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O trabalho que vão apresentar chama-se “Novo” modelo, velhas propostas: dilemas
da privatização do sistema penitenciário no Brasil”. Um tema – diga-se de passagem –
importantíssimo para compreender o que está acontecendo no país (e no mundo) nessa
era de encarceramento em massa, onde os interesses privatistas voltados para o capital
financeiro predominam e não deixam de ocupar áreas como as prisões, fenômeno, como
mostram os autores do artigo, que ocorrem em grandes proporções nos países
desenvolvidos, como os Estados Unidos desde décadas atrás.
Temos diante de nós estudos que comprovam essa realidade como o trabalho de
Michelle Alexander, chamado A Nova Segregação – Racismo e encarceramento em massa,
publicado pela Boitempo em 2017, escancarando uma realidade que opera até hoje, tanto
nos Estados Unidos, como no mundo todo.
Só para termos uma ideia, como nos mostra a socióloga holandesa Saskia Sassen,
em seu livro chamado Expulsões – Brutalidade e Complexidade na Economia Global,
publicado pela Editora Paz e Terra em 2016, “o encarceramento em massa tem estado
presente em ditaduras extremas há muito tempo. Hoje também aparece ligado de forma
inextricável ao capitalismo avançado, ainda que por meio do vínculo formal do crime. A
maior parte das pessoas que estão sendo encarceradas também não tem um trabalho, e
não poderá encontrar trabalho em nossa época. Não era assim a vinte anos, quando um
detento tinha mais possibilidades de ser reabilitado e merecedor de um emprego. Nesse
sentido, então, os presos de hoje nos Estados Unidos e no Reino Unido são cada vez mais
a versão atual do excedente da população trabalhadora que era comum no começo brutal
do capitalismo moderno. ”
Cito esse trecho dessas duas autoras americanas porque esse não é, como revelam
os autores, uma privatização “nova”, “um novo modelo”, como afirmam, pois, chegam
no Brasil com muita força. O capital não tem (e nunca teve) a intenção de tornar as
prisões (e tantas outras formas de aprisionamento, como os manicômios, por exemplo)
mais humanas. O que se esconde por detrás do que se chama terceirização das prisões é
o lucro das grandes empresas e não, como se diz, a “recuperação” do detento. Aí há um
mercado atualmente disputadíssimo, como suas “gestões flexíveis”, com os poderosos
interesses políticos e seus “lobismos”.
Se no passado, na era fordista, o Estado funcionava como gestor das formas de
controle, com a forte presença de agentes públicos que atuavam em diversas áreas, na
base do vigiar e punir, nas suas diversas especialidades, hoje sob a hegemonia do capital
financeiro, ele passa a delegar essas funções para as empresas privadas, para os
chamados “gestores”, o que coincide com o fim da intervenção direta do Estado e das
políticas sociais, como vemos nos dias de hoje. Como afirmam os autores do artigo: “A
operação do sistema prisional é mobilizada (diríamos, comandados) por incontáveis
agentes e atores sociais com os mais diferentes interesses, escusos ou não”. Ou seja, eles
reconhecem que essas mudanças (de atores e práticas) “ocorrem em torno de disputas
dos campos econômico, burocrático e político”, pois, como concluem “as prisões ainda
são um negócio lucrativo. ”
Mas a pergunta é: quando ela deixou de ser um “negócio lucrativo”? Pelo que
sabemos todas as formas de confinamento, sejam hospícios, prisões etc. sempre foram
negócios lucrativos. O exemplo mais visível e brutal foram os campos de concentração
nazistas, que se tornaram para muitos empresários e comerciantes uma fonte de
rendimento inigualável. A própria invenção do panóptico do filósofo e jurista britânico
Jeremy Bentham (1748-1832), que, como afirmam os autores do artigo, “defendia a
entrega da administração das prisões a particulares, os quais podiam usá-las como
fábrica”, tinham fins lucrativos. Ou seja, como no modelo taylorista fordista, a mesma
estratégia usada para controlar os trabalhadores fabris naquela época.
Siqueira nesse artigo retoma uma pesquisa de campo por ele realizada entre 2013
e 2016, num período que ele considera “emblemático”: a parceria entre o Estado e o
consórcio PAMAS (Grupo formado pela LFG, RH Multi Serviço e Umarizzare,
responsável, segundo ele, pela administração e manutenção das unidades prisionais no
Amazonas. O que significa que houve no Estado do Amazonas uma real terceirização
nas atividades prisionais. Foi um momento, segundo o autor, que houve “um período
de mudanças nas relações de força e na configuração sócioespacial das prisões
amazonenses, sobretudo a entrada em cena da Família do Norte (FDN) e as lutas de
eliminação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) pela hegemonia nas prisões, bem
como como os códigos de conduta sobre os coletivos criminais do Amazonas”.
Afirma em seguida que “o problema é bastante complexo”, mas não explica como
se deu essa complexidade, pois, afinal de contas, sabemos que tanto a Família do Norte,
como o Primeiro Comando da Capital são organizações clandestinas, ilegais, apesar de
muito atuantes nas prisões brasileiras. Mas, o que fica no ar é como essas duas
organizações atuaram de fato naquele episódio que teve ampla repercussão não só no
Amazonas, mas em todo o Brasil. O autor só reconhece que os eventos provocados por
essas organizações “não totalizam as diversas mobilizações e resistências de pessoas que
“querem puxar a cana de boa”, ou querem o fim das opressões”.
O artigo não aprofunda, nem dá nome aos bois, mas expõe com clareza as forças
políticas de parlamentares e juristas “interessados na quebra do monopólio do Estado
sobre a segurança”. Deputados e deputadas que apresentam projetos de leis para
autorizar a privatização, empresas envolvidas em negociações e tantas outras
maracutaias, como “a disputa implacável pelo poder nas prisões, dispensando, muitas
vezes processos licitatórios, envolvendo somas de dinheiro vultuosos e tantas outras
medidas. Por isso, dinheiro para campanhas políticas não faltam e passa por canais que
o distinto público desconhece.