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CIÊNCIA POLÍTICA

Prof. Pedro R. Campanini

SUMÁRIO
Capítulo Página
I - Conceito de Política - Noção de TGE - Política e Direito Constitucional 02
II – A origem do Estado 04
III – Constituição e Poder Constituinte 11
IV – Estado e Direito 15
V – Estado: povo, território e soberania 20
VI – Estado Moderno e democracia 28
VII – A separação de poderes 38
VIII - Formas e sistemas de governo 41
Bibliografia 47
CAPÍTULO I
CONCEITO DE POLÍTICA - NOÇÃO DE TGE - POLÍTICA E DIREITO CONSTITUCIONAL

I - POLÍTICA

- Conceito: Ciência dos fenômenos referentes ao Estado (Dicionário Aurélio).


- Na Antiguidade grega a palavra política significava a ciência de bem governar a
cidade (polis).
- A definição clássica de política encontra-se na obra de Aristóteles, “Política”.
Refere-se à cidade e, consequentemente, a tudo que é urbano, civil, público e social.
Em outras palavras, o conceito de política era habitualmente empregado para indicar
a atividade ou conjunto de atividades inerentes a Polis.
- Modernamente, para Max Weber, a política pode ser vista como a direção do
agrupamento político denominado Estado, assim, a organização e funcionamento do
Estado são regidos por decisões políticas.
- Com a presente globalização, a política deixou de ser assunto estritamente estatal,
passando a ser importante também para outras organizações, como por exemplo, a
ONU, a OEA, que são grupos interestatais, bem como de grupos menores, como
ONGs, associações, etc.
- Para o jurista alemão Herman Heller, o conceito de política é muito mais amplo do
que o do simplesmente estatal. Pode-se afirmar, portanto, que a política atualmente
é, ou ao menos deveria ser, de interesse de todos os grupos sociais, pois cada
cidadão é sujeito passivo das decisões políticas governamentais, e ainda, conta com
inúmeras possibilidades de atuação e participação importante.
- Cabe, nessa introdução, citar o texto de Bertold Brecht, “O analfabeto Político”:
“O pior analfabeto é o analfabeto político, ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o
preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem
das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o
peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o
político vigarista,
pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”

II - CIÊNCIA POLÍTICA OU TEORIA GERAL DO ESTADO

NOÇÃO:
“É uma disciplina de síntese, que sistematiza conhecimentos jurídicos,
filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, antropológicos, econômicos,
psicológicos, valendo-se de tais conhecimentos para buscar o
aperfeiçoamento do Estado, concebendo-o, ao mesmo tempo como um fato
social e uma ordem, que procura atingir os seus fins com eficácia e justiça”.1

OBJETO:
“Estudo do Estado em geral, do Estado como fato social, que se repete
uniformemente, quanto à natureza intrínseca, no tempo e no espaço; é a
ciência que investiga e expõe os princípios fundamentais da sociedade política
denominada Estado, sua origem, estrutura, formas e finalidade.”2

“Estudo do Estado sob todos os aspectos, incluindo a origem, a organização, o


funcionamento e as finalidades, compreendendo-se no seu âmbito tudo o que
se considere existindo no Estado e influindo sobre ele.”3

III - DIFERENCIAÇÃO ENTRE TGE E DIREITO CONSTITUCIONAL

Ciência Política ou TGE Direito Constitucional

1
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 02.
2
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 23. ed. Rio de Janeiro: 1984, p. 10.
3
DALLARI, op. cit., p. 04.
2
Estuda o Estado em Geral, seus Estuda a organização de um Estado
elementos permanentes, sua origem e determinado. Ex: Dir. Constitucional
finalidade. Brasileiro.
Descreve a estrutura e funcionamento Descreve a analisa a constituição política
dos órgãos do Estado. de um Estado.
Analisa a formação política dos Estados, Analisa a estrutura, organização das
observando os fatos históricos, sociais e instituições e órgãos de um Estado.
políticos.
Estuda as formas, tipos e características Analisa o modo de aquisição e limitação
gerais dos Estados. dos poderes estatais.
A TGE, por ser geral, é anterior ao Direito Analisa a previsão de direitos e garantias
Constitucional, que acaba por se fundamentais expressos em um texto
fundamentar na TGE. constitucional.

3
CAPÍTULO II
A ORIGEM DO ESTADO

I - A ORIGEM DA SOCIEDADE

– Teorias sobre a origem da sociedade:


1. Sociedade natural
2. Ato de escolha => contratualismo

1. Sociedade natural
 O primeiro a afirmar que a sociedade surge da própria natureza humana foi
Aristóteles, ao dizer que o homem é um animal político, ou seja, precisa viver
em sociedade para desenvolver sua plenitude. Por outro lado, aqueles que
vivem à margem da sociedade são os de natureza vil.
 Posteriormente, no século I a.C., Cícero afirma que o homem para bem viver
procura o apoio comum, pois isto é da sua natureza.
 São Tomás de Aquino compactua da mesma ideia, afirmando ser o homem um
animal naturalmente político, que só vive à margem da sociedade quando
extremamente superior aos demais homens, quando tiver anomalia mental,
ou quando houver um acidente que o distancie (exemplo: náufrago).
 Na atualidade, Ranelleti afirma que o homem, em qualquer época ou estado
de civilização, sempre é encontrado vivendo socialmente, portanto, é da sua
natureza o agrupamento. A associação de humanos é condição essencial da
vida do homem, pois somente assim pode suprir suas necessidades, preservar
melhor a si mesmo e conseguir atingir os fins de sua existência.
 O que diferencia as associações humanas das dos demais animais? Para
Aristóteles, somente o homem sabe discernir o certo do errado, tem conceitos
de justiça e portanto somente o homem é capaz de criar o Estado. Os demais
animais reúnem-se por instinto, o homem porque é de sua natureza
(necessidade) e vontade (raciocínio).

- Política - O homem é um animal político4, Aristóteles:


“É evidente que a cidade faz parte das coisas naturais, e que o homem é por
natureza um animal político. E aquele que por natureza, e não simplesmente por
acidente, se encontra fora da cidade ou é um ser degradado ou um ser acima dos
homens, segundo Homero (Ilíada IX, 63) denuncia, tratando-se de alguém: sem
linhagem, sem lei, sem lar.
Aquele que é naturalmente um marginal ama a guerra, e pode ser comparado a uma
peça fora do jogo. Daí a evidência de que o homem é um animal político mais ainda
que as abelhas ou que qualquer outro animal gregário. Como dizemos
frequentemente, a natureza não faz nada em vão; ora, o homem é o único entre os
animais a ter linguagem [logos]. O simples som é uma indicação do prazer ou da
dor, estando portanto presente em outros animais, pois a natureza destes consiste
em sentir o prazer e a dor e em expressá-los. Mas a linguagem tem como objetivo a
manifestação do vantajoso e do desvantajoso, e portanto do justo e do injusto. Trata-
se de uma característica do homem ser ele o único que tem o senso do bom e do
mau, do justo e do injusto, bem como de outras noções deste tipo. E a associação
dos que têm em comum essas noções que constitui a família e o estado.”
- Para Aristóteles a cidade é o lugar natural para a realização plena do ser humano e
de suas capacidades, porque é uma comunidade ordenada segundo a justiça e o bem
comum. Assim, a sociedade teria surgido naturalmente, mas evoluído e se
organizado racionalmente, eticamente. É natural ao homem viver em sociedade, pois
ali seus membros encontram um bem comum.

2. Contratutalismo
- A sociedade surge de um contrato hipotético entre os homens.

4
In MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000, p. 55-56.
4
- Muitos autores adotam o contratualismo. Vejamos duas correntes:
1 - Thomas Hobbes (1588/1679), descrita em “O Leviatã”:
 O homem vive inicialmente em estado de natureza: não há repressão às
ações, todos são livres, inclusive para usar a força. No confronto de duas
liberdades pode surgir o conflito.
 Sem uma autoridade para reprimir o uso da força, todos estão ameaçados
pela violência. Esse estado ameaça a existência humana, pois não há ordem.
 Para Hobbes, os homens em estado de natureza são egoístas, luxuriosos e
inclinados à agressão aos outros, para alcançar poder e protegerem-se dos
demais. É a chamada guerra de todos contra todos: o homem é o lobo do
homem.
 Com a interferência da razão humana, celebra-se o contrato social em direção
ao estado civil (autoridade governamental controlando o uso da força). A vida
fica protegida pelo Estado que exerce o poder soberano. O Estado é uma
necessidade para o homem.
 Assim são formuladas duas leis fundamentais: a) cada homem deve esforçar-
se pela paz, se não for possível por bem que seja então pela guerra; b) a
liberdade de todos os homens deve ser cerceada de forma homogênea, para
que haja respeito idêntico entre todos.
 O contrato então é a irrestrita transferência de direitos dos cidadãos que são
conferidos ao Estado. Por uma vontade humana os homens restringem sua
liberdade em benefício da paz. Os cidadãos submetem-se a um terceiro (o
soberano) que está acima das partes para que então alcancem o estado civil.
 Para Hobbes, os poderes conferidos ao governo devem ser absolutos, pois
melhor um governo ruim do que o estado de natureza. Assim, obedecer às leis
do governo deve ser considerado sempre correto por parte do cidadão. O
soberano somente poderá ser desrespeitado caso não esteja oferecendo à
sociedade paz e segurança.
 Hobbes entende que as leis civis servem ao Estado. Por ser o soberano quem
faz as leis, ele não precisa se submeter a elas, pois pode fazê-las e revogá-las
conforme entender melhor.
 Hobbes prefere ainda o Estado monárquico, pois assim não há desagregação
no poder, com disputas entre diferentes dirigentes.

2 – Jean-Jacques Rousseau (1712/1778), descrita na obra “O contrato social”:


 O homem é bom por natureza.
 No entanto, os obstáculos que se impõem à conservação do homem em
estado natural são muito grandes para serem superados pelos homens
individualmente. O maior problema surge quando o homem cria o conceito de
propriedade (o maior dos males humanos) e começa a lutar por ela.
 Assim sendo, o homem precisa de um aumento de força para sobreviver. Este
aumento vem exatamente da união com outros seres humanos.
 Contudo, a união com outros homens promove limitações no maior bem
humano: a liberdade. É necessário assim que haja uma combinação correta
entre força e liberdade, que são os instrumentos fundamentais da
conservação humana.
 O contrato social resolve tal questão: os homens alienam todos seus direitos
em favor da comunidade, produzindo o Estado, que é o executor das vontades
coletivas. O poder do Estado é a síntese das vontades dos associados, mas
acima das vontades individuais, busca proteger o coletivo. Assim o poder
soberano pertence aos associados e é exercido em seu benefício.
 Diante disso tudo, a igualdade natural que antes era falha, pois os mais fortes
dominavam os mais fracos, passa por uma correção: todos são iguais perante
o Estado, criando-se dois princípios fundamentais: liberdade e igualdade.
Estes princípios fundamentam a democracia.
 As leis civis devem pautar-se nas leis naturais, respeitando, por exemplo, o
direito à vida. Contudo, o Estado perdeu-se no seu caminho, preocupando-se
com questões artificiais (como a propriedade). Assim, seria melhor ao homem
voltar ao seu status quo ante (estado anterior de coisas), a volta ao estado de

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natureza, já que “se o homem nasceu livre, então por que se encontra, e se
submete a encontrar-se sob ferros?”.
 Todavia, se a volta à uma situação sem o Estado é inconcebível, deve então a
lei pautar-se no direito natural (direitos humanos, por exemplo).

Observação: Segundo José Cretella Júnior e José Cretella Neto (in 1.000 Perguntas e
respostas sobre Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2000), atualmente,
predomina uma corrente de pensamento mista, que reúne elementos do naturalismo
e também do contratualismo; ao mesmo tempo em que se entende existir uma
necessidade natural do homem de associar-se, reconhece-se a importância de sua
consciência e manifestação da vontade para moldar a forma de organização. O ser
humano é considerado, portanto, como um homem social.

II - ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DA SOCIEDADE

- Historicamente, todas as sociedades apresentam as seguintes características:


1. Uma finalidade ou valor social;
2. Manifestações de conjunto ordenadas;
3. O poder social.

1 - Uma finalidade ou valor social

- A finalidade social precisa ser um objetivo estabelecido de forma livre e consciente.


- Como são vários os cidadãos, a escolha da finalidade deve ser um bem comum
aceito por todos. Tal bem comum foi bem definido pelo Papa João XXIII (apud Dallari,
p. 24): “conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o
desenvolvimento integral da personalidade humana”.
- Contudo a finalidade social precisa estar adequada às leis naturais e à fatores
históricos do povo que se organiza.

Obs: o posicionamento finalista é contraditado pelo determinista. Por esta posição, o


homem está submetido a uma série de leis naturais, sujeitas ao princípio da
causalidade. Nesse sentido, ele se une em sociedade forçado por alguns fatores, tais
como o econômico ou o geográfico, que também acabam por determinar a finalidade
que a sociedade deve buscar (assim não há escolha humana para a finalidade
social).

2 - Manifestações de conjunto ordenadas

- O simples agrupamento de pessoas, mesmo com uma finalidade estabelecida, não


seria suficiente para a consecução desse fim. É preciso então que os membros da
sociedade passem a se manifestar em conjunto e busquem o cumprimento da
finalidade.
- Com as reiteradas manifestações sociais num mesmo sentido, torna-se possível
concluir o bem comum buscado. Contudo, isso não passará de costume ou uso social,
que estará apenas disperso na moral da sociedade.
- No entanto, como os desejos humanos são muito variados, pois cada um tem seus
valores e ambições, para que o bem comum possa ser estabelecido, as
manifestações devem ter uma ordem que a sustente.
- Assim, além da ordem social (moral e objetivo social buscado) é necessária a
presença da ordem jurídica (tipificações legais e sanções).

3 – O poder social

- O poder social é decorrência da sociedade, pois para que haja a consecução de


suas finalidades é necessária uma ordem que necessita de sanção (o ser humano
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não é totalmente ético, então precisa ser limitado e obrigado a seguir a ordem
social).
- Esse poder é ainda bilateral: advém das relações entre Estado e povo. O Estado
deve respeitar as aspirações do povo que, por sua vez, precisa respeitar as regras.
Ambos podem exigir do outro direitos e deveres.
- O poder somente será legítimo quando harmônico com a vontade do povo.
- Os anarquistas entendem ser possível a ordem social sem que haja a figura do
poder, principalmente porque este somente serve às classes dominantes.

III – A SOCIEDADE POLÍTICA

- É uma sociedade de fins gerais: objetivo indefinido e genérico de criar condições


necessárias para que os indivíduos e as sociedades que nela se integram (famílias e
igrejas, por exemplo) consigam atingir seus fins particulares.
- O Estado organiza-se então não como um fim em si mesmo, mas para propiciar aos
seus cidadãos condições adequadas de vida e, na atual sociedade capitalista, o
progresso econômico.
- Fica clara essa questão no artigo 3º da CF/88:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.

IV - O ESTADO

1. Primeiras noções:
 “Todas as sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as
regras de convivência de seus membros” (Dallari, p. 46).
 “Sociedade política dotada de certas características bem definidas.” (Dallari,
p. 45)

2. Quando aparece o Estado:


1ª Corrente: o Estado sempre existiu, porque o homem sempre esteve
integrado numa organização social dotada de poder e autoridade para dirigir o
comportamento do grupo.
2ª Corrente: os Estados surgiram para atender às necessidades humanas,
assim, não existiram sempre e foram surgindo em cada região em épocas diferentes,
ou seja, dependendo das condições concretas de cada lugar.
3ª Corrente: parte-se do pressuposto que o Estado só existe quando há
características muito bem definidas. Para Karl Schmidt, o Estado não existiu sempre,
é sim um conceito histórico, que surge quando nasce a ideia e a prática de soberania
no século XVII. Segundo Balladore Pallieri, o Estado surge no ano de 1648, com a
assinatura da Paz de Westfália, pela qual os reinos europeus determinaram os limites
territoriais resultantes das guerras religiosas, e a soberania do poder interno de cada
Estado. Esta terceira corrente observa o Estado como o conhecemos hoje (uma
organização política, com poder e território próprios, dotada de soberania
internacionalmente reconhecida).

3. Causas do aparecimento dos Estados – Teorias:

a) Origem familial ou patriarcal


- Cada família primitiva se ampliou e deu origem a um Estado

b) Origem em atos de força, violência ou de conquista


- A superioridade de força de um grupo social permitiu-lhe submeter um grupo mais
fraco, nascendo o Estado dessa conjunção de dominantes e dominados. O Estado
surge para regular a exploração dos mais fortes sobre os mais fracos.
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c) Origem em causas econômicas ou patrimoniais
- Motivo econômico: o Estado surge da necessidade de divisão do trabalho, para que
a produção a todos beneficie.
- Para Karl Marx e Friedrich Engels, conforme expuseram na obra “A origem da
família, da propriedade privada e do Estado”, o Estado somente surge depois de
alcançado certo grau de desenvolvimento. Para eles, o homem em princípio é
comunista, ou seja, divide igualmente toda a produção, no entanto, para que as
novas riquezas individuais fossem asseguradas, foi necessário o estabelecimento da
propriedade privada. Surgem então as classes sociais, uma exploradora e outra
explorada, uma detentora dos meios de produção, outra apenas da força de trabalho.
O Estado então vem para organizar a exploração da burguesia sobre o proletariado.

d) Origem no desenvolvimento interno da sociedade


- O Estado é inerente às sociedades, assim, quando a sociedade alcança um nível
complexo de evolução, o Estado surge como necessidade natural.

e) Origem por formação derivada


- Atualmente é o processo mais comum.
- Processos:
1) Fracionamento de Estados
 Uma parte de um território de um Estado se desmembra, criando um novo
ente. Assim, há uma diminuição no território original e o novo Estado passa a
atuar com total independência.
 Exemplo: antiga URSS.
2) União de Estados
 Dois ou mais Estados unem-se, adotando uma mesma constituição (poderes,
leis, organização social e política única).
 Exemplo: Alemanha Ocidental e Oriental que se uniram após a queda do Muro
de Berlim em 09 de novembro de 1989.
3) Formas atípicas
 Formas não previsíveis, que podem originar novos Estados.
 Exemplo: com o término da Segunda Grande Guerra, os países vencedores
decidiram dividir a Alemanha em dois Estados, para assim diminuir o seu
poder e evitar uma futura guerra. Dividiu-se o Estado então em Alemanha
Ocidental e Alemanha Oriental.
 Exemplo: o Vaticano, que mesmo estando dentro do território italiano, tornou-
se um Estado independente por questões religiosas.

4. Evolução histórica do Estado

a) Estado Antigo
 Também conhecido como Estado Oriental ou Teocrático.
 Questões de família, religião, organização econômica, moral e filosofia se
confundiam na organização do Estado.
 Natureza unitária: o Estado não comportava subdivisões, o poder único era do
monarca.
 Religiosidade: o elemento teocrático do Estado. O monarca tinha legitimidade
divina para exercer o poder, bem como criava as normas como fruto da
vontade divina.

b) Estado Grego
 Cada cidade (polis) tinha autonomia, independência e características próprias.
 Por causa disto, e pela busca da autossuficiência, as polis formavam as
cidades-Estados.
 Mesmo com conquistas militares de uma polis sobre outra região, a
característica de autossuficiência permanecia, ou seja, a nova região não era
incorporada ao Estado dominador.

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 Na decisões políticas, a Grécia se destaca pela participação popular, havendo
o surgimento da democracia.

c) Estado Romano
 Em princípio Roma teve características básicas de cidade-Estado. No entanto,
com a expansão das conquistas territoriais, superou-se a cidade-Estado e
tornou-se um império, com poder centralizado na Cidade de Roma, e com
unidades de poder espalhadas pelos territórios conquistados.
 Roma surgiu da união de famílias, portanto as famílias mais importantes
dispunham de privilégios diversos.

d) Estado Medieval
- O cristianismo
 Pretende-se a afirmação da igualdade entre os cristãos. Contudo, os não
cristãos são preteridos.
 Ocorre a unificação da igreja católica. Com isso, surge a ideia de que todos
devem ser cristãos e submetidos à mesma ordem política. Daí advém o Estado
Universal, ou seja, o Império da Cristandade, capacitador de uma ordem
estatal única.
 Com este intuito a Igreja confere à Carlos Magno o título de imperador, no ano
de 800. Entretanto, pelo fato da Igreja querer mandar demais e por causa da
desobediência dos reinos espalhados pela Europa, o império nunca se
constituiu com supremacia.
 A briga entre o Papa e os Imperadores que se seguiram marcou os últimos
séculos da Idade Média, terminando apenas com o surgimento do Estado
Moderno, que confere supremacia de poderes ao monarca na ordem temporal
(não religiosa).
- As invasões bárbaras (século III ao VI)
 Com as conquistas dos germanos, eslavos, godos, etc, no território europeu,
novos costumes se difundiram, bem como houve estímulo para que tais
regiões conquistassem autonomia, surgindo novos Estados. Isto abalou
profundamente o Império.
- O feudalismo
 Com as constantes guerras e invasões, o comércio foi profundamente
prejudicado. Assim, a terra passa a ser o principal meio de subsistência, de
onde ricos e pobres tirarão a sobrevivência.
 Surgem dois institutos que pulverizam ainda mais a concentração de poder,
ou seja, os senhores feudais aumentam seu poder próprio:
o A vassalagem: o proprietário menos poderoso de terras servia ao
senhor feudal, dando-lhe ainda uma contribuição pecuniária em troca
de proteção.
o O benefício: um pai de família, sem terras, recebia uma faixa de solo
para plantar, dividindo a produção com o senhor feudal. O senhor
feudal tinha total poder sobre o servo e sua família, podendo
determinar até mesmo a morte destes.

e) O Estado Moderno
 Com a pulverização do poder, determinada pelos caracteres do Estado
Medieval, a busca pela unificação do controle político se intensificou.
 Com a Paz de Westfália, surgem as principais características do Estado
Moderno:
1. soberania
2. território
3. povo
4. finalidade

f) O Estado Contemporâneo
 Principalmente após o fim da II Guerra Mundial, a ordem política e econômica
mundial passa por alterações profundas.

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 Atualmente o conceito de soberania sofre alterações, podendo ser
compartilhada.
 Com a criação das comunidades de Estados, a noção de povo tem
acrescentada a ideia de cidadania da comunidade.
 Surgem os blocos políticos, militares, comerciais e econômicos entre nações.
 Surge a união entre países, com caráter econômico, social e político.
 Há união entre Estados para preservação da paz e de interesses econômicos,
através da criação de organizações (ONU, OTAN, G7, etc).

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CAPÍTULO III
CONSTITUIÇÃO E PODER CONSTITUINTE

I - DIREITO CONSTITUCIONAL

- Conceito: “é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à


organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do
mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política.”

- Objeto: a constituição política do Estado, analisando sua estrutura, organização de


suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder e os direitos e
garantias fundamentais.

II - CONSTITUIÇÃO

- Conceito: lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes


à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e
aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e
deveres do cidadão.

III - PODER CONSTITUINTE

- Conceito: é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo,


social e juridicamente organizado.

- Distinção: é importante distinguir o poder constituinte dos poderes constituídos. Ele


é o poder que elabora a Constituição, não devendo ser confundido com aqueles, que
são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Estes são instituídos, pela Constituição,
obra do poder constituinte, que poderia optar por outros, como já ocorreu no Brasil-
Império, com a previsão de um quarto poder, o Moderador. O poder constituinte está
acima dos poderes constituídos, não devendo ser confundido com nenhum deles.

- Noções gerais:
 A teoria do poder constituinte foi desenvolvida no século XVIII, período em que as
ideias do racionalismo prevaleciam. Tais ideias eram decorrentes de uma
profunda mudança de mentalidade dos séculos anteriores. O final da Idade Média
e a passagem para a Idade Moderna é marcada pelo fim do teocentrismo, assim,
todas as teorias políticas adotaram um posicionamento
racionalista/antropocentrista.
 Com o Iluminismo e o próprio constitucionalismo, surge a ideia de origem popular
do poder. Nessa época o abade Emanuel Sieyès desenvolve a teoria do poder
constituinte, publicada no livro “O que é o Terceiro Estado”, às vésperas da
Revolução Francesa. O 3º Estado era o Povo (clero, nobreza e povo). Sieyès
questionava o que era o povo e o que tem sido o povo. Ele sustentava que
existiria um poder de origem popular, o poder constituinte, que teria a força de
elaborar a Constituição, que teria então uma característica de superioridade.
Seria superior até mesmo sobre os poderes constituídos, que seriam fruto do
poder constituinte.
 A ideia de poder constituinte materializa-se com as primeiras constituições
escritas (EUA em 1787 e França em 1791). Não se tratam das primeiras
constituições, mas iniciam o constitucionalismo moderno. A Magna Carta na
Inglaterra, que no ano de 1215 limita os poderes do rei João Sem Terra, também
não é a primeira Constituição, mas nela encontramos, pela primeira vez, os
elementos essenciais do constitucionalismo moderno: limitação do poder do
Estado e declaração de direitos da pessoa.

1 - Titularidade

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- O titular do poder constituinte é o povo, pois a existência do Estado decorre da
soberania popular.
- A vontade da constituinte é a vontade do povo, que é expressa por meio de seus
representantes.
- Distingue-se titularidade (povo) de exercício (representantes do povo).
- Segundo o Prof. Dalmo Dallari, da própria noção de Constituição resulta que o
titular do poder constituinte é sempre o povo. Porém, como aponta o Prof. Celso
Bastos, titular também do poder constituinte pode ser uma minoria, quando o Estado
terá então a forma de aristocracia ou oligarquia. Por essa razão, alguns autores
fazem uma distinção entre titularidade e exercício do poder constituinte. Segundo
essa concepção, o titular seria sempre o povo, mas o seu exercício poderia ser
atribuído somente a uma parcela dele.
Dentro de uma concepção democrática, o titular do poder constituinte deveria ser
sempre o povo, que elaboraria uma nova Constituição por intermédio de
representantes legitimamente eleitos. Infelizmente, dentro de uma visão mais
realista, titulares são as forças que em um determinado momento histórico detêm os
fatores reais de poder.

2 – Espécies de poder constituinte

2.1 – Poder constituinte originário ou de primeiro grau


- Estabelece a constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes
destinados a reger os interesses de uma comunidade.
- Há poder constituinte originário tanto na confecção da primeira constituição de um
Estado, como naquelas que a substituem.
- O poder constituinte é quem constitui os poderes que serão utilizados pelo Estado:
executivo, legislativo e judiciário (se for adotada a divisão tripartida de poderes).
Assim, o poder constituinte é a fonte da autoridade dos poderes constituídos.

2.1.2 – Formas de expressão do poder constituinte originário


- Pelo fato do poder originário ser ilimitado e incondicionado, não há forma prefixada
para sua manifestação.
- No entanto, historicamente, é possível visualizar duas formas mais comuns de
expressão:
a) Assembleia Nacional Constituinte
 Nasce da deliberação ou convenção da representação popular
(parlamentares).
 Para tanto, há convocação dos parlamentares para estabelecer novo texto
organizatório e limitativo do poder.
 Exemplos no Brasil: Constituições de 1891 (proclamação da República), 1934,
1946 e 1988.
b) Movimento Revolucionário ou outorga
 É o estabelecimento da Constituição por declaração unilateral do agente
revolucionário, que autolimita seu poder.
 Exemplos no Brasil: Constituições de 1824 (independência do Brasil), 1937
(imposição do Estado Novo por Getúlio Vargas) e 1967 (fruto do golpe militar,
que vinha sendo mantido pelo AI n. 1 de 1964).

2.1.3 – Características do Poder originário


- Inicial: porque a Constituição que será produzida é a nova base da ordem jurídica.
Não há um direito ou fato anterior que o oriente.
- Ilimitado e autônomo: pois não está de modo algum limitado a direito anterior, não
tendo que respeitar ou seguir o direito positivo anterior.
- Incondicionado: não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua
vontade; não precisa seguir procedimentos pré-determinados. Não há submissão a
poderes anteriores.

2.2 – Poder Constituinte Derivado


- Conceito: o poder derivado está inserido na própria Constituição, decorrendo de
uma regra jurídica constitucional.

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- Por causa disso, possui limitações constitucionais expressas e implícitas. Assim, é
passível de controle de constitucionalidade.

2.2.1 – Características do Poder Constituinte Derivado:


- Derivado: retira sua legitimidade do Poder Constituinte originário.
- Subordinado: se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto
constitucional, às quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade.
- Condicionado: seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no
texto da Constituição que o autoriza. Está sujeito à regras formais/procedimentais.

2.2.2 – Espécies de Poder Constituinte Derivado


a) Poder Constituinte Reformador
 Também conhecido como competência reformadora.
 Consiste na possibilidade de alterar-se o texto constitucional, respeitando-se a
regulamentação especial prevista na própria Carta.
 Deve ser exercido pelos órgãos expressamente determinados. No Brasil, por
exemplo, pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados + Senado Federal)
por meio da edição de emendas constitucionais.

b) Poder Constituinte Decorrente


 Consiste na possibilidade que os Estados-membros de uma federação, têm em
virtude de sua autonomia político-administrativa, de se auto organizarem por
meio de suas respectivas constituições estaduais.
 A criação de constituições estaduais deve sempre respeitar as regras da
Constituição Federal (CF).

c) Poder Constituinte Revisor


 Alguns autores, entre eles Pedro Lenza, mencionam a existência de um Poder
Constituinte Derivado Revisor. Este poder teria sido previsto pelo art. 3º do
ADCT, que dava ampla margem de alteração material, mas previa limitações
formais (procedimento específico).

d) Poder Constituinte Difuso


 Tema recente na doutrina, que o define como o poder que os agentes políticos
possuem para promover a chamada "mutação constitucional", ou seja, atribuir
novas interpretações à Constituição para que ela consiga se adequar à
realidade da sociedade sem que seja necessário alterar o texto formal da
norma. A mutação constitucional não é irrestrita, devendo respeitar certos
limites como os princípios estruturantes do Estado e a impossibilidade de se
subverter a literalidade de norma que não dê margem a interpretações
diversas.
 Decorre principalmente das novas interpretações dadas pelas decisões
emanadas pelo Poder Judiciário, em especial o STF.
 Há autores que ainda consideram como mutação as interpretações firmadas
por agentes políticos como os parlamentares, ou pelo Presidente na aplicação
da norma. E ainda, os que consideram até mesmo os costumes do povo como
mutação constitucional.

3. Limites do Poder Constituinte


- Sempre que for feita referência a limites do poder constituinte, ela o será ao poder
constituinte derivado. O originário, como já vimos, é um poder absoluto, de fato, que
não encontra qualquer limitação de ordem jurídica. Os limites do poder constituinte
derivado são estabelecidos pelo poder constituinte originário. Podemos classificar
esses limites dentro dos critérios a seguir expostos:
 Limites explícitos: circunstanciais e materiais.
 Limites Implícitos: temporais ou formais e procedimentais.

3.1 - Limites circunstanciais


- Certas Constituições não podem ser alteradas em determinadas situações de
instabilidade política. Pretende-se que qualquer alteração do Texto Constitucional

13
ocorra em plena normalidade democrática, sem qualquer restrição a direitos
individuais ou à liberdade de informação, para que as consequências de eventuais
modificações do Texto Fundamental sejam amplamente discutidas antes de qualquer
deliberação. Exemplos: a) a Constituição brasileira de 1988 não admite emendas na
vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio: b) a
Constituição francesa não permite modificações com a presença de forças
estrangeiras de ocupação em território francês.

3.2 - Limites materiais


- Determinadas matérias não podem ser objeto de modificação. São as denominadas
cláusulas pétreas, o cerne fixo da Constituição, a parte imutável do Texto
Constitucional. Exemplo: todas as Constituições brasileiras, desde 189l, passaram a
proibir qualquer emenda visando a alteração tanto da forma republicana como da
Federação.
- A atual CF tem como cláusulas pétreas a forma federativa de Estado, o voto direto,
secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias
individuais (CF, art. 60, § 4º).
- As limitações materiais além de explícitas, podem ser também implícitas. As
primeiras são as que já vêm enunciadas na própria Constituição, as já mencionadas
cláusulas pétreas. Implícitas são as que decorrem do sistema constitucional, como as
que estabelecem o processo de alteração de normas constitucionais, as que fixam as
competências das entidades federativas etc.
- O Poder derivado decorrente, ao ser exercitado na confecção de uma constituição
estadual, deve respeitar o texto da Constituição Federal, devendo ainda, em boa
parte das regras a serem produzidas, respeitar o princípio da simetria. Luiz Alberto
David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior lecionam: “O princípio da simetria,
segundo consolidada formulação jurisprudencial, determina que os princípios magnos
e os padrões estruturantes do Estado, segundo a disciplina da Constituição Federal,
sejam tanto quanto possível objeto de reprodução nos textos das constituições
estaduais". (Ex: se na CF há tripartição de poderes, deverá haver também na CE).

3.3 - Limites temporais


- Certas Constituições contêm normas que impossibilitam qualquer modificação
durante certo período após a sua promulgação ou só admitem a aprovação de
alterações de tempos em tempos, de forma espaçada. Exemplo: a Constituição
brasileira do Império, que admitia qualquer alteração somente quatro anos após a
sua promulgação.

3.4 - Limites procedimentais


- A própria Constituição estabelece o rito a ser seguido para sua alteração. Esse
procedimento deve ser rigorosamente obedecido, sob pena de inconstitucionalidade
formal da norma aprovada.

14
CAPÍTULO IV
ESTADO E DIREITO

I – PERSONALIDADE JURÍDICA DO ESTADO

- A origem da concepção de Estado como pessoa jurídica pode ser atribuída aos
contratualistas, através da ideia de coletividade ou povo como unidade, dotada de
interesses diversos dos de cada um de seus componentes, bem como de uma
vontade própria, também diversa da vontade dos membros isoladamente
considerados.
- É certo que uma pessoa, física ou jurídica, deve ser dotada de vontade própria. No
caso da pessoa jurídica, a sua vontade deve ser diferenciada da vontade de seus
membros. Numa sociedade empresarial, por exemplo, deve prevalecer a vontade da
maioria dos sócios ou acionistas, ou seja, da coletividade.
- No entanto, no que tange aos Estados, a supremacia do interesse coletivo sobre os
interesses particulares da nobreza e classes no poder, demorou a acontecer. Durante
muitos séculos existiram governos autoritários e totalitários, que utilizavam o Estado
para realizar interesses particulares.

1. Teorias Ficcionistas da Personalidade do Estado

- Para Savigny, fundador da escola histórica de Direito, no século XIX, o Estado já


aparece como dotado de personalidade jurídica. Contudo, na sua teoria, a
personalidade jurídica do Estado aparece apenas como ficção, ou em outras
palavras: os sujeitos de direito são apenas os indivíduos (cidadãos) dotados de
consciência e de vontade. Assim, por necessidade prática para o funcionamento do
Estado, capacitando-o para ser sujeito de direitos e obrigações, cria-se
artificialmente, por meio de uma lei, a personalidade jurídica para o Estado.
- Por sua vez, Hans Kelsen, já no século XX, relata que o Estado é a personificação da
ordem jurídica. Desse modo, para Kelsen também é o Estado uma ficção, pois, pela
carência prática na criação de uma personalidade jurídica, faz-se com que o Estado
seja representado pela figura de uma pessoa jurídica. Tudo isso, fruto de uma
convenção justificável por motivos de conveniência e apoiado na legislação.

2. Teorias Realistas da Personalidade do Estado

- Para tais teóricos a personalidade do Estado não está desligada da realidade, pois o
Estado torna-se uma pessoa de grande porte, precisando de tratamento próprio.
- Para Gierke, o Estado tem vontade própria, sendo um organismo, que por meio de
órgãos próprios atua sua vontade.
- Laband acentua que o Estado é uma unidade organizada com vontade própria,
sendo sujeito de direitos próprios. Assim, as relações jurídicas do Estado são
diferentes das relações jurídicas individuais de seus cidadãos.
- Por fim, Georg Jellinek explica que sujeito, em sentido jurídico, não é uma essência,
uma substância, algo material, e sim uma capacidade criada mediante a vontade da
ordem jurídica. Desse modo, a qualidade de sujeito pode ser conferida não apenas
aos indivíduos, mas também ao Estado. Para Jellinek, o Estado é uma unidade
coletiva, advinda da necessidade e da consciência de indivíduos, que formam as
instituições.

3. Necessidade de reconhecimento da personalidade jurídica do Estado:

- Estabelecida a personalidade jurídica do Estado, resta claro que as pessoas físicas,


quando representam o Estado, devem nortear sua atuação pela vontade do Estado e
não pelos seus próprios interesses.
- Somente pessoas são sujeitos de direitos e deveres. Nesse sentido, para que
possamos cobrar do Estado atuação (saúde, moradia, segurança, etc), é necessário
que ele seja sujeito de direitos e obrigações, tornando-se essencial o reconhecimento
de sua personalidade jurídica.
15
- Os limites da atuação do Estado somente podem ser cobrados se ele tiver
personalidade própria, evitando-se, portanto, autoritarismos.
- Somente possuindo personalidade jurídica própria é que o Estado pode realizar
acordos e tratados internacionais, pois somente assim pode assumir obrigações.
- Também é através de sua personalidade jurídica que o Estado pode exigir
comportamentos do cidadão, através da edição de leis ou, em caso de
comportamento ilegal, aplicando sanções.

II – ESTADO, DIREITO E POLÍTICA

- O Estado se estabelece sobre bases jurídicas, no entanto, para que ele seja
realizável é imprescindível observarmos que ele tem também conteúdo político. Sua
atividade é dinâmica e está ligada a objetivos e justificativas, que acabam por
estabelecer os meios para atingir-se suas finalidades. Para melhor gerir os interesses
dos governados, o Estado precisa definir seus modos de atuação, esta definição
então é política (sistema de regras respeitantes à direção dos negócios públicos –
arte de bem governar o povo).
- Assim, a ordem jurídica estabelece para o Estado as regras para sua atuação. Por
sua vez, a ordem política auxilia na definição dos meios para realização da finalidade
do Estado, ou seja, seus fins políticos.
- A ordem política então depende do estabelecido na ordem jurídica, pois de outra
forma será ilegítima e ilegal. Para definição da organização política mais eficaz na
busca da realização dos interesses coletivos, deve a ordem política sempre respeitar
o regramento jurídico. Apesar de tal preocupação, a ordem não deixa de ser
substancialmente política.

1. O Poder Político

- A principal preocupação do poder político é com a eficácia. Quem detém o poder


político, preocupa-se em conseguir aceitação de seus planos e métodos, ou seja,
seus comandos devem ser respeitados, mesmo que algumas vezes seja necessário
recorrer à violência para conseguir obediência.
- Contudo, a eficácia deve ser buscada sempre no interesse do coletivo e com
respeito à ordem jurídica.
- Diante disso, temos duas noções importantes de política, uma neutra, outra
positiva.
1. Para Cassirer, política é a arte de unificar e organizar as ações humanas e
dirigi-las para um fim comum.
2. Para Max Weber, após conceituar o Estado como uma comunidade humana
que, dentro dos limites de determinado território, reivindica o monopólio do
uso legítimo da violência física, a noção de política aparece como: o conjunto
de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão
do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado.
- O caráter político do Estado lhe dá a função de coordenação dos grupos e dos
indivíduos, em vista de fins a serem atingidos, por meio da imposição de meios
adequados. Conseguir esse objetivo depende de três dualismos fundamentais:
1. Necessidade e possibilidade
a. É preciso, antes de qualquer coisa, analisar as necessidades do povo
(sobrevivência e progresso);
b. Antes da tomada de qualquer ação, faz-se necessária a análise dos
meios disponíveis para consecução dos objetivos, ou seja, as
possibilidades determinarão a organização e etapas a serem colocadas
em prática para o atendimento das necessidades.
2. Indivíduos e coletividade
a. Necessidade de conciliar os interesses dos indivíduos e da coletividade.
b. Proteger o indivíduo é importante, no entanto, é necessário ter em
conta que ele não existe isoladamente, sendo a coletividade a soma de
vários indivíduos.
c. Devem então ser pesados os interesses coletivos e individuais, para
que nenhum dos dois sofra males excessivos.
16
3. Liberdade e autoridade
a. Na escolha dos meios de atuação para satisfação das necessidades do
povo, é preciso determinar limitações à liberdade individual, com o fim
de aumentar-se a eficácia do projeto de governo.
b. Para que a ordem seja respeitada, a coação faz-se necessária. Já
afirmou Kelsen: não existe ordem jurídica sem coação.
c. Acertar o limite, o equilíbrio entre liberdade e autoridade é um
problema difícil. Liberdade individual ilimitada gera descontrole e
desordem social, por outro lado, liberdade excessivamente controlada
gera desconforto dos indivíduos e autoritarismo do Estado.

III – Principais apresentações dos Estados Ocidentais

1 – Estado absolutista
- O Estado absolutista, existente principalmente após o término da Idade Média,
início da Idade Moderna, tem como principal ponto a concentração de poderes nas
mãos do monarca. Dessa forma, o rei pode legislar, julgar e administrar.
- Essa espécie de sistema é capaz de gerar governos autoritário e ditatoriais, exato
que não há como cobrar o governante por seus mandos e desmandos.

2 – Estado liberal
- O liberalismo inicia-se nos séculos XVI e XVII, época em que os Estados Nacionais
estavam em formação. A princípio, enquadrava-se como uma luta pela liberdade
religiosa, que deveria ser uma opção do cidadão e não uma imposição do Estado.
Tornou-se uma doutrina política, quando começou a pregar uma limitação do poder
do Estado e a defender as liberdades individuais na sociedade. Como teoria
econômica começa a perder forças com as mudanças políticas e sociais acontecidas
após a Primeira Guerra Mundial.
- O Estado liberal contrapõe-se diretamente ao absolutismo, de modo a aumentar as
liberdades civis, através da diminuição dos poderes do Estado. Traz como
características o declínio das monarquias, as declarações de Direitos, a separação de
Poderes e o Estado de Direito. De forma resumida, a ideia principal é de que o
governante também deve estar submetido às leis, pois assim são garantidos aos
indivíduos os seus direitos fundamentais.
- Já o neoliberalismo é uma doutrina político-econômica que faz a adaptação dos
princípios do liberalismo à economia. Baseada na retirada das normas que regulam o
mercado de trabalho, os bens e serviços, a teoria neoliberal agride propositalmente o
Estado, questionando suas intervenções na economia, buscando privatizações,
abrindo os mercados à concorrência internacional e ao capital estrangeiro. Os
primeiros impactos da teoria neoliberal na organização dos Estados começam a ser
sentidos na década de 1970, quando surgem os primeiros Estados organizados como
neoliberais.

3 – Estado social
- Na linha cronológica, é o modelo que sucede o Estado liberal.
- O Estado social, ou de bem-estar social (Welfare State), tem como principal
característica monopolizar todas as atividades que sejam de interesse da população,
deixando assim de agir apenas como ente político, passando a acumular funções
econômicas e privadas.
- O Estado social atua diretamente na prestação de serviços públicos de caráter
universal (saúde, educação, habitação, previdência social, etc.) e na regulação da
economia.

4 – Estado totalitário
- No regime político totalitário, existe uma corrente ideológica única, imposta certas
vezes por partido de massa (ex: Partido Comunista soviético), também único, de
forma que o poder político é exercido de forma concentrada e centralizada, por um
grupo dominante, que se perpetua no governo, somente podendo ser dele afastado
por meio de processos de ruptura, frequentemente com emprego de violência, como
revolução, golpe de estado, guerra civil, ou guerrilha.

17
- O Estado e seus governantes encontram-se submetidos às leis, todavia, tais regras
são mudadas conforme a vontade dos dirigentes.

IV – NAÇÃO

- O Estado, quando distante dos interesses do povo, se sujeita à revoluções


engendradas pela insatisfação dos cidadãos.
- Por outro lado, para agradar e estimular o povo a seguir e legitimar o poder do
Estado, faz-se necessário o incentivo da adesão emocional de todos.
- Para tanto, criou-se artificialmente o conceito de Nação.
- No século XVIII, na França e EUA, explorou-se demasiadamente a noção de nação,
incentivando a burguesia à conquista do poder político diante das monarquias
absolutas existentes.
- O conceito de nação é mais simples de ser assimilado e entendido pelo povo do que
a noção de Estado. Assim, foi mais facilmente explorado. Assim, envolver o povo no
processo de derrubada e manutenção de novos poderes, passou a ser tarefa mais
simples, caso todos se envolvessem com os interesses da nação.
- Diante disto, percebe-se que a ideia de nação serviu para levar o povo a travar uma
luta que era de outros, acreditando lutarem por si mesmos. Até hoje, a palavra nação
é utilizada em sentido ideológico5, fortalecendo a união do povo pelo bem do Estado.

- Para entendermos o conceito de Nação, precisamos entender e distinguir:


 Sociedade: grupo social que se forma por um ato de vontade, não se exigindo
que seus membros tenham afinidades espirituais, psicológicas ou culturais.
Pode por exemplo, um grupo de pessoas absolutamente diferentes (língua,
religião, costumes, etc), unir-se em uma sociedade para alcançar um objetivo
que a todos interessa. Cria-se assim, por meio de vínculos jurídicos, uma
sociedade.
o Há ato de vontade e de inteligência humana para a união.
o Há manifestação de um conjunto juridicamente ordenado. Seus
membros se ligam por relação jurídica.
o Há poder social reconhecido pela ordem jurídica.
 Comunidade: a união de homens numa comunidade não depende de atos de
vontade, surgindo de forma espontânea. Para a criação de uma comunidade o
primeiro passo é que exista simpatia entre os membros do grupo. A evolução
da simpatia leva a uma relação de confiança, gerando vínculos sentimentais
de união.
o Não depende de ato artificial de vontade, ocorre porque os membros
buscam a preservação da própria comunidade.
o Não existe qualquer relação jurídica entre os membros, há apenas
sentimentos comuns.
o Por não haver ordem jurídica, não há poder definido, existindo apenas
pessoas com influência adquirida pelo respeito da comunidade.
o Todavia, pode uma comunidade tornar-se uma sociedade também.
Contudo, a comunidade continua a existir, mesmo havendo a nova
sociedade. O contrário, uma sociedade tornar-se uma comunidade, é
muito mais difícil, pois envolve questões culturais, mas não é
impossível.

5
Alguns caracteres da ideologia:
- Universalização: é a criação de uma justificativa coerente de imagens e de representações que
explicam a realidade vivida. Os valores da classe dominante são aceitos como universais e verdadeiros.
- Lacuna ou ocultação: A ideologia é ilusória, pois oculta como a realidade é de fato. Seu conteúdo é
convincente, parece estar correto, mas possui partes silenciadas, ocultadas dos olhos da população.
- Abstração: A ideologia apresenta uma realidade sem contradições. Analisa a realidade pela aparência
social, sem levar em conta a organização cultural e social. As diferenças reais das condições de vida são
tratadas como pequenas diversidades. Assim, por exemplo, o pobre é pobre por culpa dele, não do
sistema.
18
- Conceito de nação: Agrupamento humano, mais ou menos numeroso, cujos
membros, fixados num território, são ligados por laços históricos, culturais,
econômicos e/ou linguísticos.

- ESTADO E NAÇÃO

- Um Estado que coincida com a ideia de nação, na forma pura é praticamente


impossível.
- Dessa forma, o sonho de um Estado-nação, ou Estado-nacional, é de difícil
consecução. O que se tem, via de regra, são Estados plurinacionais.
- Plurinacionalismo: significa a existência, dentro de um mesmo Estado, de grupos
sociais claramente distintos por sua cultura e por seus costumes. Cabe ao Estado,
por meio da unidade jurídica, respeitar os valores fundamentais do homem,
conciliando igualdade jurídica e diversidade cultural.
- Assim, as regras jurídicas devem parecer justas para todos os grupos,
indistintamente. No mesmo sentido, não pode um grupo predominar sobre outros e
ter essa atuação acobertada ou legitimada pelo sistema jurídico.
- O Estado Federal, que respeita a existência e localização dos grupos culturais
dentro de seu território, dando a cada unidade autonomia e autodeterminação sobre
muitos assuntos, segue o caminho correto.
- Por outro lado, em lugares em que não se respeita os diferentes grupos culturais, é
mais evidente a injustiça e desorganização social. Exemplo: o continente africano,
que ao ser colonizado pelos europeus foi dividido sem que houvesse respeito pelas
tribos e grupos até então existentes.
- Pode-se concluir que o Estado é uma sociedade e a Nação aproxima-se mais do
conceito de comunidade.
- Diante disso, é importante aos Estados criar uma imagem nacional, que seja capaz
de superar as diferenças culturais enraizadas em seu território.
- O Estado perfeito é aquele que consegue realizar o Estado Nacional, unificado pela
consciência social, pela identidade de interesses, pela comunhão de ideias de uma só
nação.

19
CAPÍTULO V
ESTADO: POVO, TERRITÓRIO E SOBERANIA

I – POVO

- A noção jurídica de povo é uma questão recente. Na Grécia Antiga, os habitantes


com direitos políticos eram chamados cidadãos (somente homens, nascidos na Polis
e proprietários de terra).
- Durante a Idade Média também não houve um conceito uniforme de povo, uma vez
que havia camadas sociais bem definidas em que os direitos eram em muito
diferentes (nobreza, clero e plebe).
- Somente com Georg Jellinek, em torno de 1900, que houve uma construção
doutrinária consistente que fixou a noção jurídica de povo e disciplinou sua
participação perante o Estado.
- Pela teoria de Jellinek há dois principais pontos:
 Aspecto subjetivo: o Estado é sujeito do poder público bem como o povo, uma
vez que este é componente daquele. Assim, o povo está numa relação de
subordinação e, portanto, é sujeito de deveres.
 Aspecto objetivo: o povo é objeto da atividade do Estado e por isso é sujeito
de direitos, uma vez que o Estado deve atuar em favor de seu povo.
- Jellinek desenvolveu uma doutrina conferindo à relação indivíduo-Estado quatro
status. Quais são eles:
 Status passivo: o indivíduo encontra-se perante o Estado em posição de
subordinação aos poderes públicos, caracterizando-se como detentor de deveres
para com o Estado, que por sua vez tem competência para vincular o indivíduo,
através de mandamentos e proibições.
 Status negativo: em certas circunstâncias, faz-se necessário que o Estado não se
intrometa na autodeterminação do indivíduo, garantindo sua liberdade de
atuação, sem ingerências dos poderes públicos.
 Status positivo: o indivíduo em situação de exigir do Estado que atue
positivamente em seu favor, através da oferta de bens e serviços, principalmente
os essenciais à sobrevivência e sadia qualidade de vida da própria comunidade.
 Status ativo: o indivíduo desfruta de competências para influir sobre a formação
da vontade estatal, correspondendo essa posição ao exercício dos direitos
políticos, manifestados principalmente através do voto.
- Desenvolvendo as teorias de Jellinek, Dallari (p. 99) define povo como: “conjunto
dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o
Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente,
participando da vontade do Estado e do exercício do poder soberano”.

II - TERRITÓRIO

- A noção de que o território também é componente do Estado somente começa a


surgir com o Estado Moderno. Contudo, isso não quer dizer que os Estados não
possuíam território.
- Isso tudo aconteceu porque nas zonas rurais da Antiguidade, a população pouco se
opunha às ordens reais, tendo então pouca importância a exata delimitação das
fronteiras territoriais.
- Com o surgimento da ideia de soberania na Idade Média, torna-se necessário definir
os limites geográficos para efetividade da soberania.
- Para Hans Kelsen, é exatamente a noção e delimitação dos territórios que
possibilita a vigência simultânea de várias ordens estatais soberanas, sem que uma
se sobreponha à outra.

1 - Estado e seu território


- Algumas teorias consideraram que o Estado tinha domínio pleno sobre o território,
podendo aliená-lo em parte e sobrepor-se ao domínio dos particulares. Em outras
palavras, o Estado era o proprietário absoluto do território, podendo fazer com ele o
que bem quisesse. Ficava, portanto impedida a propriedade privada de terras.

20
- Outros teorizaram, Jellinek por exemplo, que o Estado tem império quanto ao
território, ou seja, é o poder que o Estado possui sobre os que se encontram no seu
território. Assim, o direito estatal sobre o território é um reflexo da dominação sobre
as pessoas proprietárias das áreas que compõem o território.

- Sintetizando várias teorias, pode-se concluir:


a) Não existe Estado sem território.
b) O território delimita a ordem jurídica do Estado. Dentro do território
prevalecem as leis do Estado, podendo coexistir normas jurídicas externas
adotadas pelo poder soberano.
c) O território é objeto de direitos e deveres. Assim o Estado pode instituir
deveres para porções do território, bem como alienar partes dele, caso haja
interesse do povo.

- Conceito de território (Dicionário Aurélio): A parte juridicamente atribuída a cada


Estado sobre os rios, lagos e mares contíguos, e bem assim o espaço aéreo que
corresponde ao território, até a altura determinada pelas necessidades da polícia e
segurança do país, devendo-se, ainda, considerar como parte do território os navios
de guerra, onde quer que se encontrem, e os navios mercantes em alto-mar ou em
águas nacionais.
- Em outras palavras, território é a área sobre a qual o Estado exerce soberania, ou
seja, é o domínio de validade da ordem jurídica de cada Estado. O território de um
Estado é uno, embora por motivos de cunho didático, seja costume dividi-lo em
aéreo, marítimo e terrestre.

2 - Limites do território

A - Quanto ao subsolo
- Por questões técnicas de difícil exploração das profundezas do subsolo, nunca
houve problemas que tivessem tornado necessária a criação de limites de
profundidade dos territórios para problemas que pudessem surgir entre Estados.
- Contudo, é pacífico que a exploração do subsolo é exclusiva do governo no Brasil. O
inciso IX, do artigo 20 da CF, determina que pertencem à União os minerais e o
subsolo do território brasileiro.

B - Quanto ao mar
- Há muito tempo atrás, o que importava para a delimitação de uma faixa marítima
territorial eram as questões de segurança. Assim, o primeiro critério para fixação de
mar territorial foi o alcance de uma bala de canhão no século XVII.
- Somente no século XX é que, com o imenso potencial das armas, deixou-se de lado
essa limitação definida pelo alcance de um equipamento de guerra.
- Diante disso, estabeleceu-se por um tratado internacional o mar territorial como a
faixa de três milhas marítimas.
- Também no século XX, houve interesse em exploração comercial de faixa exclusiva
do mar, como se território único do país fosse. Assim, a quantidade de milhas
marítimas precisou ser ampliada para que se evitassem conflitos entre nações. As
questões de segurança ficaram em segundo plano, prevalecendo as situações
econômicas e até mesmo de preservação ambiental.
- Chegou-se a conclusão, consagrada em tratados internacionais, que o mar
territorial é de duzentas milhas marítimas (370,6 km).
- No Brasil, a situação foi regrada pela Lei Federal 8.617/1993, que dispõe sobre o
mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma
continental brasileiros, e dá outras providências.
Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas
de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal
como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no
Brasil.
Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo
sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.
21
Art. 4º A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às
vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem
para medir a largura do mar territorial.
Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de fiscalização
necessárias para:
I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou
sanitários, no seu territórios, ou no seu mar territorial;
II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar
territorial.
Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende
das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que
servem para medir a largura do mar territorial.

3 - Quanto ao espaço aéreo


- Com o desenvolvimento da aviação, tornou-se necessária a regulação sobre a
soberania territorial do espaço aéreo.
- Em regra, o espaço vertical acima de cada Estado é regulado e controlado pelas leis
locais (inclui-se o espaço aéreo sobre o mar territorial).
- Adiantando-se às conquistas espaciais, a ONU, em 1966 aprovou um Tratado do
Espaço Exterior, determinando que nenhum Estado pode se apossar, no todo ou em
parte, do espaço ultraterrestre, inclusive da Lua ou outros satélites naturais ou
planetas.
- Para efeitos práticos, a região a partir da qual a densidade do ar é insuficiente para
sustentar aviões (20 a 25 milhas da superfície da Terra) poderia ser considerada
como o início do espaço exterior. No Congresso da Federação Aeronáutica
Internacional, realizado em 1960, propôs-se que o espaço exterior se iniciaria onde
terminasse o espaço aéreo, isto é, 90 milhas. Ainda não existe consenso sobre o
início preciso da região denominada "espaço exterior", não tendo jamais sido
colocado qualquer obstáculo ao voo de satélites artificiais, foguetes, cápsulas ou
naves espaciais.

III - SOBERANIA

1 - Noção histórica
- O conceito de soberania é uma das bases do Estado Moderno.
- Para que se pense no conceito de soberania, segundo Jellinek, necessário se faz que
outros poderes afrontem o poder dos Estados. Na Antiguidade o confronto do Estado
com a ordem privada era reduzido, pois sua função era apenas de prover segurança.
A situação de confronto entre Estado e ordem privada surge com maior ênfase na
Idade Média, aí então se inicia a conceituação e a necessidade de definição de
soberania. Começam a surgir maiores problemas com as disputas entre reis e
senhores feudais: uma soberania real outra feudal (século XII). A partir do século XIII
o monarca amplia seus poderes e sua esfera de competência, coordenando a justiça,
a polícia e o poder legislativo. Com esse domínio geral, o poder do rei passa a ser
supremo, ensejando uma soberania absoluta. Assim, no final da Idade Média, os
monarcas possuem poder supremo, sem grandes confrontos com a ordem privada ou
mesmo da Igreja, ou seja, todos respeitam o poder soberano do rei.
- Jean Bodin, por volta de 1576, esclarece que a soberania é o poder absoluto e
perpétuo de uma República. A palavra república é sinônima, neste caso, do conceito
moderno de Estado.
- Para Bodin, a soberania como poder absoluto significava que nenhum poder a
limitava. Assim, nenhuma lei humana, nem mesmo proferida pelo próprio rei, poderia
limitar o poder soberano do Estado. Contudo, Bodin entendia que se o monarca
desafiasse as leis divinas e da natureza, estaria aceitando declarar guerra a Deus.
- A característica de perpetuidade da soberania advém da ideia de que esta não pode
ser usufruída por tempo determinado.
- Além dessas características, outros autores apontaram a inalienabilidade da
soberania. Entre eles Rousseau em 1762, que adverte que a soberania não pode ser
transferida ou concedida a outro monarca ou Estado, isto porque é exercício da
vontade geral do povo.
22
- Rousseau também aponta a indivisibilidade da soberania, já que somente será
vontade soberana quando for a vontade geral, com a participação do todo. A vontade
não é soberana quando há identificação de um desejo particular.
- Para Rousseau, o poder soberano então se limita pelo próprio bem estar do povo,
uma vez que o monarca não pode exigir excessivamente do povo, já que deve tratar
todos com igualdade.
- Com a Revolução Francesa, que combateu os Estados absolutistas, a ideia de
soberania popular ganha força, gerando ainda o conceito de soberania nacional.

2 - Concepções de Soberania
a) Concepção política: poder incontrastável de querer coercitivamente e de
fixar as competências. É a supremacia do poder do mais forte, ou seja, do
Estado sem contestações.
b) Concepção jurídica: poder de decidir em última instância sobre a
atributividade das normas, ou seja, a eficácia do direito. Poder soberano é
aquele que decide se a ordem jurídica deve ou não ser aplicada e deve ou
não ser modificada.
c) Concepção política de Miguel Reale: é o poder que tem uma nação de
organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a
universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência.
Dentro dos fins éticos de convivência o Estado tem possibilidade de impor
sua vontade. Tal concepção parte do pressuposto de que o Estado envolve
questões sociais, jurídicas e políticas.

3 – Características da soberania
a) Una: não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias.
b) Indivisível: não há partes separadas dentro da mesma soberania, ela representa a
vontade geral do povo. A teoria da divisão de poderes não afronta a soberania, pois
se divide funções de um mesmo poder.
c) Inalienável: não há Estado sem poder, então a soberania não pode ser alienada
(transferida a outro), pois faria desaparecer a noção de Estado.
d) Imprescritível: não pode existir prazo para a duração do Estado. A ideia é que o
poder soberano deve aspirar existência permanente.
e) Originária: nasce com a própria criação do Estado.
f) Incondicionado: só há limites postos pelo próprio Estado.
g) Coativo: o Estado além de ordenar tem como coagir ao cumprimento de suas
ordens.

- Observação: Pode existir, apesar de a soberania ser incondicionada, um desejo de


autolimitação do Estado. Isto porque, se assim não fosse seria impossível a
existência de um direito internacional. Pode assim o Estado autolimitar sua soberania
ao aceitar regras internacionais como válidas, mesmo que essas regras não tenham
sido criadas exclusivamente por sua soberania. Isso tudo, segundo Ihering, não
diminui a soberania, uma vez que o Estado se sujeita às regras internacionais por
interesse próprio.

4 – ESTADO E SOBERANIA
- Para a existência de um Estado, nos moldes modernos, imprescindível a presença
de no mínimo três elementos de identificação: território, população e governo. O
governo necessita de atributos fundamentais, que caracterizam sua ordem jurídica: a
soberania, a autonomia e o poder de autodeterminação.
- A soberania é atributo da ordem jurídica que se manifesta como poder a ser
exercido pelo governo, possuindo dois aspectos principais: no plano interno do país,
ao se apresentar como qualidade jurídica do poder de império do Estado (summa
potestas)6 e, como predicado de todos os Estados, garantido e determinando
igualdade entre todas as nações.

6
Para Jean Bodin, o primeiro a trabalhar o conceito de soberania em 1576, o poder do Estado tem caráter
absoluto, consagrando assim a soberania como poder absoluto e perpétuo de uma república. Cabe observar, no
entanto, o contexto histórico de tal afirmação, que apresentava um cenário de redução de poderes dos senhores
feudais para concentração nas mãos do monarca.
23
- Assim, o governo pode possuir o atributo da soberania interna e, ao possuir
capacidade de manter relações com outros Estados porque estes o reconhecem
como governo soberano, possuir o atributo da soberania externa. A soberania
externa confere ao Estado condição homóloga aos demais países, tornando suas
relações, ao menos no campo teórico, horizontais. Desta maneira, é possível afirmar
que não há entidades de poder superior aos países soberanos7, mas a existência de
uma ordem jurídica internacional imprime certos e necessários limites aos Estados.

4.1 - Soberania clássica e soberania compartilhada


- A soberania clássica enseja que o Estado possui ordem não submetida a outra
ordem estatal na esfera internacional e, no âmbito interno, nenhum outro poder o
limita. Exatamente a ausência de subordinação é o elemento fulcral do conceito
clássico de soberania. É importante asseverar que o Estado possui como limites sua
própria ordem jurídica e a garantia dos direitos de seu povo.
- No entanto, com a difusão dos conceitos de integração, de supranacionalidade e,
principalmente, de direito comunitário, a noção clássica e absoluta de soberania
necessita ser suavizada e redefinida.
- A revisão do conceito de soberania tem escopo porque muitos autores dizem que
quando um Estado aceita uma ordenação jurídica superior ao seu direito interno,
está perdendo sua soberania. No entanto, isto não é o que realmente acontece.
Como explicitado acima, o Estado pode autolimitar suas competências quando lhe
aprouver, agindo assim soberanamente, decidindo e escolhendo o melhor para seus
próprios interesses. As regras supranacionais são uma escolha dos Estados e não
uma imposição. Neste sentido, o Estado que adota a supranacionalidade organiza-se
juridicamente para fazer valer dentro de seu território regras que eticamente
alcancem os objetivos positivos da convivência de seu povo.
- É possível assim, dizer que as obrigações a que se submetem os Estados soberanos
por meio de tratados internacionais não podem aniquilar sua soberania, uma vez
que, se a Constituição permite a adoção de tais documentos e esta Carta foi lavrada
por um poder constituinte pleno estar-se-á exercendo o disposto soberanamente na
Lei Maior. O que acontece à soberania quando há a instituição de um direito
supranacional, derivado de processo de integração avançado, é o compartilhamento
das soberanias de todos os Estados-Membros do bloco com todos estes mesmos
Estados.

4.2 - Cooperação entre Estados


- Dado o terror e sofrimento das Guerras Mundiais do século passado, as tendências
do Direito Internacional sofreram mudanças e passaram a contemplar a proteção aos
indivíduos, ao ambiente, ao comércio e à paz entre os Estados.
- Isto tudo promoveu a ideia de multilateralidade que é um avanço civilizatório
trazido pelo advento da organização internacional, visto que denota a capacidade de
três ou mais Estados trabalharem em conjunto na consecução de objetivos comuns,
passando-se do bilateralismo para o multilateralismo e da diplomacia secreta para a
diplomacia pública.
- Dentro do mesmo cenário, a Organização das Nações Unidas passou a promover o
conceito de ajuda mútua entre nações para a solução de problemas econômicos,
sociais, culturais ou humanitários.

4.3 - Integração
- Atualmente a grande demanda por acordos entre nações advém das necessidades
econômicas mundiais. O regionalismo aparenta ser uma possível solução para a
sustentabilidade ou progresso comercial das nações frente ao fenômeno da
globalização.
- O aprofundamento da cooperação, na forma regional, pode levar a um Direito da
Integração. Emerge o Direito da Integração quando os laços entre as nações
extrapolam a simples cooperação econômica, ao objetivarem além do envolvimento
econômico outras aspirações mais profundas, quais sejam, uma unidade política,

7
Expressa tal entendimento o artigo 12 da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA): “Os direitos
fundamentais dos Estados não podem ser restringidos de maneira alguma.”
24
social, cultural e uma harmonização jurídica para posterior uniformização, que pode
levar a um Direito Comunitário.
- Objetivos da integração: a ampliação das potencialidades dos Estados-Membros
envolvidos, a manutenção da paz e a conclusão de um objetivo maior, como por
exemplo o mercado comum.
- A integração, via de regra, ocorre com a efetivação de acordos regionais entre
nações fisicamente próximas, não necessariamente limítrofes, mas com interesses
políticos semelhantes.

4.4 - Supranacionalidade
- É possível explicar o conceito de nação como o grupo de indivíduos com interesses
comuns, origens comuns, e principalmente, ideais comuns, apresentando uma
unidade homogênea. O prefixo “supra” pode significar aquilo que ultrapassa,
transcende. Assim, a supranacionalidade tem como base a noção de ser aquilo que
transcende o nacional.
- Para que haja ordem em um país, fundamental é a presença de um sistema de
organização legal, consubstanciado em normas. Estas normas são, em sua maioria,
emanadas do poder legislativo nacional, para aplicação no âmbito interno do Estado-
nação.
- Geralmente a organização de uma nação fundamenta-se em sua Constituição. Esta
Carta apresenta a forma de organização social, política, legislativa e judiciária. No
Brasil, por exemplo, a autoridade para criação de normas tem fundamento na
Constituição Federal, que é quem confere competências e poderes governamentais.
- Como sobredito, é certo que pode o Estado, através de dispositivo constitucional
interno, prever a supranacionalidade de tratados internacionais, no que tange a ele
próprio. Com isto é possível vislumbrar que a supranacionalidade tem caráter
voluntário que deve surgir de ato interno de cada Estado, por meio de transferência
de competência.
- A ideia de transferência de competência advém da noção de que os tratados
internacionais possuem a mesma função das normas emanadas do Poder Legislativo
de cada país: regular pelo Direito. Quando um Estado confere a um tratado
internacional o caráter de supranacionalidade, transfere voluntariamente parte de
sua competência legislativa.

5 – Fatores históricos que modificaram o conceito de soberania no século XX


- Com o intuito de alguns Estados de aumentar territórios e, consequentemente
poder, através de métodos expansionistas, ou seja, por meio de conquistas, muitas
guerras proporcionaram espetáculos de terror e destruição. No século XX a Primeira
Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial assolaram e arrasaram o continente
europeu, com a destruição de vidas, culturas, estruturas produtivas, habitacionais e
econômicas.
- Com essas tragédias da humanidade, o princípio do individualismo das soberanias
internas passa a dividir as discussões com a ideia de solidariedade internacional. Tal
situação produz modificações em diversos aspectos do Direito Internacional, que
deixa de lado apenas os contextos de paz e guerra, individualismos dos Estados, e
passa a abordar valores como a pessoa humana, a melhoria das condições de vida
dos povos, buscando a união entre nações.
- Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União
Soviética, os principais Estados que sufocaram o avanço dos nazistas, passam a
reorganizar a estrutura geopolítica, econômica e financeira do mundo. Josef Stalin,
Harry Truman e Winston Churchill reuniram-se na Conferência de Potsdam, em
Berlim, ainda em 1945, quando o mundo foi partilhado entre comunistas e
capitalistas, dando origem aos blocos da Guerra Fria.
- Em 1947 o EUA apresenta o Plano Marshall com intenção de promover a
recuperação econômica e social dos países da Europa Ocidental arrasados pela
Segunda Guerra, estimulando e encorajando as nações europeias a trabalharem
juntas pela sua recuperação econômica. Através do plano os estadunidenses
emprestam dinheiro aos europeus que, por causa desta dívida, ficaram grande
período vinculados às orientações dos EUA. O plano também age, com sua ligação
posterior à Doutrina Truman, como meio de barrar o expansionismo soviético.

25
- Para consecução do plano foi criada a Organização para Cooperação Econômica
Europeia (OCEE) pelo Programa de Reconstrução, constituída por dezessete nações.
- A união entre países também teve, na mesma época, exemplos militaristas com o
Tratado do Atlântico Norte (OTAN), surgido em 1949, para proteger os países
capitalistas integrantes do bloco e o Pacto de Varsóvia, engendrado em 1955 como
resposta dos soviéticos e demais aliados militares.
- Parece claro que com o sofrimento das guerras com perda de vidas humanas, com
a destruição da economia dos países envolvidos e com o sentimento de impotência
contra as nações dominantes do cenário mundial (EUA e URSS) os europeus
aprendem que a união entre países é a saída para a perpetuação da paz e a
superação das crises.
- Com tal intuito, os europeus dão ousado passo em busca da integração entre
nações, quando em 1957, assinam o Tratado de Roma, instituindo a Comunidade
Econômica Europeia. A grande novidade estava no fato de que, além da integração
econômica, buscava-se um mercado comum, com livre circulação de mercadorias,
serviços, capitais e pessoas.
- Concomitantemente à mudanças políticas e sociais acontecidas após a Primeira
Guerra Mundial, o liberalismo econômico entra em declínio, tornando os Estados os
principais determinadores das economias nacionais, intervindo e ditando regras para
funcionamento das atividades financeiras. Com o fim da Segunda Guerra, a política
do Welfare State (bem-estar social) passa a ganhar força, dadas as péssimas
condições da população europeia com a devastação causada pelos conflitos. A
política do Welfare State possibilitou crescimento econômico sem precedentes,
viabilizando com relativa eficácia a concretização dos direitos econômicos e sociais
para os segmentos subalternos, integrando-os à sociedade, através de políticas
econômicas visando o pleno emprego e permitindo intervenção dos Estados nas
atividades econômicas.
- Além das intervenções econômicas realizadas pelos Estados, a criação do Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), ou Banco Mundial, em
1944, e do Fundo Monetário Internacional (FMI), órgão das Nações Unidas, criado em
1946, implementa maiores intervenções criadoras de regras e diretrizes econômicas
na política econômica mundial, principalmente para os países subdesenvolvidos.
- As caríssimas políticas sociais implantadas no continente europeu (parte ocidental e
capitalista) provocam nas finanças estatais graves crises, aprofundadas com as
crises do petróleo de 1973 e 1979, que levou os países desenvolvidos a uma
preocupação extremamente individualista, tirando de circulação a ajuda financeira
que existia para os países de Terceiro Mundo (denominados de países
subdesenvolvidos e atualmente de países em desenvolvimento).
- Em consequência disto, na década de 1970, no momento em que os Estados
subdesenvolvidos, simples produtores de matéria-prima, pretendiam financiar ainda
mais suas políticas através do poderio econômico dos países do hemisfério norte,
encontraram as portas fechadas às suas reivindicações financeiras, aprofundando
suas crises econômicas, políticas e sociais. Nesse cenário, na década de 1970, o
Estado de Bem-Estar Social precisou dar lugar a uma política exigida pela classe
dominante, representada por corporações multinacionais, que pretendia debilitar e
disciplinar as instituições das classes trabalhadoras, desde os sindicatos até o
desmonte das instituições políticas de rendas pró-salários.
- Com intuito de promoção de um Estado mínimo, almejando liberdade econômica,
surge o neoliberalismo. A justificativa está na ideia de que é o mercado quem
proporciona bem-estar social e não o governo. Com isso tudo, o próprio mercado
deve regular sua atuação, passando a operar num clima de profunda liberdade, sem
interferência estatal.
- Soma-se a tudo isso a crise econômica nos países socialistas, principalmente na
União Soviética, que chega ao ápice e tem seu momento marcante com a queda do
Muro de Berlim8.

8
O Muro dividia a Alemanha em Oriental e Ocidental, veio abaixo no dia 9 de novembro de 1989.
Originalmente construído para conter o êxodo de intelectuais e trabalhadores alemães-orientais para o lado
ocidental, controlar a entrada de dinheiro e mercadorias do Ocidente, fatores que poderiam causar instabilidade
na economia socialista e evitar a entrada de espiões ocidentais, a barreira caiu tornando-se símbolo do fim do
bloco europeu socialista.
26
- Com o fim da bipolarização do mundo, com a abertura de mercados e a propagação
instantânea de informações, a globalização apresenta-se como um processo de
integração econômica e social que ocorre no mundo todo.
- As consequências são seriamente sentidas pelos Estados. Segundo Octavio Ianni,
“juntamente com a expansão das empresas, corporações e conglomerados
transnacionais, articulada com a nova divisão transnacional do trabalho e a
emergência das cidades globais, verifica-se o declínio do estado-nação. Parece
reduzir-se o significado da soberania nacional, já que o estado-nação começa a ser
obrigado a compartilhar ou aceitar decisões e diretrizes provenientes de centros de
poder regionais e mundiais”.
- Assim, a lei dos mercados (Lex Mercatoria), de cunho puramente econômico, passa
a definir as regras nas relações internacionais comerciais, influenciando,
consequentemente, as orientações do direito internacional e dos direitos nacionais.
- Essa nova ordem da economia global não pode ser repelida. Diante disso, para
proteção de mercados internos, dada a agressiva concorrência, para a criação de
possibilidades de progresso e manutenção da cultura nacional, surge uma forte
tendência da união dos países em blocos regionais. Os blocos, ao negociarem e
organizarem-se em conjunto têm mais chances de sobrevivência no atual cenário
econômico mundial.

27
CAPÍTULO VI
ESTADO MODERNO E DEMOCRACIA

I - ESTADO MODERNO E DEMOCRACIA

1 - Democracia: Estado Grego X Estado Moderno


- A ideia de Estado democrático surge para o Estado moderno no século XVIII, teoria
esta que influenciou os sistemas políticos dos séculos seguintes.
- A democracia moderna guarda relação com a democracia da Grécia antiga somente
no nome. Aristóteles, no livro III de “A Política”, já ressalva que o poder pode caber a
um só indivíduo (monarquia), a um grupo (aristocracia), ou a todo povo (poliarquia).
Contudo Aristóteles diferencia os cidadãos que devem governar quando o poder for
do povo: são somente aqueles que têm a virtude política, a sabedoria para governar,
aqueles que tomam parte nas atividades deliberativas (administração) e na
autoridade judiciária, excluídos os artesãos, comerciantes e demais trabalhadores.
Assim, somente aqueles que não precisam trabalhar para viver devem ser os
cidadãos, estando, portanto, o poder de governar restrito a estes.
- Essa concepção de democracia não se encaixa aos interesses da burguesia que
tomava o poder no século XVIII, pois a fonte de riqueza destes é exatamente o
trabalho.
- O Estado democrático moderno nasce da luta contra o absolutismo, com a defesa,
principalmente, dos direitos naturais da pessoa humana. Apesar de Locke e
Rousseau não indicarem a democracia como o melhor sistema de governo (Rousseau
chegou a dizer que a democracia somente funcionaria para um povo de deuses, pois
a perfeição é a base de tal sistema, não sendo possível aos humanos), seus ideais
jusnaturalistas influenciaram demais a criação dos sistemas democráticos.

2 - A construção do Estado Democrático


- A transposição da teoria à prática da democracia aconteceu em três grandes
movimentos:
a) Revolução Inglesa, consolidada pelo Bill of Rights (Carta de Direitos) de 1689;
i. Estabelecimento de limites ao poder absoluto do monarca;
ii. Influência do protestantismo;
iii. Afirmação dos direitos naturais dos indivíduos, nascidos livres e iguais;
iv. Governo da maioria, devendo o poder legislativo assegurar a liberdade dos
cidadãos.
b) Revolução Americana, consolidada na Declaração de Independência das 13
colônias em 1776;
i. Não havia nas colônias inglesas da América do Norte uma nobreza ou um
parlamento naturalmente opositor do absolutismo. Assim sendo, para que
não houvesse a libertação de um absolutismo inglês, por meio da
independência, e a criação de um absolutismo norte-americano, a ideia de
democracia foi adequada aos anseios dos colonos.
ii. Garantiu-se assim a supremacia da vontade do povo das colônias, que logo
formou os EUA. Aplicava-se a lei pela vontade da maioria.
c) Revolução Francesa, que deu universalidade aos princípios democráticos
expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
i. Devidos às instabilidades econômicas e políticas da França, os líderes da
revolução precisavam gerar uma unidade para os cidadãos.
ii. Para tanto surge a noção de nação, como centro unificador de vontades e
interesses.
iii. Pelo fato de, na época da revolução, Igreja e Estado serem inimigos na
França, houve possibilidade, por meio da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de uma proclamação universal de direitos, sem
limites religiosos.
iv. Como no direito natural, para a Declaração os homens nascem e
permanecem livres e iguais em direitos, só podendo haver imposições por
meio da lei, já que a lei representa a vontade geral.
v. Garante-se ainda a possibilidade de todos os cidadãos, pessoalmente ou
por seus representantes, participarem da construção legislativa
(participação popular).
28
3 – Princípios gerais dos Estados Democráticos
- Dessas três revoluções surgem os seguintes princípios que norteiam os Estados
democráticos dos séculos XIX e XX:
a) Supremacia da vontade popular: participação popular no governo, sistemas de
sufrágio e representação.
b) Preservação da liberdade: o Estado deve garantir que se possa fazer tudo que
não incomode os outros ou a lei, podendo o súdito, sem interferência do
Estado, dispor de sua pessoa ou bens.
c) Igualdade de direitos: não podem existir discriminações entre classes sociais.

II – DEMOCRACIA DIRETA, SEMIDIRETA E REPRESENTATIVA

- Para que o governo do povo se estabeleça, necessário se fez a criação de sistemas


que pudessem colocar em prática a atividade legislativa em Estados formados por
grandes populações.

1 - Democracia Direta
- Conceito: o povo vota nas decisões governamentais
- Atualmente é encontrada em alguns Cantões suíços (Appenzell, Unterwald Alto,
Unterwald Baixo, Glaris e Uri). Não é muito eficaz. Em Uri, em 1911, várias sessões
de votação foram dedicadas à questão de permitir dançar aos domingos, e em uma
única sessão aprovou-se um código civil completo.
- Características do sistema dos Cantões suíços:
a) Só para Cantões pouco populosos.
b) O trabalho das assembleias se limita a aprovar ou desaprovar o que foi
preparado pelo Conselho cantonal, que é formado por cidadãos eleitos.
c) A assembleia não possui aptidão para discutir problemas técnicos ou jurídicos
complexos .

2 – Democracia semidireta
- Conceito: possui as linhas gerais do regime representativo, porque o povo não
governa diretamente, mas tem, em certas oportunidades, o poder de intervir
diretamente por meio de referendos e plebiscitos.
- Não há possibilidade para todos discutirem a questão, são apenas consultados.

- Institutos de democracia semidireta:


a) Referendo
a. Consulta à opinião pública para a introdução de uma emenda
constitucional ou mesmo uma lei ordinária, quando esta afeta um
interesse público relevante.
b. As constituições de cada Estado decidem se o referendo é aplicável à
todas as leis, às todas as emendas constitucionais, ou à casos
específicos (ficando a cargo das assembleias legislativas sua
realização).
c. No Brasil houve o denominado referendo das armas, pelo qual a
população decidiu pela vigência ou não do artigo 35 da Lei
10.826/2003, que assim dispunha: “É proibida a comercialização
de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as
entidades previstas no art. 6º desta Lei”. Com o resultado a população
escolheu pela exclusão do artigo 35 da lei, permitindo então o comércio
de armas no Brasil.

b) Plebiscito
a. Consulta prévia à opinião popular, para tomada de uma atitude
legislativa.
b. No Brasil, no ano de 1993, houve um plebiscito para decidir-se qual
sistema de governo iríamos adotar: presidencialismo, parlamentarismo
ou monarquia (Artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias).
29
c. No Brasil: artigo 49, XV; artigo 18, §§ 3º e 4º, todos da CF.
d. Em 11 de dezembro de 2011 houve importante plebiscito no Estado do
Pará, tendo como proposta a divisão do estado em três: Pará, Carajás e
Tapajós.

c) Iniciativa
a. Confere a certo número de eleitores o direito de propor uma emenda
constitucional ou um projeto de lei.
b. No Brasil: artigo 61, § 2º, da CF.
c. A Constituição do Estado de São Paulo expressa sobre a iniciativa
popular para leis estaduais:
i. Artigo 22, IV - A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta de cidadãos, mediante iniciativa popular assinada, no
mínimo, por um por cento dos eleitores.
ii. Art. 24, § 3º - O exercício direto da soberania popular realizar-se-
á: (1) pela apresentação de projeto de lei subscrito por, no
mínimo, cinco décimos de unidade por cento do eleitorado do
Estado, assegurada a defesa do projeto por representante dos
respectivos responsáveis, perante as Comissões pelas quais
tramitar. (2) um por cento do eleitorado do Estado poderá
requerer à Assembléia Legislativa a realização de referendo
sobre lei; (3) as questões relevantes aos destinos do Estado
poderão ser submetidas a plebiscito, quando pelo menos um por
cento do eleitorado o requerer ao Tribunal Regional Eleitoral,
ouvida a Assembléia Legislativa; (4) o eleitorado referido nos
itens anteriores deverá estar distribuído em, pelo menos, cinco
dentre os quinze maiores Municípios com não menos que dois
décimos de unidade por cento de eleitores em cada um deles;
(5) não serão suscetíveis de iniciativa popular matérias de
iniciativa exclusiva, definidas nesta Constituição.
d. A Lei Orgânica do Município de Araraquara, em seu artigo 51, dispõe
que a “iniciativa popular será exercida pela apresentação à Câmara, de
projetos de lei subscrito por, no mínimo cinco por cento dos eleitores
inscritos no Município”.

d) Veto popular
a. Os eleitores, após aprovado um projeto de lei pelo legislativo, têm a
possibilidade, num prazo determinado, de requerer a aprovação
popular da lei. A lei então ficará suspensa até a próxima eleição,
quando os eleitores lhe darão vigor ou não.

e) Recall
a. Figura existente nos EUA que se aplica em duas hipóteses:
i. para revogar a eleição de um legislador ou funcionário eletivo.
Neste caso exige-se que certo número de eleitores requeira a
realização da votação.
ii. para reformar decisão judicial sobre constitucionalidade de lei.

3 – Democracia representativa
- Surge das dificuldades práticas dos sistemas direto e semidireto.
- Conceito: o povo concede um mandato a alguns cidadãos, para, na condição de
representantes, externarem a vontade popular e tomarem decisões em seu nome,
como se o próprio povo estivesse governando.
- Segundo Carvalho de Mendonça, mandato é “o contrato pelo qual alguém constitui
a outrem seu representante, investindo-o de poderes para executar um ou mais de
um ato jurídico.” Contudo, este conceito é do direito privado, sendo necessário que
se façam as seguintes ressalvas para os mandatos públicos:
a. O mandatário apesar de eleito por uma parcela do povo deve representar a
vontade do povo todo.
b. Apesar de eleito por parcelas do povo não está sujeito à vontade daqueles que
o escolheram, tendo autonomia para tomar suas decisões políticas.
30
c. O mandato é de caráter geral, servindo para todos os atos do cargo para o qual
foi escolhido.
d. Em geral, o mandato é irrevogável, não podendo o povo desconstituir o
mandatário.

V - REPRESENTAÇÃO POLÍTICA. PARTIDOS POLÍTICOS.

1 – Noções
- A ideia de liberdade para os antigos (Grécia Antiga) era vista sob o prisma político,
ou seja, ter liberdade para os antigos era poder expressar suas opiniões e participar
da vida política. A liberdade para os antigos é a liberdade de exercício político
(exercício coletivo e direto dos direitos políticos). Segundo Benjamin Constant (in Da
liberdade dos antigos comparada à dos modernos, em Filosofia política, n. 2, Porto
Alegre, LP&M, 1985, p. 11):
“(A liberdade dos antigos) consistia em exercer coletiva, mas diretamente, várias
partes da soberania inteira, em deliberar na praça pública sobre a guerra e a paz, e
concluir com os estrangeiros tratados de aliança, em votar as leis, em pronunciar
julgamentos, em examinar as contas, os atos, a gestão dos magistrados; em fazê-los
comparecer diante de todo um povo, em acusá-los de delitos, em condená-los ou em
absolvê-los; mas, ao mesmo tempo que consistia nisso o que os antigos chamavam
liberdade, eles admitiam, como compatível com ela, a submissão completa do
indivíduo à autoridade do todo. Não encontrareis entre eles quase nenhum dos
privilégios que vemos fazer parte da liberdade entre os modernos. Todas as ações
privadas estão sujeitas a severa vigilância. Nada é concedido à independência
individual.”
- De toda forma, cumpre salientar que somente os cidadãos (excluídas as mulheres e
escravos) tinham liberdade. Aos políticos (cidadãos homens) é conferida a igualdade
(sustentáculo da liberdade) para a participação. Dessa maneira todos os políticos
têm direitos iguais. Os demais (mulheres, crianças e escravos), não têm os mesmos
direitos porque são “diferentes”, portanto não possuem liberdade.
– Todavia, o conceito de liberdade sofreu modificações na Idade Moderna. A
liberdade para os modernos passou a ser interpretada como o direito de somente ter
restrição de direitos na conformidade da lei. Direito de poder usufruir de todos os
direitos (liberdade de expressão, de comércio, de trabalho, de negociar, etc) e
somente ser cerceado por disposições legais limitativas.
- A diferença básica entre a liberdade antiga e a moderna é que os antigos se
preocupavam com a polis, os modernos com o poder usufruir do capital. Por causa
desse distanciamento do homem moderno com a vida política, cria-se o sistema
político representativo. A liberdade moderna procura permitir ao homem o
aproveitamento da vida privada (base individualista).

2 - Os Partidos Políticos
- Os partidos políticos surgem com os sistemas eleitorais e a necessidade de
representação que se moldou no século XIX. Historicamente os partidos políticos
surgem em função do aumento da participação política advindo da Revolução
Francesa de 1789 e estadunidense de 1776, bem como do incremento das relações
sociais com o aumento da vida urbana. Surgem no momento em que o absolutismo
está em decadência e, em contrapartida, aumenta a participação popular. A
burguesia necessitava de um sistema que garantisse seus anseios, sem obrigar a
participação direta e diária.
- A democracia evoluiu muito com os partidos políticos, uma vez que estes disputam
entre si, invocando cada um seus ideais, possibilitando assim aos eleitores escolher
conforme a doutrina que mais se assemelha aos seus anseios. Nesse sentido, os
partidos representam interesses de grupos. Todavia, a representação de interesses
não é necessariamente democrática, sendo certo que já existiram e existem partidos
que garantem a transmissão de ideologias de dominação: Partido Nazista, Partido
Facista, Partido Comunista em países comunistas, etc.
- Um partido político pode ser visto como “qualquer grupo de pessoas unidas por um
mesmo interesse e que tem como objetivo final conseguir exercer o poder político.”
(Reinaldo Dias, p. 177).
31
- Para Paulo Bonavides (apud Dias, p. 179), o partido político “é uma organização de
pessoas que inspiradas por ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder,
normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos
fins propugnados”. Interessante salientar que, quando o partido político não alcança
o poder, faz parte de sua natureza também agir como oposição.
- Já para Max Weber os partidos são relações associativas baseadas em recrutamento
de cidadãos para garantir aos seus membros oportunidades, que podem ser ideais ou
materiais, de realizar fins objetivos e/ou a obtenção de vantagens pessoais. Weber
ainda ressalta que os partidos tem dois principais objetivos: (1) organização para
concessão de cargos políticos ou estatais aos seus membros, (2) concretização de
ideais políticos.

3 – Os partidos políticos na CF/88


- Dentre os direitos políticos garantidos pela CF/88 está o direito de participar dos
partidos políticos.
- O exercício dos direitos políticos na sua forma passiva (ser votado), depende,
dentre outros fatores, de filiação partidária. Vejamos as regras básicas da filiação
partidária:
 Não se admitem candidaturas avulsas, independentes ou extrapartidárias. É
uma forma de prestigiar os partidos políticos. O STF já decidiu, ao julgar os
Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604, que a fidelidade partidária
é princípio constitucional que deve ser respeitado para as eleições
proporcionais. Nesse sentido, o sistema eleitoral proporcional é partidário,
significa que mudar de partido sem motivo justificado pode causar perda de
mandato (o mandato pertence ao partido e não ao candidato eleito).
 Por sua vez, o STF decidiu em 2015 que a perda de mandato por infidelidade
não vale para cargos majoritários. Ficou fixada a seguinte tese: “O sistema
majoritário tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As
características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato,
fazem com que a perda do mandato frustre a vontade do eleitor e vulnere a
soberania popular”.
 Por fim, segundo a Resolução 22.610 do TSE, do ano de 2007, é considerada
justa causa para troca de legenda: incorporação ou fusão do partido, criação
de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa do
partido, e grave discriminação pessoal.
 As Leis n. 9.096/95 e 9.504/97, que dispõem, respectivamente, sobre os
partidos políticos e a realização de eleições, em seus arts. 18 e 9º, exigem que
o eleitor esteja filiado ao partido há pelo menos um ano antes da data fixada
para as eleições.
 A dupla filiação partidária configura crime previsto no Código Eleitoral (Lei n.
4.737/65, art. 320).
 Militar da ativa. Cargo eletivo. Filiação partidária. Inexigibilidade. A filiação
partidária contida no art. 14, § 3º, V, Constituição Federal não é exigível ao
militar da ativa que pretenda concorrer a cargo eletivo, bastando o pedido de
registro de candidatura após prévia escolha em convenção partidária (Res.
TSE nº 21.608/2004).
 Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral
na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do
pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses
antes da data da eleição.
- O artigo 17 da Constituição trata especificamente dos partidos políticos. Segundo a
CF, “é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,
resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os
direitos fundamentais da pessoa humana.”
- O sobredito artigo, em seus incisos, estabelece que os partidos políticos devam
observar os seguintes preceitos:
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo
estrangeiros ou de subordinação a estes;
III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

32
IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
- A CF/88 assegura ainda aos “partidos políticos autonomia para definir sua estrutura
interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus
estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.” (art. 17, § 1º).
- Os partidos políticos possuem personalidade jurídica, que depende de registro de
seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
- Como forma de apoiar e garantir o pluripartidarismo, a CF garante que os partidos
políticos terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei.
- Importante ressaltar também, que a Constituição veda expressamente partidos
políticos ou associações de caráter paramilitar (CF, art. 17, § 4°). Organizações
paramilitares são órgãos particulares que se estruturam de forma análoga às Forças
Armadas. Isso porque, o uso do poder de coerção deve ser restrito ao Estado, não se
facultando a organismos particulares a estruturação em forma bélica, em razão dos
evidentes riscos à ordem social e democrática.
- Já o artigo 150, VI, c, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios instituir impostos sobreo patrimônio, renda ou serviços dos
partidos políticos.

IV – SUFRÁGIO

- Uma vez que o povo não pode governar diretamente, foi criado o sistema de
representação. O sufrágio, ou voto, é a melhor forma de colocar em funcionamento o
sistema de representação.
- Dada a seriedade e importância do voto, bem como os erros perpetrados pelo povo
nas votações, criaram-se dois sistemas de sufrágio: universal e restrito.
- Consagrado pela Revolução Francesa, o sufrágio universal afirma que o voto é de
todos. Contudo, a expressão não tem caráter absoluto, havendo restrições ao direito
de votar.
- A própria Revolução Francesa foi contraditória: buscava a igualdade para todos,
mas descreveu um sistema em que os governantes deveriam ser escolhidos entre os
“melhores”. Assim sendo, o termo universal acabou por dar direito aos que não eram
nobres de votar, contudo, somente aqueles que tinham capacidade econômica e
intelectual, podiam votar. Além disso, as mulheres não poderiam votar de forma
alguma. Esse duplo critério demonstra que o sufrágio universal francês da época
tratava-se de sufrágio restrito, no entanto, apresentou amplo avanço nos sistemas
até então existentes.
- O sufrágio universal, atualmente, garante a cidadania ativa, possuindo alguns
sistemas certas restrições. Destacam-se as seguintes:
a) Por motivo de idade: requer-se assim a maturidade do eleitor. No Brasil, por
exemplo, o maior de 16 anos pode votar.
b) Por motivo de ordem econômica: este critério partia de pressupostos como os
mais ricos são os que votam melhor, pois querem o progresso do país, além
de quererem proteção aos seus bens e terem maior acesso à instrução e
pagarem os impostos mais altos. O critério econômico foi perdendo,
paulatinamente, sua importância, deixando de ser usado em diversos países,
entre eles o Brasil.
c) Por motivo de sexo: inicialmente as mulheres não votavam. A conquista de tal
direito inicia-se no século XIX nos EUA e até hoje vem ganhando espaço.
d) Por deficiência de instrução: a situação vem sendo abrandada. Inicialmente
exigia-se comprovação de instrução média, depois comprovação de
alfabetização. Atualmente, países com o Brasil, aceitam que analfabetos
também votem, desde que se alistem.
e) Por deficiência física ou mental: por ser o voto secreto e pessoal, não poderia
haver alguém auxiliando no voto do deficiente. Atualmente no Brasil, os
deficientes físicos que conseguem exprimir sua vontade, podem
tranquilamente votar. Os deficientes mentais, desde que relativamente

33
capazes, também têm direito ao voto, nos mesmos termos dos maiores de 16
anos.
f) Por condenação criminal: reflete em cassação de direitos políticos enquanto
durarem os efeitos da sentença criminal (art. 15, III, CF/88).
g) Por engajamento no serviço militar: os conscritos (alistados) não podem ser
eleitores durante o período de serviço militar obrigatório (art. 14, § 2º, CF/88).

V – SISTEMAS ELEITORAIS

- Os sistemas eleitorais são adotados por cada Estado, dependendo da sua


organização política e costumes.

1 – Sistema de representação majoritária


- O voto da maioria é que elege representantes.
- Críticas: os grupos minoritários não conseguem eleger seus representantes.
- Para que, em certas ocasiões, dado o excesso de candidatos o vencedor não fosse
escolha de menos da metade dos votos (exemplo: 3 candidatos, o vencedor tem 40%
dos votos, o segundo colocado 35% e o terceiro 25%), passou-se a exigir maioria
absoluta de votos (metade mais um). Por questão prática, foi criado o turno duplo, já
que nem sempre era possível a maioria absoluta.
- No Brasil o sistema majoritário é adotado para eleição dos cargos do Executivo
(Presidente da República, Governador e Prefeito) e do Senado Federal.
- Para os Prefeitos de municípios com menos de 200 mil eleitores vale a maioria
simples, não havendo, portanto, possibilidade de 2º turno. Nos municípios com mais
de 200 mil eleitores é exigida maioria absoluta - art. 29, II, CF.
- Segundo turno (art. 77, §§ 3o, 4o e 5o, CF):
 Quando nenhum candidato alcançar maioria absoluta (metade dos votos mais
1) na primeira votação (total de votos).
 No segundo turno concorrem os dois candidatos mais votados.
 Será eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos (descontados nulos
e brancos).
 Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência ou
impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o
de maior votação.
 Se houver empate no segundo turno, qualificar-se-á o mais idoso.

2 - Sistema de representação proporcional


- Criado para solucionar o problema da representação das minorias. Foi criado e
introduzido em 1900 na Bélgica.
- Por esse sistema os partidos têm maior chance à representação, estabelecendo-se
uma proporção entre o número de votos recebidos pelo partido e o número de cargos
que ele obtém (nos sistemas com voto distrital prevalece o bipartidarismo).
- Apesar de amenizar o problema das minorias, prevalecem os grandes partidos, pois
têm maior número de candidatos. Dessa forma, os pequenos partidos representantes
da minoria, não conseguem grandes efeitos práticos, pois têm poucos
representantes.
- Sistema adotado no Brasil para deputados federais, deputados estaduais e
vereadores.

- Disposições do Código Eleitoral Brasileiro


Art. 107. Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário,
dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma
legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.
Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou
coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por
cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário
indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

34
Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação
nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as
regras do art. 109.
Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários
e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108
serão distribuídos de acordo com as seguintes regras:
I - dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação
pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente
partidário do art. 107, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar
a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que
atenda à exigência de votação nominal mínima;
II - repetir-se-á a operação para cada um dos lugares a preencher;
III - quando não houver mais partidos ou coligações com candidatos que atendam
às duas exigências do inciso I, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que
apresentem as maiores médias.
§ 1º O preenchimento dos lugares com que cada partido ou coligação for
contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida por seus candidatos.
§ 2º Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos ou as
coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.
Art. 110. Em caso de empate, haver-se-á por eleito o candidato mais idoso.
Art. 111. Se nenhum Partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral, considerar-
se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.
Art.112. Considerar-se-ão suplentes da representação partidária:
I - os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos
respectivos partidos;
II - em caso de empate na votação, na ordem decrescente da idade.
Parágrafo único. Na definição dos suplentes da representação partidária, não há
exigência de votação nominal mínima prevista pelo art. 108.
Art. 113. Na ocorrência de vaga, não havendo suplente para preenchê-la, far-se-á
eleição, salvo se faltarem menos de nove meses para findar o período de
mandato.

Resumo:
- As cadeiras no legislativo serão definidas pelo quociente partidário.
- Quociente partidário = quociente eleitoral : nº de votos válidos p/ mesma legenda.
- Quociente eleitoral = nº de votos válidos : nº de cadeiras
- Votos válidos = nº votos – nulos e em branco.
- Cada partido elege o número de candidatos que o quociente partidário indicar.
- Dentro do partido são escolhidos os candidatos com maior nº de votos nominais.
- Em caso de empate o candidato mais idoso é escolhido.
- Em 2015 foi criada nova regra: o candidato tem que atingir, em votos nominais, no
mínimo 10% do quociente eleitoral.

Exemplo:
Num colégio eleitoral de 1.000 votos válidos, para preenchimento de 10 cadeiras.
Partido A B C D E
Votos 150 200 350 50 250
Quociente eleitoral = 1000 : 10 (cada 100 votos = 1 cadeira)

Partido A B C D E
Cadeiras 01 02 03 Zero 02

Atribuição das cadeiras faltantes => votos válidos do partido : (nº cadeiras
conquistadas + 1)
Ex: Partido C => 350 votos : (03 + 01) = 87,5
Partido E => 250 votos : (02 + 01) = 83,33 Este resultado atribui as cadeiras
Partido B => 200 votos : (02 + 01) = 66,66

Resultado final da apuração

35
Partido A B C D E
Cadeiras 01 02 04 zero 03

2.1 – Definição dos suplentes nas eleições proporcionais


O artigo 112 do Código Eleitoral estabelece que “considerar-se-ão suplentes da
representação partidária:
I - os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos
respectivos partidos;
II - em caso de empate na votação, na ordem decrescente da idade.
Parágrafo único. Na definição dos suplentes da representação partidária,
não há exigência de votação nominal mínima prevista pelo art. 108.
- Em 2011 o STF decidiu que se houver coligação partidária para as eleições, o
suplente deve ser escolhido entre o candidato com mais votos nominais da coligação
e não simplesmente do partido que o parlamentar substituído pertence.

3 – Sistema de distritos eleitorais


- O colégio eleitorial é dividido em distritos, devendo o eleitor votar apenas nos
candidatos de seu distrito.
- Busca garantir a presença de lideranças locais, próximas dos eleitores, vinculando a
atuação do deputado aos interesses locais.
- Os sistemas distritais são variados em cada Estado. Na Inglaterra os distritos são
pequenos e cada eleitor somente pode votar em um candidato, mesmo que mais de
um seja eleito em seus distrito (cada eleitor um voto). No Japão, é adotado o distrito
médio, cada eleitor escolhe para seu distrito de 3 a 5 deputados.
- Os argumentos favoráveis ao voto distrital são: a) aproxima a população de
candidatos mais diretamente ligados à problemática regional; b) permite maior
contato entre eleitor e candidatos durante o processo eletivo; c) assegura melhor
controle do eleitor sobre o candidato eleito; d) atenua a influência do poder
econômico e do poder dos meios de comunicação; e) torna os partidos políticos mais
homogêneos, mediante a concorrência, em cada distrito, de candidatos de partidos
diversos, e não do mesmo partido.
- Segundo o cientista político Antonio Carlos Almeida, in "Por que o Brasil não deve
cair na falácia do voto distrital", Revista Época - set. 2011: “Desde 1993, 12 países
abandonaram o sistema distrital puro e adotaram algum tipo de voto proporcional.
Desses 12, cinco saíram do distrital puro e foram para o proporcional puro. Um
desses países foi a África do Sul. A Rússia, que era inteiramente distrital, mudou para
metade distrital e metade proporcional. E apenas um país desde 1993 abandonou o
voto proporcional: Madagascar. A reforma do sistema foi feita pelo partido
dominante, chamado Eu amo Madagascar. Ele hoje controla 103 das 160 cadeiras da
Câmara. Hoje, em Madagascar, quem define os limites geográficos dos distritos é o
presidente.”

4 - Sistema eleitoral para escolha de Presidente da República nos EUA


- O sistema de eleição para o cargo de Presidente da República nos EUA tem início no
mês de janeiro do ano das eleições. O primeiro passo é a realização das primárias,
que é quando os partidos começam a definir quem será seu candidato para a eleição
de 04 de novembro.
- Posteriormente os eleitores de cada Estado vão votar em delegados e no próprio
Presidente. Na maior parte dos Estados, o candidato que ganhar o maior número de
votos populares leva os votos de todos os delegados desse Estado.
- Quanto maior o número de eleitores maior o número de delegados. Cada Estado
tem um número mínimo de três delegados. É o caso de Delaware, que tem 853 mil
habitantes. A Califórnia, o Estado mais populoso do país, com 36 milhões de
habitantes, é o que tem mais peso no colégio eleitoral: 55 votos. Já Nova York, com
19 milhões de habitantes, tem 31 votos.
- Por esse sistema, mesmo que um candidato “A” tenha obtido, por exemplo, 30%
dos votos da população de um Estado, esses votos não terão nenhum peso na
contagem final se o seu adversário “B” ganhar a maioria dos votos populares (51%
ou mais), o que levará todos os delegados do Estado a votar no mesmo candidato à
presidência (o sistema é conhecido nos EUA como 'the winner takes it all" - o
vencedor leva tudo).
36
- As únicas exceções são os pequenos estados do Nebraska (5 votos) e no Maine (4
votos). No Nebraska, há três distritos eleitorais. O candidato mais votado em cada
um dos distritos leva um voto, e o mais votado no geral leva mais dois. No Maine,
funciona da mesma maneira, mas com dois distritos (os mais votado em cada distrito
leva o respectivo voto, e o mais votado no geral leva mais 2 votos).
- Os delegados formarão o chamado colégio eleitoral. O colégio eleitoral é formado
por 538 delegados. Um candidato precisa então de no mínimo 270 votos (metade
mais um => maioria absoluta).
- Os delegados vão votar nos candidatos que foram escolhidos pelos partidos. Pela
legislação norte-americana, o Presidente do país é escolhido indiretamente por um
Colégio Eleitoral, este sim, escolhido pelo voto popular.
- Além disso, há de se ponderar que existem mais do que dois candidatos principais
(que disputam de fato a Presidência): os candidatos independentes. Caso haja uma
divisão dos votos e nenhum dos candidatos receba ao menos 270 votos do Colégio
Eleitoral, os três candidatos que receberam mais votos vão para uma nova eleição.
Neste caso, porém, a decisão passa do Colégio Eleitoral para a Câmara de
Representantes, onde cada Estado tem um voto. A décima segunda emenda dá à
Câmara dos Representantes o poder de escolher o Presidente americano, dentre os
três candidatos com os maiores números de votos eleitorais. A Constituição
americana diz que os votos devem ser tomados por Estado, e que cada Estado possui
direito a um único voto. É uma das duas câmaras do Congresso dos Estados Unidos
da América, a outra sendo o Senado.

VII - O ESTADO FEDERAL

- Etimologicamente, federação quer dizer pacto, aliança. Assim, o Estado Federal é


uma aliança ou união de Estados.
- O Estado Federal surge apenas no século XVIII, sendo, contudo, visível a união de
Estados antes dessa época mas, no entanto, sem caracteres de federação.
- O primeiro Estado Federal nasceu com a constituição dos Estados Unidos da
América, em 1787. alguns Estados estadounidenses já se reuniam através de uma
Confederação, contudo entenderam que somente através de uma união mais
arraigada não arriscariam sua independência. Assim, realmente da união entre
Estados, surge a Federação.
- Características fundamentais do Estado Federal:
1. A união faz nascer um novo Estado. Os Estados que integram a Federação
perdem a característica de Estado próprio. Nos EUA e no Brasil, por artifício
político, as unidades federadas receberam o nome de Estados.
2. A base jurídica do Estado Federal é uma Constituição, não um tratado de
direito internacional.
3. Não existe direito de secessão (separação das unidades federadas).
4. Só o Estado Federal tem soberania.
5. A CF distribui competências próprias à União Federal e aos Estados Federados
(poderes residuais).
6. Cada esfera de competência possui renda própria, dando-lhe autonomia.
7. O poder político é partilhado entre a União e as unidades federadas. O Senado
Federal é o órgão de representação das unidades. A Câmara é a
representação do povo.
8. O cidadão adquire a cidadania da União, perdendo a de seu Estado original
(unidade federada).

VIII - A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

 Contexto histórico:
- Em 15 de novembro de 1889 acontece o fim da monarquia, destituindo-se o
Imperador, uma vez que é proclamada a República Federativa (Estados Unidos do
Brasil).

37
- A proclamação da república foi um movimento de pouca participação social, tendo
acontecido dentro dos quartéis militares.
- O Brasil era, à época, a única monarquia do continente.
- Houve profunda influência norte-americana, que propunha o sistema republicano
presidencialista.
- As províncias passaram a Estados autônomos e também poderiam editar suas
Constituições.
- O principal participante da Assembleia Constituinte foi Rui Barbosa. Alguns autores,
como Wilson Accioli, dizem que Barbosa redigiu a Carta Federal sozinho.

 A Constituição Federal de 1988


1 – A forma republicana (art. 1º):
Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático
de direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
2 - Exceção ao princípio da não-intervenção (artigo 34):
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto
para:
I - manter a integridade nacional;
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
3 – Forma federativa como cláusula pétrea (artigo 60, § 4º, I):
§ 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;

38
CAPÍTULO VII
A SEPARAÇÃO DE PODERES

I – INTRODUÇÃO

- A teoria da separação de poderes tornou-se matéria constitucional por influência de


Montesquieu, com intuito de assegurar a liberdade dos indivíduos. O Espírito das
Leis, em seu Livro XI, capítulo VI, retrata que se os poderes (legislativo, executivo e
judiciário) se concentrarem nas mãos de um mesmo organismo ou pessoa, não
haverá liberdade para os cidadãos, uma vez que o governante poderá fazer leis
tirânicas, executando-as sem maiores problemas.
- A teoria da separação dos poderes, preventiva de governos absolutos, com raízes
bem lançadas no século XVIII9 teve o reforço, no século XIX, da ideia de que poderes
separados e especializados trariam maior eficiência ao Estado.
- Contudo, ao se analisar uma questão de eficiência do Estado se pensa em funções
deste e não em poderes. Surgiu então a discussão se a teoria da separação dos
poderes realmente ganhou as constituições dos Estados por causa da
desconcentração de poder ou por causa de necessidade de separação de funções.

II – TEORIA DA SEPARAÇÃO: PODERES OU FUNÇÕES?

- É inequívoco que o poder do Estado é uno e indivisível.


- No entanto, muitos órgãos do Estado, para que este seja praticável, precisam
exercer os poderes governamentais. Assim, o exercício de poderes por diversos
órgãos do mesmo Estado não quebra o poder soberano em partes, porque todos
esses órgãos são submissos à soberania.
- A discussão entre separação de poderes e separação de funções tem validade
porque daí consegue-se visualizar a concepção do Estado na vida social. É certo que
separam-se poderes para evitar-se governos ditatoriais. Por sua vez, separam-se
funções para dar ao Estado maior eficiência nas suas atividades.
- A separação que inicialmente foi inserida na teorização dos Estados foi a separação
de poderes, com intuito de garantir a liberdade dos indivíduos. Todavia, atualmente é
possível vermos que separar funções gera maior eficiência ao Estado. Vejamos
porque então foi a separação de poderes inserida nas Cartas dos Estados:
a) A primeira teoria de separação de poderes surgiu com Aristóteles em A
Política. O filósofo considerava injusto e perigoso atribuir a um só indivíduo o
exercício de todo o poder do Estado, isto porque facilitaria a tirania. O próprio
Aristóteles já fez a ressalva que um só no poder poderia gerar também
ineficiência, porque é impossível na prática que uma só pessoa soubesse
todos os assuntos para bem governar.
b) Nicolau Maquiavel, em O Príncipe, relata que já no século XVI havia na França
três poderes distintos: o legislativo (Parlamento), o executivo (rei) e o
judiciário independente. Maquiavel observa que esta divisão é útil ao rei, pois
o exime de diversos problemas com o povo acerca de julgamentos
complicados e que envolvessem disputas que sempre desagradariam a uma
das partes.
c) John Locke, em o Segundo Tratado sobre o Governo, divide os poderes de
forma sistematizada. Sua divisão de poderes acaba gerando subdivisões de
funções: legislativo e executivo, que por sua vez se desdobrava em função
federativa para tratar de questões com outros países (guerras, tratados de
comércio, etc) e função discricionária (poder do rei de, acima da lei, fazer o
bem público).
d) A clássica divisão tripartida de poderes, num sistema harmônico e
independente, surge com Montesquieu (O Espírito das Leis). Para ele o
governo tem diferentes funções, que precisam ser distribuídas para poderes
diferentes: legislativo, executivo e judiciário. Diante disso, o Estado ditatorial
seria evitado, pois os poderes desconcentrados e praticados por diferentes
organismos acabariam por se controlar. Montesquieu advertiu ainda, que ao

9
Época em que se buscava um liberalismo (redução do intervencionismo estatal nas atividades particulares).
39
Estado cabe fazer as leis e depois só intervir para punir quem não as
cumprisse, ou seja, o autor diminui as possibilidades de intervenção estatal.
Este raciocínio leva a conclusão de que o que Montesquieu buscava não era a
eficiência do Estado, e sim a garantia das liberdades individuais.
e) Assim, no século XVIII, os países que buscavam deixar ou evitar o absolutismo,
numa corrente geral de liberalismo (não intervenção estatal), começam a
adotar a divisão tripartida de poderes em suas Cartas Constitucionais.

III – O SISTEMA TRIPARTIDO DE PODERES

- A separação de poderes (ou divisão funcional do poder) originou-se na revolução


constitucional da Inglaterra (a chamada "Revolução Gloriosa", entre 1688 e 1689, um
dos vários conflitos do século XVII, entre as estruturas feudais e o capitalismo em
expansão, e que marcou o fim do absolutismo no país, substituindo-o pelo Estado
liberal-capitalista), com a edição da "Bill of Ríghts", de 1689, que limitou os poderes
do rei (Guilherme de Orange, que havia derrotado Jaime II) e os equiparou aos do
Parlamento, além de reconhecer a independência do Judiciário; a cada órgão foram
atribuídas funções determinadas. Posteriormente suas ideias básicas foram
consagradas no texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
promulgada na França.
- A ideia da tripartição de poderes sempre foi associada aos Estados democráticos,
dando origem a construção doutrinária conhecida como sistema de freios e
contrapesos.
- Segundo essa teoria, os atos que o Estado pode praticar são de duas espécies: atos
gerais ou especiais.
- Os atos gerais somente podem ser praticados pelo legislativo, constituindo-se na
emissão de regras gerais e abstratas, não se identificando, em específico, quem
estará sujeito à elas. A atuação do legislativo é então de caráter geral, não
beneficiando ou prejudicando determinados ou determináveis grupos.
- Só depois de emitidas as leis é que pode o executivo atuar, por meio de atos
especiais. A atuação do executivo não é discricionária (sem restrições), ou seja, está
sempre limitada às leis existentes.
- Por sua vez, o poder judiciário somente vai atuar quando houver exorbitância de
qualquer um dos outros dois poderes, obrigando cada um a permanecer nos limites
de sua respectiva esfera de competência.
- Classicamente a tripartição permite a existência do denominado sistema de freios e
contrapesos ("checks and balances"). Trata-se do modelo de divisão de poder no qual
o poder político é exercido por vários órgãos independentes, de forma que a nenhum
deles é permitido agir de forma isolada, sem ser submetido a controle por outro
órgão de poder, e que se tem mostrado eficaz processo de prevenção do arbítrio.

IV - O SISTEMA NO BRASIL

- Segundo explicita Alexandre de Moraes, a CF brasileira previu a tripartição para


evitar abusos e desrespeitos aos direitos fundamentais do homem. A organização
dos poderes está na CF no título IV: artigos 44 a 135.
- Previu ainda, além do executivo, legislativo e do judiciário, a figura do Ministério
Público, que é independente dos demais poderes (no mesmo título da CF).
- O Ministério Público, segundo preceitua o artigo 127, da Carta, “é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”. O órgão possui independência e autonomia funcional, podendo propor
ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, bem
como elaborar sua própria proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na
lei de diretrizes orçamentárias.
- No Brasil a separação de poderes é cláusula pétrea, não podendo ser abolida:
Art. 60. § 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
(...)
40
III - a separação dos Poderes;

V - CRÍTICAS AO SISTEMA DE SEPARAÇÃO DE PODERES

- É meramente formal, pois nunca foi praticado em sua plenitude. Na prática


percebe-se que os poderes sofrem influências uns dos outros, por questões políticas
e interesses ilegais.
- O sistema não conseguiu gerar a liberdade pretendida aos cidadãos, isto porque o
liberalismo que o envolve auxilia apenas a pequenos grupos privilegiados.
- Já existiram Estados antidemocráticos que possuíram tripartição de poderes.

VI – FORMAS DE ABRANDAMENTO DA TRIPARTIÇÃO

- Por questões de necessidade prática, existe nos Estados a possibilidade de


delegação de poderes: algumas competências são delegadas de um poder para
outro.
- Exemplos:

=> Lei Delegada (artigo 68, CF):


Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que
deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1.º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do
Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados
ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a
legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2.º A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do
Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu
exercício.
§ 3.º Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso
Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.

=> Julgamento do Presidente da República pelo Senado Federal (impeachment): Art.


86, CF.

41
CAPÍTULO VIII
FORMAS E SISTEMAS DE GOVERNO

I - FORMAS DE GOVERNO: Monarquia e República

1 - Preliminarmente
- Para maior parte dos autores os termos formas de governo e regime político são
sinônimos.
- Em sentido estrito a expressão formas de governo é aplicada ao estudo dos órgãos
de governo, através de sua estrutura fundamental e de como estão relacionados.
- Assim sendo, cabe apenas um estudo de características gerais sobre as formas de
governo, pois cada Estado tem suas peculiaridades. Estudam-se, portanto, as
características básicas encontradas em grande número de Estados: são as chamadas
formas clássicas de governo (monarquia e república).
- Importa salientar ainda, que não serão estudados os governos formados pela força,
ou seja, as tiranias, ditaduras totalitárias, pois essas não seguem regras políticas
naturais, são simplesmente impostos pela força.

2 – Classificações

2.1 - Aristóteles
- A classificação mais antiga é a de Aristóteles, que se baseia no número de
governantes e é válida até os dias de hoje:
a. Realeza – quando é um só indivíduo que governa;
a. A realeza, quando o governante deixa de agir pelo interesse geral e
atua segundo interesses próprios e individuais, degenera-se em tirania.
b. Aristocracia – governo exercido por um grupo relativamente reduzido em
relação ao todo;
a. Pode degenerar-se em oligarquia.
c. Democracia ou República – governo exercido pelo próprio povo.
a. Pode degenerar-se em demagogia.

2.2 – Maquiavel
- O ponto de partida é um Estado anárquico, que teria caracterizado o início da vida
humana em sociedade. Para melhor organizar a sociedade, os homens teriam
escolhido o mais forte entre eles para ser o chefe, obedecendo-o desde então.
Posteriormente, percebendo que aquela escolha não era a melhor a ser feita,
passaram a eleger o mais justo e sensato como chefe. Isso tudo deu origem à
monarquia, que de eletiva passou a hereditária. A monarquia degenerou-se e criou-
se a tirania. Por causa dessa tirania, a nobreza, por meio de conspirações, toma o
poder do rei e funda a aristocracia, orientada para o bem comum. Com o tempo, os
descendentes dos aristocratas, que não conheceram a tirania e não estavam
preocupados com o bem comum, degeneram a aristocracia em oligarquia. O povo,
não suportando mais as injustiças, destitui pela revolução o governo, criando a
democracia ou governo popular. Quando os representantes do povo começam a agir
em proveito próprio, degenera-se o poder e alcança-se a anarquia novamente.
- Esses fatos sempre se sucederam na história dos povos segundo Maquiavel. Para
evitar esses ciclos, faz-se necessária a conjugação da monarquia, da aristocracia e
da democracia em um só governo.
- Maquiavel prevê então, em “O Príncipe”, que desde que respeitados o interesse
comum, deve se estabelecer a forma de governo por meio da monarquia ou da
república.

2.3 – Montesquieu
- O autor, que tanta influência prática teve e tem, apontou três formas de governo:
a. República – o povo como um todo, ou uma parcela deste povo, detém o poder
soberano;
b. Monarquia – um só governa, mas de acordo com leis fixas e estabelecidas;
c. Despotismo – uma só pessoa governa, sem seguir leis fixas e estabelecidas,
agindo conforme seus caprichos e desejos particulares.
42
3 – Monarquia e República
- Percebe-se assim, que as formas fundamentais de governos são monarquia e
república.

3.1 – Monarquia
- Forma de governo adotada há vários séculos, sendo que já foi usada por quase
todos os Estados.
- Após um período em que se enfraquece, começa a ganhar força novamente com o
surgimento do Estado Moderno, que vem da necessidade de governos fortes, não
sujeitos à limitações da ordem jurídica, surgindo a monarquia absoluta.
- Com o aumento da resistência ao absolutismo, por interesse principalmente da
burguesia, já a partir do século XVIII, surgem as monarquias constitucionais. O rei
governa, mas sujeito às regras constitucionais.
- Posteriormente o poder do rei sofre novo decréscimo, surge a monarquia
parlamentarista. O monarca não mais governa, atua apenas como Chefe de Estado,
tendo praticamente somente atribuições de representação.

3.1.1 – Características fundamentais da monarquia


a. - Vitaliciedade: o monarca governa enquanto for vivo ou enquanto tiver
condições para continuar governando.
b. - Hereditariedade: a escolha de novo monarca segue apenas a linha de
sucessão hereditária do monarca que está no poder.
c. - Irresponsabilidade: o rei não tem responsabilidade política, isto é, não deve
explicações ao povo ou a qualquer órgão sobre suas decisões políticas.

3.1.2 – Prós e contras

- A favor da monarquia:
 Sendo poder vitalício e hereditário, o monarca está acima das disputas
políticas, podendo sempre intervir com autoridade mesmo durante crises
políticas.
 O monarca promove união no Estado, já que todos veem nele o único governo
possível, eliminando assim disputas entre correntes inimigas, o que gera
estabilidade política.
 O monarca é alguém que, desde o nascimento, recebe uma educação
especial, preparando-se para governar.

- Contra a monarquia:
 Se o monarca não governa (quem o faz atualmente é o parlamento), torna-se
uma inutilidade muito dispendiosa, que sacrifica o povo a sustentá-lo e a toda
sua família.
 Se for o monarca quem governa, mesmo que com toda sua preparação
educacional, torna-se perigoso colocar o destino de todo um povo nas mãos
de alguém que não tem responsabilidade política e pode gerir os interesses do
Estado conforme os desejos de sua família.
 A unidade do Estado e a estabilidade das instituições não podem depender de
um fator pessoal e sim da ordem jurídica, fator objetivo e muito mais eficaz.
 A monarquia é totalmente antidemocrática, uma vez que o povo não elege
seu maior representante.

3.2 – República
- Opõe-se à monarquia, contemplando o ideal de democracia.
- A ideia republicana surge das lutas contra as monarquias absolutistas, buscando a
afirmação da soberania popular (século XVIII).
- A república surge para representar a expressão democrática de governo, a
limitação do poder dos governantes, a responsabilidade política, a troca periódica de
governantes e a garantia de liberdade individual.

43
- A república surge nos EUA no século XVIII. As monarquias do século XIX passam a
aceitar a ordem constitucional, por medida de sobrevivência do regime, no entanto
começam a decair. No século XX a liquidação das monarquias inicia-se com a I
Guerra Mundial e se acelera com a II Guerra.
- Atualmente, a implantação de sistemas monárquicos é algo retrógrado e negativo.

3.2.1 - Características fundamentais da república


a. Temporariedade: o Chefe de Governo recebe um mandato com prazo de
duração determinado. Para evitar semelhanças com a monarquia, cria-se a
impossibilidade de reeleições sucessivas.
b. Eletividade: o Chefe é eleito pelo povo, não se permitindo hereditariedade ou
supressão do direito à voto dos cidadãos nas eleições.
c. Responsabilidade: o Chefe de Governo é politicamente responsável, devendo
prestar contas de suas decisões políticas ao povo ou a um órgão de
representação popular (Câmara dos Deputados, por exemplo).

II – SISTEMAS DE GOVERNO: parlamentarismo e presidencialismo

A - O PARLAMENTARISMO

1 - Surgimento:
- Duas versões:
1ª => Em 1213, na Inglaterra, o Rei João Sem Terra convidava nobres para
discutir questões essenciais ao Estado. Em 1295, tais reuniões foram oficializadas
pelo Rei Eduardo I, que consolidou assim o Parlamento.
2ª => No mesmo século XIII, uma rebelião de barões e do clero contra o Rei
Henrique III, engendrou reuniões periódicas que deram forma ao Parlamento.
- Com o passar do tempo e com o surgimento dos governos absolutistas, o
Parlamento perdeu força. Em 1714, é colocado no trono da Inglaterra, por questões
de hereditariedade, o Rei Jorge, um príncipe alemão. Nem ele, nem seu sucessor
(Jorge II), falavam inglês ou tinham interesses na política inglesa, pois nem mesmo
residiam na Inglaterra. Quando se dirigiam ao Parlamento, faziam-no em latim, o
que dificultava a comunicação e solução dos problemas de governo. Assim sendo, o
Parlamento continuou a se reunir sem a presença do rei e passou a tomar as
decisões políticas. Um dos ministros se destacou dos demais, pois exercia liderança
prática, foi apelidado assim de Primeiro Ministro. Criou-se dessa maneira a distinção
entre Chefe de Governo (o primeiro ministro) e Chefe de Estado (o monarca).

2 – Características gerais do Parlamentarismo


a. Distinção entre Chefe de Estado e Chefe de Governo
o O Chefe de Estado, monarca ou presidente da república, não participa
das decisões políticas, exercendo preponderantemente uma função de
representação do Estado.
o Dependendo do sistema jurídico, o Chefe de Estado é eleito pelo
Parlamento para um mandato de tempo pré-fixado.
o É figura importante, pois está acima das disputas políticas,
desempenhando papel relevante nos momentos de crise, quando é
necessário indicar um novo Primeiro Ministro à aprovação do
Parlamento.
o O Chefe de Governo é a figura política central, ele quem exerce o poder
executivo. É indicado pelo Chefe de Estado e se torna o Primeiro
Ministro caso seja aprovado pelo Parlamento. Assim, o Chefe do
Executivo depende da aprovação do Legislativo, ficando difícil na
prática a total separação de poderes.
b. Chefia de governo com responsabilidade política
o O Chefe de Governo não tem mandato com prazo determinado10.

10
Margaret Thatcher, por exemplo, foi Primeira Ministra da Inglaterra de maio 1979 até novembro de 1990.
44
o Há dois fatores que determinam a demissão do Primeiro Ministro e,
consequentemente, de seu Gabinete: (i) perda da maioria parlamentar
ou (ii) o voto de desconfiança.
i. Perda da maioria parlamentar: quando o Primeiro Ministro perde
sua base política, ou seja, perde a maioria de votos a seu favor,
deve demitir-se.
1. Sistema bipartidário: se o primeiro ministro consegue
maioria no Parlamento, se mantém no cargo. Por outro
lado, se o partido contrário obtém maioria das cadeiras na
eleição, o Primeiro Ministro deve ser escolhido entre seus
membros.
2. Sistema pluripartidário: é a coligação entre partidos e o
número de cadeiras que tal coligação detém que
determina maioria parlamentar.
ii. Voto de desconfiança: se um parlamentar desaprova a conduta
do Primeiro Ministro, pode requerer a aprovação pelo Parlamento
do chamado voto de desconfiança. Se o voto de desconfiança for
aprovado pelo Parlamento, fica claro que o Primeiro Ministro
perdeu a confiança da maioria, devendo/podendo então demitir-
se. Contudo, pode o Primeiro Ministro permanecer no cargo,
entendendo que aquele voto é algo passageiro. As próximas
votações, favoráveis ou não à sua condução política do governo,
determinarão sua permanência no cargo.
c. Possibilidade de dissolução do Parlamento
o Com a dissolução os parlamentares perdem seu mandato antes do
prazo previsto.
o Pode ocorrer quando o Primeiro Ministro estiver com minoria
parlamentar.
o É necessário que se entenda que o Parlamento não está atuando de
forma coerente com os interesses do Estado, ou seja, do povo.
o Nesse caso o Primeiro Ministro, com fundamento na ideia de que com a
dissolução do Parlamento e convocação de novas eleições ele retomará
a maioria e a vontade do povo será então protegida, requer ao Chefe
de Estado a convocação de novas eleições.
o O resultado dessas eleições determinará se o Primeiro Ministro tem ou
não maioria parlamentar, ocasionando, consequentemente, sua
demissão ou permanência no cargo.

3 – Argumentos favoráveis ao parlamentarismo


a. Quando foi instituído na Europa, principalmente após a I Guerra Mundial, teve
fundamentação no fato de que o governo de um só, seja monarca, seja
presidente, traz perigos, como as guerras.
b. O parlamentarismo defere responsabilidade ao Chefe de Governo e tal
responsabilidade é facilmente e agilmente cobrada (demissão do Primeiro
Ministro).
c. O Parlamento, que é quem representa os grandes interesses do povo, tem
competência para fixar a política do Estado.
d. O Parlamento atua por maioria e por meio de votos de diversas pessoas e
partidos, com distintas orientações políticas, deixando de lado o caráter
individualista e podendo, com maior facilidade, contemplar os interesses de
todos os membros do povo.

4 – Países que adotam o Parlamentarismo


- Monarquias parlamentaristas: Bélgica, Dinamarca, Espanha e Japão.
- Repúblicas parlamentaristas: Alemanha, Áustria, Egito, França, Itália, Turquia,
Hungria e Israel.

B - O PRESIDENCIALISMO

1 – Surgimento
45
- O presidencialismo foi uma criação norte-americana do século XVIII, como resultado
da aplicação das ideias democráticas, concentradas na liberdade e igualdade, e da
lembrança da negativa atuação do monarca inglês, durante o período colonial.
Assim, com profundo embasamento em Montesquieu11, criou-se um sistema que
consagra a soberania da vontade popular e ao mesmo tempo pouca concentração de
poder nas mãos de um só. O sistema presidencial criado adotou separação de
poderes com imensa base no princípio dos freios e contrapesos, evitando assim, ao
máximo, um novo absolutismo.

2 – Características gerais do presidencialismo


a. O Presidente da República é o Chefe de Estado e Chefe de Governo.
a. O Presidente representa o Estado, executa as leis do legislativo e
desempenha atribuições políticas de governo.
b. A chefia do executivo é unipessoal.
a. A responsabilidade pela fixação das diretrizes do poder executivo cabe
exclusivamente ao presidente.
b. O presidente pode ter, por questões práticas, um conjunto de auxiliares
administrativos, normalmente denominado Gabinete da Presidência.
Esses auxiliares são submissos administrativamente ao presidente, que
é quem é o responsável pelas atitudes político-administrativas
tomadas. São funções não eletivas ou concursadas, o presidente
escolhe pessoas de sua confiança.
c. O Presidente da República é escolhido pelo povo.
a. Maior participação do povo, seja de forma direta (voto direito) ou
indireta (colégio eleitoral, como nos EUA). Evita-se assim que o governo
seja determinado por uma classe privilegiada.
d. O Presidente da República é escolhido por um prazo determinado.
a. Para garantia do processo democrático adotou-se o sistema de
eleições. No entanto, para que a democracia não seja limitada, torna-se
necessário que o representante eleito não fique no cargo de forma
vitalícia, pois aí teríamos uma espécie de monarquia eletiva. Portanto, o
Chefe do Executivo é eleito por um prazo determinado.
b. Alguns países adotam restrições à reeleição.
e. O Presidente da República tem poder de veto.
a. A totalidade do poder legislativo concentra-se no Congresso Nacional
(Câmara dos Deputados + Senado Federal).
b. No entanto, para que não houvesse uma ditadura do legislativo e o
executivo ficasse apenas sujeito a seguir as leis por aquele órgão
emanadas, foi conferida a possibilidade de veto.
c. Excetuados os casos de competência exclusiva do legislativo, todos os
projetos de lei devem, após aprovados no Congresso, seguirem para
apreciação do executivo. O presidente pode então sancionar o projeto,
transformando-o em lei, ou vetar, total ou parcialmente, por
inconstitucionalidade ou inconveniência. Caso haja o veto, o projeto
retorna ao Congresso para votação especial de reapreciação.
d. É comum, que os países permitam ainda ao presidente a possibilidade
de proposta de lei.

3 – Argumentos favoráveis ao presidencialismo


a. Com a concentração do poder executivo nas mãos do presidente, sem
dependência do Parlamento, as decisões podem ser tomadas e colocadas em
prática de maneira mais ágil e eficiente.
b. Isso também evita que o presidente precise ficar negociando ou transigindo
com o parlamento, o que atrasa demasiadamente a ação política12.

11
Os EUA adotam plenamente Montesquieu em sua Constituição, exceto no que se refere ao detentor do poder
executivo: para os norte-americanos o presidente, para Montesquieu o monarca. Contudo, permanece a ideia de
um órgão unipessoal, representando pelo presidente ao invés do rei.
12
Percebe-se facilmente, principalmente no Brasil, que as negociações com o Parlamento são inevitáveis na
prática.
46
c. O presidente, por ter o poder executivo concentrado e, consequentemente,
responsabilidade política individual, faz de tudo para tornar eficiente sua
política e conduzir o Estado de forma competente.
d. Para evitar que o presidente se torne um ditador com prazo fixo de mandato,
criou-se a figura do impeachment. O afastamento do presidente pode ocorrer
por iniciativa do Congresso, quando o Chefe do Executivo, agindo contra os
interesses do Estado e no exercício de suas funções, comete crimes13.

13
No Brasil a figura do impeachment é prevista nos artigos 85 e 86 da CF, sendo possível para os crimes de
responsabilidade.
47
BIBLIOGRAFIA

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Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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