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10/02/2017

Tribunal da Relação do Porto, Secção Criminal, Acórdão de 9 Abr. 2014,


Processo 447.12.0PBCTB.P1

Relator: Coelho Vieira.

Processo: 447.12.0PBCTB.P1

Jurisdição: Criminal

Colectânea de Jurisprudência, N.º 253, Tomo II/2014

Ref. 5862/2014

Sumário

CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA. Apropriação de dinheiro levantado da conta bancária do de

cujus.

Comete crime de abuso de confiança o herdeiro que, antes de se proceder à partilha da

herança, levanta dinheiro da conta bancária do de cujus, transferindo-o para uma conta sua,

dispondo dele em proveito próprio.

M.B.

Disposições aplicadas

DL n.º 400/82, de 23 de Setembro (Código Penal) (Ref. 10/1982) art. 47.2; art. 71

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

O Ministério Público junto do T. J. de Espinho acusou, em processo comum com Tribunal Singular,
o arguido:

- [A], imputando-lhe a prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido


pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, al. a) do Código Penal.

[...]

Na sequência da audiência de discussão e julgamento, foi elaborada sentença, dela constando o


seguinte dispositivo:

Face ao exposto, julgo a acusação procedente e, em consequência:

A) Condeno o arguido [A], pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança
agravado, p. e p. pelo art. 205º, nº 1 e 4, al. a) do C.P., na pena de 200 (duzentos) dias de

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multa, à taxa diária de € 9,00 (nove euros), perfazendo o montante de € 1.800,00 (mil e
oitocentos euros);

B) Condeno o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 UCs.

C) Julgo procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante [B],
e, por consequência, condeno o arguido [A] a pagar-lhe os danos patrimoniais cujo montante se
relega para liquidação em execução de sentença.

D) Custas cíveis a cargo do demandado que se fixam no mínimo legal.

Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.

[...]

Inconformado com o decidido, o arguido veio interpor recurso;

[...]

A Digna Magistrada do MP veio deduzir douta resposta ao recurso, defendendo, em suma, a sua
total improcedência, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Idêntica atitude processual assumiu o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, por via do douto Parecer
que emitiu.

Cumprido que legalmente se mostra o disposto no art. 417º nº 2, do CPP verifica-se que não foi
deduzida qualquer resposta pela voz da Exmª Mandatária do arguido.

COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:

[...]

A questão da subsunção jurídica:

Estabelece o artigo 205º, do Código Penal, o seguinte:

"1 - Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não
translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.

4 - Se a coisa referida no nº 1 for:

a) De valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até
600 dias;

b) De valor consideravelmente elevado, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

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5 - Se o agente tiver recebido a coisa em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego
ou profissão, ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial, é punido com pena de
prisão de 1 a 8 anos."

O âmbito de protecção assegurada pelo crime de abuso de confiança reconduz-se exclusivamente


à propriedade, enquanto no furto, além da propriedade, protege-se também a incolumidade da
posse ou detenção de uma coisa móvel [F. Dias, Comentário...II pág. 94].

O crime de abuso de confiança pressupõe uma relação fiduciária, i.e., uma relação de confiança
em função da qual se procede a uma entrega lícita de uma coisa móvel por título que não implique
transferência de propriedade nem justifique a apropriação, mas antes obrigue à restituição ou a
um uso ou fim determinado [Eduardo Correia, in Revista de Direito e Estudos Sociais" VII, n° 1,
pág. 64. No mesmo sentido se pronunciou Beleza dos Santos na Revista de Legislação e de
Jurisprudência,Ano 82º, pág. 17].

Essa entrega tanto pode ser efectuada por parte do proprietário como do legítimo detentor da
coisa e dela resulta nítida a diferença entre o furto, a burla e o abuso de confiança. No primeiro,
a coisa passa por subtracção, isto é, sem a vontade do detentor, para o poder do agente; nos
dois últimos, a coisa não é subtraída, mas entregue: é confiada ou posta à disposição do agente
do crime, por vontade do detentor.

A consumação do crime verifica-se com a apropriação, isto é com a inversão do título da posse,
situação que ocorre quando, estando a coisa em causa na posse ou na detenção do agente por
modo legítimo embora a título não translativo de propriedade, ele se apropria da mesma,
actuando como seu dono. Deste modo, para aferir da existência de tal acto de apropriação, não
basta que se verifique a intenção correspondente mas também que essa intenção de apropriação
se manifeste exteriormente através da prática de actos materiais que demonstrem que o agente
passou a actuar como se a coisa fosse sua.

A nível subjectivo basta a verificação do dolo genérico traduzido na vontade de o agente inverter
o título de posse, de passar de possuidor em nome alheio a possuidor em nome próprio.

No crime de abuso de confiança exige-se a inversão do título de posse ou de detenção da coisa


apropriada: a coisa encontra-se confiada ao agente, com determinada finalidade específica e, em
certa altura, passa a comportar-se como dono, praticando sobre ela actos de disposição que
apenas cabem ao titular do direito de propriedade, dispondo dela ou arrogando-se, por qualquer
forma o respectivo, o direito de propriedade. O agente, mero detentor da coisa, passa a
comportar-se em relação à mesma, como seu verdadeiro dono.

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Como observa FIGUEIREDO DIAS (Comentário Conimbricence Ao Código Penal, p. 103 e p. 104,
na anotação feita ao crime de abuso de confiança) "a apropriação traduz-se sempre, no contexto
do crime de abuso de confiança, precisamente na inversão do título de posse ou detenção (...) o
agente que recebeu a coisa uti alieno, passa, em momento posterior, a comportar-se em relação
a ela utidominus. (...) Sob que forma deva concretamente manifestar-se a apropriação, é em
definitivo indiferente: necessário é apenas que, como acima se disse, se revele por actos
concludentes que o agente inverteu o título de posse e passou a comportar-se como perante a
coisa como proprietário".

Ora, no caso em apreço estamos perante apropriação de universalidade jurídica.

Com efeito, a herança é uma "universitasjuris" com determinada afectação e os herdeiros,


enquanto se não fizer a partilha, são titulares de um direito indiviso; assim o co-herdeiro não é
comproprietário de cada uma das coisas componentes da herança, apenas lhe cabendo uma quota
ideal desta.

Na sentença discerniu-se bem sobre esta questão.

Com efeito ali se diz (e resulta provado) que, o arguido dispôs do dinheiro da herança levantando-
o da conta bancária do "de cujus", transferindo-o para uma conta sua, dispondo dele com
"animus" de domínio o que se projecta também no elemento subjectivo do crime em causa.

Na verdade, apesar de se ter aventado que o arguido efectuou alguns pagamentos relativos a
encargos de bens da herança, não se demonstrou em que montantes concretos tal utilização se
deu e não se demonstrou que este tivesse legalmente investido de poderes para esse efeito.

De qualquer forma, o arguido apropriou-se efectivamente, em seu proveito exclusivo, do dinheiro


existente em conta da herança.

Mesmo tendo a qualidade de herdeiro enquanto não se proceder à adjudicação de bens, cabe-lhe
apenas o direito, em abstracto, a uma quota-parte da herança. Que não a este ou aquele bem
específico que só virá a acontecer depois de compostos e adjudicados os quinhões. E ainda que
a apropriação da quantia em causa possa vir, no futuro, a não afectar a composição dos quinhões
dos restantes herdeiros, tal não significa que ele não se tenha apropriado do dinheiro da herança,
ilegitimamente, invertendo sobre ele o título da posse.

Não é questionável também a verificação dos elementos do tipo subjectivo - consciência de que
se tratava de bem da herança e que o arguido actuou querendo fazê-lo coisa sua, como
efectivamente fez, dispondo dele.

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Temos assim que estão verificados os pressupostos do crime por que o arguido vem acusado: a
inversão do título de posse sobre o dinheiro da herança, sabendo o arguido que o dinheiro lhe
não pertencia e actuava contra a vontade da outra herdeira.

E ainda que o valor apropriado é superior a 50 unidades de conta.

Mostra-se correcta a subsunção jurídica, também improcedendo o recurso nesta parte.

A dosimetria penal:

No que toca a dosimetria das penas, é sabido que, nos termos do artigo 71º, nº2 do Código Penal,
a determinação da medida da pena deve respeitar os limites impostos por lei, é feita em função
da culpa do agente e das exigências da prevenção, consideradas as finalidade das penas indicada
no artigo 40º, do mesmo diploma legal, e há que atender a todas as circunstâncias que, não
fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do agente ou depor contra ele.

Assim, será de ponderar na determinação concreta da pena, além do mais, os graus de culpa e
ilicitude, a intensidade dolosa, as consequências gravosas do acto, o comportamento anterior e
posterior ao facto, as condições pessoais do agente, as exigências de reprovação e prevenção
criminal (artigo 71º nº2 do Código Penal).

O art. 70º, do CP do C. Penal preceitua que " Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena
privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta
realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

O art. 40º ns. 1 e 2, do C. Penal refere que a aplicação das penas visa a protecção de bens
jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar
a medida da culpa.

Por sua vez, o art. 71º, do C. Penal estabelece que a determinação da medida da pena é feita em
função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo, ainda, conforme o nº 2 deste
preceito legal, atender-se às circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele,
nomeadamente, as aí enumeradas

- o grau de ilicitude do facto, modo de execução deste e a gravidade das suas consequências,
bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;

- intensidade do dolo;

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o


determinaram;

- condições pessoais do agente e a sua situação económica;

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- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando destinada a reparar as


consequências do crime;

- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta
deva ser censurada através da aplicação da pena.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (cfr. Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra,
1988, pag. 255), " Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de
ser construído o modelo de medida (em sentido estrito, ou de "determinação concreta"...) da
pena. E mais adiante: "As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na
tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A
pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa" (ob. cit., pag.
279).

No dizer de Anabela Rodrigues (in O Modelo de Prevenção na determinação da medida concreta


da pena - RDCC, 12, 2, Abril/Junho /2002", ..." Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida
pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção
geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da
pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de sociabilização do agente
ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em
caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas. É este o único
entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e,
na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade e não compensar ou retribuir a
culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito
devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente".

Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça - cfr. Ac. de 28/04/2010 - in www.dgsi.pt., (...)...nos
termos do art. 71º, nº 1, do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos
na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Toda a pena tem,
como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa -
nullapoena sine culpa.

Mas, por outro lado, a culpa constitui também o limite máximo da pena (cf. Ac STJ de 26-10-
2000, Proc. nº 2528/00 - 3.ª Secção): "a culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura
que funciona, a um tempo, como um fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena".

Com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do
caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e
valores jurídicos. Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências
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da socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem a uma sua integração digna no
meio social - cf. Ac. STJ, supra citado.

O Caso Concreto:

O crime praticado tem um universo penal abstracto, em termos da moldura penal que oscila, para
a pena de prisão, de 1 mês a 5 anos (arts. 41º nº 1 e 205º nºs 1 e 2, al. a), ambos do C. Penal.

A pena de multa varia entre 10 e 600 euro; o quantum diário varia entre os 5 e os 500 euro - cfr.
arts. 47º ns. 1 e 2 e art. 205º acabado de citar, todos do C. Penal.

Quanto aos factos alegados no libelo acusatório o arguido declarou não pretender prestar
declarações, o que não o beneficiando, também não o pode prejudicar em sede probatória;
prestou declarações consideradas credíveis no que concerne à sua situação sócio-económica, a
qual aliás foi tomado em conta para os efeitos do disposto no art. 47º nº 2, do C. Penal.

O arguido não tem antecedentes criminais; vive sozinho e aufere, como funcionário público, a
salário de 980 euro mensais.

A medida da culpa é mediana, o dolo é directo; as exigências de prevenção geral são medianas
e não têm intensidade relevante exigências de prevenção especial face, "prime faciae" a
primodelinquência do arguido.

Mostra-se acertada a opção por pena de multa; a sua fixação em 200 dias (1/3 do limite máximo
aplicável) mostra-se acertado e respeita os aludidos critérios referenciados no art. 71º, do C.
Penal.

Nenhuma censura merece o decidido, o mesmo se referindo a liquidação futura em execução de


sentença quanto ao pedido cível.

Com efeito, tendo-se por provada apropriação dos valores quantificados nos pontos 4 e 5, não
ficou demonstrado, por prova inequívoca que a quantia de 15.159,93 euro existente na conta
bancária do "de cujus" fosse o único bem da herança e, já consequentemente, a "quota" daquele
montante a repartir posteriormente, mas sempre perspectivando a universalidade da herança.

Daqui concluímos que o recurso é totalmente improcedente e a sentença recorrida merece total
confirmação.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando
integralmente a sentença recorrida.

O Recorrente pagará 4 Ucs de taxa de justiça.

Porto, 9 de Abril de 2014.

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Coelho Vieira

Borges Martins

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Tribunal da Relação do Porto, Secção Criminal, Acórdão de 9 Abr. 2014,


Processo 447.12.0PBCTB.P1

Relator: Coelho Vieira.

Processo: 447.12.0PBCTB.P1

Jurisdição: Criminal

Colectânea de Jurisprudência, N.º 253, Tomo II/2014

Ref. 5862/2014

Sumário

CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA. Apropriação de dinheiro levantado da conta bancária do de

cujus.

Comete crime de abuso de confiança o herdeiro que, antes de se proceder à partilha da

herança, levanta dinheiro da conta bancária do de cujus, transferindo-o para uma conta sua,

dispondo dele em proveito próprio.

M.B.

Disposições aplicadas

DL n.º 400/82, de 23 de Setembro (Código Penal) (Ref. 10/1982) art. 47.2; art. 71

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

O Ministério Público junto do T. J. de Espinho acusou, em processo comum com Tribunal Singular,
o arguido:

- [A], imputando-lhe a prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido


pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, al. a) do Código Penal.

[...]

Na sequência da audiência de discussão e julgamento, foi elaborada sentença, dela constando o


seguinte dispositivo:

Face ao exposto, julgo a acusação procedente e, em consequência:

A) Condeno o arguido [A], pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança
agravado, p. e p. pelo art. 205º, nº 1 e 4, al. a) do C.P., na pena de 200 (duzentos) dias de

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multa, à taxa diária de € 9,00 (nove euros), perfazendo o montante de € 1.800,00 (mil e
oitocentos euros);

B) Condeno o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 UCs.

C) Julgo procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante [B],
e, por consequência, condeno o arguido [A] a pagar-lhe os danos patrimoniais cujo montante se
relega para liquidação em execução de sentença.

D) Custas cíveis a cargo do demandado que se fixam no mínimo legal.

Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.

[...]

Inconformado com o decidido, o arguido veio interpor recurso;

[...]

A Digna Magistrada do MP veio deduzir douta resposta ao recurso, defendendo, em suma, a sua
total improcedência, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Idêntica atitude processual assumiu o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, por via do douto Parecer
que emitiu.

Cumprido que legalmente se mostra o disposto no art. 417º nº 2, do CPP verifica-se que não foi
deduzida qualquer resposta pela voz da Exmª Mandatária do arguido.

COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:

[...]

A questão da subsunção jurídica:

Estabelece o artigo 205º, do Código Penal, o seguinte:

"1 - Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não
translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.

4 - Se a coisa referida no nº 1 for:

a) De valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até
600 dias;

b) De valor consideravelmente elevado, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

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5 - Se o agente tiver recebido a coisa em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego
ou profissão, ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial, é punido com pena de
prisão de 1 a 8 anos."

O âmbito de protecção assegurada pelo crime de abuso de confiança reconduz-se exclusivamente


à propriedade, enquanto no furto, além da propriedade, protege-se também a incolumidade da
posse ou detenção de uma coisa móvel [F. Dias, Comentário...II pág. 94].

O crime de abuso de confiança pressupõe uma relação fiduciária, i.e., uma relação de confiança
em função da qual se procede a uma entrega lícita de uma coisa móvel por título que não implique
transferência de propriedade nem justifique a apropriação, mas antes obrigue à restituição ou a
um uso ou fim determinado [Eduardo Correia, in Revista de Direito e Estudos Sociais" VII, n° 1,
pág. 64. No mesmo sentido se pronunciou Beleza dos Santos na Revista de Legislação e de
Jurisprudência,Ano 82º, pág. 17].

Essa entrega tanto pode ser efectuada por parte do proprietário como do legítimo detentor da
coisa e dela resulta nítida a diferença entre o furto, a burla e o abuso de confiança. No primeiro,
a coisa passa por subtracção, isto é, sem a vontade do detentor, para o poder do agente; nos
dois últimos, a coisa não é subtraída, mas entregue: é confiada ou posta à disposição do agente
do crime, por vontade do detentor.

A consumação do crime verifica-se com a apropriação, isto é com a inversão do título da posse,
situação que ocorre quando, estando a coisa em causa na posse ou na detenção do agente por
modo legítimo embora a título não translativo de propriedade, ele se apropria da mesma,
actuando como seu dono. Deste modo, para aferir da existência de tal acto de apropriação, não
basta que se verifique a intenção correspondente mas também que essa intenção de apropriação
se manifeste exteriormente através da prática de actos materiais que demonstrem que o agente
passou a actuar como se a coisa fosse sua.

A nível subjectivo basta a verificação do dolo genérico traduzido na vontade de o agente inverter
o título de posse, de passar de possuidor em nome alheio a possuidor em nome próprio.

No crime de abuso de confiança exige-se a inversão do título de posse ou de detenção da coisa


apropriada: a coisa encontra-se confiada ao agente, com determinada finalidade específica e, em
certa altura, passa a comportar-se como dono, praticando sobre ela actos de disposição que
apenas cabem ao titular do direito de propriedade, dispondo dela ou arrogando-se, por qualquer
forma o respectivo, o direito de propriedade. O agente, mero detentor da coisa, passa a
comportar-se em relação à mesma, como seu verdadeiro dono.

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Como observa FIGUEIREDO DIAS (Comentário Conimbricence Ao Código Penal, p. 103 e p. 104,
na anotação feita ao crime de abuso de confiança) "a apropriação traduz-se sempre, no contexto
do crime de abuso de confiança, precisamente na inversão do título de posse ou detenção (...) o
agente que recebeu a coisa uti alieno, passa, em momento posterior, a comportar-se em relação
a ela utidominus. (...) Sob que forma deva concretamente manifestar-se a apropriação, é em
definitivo indiferente: necessário é apenas que, como acima se disse, se revele por actos
concludentes que o agente inverteu o título de posse e passou a comportar-se como perante a
coisa como proprietário".

Ora, no caso em apreço estamos perante apropriação de universalidade jurídica.

Com efeito, a herança é uma "universitasjuris" com determinada afectação e os herdeiros,


enquanto se não fizer a partilha, são titulares de um direito indiviso; assim o co-herdeiro não é
comproprietário de cada uma das coisas componentes da herança, apenas lhe cabendo uma quota
ideal desta.

Na sentença discerniu-se bem sobre esta questão.

Com efeito ali se diz (e resulta provado) que, o arguido dispôs do dinheiro da herança levantando-
o da conta bancária do "de cujus", transferindo-o para uma conta sua, dispondo dele com
"animus" de domínio o que se projecta também no elemento subjectivo do crime em causa.

Na verdade, apesar de se ter aventado que o arguido efectuou alguns pagamentos relativos a
encargos de bens da herança, não se demonstrou em que montantes concretos tal utilização se
deu e não se demonstrou que este tivesse legalmente investido de poderes para esse efeito.

De qualquer forma, o arguido apropriou-se efectivamente, em seu proveito exclusivo, do dinheiro


existente em conta da herança.

Mesmo tendo a qualidade de herdeiro enquanto não se proceder à adjudicação de bens, cabe-lhe
apenas o direito, em abstracto, a uma quota-parte da herança. Que não a este ou aquele bem
específico que só virá a acontecer depois de compostos e adjudicados os quinhões. E ainda que
a apropriação da quantia em causa possa vir, no futuro, a não afectar a composição dos quinhões
dos restantes herdeiros, tal não significa que ele não se tenha apropriado do dinheiro da herança,
ilegitimamente, invertendo sobre ele o título da posse.

Não é questionável também a verificação dos elementos do tipo subjectivo - consciência de que
se tratava de bem da herança e que o arguido actuou querendo fazê-lo coisa sua, como
efectivamente fez, dispondo dele.

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Temos assim que estão verificados os pressupostos do crime por que o arguido vem acusado: a
inversão do título de posse sobre o dinheiro da herança, sabendo o arguido que o dinheiro lhe
não pertencia e actuava contra a vontade da outra herdeira.

E ainda que o valor apropriado é superior a 50 unidades de conta.

Mostra-se correcta a subsunção jurídica, também improcedendo o recurso nesta parte.

A dosimetria penal:

No que toca a dosimetria das penas, é sabido que, nos termos do artigo 71º, nº2 do Código Penal,
a determinação da medida da pena deve respeitar os limites impostos por lei, é feita em função
da culpa do agente e das exigências da prevenção, consideradas as finalidade das penas indicada
no artigo 40º, do mesmo diploma legal, e há que atender a todas as circunstâncias que, não
fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do agente ou depor contra ele.

Assim, será de ponderar na determinação concreta da pena, além do mais, os graus de culpa e
ilicitude, a intensidade dolosa, as consequências gravosas do acto, o comportamento anterior e
posterior ao facto, as condições pessoais do agente, as exigências de reprovação e prevenção
criminal (artigo 71º nº2 do Código Penal).

O art. 70º, do CP do C. Penal preceitua que " Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena
privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta
realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

O art. 40º ns. 1 e 2, do C. Penal refere que a aplicação das penas visa a protecção de bens
jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar
a medida da culpa.

Por sua vez, o art. 71º, do C. Penal estabelece que a determinação da medida da pena é feita em
função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo, ainda, conforme o nº 2 deste
preceito legal, atender-se às circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele,
nomeadamente, as aí enumeradas

- o grau de ilicitude do facto, modo de execução deste e a gravidade das suas consequências,
bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;

- intensidade do dolo;

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o


determinaram;

- condições pessoais do agente e a sua situação económica;

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- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando destinada a reparar as


consequências do crime;

- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta
deva ser censurada através da aplicação da pena.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (cfr. Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra,
1988, pag. 255), " Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de
ser construído o modelo de medida (em sentido estrito, ou de "determinação concreta"...) da
pena. E mais adiante: "As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na
tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A
pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa" (ob. cit., pag.
279).

No dizer de Anabela Rodrigues (in O Modelo de Prevenção na determinação da medida concreta


da pena - RDCC, 12, 2, Abril/Junho /2002", ..." Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida
pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção
geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da
pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de sociabilização do agente
ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em
caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas. É este o único
entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e,
na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade e não compensar ou retribuir a
culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito
devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente".

Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça - cfr. Ac. de 28/04/2010 - in www.dgsi.pt., (...)...nos
termos do art. 71º, nº 1, do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos
na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Toda a pena tem,
como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa -
nullapoena sine culpa.

Mas, por outro lado, a culpa constitui também o limite máximo da pena (cf. Ac STJ de 26-10-
2000, Proc. nº 2528/00 - 3.ª Secção): "a culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura
que funciona, a um tempo, como um fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena".

Com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do
caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e
valores jurídicos. Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências
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da socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem a uma sua integração digna no
meio social - cf. Ac. STJ, supra citado.

O Caso Concreto:

O crime praticado tem um universo penal abstracto, em termos da moldura penal que oscila, para
a pena de prisão, de 1 mês a 5 anos (arts. 41º nº 1 e 205º nºs 1 e 2, al. a), ambos do C. Penal.

A pena de multa varia entre 10 e 600 euro; o quantum diário varia entre os 5 e os 500 euro - cfr.
arts. 47º ns. 1 e 2 e art. 205º acabado de citar, todos do C. Penal.

Quanto aos factos alegados no libelo acusatório o arguido declarou não pretender prestar
declarações, o que não o beneficiando, também não o pode prejudicar em sede probatória;
prestou declarações consideradas credíveis no que concerne à sua situação sócio-económica, a
qual aliás foi tomado em conta para os efeitos do disposto no art. 47º nº 2, do C. Penal.

O arguido não tem antecedentes criminais; vive sozinho e aufere, como funcionário público, a
salário de 980 euro mensais.

A medida da culpa é mediana, o dolo é directo; as exigências de prevenção geral são medianas
e não têm intensidade relevante exigências de prevenção especial face, "prime faciae" a
primodelinquência do arguido.

Mostra-se acertada a opção por pena de multa; a sua fixação em 200 dias (1/3 do limite máximo
aplicável) mostra-se acertado e respeita os aludidos critérios referenciados no art. 71º, do C.
Penal.

Nenhuma censura merece o decidido, o mesmo se referindo a liquidação futura em execução de


sentença quanto ao pedido cível.

Com efeito, tendo-se por provada apropriação dos valores quantificados nos pontos 4 e 5, não
ficou demonstrado, por prova inequívoca que a quantia de 15.159,93 euro existente na conta
bancária do "de cujus" fosse o único bem da herança e, já consequentemente, a "quota" daquele
montante a repartir posteriormente, mas sempre perspectivando a universalidade da herança.

Daqui concluímos que o recurso é totalmente improcedente e a sentença recorrida merece total
confirmação.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando
integralmente a sentença recorrida.

O Recorrente pagará 4 Ucs de taxa de justiça.

Porto, 9 de Abril de 2014.

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Coelho Vieira

Borges Martins

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