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Resumo: Uma descoberta acidental em uma cafeteria de hospital levou à formulação de uma intervenção
não – terapêutica. Este artigo descreve como a terapia pode ser bem sucedida para o terapeuta,
independentemente de mudanças no cliente.
Como muitos dos maiores avanços científicos do século vinte, este artigo reúne a vasta
experiência de dois psicólogos e um acontecimento casual que ocorreu um dia na cafeteria de um
hospital. Enquanto apreciava a apetitosa comida da cozinha, que é a medida padrão da maioria das
cafeterias de hospital, o autor sênior notou que a sopa de milho não continha milho, e sim um líquido
amarelo sem gosto. A importância desta observação foi logo captada pelo autor júnior. Após uma intensa
discussão, as implicações filosóficas tornaram-se aparentes. “Ah”, você pode perguntar, “mas o que sopa
de milho tem haver com psicoterapia?” Nas poucas páginas seguintes, iremos ao cerne do assunto e
revelaremos a semente de sabedoria implícita nesta observação.
Não é tarefa fácil engajar-se em uma terapia que seguramente não propicie mudanças ao cliente e
ao mesmo tempo manter-se em padrões profissionais. Entretanto, se nutricionistas podem fazer sopa de
milho que não contém milho, certamente psicoterapeutas podem planejar psicoterapias que não
contenham terapias. É importante no planejamento destas terapias que se tenha entendimento completo da
utilidade da terapia para o terapeuta. O primeiro ponto, e provavelmente o mais essencial, é que o
terapeuta precisa continuar a ser pago, regular e suficientemente. Segundo, o terapeuta precisa ganhar e
manter a estima de seus colegas. Isto significa que a terapia deve ser planejada de forma que nenhuma
crítica seja possível. Finalmente, clientes devem estar felizes com o processo terapêutico, mesmo que não
haja mudanças em seu comportamento. O não-terapeuta excelente continuará com o processo terapêutico
enquanto o cliente estiver vivo. Estamos, é claro, em débito com as escolas de pensamento psicodinâmico
altamente complexo, que têm se enquadrado perfeitamente na tradição de não-psicoterapia. Outros
autores, entre eles R. G. Jensen (1974) identificaram algumas características principais do “Princípio da
1
* Os autores desejam expressar gratidão ao Yorktown Union Hospital Cafeteria por ter tornado esse
trabalho possível.
** Tradução: André Luiz Freitas Dias e Nicolau Kuckartz Pergher (alunos do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento / PUC-SP)
Revisão: Maria Luisa Guedes (PUC-SP).
sopa de milho”; para ilustrar, Jensen afirmou “outro acesso fundamental para um fracasso bem sucedido
requer que a conceituação e objetivos do programa sejam mantidos relativamente obscuros. Se os
princípios e objetivos do tratamento se tornam muito concretos, há alguma probabilidade de um
observador mais astuto (por ex . um dos pais ou monitor envolvido no programa) fazer questões
impertinentes tal como, “Por que você está fazendo isto?” e esperar uma resposta concreta. O fracasso
torna-se mais difícil quando princípios e técnicas do tratamento estão abertos ao escrutínio público. Uma
maneira de manter um certo nível de confusão é tomar decisões sobre estas questões, mas garantir que
estas não se tornem conhecidas até que o programa esteja bem em andamento.
Seleção de clientes
Os clientes precisam ser selecionados muito cuidadosamente. O cliente ideal é aquele que parece
estar razoavelmente feliz e não certo de porque procurou um terapeuta. Há muitos destes clientes
disponíveis, mas em caso de dificuldade em obtê-los, é responsabilidade do terapeuta tornar conhecido
que cada um tem seus problemas e que todos podemos nos esforçar para nos tornar pessoas mais
“realizadas completamente”. O cliente infeliz deve ser evitado uma vez que ele tem a tendência a se
queixar da duração e do resultado da terapia e são mais inclinados a finalizar a relação terapêutica.
Clientes com problemas concretos (por ex. fracasso no casamento, problema em manter o emprego)
devem também ser evitados. Há um grande perigo de que estas pessoas reconheçam que a terapia não
mudou seu comportamento. Além disso, este tipo de cliente pode queixar-se para outros profissionais e
consequentemente reduzir a estima do não-terapeuta bem sucedido. Duas qualificações adicionais do
cliente ideal são: clientes devem ser adultos jovens e crédulos. Um guia prático para identificar tais
clientes vem do livro Teorias da Personalidade (Hall & Lindzey, 1968), “uma pessoa ingênua, por
exemplo, é alguém que está fixado no nível da personalidade incorporativo oral; ele engolirá qualquer
coisa que lhe seja dito. Assim, bater ou agredir oralmente podem ser deslocados em forma de sarcasmo e
discussões”. Boa prática terapêutica requer uma dedicação de uma vida inteira do cliente (sabe-se que
alguns terapeutas dão aulas de dança grátis). Além disso, o terapeuta é geralmente mais velho que seus
clientes, e por esta razão, ao aposentar-se, o terapeuta bem sucedido será capaz de vender sua prática (isto
é claro, inclui os clientes) e consequentemente aumentará seu fundo de aposentadoria.
Questões variadas, algumas vezes estranhas sobre as quais um não-terapeuta bem sucedido deve estar
consciente
Confusão. “Não existe nada igual à verdade ou realidade para um ser humano vivo, a não ser
quando ele participa disso, estando consciente, tendo alguma relação” (May, 1960). Isso claramente
estabelece a relação terapeuta-cliente ideal. Aparentemente, o cliente consegue entender a realidade
apenas quando ele participa dela com o terapeuta. Sendo isso verdadeiro para o cliente, é verdadeiro para
qualquer um. Ninguém consegue entender a realidade ou participar nela sem a ajuda do não-terapeuta.
Conforme o não-terapeuta mantém a relação terapêutica obscura, o ideal de terapia de um vida inteira é
sustentado por uma base sólida. Buytendijk (1960) pormenoriza afirmando, “a abordagem
fenomenológica para os sentimentos e emoções começa do fato inegável de que consciência é sempre
uma consciência de algo mais e que nós estamos conscientes da nossa existência, que significa nosso ser
fisicamente subjugado em relação a uma dada situação”. De uma maneira bastante óbvia, Buytendijk está
aqui se referindo ao terapeuta. Essas considerações claramente definidas devem estar predominantemente
na mente dos terapeutas a todo momento.
Testagem. Testagem psicológica é uma das mais poderosas ferramentas do não-terapeuta. Um
vasto conjunto de instrumentos clínicos está prontamente disponível. Existem somente dois usos
justificáveis dos testes psicológicos. O primeiro é que o terapeuta pode parecer bastante erudito quando
conversa com outros profissionais, como por exemplo, quando o terapeuta diz “a alta elevação da escala 6
para a escala 8 no tipo de perfil 8-6 é consistente com o diagnóstico uniforme de uma amostra de
esquizofrênicos paranóides” (Gelberstadt e Duker, 1965). A segunda maior razão é que um diagnóstico
psiquiátrico pode ser atribuído aos clientes. Isso permite uma rápida e eficiente descrição dos clientes
para outros profissionais. Por exemplo, “Meu 303.2 está entrando em contato com seus sentimentos”.
Também é útil quando alguém está planejando um sistema de arquivamento ou quando clientes estão para
ser transferidos de uma ala/seção (de hospital) para outra, lidam com eles dessa forma. Uma das
excelentes vantagens da testagem de personalidade é que a classificação tem pouco ou nada a ver com
terapia, e tipicamente que o problema encontra-se “nas profundezas do cliente”. Uma vez que a testagem
tem pouco a ver com tratamento, o terapeuta pode satisfazer a si mesmo com uma sessão de testagem que
fica bem nos registros e não requer uma mudança na direção terapêutica. Finalmente, deve ser destacado
que isso pode ser uma fonte adicional de resultados que não deve ser desdenhada.
Interpretações ou mais confusões. Repetidamente, o não-terapeuta bem sucedido é requerido para
fazer interpretações no curso da terapia. Como um guia para as interpretações, nós sugerimos o seguinte,
“novamente, falando de maneira geral, interpretações deveriam ser oferecidas somente se e quando todos
os dados pertinentes à questão sob investigação tiverem sido cobertos pela interpretação e se o psiquiatra
sentir razoável certeza de que a interpretação que ele tem em mente é a que ele considera correta e válida
dentre diversas outras possibilidades” (Fromm-Reichmann, 1950). Interpretações servem para dois
propósitos úteis: primeiro de tudo, elas são divertidas para o terapeuta; segundo, um não-terapeuta astuto
pode manter o cliente (e algumas vezes os colegas) completamente confusos.
Confrontação. Nunca confronte o cliente, já que isso pode não servir a propostas úteis para o
terapeuta. A única exceção é quando o cliente torna-se agressivo e o terapeuta deve confrontá-lo a fim de
reduzir a agressão (Carkhuff e Berenson, 1967). Se os clientes tornarem-se muito agressivos, eles podem
(1) terminar a terapia ou (2) tornar a sessão terapêutica desagradável para o terapeuta. É essencial, assim,
que o terapeuta seja tão impassível, plácido e não-diretivo quanto possível.
Resumo
É importante que os terapeutas não observem ou registrem comportamentos, ao invés disso falem
sobre sentimentos e histórias do começo da vida. Não estabeleça metas, ao invés disso objetivos obscuros
que nem o cliente nem o terapeuta entendam completamente. Mantenha a relação terapêutica e o
ambiente terapêutico tão artificial quanto possível. Diversas táticas estão disponíveis: confundir o cliente
e utilizar testes psicológicos são uma prática excelente. Finalmente, é sugerido que os clientes não sejam
confrontados com comportamentos inadequados de quaisquer tipos, já que isso poderia servir, no melhor
das hipóteses, para fazer a terapia desagradável para o terapeuta.
Nós percebemos que inúmeros terapeutas funcionam bastante bem sem o insight do “Princípio da
Sopa do Milho”. Entretanto, é somente pela afirmação clara de princípios básicos de ação que o progresso
pode ser feito.
Referências bibliográficas:
Buttendijk, F. J. J. (1950) – The phenomenological approach to the problem of feelings and emotions.
In : Feelings and Emotions, Ed. M. I. Reymwert, pp. 127-141. McGraw-Hill. New York;
Carkhuff, R. R. & Berenson, B. G. (1967) – Beyond Couseling and Therapy. Holt, Rinehart and
Chicago;
Gilberstadt, H. & Duker, J. (1965) – A Handbook for Clinical and actuarial MMPI Interpretation. W.
B. Saunders. Philadelphia;
Hall, C. S. & Lindzey, G. (1968) – Theories of Personality. John Wiley, New York;
Hamilton, J. W. (1967) – The rear end collision a specific form of acting out. J. Hillside Hosp. 16, 3-4,
187-204;
Jensen, R. G. (1974) – How to be a failure as a psychologist in programs for retarded children. Mental
May, R. (1960) – Existential psychology. 2 Existential Psychology. (Ed. R. May), pp. 16-35. Random
Reedição Especial
Reedição com a permissão do Behav. Res. & Therapy, 1976, Vol. 14, pp. 482-484, Pergamon Press, Ltd.