Professional Documents
Culture Documents
“O principal defeito de todo materialismo até aqui (incluído o de Feuerbach) consiste em que o
objeto, a realidade, a sensibilidade, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como
atividade humana sensível, como práxis, não subjetivamente. Eis porque, em oposição ao materialismo, o
aspecto ativo foi desenvolvido de maneira abstrata pelo idealismo, que, naturalmente, desconhece a
atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis – realmente distintos dos objetos do
pensamento: mas não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva. Por isso, em A
essência do cristianismo, considera apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano,
enquanto que a práxis só é apreciada e fixada e sua forma fenomênica judaica e suja. Eis porque não
compreende a importância da atividade ‘revolucionária’, ‘prático-crítica’”.
“Feuerbach, não satisfeito com o pensamento abstrato, quer a intuição; mas não apreende a
sensibilidade como atividade prática, humano-sensível”.
À primeira vista, o título deste ensaio pode soar ambicioso. Tratar da relação
entre consciência e materialidade em Marx é, de certo modo, tomar um fio condutor que
atravessa de ponta a ponta sua vasta produção bibliográfica. E justamente por ter isso
em mente que o escopo que optamos por estabelecer aqui toma como base as teses sobre
Feuerbach destacadas na epígrafe. Com efeito, trata-se aqui de recuperar o modo pelo
qual, em Marx, surge uma teoria que, por um lado, rejeita os ditames subjetivistas das
“filosofias da consciência” herdeiras do cartesianismo (aqui incluso sua versão
hegeliana); por outro, igualmente rechaça o reducionismo objetivista da tradição
materialista.
Assim, a partir daqueles textos, desvela-se o sentido específico do materialismo
histórico marxiano – sentido este que, mais do que mera apologética teórica, permite-
nos nos contrapor de um lado, às perspectivas políticas neoliberais do “ultra-sujeito”
(denunciado por Fischbach, Dardot & Laval); de outro, às teses natural-científicas
contemporâneas e a imposição de sua racionalidade instrumental-quantitativa, já
denunciadas pela Dialética do esclarecimento de Adorno & Horkheimer. O que, afinal,
se trata de refletir, é como essas duas teses, em que pesem seu aparente antagonismo
inicial, representam, desde um ponto de vista inspirado em Marx, o verso e anverso de
uma mesma moeda, isto é, as figuras contemporâneas da alienação filosófico-científica,
justamente na medida em que negligenciam, cada qual a seu modo, a complexa inter-
relação dos caracteres fundamentais de nossa constituição.
***