têm se apropriado da Teoria do


Social de Pierre Bourdieu, especialmente nas abordagens culturalis-
tas da informação e do conhecimento que privilegiam a estrutura
social como espaço de estudo para a produção e apropriação social
da informação. Como produto cultural, o conhecimento emerge de
práticas sociais influenciado por dimensões de naturezas diversas,
qual seja, política econômica, jurídica ou tecnológica, naturalmente
conectado ao tempo e circunscrito na história.
Conhecer os aspectos da subjetivação da ação humana e o
efeito de realidade na estrutura observável torna Bourdieu um dos
pioneiros investigativos da sociologia relacional. As práticas sociais
para Bourdieu, ocorrem em um espaço social estruturado subjeti-
vado, por normas, regras e valores herdados e acumulados ao longo
tempo. As condições subjetivas a esta herança são conceitualmente
denominadas pelo autor de habitus. O acúmulo de práticas geradas
caracterizadas por um habitus é para Bourdieu denominado de
Capital. Uma estrutura social ou campo, pode gerar diferentes capi-
tais, seja de natureza econômica, política, cultural, jurídica, científica
entre outras.
Os conceitos de habitus, campo e capital, são fundamentais na
obra deste autor e permanecem atuais desde a metade do Século

153
XX. Desse modo, na estrutura social, os campos e grupos são con-
stituídos por indivíduos construídos, que estão caracterizados e -
classificados - pelas diferentes posições - disciplinares, uma espécie
de hierarquização da competência e dos valores e que emerge na luta
pelas classificações.
O relacional segundo Bourdieu (1989, 2004) seria o estudo
das inter (ações) que culmina na produção da cultura e seus efeitos
de realidade - da ordem do real e da práxis. Nesse sentido, cabe
indagar “Como se caracteriza uma abordagem relacional da infor-
mação?” Seguindo esta perspectiva, a análise de domínio (domain
analysis) desloca-se das formas estruturadas da informação científica
para a interação estabelecida entre os atores. O resultado é um
método relacional de análise da informação (MRAI)que considera
as relações entre os atores no processo de produção do conheci-
mento científico, valoriza os acordos e as alianças que formam os
domínios de conhecimento pela capacidade destes mobilizarem
energia produtiva dando forma e agregando diferentes formas de
capitais para si e também para o domínio.
A MRAI está ancorada em um procedimento metodológico de
triangulação de métodos. A triangulação proposta consiste funda-
mentalmente na operacionalização dos conceitos de habitus, Campo
e Capital de Pierre Bourdieu, no emprego de técnicas bibliométricas
e de análise de redes sociais (ARS) para a interpretação de estruturas
sociais na perspectiva relacional. A MRAI contribui também para
mapear as tendências e inovações no campo científico deslocando
o discurso do produtivismocientífico focadonos índices de citação
ou fator de impacto para um “índice de interações”, considerando
o movimento social da ciência, as perspectivas e tendências episte-
mológicas que ela acena para o domínio em questão.

154
2 INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO: em busca do mé-
todo relacional

Em o “Discurso do Método”, René Descartes (1989, p. 26)


menciona que o excesso de leis normalmente fornecessem espaço
para os vícios de interpretação metodológica, em função desta
observação, propôs quatro “fundamentos lógicos” para a condução
de um método, são eles:
a) não aceitar coisa alguma como verdadeira;
b) dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quanto
possível ;
c) conduzir o objeto de pesquisa pelas coisas mais simples ou
fáceisde conhecer,
d) revisar e enumerar na completude o objeto estudado.

Para Descartes o método é fundamentado como um processo.


Em um sentido etimológico “méthodos” significa o “caminho para
chegar a um fim”. Esta longa cadeia de razões deve ser interpretada
como um percurso e não deve ser confundido com uma teoria
ou modelo. O modelo se propõe a trazer uma representação de
um mundo possível e nesse sentido é sempre um olhar contex-
tual e inerentemente influenciado que parte do observador sobre o
observado,a razão baseia-se na observação do observado, que não
pode alienar-se as suas visões de mundo e subjetividades construí-
das como parte de si no processo interpretativo das práticas sociais.
A abordagem relacional, ancora-se em uma sociologia da práti-
ca de Bourdieu(2010) que contribuiconceitualmente com a MRAI
ao fornecer os elementos norteadores para a construção de um mé-
todo pela sua amplitude analítica, na medida em que, considera

155
categorias objetivas e subjetivas da realidade social. A teoria social de
Pierre Bourdieu, segundoVandenberghe (2010, p.46)sofreu influên-
cia do materialismo racional de Bachelard. A questão do conheci-
mento para Bourdieu acompanhou toda a sua trajetória intelectual.
Em sua obra de análise da cultura francesa intitulada La dis-
tinction. Critique sociale du jugement (1979) Bourdieurompe com o
determinismo econômico, ao passo que incorpora na base de suas
análises as práticas de consumo da cultura a partir de minucionsas
análises das relações estabelecidas entre os atores sociais.O conceito
de capital simbólico foi elaborado por Bourdieu (2009, p.194) para
compreender os caminhos e elementos culturais e interacionistas
influenciadores e formuladores do gosto, do interesse, das classifica-
ções sociais, das normas e valores, e seus desdobramentos culturais
influenciados pelo conhecimento dotados de dimensões objetivas e
simbólicas.
Em relação à apropriação do trabalho de Pierre Bourdieu em
estudos de informação, Marteleto e Carvalho ( 2015, p.583) desta-
cam o pioneirismo de Seldén (1999), Savolainen (1999) e Budd
(2003), todos os quais enfatizam a teoria do sociólogo no estudo
das práticas de recuperação da informação, na compreensão dos
contextos, das questões e dos fundamentos da informação e na com-
preensão dos mecanismos de poder simbólico presentes nas práti-
cas e procedimentos dos profissionais da informação, além do papel
das bibliotecas, museus e escolas nos mecanismos de produção e
reprodução cultural e social.
Na década de 90, Hjørland e Albrechtsen (1995) e introduzi-
ram no campo da Ciências da informação no artigo a “Toward a new
horizon in Information Science: domain analysis” o conceito de ‘análise de
domínio’ que inicialmente originário do campo da informática nos

156
anos 80 e foi apropriadocomo categoria teórica na CI com o obje-
tivo de avaliar e interpretar a literatura científica de um campo de
conhecimento, considerando que esta poderia expressar esquemas
de percepção da linguagem e pensamento por meio das terminolo-
gias.
No Brasil, também na década de 90, Marteleto (1994, 2000,
2001) protagonizou o estudo de objetos informacionais deslocando
o foco da Ciência da Informação dos indivíduos ou rede de com-
putadores para o mundo social, cultural e científico. No plano da
cultura, as autoras Nascimento e Marteleto (2008, p. 399) Nas-
cimento (2005, p. 73) e Marteleto (2009, p. 46) trabalharam com a
informação como “aquela construída pelos sujeitos que procuram
trocar sua experiência, vivenciada individualmente, com outras pes-
soas, provocando o deslocamento da informação para a significação
coletiva das comunidades discursivas” e foram responsáveis pelo
desenvolvimento do conceito de domínio de conhecimento na
perspectiva dos estudos cuturalistas da informação nas Ciências da
Informação no Brasil.
As comunidades discursivas no campo científico podem ser
interpretadas comBourdieu (2004, p.16-149) como “estruturas
dotadas de uma gênese social, dos esquemas de percepção, pensa-
mento e ação que são constitutivos denominado de habitus e, de
outro, das estruturas sociais, em particular do que chamo de campos
e grupos”. Ela parte da definição das subjetividades do campo como
espaço social a ser analisado a partir de elementos normativos,
circunscritos no habitus. O habitus científico corresponde então a um
conjunto de normas e valores concernentes ao campo cientí-
fico (BOURDIEU,2010). Na perspectiva relacional da análise de
domínio a práticas e estrutura de relações do campo devem ser con-

157
sideradas como objeto de estudo porque ela é a responsável pela
formação dos conceitos e epistemologias existentes relacionadas ao
domínio.
A posição de um ator na estrutura social depende do capital
social e capital informacional que os atores possam vir a agregar
para si próprio e para o conjunto, e esta depende desta capacidade
de conexão. O conceito de capital social emBourdieu (1998, p.65)
nos remete a ideia de movimento, da circulação destas normas e
valores para tratar do quanto de energia social é liberada pela ação
humana no campo. O Capital social mobiliza os capitais que estru-
turam os domínios de conhecimento no campo científico. Sendo ele,
o capital social , uma espécie de mobilizador de trocas simbólicas.
O capital simbólico, segundo Bourdieu (2009, p.194) corresponde a
uma economia de trocas simbólicas. O capital simbólico se adquire
pela convertibilidade de formas específicas de capital em poder de
ação, especialmente da forma expressa da correlação entre capital
escolar, capital cultural e capital social .
Nesta perspectiva relacional, Marteleto (2001, p.73) elegeu para
os estudos do campo informacional, a abordagem da rede social que
congrega a contribuição do enfoque objetivista para a análise de
interações subjetivas “a rede social [...] passa a representar um
conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em
torno de valores e interesses compartilhados. A Análise de Redes
Sociais(ARS) consiste em um recurso de investigação sociológica
oriundo da teoria dos grafos e amplamente empregada por antro-
pólogos na década de 40 em estudos de comunidades. A análise dos
fenômenos sociais de determinada de redes social, na perspectiva
das ciências sociais envolve o estudo da interação entre os atores,
a partir de determinados padrões de medidas (FREEMAN, 2005,

158
p.216.). Atualmente, estes recursos estão sendo empregados nos
estudos de comunicação na ciência, prospecção e inovação
tecnológica (LEYDESDORFF e ETZKOWITZ, 1996; LEYDES-
DORFF, 2004).
As relações epistemológicas, temáticas, conceituais e
metodológicas entre a Teoria Social do Bourdieu e da análise de
domínio de Birger Hjørland foram objeto de estudo de Carvalho
e Marteleto (2015, p. 581)onde foram seguidos os seguintes planos
analíticos: a) histórico e institucional; b) relacional; c) da produção,
organização e divulgação do conhecimento. As autoras sugeriram
como plano metodológico, para esta aproximação ferramentas
qualitativas e interpretativas, como entrevistas de profundidade e
narrativas, análise de documentação e observação direta, comple-
mentadas por uma análise de redes sociais e informetrica. Os
estudos de comunicação científica podem reunir as abordagens das
métricas da informação concomitantemente as metrias de análise de
redes sociais (ARS). Cabe recordar que em “Domain analysis in infor-
mation science: eleven approaches - traditionalas well as innovative” Hjørland
(2002) já mencionava a bibliometria como um dos recursos para a
análise de domínio de conhecimento.
Mas como unificar diferentes abordagens e metodologias para
estudos informacionais no campo da CI? A triangulação de métodos
é um conceito unificador empregado nas Ciências Sociais(DEZIN,
1973, 2006)e consiste na conjugação de diferentes métodos para
estudos sociais. Segundo Minayo, Assis e Souza (2005) a triangu-
lação de métodos reúne diretrizes para interpretar a cultura pelos
elos estabelecidos entre sujeitos do ponto de visa das nor-
mas, regras, códigos especificidades informacionais em seu
contexto sócio histórico. Esta perspectiva interacionista agrega a

159
abordagens e instrumentos de pesquisa que sejam capazes de
apreender a realidade objetiva e subjetiva da ação envolvendo a
compreensão dos mais diversos atores, quebrando os modelos
quantitativos e positivistas dominantes. A construção de um objeto
de pesquisa pela estratégia da triangulação de métodos avança ao
conjugar abordagens quantitativas e qualitativas e as possibilidades
interdisciplinares de estas abordagens se combinarem, produzindo
a triangulação,é nesta perspectiva que o método relacional de análise
da informação (MRAI) desenvolve-se.

3 OPERACIONALIZANDO O MÉTODO RELACIONAL


DE ANÁLISE DA INFORMAÇÃO (MRAI).

Olhar o método relacional de análise da informação (MRAI)


pela triangulação de métodos segundo Minayo, Assis e Souza (2005)
envolve observar algumas características como: a intencionalidade,
a interação entre os sujeitos. A convencionalidade, a produção, a
construção ou o emprego das formas simbólicas de entendimento
do mundo, bem como a sua interpretação, dentro de regras, códigos
e formas tradicionais. A estrutura que expressa modelos articulados
de inter-relações dos sujeitos. A referencialidade que se constitui
como a característica de expressar ou dizer alguma coisa diferente
de si próprio. O contexto, ou seja, estar sempre inserido em proces-
sos e construções sócio históricos, a partir das quais são produzidas,
transmitidas e recebidas.
O método relacional de análise da informação científica, por
exemplo, inclui em uma de suas dimensões as técnicas bibliométri-
cas e de estudos de comunicação científica comumente empregadas
na análise de domínio proposta por Birger Hjørland, e os conceitos
referente a sociologia relacional do conhecimento em campos cientí-

160
ficos de Pierre Bourdieu. A ARSé empregada para operacionalizar
na prática as abordagens quantitativas e qualitativas dos domínios
de conhecimento existentes no campo. A seguir, apresenta-se as
dimensões procedurais para a sistematização do (MRAI) emprega-
se o termo dimensão porque cada dimensão contém mais de uma
etapa.
Dimensão 1. Seleção de uma unidade de análise: A primeira
etapa desta dimensão discorre sobre a importância de um
corpus de análise que seja representativo do domínio de conheci-
mento. Bourdieu (1983, p. 127) nos fornece alguns apontamentos
sobre modelos de representação social no campo científico quando
menciona os conceitos de autoridade científica (Bourdieu, 2004, p.
38-39) uma espécie particular de força simbólica que assegura um
poder sobre os mecanismos constitutivos do campo e que pode ser
reconvertido em outras espécies de capital, como o capital cientí-
fico, por exemplo. Com base nessa premissa, recomenda-se em-
pregar uma análise de indicadores de citação para localizar um ator
com autoridade científica pelo reconhecimento entrepares. Esta é
uma boa estratégia se a construçãoda investigação estiver focada em
descrever um conjunto de relações baseado em um único ator- por
exemplo, um ego rede (revista, periódico, autor, instituição, campo
de pesquisa).Para estudos de domínios de conhecimento focados
na literatura científica indexada por bases de dados internacionais
destaca-se a importância de escolher uma base de dados espe-
cializada que seja reconhecida pelo campo analisado.
Dimensão 2. Coleta e preparo dos dados de pesquisa: A coleta
pode ser realizada em uma base de dados considerando os campos
e recomendações possíveis de uma análise bibliométrica convencio-
nal, como a definição de descritores pertinentes. O preparo dos

161
dados deve ser estruturado em uma matriz relacional relacionando
um tipo de dado ou conjugando os dados em matrizes com-
plexas. Deve-se eleger o software/aplicativo ou sistema para minera-
ção de dados referente a análise bibliométrica, o software/aplicativo
ou sistema para a análise de redes e o software/aplicativo para a
visualização das redes propriamente dita. Destaca-se o fato das téc-
nicas bibliométricas segundo Hjørland(2002, p. 431) produzirem a
ligação entre palavras,pesquisadores, disciplinas, regiões geográficas,
são manifestações explícitas de padrões de interação, comunicação e
sociabilidades.As métricas de análise de redes sociais (centralitye small
words, por exemplo) possibilitam analisar a distância dos autores em
processos de coautoria e elas podem nos dizer sobre os padrões de
sociabilidades em um campo cientifico, as tendências de pesquisa
e instituições e Países envolvidos na construção do campo numa
perspectiva preditiva respondendo questões tais como: quem estará
publicando sobre este tema no campo nos próximos anos? Qual
os objetos centrais de estudo os grupos com alta centralidade de
grau estão a investigar? Qual as relações entre as epistemologias do
campo e o contexto socioeconômico da região ou País? Estas são
apenas algumas questões que podem ser respondidas na perspectiva
da bibliometria relacional. Conceitualmente, define-se bibliometria
relacional como aquela que se ocupa em produzir indicadores tradi-
cionais - palavras, pesquisadores, disciplinas, regiões geográficas
- conjugando dados estruturados das matrizes horizontais como
matrizes relacionais da análise de redes sociais (ARS).
Dimensão 3. Metodologia de Análise de Redes Sociais (ARS): Após
o preparo dos dados de acordo com a Dimensão 2, procede-se a
Análise de Redes Sociais para obtenção das medidas. A confecção
da rede social baseada em dados bibliométricos pode ser orientada
para analisar as interações semânticas, de coautoria, instituição e

162
Países entre outras. As medidas de centralidade são as recomentadas
quando quer-se quantificaras relações de atores em um domínio de
conhecimento, porque elas expressam os atores centrais na estru-
tura de produção de conhecimento, os influenciadores da cultura do
domínio (medidas de centralidade ou coesão, e mundos pequenos
entre outras).
A análise de redes sociais trabalha usando uma linguagem
especializada, para descrever a estrutura e o conteúdo dos conjuntos
de observações estudados, mas também os dados da rede podem
ser descritos e entendido utilizando as perspectivas e con-
ceitos de métodos mais conhecidos, como pesquisa sociológica
tradicional. Os dados sociológicos “convencionais” são compostos
de uma matriz retangular com as medições (WELLMAN, 1983 e
HANNEMAN, 2005).
Em uma síntese das dimensões 1, 2, e 3 o Quadro 1 ensina
como olhar a centralidade de grau e o índice de citações à luz da
metodologia explicitada. A centralidade dos autores na estrutura de
conhecimento é calculada empregando a metodologia de análise de
redes sociais (ARS) e o índice de citação é fornecida pelo ISI na Web
of Science (Wos).

163
Quadro 1 - Centralidade de grau e Índice de citações.

Medidas de ARS Índice de Citação


Centrality Degree (ISI, Google Scholar,
and Betweenness Citeseer X, etc.).
CONTEXTO CONTEÚDO

Freemam (19791 , 20052 ) baseado na Garfield 19563 , 19704 funda O ISI


teoria dos grafos. em 1958, para avaliação da ciência.

Considera a distância entre os (atores) Avalia a relevância do conteúdo para


e capacidade de mobilização até a área com base no número de
outro ponto da mesma estrutura. menções por outros atores.

Fonte: CARVALHO (2017, p.103).

Para análise dos dados pela ARS considera-se as medidas de


centralidade de grau e de intermediação (degree centrality) para o
cálculo da posição dos atores na estrutura abordada. A centralidade
de grau (degree) depende das ligações entre os participantes na mes-
ma estrutura. Esta ligação pode ser forte ou fraca. A centralidade
de intermediação (betweenness) é o indicador que um ator da mesma
estrutura de conhecimento tem de se conectar a outro ator mais
central pelo caminho mais curto.
Dimensão 4. Interpretação dos dados: Nesta etapa observamos na
prática pelas medidas de análise de redes a leitura dos dados biblio-
métricos na perspectiva dos conceitos de Capital social e o domínio

1
FREEMAN, L. C. Centrality in networks: I. conceptual clarification. Social
Networks,n.1, p. 215-239, 1979.
2
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3
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4
GARFIELD, E. What is a significant journal? Current Contents, n. 18, p. 5-6,
1976.

164
emergindo em relações. Quanto maior o Size/Degree de acordo com
Burt (1983) maior a a chance de um dos elos ter o recurso/com-
petência que o ator necessita. As próprias perguntas das pesquisas
acabam por se desdobrar em elos com atores e saberes diversificados
que se unem por pensamento e linguagem em domínios do conheci-
mento que formam o modo de funcionamento de um campo cientí-
fico. A análise de redes para Hanneman (2005) converge abordagens
estudos matemáticas e estatísticas bem como da sociologia. A crítica
sobre a abordagem matemática da análise de redes concentra-se no
determinismo matemático do método quantitativo. Como catego-
ria teórica a aproximação do conceito de capital (social, cientifico,
informacional) lança um olhar sociologizado sobre as medidas da
ARS porque segundo Bourdieu este conceito expressa as trocas, os
fluxos informacionais, as alianças para reunir recursos econômicos
e humanos, a colaboração, a competição, a prioridade pela descobe-
rta na ciência. A ARS produz grafos que permitem a visualização da
estrutura social de um domínio em um campo científico.
A seguir descreve-se alguns exemplos de validação da método
relacional de análise da informação científica (MRAI): A tese de
Carvalho (2014) analisou a estrutura de produção de conhecimento
no campo científico em genética humana triangulando as seguintes
abordagens teórico metodológicas: A análise de domínio, a socio-
logia relacional de Bourdieu e a análise de redes sociais (ARS) que
iniciaram as aproximações do constructo teórico da proposição da
MRAI e dos instrumentos da bibliometria e ARS conjugadas. No
artigo intitulado “Health as a Knowledge Domain and Social Field”
Marteleto e Carvalho (2015) apresentaram um quatro teórico-epis-
temológico entre a teoria social de Bourdieu e a análise de domínio
de Birger Hjørland, que compõe parte do constructo teórico da
MRAI.

165
Na comunicação intitulada “ The Knowledge Organization (KO)
Studies in the Health Field: a relacional perspective” Carvalho (2016) apli-
cou a MRAI para a investigação das transversalidades dos estudos
de organização do conhecimento (KO) no campo da saúde. Logo
em seguida, Carvalho, Ramos e Laguardia (2016) empregaram o
MRAIpara investigar e descrever as tendências e perspectivas de
pesquisa no domínio da filosofia aberta (Open) de produção de
conhecimento e suas derivações como modelos de ciência, tais como
a Open Science, a e-Science, o acesso livre e aberto e os dados abertos na
internet. A unidade de análise foram as coautorias estabelecidas por
um campo de pesquisa em “open science”. Os dados foram coletados
na Web of Science e preparados e uma matriz relacional para ser efe-
tuada a análise de redes e a estrutura do domínio de conhecimento
do campo foi interpretado a luz do conceito de capital social de
Pierre Bourdieu e das medidas de centralidade de grau proveniente
da análise de redes sociais (ARS). O MRAI também foi empregado
por Carvalho (2017) comorecursos metodológicos para desenvolver
estudos prospectivos de domínio a partir dos discursos científicos
circulantes na literatura científica sobre políticas e diretrizes de
governança dos biobancos orientados para saúde pública.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As aproximações teóricas entre a teoria social de Pierre Bour-
dieu e a Ciência da Informação datam do início da década de 90 e
tem sido amplamente empregada em diferentes contextos de análise
informacional entre elas os estudos de comunicação e organização
do conhecimento científico. Por meio da literatura publicada este
estudo recuperou algumas destas aproximações teóricas e históri-
cas para contextualizar o surgimento de uma perspectiva inovadora

166
para a bibliometria relacional empregando análise de domínio e que
surge como aquela que conjuga dados estruturados das matrizes
horizontais como matrizes relacionais e da análise de redes sociais
(ARS). Estes instrumentos e conceitos constituem a base do mé-
todo relacional de análise da informação (MRAI).
A aproximação de indicadores de citação indicadores de
centralidade de grau foi apresentada como primeiro aceno para a
aproximação de medidas fundamentais para o emprego do MRAI.
Os constructos conceituais de Pierre Bourdieu, são fundamentais
ao MRAI constituindo-se como categorias analíticas da informação.
O habitus,como disposições portadoras de informação das práticas
sociais se estabelece pela capacidade da agência humana, os elos
sociais entre atores que compartilham de fundamentos epistêmicos,
linguagem e crenças em torno de empreendimentos científicos for-
mando domínios do conhecimento que dão forma e sentido a uma
estrutura social. Desse modo, o capital social trata de nos dizer o
quando de energia social cada ator libera no campo, possibilitando
as trocas, os fluxos informacionais, as alianças para reunir recursos
econômicos e humanos, a colaboração, a competição, a prioridade
pela descoberta.
Uma série de estudos científicos apresentados acenam para o
desenvolvimento do MRAI. Recomenda-se o MRAI para estudos
de análise de domínio na comunicação e prospecção científica e
tecnológica, nos estudos terminológicos e de relações semânticas,
mapas de coautoria, e relações complexas de produção de
conhecimento, mapeamento das tendências de pesquisa e perspec-
tiva política da produção de informação e conhecimento. O MRAI é
recomendado em análises e mapeamentos das configurações sociais,
informacionais, políticas e culturais dos diversos campos científicos

167
existentes.

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172
SOBRE A O²S²O, DE TESAURO À BOURDIEU:
Linguagem, simbólica e a organização ordinária dos
saberes socialmente oprimidos

GUSTAVO SILVA SALDANHA

1 O HORIZONTE SIMBÓLICO DA ORGANIZAÇÃO


ORDINÁRIA DOS SABERES SOCIALMENTE OPRIMI-
DOS (O²S²O)
“[...] o poeta é imitador, como o pintor ou qualquer outro [...];
por isso, sua imitação incidirá num destes três objetos: coisas
quais eram ou quais são, quais os outros dizem que são ou
quais parecem, ou quais deveriam ser. Tais coisas, porém, ele
as representa mediante uma elocução que compreende
palavras estrangeiras e metáforas, e que, além disso,
comporta múltiplas alterações, que efetivamente consen-
timos ao poeta.” (ARISTÓTELES, 1966, p. 99, grifo nosso)

Pretendemos discutir nessa reflexão filosófica as contribuições


de Pierre Bourdieu, enquanto “filósofo da linguagem”, para o
debate do campo informacional, em diálogo com outras perspec-
tivas teóricas dedicadas aos discursos epistemológico-históricos so-
bre a linguagem. Em uma margem, trata-se de verificar como, em
diferentes (ou praticamente em todos) os momentos argumentati-
vos do pensador francês, as relações entre a linguagem, o simbólico
e o conhecimento estão articuladas, constituindo um solo fértil para
a reflexão em Ciência da Informação. Em outra margem, o estudo
procura demonstrar como as questões bourdieusianas acerca da lin-
guagem estão no cerne do discurso epistemológico fundacional da
Organização do Conhecimento, a partir do pensamento e da obra
de Tesauro (1670).
Conhecido por seu enfrentamento aos diferentes construtos

173
de distinção estabelecidos a partir de poderes elaborados em minú-
cias simbólicas das relações sociais, Bourdieu aborda a linguagem
como elemento central para formação e, consequentemente, para a
identificação de forças que fundamentam estruturas extremamente
rígidas de controle social e de refração à mobilidade socioeconômi-
ca. Em geral manifestada pela noção de “simbólica”, essa orienta-
ção teórico-metodológica demonstra como, mesmo em situações
de pretensa igualdade de condições, as energias simbólicas atuam
como marcas concretas de classificação, evidenciando preconceitos
e reproduções silenciosas de determinismos ditos superados.
O resultado das abordagens bourdieusianas entre linguagem e
simbólica nos leva ao discurso central dos dilemas da Organização
do Conhecimento em seus princípios histórico e contemporâneo:
quando classificamos, quem excluímos? As distinções feitas na cat-
egorização de duas ou mais entidades estão dadas sob quais aparatos
simbólicos de refração? Quantos massacres foram proporcionados
por exercícios básicos de classificação, como nos demonstrou o
quadro de questionamentos socioteóricos de Vignaux (2000)? Sen-
do a consciência um fato sociolinguisticamente tecido e fundado em
distinções determinadas pelas forças macro e micro socioeconômi-
cas existentes, um campo de energias simbólicas atua nas coletivi-
dades como ferramenta para os usos sociais dos corpos, reconhe-
cidos como singulares, desde Aristóteles (2010, 2005, 1991, 1966),
por sua capacidade de falar.
A potencialidade comunicativa, do ponto de vista da filosofia
da linguagem e da filosofia simbólica, atesta a condição do humano
como sujeito da polis, capaz de gerar ideias e relaciona-las a partir de
ferramentas gramaticais (aqui, gramática compreendida não como
as fronteiras de um vernáculo, mas a elaboração de símbolos para

174
comunicação, componentes tais da capacidade de identificação de
intersujeitos em sua coletividade), conforme as noções constituídas
desde a Antiguidade no contexto do trivium. (JOSEPH, 2008)
O efeito social aplicado no mundo da linguagem (mental, oral
e escrita, como percebido por Tesauro (1670)) de modalidades de
classificação estabelece, pois, uma estrutura simbólica que distingue
categorias como o bem e o mal, o céu e o inferno, a unidade
e a diversidade, o universal e o particular, o rico e o pobre. A
aproximação das abordagens da filosofia da linguagem e da filoso-
fia simbólica anteriores à Bourdieu, do pensamento aristotélico ao
pensamento wittgensteiniano, por exemplo, demarcam uma relação
pontual entre a obra linguístico-simbólica bourdieusiana e os estu-
dos informacionais, mais especificamente, para nosso enfoque, no
tocante ao conjunto de teorias e de práticas reconhecidas mundial-
mente pela noção de knowledge organization.
Principalmente, quando entramos em contato com a abor-
dagem aristotélica de Emanuelle Tesauro, mergulhamos em uma
cosmologia da linguagem que tem como solo abissal a simbólica
no contexto da Organização do Conhecimento, seus potenciais de
emancipação via uma poiesis (o agir criativo, produtivo) do mundo
da linguagem. Sob a via bourdieusiana, por sua vez, identificamos a
miríade de estruturas do mundo social atuando como forças de con-
centração de poder simbólico e consolidação de mecanismos refra-
tários à mudança. Essa segunda abordagem aponta para a necessária
revisão de uma condição simbólica da organização dos saberes, que
pode ganhar com Bourdieu um dos aportes fundacionais para uma
vasta revisão epistemológico-histórica, principalmente, um reen-
contro com a potencialidade crítico-linguística do pensamento de
Tesauro.

175
Nesse decurso percebemos que, ao pontuar a iniciação à sim-
bólica como potencialidade teórico-metodológica do campo, a via
bourdieursiana não pode ser vista como independente no espaço-
tempo epistemológico: é preciso pontuar as influências de sua críti-
ca sociológica. Esse movimento nos leva a um dos cernes da
teoria simbólica da Organização do Conhecimento, desenvolvida
por Tesauro (1670) e revisada por Eco (2010, 1984), como parte
fundacional da semiótica. O movimento perpassa, pois, a Retórica,
a Poética e as Categorias da filosofia aristotélica (ARISTÓTELES,
2010, 1991, 1966), a filosofia das formas simbólicas de Cassirer
(2011, 2004, 2001, 1994), bem como a filosofia da linguagem
ordinária de Wittgenstein (1979) e, ainda, Bakhtin (2012, 2010), em
seu diálogo entre marxismo e filosofia da linguagem, bem como em
sua análise da linguagem popular.
A partir do encontro de tais argumentações, chamamos
aqui Organização Ordinária dos Saberes Socialmente Oprimidos
(O²S²O) o resultado das abordagens epistemológico-históricas das
práticas linguístico-simbólicas hoje tratadas sob a noção de knowledge
organization que vão de Tesauro aos dias atuais, entrecruzadas com as
abordagens críticas na filosofia da linguagem e na filosofia simbólica
de (e redimensionadas por) Bourdieu em seus diálogos com, por
exemplo, Bakhtin, Cassirer e Wittgenstein, dentre outros.
Muito aquém de uma teoria, a O²S²O, de integral influência
epistemológica freiriana (FREIRE, 1987), é uma categoria discur-
siva para observar, reunir, discutir, criticar e impulsionar os métodos
e abordagens teóricas que se posicionam na luta contra a opressão
não apenas dos próprios instrumentos e instrumentalizações da
organização e representação do conhecimento, mas que, fundamen-
talmente, se colocam no front do uso de tais estratagemas teórico-

176
metodológicos como armamento (no sentido do Aristóteles das
Categorias e da Retórica, fonte central de Tesauro no século XVII)
para o combate às dinâmicas de potencialização da concentração
do poder simbólico e suas formas sutis de massacre cotidiano, bem
como, na direção oposta, para a iluminação da diversidade e da
singularidade dos saberes múltiplos em sua resistência.

2 DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM, DE TESAURO À


BOURDIEU PASSANDO POR ECO: o destino do simbólico
“[...] está igualmente em jogo a sensibilidade ao performativo
e à decifração não menos performativa da performance – no
modelo do oráculo: quando dizer/ler é fazer.” (CASSIN, 2005,
p. 194, grifo nosso)

Diretamente influenciado pelas Categorias aristotélicas, inter-


essado em compreender a dinâmica da linguagem e observar os mo-
dos de relacionamentos dos discursos (via a Retórica aristotélica) e
criação de “coisas” a partir da linguagem (via a Poética aristotélica),
Emanuelle Tesauro (1670) constitui um índice categórico no século
XVII através de fichas e tabelas. Independentemente de ser “o pri-
meiro”, Tesauro, com seu Cannocchialle aristotelico (A luneta aristoté-
lica), publicado originalmente em Turim, em 1654, explora radical-
mente a configuração transgramatical permitida pela manipulação
da linguagem – a transgramaticalidade antevista em nosso diálogo
sobre o potencial teórico-técnico dos instrumentos de organização
dos saberes desde a Antiguidade (SALDANHA, 2012).

177
Figura 1- Folha de rosto de Il cannocchiale Aristotélico.

Fonte: TESAURO, E. Il cannocchiale Aristotélico.


Turim: Bartolomeo Zauatta, 1670.

A organização de Tesauro leva Eco (1984, p. 182) a reconhecer


sua experiência como um “modelo de universo semântico organiza-
do”, relacionando substância, quantidade, qualidade, relação, lugar,
tempo, estado, ter, agir, partir. Após a relação dos termos, reúne-se
de maneira específica, sob o olhar de uma determinada figuração, e
através do índice categórico é estabelecida a possibilidade de rela-
ções subjacentes.
Há que fazer uma metáfora sobre um anão? Percorre-se o ín-
dice categórico na entrada Quantidade, identifica-se o conceito
Coisas Pequenas, e todas as coisas microscópicas que aí se en-
contram poderão ainda ser divididas por (como hoje se diria)
seleções contextuais: astronomia, organismo humano, animais,
plantas, etc. (ECO, 1984, p. 182)

178
Como demonstra Proctor (1973), trata-se de uma teoria do
conceit, ou seja, da presunção, da ideia, da imaginação (e não do
concept, conceito, da expressão inteligência da metafísica aristotélica).
A noção de conceit pode ser reconhecida também, diretamente sob
o “manto” teórico da Retórica do Estagirita, como tropo, metáfora,
imagem, sagacidade (witticism). Em outros termos, a partir do índice
categórico temos uma teoria da metáfora.
Lembra-nos Eco (1984, p. 182) que o “índice categórico”
deveria ser acompanhado, no entanto, de um “segundo índice”.
A partir desse cada uma das substâncias seria analisada especifica-
mente “para as partículas que definem o modo como se manifesta o
objeto em questão (na categoria Quantidade se deveria então encon-
trar ‘como se mede’, ‘quanto pesa’, ‘que partes tem’; na Qualidade
haverá ‘se é visível’, ‘se é quente’, etc.)”.
Desta maneira,
Tesauro, keenly aware of the difference between Science and
Rhetoric, between literal and figurative truths, uses the ingeg-
no, as a separate faculty or power of the mind, to account
for, and in part to justify, not man’s Discovery of pre-existing
relationships between natural objects [as was the case in much
of medieval symbolism and Renaissance magic], but rather his
creation “ex nihilo” [the ingegno “di non Ente, fa Ente”] of
relationships which, when taken literally, have no objective
existence and no positive status in the order of things” in real-
ity and truth. (PROCTOR, 1973, p. 74)

Nas palavras de Eco (1984, p. 182-183), Tesauro desenvolveu
um “verdadeiro sistema do conteúdo organizado em enciclopédia”,
plano fundamental para a futura semiótica do século XIX. Em
certo sentido, na visão ecoiana, “desordenadamente estruturalista”
(p. 183), o teórico do século XVII percebia que as relações da
linguagem em sua dinâmica permitiam transferências metafóricas.
Trata-se de um modo de pensar uma escrita do real, uma maneira

179
não só de representa-lo, mas de “apresentar” um outro real, sem
desconsiderar a relação entre a linguagem mental e a linguagem oral.
Logo, nessa perspectiva a linguagem “é mais” do que representação:
ela se estabelece também uma forma de tecer o real.
O Cannocchiale, enquanto tratado, segue o modelo dos discur-
sos, recorrendo, principalmente, ao uso de provas, exemplos,
com os quais constrói o seu processo argumentativo. Enquan-
to a discussão progride nos eixos horizontal (que abrange o
conhecimento de todos os aspectos da retórica trabalhados
por Aristóteles) e vertical (que faz um apanhado histórico e
cultural das ocorrências consagradas pelo autor), o caráter
metalingüístico da obra consolida com o próprio modelo aris-
totélico a discussão a seu respeito. (MORAES, 2010, s.p.)

Da mesma maneira em que na Retórica aristotélica, a lingua-


gem se transforma enquanto metalinguagem: o mundo é “criado”
segundo a relação de sobreposição de linguagens, de discursos,
debates, comentários, retomadas de diálogo. Como demonstrado
em Almeida & Crippa (2009), Tesauro, enquanto o pensador bar-
roco, demonstra a capacidade potencial de mutação do real a partir
da metáfora.
Em linhas gerais, o trabalho de Tesauro (1670) apresenta,
entre as Categorias do Organón, da Poética e da Retórica do Esta-
girita (ou seja, manipulando como um mago a alquimia do trivium),
uma técnica, um método de escrita. Trata-se de uma escrita, porém,
que se desdobra sobre si: metaescrita a partir de verossimilhanças.
Nos termos do pensamento bibliográfico, estamos diante de um
“catálogo”: a busca por uma sobreposição que semanticamente se
estabelece a partir de representações descritivas e a virtualidade ab-
erta sobre a dança dos contextos dos pragmata.
The metalinguistic character of Tesauro’s text evokes not only
a way to understand and restore the Aristotelian rhetoric, but
of establishing a writing practice as well, along with the pre-
sentation of the method of such practice, full of the intertwin-
ing of information, concepts, practices, in the form of com-
ments. (SALDANHA, SILVEIRA, 2016, p. 190)

180
Encontramos aqui, nessa visão “catalográfica” (descrição do
“universal” a partir dos “particulares”), a visão cassiniana sobre
Górgias: trata-se de perceber, a partir da linguagem, o fundamento
de uma philosophia perennis a partir do poder do discurso. Uma
espécie de “poesia” (criação) se estabelece, mas não aquela dos
poetas. Trata-se de uma poiesis do grammaticus, a busca pelos
“mecanismos da graça eficaz da linguagem” (CASSIN, 2005). A teo-
ria de Tesauro (1670) não apenas sugere essa percepção, como, do
mesmo modo que ocorre na leitura do Lógos aristotélico realizada
por Cassin (1999), reconhece a Lógica e os preceitos das Categorias
do Estagirita.
Tal visão metalinguística tem um horizonte inevitável no
plano do uso: fruto da polis, do espaço ideal do discurso segundo a
posição da Hélade clássica, nos termos de um debate social, ou seja,
quando reconhecemos que os preceitos de Tesauro para a Orga-
nização do Conhecimento estão envolvidos com uma construção
sociolinguística do real, chegamos à fronteira entre conhecimento
e sociedade mais do que mediada por ela, a linguagem. Trata-se
da afirmação do “real” não como potencial de representação, mas
como a imediata apresentabiliadde, conforme a visão wittgenstei-
niana (WITTGENSTEIN, 1979), ou, ainda, atingimos o plano do
concreto no dorso da linguagem: “O que há de mais ‘material’ na
cidade: o discurso. A cidade é uma ‘coisa’ discursiva – um sopro
plástico (ação) do discurso” (SALDANHA, 2012). É nesse front
que Tesauro “encontra” Bourdieu para um longo diálogo em nossa
percepção.
De acordo com a visão do francês (praticamente uma
reprodução aristotélica, se vislumbrado o Lógos do Estagitira
vislumbrado em Cassin (1999)), “A linguagem é uma práxis: ela é

181
feita para ser falada, isto é, utilizada nas estratégias que recebem todas
as funções práticas possíveis e não simplesmente as funções de
comunicação”. (BOURDIEU, 1983, p. 158). Enquanto manifesta-
ção objetiva no mundo concreto, a linguagem permite, pois, desdo-
bramentos dentro do próprio concreto, e só nele seu sentido se faz
força e distinção. Esses movimentos consequenciais estão dados na
própria estrutura de construção do sujeito na coletividade e exigem,
para tal, uma interpretação mais minuciosa da simbólica, ou seja,
uma caminhada ao lado de Ernst Cassirer.

3 DA FILOSOFIA SIMBÓLICA, DE BOURDIEU À TESAU-


RO PASSANDO POR CASSIRER: o destino do social
“Podemos nos perguntar por que um sociólogo se imiscui,
hoje, na linguagem e na lingüística. Na verdade, o sociólogo
não pode escapar a todas as forças mais ou menos larvares de
dominação que a lingüística [...].” (BOURDIEU, 1983, p. 156,
grifo nosso)

Para Bourdieu (1983), em sua “economia das trocas linguísti-


cas”, o ponto de vista crítico-sociológico aborda os conceitos
linguísticos a partir das seguintes substituições:
a noção de gramaticalidade pela de aceitabilidade ou, se quiser-
mos, a noção de língua pela noção de língua legítima; as rela-
ções de comunicação (ou de interação simbólica) pelas relações
de força simbólica e, ao mesmo tempo, a questão do sentido
do discurso pela questão do valor e do poder do discurso; en-
fim e correlativamente, a competência propriamente lingüística
pelo capital simbólico, inseparável da posição de locutor na
estrutura social. (BOURDIEU, 1983, p. 57)

O movimento de apropriação sociológica demonstra, pois,


uma interpretação histórico-crítica, de fundo materialista-dialético,
de cada uma das noções centrais da linguística. Língua “se torna”
uma instituição de poder, comunicação uma forma de domínio e

182
opressão. Essa condição está claramente colocada em Aristóteles –
não nos termos da dialética materialista-histórica, mas na condição
da objetividade de seu poder. É com a Retórica que se pode fazer
não apenas trocas meramente “linguísticas”, mas estabelecer as
modalidades de constituição da própria Filosofia, do próprio dis-
curso sobre o ser – nas palavras cassinianas, aquilo que a torção
gorgiasiana o fez, ou seja, o “discurso faz o ser, o ser é um efeito do
dizer” (CASSIN, 2005, p. 63). Aquele que domina a linguagem terá
consequentemente poder (mesmo que em distintos níveis). Não é
possível, pois, conclui Bourdieu (1983), pensar uma sociologia que
escape da linguística - preferimos aqui chamar “linguagem”, ou seja,
para aquém e além da cientificidade da linguística, a crítica social é,
enquanto crítica, a capacidade de refletir sobre a linguagem a partir
da própria linguagem.
Segundo Bourdieu (1983), a língua, para além de um instru-
mento de comunicação, é a marca de um poder. A busca pela com-
preensão é aqui interpretada como procura pelo respeito, pelo
reconhecimento e pela submissão do outro diante de sua fala. A
competência de quem fala torna-se, pois, um direito à palavra, isto
é, à palavra autorizada, legítima. Desta maneira, na linguagem (para
muito aquém da linguística, insistimos),
O que fala nunca é a palavra, o discurso, mas toda a pes-
soa social (é o que esquecem aqueles que procuram a “força
locutória” do discurso no próprio discurso). [...] sabe-se, ai-
nda, que a eficácia de um discurso, seu poder de convicção,
depende da autoridade daquele que o pronuncia ou, o que dá
no mesmo, do “sotaque” funcionando como indício de autori-
dade. (BOURDIEU, 1983, p. 167, grifo nosso)

“Do simbólico” provêm os discursos inseridos como forma


de poder. Aqui Bourdieu “integra” filosofia da linguagem e filoso-
fia simbólica. Mais especificamente, pertence a essa dinâmica

183
interpretativa do real as relações estabelecidas por Bourdieu (como
demonstrado pelo teórico francês em “Coisas Ditas”) não apenas
por Wittgenstein, mas também Ernst Cassirer, neokantiano dedi-
cado a um modo de compreensão do homem a partir, dentre outros
pressupostos fenomênicos, da linguagem. Para o filósofo alemão,
não apenas as práticas, como também as construções do pensa-
mento, são resultado de uma “formação” específica do sujeito, a
qual a visão cassireriana denomina “simbólica”. Envolvido em teias
ou sistemas simbólicos, o conhecimento do mundo e o potencial
do conhecimento de si determina o homem como um “animal sim-
bólico”, consequência de cadeias de processos intersubjetivos.
É na fundamentação de sua filosofia que Cassirer (2001) já
condiciona a construção de sua simbólica à linguagem: o primeiro
volume da Filosofia das Formas Simbólicas, é, sob influência de
Humboldt, a tentativa de compreensão de como a atuação da imagi-
nação da língua funda o modo de determinação do real. A análise é
válida, na posição cassireriana, tanto para a questão dos elementos
mais abissais do saber humano – como o mito – como aqueles
traduzidos como extremamente avançados durante a Grécia Clás-
sica, como a lógica de Zenão de Eleia, apropriada por Aristóteles.
Assim como Tesauro no Seiscentos, a filosofia das formas
simbólicas antevê o mundo como fruto de um complexo entre o
discurso e a linguagem, sendo essa mais do que uma possibilidade
de representação. Desfaz-se a pretensa oposição entre a filosofia
metafísica e o ponto de vista mentalista da visão moderna – a “apre-
sentabilidade” wittgensteiniana se enquadra aqui (WITTGEN-
STEIN, 1979), como indicado por Bourdieu (2004c, p. 21):
Wittgenstein é certamente o filósofo que me foi mais útil nos
momentos difíceis. É uma espécie de salvador para os períodos
de grande angústia intelectual: quando se trata de questionar
coisas tão evidentes como “obedecer a uma regra”. Ou quando

184
se trata de dizer coisas tão simples (e, ao mesmo tempo, quase
inefáveis) como praticar uma prática.

Em outros termos, o “sensível” e o “abstrato” se encontram


no simbólico, o universal e o particular se emaranham, fonte e des-
dobramento do mundo enquanto ato performativo. (CASSIRER,
2001). No itinerário de tal encontro, em sua análise do mito, Cas-
sirer (2004) demonstra que as formações mais simples (sob a noção
de Simples na filosofia tradicional) e as mais complexas (da con-
figuração Moderna do pensamento, principalmente as linhagens
materialistas da filosofia social, onde se encontra o ideário bourdieu-
siano) estão encerradas nas mais diferentes formas míticas experen-
ciadas em contextos espalhados por comunidades de todo o mundo.
Reposicionando mito e razão no escopo das formações
simbólicas (ou seja, o conceito de círculo estará tanto em uma tr-
ibo no interior da África como em Pitágoras), Cassirer (2011)
estabelece, segundo uma fenomenologia do conhecimento, a per-
manência de uma simbólica como base para o reconhecimento de
tal processo fenomênico. Retirando, pois, a dicotomia entre o real e
o material, entre o ser e a matéria, Cassirer (2011) demonstra que em
todos os movimentos do sujeito – mesmo em seu reconhecimento
da “existência” do tempo e do espaço, seja como entidades metafísi-
cas ou como possibilidades de racionalização do real – o simbólico
está dado como um a priori aberto, porém não exterior, nem subje-
tivamente contido no mentalismo que o encerra como real em um
racionalismo moderno. O simbólico é a possibilidade de construção,
dentre outras tantas potências, de tais ações do pensamento.
A longa reflexão da filosofia das formas simbólicas permite
Cassirer (1994) reconhecer o homem como um “animal simbólico”,
posto que a racionalidade – o Logos como estatuto da relação entre

185
razão e ser – já é um “artefato” da formação simbólica do sujeito.
Extensa crítica epistemológica ao idealismo e ao racionalismo, a sín-
tese cassireriana coloca em pauta o papel de uma filosofia da cultura
que, a partir da linguagem, demonstra como o homem edifica “in-
stituições” que são muito mais do que mediadoras, que simples pro-
cessos de significação e designação. O conceito não é abandonado,
mas integrado à um pensamento discursivo, posto que reconhece o
poder (trans)formador e mutante da linguagem.
Do mesmo modo, assim como se dá no pensamento bour-
dieusiano sobre a linguagem (BOURDIEU, 1983), uma “gramati-
calidade” não é abandonada, mas reconhecida como “aceitabili-
dade” – ou, reafirmando, “apresentabilidade’ segundo o léxico
wittgensteiniano (WITTGENSTEIN, 1979). No discurso cas-
sireriano (CASSIRER, 2001), a análise de um história da filosofia da
linguagem nos leva a um ponto de vista que demonstra uma relação
muita clara entre universalidade e particularidade na construção do
sujeito. Nessa via interpretativa, se a linguagem pode ser vista como
um “universal” (os sujeitos só são sujeitos posto que socialmente
se articulam através da linguagem, ou seja, simbolicamente - aqui,
“simbolicamente” é sinônimo de “gramaticalmente”, segundo o
trivium - conceberam o seu real, no redemoinho da “matéria” sobre
a “forma”), a gramática é sempre um particular, ou seja, a ilusão dos
modos de construção do sujeito como universal é um falso argu-
mento, diante dos níveis, no sentido bourdieusiano, absolutamente
contextuais de “aceitabilidade”.
Não existindo o “universal” no sujeito, mas na linguagem,
como Humbolt, Cassirer (2001, p. 140) procura realizar uma “via-
gem” pelas “máximas alturas e profundidades do mundo interior e
conhecer toda a sua diversidade”. Supera-se, à moda humboltiana,

186
a separação entre espírito individual e espírito objetivo. Se todo
indivíduo fala sua própria língua, ali dentro ele se constitui, ou seja,
“é precisamente na liberdade com que dela se serve que ele adquire
consciência de um liame espiritual interior” (p. 141). Assim, se
estabelece, na filosofia das formações simbólicas, o “poder sim-
bólico” e os capitais culturais do sujeito que, em Bourdieu (2012,
2011b, 2007, 2004), encarnam o rito cotidiano de distinção.
A constituição simbólica do sujeito é definitivamente expressa
na visão culturalista cassireriana, influência objetiva para a sociolo-
gia da cultura em Bourdieu:
A linguagem é o indício mais radiante e a prova mais se-
gura de que o ser humano não possui uma individuali-
dade isolada, que o Eu e o Tu não são apenas conceitos
que se complementam mutuamente, mas, ao contrário, se
revelariam idênticos, se nos fosse possível retornar até o ponto
em que se separaram. (CASSIRER, 2001, p. 141-142, grifo
nosso)

Soma-se a essa síntese o poder da linguagem atuar não apenas


como uma espécie de “universal” que se estabelece no “particu-
lar” demarcando “coletividade”. Ela é, para Cassirer (2001, p. 156),
“a condição de ser diferente”. Nos termos da crítica da linguagem
bourdieusiana (BOURDIEU, 2011), eis o “aqui” e o “agora” da
“distinção”, a constituição do poder de classificação do simbólico.
Eis, ainda, o “instante” quando o simbólico se revela no e como
drama social, processo de divisão de classes e multiplicação de
segregações.
O poder da linguagem é dado, pois, como “matéria” que
concebe não apenas o mundo, mas seu conjunto de problemas
simbolicamente tecidos e socialmente, no concreto, multiplicados.
De uma margem, pois, a linguagem é fonte, o universal que permite
ao sujeito se refletir como tal (ego só constituinte enquanto alter),

187
da outra margem, é o modo mais cruel de constituir, como de
demonstrar, cada qual a sua maneira, Cassirer (2001) e Bourdieu
(2012, 2011a), o drama do sujeito na concretude.
Dentro do mesmo cenário argumentativo, é, uma vez com-
preendendo o poder que nos concebe a e que é permitido pela
linguagem, que o “mergulho” de Tesauro, no Seiscentos, torna-se
extremo no trato das potencialidades simbólicas não apenas de
representação, mas de (re)organização do real. A percepção
tesauriana demonstra como tal poder nos conduz a um horizonte de
refundamentação do próprio sujeito segundo a condição metafóri-
ca. Tesauro (1670) aponta para um modo especial de construção do
real pela linguagem, a simbólica, fruto da discussão de um capítulo
inteiro de seu tratado sob a noção de argutezza simbolica.
Como aponta Proctor (1973), Tesauro concebe um olhar sob o
parlar figurato (falar figurativamente). Como uma teoria da metáfora, o
olhar tesauriano estabelece o horizonte de estudo das “figuras” (es-
truturadas sob a tríade sentido, emoção e inteligência), identificando
os conceitos de schimatta (em grego) ou figurae (do latim), compreen-
dendo aqui a possibilidade de separar os termos e ao mesmo tempo
multiplicar todas as suas articulações possíveis. A multiplicidade
combinatória é dada pela ingenious signification, a capacidade retórica
de produzir e relacionar ideias ou, simplesmente, a imaginação dos
pragmata.
Assim como o “encontro” das filosofias cassireriana das for-
mas simbólicas e a crítica sociológica do simbólico em Bourdieu,
Tesauro (1670) percebe a atuação do “universal” da linguagem e de
sua “particularização” no mundo dos homens, posto que antevê a
diferença e a complementariedade entre a lógica e a retórica, e seus
usos no mundo social. A mesma visão se encontra no pensamento

188
bakhtiniano, tanto em sua análise marxista quando no estudo de
Rabelais (BAKHTIN, 2012, 2010), registrada pela crítica boudieu-
siana da linguagem.
Assim, todas as manifestações lingüísticas situam-se entre o
discurso altamente censurado (de que a linguagem filosófica
heideggeriana é, sem dúvida, um exemplo externo, pelo fato
da imensa distância entre o interesse expressivo e as exigên-
cias do campo) com o silêncio no limite (para aqueles que
não possuem os meios de eufemizar), e o franco-falar da crise
revolucionária ou da festa popular tal como a descreve Bakhtin
em seu livro sobre Rabelais. (BOURDIEU, 1983, p. 183, grifo
nosso)

Tesauro (1670) compreende pontualmente a relação entre uma


“censura” no falar, via uma economia da língua imposta pela lógica,
no Aristóteles que reposiciona Zenão, bem como percebe sua
virtualidade criativa na poeisis da feira urbana, assim como percebeu
Bakhtin (2010), buscando o “sujeito” na linguagem, no riso, na festa
popular, no banquete, na performance do corpo, no que o próprio
chamou de o “vocabulário da praça pública” (BAKHTIN, 2010, p.
125). Abordando Tesauro, Proctor (1973, p. 85) demonstra que
The urbane cavillation and the dialectical cavillation have dif-
ferent ends. Rhetoric is concerned with popular persuasion,
Dialectic with scholastic reasoning. Thus the urbane or rhe-
torical cavillation strives to delight the mind of the listeners
with pleasantry, without the encumbrance of the true.

A noção de conceit, pois, de fundo tesauriana (TESAURO,


1670), demonstra a capacidade de enxergar o mundo – na metáfora
da “luneta aristotélica” – que a manipulação da linguagem permite.
É na imaginação da ação que podemos perceber como simbolica-
mente os sujeitos são criados e como simbolicamente se oprimem.
O mundo da polis, o universo urbano, é o espaço central onde essa
imaginação da linguagem atua, como construção de identidades
(como visto na abordagem cassireriana) e como edificação das

189
distinções (como demonstrado na sociologia bourdieusiana).
Tesauro (1670) é, pois, a linha de reflexão que abre, à Organiza-
ção do Conhecimento, a vastidão de uma crítica da linguagem
sobre saberes eleitos e aqueles excluídos, a crítica que condiciona os
problemas da Organização do Conhecimento à polis, ou seja, aos
dilemas políticos do sujeito histórico.

4 A O²S²O E LUTA POLÍTICA NA ORGANIZAÇÃO DO


CONHECIMENTO: uma metateia ocular
“Na vida ateniense do século V, a linguagem tornara-se um
instrumento com propósitos definidos, concretos e práticos.
Era a mais poderosa arma nas grandes lutas políticas.” (CAS-
SIRER, 1994, p. 189, grifo nosso)

Tesauro (1670) propõe, em grande medida, uma teoria revo-


lucionária, capaz de perceber aquilo que a filosofia das formas
simbólicas sintetizou, reunindo sob a concepção de um certo homo
symbolicus (CASSIRER, 1994), ao mesmo tempo em que permite,
com sua “luneta”, sob influência de Aristóteles, mergulhar nos
dilemas do homem da urbes, grande dilema filosófico na Grécia
clássica do século V antes de Cristo, através de sua metaforicidade
viva e dinâmica, conduzindo-nos a uma crítica da linguagem como
necessária fundamentação epistemológica para as práticas de Orga-
nização do Conhecimento.
Esse movimento tesauriano nos faz reconhecer igualmente a
importância da fundamentação sociológica do simbólico a partir de
Pierre Bourdieu (2012, 2011a, 1983), esse, por sua vez, diretamente
influenciado por Ernst Cassirer, além de reconhecer as aborda-
gens dialética e ordinária de Bakhtin (2012, 2010) e de Wittgenstein
(1979), respectivamente. É com Tesauro (1670), pois, que, em nossa

190
visão, se estabelecem os primeiros elementos potenciais para uma
crítica social do campo informacional, crítica a qual tratamos aqui
como Organização Ordinária dos Saberes Socialmente Oprimidos
(O²S²O).
As influências tanto de Cassirer como de Wittgenstein em
Bourdieu (2004c), bem como Bakhtin (2012, 2010), demonstram
que a preocupação com a linguagem ordinária escancara e pos-
sibilita uma luta de fundo filosófico e sociológico, que tem a
linguagem (como um universal) não apenas como alvo, mas também
como arma. Fundamentalmente, trata-se de perceber a distin-
ção estabelecida pela linguagem e toma-la como fonte para a luta
política. Antevisto por Aristóteles, em sua querela com o ponto de
vista sobre a linguagem no Platão (2000) do Fedro, o dilema está
colocado no pensamento e no método de Tesauro (1670).
Assim como Tesauro, Cassirer, Wittgenstein e Bakhtin, Bour-
dieu (1983) dedica parte de seu trabalho a coletar, separar, com-
parar, analisar e desvelar o que está por trás do mundo das palavras e
do modo como as “gramaticalizações” classificam os sujeitos. Trata-
se, traduzindo sob o ponto de vista aristotélico, de perceber como
os pragmata se constituem (ou seja, de acordo com Cassin (2005), a
linguagem em seu movimento, a linguagem que tem efeito em seu
uso, diferentemente dos onta), ou, ainda, de reconhecer o elemento
que tem a polis como espaço ideal, do plano educacional ao plano
político – nos termos bourdieusianos, diríamos: no contexto dos
distintos “campos”, perpassando o dilema do gênero (BOURDIEU,
2002), o da ciência (BOURDIEU, 2004a, 2004b), o da instituição
escolar (BOURDIEU, 2007), a linguagem é um modo de criar e-ou
de consolidar das distinções.
Se não propõe formalmente uma sociocrítica da linguagem,

191
Tesauro (1670) está plenamente consciente do potencial de distin-
ção provocado por ela. Como lembra Proctor (1973), Tesauro de-
fine sua teoria do conceit como um entimema (ou silogismo aristoté-
lico constituído a partir de seu efeito retórico) do cosmos urbano,
fundado na metáfora. Reconhece-se, pois, no Seiscentos, a força do
uso da linguagem como marca da virtualidade das conexões. Em
outros termos, em relação a Tesauro “must go the honor, then, of
being not only the first, but the only criticw e know of who
succeeded in distinguishing the conceit from other tropes on the
basis of its structurea lone. (PROCTOR, 1973, p. 89)
Fruto da “engenhosidade” de Tesauro (1670), a O²S²O é, pois,
um modo de reconhecer a Organização do Conhecimento como
uma (auto)crítica da linguagem, aproximando abordagens da filoso-
fia e da sociologia da linguagem e do simbólico, que permitem
constituir um olhar sobre as práticas de manipulação e de represen-
tação dos múltiplos saberes na paisagem social e no política. Porém,
para além de um modo de ver, a O²S²O é a procura pela constituição
de ferramentas culturais específicas, teórico-metodológicas, para o
olhar, o desvelar, ou seja, a procura tesauriana por estabelecer
“lunetas aristotélicas”, instrumentos óticos de crítica sociolinguísti-
ca e de criação de outros mundos possíveis (como na arte combi-
natória linguística permitida pela filosofia leibniziana, também essa
do Seiscentos).
Enquanto uma metateia ocular, a O²S²O deseja identificar,
reunir, organizar, criticar e projetar todo o processo de trans-
gramaticalização do real a partir das abordagens sociais, culturais
e políticas que colocam em cena a questão da opressão a) realizada
pela própria Organização do Conhecimento, b) potencializada por
ela e, por um outro plano, c) passível de ser refundada. Trata-se

192
de, uma vez compreendidas as práticas e as instrumentalizações em
organização e representação do conhecimento como efeitos discur-
sivos que concebem o real mutante, apropriar-se do simbólico como
arma de luta contra o discurso opressor.
Em termos objetivos, a O²S²O deseja, em tal metateia ocular,
demonstrar, como a visão vignauxiana, que, por exemplo, o nazis-
mo é (também) uma questão de classificação, e seus potenciais de
expansão em um dado período, retorno e hecatombe, são mani-
festações de uma luta transgramatical constante. A O²S²O atua no
front: representaria o objeto de denúncia e o discurso de defesa. Se
o real é fruto de transgramaticalizações no plano simbólico, faz-se
necessário, na e pela linguagem, cuidar das mudanças que avançam
contra as injustiças sociais e seus usos para, simbolicamente,
destituir a reprodutibilidade linguística das formas de estagnação da
luta pela dignidade. Em outras palavras, a O²S²O é uma luta com
e contra o que Vignaux (2000) denominou de “o demônio da
classificação”.

Agradecimentos
A pesquisa foi desenvolvida com o fomento do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil
(CNPq) e da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

193
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Paz e Terra, 1987.

195
196
REFLETINDO SOBRE MEDIAÇÕES,
CULTURA E INFORMAÇÃO
COM PIERRE BOURDIEU

MARCO ANTÔNIO DE ALMEIDA

1. INTRODUÇÃO: BOURDIEU E A COMPLEXIDADE


DAS MEDIAÇÕES
Pode parecer, à primeira vista, que o ato de informar-se seria
algo bastante simples __ o que não é verdade. Uma visão de senso
comum acerca do processo de se informar, de matriz positivista-
cartesiana, postula racionalmente que o sujeito (o “usuário”) possui
uma necessidade informacional que será plenamente atendida por
uma fonte de informação que o levará à informação procurada. O
profissional da informação seria um facilitador desse processo. En-
tretanto, a multiplicação da quantidade de informações e o “ruído”
decorrente, características cada vez mais presentes na sociedade
contemporânea, antes dificultam do que facilitam esse processo.
Além disso, também é necessário refletir acerca das estruturas de
interpretação utilizadas para passar da recepção das informações à
sua “organização” e incorporação como conhecimento. A ênfase
que procuramos assinalar aqui é a de que a informação é secundária
em relação aos sistemas de conhecimento, aos esquemas de inter-
pretação socioculturais que atribuem valor e status à informação e
que “permitem separar a informação relevante do ‘ruído’ provocado
pelo incessante e sempre crescente fluxo informacional. Cabe inter-
rogar, portanto, de que maneira esses quadros simbólicos de inter-
pretação são construídos e compartilhados.” (ALMEIDA, 2009, p.

197
186) Os debates sobre as concepções de mediação cultural e media-
ção da informação, em alguma medida, procuram incidir sobre estas
questões. Nesse território, as contribuições de Pierre Bourdieu, seus
seguidores e seus críticos, podem trazer aportes significativos para
a reflexão.
Retomando Almeida (2014), é importante considerar o dife-
rencial entre “mediação” como conceito sociológico geral que carac-
teriza os processos sociais, do conceito especializado de “mediação”
como prática institucional. Como observou Davallon (2007), uma
definição consensual de mediação parece impraticável, por tratar-se
de um conceito plástico que estende suas fronteiras para dar con-
ta de realidades muito distintas entre si, agregando mais níveis de
complexidade à análise dos fenômenos dispostos sob esse rótulo.
Por outro lado, é possível observar que em parcela substantiva da
bibliografia enraizou-se a concepção de que as ações de mediação
não seriam o estabelecimento de uma simples relação entre dois ter-
mos de mesmo nível, mas que em si mesmas seriam produtoras de
um “algo a mais”, ou de um estado mais satisfatório em relação às
condições iniciais. De alguma forma, a mediação “agregaria valor”
aos processos culturais, informacionais ou comunicacionais, geran-
do ganhos em termos de conhecimento aos sujeitos envolvidos. No
limite, autores como Almeida Jr. (2009) afirmam que a mediação
está presente em todos os fazeres do profissional da informação,
seja de maneira explícita ou implícita, e realizada de forma individual
ou coletiva.
A esta altura da digressão vale introduzir um pouco de dis-
tanciamento antropológico e situar o capitalismo em seus devidos
marcos histórico-culturais: ele é apenas uma forma possível da troca
social que caracteriza qualquer sociedade – troca social entendida

198
como o sistema de intenções recíprocas que envolve pessoas e gru-
pos empenhados em trocar itens de valor social e simbólico que
irá beneficiá-los. A mediação da informação insere-se no marco
dessa discussão acerca das trocas sociais. Essa é uma reflexão clás-
sica originada da preocupação de sociólogos e pensadores como
Émile Durkheim, Marcel Mauss e Max Weber com a solidariedade
social. Posteriormente, Pierre Bourdieu irá explorar essa questão de
maneira peculiar.
O pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu influen-
ciou diversas áreas das Ciências Sociais e Humanas. Suas reflexões
acerca das relações entre as estruturas sociais e os comportamentos
individuais, particularmente a partir de conceitos como os de habi-
tus e de capital cultural, propiciaram novas perspectivas e geraram
calorosos debates. Nosso objetivo é refletir “com Bourdieu, contra
Bourdieu” (na expressão popularizada por Jean-Claude Passeron,
2005), analisando suas concepções e as críticas tecidas a elas, con-
siderando suas contribuições como estratégicas para problematizar
e (re)pensar as atividades de mediação dos profissionais da infor-
mação e o próprio “campo” no qual eles inscrevem estas ações.
Nesse sentido, mais que um conjunto de possíveis “aplicações”
de Bourdieu à área, teceremos um conjunto de questões e desafios a
partir de suas concepções.

2 HABITUS E CAMPO NO PENSAMENTO DE BOUR-


DIEU

Uma melhor compreensão do pensamento de Bourdieu


demanda situá-lo no contexto dos grandes debates da Sociologia.
O primeiro debate opõe duas formas de compreensão dos
processos que caracterizariam a sociedade: de um lado, uma abor-

199
dagem que privilegia o papel das estruturas sociais sobre o com-
portamento dos indivíduos e grupos; de outro lado, uma visão mais
centrada nos movimentos que esses indivíduos e grupos geram no
âmbito social. Trata-se de uma oposição clássica entre perspectivas
macrossociológicas (como, por exemplo, o funcionalismo e o estru-
turalismo) e microssociológicas (a etnometodologia e as correntes
fenomenológicas, entre outras). O segundo grande debate advém
da particularidade da Sociologia ser uma área onde os “objetos” são
ao mesmo tempo “sujeitos”, e no fato de que os próprios pesquisa-
dores fazem parte de seu objeto de estudo.
Bourdieu procurou situar-se nos interstícios dessas questões,
que muitas vezes denominou como “falsos problemas” (BOUR-
DIEU, 2005). Ele propunha uma perspectiva que poderia ser clas-
sificada como um “construtivismo estruturalista”, que postula uma
junção entre as dimensões do “objetivo” e do “subjetivo”, preo-
cupada, sobretudo, em compreender a reprodução das estruturas
sociais – mas nunca entendida como uma reprodução “idêntica”.
Desse modo, pretende realizar o duplo movimento de objetivar as
estruturas sociais e afastar as representações subjetivas dos agentes,
uma ruptura entre o pensamento institucionalizado e cristalizado
dos pesquisadores e a “sociologia espontânea” dos atores sociais.
Um pensamento extremamente complexo, que conecta reflexões
teóricas a partir de rigorosos estudos empíricos, desdobrando-se
sobre si mesmo e modificando-se no decorrer de quase cinco déca-
das de trabalho, expresso numa linguagem geralmente pouco
generosa para com seus leitores – fato que o próprio Bourdieu
admitia (BOURDIEU, 2005).
Na realização dessa empreitada, Bourdieu valeu-se principal-
mente de dois conceitos, os de habitus e de campo, que se articulam

200
em seus trabalhos empíricos para dar conta de compreender o du-
plo movimento construtivista de interiorização do exterior e de exteri-
orização do interior. Desse modo, o habitus seria todo um sistema de
“disposições” que seriam obtidas pela “aprendizagem implícita ou
explícita, que funciona como um sistema de esquemas geradores; é
gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos inter-
esses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente con-
cebidas para este fim”. (BOURDIEU, 1983, p. 94)
A palavra-chave nessa definição é a de disposições – ou seja, um
conjunto de inclinações, tendências para se perceber, agir e pen-
sar de determinadas formas que foram interiorizadas e incorpora-
das pelos indivíduos, quase sempre de maneira inconsciente, e que
são decorrentes de sua trajetória social e de suas condições objeti-
vas de existência. Embora essas disposições possam modificar-se
no decorrer da existência tendem a ser persistentes, por estarem
fortemente enraizadas e resistirem às mudanças, caracterizando uma
marca de continuidade na vida das pessoas. Essas disposições
adquiridas ao longo de certas experiências e espaços de socialização
(família, escola) exercem efeitos sobre outras esferas de experiên-
cias (profissionais, por exemplo). Desse modo, o habitus é a interi-
orização da exterioridade, a estrutura estruturante que guia (ainda que
inconscientemente) a ação dos agentes. Trata-se de um “princípio
gerador”, que proporciona um conjunto de respostas dentro de um
determinado âmbito de possibilidades, maior ou menor de acordo
com o contexto social e os recursos simbólicos, sociais e econômi-
cos disponíveis – uma perspectiva que, na concepção de Bourdieu,
lhe permitia escapar simultaneamente das armadilhas do determin-
ismo e do voluntarismo (BOURDIEU, 1989 e 2005; BOURDIEU;
CHARTIER, 2012).

201
O conceito de campo surge em decorrência dessa concepção
de habitus, como elemento capaz de permitir a percepção da exteri-
orização da interioridade desse processo. Bourdieu concebe as institu-
ições sociais mais como relações do que como substâncias. Assim, o
campo configura-se como uma esfera da vida social que se autono-
mizou progressivamente ao redor de certas relações sociais, recur-
sos e conteúdos específicos, distinta de outros espaços sociais. Os
campos se caracterizam por serem “campos de forças”, já que há
uma distribuição desigual dos recursos, o que enseja que se tornem
simultaneamente “campos de luta” – cenários para os confrontos e
disputas entre seus agentes sociais para conservar e/ou transformar
essa relação desigual. Mas essas disputas não se realizam arbi-
trariamente. Os campos são caracterizados por mecanismos espe-
cíficos de capitalização dos recursos legítimos que lhe são próprios,
o que gera uma diversidade de capitais: econômicos, sociais, culturais,
políticos. Isso pressupõe, de um lado, a existência de instâncias
reconhecidas de legitimação desses capitais e, de outro, a constata-
ção de que os campos não se caracterizam por uma forma única e
determinada de dominação, mas sim em configurações de poder
que combinam distintas “capitalizações”. (BOURDIEU, 1983, 1989
e 2005)
A maneira como Bourdieu articula o habitus e as trajetórias dos
agentes nos diversos campos assemelha-se muito a um jogo – metá-
fora que é recorrente em seus escritos. Para que um campo funcione
é necessário que haja objetos de disputas e pessoas prontas para
disputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no conhecimento
e no reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos, das
disputas, etc. Aqui ocorrem modos de “capitalização” dos distintos
capitais, que podem ser concorrentes (o conflito entre os deten-
tores do capital cultural e do capital econômico, como, por exemplo,

202
entre artistas e empresários) ou combinados, imbricados (no caso
de agentes que acumulam diversos tipos de capital, seja cultural,
econômico ou social, em oposição aos outros que são “excluídos”
da posse da maioria dos capitais legítimos). Há um interesse comum
das pessoas engajadas num campo, que supera os antagonismos e
que as faz cúmplices no que se refere a tudo aquilo que está ligado à
própria existência do campo, o que as une principalmente em rela-
ção a fatores que atuam contra a autonomia do campo, a capacidade
de determinar as próprias regras que o regem. Ocorre, portanto, um
acordo entre os antagonistas a respeito do que merece ser disputa-
do: “E, de fato, as revoluções parciais que ocorrem continuamente
nos campos não colocam em questão os próprios fundamentos do
jogo, sua axiomática fundamental, o pedestal das crenças últimas
sobre as quais repousa o jogo inteiro.” (BOURDIEU, 1983, p. 91)
Bourdieu examinou a apropriação e manifestação empírica
desses princípios em diversos campos da atividade social – da arena
científica às passarelas da alta costura, do mundo esportivo às práti-
cas da fotografia, do universo das artes às estratégias matrimoniais.
Entretanto, sempre dedicou especial atenção ao campo da educação,
no qual a imposição arbitrária de princípios de hierarquização, em
função de sua dissimulação, acaba fazendo com que esses princípios
de hierarquização sejam vividos como se estivessem inscritos na
própria natureza dos objetos que eles separam – fator determinante
nas “opções” assumidas pelos indivíduos em suas trajetórias. Esse
processo ocorre principalmente por meio do sistema de ensino, mas
também, por extensão, encontra-se presente nos mecanismos for-
mativos típicos de cada campo. As diversas formas de dominação
devem ser legitimadas e reconhecidas como tal, “naturalizando-se”
de maneira que os próprios dominados possam aderir a ela, mesmo
desconhecendo seus mecanismos arbitrários. Decorre daí uma série

203
de questões relacionadas ao que Bourdieu denomina de “violência
simbólica”, envolvendo o preenchimento de certas condições
sociais exteriores às representações e aos discursos, previamente
inscritas nos indivíduos e nas instituições.
O que brota dessas reflexões é uma proposta de sociologia
da ação, na contramão da “perspectiva intelectualista”, como a
chamava Bourdieu, mais voltada para as concepções racionais ou
conscientes dos agentes. O que ele propõe é uma “relação prática
com a prática”, um tipo de senso ou sentido prático que integraria
o habitus e que permitiria a economia de reflexão e energia na ação
por parte dos agentes, equilibrando-se entre a reflexão e as injun-
ções pragmáticas (BOURDIEU, 1996). Essa “sociologia da prática”
remeteria a um tipo de sociologia reflexiva, no sentido de demandar
do sociólogo um esforço de “auto-socioanálise” – o esforço de ob-
jetivação da relação subjetiva do pesquisador com seu objeto, como
condição mesma da cientificidade de suas análises, o que Bourdieu
denominou de “objetivação participante” (BOURDIEU, 2005).
Essa sociologia da ação (ou da prática) é sui generis na medida
em que, nas suas ênfases, se contrapõe aos modelos então em voga,
tanto que Bourdieu preferia o termo “agente” ao termo corrente
“ator”. Ele era crítico ao recurso às histórias de vida (amplamente
utilizadas pela etnometodologia, por exemplo), condenando-as
como “ilusão biográfica”, na medida em que postulava que os agen-
tes não possuíam uma consciência plena de suas escolhas e que seu
percurso biográfico não seria a priori dotado de sentido – o que
o levou à construção da noção antagônica de trajetória, “uma série
de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um
mesmo grupo), em um espaço ele mesmo em devir e submetido a
transformações incessantes.” (BOURDIEU, 1996, p. 81).

204
Essas concepções de Bourdieu foram bastante criticadas,
especialmente por aqueles que viam nelas um olhar predominante-
mente voltado para as estruturas (externalizadas e internalizadas),
que, no limite, tenderia a cair numa perspectiva dos agentes como
“autômatos culturais”, condenados a repetir uma programação
previamente instalada na sociedade. Mais do que isso, essa per-
spectiva bourdierana levaria, segundo seus críticos, à desconsidera-
ção ou subestimação das interações face-à-face, vistas apenas como
atualização conjuntural das relações objetivas (estruturais). Críti-
cas que, muitas vezes, vinham também de antigos colaboradores
e parceiros, que buscavam nuances nessa abordagem. Foi o caso
de Claude Grignon e Jean-Claude Passeron (1996), que apontaram,
por exemplo, a ambivalência das práticas populares em relação às
estruturas de dominação. Observando esse universo, eles refletem
que, no seu encontro com as formas culturais dominantes, o uso de
um conceito como o de “capital cultural” acaba por tornar-se, no
limite, um conceito tendencialmente legitimista do status quo, já que
só enxergaria nessas práticas populares os aspectos negativos – suas
deficiências, limitações, exclusões.
Em que pesem as críticas, a influência e a importância de
Bourdieu segue sendo ainda bastante forte para se refletir acerca
das relações entre as estratificações sociais, os hábitos culturais, as
trajetórias de indivíduos e grupos e os estilos de vida. Nesse senti-
do, cabe-nos questionar o que, dentro de seu formidável arcabouço
teórico, permanece válido ou merece uma revisão diante das mu-
danças estruturais que levaram ao nosso atual contexto. Trata-se de
um conjunto de questões relativas à autonomia dos campos, à for-
mação do habitus dos sujeitos na contemporaneidade, ao papel das
mídias e dos processos de educação e de apropriação da informação
relacionados.

205
3 HABITUS E CAMPO NA SOCIEDADE MIDIATIZADA

Para analisar o conjunto de questões levantadas anteriormente,


seguiremos a perspectiva de Hjarvard (2014), para o qual o mundo
passa por uma midiatização intensa da cultura e da sociedade que
não se limita à formação da opinião pública, mas atravessa quase
todas as instituições sociais e culturais. Desse modo, outras insti-
tuições necessitam cada vez mais de recursos da mídia, o que en-
volve sua habilidade de representar a informação, construir relações
sociais e ganhar atenção com ações comunicativas. Inspirado pela
teoria da estruturação e pelas lógicas da perspectiva institucional,
Hjarvard compreende as mídias como estruturas que condicionam
e permitem a ação humana reflexiva, e propõe analisar seu papel em
vários contextos sociais, ancorando a teoria da midiatização na teoria
social geral1 . O seu entendimento da midiatização compartilha, em
alguma medida, um território comum com a noção de “mediação”
de Jesús Martín-Barbero (1997), ao deslocar o foco da mídia indi-
vidual para o papel da mídia na interação social e mudança cultural,
mas com um importante desenvolvimento adicional: a perspectiva
de que as mídias, como estruturas (isto é, práticas institucionaliza-
das em suas características e formas de funcionamento específicas)
conseguiram um impulso próprio, o que lhes permitiu influenciar
cada vez mais outras esferas sociais. O que resulta dessa perspectiva
é a constatação de que a mídia tornou-se institucionalizada dentro

1
Como tal, a teoria da midiatização deveria apoiar a construção de teorias de
médio alcance, ou seja, propostas que lidam com a influência da mídia dentro de
domínios ou subdomínios institucionais particulares (como a política ou o en-
tretenimento infantil) em um dado contexto histórico e sociocultural. Hjarvard
segue a perspectiva de Merton, de que a teoria de médio alcance seria um meio
termo às teorias gerais dos sistemas sociais (em geral distantes de classes espe-
cíficas de comportamento, organização e mudança social do que é observado) e
as detalhadas descrições ordenadas de casos específicos (que geralmente não são
generalizados rumo a uma explicação mais ampla).

206
de outros domínios sociais, adquirindo simultaneamente o status de
instituição social em si mesma. Hjarvard assinala que a preocupação
da sociologia com a comunicação e a mídia é meio tardia, e que
Bourdieu segue essa tendência. Seu texto Sobre a Televisão (BOUR-
DIEU, 1997), distancia-se das acuradas análises empíricas de outros
trabalhos, constituindo-se muito mais como um libelo produzido no
contexto da militância anti-globalização neoliberal a qual Bourdieu e
seus colaboradores dedicaram-se nos últimos anos de vida.
Nas observações de Hjarvard ainda é perceptível certa sinto-
nia com Bourdieu, já que essa influência da mídia funciona como
uma estrutura estruturante – os recursos que a mídia tanto controla
quanto torna disponíveis. Também é possível recuperar aqui a ideia
desenvolvida por Bourdieu acerca do caráter autônomo e heterôno-
mo presente em cada campo. Como espaços relativamente autôno-
mos, os campos podem estabelecer suas próprias leis e regras,
assumir posições e tomar decisões. A possibilidade de resistência de
um campo aos fatores e às pressões externas determina seu maior
grau de autonomia. O grau dessa autonomia aumenta à medida que
o campo é mais bem estruturado. Por outro lado, o campo tam-
bém pode ser heterônomo, quando as pressões e problemas exter-
nos exercem influência sobre ele – em realidade, todos os campos
de produção cultural estão sujeitos a algum grau de heteronomia,
quando são obrigados a reconverter capitais que antes não eram
válidos em seus universos.
Em Sobre a televisão (BOURDIEU, 1997), a hipótese defendida
é de que o campo jornalístico é menos autônomo do que outros
campos como a arte e a ciência. O campo jornalístico, que embo-
ra possua suas posições dominadas e dominantes, mais ou menos
autônomas, caso estejam mais próximas do polo intelectual ou do

207
campo político e econômico, era considerado por Bourdieu e seus
colaboradores mais recentes menos como um campo específico e
mais como um espaço de lutas, pois se situaria na intersecção de três
campos (no sentido restrito do conceito) com princípios de legitimi-
dade diferentes: o campo político, o campo econômico e o campo
profissional (ou intelectual). Desse modo, a produção de informa-
ção levaria em conta as regras próprias desses três campos, compor-
tando três dimensões simultâneas e indissociáveis: é um bem sim-
bólico cuja produção pressupõe certo trabalho intelectual; necessita
ser economicamente rentável (ou seja, vendável) e também, queren-
do ou não, produzir certos efeitos políticos. Considerando a infor-
mação produzida pelos jornalistas, Bourdieu assinala papel singular
que lhes é proporcionado pela conjuntura – apesar de ocuparem
uma posição “dominada”, eles detêm o monopólio de difusão dos
produtos culturais em uma sociedade onde os indivíduos cada vez
mais recorrem aos meios de comunicação como maneira de infor-
mar-se e de conhecer o mundo. Como veremos adiante, a eclosão
das redes de infocomunicação sustentadas pela internet produzirá
alguns impactos e introduzirá nuances nesse cenário descrito por
Bourdieu.
Hjarvard aponta a insuficiência das observações de Bourdieu
sobre a mídia, assinalando que os meios de comunicação ampliam
seus espaços cada vez mais nos polos heterogêneos de cada campo,
desafiando e esgarçando sua autonomia. Ele recupera o trabalho
do sociólogo americano David Riesman sobre a presença de três
tipos de caráter social (nos moldes dos tipos ideais de Weber) que
marcariam os traços de formação da personalidade dos indivíduos
em diferentes etapas da modernidade: traditivo, introdirigido e
alterdirigido. Em linhas gerais, a passagem do caráter traditivo para
o caráter introdirigido de Riesman segue os traços gerais da análise

208
weberiana da ética protestante. O caráter introdirigido, portanto, an-
cora-se numa disciplina do auto-controle balizada pela ética e pela
identidade proporcionadas pelo mundo do trabalho. Já o caráter
alterdirigido não se caracterizaria por um estilo de vida particular,
sendo antes caracterizado pela disposição em monitorar o ambi-
ente valendo-se de seus pares e dos meios de comunicação, regido
muito mais por uma identidade e uma ética forjadas no mundo do
consumo. O trabalho de Riesman busca descrever como o mundo
contemporâneo emergente era experimentado de novas formas, ex-
pandindo as possibilidades de interação social. Hjarvard retira como
implicação desse raciocínio que ocorre um impacto na formação do
habitus decorrente da concorrência dos laços fracos2 proporcionada
pelos meios de comunicação.
No que tange ao caráter alterdirigido e sua relação com a for-
mação do habitus nas sociedades midiatizadas, algumas observa-
ções merecem ser consideradas. O monitoramento intensificado
do ambiente social estendido é cada vez mais determinante na for-
mação do habitus. Relacionado a isso, o reconhecimento torna-se
um importante mecanismo de regulação do desenvolvimento da
autoestima e do comportamento, traduzindo-se em estilos de vida
alter-sancionados. Hjarvard não desdenha a importância das classes
sociais na configuração desse processo, mantendo o diálogo com
a perspectiva bourdierana: “como também salienta Bourdieu, dis-

2
Um indicador da força social que une os indivíduos é frequência e a duração
de suas interações. De um modo geral, os laços sociais fortes são considerados
importantes para a coesão geral da sociedade. Hjarvard recupera a afirmação
de Granovetter, para quem os laços fracos são superiores aos fortes em certos
aspectos, no que diz respeito, por exemplo, à difusão das informações nas redes
sociais. Eles permitem alcançar uma quantidade maior de pessoas e percorrer
uma maior distância social (no caso, um maior percurso na rede) em compa-
ração com os laços fortes, o que permitiria falar da ‘força dos laços fracos’.
(HJARVARD, 2014)

209
tinções categoriais como classe ou idade podem não influenciar o
habitus diretamente, mas ser mediadas pelo estilo de vida do grupo
em questão.” (HJARVARD, 2014, p. 235) Desse modo, salienta a
importância do estilo de vida nas sociedades contemporâneas como
mediador das hierarquias sociais e culturais, assinalando que as in-
stituições tradicionais possuem uma influência decrescente na sua
determinação em oposição à crescente influência da mídia: “ao ar-
ticular efetivamente diversas redes de audiências em torno de estilos
de vida influenciados pela mídia, os meios de comunicação tornam-
se parte tanto da reprodução quanto da renovação das distinções
culturais e sociais da população.” (idem, p. 235)
Hjarvard assinala que é a capacidade de associar-se às redes
sociais mais amplas e contemporâneas que possibilita ao caráter
alterdirigido atingir sua autonomia. Desse modo, os meios de comu-
nicação contribuem para reproduzir e renovar o habitus, fornecendo
recursos para o desenvolvimento dos estilos de vida e de orientação
moral. A presença dos meios de comunicação cada vez mais presen-
te no cotidiano e na constituição dos estilos de vida dos indivíduos
recupera aspectos da concepção de sociabilidade de Simmel3 como
forma preferencial de interação, mostrando como para essa
confluem tanto elementos racionais como emocionais: “devido

3
Para Georg Simmel (1858-1918), a sociedade parte da interação entre os indivíduos,
comportando uma distinção entre forma e conteúdo. Os indivíduos interagem a partir
de suas múltiplas motivações (paixões, desejos, reconhecimento, ambição material, etc.)
e se transformam em uma unidade. Estes conteúdos isolados não são sociais: a sociação
só passa a existir quando os indivíduos adotam formas de cooperação e colaboração,
o que faz que, quanto mais interação, mais a “sociedade” se concretiza. O conceito de
sociabilidade decorre daí, visto que a sociedade é a interação com o outro para realizar
conteúdos materiais (individuais), partindo da percepção de as sociações envolvem, além
dos conteúdos, a própria valorização da sociação e de suas formas pelos indivíduos. A
sociabilidade é a forma de sociação que coloca essa valorização em primeiro plano – é a
forma lúdica da sociação, relativamente independente das motivações. (SIMMEL, 2006)
Trata-se de um conceito clássico da sociologia que vem sendo recuperado para com-
preender as interações nas redes sociais.

210
à natureza em parte privada, em parte pública da sociabilidade, o
reconhecimento por intermédio dos meios de comunicação
muitas vezes assume igualmente uma forma emocional e uma forma
racional.” (HJARVARD, 2014, p. 237) O que ele assinala, concomi-
tantemente, é que sua preocupação está em assinalar a função
integradora dos meios de comunicação – se a “institucionalização”
das biografias e dos estilos de vida é positiva ou negativa, se assinala
novos modos de criatividade ou de conformidade, é outra questão.
O fato é que, ao aturem ativamente na certificação, disseminação e
seleção da informação, os diversos tipos de profissionais da infor-
mação agem como mediadores desses processos sociais, constitu-
indo-se como mais um “recurso” estrutural a ser considerado na
análise do contexto cultural contemporâneo.

4 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE MEDIAÇÕES E


CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO A PARTIR DE BOURDIEU

Como pudemos observar, a realidade contemporânea, no que


tange especificamente aos processos de comunicação e circulação
da informação, apresenta-se cada vez mais complexa e conflitiva.
Partindo dessa complexidade, vamos procurar refletir acerca de
algumas questões que se constituem contemporaneamente a
partir dos conceitos de campo e de habitus em relação ao universo
da Ciência da Informação. Por exemplo, na própria definição do
campo, a ideia de autonomia tem que ser relativizada, e conviver
com a realidade de fronteiras mais fluidas, por pressões inter e trans-
institucionais, assim como pela pressão de um discurso acerca da
inter ou transdisciplinaridade.
A partir de Bourdieu, é possível pensar o campo acadêmico da
Ciência da Informação como um campo de reflexão ou de prob-

211
lematização que tensiona e incide sobre as práticas dos cam-
pos específicos da Biblioteconomia, da Arquivologia e, em menor
medida, da Museologia, recebendo, de volta, as reações que também
tensionam sua própria organização. Estes outros campos, por sua
vez, possuem suas lógicas e regras internas, que se desdobram e
organizam em dois polos com autonomias distintas, o acadêmico
e o profissional. A inserção do polo acadêmico desses campos
nunca é totalmente autônoma: além das pressões do polo profis-
sional, também recebem pressões de outros campos acadêmicos ou
de frações do próprio campo, que questionam seus critérios de
legitimação/consagração. Em relação aos polos profissionais desses
campos, sua autonomia é confrontada principalmente pelas disputas
no território econômico (a determinação da legitimidade de atuação
em relação a determinadas práticas e esferas que é confrontada pelos
outros campos profissionais). A perspectiva que Bourdieu abre, no
âmbito da reflexão sobre a inter ou a transdisciplinaridade do campo
da Ciência da Informação, é política: aponta muito mais para os
aspectos conflitivos, de disputa por recursos e/ou por legitimidade
simbólica, do que para os aspectos colaborativos, de construção de
pontes e interconexões. Uma dimensão de fato existente, mas que
deve ser um pouco nuançada e complementada por outras perspec-
tivas.
Como aponta González de Gómez (2007), o modelo de
campo proposto como esquema explicativo para a modernidade
está em transição para um novo modelo, o de redes. Este novo
modelo coloca em xeque os pressupostos da autonomia dos campos
preconizada por Bourdieu, ao conjugar simultaneamente as ideias
de território, de fronteira e de domínio. O modelo das redes esgar-
ça os mecanismos estabelecidos de distinção e legitimidade, ao ser
incorporado em diversas áreas com propostas próprias para a (re)

212
definição de autoridade em seu meio. Assim, a aquisição de autori-
dade, para González de Gómez, vai além do reconhecimento pelos
pares, resultando de transformações mais profundas, que alteram
a própria produção de conhecimento. Reconhece-se assim que os
conflitos epistemológicos são simultaneamente políticos, o que
torna ainda mais difícil dissociar a ciência das práticas sociais.
Entretanto, apesar dessa ressalva, a aquisição de autoridade ainda
segue como princípio determinante na formação de capital simbóli-
co no interior das dinâmicas de cada campo e subcampo.
Já o questionamento a respeito do conceito de campo por par-
te de Lahire (2002) enfatiza que as fronteiras entre os campos nunca
estão bem delimitadas: uma mesma ação pode participar de diversos
campos ao mesmo tempo; um campo pode ser um subcampo de
outro campo maior; e por fim, certos campos são construções
científicas da realidade que não coincidem totalmente com os cortes
feitos para constituir outros campos. Além disso, diversas experiên-
cias de socialização não necessariamente estão estruturadas em for-
ma de campo, ou seja, em forma de relações de disputa (é o caso do
âmbito familiar, dos encontros ocasionais de amigos num bar, das
parcerias amorosas, etc.). Inegável reconhecer que essas experiên-
cias também produzem disposições, hábitos incorporados.
Creio que, partindo de González de Gómez e de Lahire, ao
invés de enrijecer o par autonomia/heteronomia, seja mais produ-
tivo pensar como os diversos tipos de capital possuem uma existên-
cia relacional e, dependendo de sua mobilização e classificação, se
estabelece um plano de relações sociais qualitativamente diferentes
em sua configuração. Assim, é possível pensar os campos cultural/
acadêmico/profissional num emaranhado de planos autônomos
e heterônomos de uma maneira cada vez mais indissociável. Uma

213
mesma ação movimenta relações em diversos campos ao mesmo
tempo, e só se torna efetiva se conseguir obter êxito nesse amálgama
conflituoso. Entretanto, as contribuições de Bourdieu seguem tendo
um valor heurístico, no sentido de não nos fazer esquecer os aspec-
tos conflitivos presentes nas dinâmicas inter e extra campos.
A disputa de “legitimidade simbólica” no que se refere à infor-
mação transcende a fronteira entre os campos – além dos já mencio-
nados, podemos citar outros domínios, como o campo jornalístico,
o campo das instituições de pesquisa, públicas e privadas, etc. – e,
particularmente no que diz respeito à dinâmica da internet, envolve
a questão da legitimidade/autoridade das fontes. Ainda no tocante
à discussão dos campos, isto tem uma incidência no que diz res-
peito ao papel público dos intelectuais. Michael Burawoy (2010) ob-
servou a respeito de Bourdieu que, mesmo desdenhando da noção
de “intelectual orgânico”, ele colocou-se em relação à universidade
como um defensor de sua missão crítica e de seu caráter público.
Ele próprio engajou-se no esforço de denunciar o que denominou a
terceira onda da mercantilização, que invadiu os meios de comuni-
cação e de produção do conhecimento, dificultando cada vez mais a
circulação de visões críticas. Uma onda que se espraiou inclusive no
território da própria academia, refletindo-se, entre outras coisas, na
sua dependência crescente de financiamento externo e na ampliação
do desequilíbrio de poder entre as disciplinas acadêmicas (exatas/
biológicas versus humanas)4 . Assim, para Burawoy, o desafio consiste

4
No campo da Ciência da Informação isso pode ser exemplificado com a tendência de
exatização da área, fruto da importação de quadros oriundos principalmente da In-
formática e da Engenharia – o que, em si, pode ser visto como um elemento positivo,
no sentido de ampliar a interdisciplinaridade, mas que apresenta o risco de gerar uma
colonização simbólica quando importa e impõe, sem maiores discussões epistemológicas,
critérios de validação/legitimação das pesquisas e de seus referenciais, sem levar em con-
sideração as discussões e os acúmulos científicos historicamente construídos no interior
do campo.

214
em tornar a universidade pública mais receptiva a trabalhar com
grupos mais amplos e por ela servidos, sem que, com isso, compro-
meta suas funções acadêmicas. Isso envolve, de um lado, recompor
as forças no âmbito da academia, fortalecendo e aperfeiçoando as
ferramentas da crítica social e, de outro, construir alianças de baixo
para cima, estabelecendo colaborações com a sociedade civil. Sua
proposta para a Ciência Social (e, portanto, extensível à Ciência da
Informação), é a de que ela se constitua como uma “criatura de duas
cabeças”, dirigida de um lado “...contra as ideologias dominantes,
desmistificando a naturalização do arbitrário social; de outro, des-
tinada a inventar e elaborar alternativas sociais enraizadas nas
experiências vividas e nos experimentos vívidos das classes
subalternas” (BURAWOY, 2010, p. 75).
Podemos entender as indústrias culturais e seus sistemas de
mídia como organizações que atuam na seleção, na formatação e
na distribuição de bens informacionais, sejam eles músicas, textos,
imagens, informações transformadas em notícias etc. Essas ativi-
dades implicam no controle do acesso aos bens imateriais e seus
suportes e canais de exibição/transmissão. Em larga medida, podem
ser descritas como indústrias da intermediação – o que não implica
desconsiderar a importância do receptor e das mediações no proces-
so comunicativo. Para tanto, basta lembrar as observações de Henry
Jenkins (2009), que assinala que no atual contexto a midiatização
reafirma o direito das pessoas comuns de contribuir ativamente com
a sua cultura, ampliando as possibilidades de participação, ainda que
com diferentes graus de influência e reconhecimento social.
Nesse sentido, Bourdieu contribui para assinalar essas dife-
renças. Mais uma vez é importante incorporar a crítica de Lahire
(2002), que aponta que os esquemas de socialização são de fato cada

215
vez mais heterogêneos e precoces, especialmente nas sociedades
complexas e midiatizadas, onde a família e as instituições escolares
não possuem mais o monopólio da educação legítima das crian-
ças. Nesse cenário, as ambivalências são marcantes e as redes se
constituem simultaneamente como espaço da liberdade dos fluxos
infocomuniccionais e território da “sociedade do controle”, nos ter-
mos foucaultianos. Para Sérgio Amadeu da Silveira (2011, p. 271),
“quanto mais descentralizadas e distribuídas são as redes, mais são
necessários protocolos de controle dos fluxos. Os protocolos que
viabilizam as redes distribuídas são os mesmos que garantem o seu
controle”. Ou seja: a constituição desses protocolos de informação
e de comunicação tanto podem assegurar a liberdade como também
ampliar o controle das práticas sociais.
Pois é justamente nesse território complexo e conflitivo que
se inserem como mediadores os profissionais da informação,
construindo – ou desconstruindo – esses protocolos, dificultando
ou facilitando o acesso à informação e aos bens culturais. Se pensar-
mos no caráter alterdirigido da sociedade contemporânea mencio-
nado por Hjarvard (2014), essa mediação pode ter um caráter cada
vez mais determinante na conformação dos processos sociais e dos
sujeitos nelas implicados. Dos grandes sistemas de informação em
rede, da facilitação ao acesso às fontes, do atendimento interpes-
soal de referência ou das ações de estímulo à leitura, o profissional
da informação é um intermediário estratégico na configuração (ou
re-configuração) de habitus e na construção de comportamentos, no
desenvolvimento da autoestima, na acumulação de capitais culturais
que possam contribuir para a constituição – ou não – de uma maior
autonomia dos sujeitos.
Não se trata de uma tarefa fácil, na medida em que os embates

216
são simultaneamente políticos e tecnológicos. A autonomia em
relação à decisão, ao planejamento e a implementação das ações é
diferente de campo para campo (por exemplo, do acadêmico para o
profissional), e mesmo internamente a cada campo (o que é percep-
tível pelas hierarquias e pela distribuição dos espaços de poder). A
contribuição de Bourdieu não repousa tanto na oferta de soluções
para resolver os impasses, mas sim em oferecer um conjunto de
instrumentos e reflexões para entender as dimensões políticas
envolvidas nesses processos. Ao apontar para a disputa de posições
nos diversos campos e subcampos, ao salientar as diferenças sociais
que determinam os lugares ocupados, ao indicar como se constro-
em as disposições socioculturais dos sujeitos, Bourdieu nos ajuda a
ter maior clareza de nossos próprios posicionamentos e dos papéis
que estamos exercendo.

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219
220
PARTE 2

DIMENSÕES APLICADAS

221
222
HABITUS, CAMPO CIENTÍFICO E
CAPITAL CIENTÍFICO DA ARQUIVOLOGIA
NO CAMPO DA INFORMAÇÃO:
internacionalização, institucionalização
e relações de uma disciplina

ANGELICA ALVES DA CUNHA MARQUES

1 INTRODUÇÃO

Em um projeto de tese, diante de um objeto complexo,


buscávamos referenciais teóricos que pudessem robustecê-lo na
compreensão da internacionalização e da institucionalização da
Arquivologia no Brasil, permeada por seus diálogos com outras
disciplinas e áreas do conhecimento (MARQUES, 2011). Dentre os
estudiosos escolhidos para lapidar o nosso olhar para esse objeto
estava Pierre Bourdieu, especialmente com as suas contribuições em
torno dos conceitos de habitus, campo científico e capital científico
(BOURDIEU, 1983a; 1983b; 1983c; 2001; 2004).
Longe de desmerecermos outros estudos, como aqueles de
Thomas Kuhn (2005), também utilizados em nossos referenciais
teóricos, tivemos em Bourdieu a defesa da legitimidade da Ciência
e do seu uso no contexto da luta no mundo social e no cientí-
fico. Pautado na produção histórico-cognitiva do conhecimento,
ele apresenta uma história social da Sociologia da Ciência, ancorada
nas diferenças e nos conflitos, bem como nos pontos comuns da
prática da acumulação. Posiciona-se criticamente no que diz respeito
à epistemologia da Ciência, considerando a sua dependência: aos
documentos e ao discurso que os estudiosos elaboram no âmbito

223
das práticas científicas; à Filosofia da Ciência do momento ou de
uma época anterior; à reprodução de discursos epistemológico-
filosóficos inadequados ou ultrapassados (BOURDIEU, 2001).
Desse modo, ao conceber os conceitos de habitus, campo científico
e capital científico, Bourdieu rompe com a tradição dominante da
Sociologia da Ciência, ainda ligada à visão de “comunidade cientí-
fica” (CHAMPAGNE, 2004) e busca uma abordagem que alia as
condições sócio-institucionais às cognitivas do mundo científico.
Considerando essas singulares contribuições de Bourdieu no
âmbito de estudos epistemológicos, este capítulo se propõe a
retomar a internacionalização, a institucionalização e as relações da
Arquivologia no Brasil, a partir dos referidos conceitos. Nesse sen-
tido, contempla as interferências sociais, filtradas pela lógica própria
de funcionamento e pelas lutas e alianças internas ao campo da
informação, perpassadas pelas relações entre as disciplinas que o
compõem, como a Arquivologia e a Ciência da Informação. Apre-
senta, assim, reflexões sobre os habitus da Arquivologia na sua estru-
turação como sub-campo científico no âmbito do campo da infor-
mação, regulado pelos capitais científico e político que permeiam a
referida institucionalização.

2 HABITUS, CAMPO CIENTÍFICO E CAPITAL CIENTÍ-


FICO: DE BOURDIEU PARA A ARQUIVOLOGIA

Segundo Bourdieu o habitus articula o passado (reprodução


de estruturas objetivas) e o futuro (objetivos contemplados num
projeto): a estrutura objetiva que define as condições sociais de sua
produção é conjugada com as condições de exercício desse “habi-
tus como transcendental histórico”, no qual ele está a priori, como
estrutura estruturada e produzida por toda uma série de aprendiza-

224
gens comuns ou individuais (BOURDIEU, 2001). Nesse sentido, o
habitus, de forma dinâmica, funciona como elemento de coesão do
grupo:
É porque elas são o produto de disposições objetivamente
concertadas, por constituírem a interiorização das mesmas es-
truturas objetivas, que as práticas dos membros de um mesmo
grupo ou numa sociedade diferenciada, de uma mesma classe,
são dotadas de um sentido objetivo ao mesmo tempo unitário
e sistemático, transcendendo às intenções subjetivas e aos
projetos conscientes, individuais ou coletivos. (BOURDIEU,
1983b, p. 74).

É nessa perspectiva que podemos vislumbrar a arqueologia


dos saberes arquivísticos (FOUCAULT, 2005), outrora antigos e
paulatinamente institucionalizados em instituições arquivísticas e
universidades (MARQUES, 2011). Os princípios que conduzem
hoje a teoria arquivística foram concebidos a partir de observações
empíricas e sendo estudados conforme as demandas práticas e
sociais e as peculiaridades em torno do objeto e dos métodos
arquivísticos (MARQUES, 2013). Assim, o Princípio da Proveniên-
cia, por exemplo, desdobrado no Princípio de Respeito aos Fundos,
foi concebido em diferentes contextos histórico-geográficos para
dar conta da organicidade dos arquivos, os quais, por sua vez, deve-
riam ser classificados, avaliados, descritos, preservados, recuperados
e disponibilizados de forma que preservassem as suas relações com
os seus produtores, bem como as relações dos documentos entre
si (KUROKI, 2016). Esses habitus legitimados e chancelados pelo
grupo (de arquivistas e de pesquisadores dedicados ao estudo dos
arquivos e da Arquivologia) em torno de um objeto próprio de
estudo – o próprio arquivo, que reúne documentos com informa-
ções arquivísticas (SCHMIDT, 2015) – estruturariam e passariam a
conduzir o (sub)campo da Arquivologia.
Atrelado ao conceito de habitus está o de campo científico, perpas-

225
sado por uma lógica interna de funcionamento, na qual se “produz
e supõe uma forma específica de interesse”, que diz respeito às
práticas orientadas para a aquisição de autoridade científica (prestí-
gio, reconhecimento, celebridade, etc). O campo científico é, portanto,
concebido como um “espaço objetivo de um jogo onde compro-
missos científicos estão engajados” (BOURDIEU, 1983a, p. 123-
124). Sobre a objetividade, o autor explica as suas relações com os
habitus:
A objetividade é um produto intersubjetivo do campo cientí-
fico: fundada nos pressupostos compartilhados no campo, ela
é o resultado do acordo intersubjetivo no campo. Cada campo
(disciplina) é o lugar de uma legalidade específica (nomos) que,
produto da história, está encarnado nas regularidades objeti-
vas do funcionamento do campo e, mais precisamente, nos
mecanismos que regem a circulação da informação, na lógica
da distribuição de recompensas, etc., e nos habitus científicos
produzidos pelo campo, que são a condição do seu funcio-
namento. As regras epistemológicas são as convenções esta-
belecidas em termos de controvérsias. (BOURDIEU, 2001, p.
163, tradução nossa).

Assim, Bourdieu reconhece que no campo científico existem


estruturas objetivas e lutas em torno dessas estruturas, movidas
por disposições adquiridas (habitus): “maneiras de ser permanentes,
duráveis que podem, em particular, levá-los a resistir, a opor-se às
forças do campo” (BOURDIEU, 2004, p. 27-28). Ele defende, dessa
maneira, a inseparabilidade do caráter científico e social das estraté-
gias dos pesquisadores, na afirmação de uma construção simbólica
e política, fundamentada nas técnicas de persuasão e nos artifícios
voltados para a formação de alianças (BOURDIEU, 2001). Por esse
caminho, o autor busca compreender as trajetórias individuais e
coletivas acerca das mudanças das relações de força simbólicas no
interior de um campo, mediante uma análise conjugada sob duas
perspectivas: a interna (própria da epistemologia, quando se propõe
a restituir a lógica segundo a qual a ciência engendra seus próprios

226
problemas) e a externa (que relaciona esses problemas às condições
sociais do seu aparecimento). Assim, o que está em jogo é o “poder
de impor uma definição de ciência”: a delimitação do campo dos
problemas, dos métodos e das teorias científicas.
Existe assim, a cada momento, uma hierarquia social dos cam-
pos científicos – as disciplinas – que orienta fortemente as
práticas e, particularmente, as “escolhas” de “vocação”. No
interior de cada um deles há uma hierarquia social dos objetos
e dos métodos de tratamento. (BOURDIEU, 1983a, p. 128).

Há três níveis do trabalho científico, a disciplina, o subcampo


e a especialidade, tomados, pelo estudioso, como sinônimos: “Cada
disciplina (como campo) é definida por um nomos [lógica] particular
de visão e de divisão, um princípio de construção da realidade
objetiva irredutível àquele de outra disciplina” (BOURDIEU, 2001,
p. 103, tradução nossa). Ainda segundo ele, a disciplina é um campo
relativamente estável e delimitado e, portanto, em princípio fácil de
identificar: ela tem um nome reconhecido escolar e socialmente; ela
está vinculada a instituições e laboratórios, a departamentos univer-
sitários, a revistas, a instâncias nacionais e internacionais (congres-
sos), a procedimentos de certificação de competências, de sistemas
de retribuição, de preços. Nesse sentido, ele aponta que a noção de
campo científico retoma, simultaneamente, a unidade existente na
ciência e as diversas posições que as diferentes disciplinas ocupam
no espaço, isto é, sua hierarquização. O que acontece no campo
depende dessas posições e este pode ser descrito como um conjunto
de campos locais (disciplinas), que têm interesses e princípios míni-
mos em comum.
Assim, Bourdieu explica que uma disciplina não é definida
somente por suas propriedades intrínsecas, mas pelas propriedades
que ela deve à sua posição no espaço (hierarquizado de disciplinas).
Dentre os princípios de diferenciação entre as disciplinas, destacam-

227
se a importância do capital de recursos coletivos que elas tenham
acumulado (e, em particular, os recursos teórico-formais) e a auto-
nomia que elas dispõem em relação às limitações externas, políticas,
religiosas ou econômicas.
Cada disciplina tem suas tradições e suas particularidades na-
cionais, suas problemáticas obrigatórias, suas formas de pensar,
suas crenças e evidências compartilhadas, seus rituais e consa-
grações, suas limitações em matéria de publicação de resulta-
dos, sem falar de todo o conjunto de pressupostos inscritos na
história coletiva da especialidade (o inconsciente acadêmico).
(BOURDIEU, 2001, p. 183, tradução nossa).

Inspirados nessas afirmações, entendemos que as disciplinas


que têm por objeto a informação constituem um campo comum,
espaço de parcerias, mas também de conflitos, o campo da informa-
ção. Compreendido como o campo científico (e profissional) que
abriga disciplinas que têm por objeto a gênese, organização, comu-
nicação e disponibilização da informação, defendemos que nesse
campo estão entrecruzadas as trajetórias da Arquivologia, Biblio-
teconomia, Museologia, Documentação e, mais recentemente, da
Ciência da Informação, como disciplinas ou (sub/inter)campos
simultaneamente parceiros, cooperativos, conflitantes, relativamente
comuns e singulares (MARQUES, 2011).
Ao nos dedicarmos ao estudo histórico e epistemológico da
Arquivologia até a sua configuração mais recente nesse campo,
observamos que ela, como todas as disciplinas e áreas do conhe-
cimento, é marcada por modelos, crises, avanços e retrocessos,
configurados em tendências históricas, que lhe conferem identidade
no espaço das ciências ao longo do tempo. A profissão de arquivista
desenvolveu-se progressivamente nas diversas sociedades, na me-
dida em que evoluía a concepção da natureza dos documentos que
deveriam ser conservados e o tipo de informação que se procurava.
Sua especialização diante de outras profissões parte de uma origem

228
mais ou menos indistinta entre as profissões de notário, ajudante
de notário, escrivão, bibliotecário e documentalista. Aos poucos, as
regras vão se firmando, ligadas às práticas administrativas próprias
de cada instituição e de cada país. A partir do século XVI, os estu-
diosos e profissionais da área começam a redigir obras sobre as suas
práticas, na tentativa de consolidar os princípios gerais (FONSECA,
2004). No final do século XIX, as técnicas de gestão de arquivos
começam a dar espaço a um corpo teórico, aparecendo os grandes
manuais que consubstanciariam as bases teóricas da Arquivologia
(DUCHEIN, 1993).
Observamos que essa trajetória, de forma muito geral, foi
marcada, ao longo do tempo, por discursos mais ou menos
homogêneos e articulados, perpassados por habitus decorrentes de
contingências históricas, que, por sua vez, passaram a caracterizar
paradigmas, modelos, correntes, tradições e tendências do pensa-
mento arquivístico internacional. A articulação de práticas, discur-
sos, habitus e tendências na configuração da disciplina deu-se, então,
com a sistematização e a comunicação do pensamento arquivístico
no mundo (perpassado por práticas e avanços teóricos), mediante a
tradição arquivística registrada nos manuais, bem como das insti-
tuições, periódicos e eventos que lhe dão voz. Concomitantemente,
os movimentos decorrentes da dinâmica do grupo de profissionais e
pesquisadores que contorna a disciplina representam lutas e alianças
que perpassam o campo da informação (MARQUES, 2011).
Para Bourdieu (2001), a lógica das lutas científicas não pode ser
compreendida ignorando a dualidade dos princípios de dominação,
como os recursos propriamente científicos e os recursos financeiros.
Exemplo das convergências e divergências entre as disciplinas que
integram o campo da informação são as diferentes classificações

229
das áreas do conhecimento pelo Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bases para o
fomento à pesquisa no Brasil. Em decorrência de arranjos político-
institucionais, as três versões da Tabela de Áreas do Conhecimento
(TAC) contemplam a Ciência da Informação e a Arquivologia
diversamente: na primeira, de 1976, as Ciências da Informação são
subárea da Comunicação e a Arquivologia não aparece; na segunda,
de 1982, a Ciência da Informação, a Biblioteconomia e a Arquivo-
logia nomeiam uma área; na terceira, de 1984, a Ciência da Infor-
mação, como área, passa a abrigar a Arquivologia como subárea,
classificação questionada na última proposta de alteração da TAC,
de 2005, que propunha a independência dessas disciplinas como
áreas autônomas (CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E
DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO,
1978; 1984; 2005).
A regulamentação das profissões de bibliotecário, arquivista e
museólogo e o seu reconhecimento no âmbito dos cursos
superiores ratificam essa disputa por visibilidade e reconhecimento
institucional e social, que mesmo não sendo apresentada de forma
explícita na literatura analisada, perpassa as trajetórias e a configu-
ração dessas disciplinas no campo da informação. Mais uma vez,
como ressalta Bourdieu,
A institucionalização progressiva na universidade desses uni-
versos relativamente autônomos é o produto de lutas pela in-
dependência, visando a impor a existência de novas entidades
e fronteiras destinadas a lhes delimitar e proteger (as lutas de
fronteira são, frequentemente, pelo jogo de monopólio de um
nome, com todo tipo de consequência, de linhas de investi-
mento, de postos, de créditos etc.). (BOURDIEU, 2001, p. 100,
tradução nossa).

É assim que acreditamos que as relações de parceria, coopera-


ção e conflito vivenciadas por essas disciplinas (sub-campos) decor-

230
rem do compartilhamento de um objeto comum –a informação –,
perpassado por habitus em princípio comuns, diferenciados ao longo
do tempo e que acabam por se desdobrar em relações (muitas vezes
explicitadas em discursos) de hierarquização ou submissão, denun-
ciadoras da sua luta por sobrevivência num campo bastante com-
petitivo. Nesse sentido, práticas outrora centradas na preservação
da memória, por instituições legitimadas para tal (os arquivos, as
bibliotecas e os museus), convergem para a gestão de documentos
(o papel dessas instituições quanto à sua organização e disponibili-
zação). A partir do século XIX, constatamos um movimento mais
sistematizado em torno da organização de disciplinas (Arquivologia,
Biblioteconomia, Museologia e Documentação) para formar pro-
fissionais que atendessem às crescentes demandas de informações
sociais, interligando, então, o mundo do trabalho e o acadêmico.
A partir dos objetivos gerais de recuperação e disponibilização
de informações, podemos observar, contemporaneamente, que não
há fronteiras rígidas entre as disciplinas voltadas para esse fim.
Exemplo disso é, novamente, a TAC do CNPq em vigor (CON-
SELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFI-
CO E TECNOLÓGICO, 1984), que apresenta relações de coopera-
ção entre elas, hierarquizadas dentro da área Ciência da Informação.
Todavia, parece-nos bastante pertinente reiterar as singularidades de
cada disciplina no campo da informação, sem perder de vista seus
vínculos. Nesse sentido, cabe-nos lembrar que “A autonomia não
é um dado, mas uma conquista histórica, que está sempre a
recomeçar” (BOURDIEU, 2001, p. 96, tradução nossa). E mais que
isso: como bem pontuam Couture, Ducharme e Rousseau (1988, p.
58), “Autonomia não significa isolamento”.
Sobre as particularidades científicas da Arquivologia, acredita-

231
mos que elas se construíram, historicamente, pela conjugação do ob-
jeto, dos princípios, dos métodos e de outros aspectos (instituições,
manuais, cursos, legislação, terminologia, eventos, periódicos, asso-
ciações e pesquisas arquivísticas) que, complementarmente, eviden-
ciam a sua evolução e expansão, de uma área eminentemente técnica
para uma disciplina científica com relativa autonomia (MARQUES,
2011; 2013). Os princípios arquivísticos vêm delineando a teoria
arquivística, como mediadores da comunicação do pensamento
internacional da área (MARQUES, 2011). O Princípio de Res-
peito aos Fundos, depois Princípio da Proveniência, tornar-se-ia a
base teórica da Arquivologia, articulando os demais princípios em
torno do objeto de estudo dessa disciplina. Os métodos, advindos
das práticas dos arquivistas no mundo do trabalho, podem ser cor-
relacionados às “funções arquivísticas” (COUTURE, 2003), assim
enunciadas pelos estudiosos canadenses: criação/produção, classifi-
cação, avaliação, incorporação, descrição, difusão e preservação de
documentos.
Os enfoques particulares na gênese, natureza e proposta de
organização da informação pela Arquivologia, Museologia, Biblio-
teconomia e Ciência da Informação, aliados às relações entre essas
disciplinas, acabam por estabelecer critérios de legitimidade, ineren-
tes ao campo da informação, ao representar os interesses dos agen-
tes em luta. E nesse sentido, a autoridade científica funciona como
“uma espécie particular de capital que pode ser acumulado, trans-
mitido e até mesmo, em certas condições, reconvertido em outras
espécies” (BOURDIEU, 1983a, p. 130). Essa acumulação de capital
dá-se pelos movimentos do campo científico em torno da sua
estrutura, das suas regras, das estratégias dos agentes e dos habitus
que os agregam. E é assim que a ordem científica se estabelece: a
partir do funcionamento do campo, ou seja, “da estrutura da distri-

232
buição do capital específico de reconhecimento científico entre os
participantes na luta” (BOURDIEU, 1983a, p. 136).
A relação entre cientificidade e autonomia diz respeito à distri-
buição das disciplinas segundo o grau de autonomia do campo de
produção científica diante das diversas formas de pressão externa,
econômica, política, etc.
De todos os campos especializados, o campo científico é, sem
dúvida, aquele que é menos fechado nas fronteiras nacionais e
onde o peso relativo dos “nacionais” é menor: o grau de inter-
nacionalização, que podemos medir por diferentes indicadores,
como a língua utilizada, os lugares de publicação, nacionais ou
exteriores, etc., é um dos bons índices do grau de autonomia.
(BOURDIEU, 2001, p. 149, tradução nossa)

Assim, campos com frágil autonomia estão profundamente


imersos em relações sociais e as grandes revoluções fundadoras são,
também, revoluções religiosas ou políticas, as quais podem ser com-
batidas politicamente, mudando a visão do mundo em todas as suas
dimensões. Um exemplo disso, no que diz respeito ao nosso tema
de estudo, são os impactos desencadeados no mundo arquivístico
pela Revolução Francesa, a qual marcaria a trajetória da Arquivologia
com a hierarquização dos depósitos; a nacionalização e centraliza-
ção dos arquivos, que, até então, eram conservados por instituições
e pessoas de forma independente; a triagem; a divulgação e proteção
dos acervos; e, sobretudo a concepção dos arquivos nacionais, man-
tenedores da memória na perspectiva do significado histórico dos
documentos (SILVA et al, 1999; FAVIER, 2001; DUCHEIN, 1992),
num processo de acumulação de capital simbólico (BOURDIEU,
1983c), perpassado por relações de poder e saber.
Por outro lado, quanto mais uma ciência é autônoma, mais
ela tende a ser o palco de uma verdadeira revolução permanente.
Todavia, esta é cada vez mais desprovida de implicações políticas

233
ou religiosas (BOURDIEU, 2001). Assim, o poder de refração ou
de retradução é proporcional ao grau de autonomia do campo, com
a criação de barreiras na entrada, a exclusão das armas não específi-
cas e o favorecimento de formas reguladas de competição submeti-
das às imposições da coerência lógica e da verificação experimental
(BOURDIEU, 2004). Parece-nos que este não é o caso das discipli-
nas que compõem o campo da informação, especialmente da Ciên-
cia da Informação, concebida diversamente, conforme a formação
específica de cada pesquisador (WERSIG; NEVELING, 1975).
Nas reflexões de Bourdieu, a definição de campo científico
é ainda contemplada sob duas vertentes complementares: “como
outros campos, é um campo de forças, dotado de uma estrutura e tam-
bém um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de
forças” (BOURDIEU, 2001, p. 69, tradução nossa, grifos nossos).
A expressão “campo de forças” verifica-se, segundo o autor, na
relação simbólica entre os diversos agentes, mais ou menos dotados
de capital científico. Como “campo de lutas”, o campo científico é o
produto do encontro entre duas histórias: uma história incorporada
sob a forma de disposições e uma história objetivada na própria
estrutura do campo e nos seus objetos técnicos (instrumentos),
escritos etc, convergindo para a definição de habitus, já apresentada.
Há, portanto, uma “lógica circular” entre posições e disposições,
entre habitus e campo, conduzindo investimentos científicos e extra-
científicos (BOURDIEU, 1984, p. 132). Nesse sentido, a margem
de liberdade de atuação deixada às estratégias dos agentes depende
da estrutura do campo, caracterizada, por exemplo, por um degrau
mais ou menos elevado de concentração do capital (BOURDIEU,
2001).
Nessa abordagem, a noção de habitus é retomada num senti-

234
do prático dos problemas a tratar, isto é, da maneira adaptada de
tratá-los. Desse modo, as duas definições se entrecruzam: o campo
científico é como outros campos, o lugar de lógicas práticas, com
o diferencial de se constituir numa teoria realizada, incorporada (o
habitus), formalizada em instrumentos, formas e fórmulas. Como
capital incorporado (BOURDIEU, 1984), o habitus desencadeia
homogeneidade durável que acaba por contornar a identidade do
campo científico.
Coexistem, portanto, duas formas de determinação: uma, do
agente, da sua trajetória, da sua carreira; outra, do campo, do
espaço objetivo, dos efeitos estruturais que agem sobre o agente,
estruturando e condicionando percepções, visões, crenças, expecta-
tivas, etc. Relativa e socialmente, esses agentes obedecem a uma lei
que define o princípio de sua variação – a lei da correspondência
entre posições e os próprios posicionamentos (BOURDIEU, 2001).
Ilustrativamente, podemos lembrar a atuação de José Honório Ro-
drigues, diretor do Arquivo Nacional entre 1958-1964, que
institucionaliza o discurso de modernidade arquivística, de forma a
superar a lógica histórica e a enfatizar o papel do arquivo na lógica
da administração pública (BUZZATTI, 2015), buscando diálogos
entre o contexto nacional e o internacional. E nessa dinâmica sócio-
cognitiva, vemos a atuação de um agente refletir na estrutura de um
campo, constituído e perpassado pela acumulação de uma forma
específica de capital, o capital científico (BOURDIEU, 2001). Essa
atuação ilustra bem uma das espécies de capital científico que
perpassa a configuração do sub-campo da Arquivologia no Brasil,
o político.
De acordo com Bourdieu há dois princípios de dominação/
diferenciação entre as disciplinas no campo científico, também

235
conhecidos como “espécies de capital científico”: 1) o tempo-
ral, ou político, que contempla os interesses comuns, o consenso
mínimo, a defesa de interesses coletivos e os eventos internacio-
nais; 2) e o intelectual ou propriamente científico. Esses princípios
têm, segundo o autor, diferentes formas de acumulação: o capital
científico “puro”, predominantemente internacional, é adquirido
pelas contribuições reconhecidas ao progresso da ciência, como as
invenções ou descobertas e diz respeito às habilidades pessoais. Por
isso, é difícil de transmitir na prática. O capital científico temporal,
por sua vez, é adquirido por estratégias políticas e distintas formas
de transmissão e segue as mesmas regras de transmissão que qual-
quer outra espécie de capital burocrático, embora possa assumir
a aparência de uma “eleição” (BOURDIEU, 2004). Esse tipo de
capital relaciona-se mais às instâncias nacionais, às categorias tem-
porariamente dominantes e dependentes de autoridades temporais,
sejam elas econômicas ou políticas (BOURDIEU, 2001).
Como a estrutura da ligação de forças que é constitutiva do
campo é definida pela estrutura da distribuição dessas duas espécies
de capital, a sua autonomia não pode ser total. Bourdieu então con-
clui que a estrutura tem sempre dupla face: uma função puramente
científica e uma função social no campo, em relação aos agentes
nele engajados. Dessa forma, a estrutura científica pode ser
acumulada por vias que não são diretamente científicas (ou seja, por
meio de instituições que o mundo científico comporta e que são o
princípio burocrático de poderes temporais sobre o campo cientí-
fico (BOURDIEU, 2001), como é o caso do CNPq e do Arquivo
Nacional no Brasil.
Se no cenário internacional a Arquivologia ilumina-se como
uma disciplina científica nos séculos XVIII-XIX, no nacional é na

236
década de 1970 que se concentram os grandes avanços desse (sub)
campo, perpassado pelo capital intelectual e, sobretudo, temporal:
é publicado o primeiro periódico arquivístico nacional, o Mensário
do Arquivo Nacional (1970); é criada a Associação dos Arquivistas
Brasileiros (AAB) (1971); é autorizada a criação de cursos de
Arquivologia em nível superior pelo Conselho Federal de Educação
(CFE) (1972); no mesmo ano é realizado o I Congresso Brasileiro
de Arquivologia (CBA), quando é recomendada a definição de um
currículo mínimo para esses cursos; é fixado o currículo mínimo e a
duração para o curso de arquivo em nível superior, pelo CFE (1974);
é aprovado o quadro de professores do Curso Permanente de
Arquivos (CPA) e dos cursos avulsos do Arquivo Nacional (1976);
e o CPA é transferido para a Universidade, com a denominação
de Curso de Arquivologia (1977), abrindo caminho para outros
dezesseis cursos que a partir daí seriam criados em várias univer-
sidades brasileiras, que estariam abrigados, predominantemente em
unidades acadêmicas de Ciência da Informação (MARQUES, 2011).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os três conceitos propostos por Bourdieu – habitus, campo


científico e capital científico – nos foram muito caros para o desen-
volvimento da nossa pesquisa sobre a internacionalização da
Arquivologia, a sua institucionalização no Brasil e as suas relações
com outras disciplinas e áreas do conhecimento. Entrecruzados,
esses conceitos permitiram-nos enxergar as práticas de acumulação
de fazeres e saberes que culminaram na configuração de uma
disciplina científica em um campo científico maior, permeado por
conflitos, disputas, parcerias e alianças, dirimidos e negociados
mediante um tipo de moeda peculiar, o capital científico, em suas

237
modalidades científica e política.
Dessa maneira, entendemos que os três conceitos são
indissociáveis, pois a estruturação histórica trazida pelo habitus é
traduzida na lógica de funcionamento do campo científico, regulado
pelo capital científico. Assim visualizamos a Arquivologia, formada
a partir de práticas que se acumularam desde a Antiguidade e que
foram sendo aperfeiçoadas para a organização dos arquivos cada vez
mais complexos, estruturada por princípios e conceitos que pas-
saram a lhe conferir identidade em um campo científico que abriga
disciplinas (Documentação, Ciência da Informação, Bibliotecono-
mia, Museologia e Arquivologia – somente para citar aquelas que
geralmente estão próximas em espaços acadêmico-institucionais
no Brasil) e profissionais (bibliotecários, museólogos e arquivistas
– responsáveis pela organização da informação e que têm suas pro-
fissões regulamentadas no país) dedicados à organização, à recupe-
ração e à disponibilização da informação nas suas diversas acepções,
no campo da informação. Nesse campo, os avanços, os recuos, os
conflitos e as parcerias são moderados por aspectos científicos que
são comunicados em eventos, periódicos e pesquisas e, também, por
questões políticas que perpassam as instituições e os fazeres desses
profissionais. Visibilidade, prestígio, reconhecimento, celebridade,
autoridade e legitimidade são disputados sob uma lógica própria de
funcionamento desse campo, que conjuga aspectos científicos e
sociais conforme os sentidos definidos por um grupo.
A epistemologia arquivística passou, assim, a ser delineada a
partir de princípios e conceitos norteadores das práticas arquivísti-
cas – como o Princípio da Proveniência e a organicidade –, balizada
por demandas sociais e institucionais de organização, recuperação
e disponibilização de documentos e informações arquivísticas em

238
contextos dinâmicos e complexos, com a aplicação de métodos e
técnicas cada vez mais especializados. Documentos de arquivo/
informações orgânicas registradas são concertados pela organici-
dade que os gera, os define e os identifica mediante o Princípio da
Proveniência. São classificados, avaliados, descritos e preservados
de acordo com métodos e técnicas propriamente arquivísticas,
singulares por buscar preservar a identidade dos arquivos, conforme
a sua gênese e acumulação em razão das atividades de uma pessoa
ou de uma instituição. Ou seja, o sub-campo arquivístico configura-
se conforme a lógica dos seus fazeres e saberes, incorporada diante
dos princípios e dos conceitos que conduzem a teoria da Arquivo-
logia em torno da organicidade que lhe individualiza no campo da
informação.
Hierarquizada no campo da informação, a Arquivologia não
perde a sua identidade, ao buscar a sua autonomia e delimitar o
campo dos seus problemas, dos seus métodos e das suas teorias, a
exemplo do que acontece com a Biblioteconomia e com a Museolo-
gia (mais especificamente) e com a Ciência da Informação (em abor-
dagens mais gerais). Ainda que subordinada à Ciência Informação,
a Arquivologia é reconhecida pelo CNPq e, também, academica-
mente por dezessete universidades, possui periódicos e eventos com
temáticas próprias, além de ter o reconhecimento legal da profissão
de arquivista, desde o final da década de 1970 (BRASIL, 1978).
Posicionada no campo da informação, a Arquivologia é
regida pela lógica da organicidade que conjuga seus princípios, seus
conceitos, seus métodos e suas técnicas, habitus historicamente
construídos e constituídos, internacionalmente divulgados e nacio-
nalmente institucionalizados na configuração de uma disciplina que
busca a sua autonomia científica em diálogos promissores numa

239
arena de conflitos, mas também de alianças.

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243
244
O CAMPO CIENTÍFICO NO ESPAÇO
DO SABER

ISA MARIA FREIRE

1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo, compartilhamos o percurso e resultados de


pesquisa exploratória que investigou os Indícios da aplicação do modelo
de Pierre Bourdieu no campo da Ciência da Informação, no Brasil¹, mediante
busca, recuperação e análise de artigos publicados em periódicos
brasileiros indexados pela Base de Dados Referencial de Artigos de
Periódicos em Ciência da Informação (Brapci)².
Como hipótese de trabalho, consideramos que a “teoria da
prática” de Bourdieu está presente nas publicações periódicas que
veiculam a literatura do campo da Ciência da Informação, e essa
presença é marcante em pesquisadores que abordam as temáticas da
comunicação científica, produção científica e relações de poder no
campo da Ciência da Informação no Brasil.
Aplicamos ao problema de pesquisa o modelo de rede con-
ceitual de Wersig (1993), mediante o qual entrelaçamos, no tear
interdisciplinar da Ciência da Informação, uma trama que envolve
os fios conceituais campo científico (Bourdieu, 1994) e espaço do saber
(Lévy, 2001), no regime de informação (González de Gómez, 2003)
da sociedade em rede. Esses modelos são apresentados na seção
Os fios do texto. Utilizando o método indiciário e a técnica do brau-

¹Pesquisa motivada pelo convite para participação no presente livro.

²Disponível em: http://basessibi.c3sl.ufpr.br/brapci/.

245
seio, selecionamos uma amostra de artigos recuperados na Brapci
com a expressão de busca <pierre bourdieu>, escritos por treze au-
tores dos quais oito apresentam inequívocos atributos³ de pertenci-
mento ao campo da Ciência da Informação, no Brasil. Os resultados
são descritos e analisados na seção No território da literatura.
Ao final, observamos, em todos os artigos da amostra, indí-
cios de que os fios teóricos do modelo de Bourdieu estão presen-
tes na rede conceitual dos pesquisadores da Ciência da Informação
no Brasil, especialmente os construtos habitus, capital cultural, campo
científico e poder simbólico, entrelaçados com fios teóricos próprios do
campo científico da informação.

2 CONTEXTO
Na sua Epistemologia, Bunge (1980, p.160) argumenta que as
ciências sociais não oferecem “teorias” sobre seu objeto de estudo,
sendo mais comum encontrar quadros teóricos, ou “contexto”4.
Para o autor, o contexto contém a possibilidade da teoria, oferecen-
do uma explicação para eventos e relações observados em um cam-
po de pesquisa e uma previsão para a ocorrência de eventos e rela-
ções ainda não observados, com base nos seus próprios princípios
explanatórios. Nesse sentido, uma abordagem foi apresentada por
Gernot Wersig, durante uma conferência científica em Tampére,
Finlândia5 (1991) , onde sugere que a Ciência da Informação poderia
vir a se tornar “algum tipo de sistema de navegação conceitual” para

3
Definidos pela autora para identificar características de pertencimento dos
pesquisadores ao campo da Ciência da Informação no Brasil.

4
Definido como “conjunto de proposições referentes a um mesmo domínio
(p.ex., sociedades humanas) contendo certos conceitos (p.ex., os de classe social
e anomia) que constituem um grupo homogêneo, no sentido de que todos eles
se referem ao mesmo domínio” (BUNGE, 1980, p.160).

246
abordagem dos problemas da informação, na sociedade (WERSIG,
1993, p.238).
Wersig (1993, p.237) apresenta sua abordagem a partir do
entrelaçamento de conceitos científicos em uma rede conceitual que
considere menos a formulação de leis gerais e mais a de estraté-
gias de ação. Neste modelo, denominado rede conceitual, os conceitos
fundamentais, “se constituem semelhantemente a ímãs, ou atratores,
atraindo os materiais [teóricos ou empíricos] para fora [dos seus
respectivos campos científicos] e reestruturando-os dentro da es-
trutura científica da informação” (1993, p.238)6. Para o autor, o que
se pode esperar é que os conceitos sejam “entretecidos” por indi-
víduos ou equipes, reunindo os fios “soltos” de diferentes campos
científicos envolvidos na abordagem de um problema de informa-
ção. Como no exemplo que apresentamos, na figura 1:
Figura 1 - Rede conceitual da pesquisa

Fonte: Elaboração da autora.


5
O texto foi publicado no periódico Information Processing & Management,
em 1993.
6
No Brasil, o modelo de rede conceitual de Wersig (1993) foi aplicado pioneira-
mente por Freire, em sua tese de doutorado (UFRJ, 2001).

247
Os construtos que constituem a urdidura da trama da rede
conceitual que estamos tecendo, nesta pesquisa, se organizam a
partir do conceito de campo, conforme Bourdieu (1994), que se en-
trelaça com os construtos espaço do saber, conforme Lévy (2000), e
regime de informação, conforme González de Gómez (2002; 2003), de
modo a propiciar uma abordagem do problema de pesquisa — qual
seja a identificação de sinais da aplicação do modelo de Bourdieu na
literatura do campo da Ciência da Informação no Brasil.
Nessa abordagem também consideramos outros construtos
relacionados ao contexto, como comunicação científica, comunidade cientí-
fica, forma de vida e ações de informação, que utilizamos para descrever a
ambiência do campo científico na sociedade contemporânea, tendo
como corolário a possibilidade de criação de uma inteligência coletiva7
― no campo científico da informação.

3 OS FIOS DO TEXTO
Nesta seção, apresentamos os fios conceituais que reunimos
na rede conceitual da pesquisa, descrevendo a sociedade contem-
porânea como espaço do saber e a Ciência da Informação no Brasil
como campo de pesquisa, considerando a possibilidade de emergên-
cia de uma inteligência coletiva na comunidade científica.

7
Definida por Lévy (2000, p.78) como uma inteligência distribuída em toda a
parte e fundamentada nas qualidades humanas.

248
3.1 A CIÊNCIA NO ESPAÇO DO SABER
Para Lévy (2000), ao longo do tempo histórico as sociedades
humanas desenvolveram espaços antropológicos, que se iniciam com a
possibilidade de exploração do primeiro grande espaço aberto
à nossa espécie, a Terra, e cujos modos de conhecimento específicos
são os mitos e os ritos. O segundo espaço, o Território, teria emer-
gido com o neolítico e suas inovações socioculturais: a agricultura, a
cidade, o estado e a escrita. Aqui, os modos de conhecimento domi-
nantes já se baseiam na escrita: “começa a história e o desenvolvi-
mento dos saberes de tipo sistemático, teórico ou hermenêutico”, e
surgem as instituições orientadas por lógicas de pertencimento ou
de exclusão (LÉVY, 2000, p.24).
O terceiro espaço, das Mercadorias, tem o fluxo como
princípio organizador: fluxo de energias, de matérias-primas, merca-
dorias, capitais, mão-de-obra, informações. Este espaço não elimina
os anteriores, contudo, “supera-os em velocidade [...]. A riqueza
provém do domínio das fronteiras, do controle dos fluxos. Daí por
diante reina a indústria, no sentido amplo de tratamento da maté-
ria e da informação” (LÉVY, 2000, p.25). É a partir dessa situação
que emerge, na sociedade contemporânea, o espaço do saber, “cujo
advento definitivo não está em absoluto garantido por certas ‘leis
da história’ e que teria a vocação de comandar os demais espaços
antropológicos” (LÉVY, 2000, p.24).
No espaço do saber as tecnologias digitais de informa-
ção e comunicação devem nos permitir “compartilhar nossos
conhecimentos e apontá-los uns para os outros, o que é a condição
elementar da inteligência coletiva” (LÉVY, 2000, p.18). Nesse pro-
cesso, destaca-se a relevância de uma “engenharia do laço social”,
que pode ser vista como “a arte de suscitar coletivos inteligentes e

249
valorizar ao máximo a diversidade das qualidades humanas” (LÉVY,
2000, p.32). No núcleo dessa engenharia se desenvolve a economia das
qualidades humanas, cuja ação implicaria necessariamente na emergên-
cia de uma ética da inteligência coletiva, ou uma ética do melhor.
Pois na economia noolítica8 , o capital será o homem total.
Figura 2 - Do espaço das mercadorias ao espaço do saber

Fonte: FREIRE, 2016.

Lévy (2001) argumenta que a primeira comunidade que se


organizou como inteligência coletiva, independentemente de bar-
reiras, foi a comunidade científica, o que se explica por sua finali-
dade própria de atuar como inteligência coletiva. E,
Ao oferecer a Internet ao mundo, [a comunidade científica]
deu-lhe a infra-estrutura técnica de uma inteligência colectiva
que é, sem dúvida, a sua mais bela descoberta. Assim, trans-
mitiu ao resto da humanidade a sua melhor invenção, a do seu
próprio modo de sociabilidade, do seu tipo humano e da sua

8
“Idade da pedra do espírito. A pedra não é mais aqui o sílex, mas o silício dos
microprocessadores e da fibra ótica” (LÉVY, 2000, p.24).

250
comunicação. [...]. (LÈVY, 2001, p.87)

Nesse contexto, a comunidade científica foi a primeira que se


organizou como inteligência coletiva, independentemente de bar-
reiras políticas ou culturais.
[...] A partir do século XVI, a comunidade científica dedicou-
se a inventar e a viver uma maneira de fazer sociedade distante
tanto da fusão comunitária ou da submissão a uma autoridade
despótica como do individualismo indiferente aos outros. [...]
No espaço intelectual aberto pela comunidade científica, todas
as ideias estão em competição cooperativa para atrair o máxi-
mo de atenção. A capacidade de interessar sem recorrer a ar-
gumentos de autoridade, à força ou a meios desleais são essen-
ciais ao funcionamento do meio científico porque a finalidade
própria deste meio é funcionar como inteligência colectiva. [...]
é por isso que a originalidade e a imaginação, a honestidade e a
abertura de espírito são virtudes capitais do cientista. (LÉVY,
2001, p.85. Mantida a grafia e itálicos do original)

Nesta pesquisa, destacamos a comunidade científica como


espaço social de criação e compartilhamento de informação e
conhecimento, e a Ciência da Informação como tear interdisciplinar
onde se reúnem os fios da trama conceitual no contexto da abor-
dagem de um problema de informação. No regime de informação
do campo da Ciência da Informação, os atores sociais que planifi-
cam e promovem as ações de informação participam de uma mesma
forma de vida, a comunidade científica, que pode ser interpretada
como um coletivo inteligente, conforme as características propos-
tas por Lévy (2000, p.18 e 32), no contexto de uma “economia das
qualidades humanas”, a saber:
a) compartilhamento de conhecimentos, “o que é a condição
elementar da inteligência coletiva”;
b) engajamento da identidade pessoal na atividade profis-
sional, numa mobilização individual mas coletiva, ética e
cooperativa;
c) desenvolvimento de uma engenharia do laço social, vista

251
como “a arte de suscitar coletivos inteligentes e valorizar ao
máximo a diversidade das qualidades humanas” em uma co-
munidade acadêmica.
De modo que, na nossa rede conceitual, o fio conceitual da
inteligência coletiva de Lévy se entrelaça ao fio conceitual do campo
científico de Bourdieu, na ambiência do regime de informação da forma
de vida de uma comunidade de atores sociais, mediante ações for-
mativas, como Programas de Pós-Graduação e Grupos de Pesquisa
CNPq, e ações de mediação, destacando-se a publicação de periódicos
e a edição do ENANCIB, vêm convergir para ações relacionais― que
transformam os processos e produtos de informação em objetos
de reflexão e aprendizagem, e cujos resultados são compartilhados
com a comunidade científica e com a sociedade.

3.2 O CAMPO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO NO BRASIL

A “teoria da prática” de Bourdieu postula que as ações so-


ciais são concretamente realizadas pelos indivíduos, mas as chan-
ces de concretizá-las se encontram objetivamente estruturadas
na sociedade, o que coloca um “limite” a suas possibilidades de
realização. Nessa perspectiva, o sujeito social é sempre considera-
do em função das relações objetivas que regem a estruturação da
sociedade, nas práticas sociais. Nesse modelo, a prática pode ser
definida como “Produto da relação dialética entre uma situação e
um habitus” (ORTIZ, 1994, p.15), o qual, sendo um sistema de dis-
posições duráveis, é uma matriz de percepção, de apreciação e de
ação que se realiza objetivamente em determinado espaço social.
Nesse espaço, denominado campo, as posições dos agentes
se encontram previamente definidas. O campo se define como o
locus onde se desenrola uma luta concorrencial entre os atores em

252
torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão,
particularizando-se como um espaço onde se manifestam relações
de poder e que se estrutura a partir da distribuição desigual de um
quantum (capital) social que determina as posições ocupadas pelos
agentes. Nessa perspectiva, as atividades da ciência ocorrem em um
campo científico, definido por Bourdieu (1994, p.115)
[...] enquanto sistema de relações objetivas entre posições ad-
quiridas (em lutas anteriores), (como) o lugar, o espaço de jogo
de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente
nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de
maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social;
ou, se quisermos, o monopólio da competência científica,
compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitima-
mente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é
socialmente outorgada a um agente determinado.

Nessa abordagem, o campo científico se organiza mediante a


luta em torno da autoridade científica, das instâncias legitimadoras
do poder e distribuidoras do seu capital social, tais como os meios
de comunicação científica (periódicos e eventos), as organizações
sociais e as agências de fomento público à pesquisa científica.
Assim, os resultados das atividades dos atores no campo cientí-
fico dependem, sensivelmente, das condições iniciais para cada
um dos atores desse campo. Não existe, pois, uma neutrali-
dade das ações, dado que toda realização pressupõe necessaria-
mente uma série de interesses (os mais diversos) em jogo.[...]
um problema científico legítimo é aquele em que os cientistas
reconhecem como legítimo e que tem grandes possibilidades
de ser reconhecido como legítimo. (ALVARADO, 2010, p.48)

Nesse processo de legitimação, que Alvarado (2010, p.50) des-


igna como “autonomização progressiva do sistema de relações de
produção, circulação e consumo de bens simbólicos”, um campo
científico se estabelece e evolui a partir da formação continuada dos
pesquisadores, da participação destes em grupos de pesquisa com
temas de interesse comum, da publicação de artigos em periódicos
e da comunicação em eventos científicos da área.

253
No Brasil, os indícios do processo de constituição e legitima-
ção do campo da Ciência da Informação, abordado nesta pesquisa,
podem ser observados, especialmente, na Plataforma Sucupira, na
página de dados dos cursos de pós-graduação recomendados pela
Capes9. Na categoria Comunicação e Informação 10, que abrange as
áreas de Ciência da Informação, Comunicação e Museologia, observamos
84 Programas de Pós-Graduação, sendo 23 na área de Ciência da
Informação.11
Quadro 1: Capes: Cursos recomendados –Comunicação e Informação

Fonte: Capes, Plataforma Sucupira, fev. 2017.http://www.capes.gov.br/cursos-


recomendados.
Legendas: ME: Mestrado Acadêmico; DO: Doutorado; MF: Mestrado Profis-
sional; ME/DO: Mestrado e Doutorado

Dentre os 23 Programas da área de Ciência da Informação,


observamos que 11 Programas estão sediados na Região Sudeste,
sete na Região Nordeste, três na Região Sul, e dois, respectivamente,

9
Disponível em:http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados.
10
Antes denominada Ciências Sociais Aplicada I.
Listagem e links para PPGCIs disponíveis em: www.lti.pro.br. Pós-Graduação
11

na área.
12
Uma comunicação de Pinheiro, no ENANCIB de 2007, descreve o processo
de constituição do campo científico da Ciência da Informação no Brasil através
da emergência e consolidação dos Programas de Pós-Graduação. Ver em Refer-
ências.

254
nas Regiões Norte e Centro-Oeste12.
Em São Paulo, os Programas de Pós-Graduação em Ciên-
cia da Informação estão sediados nas Universidades de São Paulo,
Estadual Júlio de Mesquita Filho e de São Carlos. No Rio de Janeiro,
os Programas estão sediados nas Universidades Estadual do Rio de
Janeiro, nas Universidades Federais do Rio de Janeiro13 e de Minas
Gerais, na Universidade Federal Fluminense e na Fundação Casa
de Rui Barbosa. No Sul, os Programas estão sediados em Santa Ca-
tarina, nas Universidades Federal e Estadual; e na Região Norte, o
Programa está sediado na Universidade Federal do Pará.
O campo da Ciência da Informação dispõe de uma organiza-
ção associativa atuante, que reúne Programas de Pós-Graduação e
pesquisadores. Fundada em 1989, a Associação Nacional de Pes-
quisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB), que
tem como finalidade
[...] acompanhar e estimular as atividades de ensino de pós-
graduação e de pesquisa em Ciência da Informação no Brasil.
Desde sua criação, tem se projetado, no país e fora dele, como
uma instância de representação científica e política importante
para o debate das questões pertinentes à área de informação.
(ANCIB, 2017)14

A ANCIB organiza suas ações em duas frentes: os Programas


de Pós-Graduação, que são representados por seus coordenadores,
e o Encontro Nacional de Pesquisa (ENANCIB), que vem sendo
realizado desde 1994 e é o evento científico mais representativo da
área. O Encontro é organizado através dos Grupos de Trabalho
da ANCIB, cujos coordenadores são escolhidos entre os pesquisa-

13
Em convênio com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecno-
logia (IBICT).
14
Disponível em www.ancib.org.br.
15
Disponível em: http://enancib.ibict.br/.

255
dores mais produtivos e participativos nos seus respectivos grupos.15
A ANCIB também edita um período científico, Tendências da Pesquisa
Brasileira em Ciência da Informação, com periodicidade semestral.16
Os pesquisadores brasileiros da Ciência da Informação par-
ticipam, inclusive como membros da diretoria, de associações inter-
nacionais relevantes para a área, como a Associación de Educación
e Investigación em Ciência de la Información de Iberoamérica y el
Caribe (EDICIC), refundada em 2008,
[que] tem por finalidade fortalecer e integrar a atuação das
instituições públicas e privadas e dos docentes/pesquisadores
universitários que tenham como missão principal a formação,
no nível de graduação e pós-graduação, de profissionais que
queiram atuar nos campos da Ciência da Informação na Ibero-
América e Caribe. (EDICIC, 2017)

E também a International Society or Knowledge Organization


(ISKO), fundada em 1989, cujo Capítulo Brasileiro “foi iniciativa
dos pesquisadores do GT2 – Grupo de Trabalho em Organização
e Representação do Conhecimento da ANCIB, durante a realiza-
ção dos ENANCIBs em 2005, 2006 e 2007”.18 A EDICIC e a
ISKO reúnem os pesquisadores em eventos científicos sediados nos
países-membros e considerados relevantes para a área.
De modo que, como se pode observar, podemos considerar
que se trata de um campo científico estruturado ao longo de quase
50 anos de atuação na pós-graduação do Brasil, que trabalha em par-
ceria com inúmeras instituições de ensino e pesquisas estrangeiras,
com um campo de abrangência de centenas de pesquisadores atu-

Sobre a ANCIB, acesse www.ancib.org.br. Sobre a história dos GTs, consulte


16

FREIRE; ALVARES, 2014 (ver Referências)..


17
Disponível em http://www.edicic.org/portugues/.
18
Disponível em http://isko-brasil.org.br/?page_id=16.

256
antes, nacional e internacionalmente e quatro dezenas de periódicos
científicos publicados regularmente
Nessa comunidade científica, como se poderá verificar na
amostra que selecionamos para análise, o modelo de abordagem de
Bourdieu está presente de forma indelével, entrelaçando seus fios
teóricos e metodológicos no regime de informação do campo da
Ciência da Informação, conforme mostram os indícios que identifi-
camos nesta jornada.

3.3 A AMBIÊNCIA DO O CONCEITO DE CAMPO

O quadro teórico proposto por Bourdieu se funda na questão


da mediação entre o agente social e a sociedade. Ele introduz a
noção de poder:
[...] o ouvinte não é o ‘tu’ que escuta o ‘outro’ como elemento
complementar da interação, mas se defronta com o ‘outro’
numa relação de poder que reproduz a distribuição desigual de
poderes agenciados ao nível da sociedade global” (p.32)

Neste quadro, a comunicação acontece como uma “interação


socialmente estruturada”, em uma situação em que as posições so-
ciais dos agentes da “fala” já se encontram, objetivamente, estrutu-
radas. Bourdieu recupera, para a construção do seu quadro teórico,
a idéia escolástica de habitus, que enfatiza a dimensão de um apren-
dizado passado. Essa noção de habitus é reinterpretada como:
[...] sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas
predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto
é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as rep-
resentações que podem ser objetivamente ‘regulamentadas’ e
‘reguladas’, sem que por isso sejam o produto de obediência de
regras,..mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestra-
das sem serem o produto da ação organizadora de um maestro
33.

O habitus é um conjunto de disposições que impelem os

257
agentes a atuar e reagir de certa maneira quando enfrentam certas
situações. Estas disposições geram as práticas, as percepções, e as
atitudes que são “regulares” sem ser conscientemente coordenadas
ou governadas por uma regra.
O habitus abrange um conjunto de esquemas generativos que
produzem práticas e representações consistentes, mas sem
referência a regras explícitas e que são dirigidas a um objetivo,
sem necessidade de uma seleção consciente de objetivos ou
métodos-chave para atingí-los (BOURDIEU, 1977, p.72).

[...] como sistema de disposições adquiridas por meio da


aprendizagem, implícito ou explícito, que funciona como um
sistema de esquemas geradores, [o habitus] gera estratégias que
podem estar objetivamente conforme os interesses objetivos
de seus autores, sem terem sido concebidas expressamente
para este fim (BOURDIEU, 1996, p.141)

O habitus tende a conformar e orientar a ação, mas, sendo ele


mesmo produto das relações sociais, essa tendência se dirige à re-
produção das relações objetivas que o engendraram. Para Bourdieu,
Cada agente, quer saiba ou não, quer queira ou não, é produ-
tor e reprodutor de sentido objetivo porque suas ações e suas
obras são produto de um modus operandi do qual ele não é
o produtor e do qual ele não possui o domínio consciente; as
ações encerram, pois, uma “intenção objetiva”, como diria a
escolástica, que ultrapassa sempre as intenções conscientes34.

[...] As disposições são generativas e transponíveis, no sentido


de que são capazes de gerar uma multiplicidade de práticas e
percepções em outros campos diferentes daqueles onde foram
originalmente adquiridos. Proporciona aos indivíduos um sen-
tido prático de como atuar e comportar-se, ou responder ao
cotidiano viver, um sentido do jogo, um sentido do que é ap-
ropriado ou não, dependendo das circunstâncias.”

A “teoria da prática” de Bourdieu postula que as ações sociais


são concretamente realizadas pelos indivíduos, mas as chances de
concretizá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior
da sociedade global — o que coloca um “limite” nas suas possibi-
lidades de realização. Nessa perspectiva, o agente social é sempre

258
considerado em função das relações objetivas que regem a estrutu-
ração da sociedade global. A prática, então, pode ser definida como
“Produto da relação dialética entre uma situação e um habitus” 35,
o qual, sendo um sistema de disposições duráveis, é uma matriz de
percepção, de apreciação e de ação que se realiza objetivamente em
determinadas condições sociais, nas quais se situam, desigualmente,
os agentes da “fala”. A prática – conjunção do habitus e da situa-
ção – ocorre em um espaço que transcende as relações entre atores.
Toda a eficácia da ação se encontra, pois, prefigurada, o que implica
dizer que o ator só realiza aquelas ações que ele pode realmente
efetivar.
Esse “espaço” é denominado “campo” e nele as posições
dos agentes se encontram previamente definidas. O “campo” se
define como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os
atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área
em questão – particulariza-se como um espaço onde se manifestam
relações de poder e se estrutura a partir da distribuição desigual de
um quantum (capital) social que determina a posição ocupada por
um agente específico, neste campo. Nessa perspectiva, as atividades
da ciência ocorrem em um “campo científico”, que é definido por
Bourdieu:
[...] enquanto sistema de relações objetivas entre posições ad-
quiridas (em lutas anteriores), (como) o lugar, o espaço de jogo
de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente
nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de
maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social;
ou, se quisermos, o monopólio da competência científica,
compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitima-
mente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é
socialmente outorgada a um agente determinado”36.

“O campo é definido como o lugar de lutas no qual os agen-


tes buscam manter ou alterar a distribuição das formas de capital
específicas do campo. Apresentam-se como espaços estruturados

259
de posições, com propriedades que dependem da posição que os
agentes ocupam nesses espaços estruturados. Portanto, os campos
podem ser analisados independentemente das características que
apresentam os agentes individuais que ocupam esses espaços estru-
turados.
Um campo pode ser definido como uma rede ou uma con-
figuração de relações objetivas entre posições [ocupadas pelos
agentes]. Essas posições estão objetivamente definidas, na sua
existência e nas determinações que impõem a seus ocupantes,
agentes ou instituições, por sua situação atual e por sua situa-
ção potencial (situs), tanto na estrutura da distribuição das es-
pécies de poder (o capital), cuja possessão comanda o acesso
aos benefícios específicos pelos quais se luta no campo, quanto
por suas relações objetivas às outras posições (de dominação,
de subordinação, de homologia etc.) (BOURDIEU, 1992,
p.97).

Dessa maneira, a estrutura do campo é um estado da distri-


buição do capital específico acumulado nas lutas anteriores. Este
capital acumulado orientará as lutas e estratégias posteriores. A
própria estrutura do campo sempre está em jogo, porque as lutas
que ocorrem no campo põem em movimento as estratégias de con-
servação ou subversão da estrutura do campo. Desta maneira, pois,
o capital cultural que circula no campo tem valor somente dentro
dos limites do campo e não pode ser transferido a outro campo sem
o risco da perda de seu valor.
O campo de atividade da ciência, então, evidencia-se pela luta
em torno da autoridade científica, das instâncias legitimadoras do
poder e distribuidoras do seu capital social. Assim, os resultados das
atividades dos atores no campo científico dependem, sensivelmente,
das condições iniciais para cada um dos atores desse campo. Não
existe, pois, uma neutralidade das ações, dado que toda realização
pressupõe necessariamente uma série de interesses (os mais diver-
sos) em jogo.

260
De modo que um problema científico legítimo é aquele em
que os cientistas reconhecem como legítimo e que tem grandes pos-
sibilidades de ser reconhecido como legítimo. Portanto, ser cien-
tista da informação e bibliotecário significa dominar o necessário da
história da Ciência da Informação e Bibiblioteconomia, bem como
saber conduzir-se como bibliotecário dentro do campo da Ciência
da Informação e Biblioteconomia. O princípio destas estratégias [se
fundamenta na] relação inconsciente entre um habitus, um capital
cultural específico, e um campo, isto é, o campo da Ciência da In-
formação e Biblioteconomia.
Um campo intelectual deve sua constituição a um processo
de autonomização progressiva do sistema de relações de produção,
circulação e consumo de bens simbólicos inerentes a esse campo.
De fato, na medida em que se constitui um campo intelectual (e ao
mesmo tempo o corpo de agentes correspondentes), este se define
em oposição a todos os outros campos, econômico, político, reli-
gioso, isto é, a todas as esferas com pretensão de legislar nessa esfera
intelectual. O processo de autonomização se produz através de:
a) A constituição de um público de consumidores virtuais cada
vez mais extenso, socialmente mas diversificado, e capaz de
propiciar aos produtores de bens simbólicos não somente as
condições mínimas de independência econômica, mas também
lhes concedendo paralelamente um princípio de legitimação;
b) A constituição de um corpo cada vez mais numeroso e dife-
renciado de produtores e empresários de bens simbólicos cuja
profissionalização faz com que passem a reconhecer exclusiva-
mente um certo tipo de determinações como, por exemplo, os
imperativos técnicos e as normas que definem as condições de
acesso à profissão e de participação no meio.

261
c) A multiplicação e a diversificação das instâncias de consa-
gração que, competindo pela legitimidade cultural, como, por
exemplo, as academias, as associações profissionais, os salões,
os comitês editoriais de periódicos especializados; e as instân-
cias de difusão, cujas operações de seleção estão investidas de
legitimidade propriamente cultural, apesar de continuarem
subordinadas às obrigações econômicas e sociais, são capazes
de influir na própria vida intelectual.

Desta maneira o processo de autonomização da produção


intelectual está correlacionado à constituição de uma categoria so-
cialmente distinta de intelectuais profissionais, cada vez mais in-
clinados a levar em conta exclusivamente as regras afirmadas pela
tradição propriamente intelectual herdada de seus predecessores.
Isto lhes proporciona também um ponto de partida e um ponto
de ruptura. O desenvolvimento de sistemas de produção de bens
simbólicos é paralelo a um sistema de diferenciação cujo princípio
reside na diversidade dos públicos, aos quais as diferentes categorias
de produtores destinam seus produtos e cujas possibilidades resi-
dem na própria natureza dos bens simbólicos. Os bens simbólicos
constituem realidades com dupla cara: mercadoria e significações,
cujos valores culturais e mercantis subsistem relativamente indepen-
dentes e interdependentes.

3.4 REGIME DE INFORMAÇÃO

O desenvolvimento das tecnologias digitais de informa-


ção e comunicação, possibilitando a produção de novos suportes,
ofereceu à informação a possibilidade de adotar diferentes forma-

262
tos, consolidando o processo de ‘explosão informacional’ iniciado
nos anos 1950. Nesse sentido, como assinalam Unger e Freire (2008,
p.84),
Ao tornar a informação a principal matéria-prima para o au-
mento da produtividade, em nível mundial, a sociedade con-
temporânea tornou também necessária a organização e gestão
desse insumo. [...] Sendo assim, de um regime industrial for-
mado pelas tecnologias de comando e comunicação, passamos
para um regime de produção que se qualifica como sociedade
da informação e comunica através de tecnologias cada vez
mais digitais.

Na interpretação dos autores, trata-se de um sistema social que


resulta de inovações nas tecnologias de informação e comunicação,
as quais, em conjunto com a relevância da informação, provocaram
profundas alterações nos diversos setores da sociedade, embora sua
importância e influência seja desigualmente distribuída nos diferen-
tes estratos sociais e regiões geográficas. González de Gómez (2002,
p.34) aborda o regime de informação na concepção de dispositivo19,
definindo-o como
Um modo de produção informacional dominante numa for-
mação social, conforme o qual serão definidos sujeitos, institu-
ições, regras e autoridades informacionais, os meios e os recur-
sos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os
arranjos organizacionais de seu processamento seletivo, seus
dispositivos de preservação e distribuição”.

Nessa perspectiva, a sociedade contemporânea, qualificada


como sociedade da informação e do conhecimento, pode ser en-
tendida como aquela em que “o regime de informação caracteriza e
condiciona todos os outros regimes sociais, econômicos, culturais,
das comunidades e do Estado”, e pode ser descrito como resultado
de uma dinâmica entre elementos constituídos a partir de ações de
19
Etimologicamente, o termo latino dispositio seria a tradução do termo grego
diathesis; é definido na filosofia moderna como aquilo que facilita, faz algo pos-
sível ou limita as possibilidades de algo.

263
informação.
Conforme González de Gómez (1999, 2002, 2003), nesse
modelo, os atores sociais são “reconhecidos por suas formas de
vidas e [...] constroem suas identidades através de ações formativas
existindo algum grau de institucionalização e estruturação das ações
de informação” (2003, p.35). Os dispositivos de informação representam
um mecanismo operacional ou um conjunto de meios composto de
regras de formação e de transformação desde o seu início; ou, ainda,
“um conjunto de produtos e serviços de informação e das ações de
transferência de informação” (1999, p.63). E os artefatos de informação
constituem os modos tecnológicos e materiais de armazenagem,
processamento e de transmissão de dados, mensagem, informação
(2002, 2003), em um dado regime de informação.
Nesse contexto, González de Gómez (2003, p.34) analisa a
informação constituída pelas ações de informação na perspectiva de que
estas constituem um conjunto de estratos heterogêneos, mas articu-
lados entre si, como segue:
a) informação (semântico-pragmática), estrato que se define nos
inúmeros setores da produção social sob a forma de ações
narrativas;
b) infra-estruturas de informação, estrato dos objetos de informa-
ção, “definido na indústria e nos mercados das tecnologias, das
máquinas e dos produtos” mediante “ações tecnoeconômicas,
normas técnicas, modelos”;
c) meta-informação, estrato regulatório, definido nos espaços
institucionais do Estado, do campo científico, da educação
formal, da legislação e dos contratos.

Nessa abordagem, as atividades desenvolvidas no campo

264
científico podem ser vistas como “ações de informação, as quais
remetem aos atores que as agenciam, aos contextos e situações em
que acontecem e aos regimes de informação em que se inscrevem”,
como propõe González de Gómez (2003, p.33) sobre o campo de
interesse da Ciência da Informação.
De modo que as ações de informação no campo da Ciência da
Informação no Brasil se caracterizam como de interesse para a co-
munidade desse campo científico, por constituírem uma ação de infor-
mação em si, desenvolvida por atores em um campo social ou forma de
vida caracterizada “pelas interações duradouras de um grupo que par-
tilha de atividades, situações e experiências comuns” (GONZÁLEZ
DE GÓMEZ (2003, p.36) ― no presente relato, o grupo de pes-
quisadores do campo da Ciência da Informação no Brasil.

4 NO TERRITÓRIO DA LITERATURA

No final do século XIX, o método indiciário emergiu no


âmbito das ciências humanas, traduzindo-se como capacidade em
descrever uma realidade complexa a partir da experiência da deci-
fração de pistas, sinais, indícios. Na sua metáfora, Ginzburg (1989,
p.170) compara o método indiciário aos fios que formam a trama
de um tapete ― o que aproxima a abordagem indiciária, aplicado à
problemas de pesquisa na Micro História,do modelo de rede con-
ceitual de Wersig, aplicável a problemas de informação. A coerência
do padrão desenhado pela visão do observador é verificável “per-
correndo-se o tapete com os olhos em várias direções”.
No campo da Ciência da Informação, no Brasil, em seu es-
tudo dos sistemas de recuperação da informação, Araújo (1994) de-
screve um processo de busca de informação através de indícios que

265
denominou brauseio, que considera uma das modalidades de busca
mais importantes em um sistema de recuperação da informação.
O brauseio é essencialmente visual e tem um forte componente de
“acesso direto”, podendo ser associado com formas e padrões em
termos de imagens e distribuição do texto numa página ou numa
tela de computador.
Apesar dos critérios iniciais serem apenas parcialmente defini-
dos, é uma atividade de busca ocasionada por uma necessidade ou
interesse de informação, como no caso da nossa pesquisa sobre indí-
cios da produção científica abordando Pierre Bourdieu no território
da literatura brasileira da Ciência da Informação. De modo que, com
o auxílio do brauseio, realizamos uma pesquisa exploratória para
identificar artigos publicados em periódicos brasileiros da Ciência
da Informação indexados na Brapci, cujas abordagens teóricas in-
cluíssem o modelo de Bourdieu. A pesquisa de campo foi orientada
pelas seguintes questões:
• Quais artigos relatamaplicações do modelo de Bourdieu?
• Em quais periódicos foram publicados?
• Quando?
• Quem são os autores?
• Quais são seus atributos no campo científico?
• Quais são suas abordagens na Ciência da Informação?

A seguir, apresentamos uma representação gráfica das questões


formuladas pela pesquisa, às quais buscamos responder mediante a
investigação exploratória20:

266
Figura 3: Representação das questões (variáveis)

Fonte: Elaborado pela autora

Com a orientação dessas variáveis, buscamos os indícios, no


território da literatura indexada na BRAPCI, de artigos relacionados
a Pierre Bordieu. Primeiro indiretamente, usando <campo> como
descritor, quando recuperamos 1.607 registros; a seguir, conside-
rando a amplitude do território, adjetivamos o termo campo, acres-
centando <científico> e recuperamos 238 registros, muito além dos
limites de uma pesquisa exploratória. Decidimos, então, buscar dire-
tamente por <pierre bourdieu>, quando recuperamos 19 registros
que mencionaram o termo de busca nos respectivos resumos.
Ao final de uma análise preliminar, orientada pelos atributos
dos autores (a seguir), foi constituída uma amostra de seis artigos,
escritos por oito autores que efetivamente entrelaçam os fios con-
ceituais de Bourdieu aos da Ciência da Informação. Esses artigos
foram publicados ao longo de 11 anos, entre 2004 e 2015, em cinco

20
Um tipo de pesquisa que visa a aproximação de um problema, que geralmente
assume a forma de pesquisa bibliográfica e estudo de caso.

267
periódicos da área, conforme o quadro 2, a seguir.
Quadro 2: Periódicos que publicaram os artigos

Fonte: Elaborado pela autora, 2017 a partir da Brapci.

A revista Transinformação tem periodicidade quadrimestral, está


aberta a contribuições da comunidade científica nacional e interna-
cional. Fundada em 1989, é editada pela Faculdade de Biblioteco-
nomia do Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da Pon-
tifícia Universidade Católica de Campinas21, está indexada na base
de dados Scielo e classificada como A1 no Qualis de Periódicos da
Capes22.
A revista Ciência da Informação é uma publicação quadrimestral
de trabalhos relacionados à Ciência da Informação e foi a primeira
revista da área, fundada em 1972, sendo editada e publicada pelo
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IB-

21
Disponível em: http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/tran-
sinfo.
22
Acesso ao Qualis de Periódicos da Capes: http://qualis.capes.gov.br/webqua-
lis/.

268
ICT)23. É indexada na base de dados Scielo e está classificada como
B1 no Qualis de Periódicos da Capes.
A revista Tendências da pesquisa brasileira em ciência da informação,
fundada em 2008, é uma publicação da ANCIB com periodicidade
semestral. A cada ano, um dos fascículos é dedicado aos melhores
trabalhos do ENANCIB do ano anterior24. Está classificada como
B1 no Qualis de Periódicos da Capes.
A revista Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência
da informação foi fundada em 1996 e está direcionada a pesquisadores,
docentes, discentes e demais profissionais da área.25 É indexada nas
bases de dados Latindex, REDALYC e Sumarios.org, e classificada
como A2 no Qualis de Periódicos da Capes.
A revista Datagrama Zero, publicou seu Número Zero em
dezembro de1999. Fundado e editado pelo pesquisador Aldo de Al-
buquerque Barreto, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciên-
cia e Tecnologia (IBICT), o periódico encontra-se descontinuado.
Está classificada como B3 no Qualis de Periódicos da Capes.
4.1 AUTORES E ABORDAGENS

Os seis artigos que constituem nosso universo de estudo foram


escritos por 13 autores, sobre cujos atributos científicos e participa-
ção na forma de vida dos pesquisadores da Ciência da Informação
no Brasil pesquisamos na Plataforma Lattes26 e no Diretório dos
Grupos de Pesquisa do CNPq27 . As variáveis escolhidas para repre-
sentar os atributos e a vinculação dos autores ao campo da Ciência
da Informação foram:

23
Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf.
24
Disponível em http://inseer.ibict.br/ancib/index.php/tpbci/issue/current.
25
Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb.

269
• Doutorado em Ciência da Informação;
• Bolsa de Produtividade CNPq;
• Vinculação a Programa de Pós-Graduação;
• Orientação de doutorado;
• Participação em Grupos de pesquisa CNPq;
• Comunicações no ENANCIB.

A partir desses critérios, observamos, na amostra de 13


autores/coautores, que cinco estavam em processo de capacita-
ção (mestrado ou doutorado) quando os respectivos artigos foram
publicados, e ainda não apresentam os atributos de pesquisadores no
campo científico, por isso nossa análise se deteve em oito autores/
coautores. Neste grupo, observamos cinco doutores em Ciência da
Informação, quatro pesquisadores Bolsistas do CNPq, e sete do-
centes vinculados a Programas de Pós-Graduação em Ciência da
Informação e orientadores de doutorado. Todos os autores/coau-
tores da amostra estão vinculados a Grupos de Pesquisa CNPq na
área e apresentaram, regularmente, comunicações no ENANCIB,
no período de 2003 a 2016, sendo que três já coordenaram GTs da
ANCIB.

Quadro 3: Dados dos atributos dos autores

26
Disponível em: http://lattes.cnpq.br/.
27
Disponível em: http://lattes.cnpq.br/web/dgp.

270
Fonte: Elaboração da autora.

Assim, constituímos, para análise, uma amostra com seis ar-


tigos de oito autores/coautores, cujos atributos acadêmicos anal-
isamos a seguir, os quais apresentam claros indícios de pertenci-
mento ao campo científico da informação no Brasil. Por sua vez, as
abordagens desses pesquisadores sinalizam uma aplicação adequada
e pertinente do modelo de Bourdieu aos problemas do campo da
Ciência da Informação, legitimando o uso desse fio conceitual no
tear interdisciplinar da Ciência da Informação.
Na amostra em análise, o artigo mais recente foi publicado
no n.3 do v.27 da revista Transinformação, em 2015. Os três autores
são doutores em Ciência da Informação, sendo que uma orientou
um coautor no doutorado em Comunicação e Informação. Duas
coautoras são Bolsistas de Produtividade CNPq e coordenaram, em
períodos diferentes, o mesmo GT da ANCIB, embora não parti-
cipem de Grupos de Pesquisa em comum.Mas um dos coautores
participa de Grupos de Pesquisa com as duas coautoras, compar-
tilhando linhas de pesquisa. Todos são autores produtivos e já pu-
blicaram juntos antes do artigo em pauta, sendo, também, pesquisa-
dores atuantes no ENANCIB e em outros eventos da área. Com o
título Os eventos científicos, as relações de poder e as práticas dos pesquisadores,
o artigo “Discute teoricamente as relações de poder que se materia-
lizam nas práticas realizadas pelos pesquisadores nos eventos cientí-
ficos, com base nos postulados de Pierre Bourdieu sobre produção,
reprodução e distinção no universo científico”. (2015, p.199).
Podemos observar que os autores entrelaçam os fios con-
ceituais do modelo de Bourdieu aos estudos da comunicação cientí-
fica, dos indicadores da produção científica e da organização do
conhecimento para a comunicação científica vigentes no campo da

271
Ciência da Informação. Este artigo é o que traz o maior número de
referências de obras de Bourdieu.
Segue-se um artigo publicado no n.3 do v.42 da revista Ciên-
cia da Informação, em 2013. A autora é doutora em Ciência da In-
formação pelo IBICT, Bolsista de Produtividade CNPq e atuante
no ENANCIB, tendo sido coordenadora de um dos GTs da AN-
CIB. Participa de três Grupos de pesquisa CNPq, um deles Teoria,
Epistemologia e Interdisciplinaridade em Ciência da Informação. Com o tí-
tulo Musealização: um juízo/uma atitude do campo da Museologia
integrando Musealidade e Museália, o artigo aborda “O processo de
musealização e sua compreensão no campo da Museologia [e] tem
como linha de interpretação o exercício do poder simbólico (Pierre
Bourdieu)” (2013, p.379).
Trata-se do compartilhamento de reflexões da pesquisa de
produtividade da autora,e o modelo de Bourdieu se faz presente
com o fio conceitual Bem Simbólico, no âmbito da discussão sobre as
relações de poder no campo científico: “A presença do poder simbóli-
co se mostra no conjunto de um domínio intelectual e operacional
que se espraia nos procedimentos competentes e legitimizadores do
processo de musealização” (2013, p.2). Nas referências encontra-
mos, necessariamente, A economia das trocas simbólicas e O poder sim-
bólico (Bourdieu).
Em 2012 foram publicados dois artigos da nossa amostra. O
primeiro deles no n.1 do v.5 da revista Tendências da Pesquisa Brasileira
em Ciência da Informação. Dos seus três autores, dois são mestres (sem
registro no Diretório dos grupos de pesquisa CNPq) e uma autora
apresenta os atributos de pertencimento ao campo da Ciência da
Informação. Com doutorado em Ciência da Informação, atua como
docente de Programa de Pós-Graduação e como orientadora de

272
doutorado, liderando um Grupo de pesquisa CNPq e apresentando
regularmente comunicações no ENANCIB. Com o título Aspectos
reputacionais dos sistemas de avaliação da produção científica no campo da
Ciência da Informação, o artigo “trata da articulação entre as matriz-
es teóricas do campo científico de Pierre Bourdieu e dos siste-
mas reputacionais próprios da avaliação da produção científica, de
Richard Whitley” (2012, p.34).
Os autores entretecem os fios conceituais do modelo de campo
científico de Bourdieu com o conceito de sistema reputacional de Whitley
(2000), “um modelo de análise focado na organização dos campos
científicos” (2012. p.35). Observamos que o modelo de Bourdieu
contribuiu para não somente com os fios da trama, mas, especial-
mente, com a urdidura da rede conceitual para abordagem de um
problema de informação na Ciência da Informação. É um dos três
artigos com maior número de referências de Bourdieu.
O outro artigo de 2012 foi publicado no n.3 do v.24 da revista
Transinformação, resultante de colaboração entre mestranda e seu ori-
entador, pesquisador doutor em Ciência da Informação, atuante na
Pós-Graduação e no ENANCIB, participante de mais de um Grupo
de Pesquisa CNPq. Com o título Contribuição ao campo de usuários da
informação: em busca dos paradoxos das práticas informacionais, o artigo tem
por objetivo “formular uma crítica sobre o campo de usuários da
informação, contribuindo, assim, com sua ampliação conceitual por
meio da adoção de categorias da sociologia da prática de Bourdieu”
(2012, p.220). Para os autores, os estudos de usuários podem bus-
car, na Sociologia da prática de Pierre Bourdieu, “as categorias para
análise das práticas informacionais dos indivíduos em uma dada es-
trutura social” (2012, p.225).
Em 2010 um foi publicado um artigo, no v.15 n.29 da revista

273
Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Infor-
mação, originado em pesquisa de mestrado orientada por docente
vinculada à Pós-Graduação, atuante no ENANCIB e na ANCIB,
onde coordenou um GT, e colaboradora em três Grupos de pes-
quisa CNPq na área. Os autores também publicaram, em coau-
toria, outros artigos em periódicos da Ciência da Informação, antes
e depois da publicação do artigo em pauta. Com o título O campo
da Ciência da Informação e o Patrimônio Cultural: reflexões iniciais para
novas discussões sobre os limites da área, o artigo “[Utiliza-se] da noção de
campo apresentada por Pierre Bourdieu [para] refletir sobre a inser-
ção de pesquisas sobre patrimônio cultural no universo da Ciência
da Informação”.
Seu objetivo é discutir “em que medida o tema do patrimônio
cultural está inserido na Ciência da Informação”, utilizando “o con-
ceito de campo, apresentado por Pierre Bourdieu”, partindo do
pressuposto de que o campo da Ciência da Informação se configura
“pelo universo no qual estão inseridos os agentes e instituições que
produzem ou difundem” (BOURDIEU, 2004, p.20 citado em 2010
p.1).
Por fim, o artigo mais antigo da nossa amostra, publicado no
n.5 do v.5 de 2004 na revista Data Grama Zero, foi criado durante
processo de orientação de doutorado em Ciência da Informação,
em coautoria com docente-orientadora,a qual é Bolsista de Produ-
tividade CNPq, participante de Grupo de pesquisa CNPq, atuante
na ANCIB, onde exerceu a Presidência e coordenou um GT, e no
ENANCIB. Com o título A “informação construída” nos meandros dos
conceitos da teoria social de Pierre Bourdieu, o artigo “parte do enten-
dimento da informação como elemento inserido em dimensões
sociais e culturais, amparado pela oferta conceitual da sociologia da

274
cultura de Pierre Bourdieu”.
O pensamento das autoras sobre a prática informacional no
espaço considera que “o espaço social é estruturado pelo conjunto
de ações, representações e interações sociais que os sujeitos enfren-
tam, mas, também, gera e estrutura as características sociais dos
atores que produzem as práticas sociais” (2004, s.p.). O texto foi
citado no artigo publicado na Transinformação em 2012, analisado na
presente pesquisa, e é o segundo em número de referências às obras
de Bourdieu.
Observamos, na análise dos dados da pesquisa, que os resu-
mos são fiéis às propostas dos autores e representam o tesouro
de informação que cada artigo contém para quem tem a chave do
conhecimento na Ciência da Informação. Em todos, há a clara inter-
pretação do modelo de Bourdieu aplicado ao campo científico, com
as respectivas noções de poder social, habitus, campo e capital cultural, em
nível teórico e metodológico, tecendo uma rede conceitual interdis-
ciplinar na Ciência da Informação para abordagem de problemas
relacionados à comunicação científica, indicadores da produção
científica ou práticas informacionais de grupos diversos, na socie-
dade.
As proposições são apresentadas por pesquisadores qualifica-
dos no campo da Ciência da Informação no Brasil, atuantes em
Programas de Pós-Graduação e Grupos de Pesquisa CNPq, que
publicam regularmente em periódicos científicos e participam
das edições do ENANCIB. Todos são membros de associações
acadêmicas nacionais e internacionais, nas quais participam como
pesquisadores/autores ou membros de colegiado, e a metade é
Bolsistas de Produtividade CNPq. Portanto, os autores dos artigos
que trazem os fios conceituais de Bourdieu para a área da Ciência da

275
Informação no Brasil possuem os melhores atributos acadêmicos
nessa comunidade, legitimando, assim, sua apropriação e uso em
uma rede conceitual. Esses fios, cujos indícios identificamos, se en-
trelaçam em uma rede conceitual representada na figura 3, a seguir:
Figura 3: Bourdieu: rede conceitual na literatura da
Ciência da Informação no Brasil

Fonte: Elaborado pela autora.

Com este modelo de abordagem, corroboramos González de


Gómez (2003, p.38) quando diz que é possível encontrar, no cam-
po da Ciência da Informação, recursos teóricos e tecnológicos que
promovam a socialização da informação, mediante apropriação e
uso de tecnologias intelectuais de informação. E, também, quando
destaca que essa abordagem singulariza a Ciência da Informação
no campo das ciências que adotam a informação como objeto de
estudo, e a coloca “numa posição preferencial para fortalecer o
olhar comunicacional e gnosiológico em processos e domínios que
até agora têm sido explicitados à luz de fatores econômicos ou tec-
nológicos”.

276
5 PESQUISA QUE SEGUE

Nosso exercício de pesquisa sobre a aplicação do modelo de


Bourdieu no campo da Ciência da Informação no Brasil, no
contexto em que tecemos a trama do texto e conforme os instru-
mentos utilizados na busca e análise dos indícios, encontrou evidên-
cias plausíveis e aceitáveis de que essa temática conta com o inter-
esse de um núcleo de pesquisadores que aplicam essa abordagem a
diversos problemas de informação na sociedade brasileira. Também
há indícios de produção científica colaborativa, pela participação
dos pesquisadores em vários grupos de pesquisa da área e pelo fato
dos autores terem publicado juntos, antes de publicarem os artigos
incluídos na amostra. O que apontaria para emergência de grupos
com a competência de gerar projetos de inteligência coletiva ― a seu
tempo e a seu modo ― no campo da Ciência da Informação.
Certamente no estudo da aplicação do modelo de Bourdieu
no campo da Ciência da Informação há inúmeras trilhas a explorar:
como aquelas que se escondem nos 1.607 registros bibliográficos
recuperados na Brapci com o termo de busca <campo>, ou nos
238 registros recuperados com o termo<campocientífico>, que não
foram percorridas nesta pesquisa. Mas somente o tempo e novas
pesquisas dirão se essa trilha que percorremos permanecerá produ-
tiva, no campo da Ciência da Informação. Sem embargo,o modelo
de rede conceitual aplicado à pesquisa, a partir do qual refletimos
sobre a inserção da abordagem de Pierre Bourdieu no campo da
Ciência da Informação no Brasil, poderá ser aplicado a outras situa-
ções e problemas onde seja necessário buscar informações sobre
produção de pesquisadores, legitimação de uma área, relações de
poder em um campo científico, e outras temáticas similares e de
interesse.

277
Dessa forma, esperamos ter contribuído para a discussão
sobre o valor das aplicações teóricas das Ciências Sociais no campo
científico da informação, considerando questões de informação
relevantes na sociedade contemporânea, tais como: democratização
do acesso a fontes científica na Internet, competências informa-
cionais e responsabilidade social dos profissionais da informação.
E questões de informação exigem uma abordagem com múltiplas
perspectivas, cujos fios conceituais, distintos e diversos, podem vir a
se entrelaçar no tear interdisciplinar da Ciência da Informação.

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282
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ENCONTRA
BOURDIEU: análise da produção científica dos
bolsistas de produtividade em pesquisa(PQ) na
Base Brapci (1993-2015)

LEILAH SANTIAGO BUFREM,


JULIANA LAZZAROTTO FREITAS e
NATANAEL VITOR SOBRAL

1 INTRODUÇÃO

A influência que o legado de pesquisas e concepções teóricas


de Pierre Bourdieu vem exercendo na literatura acadêmico-científi-
ca, nos últimos tempos, decorre, especialmente, das possibilidades
analíticas que o autor propicia com as suas concepções teóricas,
alinhadas e aplicáveis à empiria e que permitem ao pesquisador
compreender e caracterizar distintos espaços de relações. Esta
influência caracteriza-se por ser teórica e também metodológica,
ensejando, assim, a objetivação de relações existentes nos campos
e a identificação de como essas relações influenciam na construção
dos objetos de estudo, no tipo de informação que é produzida e nos
seus modos de produção e disseminação. Na Ciência da Informação
(CI), as pesquisas, embora abrangentes e relacionadas a distintos
contextos de informação, têm se focado também na informação
científica e na produção da metaciência como meio para repensar
a práxis científica. A preocupação com a apreensão do exercício da
atividade científica pelos pesquisadores em seus respectivos campos
e com as relações econômicas de produção da informação tem sido
objeto de estudo e motivo da recorrência às teorias de Bourdieu no

283
referido campo.
Este capítulo, com o intuito de responder como ocorre a
aproximação da literatura científica em periódicos de CI no
Brasil com os pressupostos teóricos de Bourdieu, pretende analisar
a relação da CI com os referenciais teóricos relacionados ao autor,
descrevendo as características dessa produção.
Parte-se do pressuposto de que o estudo de um autor
cuja influência se manifesta a partir de um determinado momento
histórico, permite a percepção das mudanças e contradições desse
contexto, favorecendo a crítica ao processo de produção do conhe-
cimento.
Destaca-se o momento do encontro do autor com o campo
específico da CI no Brasil, tendo como corpus os artigos dos Bolsis-
tas de Produtividade em Pesquisa (PQ) da área de CI do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
presentes na Base Brasileira de Artigos de Periódicos em Ciência
da Informação (Brapci), que hoje se compõe de 16.778 trabalhos
em revistas científicas e 2.244 trabalhos em eventos do campo
(BRAPCI, 2017).
As aproximações da CI com os pressupostos de Bourdieu
(1983), quando relacionadas à concepção de “campo científico”,
permitem a visualização de um domínio de conhecimento em con-
strução, que apresenta um arcabouço teórico e metodológico incipi-
ente, ancorado sob fundamentos epistemológicos que o caracter-
izam como passível de estabelecer relações com outros domínios.
Além disso, o fato de Bourdieu ser considerado o sociólogo mais
representativo e influente do nosso tempo, tanto no âmbito das
ciências sociais quanto no das humanidades, tanto no interior da
academia quanto para além dela (BURAWOY, 2010, p. 12), for-

284
talece o reconhecimento de que suas contribuições teóricas são fun-
damentais para a produção científica nos campos de conhecimento
relacionados às questões da sociologia. Esse reconhecimento tem
sido explicitado por autores como Burawoy, um de seus críticos
mais radicais:
[Pierre Bourdieu] é o único a ser considerado o pai fundador
contemporâneo da sociologia, com envergadura comparável a
Durkheim, Weber e Marx. Como estes, Bourdieu era versado
em filosofia, história e metodologia; e como eles, Bourdieu
possuía teoria própria e bastante desenvolvida sobre a socie-
dade contemporânea, sua reprodução e sua dinâmica” (BURA-
WOY, 2013).

Essa constatação da universalidade do autor e da sua con-


tribuição está explícita na literatura científica em CI no Brasil, de
modo especial em artigos de periódicos, conforme a primeira leitura
exploratória sobre a aproximação do autor com a área. Percebeu-se,
por meio da busca, que o amplo leque das contribuições do autor
percorre a extensão da produção considerada a mais representativa
da área no país, constituída por artigos em periódicos científicos e
comunicações orais submetidas aos grupos de trabalho (GTs) do
Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (Enan-
cib).
Para a construção das concepções de campo e de habitus,
Bourdieu fundamentou-se em estudos empíricos em diferentes es-
feras sociais. Sua obra “Razões Práticas: sobre a Teoria da Ação”
(1996) busca a defesa de uma filosofia aplicável a diferentes reali-
dades do mundo social. Nesse sentido, parece ter uma funcionalidade
predominantemente metodológica para a CI. Quando se considera
que a CI é um campo que se desenvolve especialmente por suas
contribuições significativas no âmbito da metaciência - do refletir
sobre o “fazer pesquisa” - e na aplicação empírica de metodologias

285
de análise e organização da informação em contextos diversificados
de informação, esses postulados são basilares para a compreensão
da práxis científica e profissional e refletem a importância da adoção
de conhecimentos do campo sociológico para a realização de
análises relacionais na CI. Desse modo, o conjunto de conhecimen-
tos teóricos e especialmente metodológicos que a CI reúne permite
que ela se consolide como um campo que oferece amplas perspec-
tivas de análise da informação para além da ciência, considerando-se
o campo como o local onde se produzem as aptidões e os interesses
científicos, cuja tendência à conservação e à satisfação é movida por
um “processo dialético interminável”. (BOURDIEU, 1983).
Os discursos eruditos nos campos de produção específicos
tendem, portanto, a perpetuar seus valores, produzindo a crença de
valor autônomo dos objetivos e objetos que constroem. É nesse
sentido que Bourdieu considera os cientistas da aparência como
aqueles que atuam para a constituição arbitrária de conhecimentos
inacessíveis e se arrogam do monopólio de práticas específicas e
da reflexão sobre elas, impondo “a crença de que sua falsa ciência
é perfeitamente independente das demandas sociais e que ela
só satisfaz tão bem porque afirma sua grande recusa a servi-las”.
(BOURDIEU, 1983, p. 147).
Além disso, o arcabouço teórico do autor relacionado ao cam-
po vem a subsidiar de forma coerente os modos de apropriação
de elementos constituintes de análises conjunturais, evidenciando
agentes, seus papéis e posições, relações que se estabelecem entre
eles e revelando estruturas de poder que vão se estruturando em
meio às próprias relações. A noção de habitus de Bourdieu, como
modos de ser e de se comportar pelos agentes em um campo,
representam a superação que o autor realiza às ideias estruturalistas.

286
(WACQUANT, 2007). Isso porque o habitus constitui o modo de
percepção, julgamento e atribuição de valores em relação ao mundo,
conformando também as formas de ação, corporal e materialmente,
acabando por reger a moral cotidiana e os princípios interiorizados
pelo corpo.
Os pressupostos aqui explicitados permitem mais bem com-
preender as potenciais motivações para as citações a referenciais
teóricos de Bourdieu na produção periódica da CI. A convicção do
autor de que conhecer melhor as condições de produção do conhe-
cimento é a condição para a produção de um conhecimento melhor,
serve como leitmotiv deste estudo.

2 METODOLOGIA

Como procedimento metodológico para a análise das relações


de Bourdieu com a CI, a partir de seu referencial teórico, constituiu-
se, aqui, uma base específica com a produção periódica dos
pesquisadores da área que têm bolsa PQ.
Inicialmente, para identificação dos PQ da área de CI, consul-
tou-se a página eletrônica de bolsas e auxílios vigentes do CNPq em
31 de dezembro de 2015. A estratégia de busca abarcou todas as
instituições do país nas Ciências Sociais Aplicadas, especificamente
na CI, para a referida modalidade de bolsa (Produtividade em
Pesquisa), em todos os níveis. Identificou-se um universo composto
por um pesquisador Sênior (PQSR), 20 pesquisadores PQ-1 e 25
pesquisadores PQ-2, totalizando 46 pesquisadores.
Os artigos desses pesquisadores foram recuperados na Brapci.
Dos 1.048 artigos do corpus, Bourdieu é citado em 70 trabalhos
(6,6% do corpus), no total de 107 vezes. Para a composição do

287
corpus, consideram-se os trabalhos que citam Bourdieu, e não o
número de citações. Desse modo, não há distinção entre os tra-
balhos que o citam uma, duas ou mais vezes. Havendo citação a
Bourdieu, o artigo passa a integrar o corpus.
O primeiro trabalho que cita Bourdieu, do universo dos PQ da
área de CI, foi publicado em 1993. Por esse motivo, o período inicial
de coleta foi fixado neste ano, embora a Brapci indexe artigos desde
1972. Quanto ao período final (2015), este foi selecionado, por
atender o prazo do projeto PQ: “A prática da pesquisa e os quadros
teóricos concorrentes no campo de produção científica em Ciência
da Informação”, liderado pela primeira autora deste capítulo. A base
de dados formulada no período do referido projeto subsidiou o
desenvolvimento do presente texto, podendo ainda servir a diversos
propósitos de pesquisas envolvendo os PQ da área de CI no Brasil,
suas opções metodológicas e referenciais teóricos.
O processo de coleta de referências foi realizado de maneira
manual. Em números absolutos, 16.934 referências foram recupera-
das. Entre os meses de janeiro e maio de 2017, realizaram-se as
atividades de extração, estruturação e sistematização das referências.
Em seguida, os dados foram padronizados, relacionados e
classificados no software Vantage Point. Optou-se pelo formato de
matrizes, diante da necessidade de mapear as relações de Bourdieu
com os autores citados juntamente a ele nas referências dos
artigos do corpus, os temas, os anos e as revistas científicas
nas quais o autor figura. A classificação dos dados verificou-se
por meio da criação dos seguintes campos: autor (AU), título (TI),
periódico (JO), ano de publicação (PY), referências (RE) e palavras-
chave (KW). A estrutura relacional permitiu que os dados fossem
interpretados a partir da observação de coocorrência.

288
Com a base de artigos já estabelecida, realizou-se a análise das
pesquisas que citavam o autor. Esse tipo de análise, denominada
análise de contexto por Falkingham e Reeves (1998), possibilita o
estudo de um “corpus” de publicações, a partir da criação de uma
base de dados, além de um tratamento quantificável sobre o corpo
da atividade de pesquisa em determinado campo ou área, por meio
da definição e análise de variáveis e características do campo e da
produção científica como, por exemplo, que tipo de instituição ou
autoria é responsável pela produção, quais métodos ou paradigmas
estão sendo utilizados ou seguidos e quais produtos têm surgido.
Ademais, a base construída para essa análise identifi-
ca, conforme a classificação dos GTs da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (Ancib), os
eixos temáticos predominantes das produções. Para a classificação
dos artigos em GTs, procederam-se as leituras dos resumos e
partes principais dos documentos. Assim, tais categorias foram
consideradas: (1) Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência
da Informação, (2) Organização e Representação do Conhecimento,
(3) Mediação, Circulação e Apropriação da Informação, (4) Gestão
da Informação e do Conhecimento nas Organizações, (5) Política e
Economia da Informação, (6) Informação, Educação e Trabalho, (7)
Produção e Comunicação da Informação em CT&I, (8) Informação
e Tecnologia, (9) Museu, Patrimônio e Informação, (10) Informação
e Memória e (11) Informação & Saúde.
Foram mapeados os artigos conforme os grupos nos quais
se enquadraram, para que se pudesse, então, realizar a análise de
conteúdo, com a leitura dos artigos e a identificação dos autores e
das construções teóricas em diálogo com os principais conceitos de
Bourdieu.

289
Desta feita, pretende-se contribuir para que se compreen-
da a participação de Bourdieu como referencial nesse campo de
produção científica e como suas influências determinam ou modifi-
cam configurações teóricas na CI. Supõe-se que a leitura dos citan-
tes implica, além da distinção das peculiaridades do texto em si, a
escolha do que adquire significado no encadeamento das ideias e na
valorização do autor citado para o crescimento do campo. Pretende-
se, desse modo, reconstruir o momento de aproximação entre o
pensar do citante e a contribuição do citado. Esta peculiar análise
implica identificar os significados conferidos às obras do autor,
procurando distinguir e selecionar os sentidos existentes nas
relações contextuais.

3 ANÁLISE E RESULTADOS

A distribuição diacrônica dos artigos que referenciam Bour-


dieu inicia-se em 1993, pelo artigo intitulado “A representação
do conhecimento e o conhecimento da representação: algumas
questões epistemológicas” por Maria Nélida González de Gómez.
Observa-se que mais de 80% do corpus foi publicado a partir
do ano 2000. A quantidade de artigos publicados nas décadas
anteriores é superada no período entre 2011 e 2016, evidenciando
o fato de que Bourdieu tem influenciado as pesquisas mais recentes
na área. No Gráfico 1 consta a evolução das pesquisas no período.

290
Gráfico 1 - Evolução das pesquisas indexadas na Brapci que referenciam
Bourdieu (1993-2015) nos artigos publicados pelos PQ da área de CI.

Fonte: Os autores (2017).

A percepção de que o autor tem progressivamente influenciado


as pesquisas na área é confirmada pelo estudo de Bortoluci, Jackson
e Pinheiro Filho, sobre o pioneirismo do Brasil na recepção interna-
cional de Bourdieu, que, desde a década de 1990, se tornou um dos
mais citados autores em todo o país, acompanhando a dinâmica da
institucionalização das ciências sociais no Brasil. Graças à expres-
siva circulação de pesquisadores brasileiros na França, desde o final
dos anos de 1960, intensificou-se a mediação que viria a provocar
a recepção de Bourdieu no país. Inicialmente recebido como um
dos autores contemporâneos mais propensos à renovação teórica e
metodológica das ciências sociais nas décadas de 1970 a 80, o autor
seria instituído como referência obrigatória, a partir da década de
1990.
Além disso, o dinamismo editorial responsável pelo lança-
mento de títulos traduzidos transformou Bourdieu em um autor
fundamental para pesquisas nas humanidades e ciências sociais, que
seria reconhecido, a partir da década de 1990, como um clássico,

291
ou seja, como um interlocutor permanente, seja para os que fazem
uso de suas ferramentas analíticas, seja para os que as recusam
(BORTOLUCI; JACKSON; PINHEIRO FILHO, 2015).
O Gráfico 2 apresenta os PQ da área de CI e a respectiva
quantidade de artigos em que Bourdieu aparece como citado por
cada um. Visando enfatizar as relações mais relevantes, optou-se
por privilegiar os autores que o utilizaram como referência em dois
ou mais trabalhos. Com isto, nota-se que nove o citaram em mais
de dois trabalhos, totalizando 49 presenças de Bourdieu como
referente em seus trabalhos.
Gráfico 2 - Autores do corpus por quantidade de artigos que referenciam
Bourdieu (2+) (1993-2015).

Fonte: Os autores (2017).

Estes autores apresentam produção científica que se


caracteriza por se voltar ao próprio domínio da CI, ou seja, como
metaestudo sobre a área. O autor A1, PQ1D, com 11 citações,
realiza pesquisas teóricas aprofundadas no campo para a crítica da
prática, por meio de análises de produção científica, permeando as

292
questões epistemológicas que envolvem a área, bem como realiza
análises conjunturais no domínio da organização do conhecimen-
to e da editoração científica, fundamentada pelos pressupostos de
Bourdieu. Também se deve destacar que A1 atua de modo mais
intenso no GT7 do Enancib, o que contribui para o fato deste
grupo ser o mais representativo na classificação temática do corpus
que será apresentada adiante.
Já A2 (PQ1A), com 9 trabalhos que citam Bourdieu, volta-se
à teoria social e à análise de redes sociais a partir dos postulados
do referendado autor. Tal autor faz-se intensamente presente nos
artigos classificados tematicamente no escopo do GT4, relacionado
à Gestão da Informação e do Conhecimento, cuja ementa enfoca
de modo especial os estudos de redes em diferentes contextos
informacionais.
A3 (PQ 2) e A4 (PQSR), ambos com seis artigos, tratam de
modo especial da dimensão social da informação, sua relação com
a sociedade e com a economia, e publicam de modo predominante
no temas relacionados aos GT3, GT4 e GT5. Este último é o grupo
de trabalho que aparece na segunda posição na análise temática de
artigos aqui realizada, conforme apresenta o Gráfico 3, em relação à
predominância de artigos do corpus por grupos da Ancib.

293
Gráfico 3 - Artigos do corpus (1993-2015) classificados pelos GT da
Ancib.

Fonte: Os autores (2017).

A opção pela categorização, a priori, fundamentada nos GTs


da Ancib, justifica-se por se tratar de uma organização temática
resultante da discussão realizada pelo Fórum dos Coordenadores de
Grupos de Trabalho, durante o VI Enancib, em Florianópolis, no
ano de 2005. Constituídos por aglutinação, a partir dos interesses
de pesquisa, esses grupos representam temas que se consolidaram
historicamente pela sua relevância na área. O amplo espec-
tro referencial e metodológico característico dos grupos, por outro
lado, favorece a dispersão temática e teórica no conjunto de artigos,
razão pela qual se preferiu estabelecer como critério selecionar,
entre os autores cocitados, apenas aqueles cuja relação expressasse
o diálogo com Bourdieu, para a compreensão de seu pensamento.
O GT7, Produção e Comunicação da Informação em
CT&I (27,5%), concentra a maior quantidade de publicações do
corpus que referencia Bourdieu, especialmente pelo fato de ter

294
como escopo os estudos sobre a produção e comunicação da
ciência, realizando metaestudos na área e estudos aplicados a
outros domínios. Os conceitos de maior destaque entre os estu-
dos realizados são os de habitus, reconhecimento, reputação, capital
científico, distinção, hierarquias acadêmicas, processos de produção,
legitimação e reprodução no campo científico.
Como elementos mediadores, esses conceitos aproximaram os
principais autores citados nos artigos selecionados. A maior repre-
sentatividade no GT7 foi de Whitley (1974), autor citado em cinco
artigos, cuja teoria se volta à institucionalização científica, concebida
como o padrão de ações e significados, assim como o nível de co-
erência e organização com que ideias são articuladas e aderidas para
se constituir uma ciência. Nesses cinco artigos ficam evidenciados,
por um lado os elementos circunstanciais e condicionantes pre-
sentes na concepção de Bourdieu sobre o “campo científico”, por
outro, é reconhecido o processo de institucionalização científica,
em suas duas dimensões, cognitiva e social. Destacam-se a estrutura
de demandas, possibilidades, prioridades e restrições no campo
científico, incluindo-se entre eles os componentes motivacionais
dos cientistas, que incorporam valores e expectativas provenientes
de sua origem social e de seu capital científico.
Com posições teóricas complementares dentro da configura-
ção dos artigos fundamentados em Bourdieu, o segundo autor mais
proeminente é Lloyd (1995), para quem o conceito de domínio tem
especial posição como recurso à pesquisa, uma vez que contribui
para “constituir teoricamente objetos de investigação”. Quanto à
ciência, como um conjunto de práticas socialmente construídas na
tentativa de descobrir progressivamente as estruturas causais
da realidade, apresenta, entretanto, um discurso científico que não

295
atinge nem pretende atingir a “objetividade absoluta” (LLOYD,
1995).
Seguem-se como autores citados em dois dentre os artigos que
referenciam Bourdieu: Ladrière (1978), para quem a ciência age
sobre a realidade, transformando-a, sobretudo através da tec-
nologia, face visível de suas produções; Dahlberg (1978), cuja teoria
toma o conceito como a unidade de conhecimento que surge pela
síntese dos predicados necessários relacionados com determinado
objeto, e que, por meio de sinais linguísticos, pode ser comunicado;
Ziman (1979), para quem o conhecimento científico ganha legitimi-
dade quando é analisado e aceito pelos pares-concorrentes após sua
publicação nos canais de comunicação científica; Meadows (1999),
cujo argumento sobre a colaboração científica como tendên-
cia observável nos mais diferentes campos do saber apresenta a
união de esforços, a divisão de tarefas e a otimização dos custos
da pesquisa como fatores motivacionais para o aumento da escrita
colaborativa; e Marteleto (2001), para quem, quanto mais central é
um indivíduo, mais bem posicionado ele está em relação às trocas
e à comunicação, o que aumenta seu poder na rede. A homogenei-
dade aqui percebida decorre do fato de que esses autores que são
citados juntamente com Bourdieu pelas pesquisas enquadradas no
GT7 apresentam discussões sobre temas relacionados à comunica-
ção científica e às lutas de poder no campo.
O segundo grupo de artigos mais bem representado está rela-
cionado ao GT 5, Política e Economia da Informação (15,9%).
Diferentemente do que ocorre com os artigos categorizados no
GT7, mais homogêneo em relação aos temas, o grupo de Política
e Economia da Informação apresenta grande diversidade temática
e muita dispersão em relação aos autores, pois somente quatro se

296
encontram entre os autores cujos conceitos dialogam com os de
Bourdieu: Castells, González de Gómez, DiMaggio e Ginzburg. O
referido grupo contempla uma amplitude de discussões relacionadas
à informação para cidadania, lei de acesso à informação, dimensões
de acesso e uso à internet, também abarcando questões relacionadas
ao capital social e às redes.
Enquanto os conceitos de Bourdieu mais presentes nas
discussões levantadas relacionam-se às lutas pelo poder simbólico,
à prática social, à reprodução, ao habitus e ao capital informacional,
os conceitos dos autores referem-se: a) aos modos de acesso à rede
e às possíveis mudanças positivas, promovendo o desenvolvimento
individual e comunitário, e, portanto, o aumento do capital social
do indivíduo e de sua facilidade de acesso a uma diversidade de
fontes de informações e recursos, conceitos presentes na obra de
Castells; b) ao “uso efetivo”, significando capacidade e oportuni-
dade para conseguir fazer com que as Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) contribuam para atingir objetivos individuais
ou de grupos, ideia desenvolvida por DiMaggio; c) ao fato de que a
elisão do sujeito acompanha a reificação da informação, apontando
a necessidade de discutir não só a natureza política da informação,
mas também questões sobre uma política (no sentido distributivo)
de informação, o que significa introduzir a questão do poder nesse
debate, discussão aprofundada por González de Gómez; d) ao
conceito de “rigor metodológico”, cujo sentido se aplica não ape-
nas às pesquisas centradas nos procedimentos experimentais, mas
aquelas que privilegiam elementos, como a intuição do pesquisador
na observação do singular e do idiossincrático, bem como a sua
capacidade de reconhecer nos dados singulares relações preciosas
para a investigação, conforme verificado em Ginzburg. Percebe-se,
pelas posições que assumem e pelas esperanças que se renovam em

297
suas concepções e nos autores que selecionam, que os pesquisa-
dores são, em sua maioria, otimistas em relação às possibilidades
que se apresentam à política e à economia da informação.
O grupo temático correspondente ao GT4, Gestão da In-
formação e do Conhecimento nas Organizações (10,1%), dis-
tingue-se por privilegiar temas como capital simbólico e cultural,
processos de objetivação e subjetivação, o conceito de campo e
dele decorrente, o de campo científico, que se aproxima, na maioria
dos trabalhos com o conceito de redes. Desse modo, observa-se a
mediação com autores como Castells, no que diz respeito às redes
como estruturas abertas e expansivas, integrando novos nós desde
que consigam se comunicar na rede, utilizando códigos próprios de
comunicação, como valores e indicadores de desempenho. Castells
(2000, p. 497), argumenta que “[...] as funções e os processos domi-
nantes na era da informação estão cada vez mais organizados em
torno de redes”, e que essa estrutura social com base em redes seria
altamente dinâmica, inovadora e “sem ameaças ao seu equilíbrio”.
Percebe-se o mesmo otimismo já presente no grupo anterior, em
relação às mudanças e às possibilidades que deverão surgir e prin-
cipalmente com relação ao modelo da criatividade, que ele parece
adotar quase como estratégia para vários campos.
Com a mesma frequência de Castells, seguem Latour e Choo.
A presença de Latour relaciona-se ao fato de que, embora a infor-
mação sirva à circulação ou transporte de conhecimentos, ela não
gera necessariamente conhecimento, não sendo, por si só, capaz de
alterar estruturas cognitivas. Sua aproximação maior com Bourdieu
refere-se ao controle intelectual desempenhado pelo domínio erudi-
to, que não se cumpre diretamente sobre os fenômenos (LATOUR,
2000), mas sobre as inscrições que lhe servem de veículo.

298
As inscrições, objetivadas no cotidiano em formas específicas,
revelam a trajetória dessa construção coletiva que, entretanto, se
individualiza em atos pessoais, específicos e expressivos. Quanto a
Choo (1998), é selecionado pelos autores pelo seu modelo para as
“organizações do conhecimento”.
A predominância da obra “Introdução à filosofia reflexiva”
como referencial deste grupo aponta para uma ciência social capaz
de controlar seus próprios vieses, bem como de se manter atenta
e independente dos “ritos de instituições”, de modo a favorecer a
crítica ao processo de produção do conhecimento.
Entre os temas mais representativos da categoria relativa ao
GT3, Mediação, Circulação e Apropriação da Informação
(10,1%), destacam-se o campo social, o poder simbólico, o mercado
de bens simbólicos, as posições sociais ocupadas pelos consumi-
dores, a distribuição de produtos sociais disponíveis no mercado, as
dinâmicas de distinção e legitimidade do campo, o campo científico
e a reprodução da ação social, o espaço de concorrência, interesse,
julgamentos de mérito, competência científica, contaminação, as
posições nas hierarquias, a autoridade científica e o valor do capital
social acumulado. Como se pode perceber, há também uma diver-
sidade expressiva do ponto de vista temático, e da mesma forma,
em relação aos autores citados, cujos conceitos dialogam com os de
Bourdieu, em alguns casos apresentando contradições, em outros,
convergências.
Entre os autores, o mais citado, em quatro artigos do GT3,
foi Barthes, cujos conceitos sobre a “naturalização” da experiência
cotidiana identificam o leitor como o espaço exato em que se
inscrevem todas as citações de que uma escrita é feita. Assim,
a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu
destino, mas este destino já não pode ser pessoal: o leitor é um

299
homem sem história, sem biografia, sem psicologia; é apenas
esse alguém que tem reunidos num mesmo campo todos os
traços que constituem o escrito... O nascimento do leitor tem
de pagar-se com a morte do autor (BARTHES, 2004, p. 5).

O grupo representativo do GT10, Informação e Memória


(7,2%), apresenta a relação entre os campos de conhecimento da
CI e da Memória Social. Os conceitos de Bourdieu mais frequentes
como fundamento dos artigos referem-se a campo, habitus, luta e
ação políticas, e se apresentam vinculados às questões mais canden-
tes relacionadas a um mundo em que o conflito cada vez mais se
faz presente em cada prática, discurso, representação ou comunica-
ção. Como contrapontos no discurso contra esse estado de coisas,
manifestam-se autores como Chomsky, Beatriz Sarlo, Žižek, Chauí
e Arendt, compondo o mais crítico do conjunto de autores apresen-
tados.
O conjunto de trabalhos relacionados ao GT8, Informação e
Tecnologia (7,2%), representa uma ampla diversidade de temas em
estudos sobre as TICs, envolvendo especialmente conceitos como
poder simbólico, habitus, formas consagradas de produção e
comunicação científica, processos de geração, representação, ar-
mazenamento, e preservação da informação em ambientes digitais.
Autores cujas relações são mais evidentes com essa configuração
fazem parte de uma relação que inclui Lévy, Arendt, Barthes,
Foucault, Savolainen, Aumont, Benjamin, Baudrillard e Sontag,
cujas concepções, mesmo que divergentes em alguns casos, conver-
gem para a busca de estilos de vida estimulantes de novas ha-
bilidades diante do acesso às ferramentas tecnológicas e aos meios
digitais para o acesso à informação.
A congregação de trabalhos pertencentes ao conjunto temáti-
co relativo ao GT2, Organização e Representação do Con-

300
hecimento (7,2%), apresenta objetos de estudo relacionados
aos conceitos de campo científico, reflexibilidade, valor simbólico,
consagração e reconhecimento. Os principais referentes teóricos
relacionados ao quadro conceitual de Bourdieu são: Habermas,
Jakobson, Wittgenstein, Bakhtin, Williams, Latour, Meadows, Solla
Price, Benveniste e Peirce, coincidindo com as preocupações do
grupo, relacionadas à organização e preservação de documentos e
da informação, enquanto conhecimento registrado e socializado, em
ambiências informacionais. Desse modo, a presença expressiva de
linguistas no grupo se justifica.
O GT1, voltado aos Estudos Históricos e Epistemológicos
da Ciência da Informação (7,2%), engloba pesquisas relacionadas
à construção de conhecimentos teórico-metodológicos, bem como,
explora o conceito de campo científico e a institucionalização da CI
e seus subdomínios. Assim, predominam entre os autores mais cita-
dos pensadores como Goldmann, Saussure, Habermas, Frohmann,
Schwartzman, Kuhn, Japiassu, Wersig e Nevelling, trazendo temas
relacionados com os fundamentos históricos e epistemológicos da
CI, repensando modelos teóricos de outras áreas para a realização
de sínteses teóricas e metodológicas em prol da constituição do
campo científico e da construção do conhecimento na área.
Do mesmo modo, o reconhecimento do quadro teórico das
pesquisas relacionadas ao GT6, Informação, Educação e Tra-
balho (5,8%), remete ao conceito de poder simbólico e aos espaços
de luta que contribuem para a reprodução de ambientes sociais
de poder hegemônico. Percebe-se na maioria desses artigos uma
posição de luta contra as posições de controle e dominação, desem-
prego, precarização do emprego e das condições de trabalho, temas
especialmente presentes em obras de Bourdieu como “A dupla ver-

301
dade do trabalho” e “Contrafogos”. Os autores citados, por sua
vez, que apresentam maior afinidade com Bourdieu, são: Castells,
Habermas, Foucault, Lahary, Callenge, Deleuze, Kuenzer, Wersig e
Ianni, este último de modo mais próximo.
O grupo representado pelos temas relativos ao GT11, Infor-
mação & Saúde (1,4%), envolve artigos ligados à mediação da
informação em Saúde Pública, resultando de estudos sobre
a dengue. Utiliza os conceitos de capital cultural e legitimidade,
fundamentando-se também em conceitos de Castells, tendo como
foco os atores sociais e suas interações no contexto da “sociedade
da informação” estruturada em redes, em sua maioria, conectadas
por meio das TICs.
Em relação aos autores referenciados com Bourdieu nas pes-
quisas do corpus (Gráfico 4), percebe-se que alguns deles são os
próprios citantes como A2, A4 e A8.

Gráfico 4 - Autores referenciados juntamente a Bourdieu nos artigos do corpus


(1993-2015).

Fonte: Os autores (2017).

302
Já, entre os teóricos das áreas relacionadas à CI, referencia-
dos juntamente com Bourdieu, destacam-se Habermas, Barthes,
Foucault, Meadows e Heidegger. Habermas, sociólogo e filósofo,
conhecido como um dos mais importantes intelectuais contemporâ-
neos, também aparece como um dos três autores mais citados da
contemporaneidade nas Ciências Sociais no levantamento de
Castells (2016) e trata dos fundamentos da teoria social, mais es-
pecificamente, de uma teoria baseada na razão dialógica, ou seja,
fundamentada no diálogo e na argumentação, uma teoria da ação
comunicativa, um modo de emancipação da sociedade con-
temporânea. O conceito de verdade para o filósofo seria fruto das
relações dialógicas e, portanto, refere-se a uma verdade intersub-
jetiva (entre sujeitos). Desse modo, Habermas direciona a questão
informacional para o papel dos pesquisadores, entendendo que as
culturas em competição na sociedade influenciam a formação e
socialização dos pesquisadores.
O nome de Barthes, por sua vez, está intimamente vinculado
ao de dois outros pesquisadores, Jean Meyriat e Robert Scarpit, que
já haviam iniciado o movimento em prol da consolidação das Ciên-
cias da Informação e da Comunicação na França. (COUZINET,
2001).
Os esforços de Meyriat, Scarpit e Barthes em lançar as bases
para a CI destacam-se como fatores da institucionalização dessa
ciência e de sua vinculação à Ciência da Comunicação. As aproxi-
mações da literatura com Roland Barthes estão também relaciona-
das ao tema fotografia e, portanto, ao domínio de organização
e representação do conhecimento e GT2, além da predominância
desse autor em pesquisas relacionadas ao GT3, como já mencio-
nado anteriormente.

303
As palavras-chave mais incidentes figuram no Gráfico 5, e con-
cordam integralmente com os grupos de trabalho predominantes
no Gráfico 3, sendo que os temas comunicação científica, redes e
produção científica são os mais presentes como foco nas pesquisas
realizadas nos grupos GT7, GT5, GT3 e GT4.

Gráfico 5 - Temáticas dos artigos do corpus (1993-2015), segundo as


palavras-chave.

Fonte: Os autores (2017).

O gráfico 6 apresenta as revistas científicas mais representa-


tivas indexadas na Brapci no quesito: trabalhos dos PQ em CI que
referenciam Bourdieu. Visando destacar os periódicos mais proemi-
nentes nesta questão, optou-se por exibir aqueles que possuem pelo
menos dois trabalhos no critério supracitado, já que representam
modos de institucionalização social do conhecimento produzido no
campo.

304
Gráfico 6 - Periódicos científicos mais representativos nos artigos do
corpus (1993-2015).

Fonte: Os autores (2017).

Podem-se observar as seguintes incidências para cada periódi-


co: Ciência da Informação (9), Informação & Informação (9),
DataGramaZero (8), Transinformação (6) e Liinc em revista (6),
Perspectivas em Ciência da Informação (5), Informação & Socie-
dade (5), Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informa-
ção (5), Em Questão (5), Encontros Bibli (3), Ponto de Acesso (2),
ETD Educação Temática Digital (2).
A expressiva incidência na Revista Ciência da Informação
remete à sua antiguidade e tradicionalismo na área, fundada em
1972, é historicamente, o principal canal periódico de publicações
na área de CI no Brasil. Em seguida, empatada em primeiro, figura
a Informação & Sociedade, que publica desde 1991 ininterrup-
tamente, denotando grande destaque, principalmente por ser uma
proeminente revista científica (Qualis A1), que publica artigos de
ponta na área de CI. Do mesmo modo, a DataGramaZero, fundada
em 2001, a Transinformação em 1989 e a Liinc em Revista em 2005,
destacam-se com mais de cinco artigos do corpus.
Do exposto, pode-se confirmar a posição inicial deste estudo,
pelo qual se procura favorecer a crítica ao processo de produção
do conhecimento, superando o entendimento de que o processo
analítico seria apenas um instrumental, independente das concep-

305
ções acerca do objeto e das relações que se verificam quando se
procedem as incursões que ele nos permite.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de aproximação de Bourdieu com a CI, realizada


neste estudo, expressa-se em um corpus que, embora quantitativa-
mente inexpressivo da produção científica indexada na Brapci,
sugere, a partir das observações destacadas, o que se poderia de-
nominar de indícios para uma epistemologia do campo científico.
Dessa incipiência, decorre que as apropriações realizadas pelos
autores da CI em seus trabalhos se apresentam com caráter ex-
ploratório, ou seja, incipiente. Essa característica de produção carac-
teriza a configuração da própria CI e não apenas dos estudos da área
que referenciam à Bourdieu.
Por outro lado, a produção científica no corpus analisado
revelou pesquisas expressivas que se diversificam não somente em
relação ao objeto, mas também aos referenciais teóricos identifica-
dos com a obra de Bourdieu e às relações interdomínios que apre-
sentam, o que dificultou, em alguns casos, a seleção da categoria
a qual estavam vinculados os artigos. O estudo sobre as relações
temáticas e de domínio que se constituem campo, pode se realizar
a partir da análise de conteúdo e dos quadros teóricos concorrentes
dentro da cultura desse campo.
Já, o fato da predominância de citações ao autor ocorrer a partir
do ano 2000, mostra uma tendência atual dos estudos de Bourdieu
nas pesquisas da área, com foco na produção científica, especial-
mente fomentada pelo estabelecimento de políticas científicas em
todos os campos, a partir desse período, que acabam por demandar

306
estudos direcionados ao próprio campo científico.
Nesse sentido, aponta-se um campo frutífero na CI para
o desenvolvimento de pesquisas aplicadas e metapesquisas que
intencionem um olhar relacional e sociológico à produção da
ciência, ao repensar práticas de gestão informacional em contextos
específicos e modos de organização e representação da informação.
Das relações perceptíveis a partir da análise de conteúdo, deri-
vam-se algumas questões políticas e ideológicas apenas perceptíveis
no conjunto de artigos, devido à incipiência da constituição identi-
tária do campo e seus reflexos na produção científica.
Essas demandas e tendências atuais de pesquisa puderam ser
evidenciadas segundo temáticas específicas da CI, representadas pe-
los grupos da Ancib, usados aqui como categorias a priori para o
procedimento analítico.
Em relação às aproximações teóricas de Bourdieu com outros
autores referendados junto a ele, pelos pesquisadores mais produ-
centes do corpus, observa-se uma convergência na busca dos ci-
tantes por filósofos e teóricos que ofereçam bases epistemológicas
para a formação e institucionalização da CI, tanto no que tange à
dimensão social da área, voltada às suas relações com a produção
econômica, quanto à dimensão cognitiva, focada especialmente na
mediação da informação com seus usuários.

307
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310
PESQUISA CIENTÍFICA, PRODUÇÃO
CIENTÍFICAE DINÂMICA DOS CAMPOS:
um olhar sobre a ciência da informação

NAIR YUMIKO KOBASHI

1 INTRODUÇÃO

A avaliação está inscrita em praticamente todas as atividades


sociais contemporâneas. Segundo Dahler-Larsen (2001), a avaliação
não é algo que pessoas e instituições possam rejeitar. Ela é um dis-
curso protegido transversal e transnacionalmente (MARCH,1984).
De fato, a avaliação é hoje parte constitutiva da cultura, com capaci-
dade estruturante para intervir na vida das instituições e das pessoas.
No âmbito acadêmico, a avaliação é uma atividade inques-
tionável, institucionalizada, tendo como sujeitos tanto indivíduos
(pesquisadores, docentes, corpo técnico) quanto as instituições pro-
priamente ditas.
A avaliação não apenas descreve e produz informações, mas,
atribui mérito e valor ao que é avaliado. Não é, portanto, uma ativi-
dade neutra.É sob essa ótica que apresentamos a presente reflexão
sobre a avaliação de campos científicos, com foco na Ciência da
Informação (CI). Nessa perspectiva, serãoapresentados, na ordem,
o conceito de campo científico adotado, a caracterização da CI e os
processos de autoanálise e de autoavaliação que possam promover
sua autonomização crescente.

311
2 CONCEITO DE CAMPO E AVALIAÇÃO

Oconceito de campo, mais precisamente a noção de campo


científico, foi proposta por Bourdieu (2004). Escolhemos, de sua
vasta produção, como fundamento, o texto da conferência proferida
por Bourdieu no Institut National de la Recherche Agronomique-
Paris (INRA). Como informado no prefácio dareferida obra, a con-
ferência integrou “um processo de autoanálise coletiva” da institu-
ição” (BOURDIEU, 2004, p. 17).
O termo campo “está aí para designar esse espaço relati-
vamente autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis
próprias” ( BOURDIEU, 2004, p. 20).O grau de autonomia dos
campos“determina as pressões externas a forma sob a qual elas se
exercem e a forma sob a qual se manifestam as resistências que
caracterizam a autonomia” (BOURDIEU, 2004, p. 20). O campo
científico –, por sua vez, apresenta características específicas:
“é um mundo social e faz imposições, solicitações, etc. que
são, no entanto, relativamente independentes das pressões do
mundo social global que o envolve. Portanto, as “pressões são
mediatizadas pela lógica do campo”(BOURDIEU, 2004, p. 21-
22).

A autonomização de um campo científico é diretamente


dependente da capacidade de construir teorias e métodos para
descrever e interpretar, de forma cada vez mais acurada, seus obje-
tos de estudo. Para isso, um campo científico define, de forma cole-
tiva, a cada momento, os objetos de pesquisa que merecem esforços
concentrados. Resulta desses esforços coletivos ocapital científico,
um tipo específico de capital simbólico (BOURDIEU, 2004, p. 26)
construído por meio de duas formas de poder:
[...] que correspondem a duas espécies de capital científico: de
um lado, um poder que se pode chamar de poder temporal

312
(ou político), poder institucional e institucionalizado que está
ligado à ocupação de posições importantes nas instituições
científicas, direção de laboratórios ou departamentos, perten-
cimento a comissões, comitês de avaliação, etc. e ao poder so-
bre os meios de produção (contratos, créditos, postos, etc) e
de reprodução (poder de nomear e de fazer carreiras) que ela
assegura. De outro, um poder específico, “prestígio” pessoal
que é mais ou menos independente do precedente, segundo os
campos e as instituições e que repousa exclusivamente sobre o
reconhecimento, pouco ou mal objetivado e institucionalizado,
do conjunto de pares ou da fração mais consagrada dentre eles
(por exemplo, com os “colégios invisíveis”. (BOURDIEU,
2004, p. 26). (grifos nossos).

Os poderes acadêmicos são acumulados de formas distintas:


“As duas espécies de capital científico têm leis de acumula-
ção diferentes: o capital científico “puro” adquire-se, princi-
palmente, pelas contribuições reconhecidas ao progresso da
ciência, as invenções ou descobertas (as publicações, especial-
mente nos órgãos mais seletivos e mais prestigiosos, portanto
aptos a conferir prestígio); [...] o capital científico da instituição
se adquire, es sencialmente, por estratégias políticas (especí-
ficas) que têm em comum o fato de todas exigirem tempo –
participação em comissões, bancas (de teses, de concursos),
colóquios mais ou menos convencionais no plano científico,
cerimônias, reuniões, etc. - , de modo que é difícil dizer se,
como o professam habitualmente os detentores, sua acumu-
lação é o princípio (a título de compensação) ou o resultado
de um menor êxito na acumulação da forma mais específica e
mais legítima de capital científico. (BOURDIEU, 2004, p. 36)
(grifos nossos)

O capital científico institucionalizado, próprio do poder tem-


poral, pode ser acumulado pela intervenção em processos de seleção
(concursos) de pesquisadores e docentes, com o fim de perpetuar
determinado tipo de capital. O poder temporal, para prevalecer, é
reforçado pelas alianças com os setores burocráticos e com a “tec-
nocracia da pesquisa, isto é, por pesquisadores que não são neces-
sariamente os melhores do ponto de vista dos critérios científicos”
(BOURDIEU, 2004, p.40).
Certamente, essa forma de acumulação de capital cria confli-
tos com o poder científico “puro”,cuja forma de intervençãofaz-se

313
com base na lógica do conhecimento científico do campo, sendo
portanto uma ação motivada por princípios epistêmicos. Portanto,
quanto mais limitada a autonomia de um campo, maior é o poder
temporal ou burocrático deter domínio sobre os postos de trabalho,
as subvenções, a aplicação de recursos. Assim,
“a pequena oligarquia dos que permanecem nos postos de co-
mando das instituições, manter suas clientelas” [...] podem, por
intermédio do controle dos recursos que lhe assegura o capital
social, exercer sobre a pesquisa um poder que se pode chamar
de tirânico (no sentido de Pascal), uma vez que não encontra
seu princípio na lógica específica do campo. (BOURDIEU,
2004, p. 41).

As ambiguidades estruturais dos campos científicos decor-


rem de conflitos de poder distribuídos desigualmente entre o poder
temporal e o poder científico “puro.”A consolidação de um campo
científicopode, portanto, ser comprometida pela predominância do
poder burocrático institucional sobre o capital científico “puro.Para
evitar tal predomínio, é necessário adotar estratégias que favoreçam
a autonomização do campo, fazendo prevalecer o uso de regras fun-
dadas em razões epistêmicas. De fato, a objetividade das avaliações
da autonomia dos campos depende de dois fatores, ao menos: a) de
critérios epistêmicos explícitos de julgamento das atividades cientí-
ficas de pesquisa e de ensino e b) da composição das comissões de
avaliação. No caso destas últimas, é importante que sejam compos-
tas pordocentes/pesquisadoresefetivamente comprometidos com a
autonomização e a consolidação do campo científico, dos pontos de
vista teórico e metodológico.
São esses aspectos relativos ao funcionamento dos campos e
à constituição do capital científico, nas instituições de pesquisa e
ensino, que nos levam a propor reflexões que possam desencadear
discussões em prol da maior autonomização da CI.

314
3 O CAMPO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

A Ciência da Informação, ao menos no Brasil, foi objeto de


contestações sobre sua cientificidade, no processo de sua consti-
tuição. Institucionalizada em cursos de graduação e pós-graduação,
em inúmeras instituições de ensino superior, seu estatuto acadêmico
foi colocado sob suspeita por um largo período, curiosamente,
inclusive pelos que compõem seu corpo docente.
Não é, porém, o único campo em que se empreenderam lutas
internas para defender sua legitimidade e relevância acadêmicas. O
mesmo ocorre com as Ciências da Comunicação e o artigo de José
Luiz Braga (2011) é esclarecedor e inspirador por levantar questões
que afetam também a Ciência da Informação (CI), como veremos
a seguir.
Afirma ele, enfaticamente, que a Comunicação é um campo
de pesquisa relevante e legítimo que compõe, na sociedade
contemporânea, “o desenvolvimento de conhecimento do Homem
e sua Sociedade (como a História, a Sociologia, a Literatura, a Edu-
cação, as Artes, a Antropoligua, os estudos da Linguagem, a Ciência
política, a Psicologia, etc” (BRAGA, 2011). No entanto, por abor-
dar questões transversais, os “temas são facilmente subsumidos
ao ângulo de interesse de cada disciplina” (BRAGA, 2011). Desse
modo, esse campo é muitas vezes considerado uma
espécie de terreno vazio, sem outra existência senão pelo fato
de que todas as disciplinas humanas e sociais tivessem alguma
coisa a dizer sobre o tema. E como o tema aparece nelas todas,
seria possível às vezes se encontrar para trocar seus pontos de
vista específicos. De certa forma, é o que diz a metáfora de
Wilbur Schramm – a comunicação é uma encruzilhada pela
qual muitos passam e poucos permanecem (BRAGA, 2011).

A metáfora da encruzilhada aplica-se bem ao campo da CI,


ainda hoje. Este se constituiu inicialmente com pesquisadores

315
oriundos da Biblioteconomia e Documentação, tendo tido a adesão
de pesquisadores de diferentes áreas das Ciências Sociais e Huma-
nas, tanto quanto das Ciências ditas exatas (Engenharias e Com-
putação, de forma predominante). Muitas indagações podem ser
feitas sobre essa conformação, porém, limitamo-nos, aqui, a duas:
os pesquisadores da área, em seu conjunto, de fato, preocupam-se
com a consolidação do campo? Ou trata-se de um espaço no qual
os pesquisadores permanecem fiéis aos temas e abordagens do seu
campo de origem, quer das Ciências Sociais e Humana ou das
Ciências Exatas? Houve e há percalços de integração dos pesquisa-
doresa uma disciplina de novo tipo, criada no contexto da muta-
ção nas formas de conhecer, particularmente a partir da metade do
século XX. Com efeito, muitas disciplinas se reconstituíram, nesse
período, a partir de profundas revisões epistemológicas, fundadas
no diálogo com diferentes tipos de saber, tendo como meta
definir novos objetos de pesquisa e consequente criação de aborda-
gens renovadas, tanto teóricas quanto metodológicas. A Ciência
da Informação emerge neste contexto.
No percurso de sua constituição, vêm sendo propostas diver-
sas definições para delimitá-la enquanto campo. Segundo Le
Coadic (2001, p. 516), a Ciência da informação estuda as proprie-
dades gerais da informação e analisa os processos de sua produção,
comunicação e uso, processos fortemente associados às tecnologias
da informática.
Em perspectiva externa ao campo, a filósofa Olga Pombo
(2010) define a C.I. como um novo tipo de disciplina, nascida na
sociedade pós-industrial, que se ocupa dos processos de registro,
armazenamento e conservação da informação, sua organização e
comunicação. Ou seja, tem como objeto específico um fenôme-

316
no denominado informação. Sua constituição, ainda segundo a
mesma autora, tem raízes em práticas imemoriais de bibliotecários
e arquivistase nas reflexões que vêm sendo sistematizadas desde
o século XVI, com os trabalhos de Conrad Gessner (1516-1565),
chegando ao século XX, com os trabalhos seminais de Paul
Otlet (1868-1944) e Henry Lafontaine (1853-1943).O deslocamento
mais radical das concepções e práticas do campo, ainda segundo
Pombo (2010), devem-se aos problemas decorrentes das tecnolo-
gias da informaçãoque ampliaram de forma inusitada as condições
de produção, circulação,comunicação e acesso à informação.
Outro olhar sobre o campo é oferecido por Frohmann (2008),
que aborda três aspectos da informação: o social, o material e seu
caráter público. O autor destaca o poder dos dispositivos con-
temporâneos produzidos pelo Estado e por grandes corporações
oligopolizadas (mídia, entretenimento e indústria cultural), que
dominam os processos informacionais e comunicacionais. Neste
contexto, Frohmann coloca no centro da discussãoa materialidade
da informação, em oposição ao conceito mentalista. Na concepção
mentalista, a informação
está presente na mente em estado de compreensão, provenien-
te da leitura de um documento ou de outros meios. Essa ideia
privilegia os estudos da informação focados nos indivíduos.
[…] mas os indivíduos não são os agentes primários dos pro-
cessos de interesse dos estudos dos aspectos sociais, públicos,
econômicos e culturais da informação. (FROHMANN, 2008,
P. 21)

O conceito de informação focado na imaterialidade é redu-


tor porque limita as pesquisas aos efeitos que a informação pode
produzir na consciência individual. Assim, os efeitos sociais e pú-
blicos dos sistemas de informação tornam-se reféns da quantidade
de indivíduos afetados pelos sistemas: “Se a consciência de muitas
pessoas se modifica, então, […] um fenômeno social ocorreu”

317
(FROHM ANN, 2008, P. 21). O conceito de materialidade, por sua
vez,
“traz um entendimento mais rico do caráter publico e social da
informação em nosso tempo. […] estou convencido de que,
sem a atenção à materialidade da informação, grande parte das
considerações sociais, culturais, políticas e éticas, tão impor-
tantes para os estudos da informação se perdem. (FROHM-
ANN, 2008, p.21).

Na perspectiva acima, materialidade não é sinônimo de fisi-


calidade (FROHMANN, 2008). Ao contrário, a materialidade é a
propriedade que confere estabilidade aos enunciados, condição para
que estescirculem socialmente e criem efeitos de sentido.O autor
retoma Foucault, para caracterizar os enunciados: estes são redes de
anotações escritas (FOUCAULT, 1966, 1972), portanto mensagens
documentadas, que podem entrar nos circuitos institucionais para
serem analisados, reinscritos e transcritos. Dito de outra maneira,
o documento contém enunciados estabilizados que, institucional-
izados em diferentes tipos de dispositivos informacionais (biblio-
tecas, arquivos, museus e registros acumulados nas instituições, em
forma física ou digital), tem a potencialidade de circular como
informação. Os processos informacionais, como Frohmann aponta
enfaticamente, só podem ser compreendidosno interior de regimes
de informação, os quais materializam dispositivos regrados social e
politicamente.
Wersig (1993) argumenta que a Ciência da informação deve
estudar o uso do conhecimento no contexto contemporâneo (pós-
moderno). O conhecimento, nesse contexto, apresenta quatro as-
pectos principais: despersonalização, credibilidade, fragmentação e
racionalização. O aspecto ressaltado por este autor é a fragmentação,
fenômeno provocado pela autonomização crescente das áreas de
conhecimento e o decorrente pluralismo de teorias, métodos, abor-

318
dagens nas formas de produzir e apresentar resultados de pesquisas.
Além disso, para Wersig (1993), a informação é conhecimento para
a ação, portanto, recurso fundamental para a construção de novos
conhecimentos e constituição de novos domínios científicos. A dis-
persão do conhecimento, largamente decorrente da fragmentação
dos campos, pode ser solucionada por meio de diferentes mecanis-
mos de filtragem, raciocínios inferenciais, modelagem, significação,
ressignificação e comparação de padrões. São estas as ações de in-
formação, propostas por Wersig (1993) como programa de pesquisa
para a Ciência da informação.
A pesquisadora González de Gómez (2006) apresenta também
uma proposta programática de pesquisa, para a Ciência da Infor-
mação, com base nas formas de valorização da informação, em
contextos historicamente situados. O primeiro deslocamente
advém da neutralização do espaço e do tempo, exacerbadopelo que
denomina de ciberespaço. A criação desse espaço não é, porém, um
fenômeno contemporâneo. Com efeito, Otlet (1934), já propunha o
apagamento das fronteiras geográficas e temporais para a circulação
de saberes e documentos, com o conceito de mundialização de
redes de informação.
O segundo deslocamento decorre do papel do conhecimento
e da informação que, na sociedade contemporânea, é um bem que
tem impactos nas esferas econômica, política e social.González de
Gómez (2006) reafirma, portanto, a perspectiva de Wersig (1933),
no que se refere às características do conhecimento historicamente
contextualizado.
O terceiro deslocamento refere-se às novas teorias orga-
nizacionais, de gestão do conhecimento, propostas para socializar
conhecimentos entre os quadros de uma instituição. Nessa medida,

319
a informação passa a ser um bem, objeto de planejamento, de políti-
cas explícitas e de avaliação.
O quarto deslocamento decorre da virada linguística, aspecto
abordado tanto por Habermas (1984)quanto por Latour e Woolgar
(1988).Nessa medida, conhecimento e informação são objetos de
codificação, por meio de diferentes sistemas de significação, para
garantia de circulação e consumo (GONZÁLEZ DE GÓMEZ,
2006).
As abordagens de Le Coadic (2001), Pombo (2010),
Frohmann (2008), Wersig(1993), e González de Gómez (2006),
acima apresentadas de forma breve, apontam para uma mesma
direção: a necessidade de adoção de agendas de pesquisa adequadas
ao contexto contemporâneo. Compartilham, embora nem sempre
de forma explícita, a ideia de que as formações sociais engendram
regimes científicos específicos. No que concerne à Ciência da Infor-
mação, sua constituição no interior de regimes denominados como
capitalismo flexivel, pós-fordismo, sociedade da informação, socie-
dade do conhecimento, entre outros, impõe abordagens que con-
siderem uma interface essencial: a economia política da informação,
desdobradas emdiferentes formas de dilálogos interdisciplinares:
informação e educação, informação e cultura, a informação e poder,
informação e linguagem, informação e economia, entre outros.
Semelhante multiplicidade de interfaces e abordagens pode ser
observada na configuração das áreas de concentração e linhas de
pesquisa dos programas de pós-graduação, que, assumem contor-
nos específicos nos Grupos de Trabalho da associação científica da
Ciência da Informação – ANCIB. As ementas dos grupos, espe-
cificadas no Quadro 1, merecem olhar atento. Nesses grupos são
apresentados os resultados de pesquisas desenvolvidos em todos os

320
Programas de Pós-graduação do país, sendo possível, portanto,
tê-los como parâmetros para analisar o estado da arte da pesquisa
em Ciência da Informação.

Quadro 1 - Grupos de Trabalho da Ancib

GT 1 - Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da


Informação.
Ementa: constituição do campo científico e questões epistemológi-
cas e históricas da Ciência da informação e seu objeto de estudo - a
informação. Reflexões e discussões sobre a disciplinaridade, inter-
disciplinaridade e transdisciplinaridade, assim como a construção
do conhecimento na área.
GT 2 – Organização e representação do Conhecimento
Ementa: Teorias, metodologias e práticas relacionadas à organiza-
ção e preservação de documentos e da informação, enquanto con-
hecimento registrado e socializado, em ambiências informacionais
tais como: arquivos, museus, bibliotecas e congêneres. Compreende,
também, os estudos relacionados aos processos, produtos e instru-
mentos de representação do conhecimento (aqui incluindo o uso
das tecnologias da informação) e as relações inter e transdisciplin-
ares neles verificadas, além de aspectos relacionados às políticas de
organização e preservação da memória institucional.
GT 3-Mediação, Circulação e Apropriação da Informação
Estudo dos processos e das relações entre mediação, circulação
e apropriação de informações, em diferentes contextos e tem-
pos históricos, considerados em sua complexidade, dinamismo e
abrangência,bem como relacionados à construção e ao avanço do

321
campo científico da Ciência da Informação, compreendido em di-
mensões inter e transdisciplinares, envolvendo múltiplos saberes e
temáticas, bem com contribuições teórico-metodológicas diversi-
ficadas em sua constituição.
GT 4 – Gestão da Informação e do Conhecimento
Gestão de ambientes, sistemas, unidades, serviços, produtos de in-
formação e recursos informacionais. Estudos de fluxos, processos,
uso e usuários da informação como instrumentos de gestão. Gestão
do conhecimento e aprendizagem organizacional no contexto da
Ciência da Informação. Marketing da informação, monitoramento
ambiental e inteligência competitiva. Estudos de redes para a gestão.
Aplicação das tecnologias de informação e comunicação à gestão da
informação e do conhecimento.
GT 5 – Política e Economia da Informação
Políticas e regimes de informação.Informação, Estado e governo.
Propriedade intelectual. Acesso à informação.Economia política da
informação e da comunicação. Produção colaborativa. Poder,
ativismo e cidadania.Conhecimento, aprendizagem e inovação.Ética
da informação. Informação e ecologia.
GT 6 – Informação, Educação e Trabalho
Campo de trabalho informacional: atores, cenários, competências e
habilidades requeridas. Organização, processos e relações de trab-
alho em unidades de informação. Sociedade do Conhecimento, tec-
nologia e trabalho. Saúde, mercado de trabalho e ética nas profissões
da informação.Perfis de educação no campo informacional. Forma-
ção profissional: limites, campos disciplinares envolvidos, paradig-
mas educacionais predominantes e estudo comparado de modelos
curriculares. O trabalho informacional como campo de pesquisas:

322
abordagens e metodologias.
GT 7 – Produção e Comunicação da Informação em CT&I
Estudos teóricos, aplicados e metodológicos sobre a produção, co-
municação e uso da informação em Ciência, Tecnologia e Inova-
ção. Inclui pesquisas relacionadas aos processos de comunicação,
divulgação, análise e formulação de indicadores para planejamento,
avaliação e gestão em CT&I.
GT 8 – Informação e Tecnologia
Estudos e pesquisas teórico-práticos sobre e para o desenvolvi-
mento de tecnologias de informação e comunicação que envolvam
os processos de geração, representação, armazenamento, recupera-
ção, disseminação, uso, gestão, segurança e preservação da informa-
ção em ambientes digitais.
GT 9 – Museu, Patrimônio e Informação
Análise das relações entre o Museu (fenômeno cultural), o Pat-
rimônio (valor simbólico) e a Informação (processo), sob múlti-
plas perspectivas teóricas e práticas de análise. Museu, patrimônio e
informação: interações e representações. Patrimônio musealizado:
aspectos informacionais e comunicacionais.
GT 10 – Informação e Memória
Estudos sobre a relação entre os campos de conhecimento da Ciên-
cia da Informação e da Memória Social. Pesquisas transdisciplinares
que envolvem conceitos, teorias e práticas do binômio ‘informação
e memória’. Memória coletiva, coleções e colecionismo, discurso e
memória.Representações sociais e conhecimento. Articulação en-
tre arte, cultura, tecnologia, informação e memória, através de seus
referenciais, na contemporaneidade. Preservação e virtualização da
memória social.

323
GT 11 – Informação e saúde
Estudos das teorias, métodos, estruturas e processos informaciona-
is, em diferentes contextos da saúde, considerada em sua abrangên-
cia e complexidade.Impacto da informação, tecnologias, e inovação
em saúde.Informação nas organizações de saúde.Informação, saúde
e sociedade.Políticas de informação em saúde.Formação e capacita-
ção em informação em saúde.
Fonte: http://gtancib.fci.unb.br em 15/04/2017.

Os 11 Grupos de Trabalho acima descritos seconstituíram em


diferentes momentos da história de existência da ANCIB. A questão
que se coloca, imediatamente é: essa configuração, parafraseando
Braga (2011): é um espaço de dispersão […] ou um espaço de tra-
balho construtivo do conhecimento sobre as questões da informa-
ção tematizadas no interior da Ciência da Informação? Em outras
palavras, o conjunto de Grupos de trabalho expostos no Quadro
1, acima, aponta para a consolidação do campo ou, ao contrário, a
produção científica apresentada fragmenta-se em abordagens que
as identificam muito mais com ciências consolidadas em diferentes
momentos históricos, como a Sociologia, a Antropologia, a História,
a Educação, a Administração, a Economiae a Computação, as
Ciências da Saúde? É possível supor, ainda, que os Grupos de Tra-
balho constituídos refletem disputas de poder simbólico no campo.
Olhando novamente as denomimações dos grupos,
pode-se indagar se a distribuição em abordagens com diferen-
tes interfaces (Estudos Históricos e Epistemológicos da
Ciência da Informação, Organização e representação do
Conhecimento,Mediação, Circulação e Apropriação da Infor-
mação, Gestão da Informação e do Conhecimento,Política e
Economia da Informação, Informação, Educação e Trabalho,

324
Produção e Comunicação da Informação em CT&I, Informa-
ção e Tecnologia,Museu, Patrimônio e Informação, Informa-
ção e Memória, Informação e saúde) refletem a consolidação
do campo ou se fragmentam e se dispersam em temas erráticos.
Observa-se que os grupos de trabalho adotam denominações ora
dirigidas a processos (organização, representação, gestão, comunica-
ção, educação, memória) ora a instituições (Museus), ora a campos
disciplinares e suas interfaces (História, Epistemologia, Educação,
Saúde, Economia, Política). Retomando, Bourdieu (2004), tal forma
de organização fortalece a consolidação do campo científico em
direção à sua autonomização, por meio da construção coletiva de
teorias e métodos, ou, ao contrário, configura-se como manifesta-
ção de luta simbólica orientada por busca de poder temporal, sendo
portanto, de natureza burocrática?
Um campo científico, para sua autonomização, depende da
definição coletiva de objetos de pesquisa e de esfoços concentrados
em torno de agendas de pesquisa.Em um momento de relativa
maturidade da área, já que as pesquisas em Ciência da Informação
se institucionalizaram a partir da década de 1970, parece ser de todo
interessante analisar os Grupos de Trabalho para identificar os
aspectos epistemológicos e as linhas de força teóricas e metodológi-
cas efetivamente presentes nas comunicações apresentadas em cada
um deles. Esse exercício pode revelar sobreposições temáticas e de
abordagens queindiquem a necessidade de reclivagem dos grupos,
com base em princípios epistêmicos.
Assume-se, portanto, que a avaliação não interessa apenas às
instituições criadas para essa finalidade, em particular as de fomento.
A avaliação interessa a cada campo como mecanismo de autocom-
preensão, cabendo a cada pesquisador pensá-lacomo parte constitu-

325
tiva de suas próprias pesquisas no interior do campo.
A avaliação, na contemporaneidade, encontra-se profunda-
mente imbricada nas lógicas organizacionais para atribuir valor,
mérito e distribuir recursos. Desse modo, o peso das avaliações
institucionais, nem sempre voltadas para a consolidação científica
dos campos, modelam a vida dos pesquisadores, que procuram
responder aos critérios institucionais sem, de fato, olhá-los criti-
camente. Em síntese, as lógicas institucionais podem estar distan-
tes dos valores que orientam a criação científica. Como afirma
Dahler-Larsen (2012, p. 227): “Em nossa sociedade, a pressão para
avaliar é mais forte do que fazer uma boa avaliação”. Portanto, mui-
tos critérios de avaliação podem ser adequados para um campo
porém absolutamente nocivos em outros. De fato, Dahler-Larsen
(2012, p. 227) refere-se à avaliação como um cultura composta por
“máquinas de avaliação”, burocráticas, excessivamente complexas,
porém inconsistentes.
Enfrentar as máquinas de avaliação implica discutir critérios e
indicadores e propor aqueles que sejam capazes de descrever e atri-
buir valor efetivoa um campo e suas particularidades. A finalidade
da avaliação é identificar os avanços dos conhecimentos em con-
textos sociais determinados. Como observa Dahler-Larsen (2012,
p. 229-230): “Somente se olharmos a avaliação em uma perspectiva
histórica e sociopolítica amplas podemos descobrir as ambiguidades
e tensões a ela inerentes.
A avaliação é essencialmente política, segundo Woolgar (2004,
p. 454, apud DAHLER-LARSEN, 2012). Ela deveria ajudar a definir
a realidade social e não apenas descrevê-la. Nenhum conhecimento,
portanto, pode ser avaliado ao largo de princípios e perspectivas
explicitadas. O conhecimento científico, por sua própria natureza,

326
é contingente, provisório quanto a verdades e certezas, instável. E
a avaliação, por ser política, pode ser opaca, plena de ambiguidades,
embora proposta como operação racional.
A avaliação é uma forma de autoconhecimento necessário,
cujos pressupostos não são apenas epistêmicos. Ao contrário, por
ser institucionalizada, a avaliação é ideológica. Esse aspecto deve ser
desnudado nos processos avaliativos, tanto por aqueles que avaliam,
quanto pelos que são avaliados.
É nesse sentido que consideramos urgente repensar os
espaços de discussão por meio de avaliação coletiva. Olhar a
configuração dos Grupos de Trabalho da Ancib pode ser o início
de um processo de autoconhecimento. De fato, um campo não se
autonomiza por meio da fragmentação e da dispersão. Ao contrário,
a consolidação de um campo nasce da crítica permanente do conhe-
cimento produzido, de modo a fazer prevalecer aquilo que Bourdieu
denomina de poder científico “puro”, em contraposição às tentati-
vas de fazer prevalecer o poder temporal, burocrático.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos, neste trabalho, caracterizar a Ciência da Infor-


mação como campo legítimo de pesquisa, institucionalizado.
Semelhante legitimidade requer, no entanto, processos avaliativos
internos de autoconhecimento, que promovam sua autonomização.
Cabe, portanto, aos pesquisadores da área reconhecer as lutas sim-
bólicas travadas na pesquisa científica, elegendo, ao mesmo tempo,
os tipos de confrontos teóricos e metodológicos que possam con-
tribuir efetivamente para a consolidação do campo. O adensamento
da área é dependente de autoconhecimento fundado em princípios

327
epistêmicos, que devem ser confrontados com o capital científico
acumulado pelo poder temporal, pois este tende a deslegitimar um
campo por meio da burocratizaçãodos espaços de produção de
conhecimentos.
As agendas de pesquisa propostas por autores como
Frohmann (2008), González de Gomes (2006), Wersig (1993) e
Pombo (2010), abordados acima, apresentam as configurações
históricas do campo, sinalizam seus possíveis objetos de pesquisa e
perspectivas de abordagem, fundadas nos deslocamentos observa-
dos nos conceitos de conhecimento e informação contemporâneos.
Nessa medida, a materialidade da informação, o valor da informa-
ção na sociedade pós-industrial, a virada linguística, os dispositivos
e aparatos tecnológicos e os contextos de desenvolvimento das pes-
quisas podem indicar os caminhos para consolidar o campo, evitan-
do-se a dispersão e a fragmentação. Reavaliar a configuração atual
dos Grupos de trabalho (GTs) no espaço coletivo de discussão da
Ancib pode ser um ponto de partida pragmaticamente adequado,
pois estes dão materialidade às lutas simbólicas travadas no interior
da Ciência da Informação. Para finalizar, sugerimos a criação de um
espaço de autoavaliação transversal do campo, no interior da
ANCIB. Os GTs podem, assim, além de assumir as tarefas organi-
zativas dos Enancibs, ser um espaço rico de discussões transversais
de discussão e autoavaliação nos encontros anuais.

328
REFERÊNCIAS

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do campo científico. São Paulo: Ed. UNESP, 2004.

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20/03/2017.

331
332
O DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E REPRE-
SENTAÇÃO DO CONHECIMENTO NO BRASIL
À LUZ DOS CONCEITOS DE PRODUÇÃO E
DISTINÇÃO DE BOURDIEU (2011-2014)

MURILO ARTUR ARAÚJO DA SILVEIRA

1 INTRODUÇÃO

Os estudos de institucionalização da atividade científica no


âmbito da Ciência da Informação contemplam duas perspectivas de
investigação: cognitiva e social. As duas vias institucionais de análise
são interdependentes e complementares, aplicando-se a um amplo e
diversificado conjunto de documentos com o propósito de fornecer
indicadores multivariados do percurso histórico e epistemológico
dos campos e domínios da ciência e tecnologia (KOBASHI;
SANTOS, 2006). Utilizam-se do arsenal teórico-metodológico dos
Estudos Sociais da Ciência, dos Estudos Métricos e da Organização
e Representação do Conhecimento em uma perspectiva integrada
entre os domínios, para a apresentação de realidades científicas de
forma diacrônica e sincrônica que se reportam à produção de
conhecimentos.
Para Whitley (1974; 1980), os estudos de institucionalização da
pesquisa científica permitem: a) conhecer e reconhecer os avan-
ços e os estágios de produção e disseminação do conhecimento; b)
determinar e analisar as posições dos atores e instituições quanto
à natureza, função e contribuição; c) mapear e fornecer elementos
para a tomada de decisão em referência às políticas científicas. O

333
escopo cognitivo das investigações se dirige ao alinhamento teórico,
metodológico e epistemológico alcançado pelos campos e domínios
da ciência, ao passo que o social se detém ao nível de organização
interna estabelecido pela atuação dos atores, instituições e setores
relacionados. Nesse sentido, Whitley (1974; 1980) depõe que é
impossível dissociar as duas perspectivas porque ambas estão em
um grau acentuado de dependência.
Dentre as variadas possibilidades de investigação sobre a
institucionalização da atividade científica, esta contribuição se
centra no mapeamento analítico das influências dos capitais cientí-
ficos e políticos de autores do domínio da Organização e Repre-
sentação do Conhecimento no Brasil. Para tanto, recorre-se aos
conceitos e teorias de Pierre Bourdieu para descrever a dinâmica das
práticas de citação e referência no domínio especificado, em especial
os de capital científico, capital político, campo científico e habitus.
Assume-se, então, como pressuposto a noção de que as dispu-
tas travadas nos campos e domínios da ciência são notadamente
simbólicas, justificadas para a manutenção das posições alcançadas
e perpetuação e imposição de crenças e valores que se manifestam
por meio das práticas científicas.
O argumento que antecede a justificativa central deste trab-
alho é de que a análise crítica dos registros efetivados na literatura
brasileira no domínio da Organização e Representação do Conhe-
cimento pode ser explicada em consonância com o lastro cientí-
fico e político construídos pelos agentes em suas trajetórias. Deste
ponto de vista, as contribuições do sociólogo francês nas pesquisas
brasileiras em informação, suas circunstâncias e aspectos adjacen-
tes relacionados, não se destacam apenas pela atualidade, mas tam-
bém pela extensão teórica e metodológica. Sobre a importância do

334
seu legado para as ciências humanas e sociais, Burawoy (2011)
comenta que Bourdieu tem a capacidade de influenciar estudos
e pesquisas de cunho filosófico, político, social e cultural em uma
perspectiva integrada com teorias e metodologias de distintos
campos do conhecimento. Enfatiza ainda que o alcance de sua obra
possa ser comparado a de outros importantes sociólogos porque
conseguiu desenvolver sua própria teoria, passível de aplicação em
contextos diversos do mundo social por sua dinâmica contextual e
longitudinal.
O enfoque teórico-metodológico construído e desenvolvido
para esta contribuição se ampara nos amplos conceitos postulados
por Bourdieu (1983; 2004; 2011a; 2011b; 2013) para evidenciar as
formas de produção e as instâncias de distinção no domínio da
Organização e Representação do Conhecimento no Brasil. Nessa
perspectiva teórica e metodológica, as diversas práticas científicas
que incidem nas contribuições científicas registradas e qualificadas
no domínio são problematizadas e que determinam o fenômeno
aqui denominado “binômio produção-citação”. Considerando a
natureza, as funções e características das práticas científicas,
é importante enfatizar os efeitos cognitivos, sociais, políticos e
econômicos resultantes das ações promovidas pelos pesquisadores,
à luz da perspectiva crítica sobre a dinâmica de produção
do conhecimento. Nesses termos, ressaltam-se as ideias de
Bourdieu (1983; 2004) sobre campo científico em que as mais
diversas práticas desenvolvidas afetam e são afetadas pelas diferentes
forças, sendo os agentes sociais determinantes para que se concreti-
zem. Dessa relação resultam processos e produtos que explicitam
competições, cooperações, conflitos e desigualdades, desdobrando-
se na legitimação de atores, domínios e práticas, além de instituir
uma cultura científica baseada nas relações de trocas (HOCHMAN,

335
1994; BOURDIEU, 2011b; 2013).
As consequências decorrentes das disputas entre os pesquisa-
dores instauram o que Bourdieu e Passeron (2012) denominam de
mecanismos de reprodução social. Tais mecanismos no universo
científico podem ser considerados como os ritos de transmissão,
socialização e perpetuação de práticas sociais, baseadas na lógica de
produção e distinção dos grupos e segmentos sociais (THOMP-
SON, 2002; FLEURY, 2009). No curso das interações entre os
praticantes da ciência, acordos são firmados, confrontos são trava-
dos, parcerias são instituídas, em busca da demarcação de espaços
e primazia da atuação, além de outros benefícios e concessões. Os
mecanismos de reprodução permitem que os pesquisadores ao
longo de sua trajetória acumulem capital científico, que se reveste
como um poder simbólico por meio de suas contribuições e as
posições assumidas por eles (BOURDIEU, 2011a).
As formas de sustentação dos mecanismos de reprodução
na ciência estão amparadas na relação dual entre os processos de
produção e distinção, pautadas na imposição de valores e conforma-
das em interesses pessoais e coletivos (BOURDIEU, 2011b; 2013).
A distinção é uma chancela simbólica outorgada pela comunidade
para um pesquisador pela significância e cobertura de suas contri-
buições à ciência na forma de produtos (produção). Os produtos
que proporcionam reconhecimento (distinção) coletivo em um
campo científico são resultados do esforço individual de um
pesquisador na formação de novos pesquisadores, na pesquisa e
comunicação dos resultados, entre outras possibilidades. O diálogo
frequente e recíproco entre produção e consagração segue padrões
rígidos, regula as normas de condutas, confere legitimidade às
práticas, instaurando a lógica de reprodução social na ciência.

336
Nessa orientação dos estudos de institucionalização da ativi-
dade científica, a questão que orienta este trabalho é: como se
materializa as formas de produção e as instâncias de consagração
no domínio da Organização e Representação do Conhecimento por
meio dos artigos publicados nos periódicos brasileiros e nos anais
do Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da
Informação (ENANCIB)? O enfoque da problemática apontada se
dirige à emergência de investigações que contemplem os produtos
simbólicos oriundos das práticas científicas que expressem a lógica
da constituição dos capitais científicos, em um regime de disputas
que configuram os campos científicos, conforme aponta Bourdieu
(2004; 2013).
O propósito central deste trabalho é investigar as relações
entre as formas de produção e as instâncias de distinção no domínio
da Organização e Representação do Conhecimento presentes nos
artigos de periódicos brasileiros e do ENANCIB, de 2011 a 2014.
Os objetivos específicos são:
a) Mapear a produção científica referente ao domínio da Orga-
nização e Representação do Conhecimento;
b) Analisar a rede formada entre autoria e citação nos artigos
dos periódicos brasileiros e do ENANCIB.

Do ponto de vista epistemológico, interessa ao domínio da


Organização e Representação do Conhecimento compreender
a extensão teórica e metodológica que incide em sua instituciona-
lização para a determinação de tópicos convergentes e divergen-
tes que impactaram em sua evolução. Já no aspecto social, torna-se
imperativo conhecer a representação e disposição dos atores e das
instituições por meio de suas práticas de pesquisa e que rever-

337
beram nas formas de produção e disseminação dos conhecimentos.
Além disso, a pesquisa se propõe a determinar como as relações de
produção e citação se manifestam na produção científica certificada
e integrante do mercado de bens simbólicos no cenário nacional, o
nível de suas interlocuções, bem como as circunstâncias previstas
pelo binômio produção-citação.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A base metodológica da pesquisa está baseada no fenômeno


do binômio produção-citação, que reflete as formas de produção e
as instâncias de distinção. A relação que fundamenta o fenômeno,
do ponto de vista metodológico, se dirige aos elementos referen-
tes à produção científica (autoria, tendências temáticas, citações e
referências) e aos contextos socioculturais dessa produção (espe-
cialidades temáticas, relações institucionais e sociais). Utiliza-se do
método cientométrico para evidenciar o comportamento e a
distribuição da produção científica que caracteriza o domínio, como
também a técnica de análise de citação para verificar a incidência
e a distribuição das referências que fundamentaram a litera-
tura científica analisada. Tem-se ainda a análise de contexto para
compreensão das circunstâncias temáticas, institucionais, sociais e
político-cultural que influenciaram a produção de conhecimentos
do domínio no período.
O corpus da pesquisa é formado por 315 artigos (periódicos e
ENANCIB), 359 autores (primeiro autor e coautores) e 1527 refer-
ências listadas ao final dos artigos. Também se utilizou o princípio
da organização temática do capítulo brasileiro da Internation Society
of Knowledge Organization (ISKO): a) dimensão epistemológica; b)
dimensão aplicada; e c) dimensão social e política, para categoriza-

338
ção das contribuições analisadas. No que concerne às instituições
e instâncias, as informações coletadas versaram sobre àquelas que,
de alguma maneira, repercutem nas atividades diretas e indiretas ao
funcionamento e às rotinas de ensino e pesquisa, às formas e
modalidades de transmissão de conhecimento e aos instrumentos
de organização, gestão e controle, os quais se destacam:
a) Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciên-
cia da Informação (ANCIB);
b) International Society for Knowledge Organization – Brasil
(ISKO-Brasil);
c) Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPq);
d) Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
perior (CAPES);
e) Periódicos e Bases de Dados Científicos;
f) Plataforma Lattes; e
g) Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq.

As etapas de realização da pesquisa foram:


a) Elaboração do modelo teórico e metodológico para fins de
aplicação, com base no corpus da pesquisa.
b) Identificação e coleta dos dados e informações relativos ao
corpus;
c) Definição dos campos e suas estruturas para a inclusão
e correção dos dados e informações referentes ao enfoque
quantitativo em uma planilha elaborada no software Microsoft
Excel;

339
d) Migração dos dados e das informações corrigidas da
planilha elaborada para o software Vantage Point;
e) Sistematização dos dados e das informações coletadas no
template do software;
f) Elaboração de quadros, matrizes e representações grá-
ficas com base nos elementos contemplados pela relação entre
produção e citação;
g) Levantamento e sistematização de dados e informações
relacionadas às relações sociais, institucionais e temáticas
mantidas entre os autores produtores e citados; e
h) Identificação e caracterização dos elementos socioculturais
que configuram a Organização e Representação do Conheci-
mento enquanto domínio, em um quadro de referências.
3 RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos por meio dos 315 artigos analisados e as


relações entre as dimensões temáticas da ISKO-Brasil e os autores
mais produtivos são expressas pelo Gráfico 1.
Gráfico 1 - Distribuição da Relação entre as Dimensões da ISKO-Brasil e
os Autores mais Produtivos

Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.

A representação gráfica explicita as preferências temáticas dos

340
autores mais produtivos por meio das três dimensões da ISKO-
Brasil, com valores expressivos para a dimensão aplicada em que
quase todos os autores publicaram no período, exceto JAC
Guimarães. Já na dimensão epistemológica, JAC Guimarães
juntamente com MLG Lara são os mais produtivos, com seis
artigos cada, seguidos de forma equilibrada pelos demais autores,
com exceção de MA Moura, FA Pinho e MB Silva. Na dimensão
social e política, do conjunto formado por vinte autores, apenas seis
publicaram artigos de 2011 a 2014.
Em termos comparativos, fica evidente que determinados
autores são mais produtivos em dimensões específicas, em que
espaços e instâncias de produção são demarcados frente à trajetória
de pesquisa e experiência profissional, além de outros aspectos insti-
tucionais e temáticos. Outro ponto vinculado às comparações entre
os autores mais produtivos no período têm relação direta com a
liderança destes nas dimensões historicamente consolidadas,
a exemplos das dimensões aplicada e da epistemológica. Após
a consulta dos currículos destes autores, verifica-se que parte
significativa deles tem experiência comprovada no domínio há mais
de dez anos, com produção regular e equilibrada e uma quanti-
dade razoável de orientações concluídas. Deste cenário, conclui-se
que a experiência profissional somada a um contexto institucional
favorável que incentiva e instrumentaliza os níveis de produção e
colaboração no domínio, em recortes e especialidades temáticas
sedimentadas, contribuem para a ampliação das desigualdades e o
aumento da competitividade entre instituições e regiões.
Na contramão dos acontecimentos e do cenário acima, a
dimensão social e política evidencia um fenômeno inverso no perío-
do, em que uma parte do grupo de autores mais produtivos tem

341
menos experiência que os demais. No entanto, existem relações
sociais de colaboração com os mais experientes, ainda que poucas,
e que sinalizam um panorama de dependência entre eles. Embora
se trate de uma dimensão direcionada para aspectos pouco explo-
rados ao longo do tempo, há uma indicação clara de que o cenário
pode ser alterado, em que se pesem o vigor e as iniciativas das
forças identificadas fora de outros espaços consagrados e ainda a
diminuição das relações de dependência estabelecidas por meio dos
vínculos históricos institucionais de formação entre os envolvidos.
As posições alcançadas por estes atores como os mais produti-
vos no período expressam as condições e as circunstâncias favoráveis
para o estabelecimento e manutenção das relações institucionais e
sociais que possibilitaram esses atores alcançarem os patamares de
produtividade visualizados. Por outro lado, o panorama exibe como
as relações de dominação entre os autores e colaboradores são
reflexos de um conjunto de regras que estimula a cooperação e a
colaboração entre orientador e orientandos no âmbito da pós-
graduação. Aliado a isto, outras instituições e instâncias do domínio
reforçam essa dependência, com a determinação de regras para o
estabelecimento dos vínculos entre os pesquisadores autônomos e
em formação. Apesar da compreensão de que as relações de orienta-
ção e a trajetória de formação passam necessariamente por determi-
nados estágios que conferem maturidade aos envolvidos, o aspecto
da autoria, em uma perspectiva flexível de formação e determina-
ção, torna-se necessário e vital para ambos.
Em uma proposta integrada de visualização dos resultados
presentes no gráfico acima, traz-se à discussão o Gráfico 2 que evi-
dencia a relação entre as dimensões da ISKO-Brasil e as instituições
mais produtivas por meio de seus pesquisadores no período.

342
Gráfico 2 - Distribuição da Relação entre as Dimensões da ISKO-Brasil e
as Instituições mais Produtivas

Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.

Os números apresentados pelo gráfico apontam que todas as


instituições produziram e publicaram artigos que se enquadraram
nas dimensões aplicada e epistemológica, como também apenas três,
em um total de doze instituições, não tiveram publicações categori-
zadas na dimensão social e política. Sobre a distribuição, nota-
se que existe relativo equilíbrio de produção entre as instituições
constantes no gráfico e que segue o padrão de distribuição entre as
dimensões de organização do domínio propostas pela ISKO-Brasil.
No que concerne aos artigos classificados na dimensão aplica-
da, a UFMG foi a mais representativa com 40 ocorrências, seguida
por UNESP e UFF com 30 e 26 ocorrências, nessa ordem. Logo
após, as outras nove instituições concentram juntas 90 ocorrên-
cias, sendo superadas pelas três mais produtivas (UFMG, UNESP
e UFF). Em relação à dimensão epistemológica, quatro instituições
presentes na ilustração apontam uma produção que supera mais de
50% do total alcançado após a categorização dos artigos analisa-
dos, a saber: UNESP (25 ocorrências); USP (14 ocorrências); UFPE

343
(12 ocorrências) e UFSC (10 ocorrências). Já na dimensão social
e política, o equilíbrio da produção entre as instituições é notada-
mente marcante e sem grandes ocorrências.
O quadro evidenciado destaca a concentração da produção
em instituições com histórico e tradição de pesquisa comprovada
ao longo dos anos, decorrentes da acumulação de capital científico.
Além disso, as instituições com o volume de pesquisas publicadas
e visualizadas no gráfico estão presentes em regiões geográficas
privilegiadas e detentoras de prestígio e reputação que se revertem
em captação de recursos financeiros, humanos, entre outros, com
exceção da UFPE (TARGINO, 2000). Para a referida autora, estas
instituições se tornam produtivas porque assimilam e agem prag-
maticamente para o alcance dos patamares exigidos pelas instâncias
de controle e têm mais facilidade para conseguir recursos e subven-
ções com mais facilidade que as outras. Além disso, a referida autora
salienta que essas instituições se revezam nas posições mais destaca-
das dos órgãos de controle científico, formulando e conduzindo as
políticas e as regras que as mantém em posições privilegiadas.
Nessa perspectiva analítica da produção científica brasileira do
domínio em questão, o panorama aponta que das doze instituições
presentes no gráfico, sete delas estão na região geográfica mais rica
e produtiva do país, com um número elevado e historicamente ca-
pacitado de pesquisadores e, ainda, auxiliadas por agências de fo-
mento com os maiores orçamentos financeiros do país. Além disso,
os postos dos principais órgãos formuladores de políticas científicas
e financiadores da pesquisa no domínio foram assumidos por pes-
quisadores ligados às instituições da região geográfica mais rica do
país e identificadas no Gráfico 2.
Para complementar a discussão e adicionar outros elementos e

344
atores para o cenário do domínio, traz-se o Quadro 1 que discrimina
os atores e as posições alcançadas por eles nas diversas instâncias
com relação direta com o domínio no período coberto pela
pesquisa.
Quadro 1- Posição dos Autores nas Instâncias de Poder

Fonte: Site das Instituições (CAPES, CNPq e ISKO-Brasil), 2016.

A discussão empreendida até agora sobre os atores, seus


vínculos profissionais e as posições alcançadas por eles, como tam-
bém os índices de produção científica no domínio, revelam o papel
de liderança e o reconhecimento do trabalho desenvolvido. Alia-se a
isto tudo, a trajetória percorrida e que, indistintamente, não pode ser
relegada apenas para o exercício da crítica indiscriminada. Todavia,
tais ponderações frente a uma realidade concreta são necessárias
porque se tipificam as circunstâncias e se determinam as condições
que resultam em uma conjuntura momentânea do período investi-
gado, fornecendo outros elementos e pontos de vista a serem
considerados para o desenho de quadro sinóptico das relações esta-
belecidas no domínio. Além disso, fica evidente que a permanência
e o revezamento nas instâncias de poder destes e de outros atores
científicos possibilitaram o crescimento qualitativo dos elementos
que compõem o domínio. No entanto, a perpetuação pode expres-
sar o confronto entre os capitais científico e político identificados

345
por Bourdieu (2004) que cristalizam ações de renovação e ampliação
do escopo epistemológico do domínio.
O Gráfico 3, expresso a seguir, exibe a distribuição quantita-
tiva da relação entre as dimensões propostas pela ISKO-Brasil e os
autores mais citados.

Gráfico 3 - Distribuição da Relação entre as Dimensões da ISKO-Brasil e os


Autores mais Citados

Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.

A dimensão aplicada está sustentada por dois grupos de


autores mais citados, enquanto que as dimensões epistemológica e
social e política estão representadas por um conjunto de autores
de forma mais homogênea. Registra-se também a presença signifi-
cativa de autores brasileiros em comparação com os estrangeiros,
sobretudo na dimensão epistemológica e social e política. Já na di-
mensão aplicada, o volume de citações aos autores estrangeiros é
relativamente maior, dada as proporções de presença entre os dois
segmentos.
Os dois grupos de autores mais recorrentes na dimensão apli-
cada são identificados:

346
a) primeiro grupo: formado por seis autores: CAMPOS (49
ocorrências); LANCASTER (45 ocorrências); FUJITA (37
ocorrências); DAHLBERG (36 ocorrências); HJØRLAND e
GOMES (31 ocorrências cada um);
b) segundo grupo: formado por oito autores: W3C (27 ocor-
rências); MEDEIROS (26 ocorrências); ISO e RANGANA-
THAN (24 ocorrências cada um); CAFÉ (23 ocorrências);
SOUZA (21 ocorrências); LARA e KOBASHI (20 ocorrências
cada uma)

Os grupos visualizados nas dimensões epistemológica e


social e política estão constituídos por um grande conglomerado
de autores, com exceção de DAHLBERG e HJØRLAND para
a epistemológica com 29 e 23 ocorrências, nessa ordem, e
de KOBASHI para a social e política com 11 ocorrências. Estes
destaques reforçam a ideia da existência de um grupo de elite que
se sobressai quando da determinação de uma frente de pesquisa de
campos e domínios científicos. Todavia, o grupo de elite das duas
dimensões ainda está em formação em referência ao recorte do
tempo da pesquisa, mas que podem indicar uma tendência para os
próximos anos.
Em continuidade às análises, quando se comparam os resulta-
dos entre os Gráficos 1 e 3 em relação aos autores mais produtivos
e mais citados, respectivamente, nas três dimensões estabelecidas
pela ISKO-Brasil, nota-se que a convergência entre os valores de
produção e citação aos autores brasileiros são equilibrados. Tal
convergência entre o volume de produção e citação segue um
padrão que demonstra um grau significativo de coerência interna do
domínio, indo ao encontro das ideias lançadas por Whitley (1974;

347
1980) sobre a institucionalização sociocognitiva da atividade cientí-
fica. Nesse sentido, arrisca-se afirmar que a relação que fundamenta
o binômio produção-citação proposto pela concepção sociocultural
dos estudos de citação pode ser comprovada, dada as circunstân-
cias do recorte temporal da pesquisa e a configuração da realidade
brasileira para a produção e disseminação do conhecimento.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As principais considerações acerca das formas de produção e


instâncias de distinção no domínio da Organização e Representação
do Conhecimento no Brasil de 2011 a 2014 foram sistematizadas e
expressas abaixo:
a) a concentração de capital científico dos atores científicos
está intimamente relacionada à sua formação acadêmica, que
se amplifica ao longo do tempo por meio da trajetória científi-
ca percorrida e se conformam em um sistema de recompensas
que amplia e reduz os movimentos necessários para a geração
de conhecimento;
b) a realidade brasileira de produção do conhecimento no
domínio evidencia, normaliza e regulamenta um conjunto de
práticas colaborativas que intensificam a produção científica e
a cooperação entre os atores mais e menos experientes;
c) as instituições, enquanto grupos socialmente organizados e
fundamentais para a produção e transmissão do conhecimen-
to, determinam o nível e as formas de produção na ciência,
na medida em que os resultados explicitam a concentração de
capital científico e político por elas e que repercutem direta-
mente nas práticas de citação;

348
d) os confrontos percebidos entre as instituições pelo conjunto
e volume de citações concentradas por elas são silenciosos,
notadamente simbólicos e justificados para a manutenção e
perpetuação da hegemonia histórica e socialmente construí-
dos;

Em que se pesem o recorte temporal e os objetos analisados


à luz das teorias de Bourdieu ao universo científico, o panorama
descrito se soma a um conjunto de contribuições que sinalizam uma
série de práticas científicas que explicitam, intencionalmente ou não,
acordos e disputas simbólicas entre os atores, como também ações
de cooperação e colaboração entre os pares. Nesse sentido, sugere-
se que para investigações sobre os processos de institucionalização
da atividade científica sejam consideradas os contextos sociocul-
turais que têm repercussão direta nos campos e domínios.

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351
352
DA AESTHETICA INFORMACIONAL
E DO CAPITAL SIMBÓLICO
NA CONTEMPORANEIDADE:
a internet e suas redes sociais enquanto campo

RICARDO MEDEIROS PIMENTA

1 INTRODUÇÃO

Prestígio e reconhecimento são ainda hoje elementos funda-


mentais da visibilidade no cenário digital e se constituem enquanto
subsídios importantes para o capital simbólico. Principalmente no
campo científico, é possível afirmar que o prestígio sempre esteve
diretamente associado à praxis dos cientistas (HAGSTROM, 1979) e
que era a partir dele que, em um processo simbolicamente violento,
o cientista se diferiria, se “elitizando”, saindo da suposta condição
“rasa” e operacional dos demais (SANTOS, 1978, p. 19).
Apesar de concordarmos com tais postulados que aqui abrem
nossa reflexão, cabe considerar que o atual cenário parece trazer
consigo elementos e dinâmicas igualmente definidoras de tais capi-
tais e que carecem ainda de maiores elucidações. Com efeito,
(...) os diversos trabalhos que abordam o tema da construção
da ciência a partir do conceito de comunidade científica
desconsideram as relações dos cientistas com outros fatores
sociais, bem como a influência dessas relações sobre a estru-
tura cognoscitiva da ciência (BAUMGARTEN, 2004, p. 105).

Consideramos que o apelo à visualidade, aos artefatos tecno-


digitais acompanhados de suas respectivas linguagens e gramáticas
imagéticas têm redesenhado o cenário de produção do conhecimen-

353
to e de comunicação e popularização da ciência. Este fator, ade-
mais, não deve ser tratado de maneira ingênua. Com efeito, nossa
sociedade é desde muito cedo pautada na visocentrismo (ZHAO;
ZHANG, 2013). O apelo visual ocupa o centro de nossos senti-
dos e, certamente, está considerado na maior parte dos siste-
mas de informação e comunicação produzidas pelo homem. Em
consonância à obra de Bourdieu, compreendemos que os usos das
redes sociais nos web espaços informacionais (PIMENTA, 2016a)
por meio de diferentes plataformas que possibilitam o registro e
visualização de dados e informações sempre sob a “curadoria” de
um “indivíduo-perfil”, também possibilitam que novas formas, no-
vas configurações, de violências simbólicas se expressem em suas
dimensões culturais, sociais e políticas.
Produzir informação é menos significante do que a forma
como se viabiliza sua divulgação. E este fato está afetando a comu-
nidade científica como um todo. Likes, shares e outras formas de pro-
duzir feedback e informação sobre a informação trazem consigo os
elementos constituidores de um capital simbólico não mais restrito
a um habitus específico ou a um campo singular.
Com efeito, o que buscamos aqui é elaborar uma análise crítica
sobre os possíveis usos, no âmbito da internet, de plataformas sociais
como Academia, ResearchGate1, enquanto lugares/simulacros de dom-
inação simbólica, em perspectiva bourdieusiana, do conhecimento
na era digital; e como tais espaços se (re)produzem e se legitimam
no campo — no sentido da pesquisa em andamento2 — enquanto
concretização de uma “aesthetica informacional”. Expressão estética

1
Para este capítulo trataremos mais proximamente do caso do ResearchGate. Outras
redes sociais científicas aqui citadas apenas ganham status ilustrativo.
2
Ricardo M. Pimenta é bolsista de produtividade PQ 2 no CNPq.

354
do regime de informação vigente na hipermodernidade.
Dessa forma, propomos identificar e problematizar a relação
da comunidade cientifica grosso modo com a estética e como esta
mesma reproduz e produz formas de dominação e capitais respec-
tivamente. Afinal, é a partir e por meio da estética que o prestígio
e o reconhecimento, além de novas formas de desigualdade,
se reproduzem no campo da ciência atualmente. O advento da era
digital acompanhada de suas tecnologias e artefatos de acesso, visi-
bilidade e promoção social não apenas acabaram em definitivo com
o “anonimato”, já combatido pelas estruturas burocrático-adminis-
trativas do Estado oitocentista, tratado por Walter Benjamin (1991),
como promoveram uma hiper-exposição, quando não sobre-
posição, do “indivíduo-perfil” em diferentes campos —, incluindo
aí o científico.

2 A INTERNET ENQUANTO ESPAÇO DE (RE)


PRODUÇÃO DE CAPITAIS: O CAMPO CIENTIFICO E
SUAS REDES SOCIAIS ACADEMICAS.

Para Bourdieu o campo científico é um espaço social com-


posto por seus atores e demais estruturas burocráticas, econômicas
e simbólicas. Entre todos circulam os capitais e daí se exercem as
formas de dominação e sequente violência no campo simbólico tor-
nando e legitimando o campo e seu nomos característico. No caso do
campo científico, estudantes, pesquisadores, associações, grupos de
pesquisa, agencias de fomento, entre tantos outros espaços, institu-
ições, atores e grupos, compõem os cosmos que ora circunscritas
umas as outras, por ora sobrepostas, criam meios de transversalizar
ações e disputas. O campo é uma estrutura de relações objetivas;
um campo de força, portanto, dotado de uma estrutura e por isso

355
um potencial espaço de conflitos gerado em meio as for-
mas de manutenção ou de transformação das mesmas forças que
atuam na reprodução dos jogos de poder implícitos naquele campo
(BOURDIEU, 2004a, p. 52).
No caso atual, a manutenção das forças do campo científico
significa a adaptação, a produção de competências, às transforma-
ções pelas quais o campo passa. Cotidianamente, cremos que os
recursos tecnológicos das redes sociais científicas e das possibili-
dades de convergência acabam por tornar a manutenção do poder
no campo científico um desafio mais e mais complexo.
Bourdieu jamais se debruçou fortemente sobre a questão da
tecnologia. Mesmo em suas obras relacionadas à mídia, com
destaque para a televisão, Bourdieu faz uso do conceito, já utilizado
por Gilbert Simondon, de “objetos técnicos” sem necessariamente
ir muito adiante. Com efeito, a lacuna de Bourdieu nos convida hoje
a inquerir o cenário social contemporâneo que encontra-se comple-
tamente “atravessado” pela tecnologia, seus usos e abusos. Nesse
sentido, nada mais justo que refletirmos sobre o campo científico
tendo como perspectiva a “marca” tecnológica que lhe imprimiu
nos últimos anos novas formas de produção do conhecimento por
meio dos, então, “objetos técnicos” (SIMONDON, 1989) e de seu
processo de concretização em face da atuação do homem em sua
dimensão social e cultural.
No ciberespaço, por meio da internet como espaço de produção
e circulação de informações e conhecimento, o apelo à “imagem”,
parece ter adquirido um estatuto nunca antes cogitado. Consider-
emos o seguinte: a internet enquanto espaço infor-comunicacional
parece propor-se enquanto locus não somente composto por ima-
gens, como também produtor de imagens. E nesse sentido espaço

356
de produção e reprodução de racionalização, em considerando o
posicionamento bachelardiano (1996) de que nas imagens repousar-
iam um novo fundamento científico. Dito isso, consideremos outro
fator importante: a correlação entre imagem e imaginário, tão bem
tratada por Durand (1997) onde esta última nada mais seria que a
possibilidade de operacionalizar a faculdade de percepção imagética.
Daí nos questionamos: qual imaginário construímos diariamente no
campo do conhecimento científico uma vez que este próprio é fruto
de nossa percepção imagética e, por sua vez, estruturador da nossa
estrutura racional e do nosso conhecimento? A partir daí, se consid-
erarmos a ciência enquanto um possível patrimônio cultural da hu-
manidade (PIOVESAN; COLCIONI; STRÔNGOLI, 2001, p. 45),
podemos e devemos considerá-la igualmente espaço não somente
de circulação e disputa de capitais culturais, como próprio resultado
da posse, da reprodução e do exercício desses mesmos capitais.
Tanto em Duque (2010) como em Toniazzo e Rosa (2012),
tornam-se evidente os avanços e benefícios que mídias sociais na
internet, como o Researchgate, vem promovendo no afazeres das práti-
cas de pesquisa e divulgação científicas ao passo que atuam de ma-
neira convergente a demais redes sociais não científicas como o caso
do facebook, potencializando o espectro de alcance de resultados
de pesquisas e de bibliografia especializada. Um grande passo para
a popularização do conhecimento científico sem dúvida. Há ainda
outros espaços como Academia.edu e CiteUlike (SANTOS; TOMAEL,
2014). Todos, sem exceção, vem redesenhando as fronteiras infor-
comunicacionais entre os pares no universo científico-acadêmico.
A afirmação de que “a discussão acerca do fenômeno técnico
não pode furtar-se de pensar os efeitos sobre o usuário” (KASTRUP,
2000) é plenamente atual e necessária ao buscarmos compreender

357
quais desdobramentos tais espaços de divulgação e comunicação
científicas podem estar a produzir no campo e em seus respectivos
atores. Atores esses que são ambos os produtores e usuários da
informação científica. E, além disso, quais novas dicussões se
sobrepõem às velhas disposições que acabam por ser mantidas em
tais espaços?
Obviamente estamos falando do fato de que ao usuário, mesmo
sendo um especifico como aquele pertencente à comunidade cientí-
fica, de redes e plataformas representadas pelo Researchgate, entre
outras, resta-lhe apreender e empregar determinadas competências
para o uso adequado e profícuo desses recursos infor-comunica-
cionais específicos. O que intentamos colocar em perspectiva é que
uma dada classe social como aquela dos cientistas, professores uni-
versitários, pesquisadores, geralmente detentora, segundo o próprio
Bourdieu (2008, p. 118-119), de um capital cultural e econômico
mais elevado não necessariamente possui, na mesma proporção, um
capital tecnológico similar em termos de acumulação. Capital esse
relacionado ao conhecimento e competencia no uso das tecnologias
de informação e comunicação (TIC).
Entretanto, não nos interessa aqui enumerar os prós destas fer-
ramentas e plataformas — que são muitos em termos de acesso,
comunicação e disseminação da informação na ciencia —, ambos
frutos da inovação na área da comunicação científica. À sombra
de Bourdieu, compreendemos que uma análise praxiológica de tal
fenômeno deve, portanto, levar em conta os desafios e possíveis
problemas advindos da incorporação de tais espaços virtuais ao dia-
a-dia do fazer científico de maneira que possamos de fato contribuir
para o campo e seu desenvolvimento contínuo.
A aproximação com Bourdieu deve-se, assim, ao fato de que o

358
capital simbólico produzido no rastro das atividades informacionais
circunscritas à internet voltadas à busca pela informação e pelo con-
hecimento alcançou os gabinetes e departamentos de universidades
e institutos de pesquisa e vem relacionando novos capitais culturais
de maneira que a ciência e seus porta-vozes não podem, ou não
deveriam mais considerar-se mesmo em seus canais mais formais,
dissociada do espaço público e dos meios de popularização de seus
conteúdos. Nesse escopo, a tecnologia emprega um papel funda-
mental para a edificação de tal interface entre a academia e o grande
público.
Enquanto novos pesquisadores, nativos digitais, dominam fer-
ramentas e plataformas para a atuação e sua sequente exposição
no campo científico; velhos pesquisadores precisam providenciar
meios de garantir sua correspondente visibilidade nestes mesmos
espaços. Criam-se campos circunscrito s ao campo científico,
de intensa interpermeabilidade, marcados por um novo habitus: o
habitus informacional (PAPACHARISI; EASTON, 2013). Este se
apresenta marcado por singularidades de suas práticas frente à
diversidade de atores que os incorporam, habitus que se encontram
em estado de instabilidade criativa necessária ao acompanhamento
do acelerado processo de convergencia digital do qual somos todos
testemunhas de seu exponencial desenvolvimento (PAPACHARISI;
EASTON, 2013, p. 02).
Ou seja, enquanto continuamos na encruzilhada de uma so-
ciedade onde se precisa conjugar entre a “informação”, o “conhe-
cimento” e a “aprendizagem” (POZO, 2003), o advento de ferra-
mentas e plaformas digitais, mesmo quando específicas como são
os casos aqui expostos, nos convidam ao olhar reflexivo sobre a
discussão a propósito da competencia em informação que o acom-

359
panha; pois é por meio de tal reflexão que compreenderemos nosso
lugar no amplo e continuo processo de aprendizagem (ASSMANN,
2000, p. 09) ao qual estamos todos inseridos uma vez que dividimos
o mesmo campo.
Na internet, e por meio dos espaços web informacionais carac-
terísticos aqui tratados, o desafio do campo — ou melhor, para não
nos deixarmos ser derrotados pelo campo — é o de desenvolver-
mos competências de forma que velhos e novos cientistas, nativos e
não nativos digitais; que possuidores e não possuidores de recursos
financeiros e estruturas tecnológicas básicas, possam todos igual-
mente reconhecerem, acessarem e exercerem de alguma maneira
suas formas de “desintermediação” (ALMEIDA, 2014, p. 192).
O sistema de produção e circulação da informação científica
ainda é tido por muitos como “um tanto ‘escondido’, caro e elitista”,
segundo a matéria do The New York Times (2012). Nesse escopo di-
versas iniciativas próximas à vertente do Open Science tem sido de-
senvolvidas enquanto que no ciberespaço vem igualmente obtendo
visibilidade, reconhecimento e adesão. As palavras de Ijad Madisch,
virologista fundador do ResearchGate, expressam a tendência de uma
geração de cientistas que buscam, no campo cientifico, lutar contra
as forças estruturadas e estruturantes que o tornam como ele é atu-
almente: “Quero tornar a ciência mais aberta. Quero mudar isso”.
(THE NEW YORK TIMES, 2012).
Apesar do esforço de Ijad, será a desintermediação plenamente
possível? E qual preço nos será cobrado ao entrarmos grosso modo
nessa nova versão da “República das Letras” (BURKE, 2011) da era
digital?
O que nos parece, contudo, é que há um paradoxo cruel por
trás dos benefícios para a comunidade acadêmica que goza dessas

360
redes sociais específicas. E esse paradoxo traduz-se pela estetização
da informação que abarca todas essas iniciativas e que acabam por
nos subjugar à forma em detrimento do conteúdo.

3 REGIMES DE VISIBILIDADE: DA INFORMAÇÃO


CIENTÍFICA NA “SOCIEDADE-MODA”

A visibilidade é uma condição. Uma variável de ordem cultural


que joga o jogo da política, potencializada pelos usos sociais da
tecnologia, em campos diversos. Ser visível atualmente é estar na
rede. Rede de computadores, redes sociais, rede de contatos. É estar
acessível, localizável, “vigiável”.
Figura 1: Imagem promocional da rede social Researchgate.

Fonte: Blog da biblioteca da Universidade -(UCSF). Disponível em:


https://blogs.library.ucsf.edu/inplainsight/2013/08/14/researchgate-facebook-
for-researchers/. Acesso em 5 de maio de 2017.

No contexto das redes sociais científicas, dados pessoais, até


mesmo frívolos, podem convergir aqueles dados e informações
relevantes para o campo científico. Público e privado confundem-se.

361
O “fiel da balança” está subjugado pelos algoritmos e o prestígio e
reconhecimento chegam para aqueles que possuem mais compar-
tilhamentos, mais likes, mais visualizações. Daí surgem as estimativas
de sucesso no microcosmo das redes sociais cientificas que, por sua
vez, compuseram um novo espaço sócio-técnico dentro do campo
cientifico.
Figura 2: feed de visualizações de artigos do perfil de Ricardo M. Pi-
menta no ResearchGate.

Fonte 2: ResearchGate, 05 de maio de 2017.

Na figura 2, a medalha localizada no canto superior direito da


imagem, acompanhada da seta ascendente aponta o suposto “suces-
so” alcançado. As metrias supostamente tornam reais/mensuráveis
os acessos/leituras. Nesse sentido, o jogo está sendo jogado. A
busca pelo reconhecimento dos pares; a disputa entre discursos
díspares acerca de determinado objeto de pesquisa; a legitimação
das instituições de fomento ao serem mencionadas; o registro por
meio das publicações acadêmicas no campo de seus atores em face
das expectativas que os demais têm.

362
Apesar do “jogo” continuar a ser jogado, há contudo alguns
aspectos singulares a serem tidos em perspectiva: a possibilidade
sinóptica de acompanhamento e visualização de demais “indivídu-
os-perfis” no âmbito da rede possibilita a naturalização de um
regime ambivalente de surveillance e de voyerismo onde o resultado
final é o reconhecimento do prestigio que uns sempre terão sobre
outros; acompanhado por quiçá alguma insatisfação fundamentada
pelo número de compartilhamentos que o outro sempre terá a mais.
Vivemos em meio a uma cultura do like onde gradualmente o que
mostramos vem se tornando mais relevante do que aquilo que
somos. Mesmo no campo científico.
Ser lido é ser visto. Ser visto é ser reconhecido. Nesse sentido,
as redes sociais científicas nos fornecem os elementos necessári-
os para o contínuo processo de reconhecimento por parte da ex-
posição estética e estetizante de si por meio da produção acadêmica.
E para tal, dizemos que a “gaiola de ferro” weberiana tornou-se
uma “gaiola dourada” ao incorporar os seus contrários: a dimensão
pessoal e intuitiva, imaginária e emocional (LIPOVETSKY; SER-
ROY, 2015, p. 44).
Estamos diante de novas configurações do espaço social que
por meio da tecnologia, e suas formas de interação homem/com-
putador, ora tangenciam-se, ora se transversalizam, ora sobrepõem-
se, ora convergem à construção de formas gramaticais distintas
de ver, de ser e de saber. Por onde capitais, códigos, classificações,
símbolos, memórias e informações se reproduzem e estruturam os
meios de força estabelecidos no campo científico contemporâneo.
O apelo estético parece produzir uma espécie de “verniz” da
violência simbólica instituída. Retomando a discussão sobre “desin-
termediação”, julgamos ser possível aqui explorar a afirmação ac-

363
ima. Os suportes tecnológicos e o desenvolvimento de suas com-
petências respectivas por parte do usuário de certo possibilitará um
ou mais passos ao processo de “desintermediação” apontado
por Almeida (2014). Contudo, cabe-nos sinalizar que apenas iden-
tificamos aí que: se em um estágio há de fato tal desintermediação,
em outro há tão somente uma espécie de transferência dessa para
o detentor do monopólio tecno-informacional. Em perspectiva
bourdieusiana diríamos que as forças do jogo se alteram, porém
continuam a agir no campo a partir da alternância de seus condu-
tores.
Ao aderirmos ao espaço web informacional do ResearchGate,
simplificamos nosso acesso a uma rede interdisciplinar, interinstitu-
cional e internacional de cientistas. Porém, tornamo-nos “condômi-
nos” dessa mesma rede social. Ela, enquanto “objeto técnico”
(SIMONDON, 1989) agora intermedia nossas relações pelas
estruturas esteticamente erigidas para nos satisfazer socialmente.
Em Bezerra, Schneider e Brisola (2017, p.11), o “gosto informa-
cional” é resultante da necessidade e da cultura, nesse caso, apli-
cado à busca por informações qualificadas pari passu ao desenvolvi-
mento de “competência crítica em informação” (BEZERRA;
SCHNEIDER; BRISOLA, 2017) para garanti-la como tal. Ainda
assim, em consonância à discussão por eles proposta, fica a pergun-
ta: como garantiríamos que a informação atraente é qualificada? No
caso atual, onde a palavra da vez é “Big Data”, volume, velocidade
e variedade somente tornam tal desafio mais difícil. Pois se torna
premente, então, o desenvolvimento de estruturas capazes de lidar
com “massas” de dados jamais imaginadas e de interfaces capazes
de tornar inteligível aquilo que não seria por natureza.
O apelo estético deixou de ser — se algum dia o foi de fato

364
— opção e se tornou parte da estratégia tecnopolítica de controle,
circulação, acesso e consumo da informação na hipermodernidade
(LIPOVETSKY, 2015; 2005). Nesse cenário há o que chamamos de
“regimes de visibilidade”.
Regimes de visibilidade são as condições nas quais nos
relacionamos com a informação em perspectiva à forma como a
acessamos; ou à maneira como buscamos opacizá-la. Cabe lembrar
que tanto uma forma como a outra são passíveis de serem elemen-
tos para a “violência simbólica” de uma comunidade, grupo ou
indivíduo para com os outros.
O regime de visibilidade não é, portanto, relacionado
unicamente ao que está visível ou acessível; mas é também ligado
aquilo que buscamos não revelar. Aquilo que omitimos e procura-
mos secretar. Nesse sentido é ele, o regime de visibilidade, forma
clara e inequívoca de exercício da violência simbólica bourdieusiana
tanto na doxa quanto no nomos do universo social. Pois através dele
se tornam possíveis os acordos entre estruturas objetivas e subjeti-
vas. Formas de coerção que se baseiam em acordos não conscientes
entre as estruturas objetivas e as estruturas mentais dos atores
envolvidos (BOURDIEU, 2012, p. 239). Ou como já explicado
anteriormente por Bourdieu: “violência que se exerce com a
cumplicidade tácita daqueles que a sofrem e também, frequen-
temente, daqueles que a exercem” (BOURDIEU, 1996, p. 16).
Os regimes de visibilidade tendem a crescer, se expandir e se
transformar, afetando o de informação em sua integralidade, uma
vez que aquele constitui em primeira vista um proto-mercado de
dados, de informação por onde a cultura digital cresce sem
precedentes.
Em uma perspectiva balizada na leitura de Lypovetsky (2015;

365
2005), o que nos interessou pelo momento foi refletir sobre o quanto
aspectos da teoria de Bourdieu poderiam continuar a ser ratificados
ao averiguarmos a aplicabilidade da ideia de “capitalismo artista” e
“sociedade-moda” em meio aos estudos de Ciência da Informação.
Os resultados ainda preliminares são promissores.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vejamos que a forma de violência simbólica implícita na práxis


destas redes sociais não é nova, mas sim o meio no qual ela se dá.
Sempre atual, Goffmann aponta que:
Quando um individuo chega a presença de outros, estes, ger-
almente, procuram obter informação a seu respeito ou trazem
à baila a que já possuem (...) a informação a respeito do indi-
viduo serve para definir a situação, tornando os outros capazes
de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que
dele podem esperar. (...) muitas fontes de informações são
acessíveis e há muitos portadores (ou “veículos de indícios”)
disponíveis para transmitir a informação. (GOFFMANN,
1985, p. 11).

Com efeito, os sentidos pelos quais as formas de dominação e


controle se dão no campo cientifico real, algo que pode ser ampla-
mente averiguado na obra de Bourdieu (2004a; 2004b), certamente
se reproduzem no espaço virtual. Espaço este que é ao mesmo
tempo simulação e simulacro; reproduz ao passo que também se
reifica (Lukács, 1989) pelo processo contínuo de consumo/fetiche
dos suportes tecnológicos digitais atrelados à falta de competência
informacional — esta estritamente ligada ao conhecimento apurado
de uso das redes e da programação — e à alienação,
(...) onde o apelo ao digital, mesmo na academia, acaba por
ser ele próprio expressão e impressão dessa “sociedade-moda”
na qual todos estamos imersos. Onde o “capitalismo-artista”
chegou à ciência e à academia. “Pesquisador-artista” para uma
“ciência-artista” onde a singularidade do que produzimos é
mensurada. (PIMENTA, 2016b, p. 29).

366
Ou seja, demos “forma” às estruturas e artefatos que por sua
vez nos impuseram novas formas de ser, de saber, e de ver.
Tal imposição, ademais, nos foi “imposta” pelo valor simbólico que
concordamos em outorgar a tais estruturas e artefatos e a reproduzi-
los. Grosso modo poderíamos afirmar que produzimos a “moda” —
trend — e nos rendemos a ela.
Dar forma significa dar a uma ação ou a um discurso a forma
que é reconhecida como conveniente, legítima, aprovada, vale
dizer, uma forma tal que pode ser produzida publicamente,
diante de todos, uma vontade ou uma prática que, apresen-
tada de outro modo, seria inaceitável (essa é uma função do
eufemismo). A força da forma, (...) é esta força propriamente
simbólica que permite à força exercer-se plenamente fazendo-
se desconhecer enquanto força e fazendo-se reconhecer, apr-
ovar, aceitar, pelo fato de se apresentar sob uma aparência de
universalidade. (BOURDIEU, 2004b, p. 106).

Em diversas áreas da ciência, o advento do big data acabou


por “dar forma” ao discurso científico, legitimando inúmeras práti-
cas. Visualização de dados. Verdadeiras visualizações em “nuvens”
geradas a partir de um número massivo sem precedentes de dados
hoje disponíveis aos que possuem ferramentas e competências para
minerá-los na Internet, produzem um efeito simbólico interessante
na comunidade científica global. A moda da visualização de dados
e, no contexto dos meios de comunicação de massa e mesmo de
comunicação científica, os infográficos.
Apesar da ciência, moda. Esta é, enquanto forma de expressivi-
dade, linguagem entre os atores sociais do campo. Moda que integra
e que classifica (BOURDIEU, 2008), levando a posteriori deste processo
classificatório à descriminação, à desqualificação dos que não com-
partilham da mesma linguagem, expressividade e canal. Você já tem
ResearchGate? Academia.edu? Possui conta no LinkedIn? E no facebook?
Já interconectou todas estas plataformas? Compartilha informações
entre estes espaços? Se não, tente refletir sobre a sua posição no

367
campo científico atualmente onde a meta-exposição tornou-se parte
do conjunto de violências simbolicas atuantes.

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372
PARTE 3

DIMENSÕES COMPARATIVAS

373
374
PUBLISH OR PERISH: um acerto com
Pierre Bourdieu e Robert Merton

JORGE MOISÉS KROLL DO PRADO e


ADILSON LUIZ PINTO

1 PUBLICAR OU PERECER NA COMUNICAÇÃO


CIENTÍFICA

As palavras “Publicar ou Perecer” (de PublishorPerish) são


utilizadas para dar significado ao processo da publicação científica,
afinal não se faz ciência sem publicação e na atualidade onde a com-
petitividade ganhou status primordial na distribuição de recursos,
estar à frente em campanhas de produtividade científica se tornou
um aparato de primeira linha.
Clapham (2005, p. 390) faz uma associação saudável sobre este
processo, relatando que cientistas trabalham duro em uma pesquisa
por anos, décadas e não apresentam suas ideias para o sistema de peer
review de uma revista ou sequer as submete a um evento científico. O
autor descreve que este tipo de processo é um crime científico, em
função da perda de informação que este cientista deixa de contribuir
com a ciência. Em um cenário mais catastrófico, em que ele venha
a óbito, o conhecimento de anos de pesquisa pode ficar enterrado
e não ser propagado para a sociedade. Um processo muito comum
que tivemos antes das publicações científicas de impacto, que se
perderam na Grécia, depois no Egito e as do ocidente antes do
surgimento da imprensa.
Por outro lado, a definição de Publishor Perish também pode
soar como uma pressão no meio científico para que as publicações

375
saiam rapidamente e de forma contínua para sustentar a carreira de
determinados pesquisadores.
Este tipo de tese é sustentado por Fanelli (2010), no qual o
mesmo alega que este tipo de processo faz com que ameace a inte-
gridade da pesquisa científica mundial, em virtude da concorrência
em financiamentos de pesquisa e de posicionamento dos cientistas,
visto que nem sempre a objetividade e probidade da pesquisa são
reais, frente a uma massificação da produção em série, mesmo que a
pesquisa seja nula ou com dados equivocados.
Alvarez (2012) corrobora que a publicação está influenciada
com a ocupação e a manutenção de empregos do meio científico,
em especial em ambientes de instituições privadas. Também relata
que suas aplicações para ambientes públicos estão influenciadas por
questões de distribuição de fomento. O mesmo salienta que suas
influências partem de um ponto de vista em que se deve massificar
trabalhos em conferências, livros, artigos de revistas e etc.
Com o passar do tempo, a ação de produção científica tor-
nou possível a transformação da ciência. Brandon (1963) já dizia
que cada um dos pesquisadores/cientistas tem a responsabilidade
de transmitir aos demais o conhecimento que lhes foram confiados,
visto que todo indivíduo tem certos talentos e que devem ser desen-
volvidos e usados antes que fiquem obsoletos. O autor relata sobre
o cotidiano que massacra a criatividade do pesquisador, do cientista
e de outras profissões que trabalham com o processo de construção
informacional (como o bibliotecário), e faz um apelo em forma de
perguntas, sustentando que devemos ir além. Nas suas inquietações,
Brandon indaga por que é tão difícil escrever publicações? Por que
existe o medo de escrever e falar o que se conhece? Somos acomo-
dados demais para escrever? Nós nos sentimos incapazes para ten-

376
tar expressar nossos pensamentos? Somos apenas procrastinadores
simples?
Seguindo a linha de discutir a comunicação científica, existem
analistas que pensam em um meio termo de ambas as posições,
como a de Jones (1997), que se preocupou em dar sentido a autoria
dos trabalhos e não mais se existe publicação ou não. Seu foco de
análise é sustentado pelas colaborações científicas e o mesmo traz
uma série de argumentações, como, por exemplo, que é fundamental
que exista nas áreas as parcerias, mesmo nas áreas consideradas de
autores isolados. Outro ponto chave é o limite de autorias em um
estudo, visto que parece que um artigo com muitos autores pode
induzir que poucos tiveram contribuição aos estudos e outros
somente assinaram o estudo.
Em seu relato, Jones fala que este último ponto é o mal da
sociedade científica, onde a publicação ganha mais status em termos
de número de publicação de um autor, mesmo que ele seja o décimo
autor de vários artigos, do que ele ter a metade em parcerias mais
restritas em número de autoridades.
Na verdade este é um mal que assola o cenário científico atual
e não é possível mensurar se é válido ou não. Claro que existem
situações e momentos para tais anomalias, como é o caso de estudos
que compartilham o mesmo espaço, referenciando a mesma aplica-
ção podem colaborar em etapas distintas da pesquisa e firmarem
um trabalho em conjunto (como o Colisor de Hádrons na Suíça). O
grande problema é que neste caso os pesquisadores que estão trabal-
hando na mesma pesquisa são nas casas das centenas, então imagine
mais de 100 pessoas assinando o mesmo trabalho? Um tanto surreal
não?
Jones (1997) relata que os financiamentos à pesquisa são trata-

377
dos pelo índice de produtividade dos autores e quanto mais publi-
cação o mesmo tenha com impacto melhor para ele conseguir sub-
sídios para suas pesquisas. Porém, o mesmo cria uma variação para
isso, que é a identificação dos autores nos artigos. Alegando que este
método pode auxiliar em uma análise de que nem sempre o grande
autor científico, com mais de 100 artigos em um curto período de
tempo, de fato produz tanto. Na verdade Jones diz que é muito
provável que ele seja o orientador, o dono do laboratório ou o coor-
denador do projeto financiado.
Diante da relação abordada neste último ponto, acreditamos
que ser produtivo não seja o problema, mas concordamos com o
ponto de que a autoria não pode ser tão estendida, afinal um artigo
com mais de quatro autores nos traz a dúvida se todos de fato par-
ticiparam da composição e discussão do estudo.
Se fundamentando por outro lado, acreditamos realmente que
a publicação deve e já está se atendo para a visão do seu impacto
de publicação, através do seu nível de aceitação pela sociedade. O
reflexo disso são suas citações na área, porém devemos ficar atentos
as autocitações também.
Seguindo esta visão, na atualidade, em um modelo mais
democrático, temos a publicação em ambientes livres, onde os au-
tores anexam suas propostas e abrem para o público em geral criti-
car. Esse tipo de ação pós-publicação pode reduzir os custos das
publicações, e os resultados, bem como todos os dados utilizados,
podem ser abertos para qualquer pessoa ler sem custo. Este pro-
cesso, inclusive pode ser aplicado por revistas que queiram divulgar
seus conteúdos, se assim o desejarem (COLQUHOUN, 2011), além
das páginas pessoais de autores.
Este tipo de processo já foi tentado pela Nature em 2006, e é

378
aplicado atualmente por muitos autores que querem divulgar suas
pesquisas ou seus estágios da pesquisa.
Finalizando estas explanações sobre a comunicação científica
e suas vertentes do PublishorPerish, iremos argumentar os pontos
de vistas a partir das visões de ciência de Pierre Bourdieu e Robert
Merton pela sua produção.

2 OS CAPITAIS DE PIERRE BOURDIEU

O PublishorPerish é uma vertente, ou um posicionamento


contextual na produção científica, de uma série de práticas, con-
forme visto anteriormente neste texto. Queremos aqui aprofundá-
los e refleti-los a partir de alguns conceitos de Pierre Bourdieu.
Circundam a produção científica atores legitimamente arraiga-
dos por um capital cultural já institucionalizado, principalmente
professores universitários e pesquisadores de centros renomados de
pesquisa. Ou seja, eles são reconhecidos perante a sociedade após
percorrer uma trajetória social de estudar e publicar para se estabel-
ecer numa determinada classe social (BOURDIEU, 2013). Podemos
interpretar isso da seguinte maneira: o recém-doutor, aprovado para
docente numa universidade de renome, tem maiores (ou mais fáceis)
chances de se prevalecer num campo científico do que um outro
indivíduo, na mesma posição, que ingresse em outra instituição
pouco conhecida. Isso se dá em virtude de que o primeiro irá se
deparar com um espaço preenchido por outros profissionais já
renomados, renovando seus contatos e estabelecendo outros,
trabalhando num ambiente com recursos (financeiros, pessoais, físi-
cos), além da própria associação de seu nome à universidade. Aqui já
temos o primeiro aspecto de pressão por parte do PublishorPerish:

379
muito provável que o recém-doutor da instituição mais qualificada
se sentirá mais pressionado do que o outro para alcançar e manter o
mesmo status que os demais colegas.
Este exemplo se retroalimenta pelo próprio campo univer-
sitário que:
reproduz na sua estrutura o campo do poder cuja ação própria
de seleção e de inculcação contribui para reproduzir a estru-
tura. É na verdade no e por seu funcionamento como espaço
de diferenças entre posições (e, da mesma maneira, entre as
disposições de seus ocupantes) que se realiza, fora de toda in-
tervenção das consciências e das vontades individuais ou cole-
tivas, a reprodução do espaço das posições diferentes que são
constitutivas do campo do poder. (BOURDIEU, 2013, p. 70).

E assim, conseguimos elevar o âmbito do PublishorPerish


também para o contexto geral em que o pesquisador se insere, em
que ele atua (universidade, centro de pesquisa ou outros). Será ne-
cessário, a partir destes produtores intelectuais, que se mantenha
o renome institucional, os melhores posicionamentos em rankings,
as buscas mais acirradas pelo preenchimento de vagas (do vestibu-
lar aos processos de seleção de docentes). O capital cultural, assim,
tem uma base preponderante e, pode-se dizer, até essencial para o
funcionamento do sistema da necessidade de se publicar para não
perecer.
Mas o que constitui, desenvolve e mantém um capital
cultural no contexto em que estamos observando? Para responder
a isso, podemos nos atribuir de um outro conceito de Bourdieu, o
de habitus. Segundo o autor (BOURDIEU, 2004), este capital não se
demonstra como algo comum e único, mas sim existente a partir de
algumas estruturas fundantes que são assimilados, o que configura
o habitus como “estruturas estruturadas predispostas a funcionar
como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e
estruturador das práticas e das representações que podem ser obje-

380
tivamente ‘reguladas’ e ‘regulares’” (BOURDIEU, 2003, p. 53).
Estas estruturas ajudam a perpetuar o capital cultural de deter-
minado grupo ou indivíduo, mas vale ressaltar, que não de maneira
obrigatória, consciente e imposta por regras (BOURDIEU, 2003).
São ações que se tornam naturais quando o pesquisador passa a
entender e praticar, mesmo que não aceitando, as “regras do jogo”.
Ele saberá que se deixar de publicar, de galgar novas funções e
responsabilidades, de atualizar o seu currículo e outras atividades
estruturantes e regulares deste habitus, perecerá e desvalorizará um
outro tipo de capital que ele possui e precisa manter.
Trata-se do capital científico, que existe em dois patamares de
poder: o temporal, ligado à instituição e as funções e responsabi-
lidades que o pesquisador recebe e, o poder específico, ligado ao
prestígio, ao reconhecimento pelos pares que é dado ao indivíduo
(BOURDIEU, 2004). É justamente este tipo de capital uma influên-
cia severa para a perpetuação do PublishorPerish, pois ele engloba
relações extrínsecas e simbólicas adquiridas pelo campo científico
em que o pesquisador atua.
Estes dois tipos de capitais se acumulam de maneiras dis-
tintas, que são formas também de manter o PublishorPerish funcio-
nando. O capital científico referente ao prestígio, também chamado
de “puro”, adquire-se “principalmente, pelas contribuições recon-
hecidas ao progresso da ciência” e o capital institucionalizado pelas
“estratégias políticas que tem em comum o fato de todas exigirem
tempo” para poder participar de comissões, eventos e produções
científicas em parcerias (BOURDIEU, 2004, p. 36).
Estes três conceitos de Bourdieu, capital cultural, capital
científico e habitus, puderam nos dar uma base para a proposta deste
capítulo. Traremos em seguida as reflexões de Robert Merton rela-

381
cionando-as ao PublishorPerish e ao final, discutiremos com os dois
autores.

3 POR UMA ESSÊNCIA COM ROBERT MERTON

Robert Merton foi um sociólogo norte-americano (1910-


2003), nascido na Filadélfia, que construiu sua carreira acadêmica
em Harvard ao mesmo tempo em que a sociologia vinha sendo acei-
ta como uma disciplina acadêmica (MARCOVICH; SHINN, 2013).
Destaca-se que:
As investigações de Merton sobre a ciência concentram-
se na ciência como organização social. As conexões entre o
conteúdo da ciência e os fatores sociais são intencionalmente
desconsideradas, já que são todas formas de reflexão episte-
mológica ou filosófica. Com poucas exceções, Merton também
se distancia das análises acerca da ciência e da cultura. Quando
ele inclui os fatores culturais em seu pensamento é em con-
exão com o conhecimento, e as ligações entre o conhecimento
em geral e a ciência recebem pouca atenção. (MARCOVICH;
SHINN, 2013, p. 256).

Para o autor, a palavra ciência é um vocábulo que designa uma


grande diversidade de coisas, sendo que alguns significados se
destacam: conjunto de métodos que comprovam o conhecimento;
acervo de conhecimentos acumulados; conjunto de valores e
costumes que direcionam as atividades científicas ou uma combina-
ção de todos eles (MERTON, 1979). Estes significados são atribuí-
dos pela sociedade em geral a partir do senso comum, logo, faz com
que Merton busque estudar a ciência a partir de outras concepções,
mais aprofundadas. “Não se trata de uma aventura de polimatia”
(MERTON, 1979, p. 39), ou seja, de estudar todo este conhecimen-
to, que é vasto, mas desconexo.
Merton afirma que a ciência precisa ser estudada a partir de
seu ethos, que é um complexo de valores e normas que norteiam

382
o trabalho do cientista, sendo que prescrições e proscrições relacio-
nadas à instituição em que está vinculado determinam estas normas
(MERTON, 1979). Estudá-lo significa comparar a estrutura que
institui a ciência a partir de quatro imperativos:
a) Universalismo: critérios impessoais preestabelecidos deter-
minam a aceitação ou rejeição de um novo registro científico, não
importando gênero, nacionalidade ou quaisquer outros aspectos
culturais, já que “quando a cultura maior se opõe ao universalismo,
o ethos da ciência é submetido a fortes tensões” (MERTON, 1979,
p. 42).
b) Comunismo: “As descobertas substantivas da ciência são
produto da colaboração social e estão destinados à comuni-
dade” (MERTON, 1979, p. 45). Não se deve associar os resul-
tados da produção científica como propriedade individual ou
institucional.
c) Desinteresse: “A ciência, como ocorre com as profissões
liberais e científicas em geral, inclui o desinteresse como
elemento institucional básico”, ou seja, o cientista preci-
sa perseguir interesses que sejam coletivos e não pessoais
(MERTON, 1979, p. 49).
d) Ceticismo organizado: ao mesmo tempo que seja uma ne-
cessidade metodológica e institucional, toda ideia científica
precisa ser testada e provada a partir de procedimentos cientí-
ficos que a validem (MERTON, 1979).
Assim, se fôssemos buscar uma indução, uma responsabi-
lidade, para o desenvolvimento do PublishorPerish, esta seria da
instituição. Os imperativos de Merton não dão abertura para o fenô-
meno a partir de uma iniciativa do cientista, visto que a definição
de ethos permeia somente a linha institucional, bem como os seus

383
elementos constituintes. A atuação do cientista, enquanto comum,
desinteressado, universal e cético organizado não tem espaço para
o individual.

4 CONSIDERAÇÕES: do idealismo de Merton para o real-


ismo de Bourdieu

Antes de apontar algumas considerações e relações entre


Merton e Bourdieu acerca do PublishorPerish, é necessário contex-
tualizar que este divergiu daquele justamente sobre a ausência de
análise da estrutura social do universo científico, conforme aponta
Lucas (2014). Bourdieu afirmou que os imperativos do ethos da ciên-
cia eram muito idealistas e desconsideravam “os mecanismos que
tendem a assegurar ‘controle’ e comunicação, avaliação e retribuição,
recrutamento e ensino” (BOURDIEU, 2005, p. 85). Embora anos
mais tarde, Bourdieu venha a se retratar perante o pensamento de
Merton, alegando que o período em que se situa a sua proposta de-
veria ter sido levado em consideração (LUCAS, 2014; BOURDIEU,
2008), é a partir deste ponto que trazemos nossas considerações
finais.
Na primeira seção deste capítulo, junto de Clapham (2005),
afirmamos que o PublishorPerish pode ter um viés saudável tendo
como base o trabalho árduo do cientista para o progresso da ciência.
Esta percepção vai muito ao encontro do pensamento idealista de
Merton.
Sendo o ethos uma obrigação moral construída a partir de nor-
mas, regras e técnicas pré-estipuladas e mantidas institucionalmente,
logo, o pesquisador que as acompanha e somente produz com este
intuito de colaborar para e com a comunidade científica, participa

384
de um PublishorPerish que podemos caracterizar até de maneira
“natural”, porque é da essência dele enquanto pesquisador trabalhar
assim.
Merton (1979) afirma que a ciência tem uma explicação racio-
nal que é metodológica e moralmente obrigatória. Isso se dá em
virtude de não somente porque é mais eficaz, replicável e universal,
mas porque também pode ser considerado como mais justo e bom
a partir do desinteresse e comunismo que ele defende.
Por outro lado, temos um outro viés que também foi apresen-
tado inicialmente com Fanelli (2010) e Alvarez (2012), na primeira
seção deste capítulo, que é o da pressão por parte da produtivi-
dade acadêmica exercida pela manutenção de cargos, status, rankings
e outros elementos que apontamos com a visão mais realista de
Bourdieu.
O filósofo francês compara que os campos científicos são are-
nas, com regras específicas e com lutas concorrenciais. Isso é decor-
rente da geração e acúmulo de capitais. Sobressaem-se aqueles que
mais produzem e são citados (capital científico), aqueles que tiver-
em as melhores relações com colegas do mesmo campo científico
(capital social).
Permanecem as normas, regras e técnicas institucionais, mas
desvirtuam-se alguns dos imperativos de Merton, como o desin-
teresse. Dentro da abordagem de Bourdieu, os pesquisadores pro-
prietários de um alto capital científico, são peças fundamentais do
PublishorPerish. Por outro lado, aqueles que não o detém e que
o almejam, conforme vimos na seção 2, também servem como
propulsores.
Mesmo que tenham divergido em algum momento, podemos
trazer, talvez não como aproximações, mas uma reflexão em que os

385
pensamentos de Bourdieu e Merton possam se complementar. A
visão idealista de Merton para a difícil necessidade de se pensar a
ciência e seus meandros nos concebe normativas de uma institucio-
nalização científica. Já Bourdieu entende que dentro deste âmbito,
as relações sociais podem (e conseguem) transformá-lo. Sua visão
é mais realista, não deixa de considerar a institucionalização que
Merton tanto prezou, mas o seu foco se debruça no social.
Finalmente, consideramos com este capítulo que o desafio
cotidiano do PublishorPerish pode ser analisado a partir de diferen-
tes perspectivas e autores. Aqui trouxemos Merton para relacionar
com o homenageado desta obra não com o intuito de afirmar qual
está certo ou qual está errado, qual traz a melhor contribuição ou
não para se pensar a produtividade científica; mas sim porque foi
possível refletir sobre as vertentes boas e ruins do PublishorPerish
com as visões idealistas e realistas dos autores.

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388
A constituição do campo científico
da Ciência da Informação no Brasil:
um diálogo sociológico

ELISA CRISTINA DELFINI CORRÊA

1 INTRODUÇÃO

Os componentes necessários para o nascimento e estabeleci-


mento de uma nova ciência são frutos do próprio desenvolvimento
da sociedade e envolvem complexas questões políticas, culturais e
tecnológicas, além de processos de ruptura com práticas já estabe-
lecidas e de complicadas negociações entre os diferentes atores que
compõem a criação de um novo paradigma científico. A definição
de um determinado objeto de estudo, o estabelecimento de metodo-
logias próprias e a criação de um corpo teórico consistente fazem
parte do processo de formação de uma ciência, e este foi o ponto de
partida para a análise aqui proposta, visando refletir sobre o nasci-
mento da Ciência da Informação (CI) no Brasil e suas relações com
a Biblioteconomia.
O processo de criação da CI brasileira funde-se ao desenvolvi-
mento da Biblioteconomia no país, originando-se a partir da co-
munidade de bibliotecários atuante no Brasil entre as décadas de
1950 a 1970. A inserção das tecnologias de informação e comuni-
cação no trabalho de tratamento da informação, apesar de ainda
incipiente nessa época, foi fator determinante para a concepção de
uma nova mentalidade profissional que acabou por dar forma à CI
em território nacional. As décadas seguintes foram marcadas por
constantes debates em torno da definição de duas categorias pro-

389
fissionais orientadas por uma mesma matriz teórica e com objeti-
vos e metodologias semelhantes. Até os dias de hoje, permanecem
inconclusas as discussões a respeito das diferenças e similaridades
entre as duas disciplinas. Este é o retrato de uma relação científica e
profissional ainda não resolvida, que contém elementos intrigantes
que podem ser explorados a partir de um enfoque sociológico.
Lançar um olhar sociológico a essa história se torna impor-
tante na medida em que a CI possui vínculos extremamente fortes
com a Biblioteconomia desde a sua origem. É consenso entre os au-
tores da área o fato de que a CI surge a partir da trajetória histórica
da Biblioteconomia e Documentação, compartilhando não apenas a
matéria-prima informação como objeto de seus estudos, mas tam-
bém muitas das técnicas de tratamento e disseminação que tradicio-
nalmente relacionam-se à práxis bibliotecária. A principal disputa
pela autoridade científica neste quadro se estabelece a partir da argu-
mentação de que a proposta tecnológica paradigmática apresentada
pela CI não se traduz em uma verdadeira novidade em relação à
já estabelecida e exercida pelos bibliotecários. Assim, esta categoria
problematiza essas indefinições que permeiam as atividades de am-
bas as disciplinas colocando em xeque a validade do profissional de
CI no mercado brasileiro.
Para adentrar neste emaranhado mundo científico, optou-se
por tomar os caminhos abertos pela Sociologia da Ciência. Assim,
são aqui discutidos os conceitos de campo, capital científico e habi-
tus, emprestados de Pierre Bourdieu, que considera os processos so-
ciais entre as diferentes ciências como um lócus onde se desenvolve
a construção dos fatos científicos mediante disputas pela conquista
de autoridade e autonomia científicas. Estes objetivos são alcança-
dos através de um processo de lutas que se dá através de complexas

390
relações que requerem constantes negociações.
Os conceitos de ciência, comunidade científica e paradigma,
trazidos por Thomas Kuhn, também assumem especial importân-
cia nesse contexto e, por esse motivo, somam-se aos de Bourdieu
norteando a análise. As contribuições desses autores colaboram no
entendimento das questões sobre a formação e desenvolvimento de
uma ciência nos aspectos mais peculiares do campo científico.
A origem e o desenvolvimento da CI brasileira são aqui apre-
sentadas, embora de forma breve, com a finalidade de evidenciar
o processo de formação dessa nova ciência em suas disputas com
a Biblioteconomia permitindo visualizar de forma concreta muitos
dos pressupostos encontrados na teoria sociológica a respeito das
lutas, crises, negociações, rupturas e renegociações intrínsecas a este
tipo de relação social.

2 ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA FORMAÇÃO E DE-


SENVOLVIMENTO DE UM CAMPO DO CONHECI-
MENTO

As discussões sobre a formação e o desenvolvimento da ciên-


cia são especialmente importantes e servem de base para este iní-
cio de análise. A partir dos conceitos desenvolvidos por Thomas
Kuhn e Pierre Bourdieu abre-se o debate a respeito do tema em
questão. As idéias de Kuhn tornam-se relevantes, pois o autor é
considerado como “um divisor de águas na historiografia das ciên-
cias” (OLIVEIRA, CANDÉ, 2002). Kuhn desenvolve teorias epis-
temológicas relacionadas ao desenvolvimento das ciências a partir
da história de sua própria atividade de pesquisa (KUHN, 1990).
As noções de paradigma, ciência normal, crise e revolução

391
científica, desenvolvidas por Kuhn, são amplamente difundidas e
discutidas dentro das arenas de debate científico e têm influenciado
fortemente as análises das ciências modernas. Porém, também são
alvo de críticas por parte de autores que se dedicaram a observar a
própria investigação científica, destacando-se neste trabalho os es-
tudos de Pierre Bourdieu.

2.1 AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS DE KUHN

A análise de Thomas Kuhn parte de uma oposição ao fazer


científico apresentado nos manuais tradicionais de ciência explica-
tiva, justificando o desenvolvimento científico a partir de uma se-
qüência de teorizações e “acumulação de descobertas e invenções
individuais” (KUHN, 1990, p. 21). Kuhn denomina de “ciência nor-
mal” a “pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações
científicas passadas” que são reconhecidas durante um período de
tempo por alguma comunidade científica e que fundamentam sua
prática (KUHN, op.cit., p. 29).
Para o autor, a “ciência normal desorienta-se seguidamente”.
Este fato leva Kuhn a desenvolver sua teoria dando ênfase ao
“caráter revolucionário” do progresso científico, que não acontece-
ria em uma linha progressiva e contínua:
E quando isto ocorre – isto é, quando os membros da pro-
fissão não podem mais esquivar-se da prática científica – então
começam as investigações extraordinárias que finalmente con-
duzem a profissão a um novo conjunto de compromissos, a
uma nova base para a prática da ciência. Neste ensaio, são de-
nominadas revoluções científicas os episódios extraordinários
nos quais ocorre essa alteração de compromissos profissionais.
As revoluções científicas são os complementos desintegrador-
es da tradição à qual a atividade da ciência normal está ligada.
(KUHN op.cit., p. 25)

392
Intimamente relacionado ao conceito de ciência normal está o
conceito de paradigma que, segundo Hochman (2002, p.201) pode
ser definido como “um trabalho científico exemplar, que cria uma
tradição dentro de uma área especializada da atividade científica
ou, em outras palavras, são realizações científicas universalmente
reconhecidas que, por um período de tempo, fornecem soluções
modelares para uma comunidade científica”.
Para Kuhn, são os paradigmas que dirigem a pesquisa cientí-
fica, possuindo duas características essenciais (1990, p.30): são rea-
lizações sem precedentes, capazes de atrair partidários que exerciam
outras práticas científicas e são suficientemente abertas, permitindo
que o grupo de praticantes da ciência possa resolver toda espécie de
problemas.
Esse conceito parece oportuno no esforço de analisar a história
da Ciência da Informação pois esta nova ciência surge a partir da
constatação de que os paradigmas sustentados pela Bibliotecono-
mia não mais davam conta de resolver os problemas informacionais
criados pela veiculação da informação computadorizada. Novos
problemas surgiram, novas alternativas precisaram ser encontradas
e novos instrumentos tiveram que ser criados.
No entanto, Kuhn reconhece que não é sem relutância que
ocorre a adoção de “um novo candidato a paradigma” (1990, p. 212).
Afirma, no caso, que é necessário o preenchimento de pelo menos
duas condições essenciais: Em primeiro lugar, o novo candidato
deve parecer capaz de solucionar algum problema extraordinário,
reconhecido como tal pela comunidade e que não possa ser anali-
sado de nenhuma outra maneira. Em segundo, o novo paradigma
deve garantir a preservação de uma parte relativamente grande da
capacidade objetiva de resolver problemas, conquistada pela ciência

393
com o auxílio dos paradigmas anteriores (KUHN, 1990, p.212).
A partir do momento em que estas duas prerrogativas são
atendidas, a comunidade científica passa a envidar esforços cada vez
maiores para consolidar e estabelecer o novo paradigma. Hochman
analisa esta questão, apresentando o argumento da “conversão”
ou alteração de paradigma contido na teoria de Kuhn: Mas, como
e quando ocorre a conversão? A conversão se dá, em parte, pela
demonstração, sempre comparativa, de que o novo paradigma per-
mite uma solução mais eficiente dos problemas científicos.
Porém, para Kuhn, essa adesão será sempre individual. O novo
paradigma vingará se conquistar adeptos que desenvolvam suas po-
tencialidades, acreditando mais no seu ‘rendimento futuro’ do que
na eficiência da tradição vigente. Teríamos não uma adesão grupal,
mas um assentimento individual crescente, que aumenta a capaci-
dade de persuasão do paradigma, criando a percepção que é melhor
pertencer à nova comunidade (HOCHMAN, 1994, p. 207).
Hochman ainda menciona que, na descrição da comunidade
científica de Kuhn, “não há interesses pessoais em jogo, mas o de-
sejo de contribuir para o progresso da ciência. A crise e a revolução
científicas são os únicos momentos nos quais prevalece a opção in-
dividual do cientista diante da estrutura comunitária” (Ibid). Esta
afirmação remete a outro aspecto importante na análise de Kuhn: o
papel da comunidade científica. Hochman (1994, p. 201) afirma que
“do ponto de vista empírico, identificar um paradigma é também e,
ao mesmo tempo, identificar a comunidade de seus praticantes” e
que o próprio conceito de paradigma somente é válido a partir da
concepção de comunidade científica.
O autor define a dinâmica da comunidade da ciência normal
da seguinte forma:

394
Um grupo de cientistas que compartilha de certa tradição de
fazer ciência na sua especialidade; esse grupo foi socializado e
educado nos mesmos valores e regras, ou seja, no paradigma,
além do que se vê e é reconhecido como responsável pela re-
produção de um modo de praticar ciência, incluindo o trein-
amento dos que irão ser admitidos nessa comunidade e, é claro,
o serão porque passarão a compartir dos padrões constitutivos
da mesma [...] Nessa comunidade, os alunos de hoje serão os
professores de amanhã. O professor–cientista é apenas porta-
voz da tradição de uma comunidade, e não uma individuali-
dade [...] A comunidade científica, nestas circunstâncias – e
esse é um requisito definidor – é extremamente estável (HO-
CHMAN, op.cit., p.202).

O conceito de paradigma pressupõe um forte compromisso


por parte dos cientistas dentro de um determinado domínio cientí-
fico. Segundo Kuhn, existe uma rede de compromissos conceituais,
teóricos, metodológicos e instrumentais que oferecem ao cientista
um conjunto de regras “que lhe revelam a natureza do mundo e de
sua ciência” (KUHN, op. cit. p. 66). Tomando-se o caso da CI no
Brasil, vale ressaltar que sua comunidade científica é originária da
comunidade que constitui o campo dos profissionais da Biblioteco-
nomia, e carrega consigo ainda muitos dos conceitos e práticas do
paradigma anterior, tendo sido anteriormente “socializados e educa-
dos” nos seus valores e regras.
Kuhn chama de “quebra-cabeças” os problemas científicos
cuja solução os paradigmas se propõem a oferecer, sendo que a na-
tureza desse jogo é tanto teórica quanto experimental. “Encontrar a
solução de um quebra-cabeça residual, constitui um desafio pessoal
para o cientista” (KUHN, op. cit. p.66). Nas palavras de Maia (2006,
p.3), estes homens compartilham:
Um conjunto de suposições teóricas gerais, leis e técnicas para
a aplicação dessas leis. É então o paradigma que coordena e
dirige a actividade de grupos de cientistas que nele trabalham.
Para além de leis estabelecidas, suposições teóricas e formas
de aplicar essas leis, o paradigma inclui igualmente os instru-
mentos necessários para que as leis do paradigma suportem o
mundo real.

395
Kuhn vai mais além, afirmando que “a aquisição de um para-
digma e do tipo de pesquisa mais esotérico que ele permite é um
sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo cientí-
fico que se queira considerar” e que “a transição sucessiva de um
paradigma a outro, por meio de uma revolução, é o padrão usual de
desenvolvimento da ciência amadurecida” (KUHN, op. cit. p. 31,
32).
Em sua obra, Kuhn avalia a história de algumas ciências “du-
ras” como a Ótica Física, a Matemática, a Astronomia e a Bioquími-
ca. No que diz respeito à aquisição de paradigmas pelas ciências
sociais, Kuhn prefere dizer que a questão “permanece em aberto”,
lembrando que a “estrada para um consenso estável na pesquisa é
extraordinariamente árdua” (KUHN, op. cit., p. 35). Parece ser este
o quadro que representa a história da recente Ciência da Informa-
ção.
De maneira resumida, pode-se afirmar que, na visão kuhniana,
ciência (normal) e comunidade científica possuem caráter diferen-
ciado, especial. Isso por conta de suas características rígidas para o
exercício de práticas científicas baseadas em regras pré- estabeleci-
das, que seriam fruto de consenso entre os membros da comuni-
dade, os quais se dedicam a fortalecer e perpetuar seus paradigmas
através do treinamento de seus profissionais, tendo como objetivo
principal a ser atingido o progresso e a maturidade de sua ciência.
Estas definições, no entanto, têm sido alvo de questionamen-
tos. Dentre as críticas que lhes podem ser feitas, uma das mais
pertinentes diz respeito à sua crença na ‘pureza’ das intenções dos
cientistas em relação a seu papel no chamado progresso da ciência.
Seriam eles assim tão desprendidos a ponto de interessarem-se ape-
nas no avanço científico? Um dos críticos que se opõem a esta visão

396
positivista da ciência e da comunidade científica é Pierre Bourdieu.
Sua contribuição para este debate é apresentada a seguir.

2.2 CAMPO E CAPITAL CIENTÍFICOS: a ciência enquanto dis-


puta de poder segundo Bourdieu

Bourdieu define campo como um locus onde se trava uma luta


concorrencial entre os atores sociais em torno de interesses especí-
ficos; no caso da ciência, a luta seria pela autoridade científica. Para
Bourdieu, o campo científico representa um lugar de luta política
pela dominação científica, onde se manifestam relações de poder e
onde se verifica uma distribuição desigual de um tipo específico de
capital social.
A partir desta visão do processo de funcionamento da ciên-
cia, Hochman faz uma comparação entre as idéias de Kuhn
e Bourdieu e afirma que “para Bourdieu, a noção de comunidade
científica autônoma, insulada e auto-reprodutora, com cientistas
neutros e interessados somente no progresso de sua disciplina
esconde, mais do que elucida, a dinâmica das práticas científicas na
sociedade moderna” (HOCHMAN, 1994, p. 208-209).
As idéias de Bourdieu remetem para a análise dos movimen-
tos internos e externos que constituem este campo, apontando para
o fato de que nele se articulam forças sociais que vão atuar e/ou
influenciá-lo com maior ou menor expressão dependendo da auto-
nomia deste. Para o autor, “quanto mais autônomos, mais [os cam-
pos] escapam às leis sociais externas” (HOCHMAN, 1994, p.30). A
ênfase da sua teorização recai sobre a estrutura do campo científico
que se organiza com base na busca, por parte dos atores sociais, de
“um lugar privilegiado dentre as diferentes possibilidades que con-

397
formam a hierarquia social desses mesmos campos” (BOURDIEU,
1983, p. 128).
Essa estrutura se constitui através da distribuição do que
Bourdieu chama de “capital científico” entre os participantes desta
luta, a qual se reproduz também entre as várias ciências. Nesta luta,
problemas e métodos científicos se apresentam como estratégias
utilizadas para que fins políticos sejam alcançados, dentre os quais a
acumulação do capital cientifico é um dos principais. Capital cienti-
fico é definido por Bourdieu como “um capital social que assegura
um poder sobre os mecanismos constitutivos do campo e que pode
ser reconvertido em outras espécies de capital” (1983, p. 127). O
autor afirma que esse capital é distribuído de maneira desigual entre
os participantes do ‘jogo’ científico, o que desencadeia um processo
de concorrência e embate pela autoridade científica.
Longe de visualizar um quadro de consenso e pureza de inten-
ções em prol do avanço da ciência, Bourdieu divide a comunidade
científica entre “dominantes” e “dominados”. Estes últimos vão en-
vidar seus melhores esforços no sentido de conquistar sua ascensão
na hierarquia do campo científico, enquanto que os primeiros farão
o mesmo para manter sua mais alta posição. Bourdieu tece seu ar-
gumento com base na atuação dos cientistas, e afirma que “de fato,
somente os cientistas engajados no mesmo jogo detêm os meios
de se apropriar simbolicamente da obra científica e de avaliar seus
méritos” (BOURDIEU, op. cit., p. 127).
A acumulação deste tipo de capital torna-se essencial para a
estruturação e o fortalecimento da própria ciência:
Essa estrutura é, grosso modo, determinada pela distribuição
do capital científico num dado momento. Em outras palavras,
os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo vol-
ume de seu capital determinam a estrutura do campo em pro-
porção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros

398
agentes, isto é, de todo o espaço (BOURDIEU, 2004, p.24).

Bourdieu ainda afirma que, na luta em que cada um dos agen-


tes deve engajar-se para impor o valor de seus produtos e de sua
própria autoridade de produtor legítimo, está sempre em jogo o
poder de impor uma definição da ciência (isto é, a delimitação do
campo dos problemas, dos métodos e das teorias que podem ser
considerados científicos) que mais esteja de acordo com seus in-
teresses específicos (1983, p. 128).
Mais uma vez, e em oposição a Kuhn, o que se verifica aqui é
a busca individual dos membros da comunidade científica por um
acúmulo pessoal de capital. Segundo Hochman (1994, p. 212-213),
normas, valores, consenso e recompensas não são as causas, mas
os resultados da atividade social, que existe através das estratégias
adotadas pelos investidores na busca de maximização de capital
simbólico. Todos querem maximizar os lucros, obter, acumular e
manter o seu capital científico, a autoridade/competência científica
reconhecida.
Bourdieu apresenta ainda o conceito de habitus para argumen-
tar que existem regularidades associadas a um meio socialmente
estruturado (o campo científico, no caso) que indicam formas de
conduta construídas social e coletivamente e que orientam práticas
e definem ações de um determinado grupo. Bourdieu (op. cit., p. 61)
define habitus da seguinte maneira:
Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas pre-
dispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é,
como princípio gerador e estruturador das práticas e das rep-
resentações que podem ser objetivamente ‘reguladas’ e ‘regu-
lares’ sem ser o produto da obediência a regras objetivamente
adaptadas ao seu fim sem supor a intenção consciente dos fins
e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los
e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação orga-
nizadora de um regente.

399
De acordo com esta perspectiva, as ações dos cientistas
conformam a própria constituição do campo científico que,
segundo Bourdieu, tende a reproduzir as mesmas relações que o
engendraram. Desta forma, uma prática que aparentemente viria
subverter a ordem, acaba muitas vezes por reproduzí-la. Segundo
as concepções de Bourdieu, quanto mais autônomo for o campo
científico (e isso depende da quantidade de seu capital acumulado),
mais refratário, isto é, menos suscetível será às influências externas.
Isto significa dizer que este campo será relativamente definido e
estruturado o suficiente para se distinguir dos demais e conquistar
seu status dentro do “mundo da ciência” (BOURDIEU, 2004, p.
34).
Bourdieu, assim como o próprio Kuhn, opera sua análise no
nível macrossocial, em que os agentes individuais apesar de suas
estratégias racionais e maximizadoras, têm suas oportunidades e
decisões determinadas ou anuladas pela estrutura do campo, que
reproduz a sociedade (HOCHMAN, op.cit., p. 213).
Transpondo as idéias de Bourdieu para o tema em questão, a
delimitação do campo da Ciência da Informação passaria também
pela capacidade de seus agentes (aqui, em especial, os cientistas da
informação) em acumular capital científico suficientemente forte
para estruturar a CI enquanto campo autônomo e refratário. Essa
estruturação do campo da CI, contudo, pode estar sendo dificultada
pelos habitus ainda pouco consistentes adotados por seus cientistas,
que acabam por reproduzir metodologias e temas de pesquisas
desenvolvidas pela disciplina ‘irmã mais velha’, a Biblioteconomia.

400
3 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A
BIBLIOTECONOMIA NO BRASIL

A história da CI brasileira revela uma série de fatores e acon-


tecimentos político-sociais em um cenário controvertido que mis-
tura descontinuidades e rupturas e, ao mesmo tempo, esforços de
manutenção de tradições e culturas na tentativa de construir novas
posturas profissionais. São percebidos, na prática, esforços de rup-
tura com a Biblioteconomia na direção da construção de um novo
paradigma, de constituição de um novo habitus pautado no contexto
da informação eletrônica e das lutas a fim de conquistar sua auto-
ridade científica no país. Verifica-se o papel de sua comunidade de
pesquisadores e profissionais na busca de uma de demarcação de
espaços de atuação em um campo de lutas nada consensual desde
suas origens.
Os primeiros passos dessa narrativa remontam ao final da
década de 1930, com a criação da Biblioteca do Departamento
Administrativo do Serviço Público ( DASP), órgão do primeiro
governo de Getúlio Vargas, criado em 1938 onde foram dados os
primeiros passos na direção de uma mudança paradigmática na
ênfase da profissão, pois trouxe um novo modus operandi às
bibliotecas da época: a cooperação e o intercâmbio bibliográ-
fico. Algumas personagens importantes fazem parte dessa fase,
merecendo destaque Lydia de Queiroz Sambaquy que, enquanto
atuava na direção da Biblioteca do DASP, implantou serviços que
representaram inovações significativas na Biblioteconomia de então,
como o Serviço de Intercâmbio de Catalogação (SIC) que começou
a funcionar a partir de 1942.
Até então, a Biblioteconomia praticada no país ainda não havia
nem ao menos incorporado os conceitos de documentação apre-

401
sentados por Paul Otlet, na década de 1930. O trabalho de Lydia
deu início a novas formas de trabalho que começaram a preparar
o caminho para as grandes mudanças que estavam por vir. Neste
primeiro momento, não se falava ainda em Ciência da Informação,
termo que surgiu no país apenas anos mais tarde, na década de 1970.
Por isso, tais ações inovadoras traziam força a uma categoria profis-
sional que se modernizava ao mesmo tempo em que questionava
seu papel social e sua atuação num período de transição entre a
‘pura’ Biblioteconomia e as novidades advindas da Documentação.
Paralelamente aos acontecimentos na área biblioteconômica,
outros dois fatores importantes para o estabelecimento de políticas
de desenvolvimento científico no Brasil (e consequentemente para
o surgimento da CI) foram a criação do CNPq e da CAPES em
1951, tornando ainda mais propício o contexto para a criação de
um órgão preocupado com a organização da informação científica
em território nacional. A história do IBBD começa então a ser
articulada, que anos mais tarde veio a mudar sua nomenclatura para
IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnolo-
gia - órgão atuante até os dias atuais.
O trabalho proposto pelo IBBD carecia de uma atuação pro-
fissional mais especializada do que o das bibliotecas brasileiras da
época e, nesse sentido, os primeiros passos em direção a uma nova
praxis foram dados com a criação dos primeiros cursos de espe-
cialização voltados ao ensino da pesquisa bibliográfica, dirigidos
inicialmente à comunidade de bibliotecários, sendo posteriormente
abertos também a outras categorias de profissionais interessados no
assunto. Entra em cena aqui uma nova personagem de destaque na
história do IBBD e da própria CI: Célia Ribeiro Zaher, responsável
pela organização e desenvolvimento do Curso de Documentação

402
Científica (CDC).
O curso foi oferecido pelo IBBD pela primeira vez em 1955
e, nos dizeres de Oddone, “exerceram uma influência decisiva na
propagação do novo modelo profissional proposto pelo IBBD para
a biblioteconomia”. Esses primeiros passos serviram para esta-
belecer, não ainda a CI, mas uma Biblioteconomia melhor forta-
lecida, uma vez que foi neste contexto de mudanças da década de
1950 e 1960 que a categoria dos bibliotecários passou a organizar-se,
levando a profissão a ser reconhecida legalmente como de nível
superior, através da lei 4084 de 1962, e à criação do Conselho
Federal de Biblioteconomia, quatro anos mais tarde.
A partir de uma visão tecnológica da atuação profissional, o
papel dos primeiros bibliotecários do IBBD assumiu fundamental
importância para o estabelecimento do quadro das mudanças ocor-
ridas não apenas na profissão em si, mas em todo o movimento
informacional e social na área científica e tecnológica no Brasil, veri-
ficado nas décadas de 1950 a 1970.
É preciso ressaltar que a apresentação dos fatos aqui relatados
tem como pano de fundo um clima tenso de negociações entre os
bibliotecários brasileiros. Além do desafio de manter uma institu-
ição digna de credibilidade em nível nacional, em meio a um con-
texto de dificuldades e descontinuidades nas instituições públicas, os
pioneiros do IBBD enfrentavam também uma forte oposição por
parte dos profissionais da Biblioteconomia tradicional já instalada
no país. Este fato é relatado por vários historiadores da CI no Bra-
sil, como Pinheiro e Loureiro (1995, 2004, 2005) e Oddone (2004,
2006), que menciona um clima de desavença entre Lydia Sambaquy
e a bibliotecária Laura Garcia Moreno Russo, nome de peso na
Biblioteconomia nacional que foi a primeira presidente da Federa-

403
ção Brasileira de Associações de Bibliotecários e primeira presidente
do Conselho Federal de Biblioteconomia.
De acordo com Oddone (2004) Russo mesmo antes da regu-
lamentação da profissão já defendia uma posição considerada cor-
porativa e era frontalmente contra a admissão no curso de alunos
que não fossem bibliotecários. A autora ainda ressalta que, como
Lydia Sambaquy se manteve firme em suas convicções e princípios,
passou a existir um certo distanciamento entre a profissão tal como
praticada na Biblioteconomia tradicional e a profissão praticada no
IBBD, fato que também pode ser considerado como um dos moti-
vadores da chamada ‘ruptura’ que levou à criação da CI brasileira.
Zaher (apud SOUZA, 1995) também comenta as dificuldades e
resistências enfrentadas no Brasil, ao se tentar introduzir assuntos
aqui ainda desconhecidos e que por isso mesmo não eram aceitos
com muita facilidade.
Essas lutas pela autoridade científica no Brasil resultam de
uma crise instalada no fazer bibliotecário da época impulsionada
pela introdução da tecnologia e representam os esforços iniciais da
criação de um novo paradigma para a área, capaz de solucionar um
“problema extraordinário” no tratamento da informação que, apa-
rentemente, a Biblioteconomia não se mostrava capaz de resolver.
O resultado dessa concepção se traduz na criação da CI brasileira.
O grande marco da história da CI brasileira, no entanto, deu-se
por meio da criação do Mestrado em Ciência da Informação ofe-
recido pelo IBBD, em 1970. O curso de Mestrado foi concebido
como um desenvolvimento natural do CDC e teve papel prepon-
derante para a formação da CI, pois introduzia o conceito de infor-
mação científica no país e pressupunha novas técnicas e sistemas
que não eram tradicionalmente absorvidos pela Biblioteconomia da

404
época (ZAHER apud SOUZA, 1995). Este curso também deu iní-
cio à criação de outros em nível de doutorado e de graduação em
CI, contribuindo para um estabelecimento gradual da área, que se
afirmou em sentido inverso da tendência dominante – a formação
de cursos de pós graduação precedeu a de cursos de graduação.
Outra importante iniciativa do IBBD em direção ao paradig-
ma da CI destaca-se, ainda, a realização da 1ª Reunião Brasileira de
Ciência da Informação, no Rio de Janeiro, no período de 15 a 20
de junho de 1975. No entanto, um dos produtos mais significati-
vos do IBBD em atividade até os dias de hoje, foi a revista Ciência
da Informação. Lançada em 1972, o periódico tem como objetivo
principal publicar trabalhos relacionados com a CI ou “que apresen-
tem resultados de estudos e pesquisas sobre as atividades do setor
de informação em ciência e tecnologia” (IBICT, 2006). Os artigos
publicados revelam muito da história da CI no Brasil, expressando
o desenvolvimento dos estudos e pesquisas realizados no país e
divulgando suas atividades, conceitos e teorias.
A Ciência da Informação brasileira tem suas origens e seu de-
senvolvimento fortemente ligados à área acadêmica. É inegável a
influência da pós-graduação na divulgação da Ciência da Informa-
ção no Brasil, já que acabou por introduzir mudanças também nas
tradicionais escolas de graduação em Biblioteconomia e Documen-
tação. Com o intuito de modernizar as práticas dos profissionais de
informação formados pelas escolas brasileiras com forte orientação
para o modelo tecnicista, a grande maioria dos cursos passou (ou
ainda está passando) por processos de atualização curricular que
enfatizam o caráter interdisciplinar advindo das características
inerentes à CI.
As transformações aqui mencionadas estão longe de ocorrer

405
de maneira consensual no cenário brasileiro, motivando debates em
torno da delimitação do campo de atuação prática dos profissionais
formados pelos cursos da área de CI, especialmente entre biblio-
tecários (profissão regularmente reconhecida por lei), gestores da
informação (considerado por alguns não como uma profissão em
si, mas como uma das facetas do bibliotecário) e ultimamente, dos
próprios cientistas (ou analistas) da informação, uma vez que a CI
é considerada como a área mais ampla do conhecimento, onde es-
tariam enquadrados bibliotecários, arquivistas e museólogos, tradi-
cionalmente.
A CI ainda não conseguiu conquistar o território acadêmico da
graduação, permanecendo o domínio do bacharelado em Biblioteco-
nomia como a formação acadêmica principal na área e observando-
se um crescimento na oferta de cursos de Arquivologia. Algumas
iniciativas de abertura de cursos de graduação em CI acabaram por
fracassar em especial por conta de uma forte atuação das entidades
de classe da Biblioteconomia, estabelecida no Brasil enquanto pro-
fissão regulamentada, que dificulta a atuação de seus egressos no
mundo do trabalho, cuja reserva de mercado é garantida por lei.
Até o momento, a Biblioteconomia permanece nessa luta
usando como armas para manter seu status profissional não apenas
a legislação federal, mas também toda uma rede de profissionais
organizada em torno da manutenção de seu status enquanto
profissão legalizada e voltada para a proteção e a garantia de sua
atuação dentro do mercado altamente competitivo da sociedade
atual. São vários os exemplos de restrições impostas pelos CRBs que
resultam ora no fechamento de cursos, ora em adaptações destes ou
de seus egressos vendo-se obrigados a completar seus estudos em
cursos de bacharelado em Biblioteconomia.

406
Aparentemente, pelo menos no que tange ao ensino de gradu-
ação, a comunidade científica da CI não se mostrou capaz de reunir
aliados suficientemente fortes para impor-se diante de uma catego-
ria previamente estabelecida que, na verdade, vem incorporando
em seu ensino e sua prática profissional as prerrogativas desta nova
ciência em seus saberes e fazeres mais tradicionais. Por outro lado, a
CI acomoda-se mais confortavelmente enquanto pós graduação no
país. Verifica-se que, a partir da ruptura marcada pela introdução de
questões tecnológicas no tratamento da informação, a CI conquis-
tou adeptos dentro da comunidade de onde se originou, principal-
mente em cursos de pós-graduação.
A organização do campo científico da CI, fortemente voltado
às questões acadêmicas, levou à criação de instituições cuja atua-
ção gira em torno do desenvolvimento de cursos de graduação e
de programas de pós graduação no Brasil: a ANCIB - Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação
- promotora do principal evento em CI no Brasil, o Encontro Na-
cional de Pesquisa da ANCIB, ENANCIB e a ABECIN - Associa-
ção Brasileira de Educação em Ciência da Informação, que agrega
cursos de graduação de Biblioteconomia, Arquivologia e Ciência da
Informação.
Além dos cruzamentos já apontados em relação ao objeto e
a metodologias de estudo, CI e Biblioteconomia compartilham no
Brasil essas instituições que, apesar de dedicarem-se a acompanhar
o estabelecimento da CI no país, também acompanham e orientam
os movimentos das escolas de Biblioteconomia. Além disso, os con-
gressos anuais abarcam ambas as disciplinas e seus profissionais em
um único evento, contribuindo para que a indefinição entre os cam-
pos permaneça. Dessa forma, dificulta à comunidade científica da

407
CI a constituição de seu próprio habitus e, acaba, como nos dizeres
de Bourdieu, reproduzindo as mesmas relações que o engendraram.
Uma experiência recente da Universidade Federal de Santa Ca-
tarina, no entanto merece nota: no ano de 2016, após uma reformu-
lação de seus cursos de graduação, o Departamento de Ciência da
Informação inicia o Bacharelado em Ciência da Informação. Trata-
se da oferta de três cursos com núcleo comum (Biblioteconomia,
Arquivologia e CI) e, após cumprir a carga horária desse núcleo,
“o curso de Ciência da Informação se especializa mais na área tec-
nológica, de informação em nuvem e digital, ambientes onde a in-
formação é um bem não-tangível – como é no caso de Biblioteco-
nomia e Arquivologia”.1
Ressalta-se aqui novamente as semelhanças de objeto e metodo-
logias, a hibridez característica de uma mesma comunidade de alu-
nos e a ruptura motivada pela tecnologia. Essa iniciativa merece um
olhar e um acompanhamento atento de toda a comunidade envolvi-
da, pois pode significar a abertura de um novo marco na negociação
entre CI e Biblioteconomia visando o estabelecimento do campo da
CI no Brasil. Ou não.

1 http://ced.ufsc.br/2016/03/23/novo-curso-de-ciencia-da-informacao-inicia-
primeiro-semestre-letivo/

408
4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DE UMA HISTÓRIA
INACABADA

O cenário híbrido aqui discutido é fator de dificuldade no


estabelecimento da CI enquanto ciência no Brasil, em especial
porque ainda não alcançou sua autonomia em relação à Biblioteco-
nomia e, portanto, ainda não se caracteriza de forma refratária à
sua influência. Apesar de haver profundas semelhanças de habitus,
contudo, pode-se perceber que a conquista de espaços institucionais
pela CI, representada em especial na nomenclatura de Departamen-
tos, como ‘subtítulos’ de cursos de graduação em Biblioteconomia e
em entidades de classe, representa um acúmulo de capital científico
crescente no Brasil. Uma das ‘armas’ mais poderosas da CI para
maximizar o lucro científico é o ENANCIB, evento que qualifica
sua comunidade de pesquisadores com maior nível de exigência e
maior impacto na área da ciência no Brasil.
É bem verdade que não pode ainda ser identificado o recon-
hecimento social do cientista da informação enquanto autoridade
científica no país ou, usando as palavras de Bourdieu, não conse-
guiu ainda impor sua definição da ciência através da delimitação do
campo dos problemas, dos métodos e das teorias que podem ser
considerados científicos. Também é verdadeiro que os profissionais
da Biblioteconomia continuam sua luta em manter-se enquanto pro-
fissão regulamentada com um mercado de atuação definido por lei.
As relações de poder, portanto, são facilmente identificáveis nesse
processo, apesar da convivência.
O nascimento e o desenvolvimento de um campo científico
compreendem uma variada gama de negociações, rupturas, debates
e inúmeros outros fatores internos e externos que o transformam
numa verdadeira arena de luta. Nela se manifestam relações de

409
poder, cujo interesse principal é o domínio científico dos pares indi-
viduais e de outras ciências concorrentes em sua especialidade. Um
campo científico não é estático e nem unilateral.
São várias as personagens envolvidas e o movimento contínuo
neste processo geralmente não permite ao pesquisador tirar con-
clusões definitivas. E não poderia mesmo ser diferente, pois o a
formação e desenvolvimento de um campo científico corresponde
à dinâmica da própria sociedade, sendo igualmente composto por
um conjunto de atores diferenciados que disputam espaços comuns
numa relação jamais isenta de crises e carente de muitas negociações.
O retrato aqui apresentado mostra que comunidade dos pro-
fissionais da Biblioteconomia firmou as bases legais e institucionais
em torno de sua profissão já regulamentada e cerca- se dos cuidados
necessários para não perder seu status de profissional da informa-
ção. Esta tem sido uma importantíssima arma na luta política pelo
poder dentro do campo científico mais amplo, nos termos descritos
pelos conceitos de Bourdieu. Enquanto a CI brasileira trabalha para
definir sua teoria e sua prática, a Biblioteconomia utiliza as armas
que possui para garantir seu lugar disciplinar na hierarquia das ciên-
cias que lidam com a informação.
Ao mesmo tempo, cabe destacar o lado positivo dessa
indefinição de espaços na medida em que existe um compartilha-
mento e uma convivência que favorecem o desenvolvimento da CI e
da Biblioteconomia no Brasil em suas particularidades em comum.
Assim, continuamos parte desse processo em andamento.
No futuro, outros aspectos da CI talvez venham a lhe propor-
cionar maior sustentabilidade e afastá-la dos paradigmas nos quais a
Biblioteconomia fundamenta suas práticas. Se isto vier a acontecer,
possivelmente haverá profundas mudanças epistemológicas e práti-

410
cas na CI, mas, como já foi dito, esta é uma história que ainda não
acabou. Outras páginas serão escritas e novas revoluções poderão
mudar o curso do que já foi trilhado até aqui.

REFERÊNCIAS

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Bourdieu. São Paulo: Atica, 1983.

HOCHMAN, G. A ciência entre a comunidade e o mercado: leitu-


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RERO, V. (Org.). Filosofia, História e sociologia das ciências.
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IBICT. REUNIÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA DA INFOR-


MAÇÃO, 1., Rio de Janeiro, 1975 Anais.... IBICT: Rio de Janeiro,
1978. v.1.

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Perspectiva, 1990.

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as Kuhn. 2006. Disponível em: http://www.consciencia.org/
thomas-kuhn-ciencia . Acesso em: 03 maio 2017.

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1930-1970) 2004. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) –
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, IBICT,
Escola de Comunicação, UFRJ. Rio de Janeiro, 2004.

411
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histórica para a ciência da informação no Brasil. Ciência da Infor-
mação, Brasília, v. 35, n. 1, p. 45-56, jan./abr.2006.

ORTIZ, R. (org). Pierre Bourdieu. São Paulo: Atica, 1983.

PINHEIRO, L.V.R.; LOUREIRO, J.M. Traçados e limites da


ciência da informação. Ciência da Informação, Brasília, v.24, n.1,
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_____. Políticas públicas de C&T, ICT e de pós-graduação


e o surgimento da ciência da informação no Brasil. Rede de
Informação Tecnológica Latino Americana, 2004. Disponível em:
http://www.cinform-anteriores.ufba.br/v_anais/artigos/vaniajose.
html . Acesso em: 03 maio 2017.

_____. Processo evolutivo e tendências contemporâneas da ciência


da informação. Informação e Sociedade, v. 15, n. 1, 2005. Dis-
ponível em: http://www.uff.br/ppgci/editais/processo.pdf Aces-
so em: 03 maio 2017.

SOUZA, R. F. de. Entrevista: Célia Ribeiro Zaher. Ciência da


Informação, Brasília, v. 24, n.1, p. 13-20, jan./abr.1995.

412
DOMINAÇÃO SIMBÓLICA E REIFICAÇÃO:
contribuições de Pierre Bourdieu,
Karl Marx e György Lukács para os estudos sobre
ética e competência crítica em informação

MARCO SCHNEIDER e
ARTHUR COELHO BEZERRA

1 INTRODUÇÃO

No âmbito da comunicação científica brasileira em Ciência


da Informação (doravante CI), as inúmeras citações da obra de
Pierre Bourdieu revela uma grande influência do sociólogo francês
em pesquisas da área (SCHNEIDER; VIEIRA, 2014)1 , enquanto
autores que dialogam com a obra de Karl Marx, como Lukács e
o próprio Marx, têm sido pouco explorados entre nós (SCHNEI-
DER, 2015b)2 .Não obstante, acreditamos que a noção bourdieusi-
ana de dominação simbólica3 pode ser produtivamente articulada

1
O artigo citado traz um levantamento dos autores mais referenciados em dois grupos de
trabalho (o GT1, “Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação”, e o
GT5, “Política e Economia da Informação”) nos anais de todas as edições do Encontro
Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (Enancib) até 2013. Embora certamente
não dê conta da totalidade da produção brasileira em CI, as várias referências a Bourdieu
no principal evento nacional da área representam um forte indicativo da presença do
autor entre nós.
2
De modo similar ao caso anterior, o citadoartigo envolve levantamento da baixa pre-
sença dos autores elencados em anais do Enancib (GT 1, 2 e 5), até 2014, e em impor-
tantes periódicos da CI nacionais, até 2015.
3
“Dominação simbólica”, “violência simbólica” e “poder simbólico” são expressões que
aparecem em diversas obras de Bourdieu. Aqui, basta-nos a definição proposta pelo autor
em uma de suas últimas obras, na qual afirma concentrar-se no Estado “o que denomino
de violência simbólica ou dominação simbólica, ou seja, formas de coerção que se ba-
seiam em acordos não conscientes entre as estruturas objetivas e as estruturas mentais”
(Bourdieu, 2012, p. 239).

413
às ideias de alienação, ideologia, fetichismo e reificação, de extração
marxiana, a última delas desenvolvida por Lukács (2003). Por essa
razão, nas próximas páginas, argumentamos que tal arcabouço teóri-
co pode trazer preciosas contribuições aos estudos em informação,
especialmente aos problemas éticos subjacentes ao que pesquisa-
dores do campo da CI entendem por competência em informação.
Para dar conta de tal empreitada, apresentamos, primeiramente,
uma breve introdução ao programa de estudos sobre ética em infor-
mação, de Rafael Capurro4. Na mesma seção, após uma exposição
geral da noção de competência em informação, problematizamos o
elemento ético-informacional implícito nos estudos desse conceito.
Em seguida, concentramo-nos na relação entre a ideia de domina-
ção simbólica e as de alienação, fetichismo, ideologia e reificação.
Por fim, ponderamos de que modo as considerações preceden-
tes podem desvelar sendas promissoras de investigação sobre
problemas contemporâneos de ética e competência em informação,
sobretudo no sentido de desenvolver o que vem sendo chamado de
competência crítica em informação (BEZERRA, 2015; BEZERRA,
SCHNEIDER & BRISOLA, 2017).

2 ÉTICA E COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO

O filósofo Rafael Capurro é um dos mais conhecidos estudio-


sos da ética em informação. Além de ser autor de uma produção
teórica muito influente na CI sobre o tema, Capurro é também um
incansável divulgador e incentivador de tais estudos, seja por meio

4
Os estudos de ética em informação não se restringem à obra de Rafael Capurro. Porém,
dados os objetivos e os limites deste texto, trataremos apenas dela, ou melhor, de seu
programa geral.

414
1) de seu site pessoal, que disponibiliza em regime de acesso
livre, em diversos idiomas, parte significativa dessa produção5;
2) do periódico International Review of Information Ethics (IRIE)6,
fundado por ele;
3) do portal International Center for Information Ethics (ICIE)7,
também criado por Capurro;
4) das redes internacionais de pesquisadores, formadas a par-
tir das iniciativas capurrianas anteriores, que publicam artigos
científicos e organizam eventos acadêmicos.
Iremos neste momento nos deter em algumas orientações
gerais para a pesquisa sobre ética em informação, extraídas do portal
do ICIE, que apresenta, logo na primeira página do site, quatro links:
News, The Field, Institutions, Teaching.
Em “The Field”, somos apresentados ao campo, desde
definições preliminares a indicações de leituras mais aprofundadas,
o que envolve artigos acadêmicos e documentos da Unesco, entre
outros.Temos, então,o entendimento da ética em informação como
“uma teoria descritiva e emancipatória”. Enquanto teoria descritiva,
“explora as estruturas de poder que influenciam atitudes e tradições
informacionais em diferentes culturas e épocas”; como teoria eman-
cipatória, “desenvolve críticas a atitudes e tradições morais no cam-
po da informação, em nível individual e coletivo. Isso inclui aspectos
normativos”.

5V
er http://www.capurro.de/home-eng.html Acesso em 20 de abril de 2017.
6
Ver http://www.i-r-i-e.net/ Acesso em 20 de abril de 2017.
7
Ver http://icie.zkm.de/ Acesso em 20 de abril de 2017.

415
O texto nos informa também que a ética em informação inves-
tiga “a criação de novas estruturas de poder no campo informacio-
nal; mitos da informação; contradições e intencionalidades ocultas
em teorias e práticas informacionais”.
Na parte destinada a “especialistas em informação”, são
indicados os objetivos educacionais do campo. O especialista em
informação, segundo o texto, deve:
[...] estar apto a reconhecer e articular conflitos éticos no cam-
po da informação; implementar o senso de responsabilidade
no que diz respeito às consequências das interações individuais
e coletivas no campo da informação; reforçar a qualificação
para o diálogo intercultural na base do reconhecimento de
diferentes tipos de culturas e valores em informação; prover
conhecimentos básicos sobre teorias e conceitos éticos e sobre
sua relevância no trabalho cotidiano com informação.

Essas definições e orientações preliminares sugerem a possi-


bilidade de desenvolvimento de diálogos profícuos com os estudos
mais específicos em torno do conceito de “competência em infor-
mação” (information literacy, conforme os primeiros escritos norte-
americanos publicados sobre o tema, nos anos 1970).
Desde o início do presente século, pesquisadores brasileiros
do campo da CI vêm consolidando um quadro teórico em torno
do conceito de competência em informação (ou qualquer uma das
muitas traduções do termo, como letramento ou alfabetização in-
formacional). Como referência basilar a esse conjunto de estudos,
podemos nos ater ao amplamente citado relatório final da Ameri-
can Library Association (ALA), de 1989, assinado pelo Presidential
Committee on Information Literacy:
Competência em informação é uma habilidade de sobrevivên-
cia na Era da Informação. Em vez de se afogar na abundância
de informação que inunda suas vidas, pessoas competentes em
informação sabem como encontrar, avaliar e utilizar as infor-
mações de forma eficaz para resolver um determinado prob-
lema ou tomar uma decisão – não importa se a informação

416
selecionada venha de um computador, um livro, uma agência
governamental, um filme, ou qualquer outra fonte possível
(ALA, 1989. Tradução nossa). 8

O exercício do olhar crítico no trato com a informação é uma


das características primordiais que sustentam o conceito de com-
petência em informação. Documentos da International Federation
of Library Associations and Institutions (IFLA), como a Declaração
de Alexandria sobre competência informacional e aprendizado ao longo da vida,
de 2005, destacam, além do caráter ativo da busca e a eficiência do
acesso, o componente crítico da avaliação e a postura ética na uti-
lização da informação. Na declaração de Alexandria, a competência
em informação é descrita como algo que “vai além das tecnologias
atuais para abranger o aprendizado, o pensamento crítico e as habi-
lidades interpretativas” (apud BEZERRA, 2015, p. 5).
Nos últimos dez anos, o emprego da expressão critical informa-
tion literacy no título de artigos de pesquisadores norte-americanos,
como John J. Doherty (2005) e James Elmborg (2006), bem como
o uso das expressões “competência crítica informacional” (VITO-
RINO & PIANTOLA, 2009) e “competência crítica em informa-
ção” (BEZERRA, 2015; BEZERRA, SCHNEIDER & BRISOLA,
2017) em trabalhos publicados no Brasil, sugerem que há, nos au-
tores mencionados, uma preocupação em destacar a importância
da “reflexão crítica sobre a natureza da informação em si, sua in-
fraestrutura técnica, e o seu contexto e impacto social, cultural e
mesmo filosófico” (VITORINO & PIANTOLA, 2009, p. 138).
Conforme afirmam os autores:

8
http://www.ala.org/acrl/standards/informationliteracycompetency Acesso em
20 de abril de 2017.

417
Ao considerar os condicionantes políticos e econômicos que
atuam no regime global de informação vigente, o pensamento
crítico, dotado de inspiração sociológica, permite destacar os
diferentes papéis dos agentes na estrutura social, as assimetrias
na acumulação de capital cultural e as desigualdades presen-
tes no acesso a informação (BEZERRA, SCHNEIDER &
BRISOLA, 2017).

Feitas essas considerações, passamos à exposição de quatro


conceitos oriundos da tradição marxiana – a saber, alienação, ideologia,
fetichismo e reificação, este último desenvolvido por Lukács –, articu-
lando-os à noção de dominação simbólica, de Bourdieu, para então
explorarmos a hipótese de que, reunidos, tais conceitos trazem con-
tribuições relevantes para os estudos da ética em informação, com
destaque para o problema da formação das competências críticas
em informação.

3 ALIENAÇÃO, FETICHISMO, IDEOLOGIA, REIFICA-


ÇÃO E DOMINAÇÃO SIMBÓLICA

Já nas primeiras páginas de O marxismo encontra Bourdieu, o


sociólogo britânico Michael Burawoy argumenta que a questão prin-
cipal de Bourdieu, em meio a sua volumosa produção, é o problema
da dominação simbólica: “se existe alguma questão que perpasse
toda a sua obra, esta é o tema do desmascaramento da dominação,
sobretudo a análise da dominação simbólica – a dominação que não
é reconhecida como tal” (BURAWOY, 2010, p. 26).
Advogamos aqui que, com este conceito e sua operacionaliza-
ção, Bourdieu enriqueceu e atualizou o debate em torno dos temas
da alienação, da ideologia, do fetichismo e da reificação, conceitos
de extração marxiana aos quais o próprio Bourdieu pouco se remete
diretamente. Independentemente, a noção de dominação simbólica,
enquanto processo social de inculcação de valores, esquemas de

418
classificação, disposições e sedimentações de habitus não consci-
entemente percebidos pelos grupos dominados, desvela, em seus
próprios termos, aspectos centrais do mesmo fenômeno social ao
qual se referem as outras quatro noções.
Na filosofia alemã do século XIX, mormente nas obras de
Hegel (2013) e Marx (2004), o termo alienação indica que algo próprio
se torna alheio; significa objetivação (conversão de algo subjetivo
em objetivo), objetificação (conversão do sujeito em objeto), desa-
propriação ou estranhamento8. Em Hegel, o processo possui in-
flexões não necessariamente danosas, como momento também ne-
cessário do movimento de (re)conciliação entre sujeito e objeto, isto
é, do movimento mediante o qual o sujeito, em sua interação com
o mundo, com o(s) outro(s) sujeitos e objetos que o cercam, afasta-
se provisoriamente de si, abre-se à alteridade, objetiva-se, somente
para melhor (re)encontrar-se e assim efetivar-se em sua (re)concilia-
ção racional com o mundo. Diferentemente, Marx, quando fala em
alienação, atém-se ao momento negativo do processo, ao momento
da objetivação objetificadora, da desapropriação que objetifica o su-
jeito e o confronta, que lhe toma de assalto suas forças materiais e
intelectuais, convertendo-as em algo estranho e opressor, seja na
forma de coisas, regimes de propriedade ou ideias.10
Marx destaca a alienação do trabalho sob o regime capitalista
como sendo a expressão mais grave da perda de controle, prático e
teórico / reflexivo, do trabalhador sobre sua própria vida: expropri-
ação dos meios de trabalho (ferramentas, instalações, máquinas); do
objeto do trabalho (a matéria prima, a terra, seus frutos); do produto
do trabalho; do controle e do sentido do trabalho; do entendimento
da apropriação dos elementos anteriores e do trabalho excedente
(fonte da mais-valia) pelo novo proprietário / apropriador / alien-

419
ador dos meios de produção, camuflada sob a noção idealizada e le-
galmente reconhecida do contrato supostamente justo estabelecido
entre homens aparentemente livres e formalmente iguais perante
a lei, no regime efetivamente explorador de trabalho assalariado
“livre”.
No capítulo final do primeiro livro de “O Capital”, que trata da
“acumulação primitiva”, Marx (2003) demonstra como os regimes
de propriedade então vigentes eram (e ainda são) tão somente a
conversão de violência, rapina e dissimulação em lei. No que diz
respeito a este estudo, embora Marx tenha dedicado menos atenção
à alienação do trabalho intelectual (científico, artístico, informacio-
nal, se quisermos) do que à do trabalho braçal – e ainda que tenha
revelado com afinco o quanto o desenvolvimento tecnológico foi
e é uma forma de apropriação dos saberes técnicos dos artesãos e
trabalhadores em geral pelos capitalistas, mediante o processo que
denominou como subsunção real do trabalho ao capital –, deixou
algumas indicações importantes a esse respeito, que vêm sendo
exploradas desde os escritos pioneiros da Escola de Frankfurt até
autores ligados aos Estudos Culturais e à Economia Política da
Informação, da Comunicação e da Cultura (WILLIAMS, 2016;
BOLAÑO, 2000; SCHNEIDER, 2015a).
A noção de ideologia, em Marx, a despeito dos desdobramen-
tos que sofreu tanto na própria obra de Marx e Engels quanto na de
seus seguidores, antagonistas e outros, diz essencialmente respeito
ao conjunto das ideias dominantes de uma época (SCHNEIDER,
2015a), que seriam produzidas e socializadas pelas classes domi-
nantes, que dispõem da propriedade (ou controle político), direta
ou indireta, dos meio de produção e reprodução de ideias, com o
objetivo de legitimar a dominação de classe, seja no campo religioso,

420
filosófico, jurídico ou “científico”, como no caso dos discursos ori-
undos da Economia Política clássica ou mesmo da Economia con-
temporânea, que tendem a naturalizar a dominação de classe, com
base numa concepção abstrata e essencialista da “natureza huma-
na” – que seria inerentemente competitiva e orientada por opções
racionais utilitárias, feitas por indivíduos agora e sempre dotados
de “livre arbítrio”, a despeito dos brutais constrangimentos sociais
e cognitivos atuantes ao longo da história –, com seu corolário de
“leis” econômicas supra históricas.
Fetichismo é o termo que Marx (2003) emprega, com certa iro-
nia, na primeira parte de “O Capital”, para aludir, no contexto de
uma formulação mais refinada em termos sócio históricos – isto
é, menos abstratos, mais calcados na empiria sem, contudo, perder
sua conexão orgânica com a concepção filosófica anterior –, aos
processos de alienação perpetrados pelo modo de produção capi-
talista, com ênfase no desvelamento do lucro como derivado prin-
cipalmente da extração de trabalho excedente, que produz a mais-
valia (ou mais-valor, conforme traduções recentes), que ocorre sob
a aparência das relações “livres” de mercado, as quais ocultam a
conversão dos sujeitos em objetos de um processo maquínico cuja
meta inflexível é a reprodução ampliada do capital. Nessa ambiência,
contratos e trocas são feitos por sujeitos formalmente livres e iguais
perante a lei, a despeito das gritantes desigualdades de propriedade
efetivas que constrangem de modo tendencialmente antagônico os
participantes dos contratos e das trocas, especialmente aquelas entre
proprietários e não proprietários dos meios de produção, ou entre
salário e força de trabalho, antagonismos estes que fazem do sujeito
trabalhador, por um lado, objeto do processo de reprodução
ampliada do capital, e do sujeito proprietário, por outro, também
objeto do “sujeito automático” e entrópico que comanda o pro-

421
cesso, o capital (embora uns e outros sofram os efeitos dessa lógica
de modo muito diferente). O detalhe aqui é que mesmo o capitalista,
na condição de “encarnação do capital”, se encontra alienado de si,
refém do mesmo processo maquínico de reprodução ampliada do
capital, reduzido à condição de sujeito decisivamente determinado
de fora, embora certamente numa posição bem mais confortável do
que a do trabalhador assalariado ou dos desempregados.
A tríade conceitual marxiana alienação, ideologia e fetichismo en-
contra um ponto de convergência no conceito de reificação, desen-
volvido por Lukács (2003) em “História e Consciência de Classe”.
Reificação (ou coisificação) designa a naturalização da dominação
de classe, mediante a ação conjunta de formas de exploração (mais
ou menos brutais) do trabalho e dos correspondentes discursos le-
gitimadores (mais ou menos sutis) que atualizam a velha prática da
transformação das pessoas em coisas, de sujeitos em objetos, sob o
capitalismo.
A reificação possui um elemento objetivo e um elemento sub-
jetivo interligados, em nível consciente e inconsciente: o elemento
objetivo inconsciente é a sujeição efetiva de uma classe a outra, e a
de todos os sujeitos em objetos de um processo sócio histórico cujo
controle lhes escapa (embora em graus diferenciados), enquanto o
elemento subjetivo inconsciente é a pura e simples ignorância geral
do próprio processo. Sujeição (ou dominação) e ignorância se des-
dobram, subjetiva e objetivamente, consciente e inconscientemente,
em discursos naturalizadores de legitimação ideológica, bem como
em instituições e em práticas que perpetuam ao mesmo tempo em
que camuflam o processo global.
Reificação é um conceito e um processo social. O conceito ex-
pressa, desvela e denuncia o próprio processo de cruzamento desses

422
fatores objetivos e subjetivos, conscientes e inconscientes, da domi-
nação de classe, processo este que estrutura aquilo que Bourdieu,
em outros termos e com enfoques variados, enfatizando o elemento
inconsciente atuante, posteriormente definiria como habitus, a saber,
objetivação e subjetivação do processo global acima descrito em
termos de “sistemas simbólicos” incorporados psiquicamente, que
agregam disposições volitivas, afetos, gostos, esquemas irrefletidos
e socialmente condicionados de classificação e atribuição de valor a
toda sorte de coisas.
É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de co-
municação e de conhecimento que os “sistemas simbólicos”
cumprem a sua função política de instrumentos de imposição
ou de legitimação da dominação, que contribuem para as-
segurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência
simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações
de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo
a expressão de Weber, para a domesticação dos dominados
(BOURDIEU, 1989, p. 11).

Se isso estiver correto, ainda que Bourdieu não tenha formu-


lado a questão empregando as categorias marxianas aqui trabalha-
das, sua concepção da dominação simbólica em muito se aproxima
delas.11
Reificação, em suma, é a naturalização de relações sociais calca-
das na objetificação das pessoas enquanto reprodutoras de práticas
e relações de poder opressoras, cujo controle e compreensão lhes
escapa, seja no âmbito dos discursos ou no conjunto maior das práti-
cas extra discursivas, caso queiramos empregar uma terminologia
mais em voga. Na tradição marxiana, essas relações de dominação
são, em última instância, econômicas, de classe, o que não elimina

11
“O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser ex-
ercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos
ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 2004, p. 7-8).

423
certamente o importante papel desempenhado pela subjetividade
em meio a elas, a não ser nas derivações vulgares do marxismo.

4 CONTRIBUIÇÕES BOURDIEUSIANAS PARA OS ES-


TUDOS MARXIANOS (E VICE-VERSA)

Acreditamos que a obra de Bourdieu contribui para o preenchi-


mento de lacunas metodológicas no esquema geral da crítica marxi-
ana à dominação de classe12 , sem, contudo, suplantá-la ou mesmo
afetá-la em seus elementos fundamentais. É necessário esclarecer
que o que chamamos aqui de lacunas metodológicas refere-se es-
tritamente a uma ausência de metodologias e estudos empíricos
mais sistemáticos sobre as complexas mediações atuantes nos pro-
cessos de alienação, reprodução ideológica, fetichismo e reificação
nas obras de Marx, Engels e Lukács que aqui discutimos, sobre-
tudo no que tange à relação dialética entre dominação econômica /
dominação simbólica. Ora, essas lacunas justificam-se plenamente,
por duas razões óbvias: Marx, Engels e Lukács não produziram a
parte de sua obra de que tratamos13 gozando da segurança, dos
recursos e da estabilidade que a academia francesa do pós-segunda

12
Parte dos Estudos Culturais, com destaque para as obras de Raymond Wil-
liams e E.P. Thompson, de inspiração assumidamente marxiana, contribuíram
para o preenchimento dessas lacunas (assim como outros autores e campos de
pesquisa de mesma inspiração).
13
Referimo-nos especificamente ao jovem Lukács, autor de História e Con-
sciência de Classe, obra na qual foi desenvolvido o conceito de reificação
(posteriormente retomado por Adorno no âmbito da Escola de Frankfurt). A
obra madura de Lukács, mais sistemática e desenvolvida na relativa estabilidade
e segurança da academia húngara, não é problematizada aqui. Cabe acrescentar
que dizemos “relativa estabilidade e segurança” pois mais de uma vez Lukács foi
afastado de suas atividades acadêmicas por suas posições divergentes da orto-
doxia de inspiração estalinista, tendo sido inclusive preso. Gramsci, autor muito
influente nos Estudos Culturais, por sua vez, produziu a parte mais significativa
de sua obra na prisão fascista.

424
guerra propiciou por cerca de quatro décadas a Bourdieu. Se isso
em nada diminui os méritos científicos do último, em parte explica
o fato dos demais não terem desenvolvido metodologias aplicadas e
estudos empíricos mais sistemáticos, tendo escrito fora da academia,
com frequência na clandestinidade e em situações bastante adversas
(como no caso de Marx). A segunda razão é que nenhum dos três
primeiros – que possuíam, como Bourdieu, sólida formação filosó-
fica – pôde dispor do cabedal teórico-metodológico desenvolvido
ao longo do espaço de tempo que os separa pelas diversas escolas
(em grande parte influenciadas por Marx) de historiadores, sociólo-
gos, antropólogos, linguistas, psicólogos, psicanalistas, filósofos etc.
às quais Bourdieu teve acesso.14
Feitos esses esclarecimentos, iremos agora indicar o que acr-
editamos ser o elemento essencial das lacunas apontadas, com base
em uma carta de Engels a Mehring, de alto valor sócio epistemológi-
co dada a imensa importância e influência, teórica e política, da obra
de Marx e Engels, e considerando tanto as condições externas quan-
to internas da produção de conhecimento aí desveladas.
Na carta, de 14 de julho de 1893 (inFERNANDES, 1989, p.
465-466), Engels afirma:
[...] colocamos [o próprio Engels e, naturalmente, Marx] ini-
cialmente – e tínhamos de fazê-lo – a ênfase principal, antes
de mais nada, em derivar dos fatos econômicos básicos as con-
cepções políticas, jurídicas e demais concepções ideológicas,
bem como os atos mediados através delas. Com isso negligen-
ciamos o lado formal em função do conteúdo: o modo e a
maneira como essas concepções etc. surgem.

14
Marx e Engels escreveram entre as décadas de 1840 e 1880 (Marx) e 1890
(Engels); a obra de Lukács da qual tratamos aqui foi escrita e publicada no início
da década de 1920 (o fato de Lukács ter frequentado o círculo de Max Weber
na juventude não altera substancialmente nosso argumento). Já os escritos de
Bourdieu vão da década de 1950 até o fim do século XX.

425
Na sequência da mesma carta, Engels desfaz um mal-enten-
dido recorrente, ao mesmo tempo em que explicita e defende um
elemento central da concepção que ele e Marx desenvolveram para
o estudo histórico das sociedades:
[…] existe uma estúpida concepção dos ideólogos: já que ne-
gamos um desenvolvimento histórico independente às diver-
sas esferas ideológicas que desempenham um papel na história,
negaríamos também qualquer eficácia histórica delas. Aqui está
subjacente a concepção vulgar, não-dialética, de causa e efeito
como polos opostos de modo rígido, com o esquecimento ab-
soluto da interação. Esses Senhores esquecem com frequência
e quase deliberadamente que um elemento histórico, uma vez
posto no mundo através de outras causas, econômicas no final
das contas, agora também reage sobre a sua circunstância e
pode retroagir até mesmo sobre as suas próprias causas.

Desfeito o mal-entendido, e aqui chegamos no ponto a partir


do qual podemos retomar a exploração de nossa primeira hipótese
de trabalho, pensamos que Bourdieu contribuiu para preencher essa
lacuna, principalmente no sentido de desvelar, em detalhe, “o modo
e a maneira como essas concepções surgem”, isto é, a gênese social
das opiniões, do senso comum, dos esquemas classificatórios etc.,
bem como de explorar mais detidamente o elemento inconsciente
que lhes é subjacente: a dominação e a violência simbólica que os
atravessa sem se mostrar como tal, causa primeira de sua eficácia.
Bourdieu o fez com fundamentação teórica densa e grande varie-
dadede material empírico, em seus estudos sobre a educação formal,
os campos artístico e científico, a gênese social dos gostos e tantos
outros temas que explorou.
Por outro lado, se estivermos corretos, dizer que a dominação
simbólica é em grande medida dominação de classe é o mesmo que
dizer que a dominação simbólica é, do mesmo modo, dominação
econômica camuflada ou parte da própria camuflagem da domina-
ção econômica. Nos termos de Bourdieu:

426
As estruturas cognitivas utilizadas pelos agentes sociais para
conhecer praticamente o mundo social são estruturas sociais
incorporadas. O conhecimento prático do mundo social que
supõe a conduta ‘razoável’ nesse mundo serve-se de esquemas
classificatórios – ou, se preferirmos, ‘formas de classificação’,
‘estruturas mentais’, ‘formas simbólicas’, ou seja, outras tantas
expressões que, se forem ignoradas as respectivas conotações,
são praticamente intermutáveis –, esquemas históricos de per-
cepção e apreciação que são o produto objetivo da divisão ob-
jetiva em classes (faixas etárias, classes sexuais, classes sociais) e
que funciona aquém da consciência e do discurso. Por serem o
produto da incorporação das estruturas fundamentais de uma
sociedade, esses princípios de divisão são comuns ao conjunto
dos agentes dessa sociedade e tornam possível a produção de
um mundo comum e sensato, de um mundo do senso comum
(BOURDIEU, 2006, p. 435-6).

Em outras palavras, embora no trecho acima citado Bourdieu


elenque as classes sociais em meio a um conjunto mais amplo
(faixas etárias, classes sexuais), sem atribuir nem mesmo relativa pre-
dominância ao fator econômico nas relações sociais de dominação,
em vários outros momentos de sua obra ele mostra-se mais sensível
a essa predominância estrutural da economia em meio aos diversos
fatores atuantes no condicionamento e na determinação das dis-
posições e práticas dos agentes. O fato de não o fazer com mais
frequência é ao menos parcialmente esclarecido em uma entrevista
a Terry Eagleton – que consideramos reveladora para a defesa de
nosso argumento –, na qual Bourdieu afirma que talvez tenha mini-
mizado a questão econômica no intuito de “pesar a mão” contra
o economicismo, que era então muito influente na academia fran-
cesa.15 Ou seja: embora a ênfase de Bourdieu dirija-se em geral à
15
“EAGLETON - […] Sua concentração na cultura desvia a ênfase dos determinantes econômicos que
impedem as pessoas de se emanciparem. Você reage ao economicismo alçando as imagens econômicas
para a esfera cultural, em vez de registrar o peso do material e do econômico na cultura.

BOURDIEU - Talvez você tenha razão. Tendo a forçar demais a mão, como dizia Mao Ze-dong, na
tentativa de corrigir a tendenciosidade anterior. Nesse campo, a visão crítica dominante corre o risco de
pender para o economicismo. Quanto a mim, tendo a insistir nos outros aspectos, mas talvez esteja errado.
Mesmo que, em minha cabeça, eu tenha um equilíbrio melhor, tendo a insistir, na exposição de minhas
ideias, no aspecto menos provável e menos visível – de modo que talvez você tenha razão” (BOURDIEU;
EAGLETON, 1999, p. 276-7).

427
dominação simbólica, ele seguramente não ignora sua relação com
a dominação econômica. Por isso, quando argumenta que as “estru-
turas cognitivas utilizadas pelos agentes sociais para conhecer prati-
camente o mundo social são estruturas sociais incorporadas” ou “o
produto da incorporação das estruturas fundamentais de uma socie-
dade”, podemos perguntar: quais são as estruturas fundamentais da
sociedade capitalista? Não consistem em estruturas autoritárias de
divisão desigual da propriedade dos meios de produção e circulação,
no regime autoritário do trabalho assalariado “livre” e em relações
de poder altamente hierarquizadas, cujo caráter autoritário é camu-
flado pela (limitada) liberdade de ação política, econômica, discur-
siva na prática cotidiana, proporcionada aos agentes sob o regime
da democracia representativa do Estado liberal ou democrático de
Direito?16
A entrevista de Bourdieu a Eagleton atesta como, diante da
forte presença de certo marxismo na academia francesa nos anos
1960 e 1970, o primeiro teria optado deliberadamente pela ênfase
nos aspectos “simbólicos” da dominação, como crítica a certas de-
rivações economicistas do marxismo, assim como Marx e Engels
tiveram que enfatizar os aspectos econômicos da dominação em
oposição ao idealismo que predominava entre seus opositores. Não
obstante, Bourdieu estava ciente de que “[...] é preciso superar a
alternativa comum entre o economicismo e o culturalismo.” (2008,
p. 24).17
16
Isso para não mencionar, ao longo do século XX, a plêiade de regimes capitalistas ditatoriais e os
regimes não assumidamente capitalistas, mas igualmente determinados pela estruturação capitalista he-
gemônica da economia global: as experiências fascistas, o socialismo de inspiração soviética, as teocracias
etc.
17
A despeito da ênfase, sobretudo tática, diversas passagens da obra de Bourdieu nos auxiliam a entender
melhor a relação entre a dominação simbólica e a dominação econômica, de classe, e a enxergar a presença
de ambas onde esta presença nem sempre é evidente. Na Distinção, Bourdieu a revela nos próprios gostos:
“Se tudo leva a crer na existência de uma relação direta entre rendimento e consumo, é porque o gosto é
sempre o produto de condições econômicas idênticas àquelas nas quais ele atua”. (BOURDIEU, 2000, p.

428
Nesse sentido, acreditamos que uma ênfase atualizada nos
aspectos econômicos subjacentes à dominação simbólica, tratados a
partir da perspectiva marxiana não economicista que apresentamos
aqui, pode reequilibrar a análise global e a crítica à dominação de
classe que solapa a emergência de competências críticas em infor-
mação sob o regime de informação hegemônico na atualidade, no
sentido de não a reduzir à sua dimensão simbólica, sem, contudo,
ignorarmos o papel decisivo desta.
Arriscamos que a noção de dominação simbólica, de Bourdieu,
é um desenvolvimento rico, mas parcial, de certos elementos da
teoria do fetichismo, de Marx, que carrega em si as noções de alien-
ação e ideologia, e antecipa a ideia de reificação, de Lukács. Segundo
Isaak Illich Rubin (1980), a noção de fetichismo é o próprio coração
da crítica da economia política de Marx. Em que nos baseamos para
acreditar nisso? No fato de que a teoria do fetichismo consiste num
esforço de desvelamento descritivo, analítico e combativo do caráter
sócio histórico de um processo que engloba aquilo que, no século
seguinte, Bourdieu viria a chamar de dominação simbólica, com
todo o seu corolário de violência simbólica (e de outros tipos); na
desnaturalização, na crítica e no apelo ao combate efetivo e à supera-
ção da subordinação da maioria das pessoas – seu corpo, seu tempo,
sua consciência, sua inconsciência, seus gostos – a um punhado de
outras, numa lógica social camuflada, disfuncional, tendencialmente
entrópica e aparentemente implacável, cujo controle escapa a todos,
mesmo ao punhado dominante. Essa lógica social atende pelo nome
de capitalismo, quando não se disfarça com os apelidos “sociedade
de mercado”, “democracia liberal” e outros eufemismos. É uma
lógica social lastreada na conversão da força de trabalho em mer-
cadoria, a mais recente forma histórica da alienação, que se efetiva
mediante a desapropriação do indivíduo dos meios e do produto

429
de seu trabalho, e, ao mesmo tempo, da determinação da escolha e
dos objetivos desse trabalho, bem como da própria consciência da
alienação, que se exterioriza em ideologia.
Bourdieu, porém, recusa o uso que “alguns autores marxistas”
fizeram do termo “ideologia” de forma insuficiente e superficial.
Segundo ele, o problema com a noção de ideologia, enquanto falsa
consciência da dominação, não estaria tanto no predicado “falsa”,
mas na preocupação com a “consciência”, já que a dominação sim-
bólica operaria sobretudo inconscientemente:
Na ideia de falsa consciência, evocada por alguns autores
marxistas para explicar o efeito da dominação simbólica, é a
palavra “consciência” que é excessiva; assim como falar em
“ideologia” equivale a colocar na ordem das representações –
capazes de serem transformadas pela conversão intelectual que
nós chamamos de “tomada de consciência” – aquilo que está
situado antes na ordem das crenças, quer dizer, no nível mais
profundo das disposições incorporadas. (BOURDIEU apud
BURAWOY, 2010, p. 66)

Não sabemos a que “autores marxistas” Bourdieu está se


referindo na passagem citada. Mas será que as noções de alie-
nação e fetichismo na obra de Marxjá não apontam para o caráter
inconsciente da dominação, mesmo tendo sido formuladas antes de
Freud ter consagrado a noção de inconsciente como um conceito
psicológico e sociológico fundamental?
Bem antes de Bourdieu, Marx já havia apresentado, em outros
termos, a ideia de que a eficácia da dominação simbólica se dá me-
nos na ordem das representações conscientes do que naquela das
crenças. Em seus escritos de juventude, anos antes da alusão à região
“nebulosa das crenças” em sua crítica ao fetichismo da mercadoria
(2003), Marx formulou diversos raciocínios que rigorosamente o
afastam, e muito, do alvo dessa crítica de Bourdieu a “certos autores
marxistas”, que se aplicaria melhor ao projeto iluminista como um

430
todo, mas certamente não à obra do próprio Marx.
Dentre esses raciocínios, destacamos um texto que contém
uma sentença tão célebre quanto descontextualizada de Marx: “a
religião é o ópio do povo”. Por seu valor explicativo, e pelo caráter
equívoco da célebre descontextualização, permitimo-nos então re-
produzir agora uma citação direta relativamente longa, em sua quase
totalidade, subvertendo o bom gosto vigente em textos acadêmicos
atuais, por duas razões que julgamos plenamente justificáveis: o
esclarecimento do sentido completo do raciocínio e o compartilha-
mento da beleza poética do texto para um público que não parece
conhecê-lo, já que não possui o hábito de referenciá-lo:
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da mi-
séria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro
da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a
alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo.
A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é
a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem
as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem
uma condição que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, o
germe da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola.
A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para
que o homem os suporte sem fantasia ou consolo, mas para
que lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da re-
ligião liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atue e
configure sua realidade como homem que perdeu as ilusões
e reconquistou a razão, a fim de que ele gire em torno de si
mesmo e, assim, do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o
sol ilusório que gira em torno do homem enquanto ele não
circula ao redor de si mesmo.
Consequentemente, a tarefa da história, depois que o outro mundo
da verdade se desvaneceu, é estabelecer a verdade deste mundo.
A tarefa imediata da filosofia, que está a serviço da história, é
desmascarar a auto-alienação humana nas suas formas não sagra-
das, agora que ela foi desmascarada em suas formas sagradas.
A crítica do céu transforma-se deste modo na crítica da terra,
a crítica da religião em crítica do direito, e a crítica da teologia em
crítica da política. (MARX, 2005 p. 145-146.)

Em termos menos poéticos, não se trata somente de “escla-


recer” (ao modo iluminista, mediante a universalização educacional

431
da “razão”) sujeitos ignorantes, dominados e iludidos por visões de
mundo irracionais (como seriam as da religião), desconstruindo ar-
gumentativamente os elementos representacionais que legitimam e
ocultam a dominação simbólica, mas de, simultaneamente, desmas-
carar discursivamente – e transformar extra discursivamente – uma reali-
dade que produz e reproduz a necessidade dessas ilusões, devido ao
caráter opressivo e irracional dessa realidade, bem como à necessi-
dade humana de evadir-se da opressão e da irracionalidade, as quais,
por não serem uma fatalidade da natureza, mas produtos históricos,
seriam passíveis de superação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste texto foi explorar a hipótese de que a noção


de dominação (ou violência) simbólica, de Bourdieu, articulada às
de alienação, fetichismo, ideologia e reificação, de extração marxi-
ana, pode contribuir para o enfrentamento do seguinte problema
ético-informacional: de que maneiras o regime de informação he-
gemônico vigente – que, paralelamente a uma maior circulação de
informação sem os filtros das mídias convencionais, é caracterizado
por uma mistura de segredos de Estado, propriedade intelectual,
monitoramento de dados pessoais e vigilância ubíqua, novos filtros
baseados em algoritmos, corporações de mídia oligopólicas, edu-
cação formal crescentemente instrumental e tagarelagem infinita –
solapa ou não a formação de competências críticas em informação
(com destaque para o próprio solapamento).
Tentamos demonstrar que o que Bourdieu entende por domi-
nação simbólica é, em grande medida, dominação econômica
inconscientemente incorporada em visões de mundo, esquemas
de classificação socialmente compartilhados e disposições psíqui-

432
cas que orientam a ação dos sujeitos no sentido da reprodução da
própria dominação econômica, que tem por base, sob o capitalismo,
a desigualdade crescentemente extrema da propriedade dos meios
de produção e circulação de mercadorias sob o regime do trabalho
assalariado “livre”.
Cada momento particular da dominação econômica e simbóli-
ca gera, ao longo da história, um determinado regime de informa-
ção, que favorece ou dificulta a formação do pensamento crítico.
Regimes de informação seriam, então, as formas específicas como
determinadas relações econômicas desdobram-se em instituições,
normas, princípios legitimadores e práticas informacionais, o que
envolve os efetivos usos sociais das tecnologias de informação. As
disposições necessárias para o exercício de competências críticas em
informação requerem o reconhecimento geral e o conhecimento
específico das formas concretas através das quais opera a domina-
ção simbólica nos atuais regimes de informação.
Por essas razões, no âmbito da ética em informação, a análise, a
crítica e o desvelamento tanto do papel determinante da dominação
econômica na dominação simbólica quanto das formas particulares
como esta última opera a mediação da primeira na constituição de
(in)competências em informação revela-se uma tarefa obrigatória
e urgente, tendo em vista,no âmbito dos atuais regimes de infor-
mação, a opacidade do poder,o acesso desigual à informação quali-
ficada, a desinformação, a mistificação, a (re)produção social – ao
mesmo tempo deliberada e inconsciente – da ignorância.

433
REFERÊNCIAS

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São Paulo: Boitempo, 20

437
438
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ENQUANTO
CIÊNCIA SOCIAL INTERDISCIPLINAR:
as contribuições de Zubiri e Bourdieu.

ANTONIO TADEU CHERIFF DOS SANTOS e


GIOVANI MIGUEZ

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Desde a sua consolidação teórica e institucional na década de


1960, a Ciência da Informação (CI) vem buscando desenvolver o seu
campo teórico e construir, em termos epistemológicos, uma identi-
dade própria (ARAUJO, 2003, 2013; GONZALEZ DE GOMES,
2001, MELOGNO, 2013; MOSTAFA, 1985, 1996, 2005), carac-
terizado por uma crítica ao modelo tecnicista e positivista que, em-
bora tenha historicamente configurado a área e o objeto de conhe-
cimento da CI, tem, a exemplo das ciências e da filosofia do século
XX, passado por reflexões quanto aos seus limites metodológicos e
epistemológicos.
Para Araújo (2003), três grandes propostas foram levantadas
no âmbito da CI quanto a caracterização de que tipo de ciência ela é
ou deveria/poderia assumir. As duas primeiras defendem-na como
uma ciência interdisciplinar e pós-moderna e tem como objetivo
“fazer dialogar, dentro dela, enquanto um olhar informacional
sobre o real, as contribuições das diferentes áreas de conhecimento”
(ARAÚJO, 2003, p.14). A terceira, mais fundamental e englobante,
fruto da incorporação dos enfoques microssociológicos e interpre-
tativos das ciências sociais é o entendimento dos fenômenos infor-

439
macionais numa perspectiva intersubjetiva (ARAÚJO, 2003, 2013).
Para o autor, a questão da intersubjetividade da informação se
tornou
central para a compreensão dos diferentes planos de realidade,
da distinção entre as diferentes formas de conhecimento e dos
mecanismos de sua configuração e legitimação. Os sujeitos
precisam, necessariamente, ser incluídos nos estudos sobre a
informação e, sobretudo, precisam ser incluídos em suas in-
terações cotidianas, formas de expressão e linguagem, ritos e
processos sociais. (ARAÚJO, 2003, p.. 25)

Essa especificidade foi sublinhada por Capurro (2008) quando


este define a informação enquanto uma ação humana de “dar for-
ma a algo”. Partindo dos conceitos gregos de eidos (ideia) e morphé
(forma), o objeto da CI ganha a sua funcionalidade no âmbito “da
ação humana sobre o mundo (“in-formar”) e a partir do mundo
(se “in-formar”)”. Ou seja, os seres humanos, em suas diferentes
ações no mundo (produzir pesquisa científica, construir sua iden-
tidade, monitorar o ambiente mercadológico, testemunhar direitos
e deveres, etc.), produzem registros materiais, documentos – eles
in-formam. É essa ação de produzir registros materiais (informação),
que é o objeto de estudo da Ciência da Informação. Ou em outras
palavras: a informação não é a matéria-prima do conhecimento: ela
é apenas fruto da existência de um conhecimento partilhado entre
diferentes atores que faz com que algo seja reconhecido como
“informação”.
Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é discutir o proces-
so de fundamentação dessa perspectiva que constitui o atual olhar
informacional sobre a realidade. Considerando que esta noção
de CI, enquanto uma ciência social interdisciplinar e pós-moderna,
articula certos níveis de composição entre filosofia e ciência, cabe
perguntar como podemos não só patentear essas relações, como

440
expor os marcos conceituais utilizados que permitem a composição
do campo e a acurácia desse olhar.
O ponto de apoio para esse intento será a partir de das
epistemologias da filosofia de Zubiri e das ciências de Bourdieu
enquanto perspectivas crítico-reflexivas oriundas dessa mesma pós-
modernidade que, em última instância é invocada como o próprio
argumento de fundamentação da CI enquanto uma ciência social
e interdisiciplinar. Trata-se, nesse contexto, de expor as ideias de
Zubiri e Bourdieu acerca do fundamento e funcionalidade da ciên-
cia, lembrando que ambos os autores compartilham tanto uma visão
crítica acerca de uma certa leitura metafísica da ciência, como argu-
mentam as limitações da aplicação pura e simples do empirismo e
do compreensivíssimo na fundamentação das teorias e dos métodos
científicos (GUERRERO ANAYA, 2006).
O nosso argumento parte de uma breve revisão dos principais
modelos epistemológicos empregados para a caracterização da CI
enquanto campo e da sua produção do conhecimento. Segue uma
exposição que, partindo das perspectivas dos pensadores acerca das
ideias ciência, uso do método científico e das suas possíveis fun-
damentações, nos permite apontar como podemos compreender e
analisar CI tanto em termos da sua posição no campo científico
quanto na configuração do seu objeto de estudo.

2 NOTAS DE UMA REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA

A constituição do campo científico da ciência da informação,


bem como do seu estatuto epistemológico é ainda uma questão em
aberto, apesar de todos os argumentos e afirmações colocados pelo
pluralismo metodológico das ciências sociais e das suas perspectivas

441
interdisciplinares e transdisciplinares (GONZALEZ DE GOMEZ,
2001; MARTELETO; SALDANHA, 2016; MELOGNO, 2013;
MOSTAFA, 1985, 1996, 2005).
Para Gonzalez de Gomez (2001, p.5-6), por seu “caráter
estratificado”, a informação permite a existência de inúmeras
possibilidades de articulação dos estudos do campo, sejam eles pela
via semântica, sintática, institucional e infra estrutural, além de sem-
pre “ensejar uma disputa conceitual em arenas metadiscursivas”.
Para a autora essa disputa não deveria ser olhada como um “duplo
opaco da epistemologia, em sua versão iluminista de uma meta-ciên-
cia”; mas sim, ao mesmo tempo, juntamente com “a epistemologia,
um campo de explicitação de formações sociais de meta-conheci-
mento”, que necessitam ser investigadas em termos de uma “leitura
conjunta ou transversal de questões e conceitos”para fins de esclare-
cimento das duas disciplinas.
Dessa forma, conforme argumento de Melogno (2013), o que
podemos apontar historicamente, é, justamente, como uma espé-
cie de convergência e consenso na área, um debate e uma busca
de índole filosófica e epistemológica que fundamente e legitime o
desenvolvimento das pesquisas no campo CI. Para esse autor, o
que existe na literatura específica da área são intentos de definição
que buscam consolidar as pretensões de conhecimento da área, bem
como justificar as suas relações com as outras disciplinas científicas
que, no momento, se encontram sob forte influência das ciências
sociais e de perspectivas pós-modernistas. Enquanto exemplos
dessa configuração histórico-epistemológica e filosófica do campo
da CI o autor aponta desde os estudos de Egan e Shera (1952),
Shera (1972), passando por Borko (1968) e Capurro (2003), até os
trabalhos de Araújo (2003) e Mostafa (1996).

442
Acrescentamos a essa lista, como uma ratificação do que se
opera no campo da produção do conhecimento da CI, Gonzalez de
Gomez (2001) que identifica a apresentação da ciência da informação
ora como ciência empírico-analítica, ora como meta-ciência, ainda
que nos últimos anos tenha explorado, um pluralismo metodológico
próprio das ciências sociais e de um campo interdisciplinar.
No entanto, é em Mostafa (2005), que encontramos uma linha
de reflexão mais explícita que pode nos ser útil para a caracterização
do campo e da produção do conhecimento da CI. Em uma apresen-
tação num simpósio internacional da área, a autora nos fala acerca
das dificuldades e ao mesmo tempo da riqueza que as perguntas
sobre o que é a informação e a própria CI e promovem.
Em sua argumentação, ela nos chama a atenção, mais do que
na própria definição, para o contexto em que as correntes e olhares
sobre a CI são formados. A metáfora que ela nos dá acerca da CI
e o seu objeto se situa no prisma da própria transdisciplinaridade.
Aponta, ainda, que nessa perspectiva o processo não deve ser pro-
curado apenas com a enunciação de novos conceitos ou definições.
Isso não traria novos ou melhores resultados daqueles que as diver-
sas correntes e teorias no campo da CI já tentaram. Sua análise nos
sugere, fruto da sua própria trajetória intelectual e cientifica, que,
para que possamos alcançar uma definição acerca do que seja
Informação a partir das potencialidades do seu uso social, olhemos
a produção do saber na CI em termos das suas relações com as
outras áreas de conhecimento.
Serão justamente as ressignificações culturais que fazemos
com essas abordagens conjuntamente com abordagens teóricas
mais significativas do campo disciplinar de onde são hauridas essas
abordagens que promoverão, a cada momento histórico, a validade

443
e amplitude do saber e do campo da CI. Em síntese, a autora nos
fala que as definições e abordagens empregadas na CI devem ser
compreendidas a partir dos argumentos e categorias teóricas dos
campos de conhecimento, os quais acabam por, ampliar o escopo
da CI. E, em nossa avaliação, é nesse contexto que as narrativas de
Bourdieu e Zubiri se inscrevem e podem ajudar a CI.

3 BOURDIEU E OLHAR SOBRE CAMPO CIENTÍFICO

A proposta teórica de Bourdieu apresenta uma sociologia da


sociologia e uma superação do teoricismo e metodologismo dessa
mesma sociologia, assim como das visões filosóficas que se tomam
como perspectivas a-históricas e a-sociais (BOURDIEU, 1983,
2004; GUERRERO ANAYA, 2006).
Para Marteleto e Saldanha (2016, p. 82) Pierre Bourdieu tece
uma crítica às “sociofilosofias” por estas serem “incapazes de
analisar um campo objetivo de práticas sociais”. Desse modo,
“acabam por projetar intuições e prescrições filosóficas sobre o que
consideram ser o ‘social’, ou no caso, o ‘informacional’, sem que
este se constitua propriamente um objeto de estudo”. Isso acabaria
criando discursos herméticos desconectados com o mundo concre-
to das práticas.
Guerrero Anaya (2006, p. 18-19) argumenta que, em Bourdieu,
a crítica epistemológica vem sempre acompanhada de crítica social.
A sociologia da ciência, enquanto uma sociologia do sistema e do
mundo intelectual, serve como um instrumento que, mobilizando
as conquistas científicas contra a própria ciência, permite despojá-
la de seus prejuízos e equívocos. Nesse sentido ela é “primordial
para descobrir as categorias que delimitam o pensável e predeter-

444
minam o pensado” (Anaya, 2006, p. 19). Sem afirmar que a razão e
as verdades cientificas se reduzem a história, mas indicando que a
sua compreensão deve ser abordada historicamente, uma vez que as
condições históricas de aparição das formas sociais tornam possível
a produção da verdade, Bourdieu, aponta que esta verdade é “antes
de tudo um compromisso que surge das lutas e interrelações de
atores que se confrontam em um campo” (BOURDIEU, 1988, p.
41-42 apud GUERRERO ANAYA, 2006, p. 19).
Dessa forma as ciências sociais são para Bourdieu, um co-
nhecimento do conhecimento (BOURDIEU; WACQUANT,1992.
p. 127 apud GILBERT GALASSI, 2015) nas quais a metodologia a
ser empregada é de apreender a pesquisa como uma atividade racional,
cujo “fundamento mais importante, [...] diz respeito à quebra de
doutrinas” (SCARTEZINI, 2011, P. 33). Para se fazer ciência, será
necessário “[...] evitar as aparências da cientificidade, contradizer
mesmo as normas em vigor e desafiar os critérios correntes do rigor
científico. ” (BOURDIEU, 2002, p.42).
Scartezini (2011, p. 28), dessa forma, na linha de Bourdieu,
aponta que ao escolher o objeto de pesquisa, deve-se partir da
capacidade de colocar em jogo as “verdades cientificamente acei-
tas”, uma vez que estas que dizem respeito muito mais às “lutas pelo
poder do campo científico do que a verdades e\ou inovações cientí-
ficas”. Assim, é imperativo, seguindo a proposta de Bourdieu, que se
procure, antes de desvendar o objeto a ser analisado, desvendar-nos
e compreendermo-nos enquanto cientistas, e, em sequência, des-
vendar e compreender o próprio meio científico no qual o cientista
se insere (SCARTEZINI, 2011, P. 28).
Desse modo, é imprescindível para o cientista, além de
construir o objeto como um “sistema coerente de relações”, pô-lo

445
“a prova como tal”. Ele deve “ter uma postura ativa e sistemática”,
pois quando percebe as “particularidades do objeto” pode “encon-
trar as características invariantes e assim compreender aquilo que
ele possui como generalidade”. Esse processo não só constituiria
as “[...] leis gerais tão caras aos homens de ciência”, como seria
em essência o ensejo da atuação intelectual” (SCARTEZINI, 2011,
p.28).
E é nesse ponto que a perspectiva do autor, enquanto
um reflexividade sócio-crítica, se une a Zubiri, justamente pelo seu
ensejo de, não só pôr em evidência a situação intelectual do homem
contemporâneo, como de buscar uma reflexão sobre os fundamen-
tos que justifiquem essa situação ou posição.

4 A PERSPECTIVA DE ZUBIRI SOBRE UMA FILOSO-


FIA DA CIÊNCIA
Em Zubiri encontramos idéias originais sobre questões que a
filosofia vem debatendo há seculos acerca das noções de inteligên-
cia e realidade (FERRAZ, 2005). Frente a tradicional dissociação,
entre sensibilidade e inteligência, que está na base das correntes de
pensamento empirista e racionalista, Zubiri, a partir de uma análise
do sentir de cunho fenomenológica, propõe a idéia de inteligência
senciente (ZUBIRI, 2011a; 2011b; 2011c; FERRAZ, 2005). Nessa
concepção, “não existiria dois actos, um de sentir e outro de inteli-
gir, mas sim um único ato unitário de sentir no qual a intelecção
se realiza no ato mesmo do sentir (intelecção senciente). Inteligir, ao
contrário de apenas conceber conceitos (inteligência concipiente) é apre-
ender algo como e enquanto real, e, a realidade é aquilo que queda ,
formalmente, no ato da apreensão enquanto “de suyo” ( aquilo que,
formalmente apreendido, no ato da sua apreensão, possui carac-

446
terísticas e propriedades próprias).
Nessa abordagem, a realidade e o conhecimento não se funda-
mentará no idealismo moderno (Descartes até Hegel), ou mesmo,
na objetividade da consciência (Husserl), no ser (Heidegger) ou no
giro lingüístico. Para Zubiri, em todas essas abordagens filosóficas,
há uma dicotomia e uma dualização do sentir e do inteligir que cul-
minam na entificação da realidade e do homem, transformando-o
ora em sujeito, ora em objeto. Nestas o homem seria fundamental-
mente um “animal racional”, cuja faculdade primaria é conceber.
Frente à primordialidade dos conceitos o autor propõe a “in-
teligência senciente”, sustentando que a inteligência não é uma facul-
dade da razão, mas sim o produto de uma apreensão da realidade
pelo fato do sentir humano. Nesse processo, sentir e inteligir se
fazem em um só e único ato de apreensão “senciente”, onde,
as coisas, enquanto realidades estimulantes são dadas, primordial-
mente, ao homem de forma sensitiva.
Dessa forma, será o poder do real na sua unidade intrínseca entre
realidade e inteligência (anterioridade estrutural da coisa-realidade
à coisa-sentido) que se constituirá o objeto do pensar e a essência
mesma da filosofia e das próprias ciências (VARGAS, 2016). Será
a partir da congeneridade da inteligência e realidade que o inteligir
se expande em três estágios ou momentos: apreensão da realidade;
logos; e, razão (ZUBIRI, 2011a, 2011b, 2011c).
Eis aqui a novidade da proposta zubiriana que, sem negar a im-
portância do conhecimento, alerta que este não deve ser apenas tido
como um conteúdo e um produto haurido de definições, categorias,
explicação de eventos objetivos (ciências nomológicas da natureza)
ou mesmo da interpretação dos sentidos intersubjetivos atribuídos
as falas, crenças e valores dos indivíduos (COSTOYA, 2004), mas

447
sim, ter em conta que estes, dada a questão antropológica primordial
(homem animal de realidades) evidenciada pela descrição de cunho
fenomenológico dos momentos que compõem a inteligência
humana – noologia zubiriana - devem ser compreendidos, para
uma melhor fundamentação e rigor na produção do conheci-
mento (ZUBIRI, 2011a). Com essa noção, Zubiri faz frente tanto
à questões da relação entre o conhecimento científico e conheci-
mento metafísico, bem como o fundamento de suas verdades.

5 ZUBIRI E BOUDIEU: implicações para a CI

Zubiri e Bourdieu podem ser considerados “companheiros de


viagem” (GUERRERO ANAYA, 2016). Para esse autor, tanto
Zubiri como Bourdieu estão de acordo sobre a “necessidade de
eliminar uma leitura metafísica da ciência atual”. Concordam tam-
bém que “o empirismo dominante no campo das ciências modernas
não é solução dos problemas que surgem ao se pretender funda-
mentar as teorias e métodos científicos”.
Entretanto devemos salientar que os seus pontos de partida
são distintos (GUERRERO ANAYA, 2006). Para Zubiri “o
papel da filosofia não se limita a uma mera análise dos sistemas
conceituais utilizados na ciência, sendo também necessário estudar
as elaborações teóricas da razão científica desde uma perspectiva
transcendental”. Nessa abordagem, não há uma divisão entre os
âmbitos do conhecimento; ou seja, um imediato e meramente
descritivo (fenomenologia) e outro mediato e construtivo (cientí-
fico). Na perspectiva da filosofia da inteligência e da realidade de
Zubiri, tanto os conteúdos imediatamente atualizados no campo
de apreensão, como aqueles postulados pelas teorias são inteligidos
como reais e suscetíveis à uma consideração transcendental pela

448
filosofia (cf. ZUBIRI, 2011a).
Em Bourdieu, ao contrário, “será necessário uma ruptura,
entre o que a percepção elabora e a teoria constrói, uma vez que
a razão (incluindo a científica), construída a partir de uma inces-
sante controvérsia com os interesses extra-científicos (filosóficos
políticos, etc.) “é conquista, construção e uma comprovação contra
percepções, preconceitos e até mesmo a linguagem”. (GUERRERO
ANAYA 2006, p.19).
Em comum, no entanto, ambos buscaram dar uma solução
para o problema intelectual do homem moderno. Zubiri postu-
lou que o homem moderno, por conta do nivelamento positivis-
ta do conhecimento, a desorientação e a perda da vida intelectual
abandonou uma vida intelectual autêntica (ZUBIRI, 2010). A sua
solução, a recuperação da vida intelectual através do esforço pessoal,
em relação especificamente a ideia de verdade, a qual coincidiria
com a realidade e o ato de intelecção com o ato primordial de
conhecer (BALLESTA, 2013).
É pela descrição dos momentos estruturantes do conhecer
humano que Zubiri aponta o que é o conhecimento e quais são
os termos e condições da sua produção. Com isso, ele nos possi-
bilita uma reflexão sobre a capacidade que cada indivíduo possui de
conhecer as coisas (a realidade) e criar um pensamento racional em
qualquer campo do conhecimento, onde o homem, como “animal de
realidades” (ZUBIRI, 2011a; 2011b; 2011c), deverá se ater a realidade
e, a partir dela, escolher a melhor possibilidade para se realizar na
plenitude de sua condição humana, ou seja, em suas dimensões
individual, social e histórica (Cf. ZUBIRI, 2006) .
Em Bourdieu, será a construção de uma sociologia reflexi-
va que se sabe e se situa como parte de um “campo re-

449
lacional” (GIDDENS; BOURIDIEU, WEBB et. al. 2004:74 apud
SCARTEZINI, 2011), que permitirá a construção de uma verdade
e/ou um conhecimento enquanto prática social.
Em síntese, Bourdieu denuncia os “jogos de poder” envolvi-
dos no ato e na posição dos agentes no campo, e, Zubiri aponta os
“jogos de conceitos” e as limitações de uma inteligência meramente
emissora de conceitos e definições, distanciados do fundamento
transcendental da realidade.
Posições, em suma, que embora distantes nos seus processos
e perspectivas se aproximam enquanto um provocativo e fértil
estímulo para a discussão do status e de uma definição do que vem
a ser uma Ciência da Informação, justamente naquilo que põem
em evidencia a necessidade de olhar o homem, seja na definição
e fundamentação da sua inteligência, ou mesmo da sua posição e
economia em um campo científico compreendido enquanto uma
prática social.

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realizações, 2011c.

454
OS AUTORES

455
456
APRESENTAÇÃO DOS AUTORES

Adilson Luiz Pinto: Professor Adjunto do Departamento


de Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina
(Graduação em Biblioteconomia e arquivologia e Mestrado/Douto-
rado em Ciência da Informação); Graduado em Biblioteconomia
pela PUC-Campinas (2000), Mestre em Ciência da Informação pela
PUC-Campinas (2004) e em Documentação Audivisual pela Uni-
versidad Carlos III de Madrid (2006); Doutor em Documentação
pela Universidad Carlos III de Madrid (2007); É Membro do Gru-
po de Pesquisa Inteligência, Tecnologia e Informação - Research
Group (ITI-RG) e do Grupo de Pesquisa de Informação Científica
(InfoCient); Editor geral da revista Encontros Bibli; Membro do
Conselho Editorial das revistas (i) El Profesional de la Información;
(ii) Hipertext.net; (iii) Boletín Millares Carlo. É especialista na área
de Ciência da Informação, com ênfase em Representação, Visualiza-
ção e Organização da Informação.

Angelica Alves da Cunha Marques: Professora do


Curso de Arquivologia do Programa em Ciência da Informação da
Universidade de Brasília (UnB). Possui graduação em Arquivologia
(2003), mestrado (2007) e doutorado (2011) em Ciência da Infor-
mação, pela UnB. Desde 2009, é professora do Curso de Arquivo-
logia da UnB e, a partir de 2013, está credenciada no Programa de
Pós-graduação em Ciência da Informação da mesma universidade.
É vice-líder do grupo de pesquisa Fundamentos Históricos, Epis-
temológicos e Teóricos da Arquivologia (FHETA). Em 2012, teve
a tese premiada pela Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB)
(Prêmio Maria Odila Fonseca), pela Associação Nacional de Pesqui-

457
sa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) (melhor
tese) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) (melhor tese da área de Ciências Sociais Aplicadas
I). Entre 2014 e 2015, desenvolveu pesquisa de pós-doutoramento
junto ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da
UnB e da École Nationale des Chartes/Sorbonne (Paris).

Anna Elizabeth Galvão Coutinho Correia:


Doutora em Ciência da Informação e Professora Adjunta do
Departamento de Ciência da Informação e do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal
de Pernambuco. Participa dos grupos de pesquisa SCIENTIA e
Organização e Representação do Conhecimento. Tem experiência
na área de Ciência da Informação, com ênfase em Processos
de Disseminação da Informação, atuando principalmente nos
seguintes temas: acesso à informação, organização de arquivo,
bibliometria, cientometria, tratamento da informação, Política de
Ciência, Tecnologia e Inovação.

Antonio Tadeu Cheriff do Santos: É enfermeiro,


especialista em história da filosofia, mestre e doutor em filosofia,
tecnologista do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes
da Silva (INCA/MS), pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Estudos
Qualitativos (NUPEQuali/INCA).

Arthur Coelho Bezerra: pesquisador do Instituto


Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/MCTI),
professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informa-
ção (PPGCI/IBICT-UFRJ) e coordenador do grupo de pesquisa
Escritos - estudos críticos em informação, tecnologia e organização

458
social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), com pós-doutorado também pela UFRJ. Autor do
livro Cultura ilegal: as fronteiras morais da pirataria.

Bruna Silva do Nascimento: Doutora em Educação


pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É professora Assis-
tente na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Possui graduação em Biblioteconomia pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (2008) e mestrado em Ciência da Informação
pela Universidade Federal da Bahia (2011). Líder do Grupo de
Pesquisa SocioTec.

Elaine Rosangela de Oliveira Lucas: Doutora


pelo Programa de PósGraduação em Ciência da informação da
USP, com estágio sanduíche na Universidad Carlos III de Madrid
(UC3M). Possui Mestrado em Engenharia de Produção e Gradu-
ação em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Santa Cata-
rina (2001/1997). Professora da Universidade do Estado de Santa
Catarina (desde 2002), Professora Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Gestão da Informação (PPGInfo) e do De-
partamento de Biblioteconomia (DBI). Áreas de pesquisa e ensino:
Bibliotecas Universitárias e Serviço de Referência, Estudos da
Comunicação Científica, Capital Cientifico e Movimento de Acesso
Aberto (Open Access).

Elisa Cristina Delfini Correa: Graduada em Biblio-


teconomia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (1995),
mestre e doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal
de Santa Catarina (1999/2008). Atualmente é professora da Uni-
versidade do Estado de Santa Catarina. É docente do Programa de

459
Pós-Graduação em Gestão da Informação. Tem experiência na área
de Ciência da Informação, com ênfase em Processos de Dissemi-
nação da Informação, atuando principalmente nos seguintes temas:
pesquisas relacionadas ao uso do computador pela CI e Biblioteco-
nomia com ênfase na análise sociotécnica, redes e mídias sociais
enquanto fontes de informação e competência em informação.

Giovani Miguez: Graduado em tecnologia de gestão públi-


ca, especialista em Sociologia, mestre e doutorando em Ciência
da Informação pelo PPGCI/IBICT/UFRJ, pesquisador do grupo
ECCE LIBER (IBICT/UFRJ/UNIRIO), analista de ciência e tec-
nologia do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da
Silva (INCA/MS ) e editor executivo da Revista Brasileira de
Cancerologia.

Gustavo da Silva Saldanha: Pesquisador adjunto do


Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
(IBICT) e professor adjunto da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (UNIRIO). Possui graduação em Biblioteconomia
pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006), especialização
em Filosofia Medieval pela Faculdade São Bento do Rio de Janeiro
(2010), mestrado em Ciência da Informação pela Universidade
Federal de Minas Gerais (2008), doutorado em Ciência da Informa-
ção pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecno-
logia (IBICT), em convênio com a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Bolsista de produtividade 2 do CNPq, investiga o
domínio de estudos da filosofia e da epistemologia da informação
e dos conceitos fundamentais do campo informacional, no âmbito
das investigações epistemológicas e historiográficas da Ciência da
Informação, da Documentação, da Bibliografia, da Bibliologia e da

460
Biblioteconomia.

Isa Maria Freire: Doutora e mestre em Ciên-


cia da Informação pelo convênio entre o Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia e a Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro. Professora associada do
Departamento de Ciência da Informação e docente permanente
nos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação da
Universidade Federal da Paraíba e da Universidade Federal da Bahia.
Foi presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da
Informação (ANCIB) no período 2010- 2014. É coordenadora do
Grupo de Trabalho Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciên-
cia da Informação da ANCIB. É Editora científica da revista Infor-
mação & Sociedade: Estudos e Editora-Chefe da revista Pesquisa
Brasileira em Ciência da Informação e Biblioteconomia (PBCIB) e
do blog De olho na CI. Coordena a rede de projetos do Laboratório
de Tecnologias Intelectuais (com apoio CNPq/Universal). É líder
do Grupo de Pesquisa Informação e Inclusão Social, certificado
pela UFPB no CNPq, e Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2.

Jorge Henrique Cabral Fernandes: Doutor (2000)


e Mestre (1992) em Ciência da Computação pela UFPE. Graduado
em Ciências Biológicas (1986) pela UFRN. É docente do Departa-
mento de Ciência da Computação (CIC) do Instituto de Ciências
Exatas, da Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCINF)
da Faculdade de Ciência da Informação e da Pós-graduação e Com-
putação Aplicada (PPCA) do Instituto de Ciências Exatas, na UnB.
Foi diretor do Centro de Informática da UnB, presidente do Con-
selho de Informática da UnB, pesquisador do IBICT e do Núcleo
de Estudos Prospectivos do Centro de Estudos Estratégicos do Es-

461
tado Maior do Exército. É professor de graduação e pós-graduação
em variadas disciplinas da Ciência da Computação e da Ciência da
Informação. Orienta alunos de graduação, mestrado e doutorado.
É membro do grupo de pesquisa Redes Sociais Complexas e In-
teligência Cooperativa, registrado no CNPq.

Jorge Moisés Kroll do Prado: Doutorando em Ciên-


cia da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina,
Mestre em Gestão de Unidades de Informação e bacharel em
Biblioteconomia, ambos pela Universidade do Estado de Santa
Catarina. Coordena a Rede de Bibliotecas do Senac SC.

Juliana Lazzarotto Freitas: Graduação em Gestão da


Informação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); Mestrado
em Ciência, Gestão e Tecnologia da Informação pela UFPR; Dou-
torado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Pau-
lista (Unesp/Marília) com período sanduíche na Universidad Carlos
III de Madrid.

Leilah Santiago Bufrem: Doutorado em Ciências da


Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP); Pós-doutora-
do pela Universidad Autónoma de Madrid; Professora Permanente
no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Uni-
versidade Federal de Pernambuco (UFPE) e no Programa de Pós-
Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual
Paulista (Unesp/Marília); Bolsista de Produtividade em Pesquisa do
CNPq - Nível 1D.

Lidiane Carvalho: Possui Doutorado em Ciência da Infor-


mação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação

462
do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - IB-
ICT/MCti em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janei-
ro-UFRJ (2014). Mestre em Ciência da Informação pela Universidade
Federal de Santa Catarina (2009). M.B.A em Marketing na Faculdade
Metodista do Rio Grande do Sul (2007). Graduada em Bibliotecono-
mia - Hab. Gestão da Informação na Universidade do Estado de San-
ta Catarina (2004). Atualmente é Pesquisadora em Saúde Pública da
Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ e Professora Adjunta na
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO
(2010-atual). Têm experiência na área de Ciência da Informação,
atuando principalmente nos seguintes temas: Sociologia da Ciência,
Informação em Ciência e Tecnologia aplicada ao campo da Saúde,
Análise de Redes Sociais e Gestão da informação em C&Ti e Saúde.

Lucas Mendes: Formando do curso de Graduação em Biblio-


teconomia Pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
Bolsista de Iniciação Científica no Laboratório de Comunicação,
Produção e Memória Científica (CienLAB).

Márcia Regina Silva: Doutora em Educação pela Universi-


dade Federal de São Carlos. Professora do Curso de Graduação em
Biblioteconomia, Ciências da Informação e da Documentação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Univer-
sidade de São Paulo.

Marco Antônio de Almeida: Doutor em Ciências Soci-


ais (UNICAMP, 2002) e Livre-Docente em Ciências da Informação
(USP, 2015). Professor da Universidade de São Paulo, no curso de
Ciências da Informação e Documentação da FFCLRP-USP e do
programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da ECA-

463
USP. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq/Nível 2.
Líder do PRACTIC – Grupo de Estudos de Práticas Culturais e
Tecnologias de Informação e Comunicação. Pesquisa e trabalha nas
seguintes áreas: teoria social da comunicação e da informação; me-
diação e ação cultural; sociologia da cultura, sociabilidade e novas
tecnologias; políticas culturais e da informação.

Marco Schneider: pesquisador do Instituto Brasileiro de


Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/MCTI). Professor e
atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação (PPGCI/IBICT-UFRJ). Professor de jornalismo e do
Programa de pós-graduação em Mídia e Cotidiano da UFF. Pes-
quisador Associado do Programa Avançado de Cultura Contem-
porânea (PACC) da UFRJ. Atual diretor científico da União Latina
de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura
(ULEPICC). Líder do grupo de pesquisa Perspectivas Filosóficas
em Informação (Perfil-i). Doutor em Comunicação pela Universi-
dade de São Paulo (USP), com pós-doutorado pela UFRJ. Autor do
livro A Dialética do Gosto: informação, música e política.

Murilo Artur Araújo da Silveira: Graduado em


Biblioteconomia pela Universidade Federal de Pernambuco (2005),
Mestre em Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (2008) e Doutor em Comunicação e Infor-
mação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2016),
com realização de estágio sanduíche na Universidad Carlos III de
Madrid (2015-2016). Atualmente é Professor Adjunto na Univer-
sidade Federal de Pernambuco no Departamento de Ciência da
Informação. Foi Vicecoordenador do GT-7 do Encontro Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação de 2013 a

464
2014. Foi Coordenador do Curso de Biblioteconomia da Universi-
dade Federal de Pernambuco (2009-2013). Tem experiência na área
de Ciência da Informação, com ênfase em Organização da Infor-
mação e Comunicação Científica, atuando principalmente nos se-
guintes temas: estudos métricos da informação, estudos de citação,
organização e representação do conhecimento, produção científica,
periódicos científicos e indicadores científicos.

Nair Yumiko Kobashi: Professora sênior da USP, membro


do corpo docente permanente do Programa de Pós-graduação em
Ciência da Informação da USP. Bacharel em Jornalismo e Bacharel
em Biblioteconomia, ambas pela USP. Mestre e Doutora em Ciên-
cias da Comunicação pela USP. Livre-docente em Análise Docu-
mentária pela USP. Realizou estágio de pesquisa na EHESS França.
Foi Coordenadora adjunta da área Ciências Sociais Aplicadas I
(CAPES), no período 2011-2014. Áreas de pesquisa e ensino: Orga-
nização, representação e recuperação da Informação; Bibliometria e
Cientometria. Pesquisadora 1D do CNPq.

Natanael Vitor Sobral: Graduação em Gestão da Infor-


mação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Mestra-
do em Ciência da Informação pela UFPE; Doutorando em Ciência
da Informação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Profes-
sor da Universidade Federal da Bahia.

Regina Maria Marteleto: Doutorado em Comunicação


e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mes-
trado em Sciences de l´Information et de la Communication pela
Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS, França).
Graduada em Letras (PUC/MG) e Biblioteconomia (UFMG). Faz

465
parte do corpo docente permanente do Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciência da Informação do Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia (IBICT) em convênio com a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É pesquisadora titular do IBICT/
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI. Coordenado-
ra do Grupo de Pesquisa Cultura e Processos Infocomunicacionais
(CULTICOM). Foi presidente da ANCIB-Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação, de 2003 a
2006. É responsável científica, pelo Brasil, da Rede Franco-Brasileira
de Pesquisadores em Mediações e Usos Sociais de Saberes e Infor-
mação - Rede MUSSI, desde 2008. É membro de Comitês Editoriais
e referee de revistas científicas das áreas de Ciências da Informação;
Comunicação; Saúde, do Brasil e do exterior. É consultora de agên-
cias avaliadoras e de fomento do Brasil e da França. Áreas princi-
pais de pesquisa: cultura e informação; conhecimento, informação
e sociedade; informação e comunicação em saúde; mediações info-
comunicacionais em redes sociais; sujeito, leituras e linguagens de
informação na contemporaneidade; teoria social, epistemologia e
interdisciplinaridade nos estudos da informação.

Ricardo Barros Sampaio: Doutor em Ciência da Infor-


mação pela Universidade de Brasília - UnB (2011-2015), com estágio
de pesquisa (Doutorado Sanduíche) na Toulouse Business School e
no Institut de Recherche en Informatique de Toulouse (IRIT), Uni-
versité Paul Sabatier - França (2013-2014). Mestrado em Admin-
istração de Empresas pela Bond University - Austrália (2003);Es-
pecialização em Melhoria do Processo de Desenvolvimento de
Software pela Universidade de Lavras - UFLA (2006); Graduação
em Engenharia Elétrica pelo City College of New York - CCNY

466
-EUA (1999). Projetos de pesquisa com foco na aplicação dos mé-
todos de Análise de Redes Complexas e validação de metodologia
para obtenção e tratamento de informações estratégicas na área de
Ciência, Tecnologia e Sociedade. Pesquisador do Núcleo de Re-
des e Colaboratório de Ciência Tecnologia Sociedade da Fiocruz
Brasília; Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação da Universidade de Brasília Profes-
sor e Pesquisador no Mestrado Profissional de Políticas Públicas
em Saúde e na especialização em Saúde Coletiva pela Escola Fiocruz
de Governo.

Ricardo Medeiros Pimenta: É bolsista de produtivi-


dade PQ-2 do CNPq. Pesquisador Associado do Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e Professor perma-
nente do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação do
IBICT em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ); atua também como colaborador do Mestrado Profissional
em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da
Saúde (COC/FIOCRUZ). É Historiador graduado (2003) pela Uni-
versidade Gama Filho – UGF com pós-graduação em História do
Brasil (2005) pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Possui
mestrado em Memória Social e Documento (2006) pela Universi-
dade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, e douto-
rado em Memória Social (2010) pela mesma instituição, com estágio
doutoral (2007 – 2008) na École des Hautes Études en Sciences
Sociales – EHESS de Paris. É líder do Grupo de Pesquisa Infor-
mação, Memória e Sociedade do CNPq; pesquisador Associado do
Laboratório Interdisciplinar sobre Informação e Conhecimento
(LIINC/UFRJ) e membro da Rede LatinoAmericana de Estudos
sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (LAVITS).

467
Willian Lima Melo: Mestre em Ciência da Informação e
Professor Assistente da Universidade Federal de Alagoas na área de
Comunicação, Técnicas e Tecnologias. Possui registro nos Grupos
de Pesquisa Comunicação e Cidadania (UFAL) e Grupo de Estudos
em História da Cultura Escrita GEHCE/UFAL). Atua em linhas
como Sociologia da Ciência, Cultura Escrita e Novas Tecnologias,
Comunicação e Comunidade,

468
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