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5 A estrutura e a fungio da comunicagaéo na sociedade* Harold D. Lasswet O ato de comunicagao Uma maneira conveniente para descrever um ato de comu- nicacio consiste em responder as seguintes perguntas: Quem Diz o qué Em que canal Para quem Com que efeito? © estudo cientifico do proceso de comunicagio tende a se concentrar em-uma ou outra dessas questées. Aqueles que estu- dam o “quem” — 0 comunicador — se interessam pelos fatores que iniciam € guiam o ato comunicativo. Essa subdivisiio do campo de pesquisa é chamada andlise de controle. Os especialistas que focalizam o “diz o qué” ocupam-se da andlise de conteuido. Aque- les que se interessam principalmente pelo radio, imprensa, nema € outros canais de comunicacio, fazem a andlise de meios (media). Quando o principal problema diz respeito as pessoas atingidas pelos meios de comunicagio, falamos de andlise de audiéncia. Se for o caso do impacto sobre as audiéncias, 0 pro- blema ser4 de andlise de efeitos. (*) “The Structure and Function of Communication in Society", in Lyman Bryson (org.), The Communication of Ideas, Nova York, Harper & Brothers, 1948. Tradugio de Gabriel Cohn, Reproduzide com permissio’ do Institute for Religious and Social Studies of the jewish Theological Seminary of America. 106 — Codigo, mensagem e sociedade A possibilidade de tais distingdes se revelarem tteis depende inteiramente do grau de refinamento tido por apropriado para um objetivo cientifico e administrativo dado. Muitas vezes, é mais simples combinar-se uma andlise de audiéncia com uma de efeito, por exemplo, do que manté-las separadas. Por outro lado, talvez queiramos concentrar-nos na anlise de contetido. Nesse caso, sub- dividimos 0 campo no estudo do significado e no do estilo, o primeiro referindo-se & mensagem e 0 segundo A disposicio dos elementos que compdem a mensagem. Estrutura e fungaéo Por mais atraente que seja elaborar essas categorias em por- menor, a nossa finalidade é outra. Estamos menos interessades em dividir o ato de comunicagio em suas partes componentes do que em examiné-lo como um todo em relagio ao processo socii'] global. Quaiquer processo pode ser examinado de dois angulos, a saber, o estrutural e o funcional. A nossa analise da comunica- cao tratara das especializagées que acarretam certas fungées, entre as quais podemos distinguir claramente as seguintes:- 1) a vigi- lancia sobre 0 meio ambiente; 2) a correlagio das partes da so- ciedade em resposta ao meio; 8) a transmissio da heranca social de uma geracdo para a outra. Equivaléncias biolégicas Sob o risco de evocar falsas analogias, podemos ter uma vi mais ampla das sociedades humanas, quando notamos até que grau a comunicacao é uma caracteristica da vida em qualquer ni- vel. Uma entidade vital, quer esteja relativamente isolada ou em associac&o, tem recursos especializados para receber estimtlos do meio ambiente. O organismo unicelular ou o grupo mais com- plexo tende a manter um equilibrio interno e a reagir is mu- dancas de ambiéncias, de forma a manter esse equilibrio. O pro- cesso de reagio aos estimulos do meio exige maneiras especializa- das de organizar as partes do todo para uma acdo harmoniosa. Os animais multicelulares dispdem de células especializadas para a fungio de contato com o exterior e de correlacio interna. Assim, entre os primatas, a especializagdo é exemplificada por 6rgios como a orelha € o olho, ¢ o proprio sistema nervoso. Quando os padrées de recepcio € disseminagao de estimulos ope- Estrutura e fungio da comunicagdéo — 107 ram adequadamente, as diversas partes do animal atuam coorde- nadamente (“‘alimentando-se”, “fugindo”, “atacando”)(*). Em algumas sociedades, certos membros desempenham papéis especializados de vigilancia sobre o meio. Agem como “‘sentine- las”, ficando a parte do grupo, como observadores, e- manifestam- se sempre que ocorre alguma mudanga alarmante nos arredores. Isto basta para por o grupo em movimento. Dentre as-atividades dos “lideres” grupais especializados, consta o estimulo interno dos “seguidores”, no sentido de se adaptarem, de forma ordenada, as circunstincias anunciadas pelas sentinelas. Os impulsos nervosos que entram ¢ os que saem de um orga- nismo altamente diferenciado especifico sio transmitidos através de fibras, vinculadas sinapticamente a outras fibras. Os pontos criticos no proceso ocorrem nas sinapses (relays), onde os im- pulsos que chegam podem ser fracos demais para alcangar o limite minimo (limiar) no sentido de acionar a juncio seguinte. Nos centros mais altos, as correntes separadas se modificam mu- tuamente, produzindo resultados que diferem de muitas maneiras daqueles que ocorreriam, se cada qual seguisse um caminho se- parado. Em qualquer sinapse pode haver uma condutibilidade total, intermediaria ou nula dos impulsos. Categorias semelhan- tes podem ser aplicadas ao que se passa entre os membros de uma sociedade animal. A raposa astuta pode aproximarse do gali- nheiro de tal forma a fornecer estimulos pobres demais para a reacio da sentinela, ou entdo, o animal atacante poderd eliminar a sentinela, antes que ela seja capaz de consumar o alarma. E 6bvio que existe um ntimero infinito de graduacdes entre a con- dutibilidade total e a auséncia de condutibilidade dos estimulos. O processo de atengao na sociedade mundial Quando examinamos 0 proceso de comunicagio em qualquer Estado na comunidade mundial, observamos trés categorias de especialistas, Um grupo abrange, com a sua atencio, o meio politico do Estado como um todo; outro, relaciona a rea¢io do conjunto do Estado ao seu meio ambiente; ¢ 0 terceiro trans- mite padrdes de reacio dos idosos aos jovens. Os diplomatas, adidos ¢ correspondentes estrangeiros so representativos daqueles *) Na medida em que padrdes de comportamento sio transmitidos mas estru- turas Herdadas pelo animal especifico, desempenham uma fungio paralela & trans- missio da “heranga social” através da educagio. 108 — Cédigo, mensagem e sociedade que se especializam no meio externo, Os editores, jornalistas ¢ oradores vinculam-se & reac&o interna. Os educadores, na familia na escola, transmitem a heranca social. ‘As comunicagées com origem no estrangeiro passam por se- qiiéncias em que varios emissores e receptores se vinculam entre si. Sujeitas a modificagio em cada elo da cadeia, as mensagens oriundas de um diplomata ou correspondent estrangeiro poderiio passar pelas mesas-editoriais ¢, finalmente, atingir grandes au- diéncias. Se concebermos 0 processo de atengo mundial como uma sé- rie de estruturas de atengao (attention frames), € possivel descre- verse a proporcio em que um contetido comparavel atinge indi- viduos ¢ grupos. Podemos procurar 0 ponto em que a “condu- tibilidade” deixa de ocorrer, ¢ podemos verificar a margem entre a “condutibilidade total” e a “condutibilidade minima”. Os cen- tros metropolitanos e politicos mundiais tem muito em comum com a interdependéncia, diferenciagio ¢ atividade dos centros cor- ticais e subcorticais de um organismo individual. Segue-se que as estruturas de ateng&o encontradas nesses pontos sio as mais va- riadas, refinadas ¢ interagentes de todas aquelas da comunidade mundial. No extremo oposto, encontram-se as estruturas de atencio de habitantes primitivos de dreas isoladas, ndo que as culturas co- munitarias estejam totalmente isoladas da civilizagéo industrial. (...) As longas redes do comércio, do zelo missiondrio, da explo- racdo aventureira ou do estudo cientifico e da guerra global al- cancam lugares longinquos. Ninguém esta totalmente isolado do mundo. (...) Equivaléncias mais minuciosas Os processos de comunicacio da sociedade humana, quando examinados em pormenor, revelam equivaléncia em relagio as especializacdes encontradas no organismo fisico e nas sociedades animais inferiores. Por exemplo, os diplomatas de uma determi- nada nagio espalham-se pelo mundo e enviam mensagens a al- guns poucos pontos focais. & claro que esses relatérios partem de muitos pontos, para chegar a alguns poucos, onde passam a interagir. Mais tarde, a seqiiéncia se desdobra em forma de le- que, conforme um padrao de passagem de poucos a multiplos pontos de atengdo, como ocorre quando um ministro do Exterior Estrutura e fungéo da comunicagéo — 109 fala em publico, um artigo é publicado na imprensa, ou um no- ticidrio cinematografico é distribuido. As linhas condutoras do meio externo ao Estado sao funcionalmente equivalentes aos ca- nais aferentes, condutores dos impulsos nervosos que entram no sistema nervoso central de um animal isolado e aos meios pelos quais um alarme é espalhado pelo grupo de animais. Impulsos eferentes, ou de saida, acusam paralelos correspondentes. O sistema nervoso corporal est4 envolvido, somente em parte, no fluxo total de impulsos aferentes-eferentes. Existem sistemas automaticos que podem interagir sem envolver os centros “mais altos". A estabilidade do meio interno é mantida, principalmen- te, através da mediacao das especializagdes vegetativas ou autond- micas do sistema nervoso. De forma semelhante, a maior parte das mensagens inerentes a qualquer Estado nao envolve os canais centrais de comunicacao. Ocorrem dentro das familias, vizinhan- cas, lojas, grupos de campo e outros contextos locais. A maior parte do processo educacional € conduzido da mesma forma. Um conjunto de equivaléncias significativas relaciona-se aos circuitos de comunicagio, nos quais pode predominar o sentido nico ou duplo, dependendo do grau de reciprocidade entre os comunicadores € a audiéncia; ou, em outras palavras, uma co- municagio em dois sentidos ocorre quando as fungées emissoras € receptoras sao realizadas com igual freqiiéncia, por duas ou mais pessoas. Considera-se comumente que a conversa representa um padrao de comunicacio de dois sentidos (a parte os moné- logos). Os modernos instrumentos de comunicagio de massa ofe- recem grandes vantagens Aqueles que controlam empresas gré- ficas, equipamento de radio e outras formas de capital fixo e especializado, Deve-se notar, contudo, que as audiéncias “res- pondem”, apés certa demora; e, entre os controladores dos meios de comunicacio de massa, muitos fazem uso de procedimentos cientificos de amostragem, para apressar esse fechamento do cir- cuito. Os circuitos de contato nos dois sentidos so particularmente evidentes nos casos dos grandes centros metropolitanos, politicos e culturais do mundo. Por exemplo, Nova York, Moscou, Lon- dres e Paris esto em intenso contato nos dois sentidos, mesmo quando 0 fluxo estiver bastante reduzido quanto ao volume (como entre Moscou e Nova York). (...) Uma outra distingZo pode ser feita, entre centros controla- dores € centros manejadores de mensagens. O centro de men- sagens do vasto Edificio do Pentégono, do Departamento de 110 — Cédigo, mensagem e sociedade Guerra dos Eva, em Washington, D. C., transmite aos seus des- tinatarios mensagens que nao entram com outras modificacdes além daquelas de cardter puramente acidental. Este é também © papel dos impressores ¢ distribuidores de livros; do pessoal re- lacionado a comunicagao telegrafica; de técnicos radiofénicos e outros associados a radiodifusio. Tais manejadores de mensagens podem .ser contrastados com aqueles que afetam o contetido do que & dito, como ocorre com os editores de jornais, censores e propagandistas. No que diz respeito, portanto, aos especialistas do simbolo em conjunto, separamo-los em controladores (mani- puladores) e manejadores. O primeiro grupo modifica, tipica- mente, o contetido das mensagens; 0 segundo, nao. Necessidades e valores Embora tenhamos notado um certo numero de equivaléncias estruturais e funcionais entre a comunicagio nas sociedades hu- manas € outras entidades vivas, nao se pretende afirmar que pos- samos estudar com éxito o processo de comunicacio na América ou no mundo, pelos métodos mais apropriados para a pesquisa dos animais inferiores ou de organismos fisicos isolados. Na psi- cologia comparativa, quando descrevemos alguma parte do am- biente de um rato, gato ou macaco, como um estimulo (isto é, como a parte do meio que alcanga a atencio do animal), nfo podemos questionar o rato; utilizamo-nos de outros meios para inferirmos a percepgio. Quando 0 nosso objeto de estudo sio seres humanos, podemos entrevistar o grande “animal falante”. (Isso nao significa que aceitemos tudo, sem mais. As vezes, prog- nosticamos 0 contrario daquilo que o individuo diz pretender fazer. Neste caso, dependemos de outras indicacées, tanto verbais quanto nio-verbais.) No estudo das formas vivas, é compensador, como j4 dissemos, encaré-las como se fossem transformadoras do meio, no processo de satisfacao de suas necessidades, mantendo, portanto, um estado estével de equilibrio interno. A alimentacio, 0 sexo e outras atividades que envolvem o meio podem ser examinadas em ter- mos comparativos. Dado que os individuos acusam reagoes lin- giifsticas, podemos investigar muito mais relacdes do que nas espécies nZio-humanas(*). Tendo em vista os dados fornecidos (*) Tratado de forma adequada, o evento lingilistico pode ser descrito com tanta confianga ¢ validez quanto muitos eventos nfo-lingiiisticos, utilizados con: vencionalmente como dados em pesquisas cientificas, Estrutura e fungdo da comunicagao — 111 pela linguagem (e outros atos de comunicacéio) podemos estudar a sociedade humana em termos de valores, isto é, com referéncia a categorias de relagdes que sio objetos de satisfacio reconhecidos. Na América, por exemplo, nao necessitamos de técnicas elabo- radas de estudo para discernir que 0 poder e o respeito sio valores. Podemos demonstrar isso, ouvindo depoimentos e observando o que ocorre, quando surge uma oportunidade. E possivel estabelecer uma lista de valores presentes em qual- quer grupo selecionado para estudo. Ademais, podemos descobrir a hierarquia na qual sio procurados esses valores. Podemos hie- rarquizar os membros do grupo conforme a sua posi¢io em rela- do aos valores. Naquilo que concerne A civilizagio industrial, no hesitamos em afirmar que o poder, a riqueza, o respeito, 0 bem-estar e o esclarecimento estfo entre os valores. Se interrom- permos aqui esta lista, que ndo é exaustiva, podemos descrever, baseados no conhecimento disponivel (ainda que por vezes frag- mentario) a estrutura social da maior parte do mundo. Visto que os valores nao sdo distribuides igualmente, a estrutura social revela uma concentragio maior ou, menor de parcelas relativa- mente abundantes de poder, riqueza e de outros valores. Em certos lugares, essa concentragao € transmitida de geracio em ge- ragéo, formando castas ao invés de uma sociedade mével. Em_ toda sociedade, os valores sio moldados e distribuidos de acordo com padrées mais ou menos peculiares (instituigées). As instituigdes incluem comunicacées, que sio chamadas a apoiar a rede como um todo. Tais comunicagées constituem a ideologia; € em relacgio ao poder podemos diferenciar entre a doutrina po- litica, a férmula politica e os miranda(*). (...) A ideologia é comunicada & geragio ascendente por meio de agéncias especia- lizadas, como o lar e a escola. Conflito social e comunicagao Nessas circunstancias, um elemento dirigente estd especial- mente alerta em relacao ao outro e se apdia na comunicacgéo como um meio para preservar.o poder. Uma fungéo da comunicacio é, portanto, a de fornecer informagées sobre o que faz a outra (*) Essas distingBes derivam ¢ foram adaptadas das obras de Charles _E. Mannram, Gaetano Mosca, Karl MANNE ¢ outros. Para uma exposiglo sistematica, ver: HD. Lasswett ¢ Abraham Kartan, Power and Society, New Haven, Yale Uni- versity Press, 1950. [Na obra citada de Lasswett, ¢ KAPtan, esses conceitos slo definidos da seguinte forma, com base na nogio de mito politica: “O mito politico ¢ 0 padrio de sim- 112 — Cédigo, mensagem e sociedade elite e sobre o seu poder. Em face do receio de que os canais de acesso 4 informacio sejam controlados pelo outro, a fim de ocultd-la e distorcé-la, verifica-se a tendéncia a recorrer-se a uma supervisdo secreta. Por conseguinte, a espionagem internacional é intensificada, ainda mais, durante os periodos de paz. Ademais, so feitos esforcos para ocultar a propria identidade, a fim de fazer frente ao escrutinio do inimigo potencial. Além disso, a comunicagao é empregada afirmativamente para 0 propésito de estabelecer contato com audiéncias, dentro das fronteiras da outra poténcia. Essas varias atividades manifestam-se através da utilizagdo de agentes declarados e secretos para examinar o “outro lado”, no trabalho de contra-informacio, na censura e restricio de viagens, na radiodifusio e outras atividades de informacio através das fronteiras. As elites dominantes também sao sensibilizadas a ameagas potenciais no meio interno. Além de utilizar recursos de infor- magao abertos, sio também adotadas medidas secretas. Tomam-se precaucées para impor “seguranca” sobre tantos assuntos politicos quantos forem possiveis. Ao mesmo tempo, a ideologia da elite vése reafirmada e sio reprimidas as ideologias contrarias. Os processos aqui esbocados correm paralelos a fendmenos observaveis em todo o reino animal. Agéncias especializadas sio utilizadas para darem conta de ameacas e oportunidades no meio ambiente externo. Os paralelos incluem a vigilancia exercida sobre o meio interno, pois, entre os animais inferiores, alguns lideres grupais por vezes demonstram sua apreensio de um ataque em duas frentes: a interna e a externa; por isso, focalizam seu olhar inquieto nos dois meios. Como forma de se evitar uma exposicio ao inimigo, certas espécies dispéem de artificios bem conhecidos: a coloracao protetora do camaledo, por exemplo. No entanto, parece nao haver correlativo, nesse nivel, & distingdo entre os canais “secretos” e “‘abertos” da sociedade humana. Dentro de um organismo fisico, 0 paralelo mais préximo de uma revolugio social seria o desenvolvimento de novas conexdes nervosas com partes do corpo, que entrem em choque ¢ possam substituir as estruturas de integracao central existentes. (...) bolos politicos bisicos correntes numa sociedade; (...) a doutrina politica & a parte do mito politico que formula expectativas e demandas bisicas; 0s miranda sto aquela parte que consiste nos simbolos bisicos de sentimento e identificagio”. A nocio de mito politico corresponde aquela de férmula politica (Mosca). “A ideo- logia & 0 mito politico na medida em que funciona no sentido de preservar a estrutura social”.] (Nota do Org.) Estrutura e fungéo da comunicagao — 113 Comunicagao eficiente A anélise desenvolvida até aqui implica certos critérios de eficiéncia ou ineficiéncia na comunicagio. Nas sociedades hu- manas, 0 proceso é eficiente na medida em que julgamentos ra- cionais so facilitados.. Um julgamento racional implementa obje- tivos vinculados a valores. Em sociedades animais, a comunicagao é eficiente quando ajuda a sobrevivéncia, ou alguma outra ne- cessidade especifica do agregado. Os mesmos critérios podem ser aplicados ao organismo isolado. Uma das tarefas de uma sociedade racionalmente organizada consiste em descobrir e controlar quaisquer fatores que interve- nham na eficiéncia da comunicagao. Certos fatores restritivos so de natureza psicotécnica. Radiagdes destrutivas podem estar presentes no meio ambiente, por exemplo, sem que 0 alcance li- mitado da percepcio do organismo permita detectd-las. Mesmo as limitag6es técnicas, no entanto, podem ser supe- radas pelo conhecimento. (...) Hé, seguramente, obstdculos opostos & comunicaco de modo deliberado, tais como a censura e as reducées drasticas as viagens. Até certo ponto, tais obstaculos podem ser superados pela evasio habil, mas é, sem divida, mais eficiente livrar-se deles a longo prazo pela anuéncia ou pela coercio. A ignorancia pura e simples constitui um fator influente, cujas conseqiiéncias nunca foram adequadamente estabelecidas. Por ignorancia entendemos aqui a auséncia, em um dado ponto do proceso de comunicacio, de conhecimento disponivel em outras dreas da sociedade. Por falta de treinamento adequado, © pessoal ocupado na coleta e difusio de informac&o interpreta, continuamente de forma errada, ou deixa de ver os fatos (to mando-se estes tiltimos como aquilo que o. observador treinado € objetivo seria capaz de discernir). Levando-se em conta a ineficiéncia, cabe considerar a pouca importancia atribuida & capacidade de produzir informacio rele- vante. Com demasiada freqiiéncia, desempenhos irrelevantes ou, pura e simplesmente, deformadores sio um fator de pres'‘gio. Com 0 propésito de obter um “furo”, o redator de jornal da uma interpretacio sensacionalista a uma conferéncia interna- cional amena, contribuindo assim para a imagem popular da politica internacional como sendo pouco mais do que um con- flito intenso e crénico. Os especialistas em comunicacio deixam freqiientemente, de manter-se a par da expanséo do conheci- 114 — Cédigo, mensagem e sociedade mento a respeito do processo; note-se a relutancia com que muitos recursos visuais foram adotados ¢, a despeito da pesquisa sobre vocabuldrio, muitos comunicadores de massa selecionam termos inadequados. Isso ocorre, por exemplo, quando um correspon- dente estrangeiro [de um jornal americano] acaba sendo absor- vido pelo ambiente estrangeiro e esquece que a sua audiéncia de origem carece, em sua experiéncia, de equivalentes diretos para termos facciondrios como “esquerda” ¢ “centro”. A parte os fatores ligados a competéncia, o nivel de efici- éncia ¢, por vezes, influenciado negativamente pela estrutura de personalidade, que pode conduzir a distorcées de natureza oti- mista ou pessimista dos eventos. H4 também importantes dife- rengas individuais, derivadas de contrastes, no plano da inteli- gencia e da energia. Algumas das ameacas mais sérias A comunicagio eficiente para a comunidade como um todo dizem respeito aos valores de poder, riqueza ¢ respeito. £ possivel que os exemplos mais nitidos de distorgio com origem no poder ocorram quando o contetido da comunicacio é deliberadamente ajustado a uma ideologia ou contra-ideologia. As distorgées relacionadas com a riqueza tém origem nao apenas em tentativas de influenciar o mercado, por exemplo, mas também em concepgdes rigidas de interesse econdmico. Um exemplo tipico de ineficiéncias rela- cionadas com o respeito (classe social) ocorre quando um membro da classe alta. restringe os seus contatos com pessoas do seu préprio nivel social e deixa de corrigir a sua perspectiva pela exposicdo a membros de outras classes. Pesquisa em comunicagao Aquilo que foi anteriormente advertido a respcito de alguns fatores que interferem na eficiéncia da comunicagio assinala os tipos de pesquisa sobre elos representativos da cadcia de comu- nicagio que podem ser conduzidos com proveito. Cada agente & um vértice de fatores de ambiente de predisposicio, Quem quer que eésteja desempenhando uma fungao de articulagio (relay) est apto a ser examinado do ponto de vista das “entradas” ¢ “saidas” (input/output). Quais as formulacées de mensagens trazidas 4 atencdo do elo de articulagio ? O que ele passa adiante em termos literais ? O que ele despreza? O que ele reformula? O que ele acrescenta? Quais as correlacées entre as diferencas de input e output com a cultura e a personalidade? Através de Tespostas a questées como essas, € possivel fazer-se a avaliacdo Estrutura e fungao da comunicagéo — 115 dos varios fatores em condutibilidade, nao-condutibilidade e condutibilidade modificada. Além do elo de articulacao, deve-se considerar o elo primario numa seqiiéncia de comunicacio. Ao estudar o foco de atenc’o do observador primario, enfatizamos dois conjuntos de influén- cias: mensagens as quais ele esta exposto e outras caracteristicas do meio ambiente. (...) Na realidade, convém considerar a estrutura de atengio do elo de articulagio, assim como do elo primdrio, em termos de exposigdes As mensagens transmitidas pelos meios de comunicagao de massa e por outros meios. O papel dessa segunda ordem de fatores é muito ténue no caso de muitos operadores de elos de articulacio, 20 passo que é seguramente significative para o observador primério. Agregados de atengao e piblicos Convém assinalar que nem todas as pessoas sio membros do publico mundial, ainda que pertencam, em certa medida, a0 agregado de atengio mundial. Para pertencer a um agregado de atengio basta ter simbolos de referencia comuns, Qualquer pes- soa dotada de um simbolo de referéncia para Nova York, Amé- rica do Norte, Hemisfério Ocidental ou para o globo é um membro do agregado de atencao de cada um desses locais, respec- tivamente. Para ser um membro do publico de Nova York, con- tudo, é essencial formular exigéncias para a agio publica em Nova York, ou que afetem diretamente essa cidade. © publico dos zua, por exemplo, nao se restringe aos seus habitantes ou cidadios, dado que nao-cidaddos americanos do exterior poderao tentar influenciar a politica norte-americana. De forma correspondente, nem todos os habitantes dos Estados Unidos sio membros do publico americano, de vez que algo mais do que atencao passiva é necessdrio para isso. Um individuo passa de um agregado de atencio para um publico quando ele desenvolve a expectativa de que aquilo que cle quer pode afetar a condugio da vida publica. Grupos de sentimento e piblicos Faz-se necessério levar em conta mais uma limitacio antes que possamos classificar corretamente uma determinada pessoa ou grupo, como parte de um piblico, £ que as reivindicagées 116 — Cédigo, mensagem e sociedade referentes & condugio da vida publica devem estar sujeitas & controvérsia, O publico mundial é relativamente débil e sub- desenvolvido, em parte porque é tipicamente mantido subordi- nado a 4reas de sentimento, nas quais é vedado o debate sobre a condugao dos negécios publicos. Durante uma guerra ou crise bélica, por exemplo, os habitantes de uma regido sdo inexora- velmente levados a impor certas orientagdes da vida publica a outros, Dado que o resultado do conflito depende da violéncia, € nao do debate, nao hd um publico sob tais condigées. O que ha é uma rede de grupos de sentimento, que atuam como mul- tiddes e, portanto, nao toleram dissencdo. Da anilise feita, resulta com clareza que ha dreas de atengio, de publico e de sentimento de alcance muito diversificado na politica internacional. Essas Areas estdo inter-relacionadas com as caracterfsticas estruturais e funcionais da‘ sociedade mundial e, especialmente, do poder mundial. ¥ evidenté, por exemplo, que as poténcias maiores tendério a-estar incluidas na mesma Grea de atengio, de vez que as suas elites dirigentes focalizam-se reciprocamente como fontes de grande ameaca potencial. As po- téncias maiores, geralmente, dao uma atencdo proporcional- mente menor as inferiores do que aquela que as poténcias me- nores Ihes dedicam, (...) A estrutura de atengao no interior de um Estado constitui um indice valioso do seu grau de integracdo. Quando as classes dominantes temem as massas, os dirigentes nao compartilham sua visio da realidade com a massa da populacio, Quando a visio real de monarcas, presidentes € ministérios tem sua circu- lacdo obstada através do Estado como um todo, o grau de dis- crepancia denota a extensdo da crencga dos grupos dominantes em que o seu poder depende da distorgio (da informacéio). Para exprimir a questo em outros termos: se a “verdade” nao compartilhada, os elementos dominantes esperam mais 0 conflito interno do que o ajustamento harmonioso ao meio ex- terno do Estado. Dai o controle dos canais de comunicacio, na esperanca de organizar-se a atencao do conjunto da comunidade, de tal forma a limitarem-se as respostas aquelas consideracées favordveis 4 posigio de poder das classes dominantes, O principio do esclarecimento equivalente Diz-se com freqiiéncia, na teoria democratica, que a opinitio publica racional depende do esclarecimento. Hd, contudo, muita Estrutura e fungéo da comunicagao — 117 ambigiiidade a respeito da natureza do esclarecimento e, néo raro, 0 termo é tomado como equivalente a conhecimento per- feito. Uma concepcio mais modesta e imediata formularia a questio em termos de esclarecimento nio perfeito mas equiva- lente. A estrutura de ateng’o de um especialista, inteiramente dedicado a uma dada forma de condugdo dos negécios publicos, ser4 mais elaborada e refinada do que aquela do leigo. Temos que admitir como assegurado que essa diferenca sempre existird. No entanto, é perfeitamente possivel o acordo entre o especialista € 0 leigo a respeito das linhas gerais da realidade, Um objetivo viavel para a sociedade democratica € 0 esclarecimento equiva- lente entre o perito, o lider e o leigo. O perito, o lider e 0 leigo podem ter a mesma estimativa aproximada a respeito das tendéncias populacionais bdsicas no mundo. Poderio compartilhar a mesma visio geral quanto 3 probabilidade de ocorréncia de uma guerra. Nao é de modo algum fantéstico imaginar que os controladores dos meios de comunicagio de massa venham a assumir a lideranca na conse- cucio de um alto grau de equivaléncia, ao longo da sociedade entre a concepgao do leigo a respeito de relacionamentos signi- ficativos e a concepgao do perito e do lider. Sumario O processo de comunicagio na sociedade desempenha trés fungées: a) vigildncia sobre o meio ambiente, revelando ameacas € oportunidades que afetam a posicdo da comunidade e de suas partes componentes ao nivel dos valores; b) correlacéo dos com- ponentes da sociedade, na sua resposta ao meio ambiente; c) transmisséo da heranca social. De modo geral, equivalentes biolégicos podem ser encontrados em associagdes humanas e ani- mais € no interior da economia de um organismo particular. Na sociedade, 0 processo de comunicagio revela caracteris- ticas especiais quando o elemento dirigente teme o ambiente, interno ou externo. Na avaliacdo da eficiéncia da comunicacZo em qualquer contexto dado, é necessério que se levem em conta os valores em jogo, assim como a identidade do grupo cujas po- sigdes estdo sendo examinadas. Em sociedades democraticas, as opcées racionais dependem do esclarecimento e este, por seu turno, depende da comunicacio; e depende especialmente da equivaléncia de atengio entre os lideres, peritos e a massa da populacio.

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