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A Lésbica Essencial
Os ativistas gays liberais e as feministas lésbicas, nos anos 70, se opuseram à ideia de que a
orientação sexual é biológica. Os anos sessenta e setenta foram décadas importantes para o
construcionismo social. Teoristas sociais se opuseram vigorosamente aos argumentos biológicos
de inferioridade racial, diferenças de gênero e doença mental. É conhecido que as explicações
biológicas fornecem as bases cientificas para os manejos sociais conservadores. Argumentos
biológicos, argumentos na natureza, podem ser usados para afirmar a certeza e inevitabilidade
da subordinação das mulheres, da desigualdade racial, da hegemonia heterossexual e das drogas
e instituições para aqueles que sofrem de doença mental. Nos anos 80, a confidência no
construcionismo social foi embalada pela aderência de algumas lésbicas e homens gays à nova
onda do determinismo biológico para explicar a orientação sexual. Algumas teoristas lésbicas
haviam até começado a definir os papeis de butch/femme e masculinidade e feminilidade em
suas formas estereotipadas como naturais, até inevitáveis, para lésbicas.
A diferença considerável sobre a biologia entre os homens gays ativistas e as lésbicas feministas
ficou evidente na campanha do Reino Unido contra a seção 28 da Ação Governamental Local
de 1988. A proeminência de porta-vozes gays foi à televisão para argumentar que a emenda
contra a „promoção da homossexualidade‟ foi um disparate porque a homossexualidade é inata e
não pode ser promovida. As lésbicas estavam atônitas. Isso era o oposto da política lésbica
feminista e, julgando pelo debate pela emenda na Câmara dos Comuns, parecia que eram
precisamente esforços feministas lésbicos para promover o lesbianismo que estavam causando
alarme nos legisladores conservadores. Parecia haver uma política fundamental diferente aqui,
e, ainda que alguns ativistas gays fossem críticos a essa posição biológica, eles não estavam em
ascensão. 1
1. Veja Alderson, Lyn e Wistrich, Harriet (1988). „Cláusula 29: Perspectivas Radicais Feministas‟. Em
Apuros e Conflitos. No. 13. PP. 3-8. 1. (Durante a passagem a Seção 28 se torna, em um ponto, Cláusula
29.
Em 1987 houve uma conferência de estudos gays e lésbicos em Amsterdam, na qual o tema
era „Essencialismo versus construcionismo social‟. Isso parecia ser uma controvérsia que estava
pressionando aqueles que planejaram a conferência. A introdução dos papeis coletados afirma
„Há uma década há uma crescente controvérsia entre estudiosos gays e estudiosas lésbicas,
centrada entre duas teorias científicas rivais e suas implicações para a homossexualidade:
essencialismo e construcionismo. ‟2 As lésbicas feministas estavam simplesmente perplexas que
uma questão que elas achavam ter respondido vinte anos atrás ainda excitava interesse em 1987.
O fato é que tal questão podia ser vista como suficientemente importante para encenar uma
conferência inteira em torno da sugestão de que uma crença no essencialismo devia estar viva, e
em um lugar fora da comunidade lésbica feminista. Teoristas lésbicas feministas continuavam
ocupadas desafiando a instituição da heterossexualidade, sugerindo que todas as mulheres
podem escolher serem lésbicas, exceto pelas restrições impostas pela heterossexualidade
compulsória. Considerar se elas eram lésbicas essencialmente, não era uma questão.
É significativo que LeVay também acredita que a biologia é responsável pelas diferenças no
comportamento de machos e fêmeas. Ele pensa que as mulheres são verbalmente mais
competentes que os homens, e os homens são mais competentes espacialmente do que as
mulheres, devido à diferença nos neurônios. Ele consegue associar estas diferenças nos
neurônios com o fato dos homens gays serem „menos fortes com a mão direta do que os homens
heterossexuais‟. (Campaign, 1992)3 LeVay é claramente preparado para acreditar que qualquer
número de diferenças estereotipadas entre homens e mulheres são resultado da biologia, sem
2. Altman, Dennis et al (Eds.) (1989). Que Homossexualidade? Londres: Imprensa dos Homens Gays.
Introdução p. 6.
3. Campaign (1992). „Nós Nascemos Para Ser Gay?‟ No. 199. p. 69. Outubro. Austrália.
qualquer evidência além de seus próprios palpites. O mais preocupante é que ele
acredita que „os impulsos sexuais masculinos e femininos são determinados
biologicamente‟. Uma visão fundamental da teoria feminista é a que o comportamento
sexual masculino é aprendido, e não natural. Não haveria outra forma de libertar as
mulheres da violência sexual. A sabedoria de LeVay sugere o contrário:
LeVay nos mostra que estes argumentos biológicos sobre „genes gay‟ podem nos conduzir
diretamente a argumentos biológicos que justificam a opressão das mulheres.
É preocupante que a teoria de LeVay venha sendo tratada com entusiasmo por algumas
imprensas gays e ao menos com curiosidade simpática pelos outros. O retorno do essencialismo
parece estar em pleno andamento. As feministas foram particularmente hostilizadas pelas
explicações biológicas deterministas porque a própria ideia do feminismo, a possibilidade de
seu nascimento, depende da luta contra a ideia de que o biológico constrói diferenças
psicológicas entre os sexos. Após uma boa fundamentação de tal batalha não é possível para as
lésbicas feministas serem otimistas quanto a explicações biológicas sobre a homossexualidade.
Homens gays podem ser porque a liberdade deles como homens não depende da mesma forma
do combate ao biologismo.
A „diferença‟ das mulheres ou a feminilidade foi explicada pela teoria lésbica feminista
como uma invenção masculina, e a submissão das mulheres à feminilidade como uma projeção
nas mulheres das fantasias dos homens, ou como uma separatista coloca isso:
4. Ibid.
5. Jo, Bev, Strega, Linda e Ruston (1990). Dykes Amam-Dykess. Oakland, California: Battleaxe. p. 168.
A feminilidade tem sido experimentada pelas lésbicas feministas simplesmente como uma
brutal restrição da liberdade, como tortura do corpo. As lésbicas estão mais livres para
abandonar estas ordens e expressar total rejeição. A mesma escritora faz a feminilidade soar
bastante brutal:
Nos anos 70, lésbicas feministas, nas quais eu me incluo, usavam crachás dizendo „Qualquer
mulher pode ser uma lésbica‟ e nós acreditávamos nisso. Acreditamos nisso não só por bons
motivos políticos, tal como nossa resistência a teorias biológicas de comportamento sexual e de
gênero, mas porque, para muitas de nós, essa foi nossa experiência. Milhares de mulheres que
nunca consideraram conscientemente o lesbianismo como uma possibilidade, deixaram os
homens e cometeram todas as suas energias emocionais e sexuais para as mulheres, e continuam
cometendo isso hoje8. A ideia do lesbianismo político, como esse fenômeno é geralmente
chamado, foi polêmico todo o tempo. As lésbicas políticas foram acusadas por alguns de não
serem lésbicas „reais‟, pois elas eram vistas como voltadas às mulheres mais por razões políticas
do que por uma determinação vitalícia. Mas nenhuma lésbica feminista teria pensado em
argumentar que lésbicas e mulheres heterossexuais eram simplesmente duas categorias
biológicas distintas.
6. Ibid.
7. Wolf, Naomi (1990). O Mito da Beleza. Londres: Vintage.
8. Para uma descrição da minha decisão de tornar-me uma lésbica política, veja: Holdsworth, Angela
(1988). Fora da Casa de Bonecas. Londres: BBC Publicações. Minhas razões estão citadas nos capítulos 7 e 8.
9. Nestle, Joan (1988). Um País Restrito: Ensaios e Histórias Curtas. Londres: Sheba. p. 124.
supremacia masculina engatinhou até aqui sob a retórica da escolha. E para os pornógrafos da
nova encenação de papeis, os terapeutas da encenação de papeis, que esse novo essencialismo
flui. Particularmente, isso não é surpreendente. Eu argumentarei aqui que na raiz da crença na
encenação de papeis há, inevitavelmente, uma fundação essencialista.
A feminilidade e a masculinidade retornaram à comunidade lésbica no contexto de reabilitar
o jogo de papeis do começo dos anos 80. Ainda que houvessem lésbicas não afetadas por tais
desenvolvimentos, a diminuição do fetichismo de gênero nos anos 60 e o impacto do feminismo
providenciaram uma libertação para muitas das lésbicas que previamente usaram tais papeis.
Julia Penelope é uma teorista lésbica que escolheu abandonar a encenação do papel de butch.
Ela estava horrorizada em ver uma revalidação e em 1984 ela atacou a nova encenação de
papeis de uma perspectiva feminista radical forte e clara.
10. Penelope, Julia (1984). „Que Passado Estamos Reivindicando?‟ Vidas Comuns, Vidas Lésbicas. No. 13. p. 42.
11. Koertge, Noretta (1986). „Butch Imagens‟ 1956–86.‟ In Éticas Lésbicas. Vol. 2. No. 2.
p. 103.
12. Ibid.
papeis são preparados para passar em sua imitação de alguns dos aspectos da heterossexualidade
mais politicamente opressores. Os propagandistas da encenação de papeis rejeitam qualquer
sugestão que suas práticas podem ser politicamente construídas
e derivadas da opressão da mulher.
Um artigo de Paula Austin, uma „negra que se identifica femme‟, dá um quadro
representativo do modo que essa encenação de papeis imita a antiquada heterossexualidade.
Austin percebeu que é uma femme enquanto estava em um relacionamento com uma lésbica
chamada Rhon. Austin opina que „Eu estava convencida que ela havia escondido, em algum dos
recessos de sua calça, um pênis‟ 13. Rhon é atraente por ser „durona, a dyke mais durona com
quem já estive‟. Sobre outra amada Buddy, ela escreve „Eu amo a dureza, o rústico de poder e
violência, a força, o indício de ser possuída‟14. Austin confessa uma angústia sobre sua „femme-
nilidade‟ e se isso é politicamente correto, mas claramente decide ignorar suas preocupações.
Essa é sua descrição de sua „femme-nilidade‟:
Ser uma femme, para mim, significa vestir uma saia curta e
apertada, cinta-liga e salto alto quando vou sair. Isso significa
parar na frente do espelho, passar rímel e batom marrom
avermelhado. Isso significa comprar uma blusa de corte baixo
para revelar um pouco de decote algumas noites. Isso significa
sorrir, ou às vezes fazer beicinho quando minha mulher coloca
seu braço em volta da minha cintura e com a outra mão vira meu
rosto para beijá-la. Isso significa sussurrar, „‟Eu sou sua, me
possua‟‟ quando fazemos amor. Isso significa sentir-se sexy15.
Esta, tal como outras descrições da nova encenação de papeis, tem uma característica Mills
and Boon. Mas o que é irônico é que entre as mulheres heterossexuais são rejeitadas como
desigualdade de gênero. A geração de mulheres jovens heterossexuais encontraria tal material
para uma audiência heterossexual francamente embaraçosa e até Mills and Boon estão tendo que
vender levemente mais personagens igualitárias para os anos 90. O „indício de poder e
violência‟ que excita Austin é provável que signifique abuso real na heterossexualidade e,
frequentemente, significam o mesmo nas relações lésbicas também.
O modelo de relacionamentos de encenação de papeis descrito na antologia tem um sabor de
vida rural, folclórica, operária, alma americana, heterossexualidade dos anos 50. Femmes
recebem suas butches em casa depois de um dia difícil, geralmente realizando trabalho manual,
mas às vezes uma ocupação profissional, e prosseguem a oferecer a elas conforto contra um
mundo áspero. Como Nestle expressa isso, „Quando ela vem pra casa por mim, eu devo
acariciar as partes dela que foram desgastadas, tentando fazer o trabalho dela em um mundo de
homens‟16. Quem adivinha o que as femmes são supostas a fazer o dia todo, assar bolos? Então
a femme é suposta a fazer sua butch sentir-se segura o suficiente para deixar ela ser vulnerável,
revelada ao fazer amor, mas a masculinidade dela deve ser protegida: „Eu sei como fazer amor
ao/ Seu corpo de mulher/ Sem levar sua masculinidade embora‟17. O papel de femme, como esse
da dona de casa tradicional, é para nutrir o poder de sua butch, então ela pode manter seu lugar
na classe dominante masculina e seu poder sob ela.
Embora isso possa parecer muito perplexo de uma perspectiva feminista, a idealização das
dinâmicas precisas de poder que mantêm as mulheres subordinadas e abusadas através de
relacionamentos heterossexuais é vista como positiva pelos novos encenadores de papeis. Mas
então eles parecem ter afirmado uma declaração de independência do movimento feminista.
13. Austin, Paula (1992). „Femme-inismo.‟ In Nestle, Joan (Ed.). O Desejo Persistente.
Boston: Publicação Alyson, p. 362.
14. Ibid. p. 363.
15. Ibid. p. 365.
16. Nestle, Joan (1992b). „My Woman Poppa.‟ p. 348.
17. Califia, Pat (1992b). „O Poema Femme.‟ p. 418.
Alguns repudiam o seu antigo feminismo, outros dizem que nunca foram feministas. Lyndall
MacCowan, uma femme, explica em O Desejo Persistente que ela nunca se identificou como
feminista ou como sendo uma mulher. Ela diz que quando ela saiu do armário na década de
setenta:
Isso seria herético, então, como isso continua sendo agora, ser
uma lésbica e declarar que o feminismo tem um significado
pequeno para mim – imagine tentar ser uma ateísta na Europa
central do século XIV. Ainda que tal afirmação seja verdadeira, e
seja importante dizer isso, porque o feminismo veio para ofuscar
o significado do lesbianismo. Não é que eu não acredite que as
mulheres são oprimidas, mas eu nunca fui capaz de me identificar
com esse grupo abrangente „‟mulher‟‟. Eu nunca estive perto de
ser oprimida como uma mulher como eu sou como lésbica. 18
MacCowan afirma que ser uma lésbica significa „saber que não sou uma mulher‟19. Ainda
que ser uma lésbica femme, atualmente, sujeite ela diretamente à opressão da mulher. Paula
Austin escreve sobre a dificuldade de ter que sofrer assédio sexual dos homens por parecer uma
mulher heterossexual e pode-se imaginar que MacCowan, que favorece um traje similar, teria o
mesmo problema.
Declarações raivosas sobre o comportamento autoritário e bullying de feministas lésbicas
entre aquelas de categorias como MacCowan ou JoAnn Loulan, que realmente queriam ser
femmes, são comuns na literatura de encenação de papeis. Esta abordagem as alivia da
responsabilidade de terem conscientemente adotado ideias feministas nos anos 70. Ao invés de
realmente terem sido vitimas silenciadas quando estavam no movimento lésbico feminista, é
provável que elas simplesmente mudaram suas mentes para se adaptarem ao fashion do
backlash conservador.
Está nas explicações oferecidas pela encenação de papeis que o essencialismo por trás da
ideologia butch/femme é uma explicação biológica mais clara e sem rodeios que não é
geralmente sugerida, embora esteja retornando em algumas áreas. Loulan sugere que a
homossexualidade é hereditária, uma ideia abandonada até pela maioria dos sexólogos, uma vez
que os psicanalistas se popularizaram antes da Segunda Guerra Mundial.
Algumas de nós apenas nascemos dessa forma. Isso é
provavelmente genético: homossexualidade acontece fortemente
em algumas famílias. Eu conheço uma mulher que tem seis
irmãos e irmãs e todos, menos um, são gays20.
Ela diz que „nós podemos contar‟ com histórias de homossexualidade acontecendo em
famílias „para provar que sim, um dos componentes é nosso DNA‟ 21. Pode parecer
surpreendente o fato da vasta maioria de lésbicas e homens gays ter pais heterossexuais não
abalar o recurso do argumento hereditário. É interessante que ela quer usar uma combinação de
explicações usando tanto a genética para uns quanto a „escolha‟ para outros. A variedade
genética é aparentemente identificada por si própria, se você diz que você é genético, então você
é. Esta combinação é reminiscente da velha ideia sexológica de que os homossexuais são
divididos em invertidos e pervertidos. Invertidos eram os congênitos que não podiam se ajudar e
isso merecia simpatia, e os pervertidos haviam escolhido deliberadamente serem maus.
Interessante este pensamento de alguém como Loulan, que teve uma queda pelo feminismo nos
anos 70, e mudou tão facilmente para a sexologia tradicional. Isso sugere um conservadorismo
profundo e enraizado que a experiência dela no feminismo não foi capaz de alterar. Loulan tem
18. MacCowan, Lyndall (1992). „Re-coletando Historia, Renomeando Vidas: Estigma Femme e a Feminista dos anos
Setenta e Oitenta.‟ p. 309. In Nestle, Joan. p. 309.
19. Ibid. p. 311.
20. Loulan, JoAnn (1990). A Dança Erótica Lésbica. São Francisco: Spinsters. p. 193.
21. Ibid. p. 194.
aflições em sugerir que toda a homossexualidade é genética porque ela está consciente que isso
pode ser usado para sugerir um „defeito genético‟ e ela não pensa que o lesbianismo é
„patológico‟.
Na explicação da encenação de papeis, Loulan opta por uma explicação psicológica em
termos de arquétipos. Ela diz que as lésbicas têm certos arquétipos enterrados profundamente
em seu inconsciente coletivo que não pode ser discutido. Cada um é „uma imagem que
determina reações comportamentais e psicológicas inconscientes‟22. A encenação de papeis
então, não é o resultado de um determinismo biológico, mas psicológico. Os arquétipos lésbicos
mais comuns são „os conceitos de butch e femme e, recentemente, andrógino também‟ 23. A
encenação de papeis arquétipos é aparentemente tão determinante que todas as lésbicas estão, de
alguma forma, conectadas à encenação de papeis, mesmo que não admitam isso. Ela descreve
„esse erotismo lésbico de butch e femme‟ como algo que cada uma de nós está conectada, que
cada uma de nós foi feita para negar, rebaixar, e envergonhar-se...‟24. Isso deixa aqueles que
permanecem querendo negar isso em uma espécie de falsa consciência. O público dela tende a
estar neste estado ignorante. Ela diz que quando ela pergunta ao público se eles já se
classificaram em uma escala butch/femme, 95% diz que sim, mas quando ela pergunta se a
encenação de papeis é importante para elas, 95% diz que é „insignificante em suas vidas‟25. A
única explicação, para Loulan, é que 95% das lésbicas estão negando e é o triste dever de
Loulan tentar abri-los para os prazeres da encenação de papeis. Sexólogos tradicionalmente
retomam tais incríveis responsabilidades e não recuam da ideia de ter que mudar o
comportamento sexual das mulheres em massa para ajustarem a essas prescrições. 26
Joan Nestle, em uma palestra de 1985 sobre encenação de papeis, ofereceu uma versão da
teoria de arquétipos. Ela diz que quando conheceu uma butch ela experimentou „algum tipo de
básica e pré-histórica previsão uma da outra‟27. Outra participante da palestra, Jewelle Gomez,
assegurou que a encenação de papeis é natural e inevitável. Ela vê butch e femme como
representando os „dois pólos que a natureza presenteia a cada um de nós‟ 28. Como evidência ela
apresenta a sabedoria popular do yin e yang da religião oriental. Ela considera que essa
sabedoria popular se perdeu na religião puritana da Europa Ocidental, que fez com que as
pessoas esquecessem que „há dois lados dentro dos indivíduos‟. Provavelmente, o feminismo,
que questionou a sabedoria popular de todas as ideologias patriarcais sobre a natureza essencial
de gênero, compartilhou deste trágico esquecimento. Este essencial dualismo, ela descreve
como „um principio natural, um princípio natural, psicológico, biológico, emocional e
fisiológico‟29. Isso não deixa muito espaço para opositores conscientes.
Também há lésbicas acadêmicas, como terapeutas sexuais, envolvidas em promover o novo
essencialismo da encenação de papeis. Saskia Wieringa é uma antropóloga que reivindica que
cometeram o erro, devido a uma consciência feminista, de ver a cultura ocidental de
butch/femme como „bastante ultrapassada‟. Então ela experimentou a cultura bar lésbica de
Jakarta e Lima e percebeu o „quão estreito meu próprio, então chamado, lesbianismo político
era‟30. A descoberta de alguma coisa similar à encenação de papeis ocidental em outras culturas
Provavelmente, lésbicas que sofrem de depressão não podem ser femmes, uma vez que elas
carecem do brilho requerido. As entrevistadas da pesquisa dela que se identificaram como
femmes irritaram Loulan por serem „mais prováveis de iniciar a limpar e decorar a casa, cuidar
das crianças, organizar atividades sociais e fazer a verdadeira socialização‟33. Ela nota que esses
são também papeis macho/fêmea. Isso pode até sugerir que a femmeness tem algo para fazer
com a subordinação feminina aprendida mais do que os grandiosos arquétipos no céu.
Lyndall MacCowan afirma que a masculinidade e a feminilidade na heterossexualidade são
apenas dois gêneros, e realmente pode haver algo mais. Butch e femme são gêneros também,
„gêneros lésbico-específicos‟ e parte da variedade potencialmente grande. Ela acredita que
„Sistemas de gênero são uma cultura universal‟ e não é verdade que „um sistema de gênero
sempre implica em sexismo e homofobia‟34. O gênero é apenas opressivo se limitado em uma
sociedade particular de dois e „rigidamente correlacionados‟ com o sexo biológico. De acordo
com esta interpretação incomum do gênero como simplesmente uma categoria corroída, ela vê a
„androginia‟ como um gênero lésbico também. Claramente, encenadores de papeis devem
repudiar uma análise feminista de gênero se eles tiverem respeito próprio e acreditarem que são
jogos inofensivos. Então, eles buscam procurar confusão sobre o que o gênero é.
Uma análise feminista veria o gênero como sendo uma categoria política. Na verdade, uma
classe política, na qual os seres humanos são colocados de acordo com a sua posse ou não de
um pênis. Estes que possuem a forma do gênero masculino, não simplesmente por uma
interessante categoria erótica, mas pela classe de papeis no sistema de opressão chamado
36. Raymond, Janice G. (1986). Uma Paixão para Amigas: Relativo à Filosofia da Afeição Feminina. Londres: A
Imprensa das Mulheres, p. 12. Boston: Beacon Imprensa.
37. Loulan, JoAnn (1990). p. 73.
38. Ibid. p. 76.
39. Veja meu capitulo (1989). „Butch e Femme: Agora e Depois‟. No Grupo de História Lésbica (Eds.). Não é Uma
Fase Passageira. Londres: A Imprensa das Mulheres.
bem versados em tal teoria. A repressão política dos anos 50 fez da encenação de papeis uma
força de proteção quando uma de um casal lésbico pode „passar‟ pela rua, e ser difícil para
algumas lésbicas pensarem além da diferença de gênero por causa da propaganda abafada das
esferas separadas e diferença das mulheres que impregnou a década. As décadas de 80 e 90 são
um tempo diferente. Uma avançada pesquisa feminista crítica da heterossexualidade de Jill
Johnston a Adrienne Rich e Monique Wittig decifrou o vazio da heterossexualidade tradicional
e nomeou isso como uma instituição de controle político da mulher. Uma imitação das leis desta
instituição não podia ser realizada fora da ignorância nos anos 80 por aqueles que estavam
impregnados na teoria feminista.
A encenação de papeis na década de 80 é pornografia suave comparada com a pornografia
hard core de lésbica S/M. Isso providencia a emoção da erotizada diferença de poder sem os
extremos de violência e vulgaridade. Merrill Mushroom descreve as vantagens da encenação de
papeis usando os lemas do S/M, tais como vulnerabilidade, confiança e poder.
As dinâmicas básicas de butch-femme referem ao envolvimento
de poder, confiança, vulnerabilidade, ternura e carinho. Quando
eu, como uma butch, pedia a minha amada „Dê isso para mim,
baby, agora‟, indo o mais profundo dentro dela quanto eu podia
penetrar; e ela se solta completamente fluía para mim... Algumas
vezes eu quero que ela me tenha naquele instante, e então eu a
seduzo como uma femme seduz uma butch – seduzo ela a me ter
ao invés de querer que eu a tenha. Algumas vezes a própria butch
dela vai dominar, e ela vai Ter Seu Jeito comigo, e eu vou
deixar.40
Mushroom permanece vendo a si mesma como uma butch, apesar de uma troca de papel um
pouco controlada. As desvantagens da encenação de papeis foram esquecidas nessa nova versão
na qual é suposta a ser mais apenas um jogo do que de verdade. Há outras razões para a
revitalização da encenação de papeis. Lésbicas querem descrever os problemas em seus
relacionamentos, particularmente em torno da sexualidade, e na falta de uma linguagem
feminista, agora que esse feminismo é tão desprezado e descartado, a linguagem da encenação
de papeis parece útil.
A terapeuta sexual JoAnn Loulan, em seu livro A Dança Erótica Lésbica, expressa que sua
visão da encenação de papeis é sobre a construção de categorias corroídas. Butch/Femme para
ela é sobre como escolher uma parceira sexual e o que fazer com elas. Para ela, o lesbianismo é
uma prática sexual e esta prática sexual, por ela mesma, ao fazer isso, que faz o lesbianismo
revolucionário. A crítica feminista da encenação de papeis é referida pelos propagandistas como
lesbianismo „dessexualizado‟. Loulan nota que ela „não pode deixar de comentar sobre a
dessexualização da nossa cultura‟41. Contribuintes de O Desejo Persistente produzem o mesmo
argumento. Madeline Davis observa:
Frankly, eu não entendo não ter papel identificado. Claro, eu
acredito quando elas dizem que não são, mas tudo isso me parece tão „o
mesmo‟ para mim, e um tipo chato. Elas estão tão ocupadas pegando
nas mãos e remexendo e cantando sobre „‟encher e transbordar‟‟42.
Arlene Istar reclama sobre o feminismo, „Nós temos limitados nossas opiniões sobre
dessexualizar nossa comunidade‟43. Lyndall MacCowan explica que „butch e femme são
construções de gênero que surgem de uma definição sexual de lesbianismo‟ 44 e que „Butch e
femme foram feitas invisíveis porque a sexualidade lésbica foi feita invisível‟ e prossegue numa
rejeição explícita da temeridade do feminismo lésbico em dar ao lesbianismo um significado
político.
40. Mushroom, Merrill (1983). „Confissões de uma Butch Dyke.‟ Vidas Comuns, Vidas Lésbicas. No. 9. p. 43.
41. Loulan, JoAnn (1990). p. 203.
42. Davis, Madeline (1992). „Epilogo, Novo Anos Depois.‟ In Nestle, Joan (Ed.) p. 270.
43. Istar, Arlene (1992). „Femme-Dyke.‟ In Nestle, Joan (Ed.) p. 382.
44. MacCowan, Lyndall (1992). p. 306.
É hora de dizer explicitamente que a análise lésbico-feminista
vincula a opressão das mulheres com o gênero, papeis de sexo,
sexualidade, e a orientação sexual é tanto simplista quanto incurável, e
sobrevive a habilidade para abastecer um movimento para a libertação
de mulheres – não apenas lésbicas.45
A sexualidade da encenação de papeis, como demonstrada em coleções tais como O Desejo
Persistente, imita a felação heterossexual clássica e relações religiosamente a fim de realizar o
potencial dessas práticas para satisfações sadomasoquistas. Uma butch prestativamente explica
a excitação de penetrar para ela: „... foder entre iguais é impassível... Quando nós fodemos, nós
possuímos. Quando nós somos fodidas nos tornamos a posse‟ 46. Joan Nestle descreve ser fodida
com um dildo, „... ela desce e desliza o pênis em mim... ela começa a mover seus quadris em
empurrões curtos e fortes‟47. Pat Califia tem um poema na coleção sobre ela querer ter um pênis
com linhas como „Imagine o dilatado e rígido comprido/empurrado dentro de você,‟ „Fodendo
você até eu chegar/ Ficando em você até eu ficar duro novamente‟ 48. As palavras usadas para
foder no poema são „empurrar, introduzir e arquear‟, „furar‟, „machucar, preencher e perfurar
em você‟49.
Mais surpreendente que a imitação das relações sexuais brutais é a prática da felação. Ou
seja, o ato da felação em um dildo. Jan Brown explica que a razão para esta prática é que é essa
a definição da dominação e submissão. „Isso é sobre o estímulo de dominar, ter e degradar. Isso
é sobre a feroz necessidade de submeter. De servir a alguém‟ 50. Nestle também descreve a
felação. Para que não careçam do potencial erótico para a mulher amarrada nisso, Nestle inventa
uma variação. „Eu tomo uma das mãos delas e envolvo em torno da base, então ela pode sentir
meus lábios como eu movo nela... lambendo o pênis de lavanda‟51.
As práticas de encenação de papeis, descritas na determinação delas em imitar o sexo
heterossexual tradicional, inclui violência não consensual. O poema acima de Pat Califia sobre
perfurar e machucar também menciona o alcoolismo e violência da butch. Scarlet Woman
escreve sobe o que poderia em um contexto heterossexual ser passível de algumas jurisdições
pela acusação de estupro marital. A mulher acorda „Debaixo de mãos rápidas, alarmada em
excitação instantânea‟ e „Você move mais rápido do que posso acreditar‟ enquanto „Meu
cérebro está dormente‟52. Mas isso é representando como aceitável porque a vítima fica excitada
no decorrer do evento. Talvez não seja surpreendente que quando as dinâmicas da
heterossexualidade são imitadas nas dinâmicas de atividade e passividade, então o estupro é
provável de se tornar uma possibilidade real entre mulheres.
É um segredo aberto entre proponentes do sadomasoquismo lésbico que a sexualidade da
crueldade é vinculada ao abuso sexual de crianças. Praticantes defendem o S/M afirmando que é
esse o único modo que elas podem experimentar o prazer sexual porque seu abuso amarrou
46. Brown, Jan (1992). „Sexo, Mentiras e Penetração: Uma Butch Finalmente “Admitem”.‟ Em Nestle, Joan (Ed.) p.
411.
48. Califia, Pat (1992). „Gênero Fode Gênero.‟ Em Nestle, Joan (Ed.) p. 423.
49. Ibid. p. 424.
50. Jan Brown (1992). p. 413.
51. Nestle, Joan (1992). „Minha Mulher Papai.‟ p. 349.
52. Scarlet Woman (1992). „Role Sobre Mim e Me Traga uma Rosa.‟ Em Nestle, Joan (Ed.).
O Desejo Persistente. p. 352.
abuso e prazer tão rigorosamente juntos que para elas qualquer possibilidade de um erotismo de
igualdade está impedida. Dos escritos das encenadoras de papeis isso parece bastante claro que
há ligações similares entre a compulsividade da prática do S/M moderado e a opressão das
mulheres. Jan Brown, em The Persistent Desire nos diz que ela trabalhou como uma prostituta
de rua na década de 70. Como uma butch adulta, ela nos diz que ela e suas amigas encenadoras
de papeis mentiram para as feministas para tentarem fazer suas práticas sexuais parecerem
respeitáveis. „Nós explicamos a elas que mesmo que muitas de nós pudessem masturbar em
estupro coletivo, torturar, papai em nossas camas, e outras imagens inegavelmente incorretas,
mas não era nada de se perder o sono‟ 53. Elas enfatizaram a diferença entre a fantasia e a
realidade, e que elas estavam no controle de suas fantasias. Mas ela diz, „nós mentimos‟. Na
verdade, a falta de controle que é atraente. O poder das fantasias mente:
...na luxúria de ser dominada, forçada, machucada, usada,
objetificada. Nós masturbamos o estuprador, o Hell’s Angel
[motociclista], o papai, o Nazi, o policial, e todas as outras imagens que
não havia nada a fazer com o tipo de sexo lésbico que implica
murmúrios de carinho, acariciamento de seios, e longo e lento trabalho
de língua. E, sim, nós também sonhamos em tomar. Nós sonhamos com
o sangue em nossas mãos, em rir com os choros de misericórdia. Nós
vestimos o uniforme e a arma; nós arrastamos nossos pênis para fora de
nossas calças para dirigir a um corpo relutante. Algumas vezes,
queremos dar as mãos à estrangulada. Algumas vezes, nós precisamos
ter um pênis tão duro quanto verdadeiro entre nossas pernas, para ter a
liberdade de ignorar o „‟não‟‟ ou para ter nosso próprio „‟não‟‟
ignorado.54
Brown explica que as fantasias surgem diretamente da opressão das mulheres porque „muitas
de nós tem graduação na universidade de autodestruição‟. Elas são „sobreviventes das ruas,
sobreviventes de incesto‟, viveram com „namorados abusivos‟ ou „abusavam de substâncias‟ e
„mantinham muitos tipos de cicatrizes‟. Mas o sexo que é crueldade erotizada é a salvação delas
e „nos mantêm vivas – fora das prisões e enfermarias trancadas, relacionamentos abusivos, e
probabilidade de brigas ruins em bares‟ 55. Brown explica bastante diretamente o quanto a
encenação de papeis erotiza a verdadeira experiência material da brutalidade.
Um poema em Leitora Femme-Butch cria o mesmo ponto. A narração poética de Sonja
Franeta explica que ela ouvia os sons de seu pai batendo e abusando de sua mãe e „descobriu
como limpar/a ferida diretamente em mim‟56. Ela estava batendo nela mesma. Mais uma vez,
erotizar a crueldade é visto como a solução na qual „nossa dor se tornará prazer‟ e esse tempo é
expresso em cinto de fivela, botas, jaqueta de couro, navalha e ser „forte‟. A ideia de que a
sexualidade da encenação de papeis, como outras formas de S/M, é um tipo de ritual religioso
de masoquismo que vai salvar ou compensar pela verdadeira dor é um refrão comum.
Não são apenas encenadores de papeis libertários que caem na falácia essencialista. Três
lésbicas radicais separatistas, moradoras de Oakland, Califórnia, que têm perspectivas
inquestionavelmente feministas sobre sadomasoquismo e feminilidade, estão usando a ideia de
butch e femme de modos que compartilham alguns das implicações mais profundas e
problemáticas da perspectiva libertária que nós vimos acima. Bev Jo, Linda Strega e Ruston
atacam o que elas veem como opressão das butchs pelas femmes. Elas não veem butch e femme
como categorias eróticas, de qualquer modo. As definições delas são políticas. Elas veem
butches como „aquelas que, como garotas, rejeitaram a feminização, e recusaram-se a encenar o