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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

VAGNER DE SOUZA

ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO E


DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL

Tijucas
2009
2

VAGNER DE SOUZA

ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO E


DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL

Monografia apresentada como requisito parcial para a


obtenção do título de Bacharel em Direito, pela
Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Sociais e Jurídicas, campus de Tijucas.

Orientadora: MSc. Fernando Francisco A. Fernandez

Tijucas
2009
3

VAGNER DE SOUZA

ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO E


DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus de Tijucas.

Direito Público/Direito Eleitoral

Tijucas, 4 de dezembro de 2009.

Prof. MSc. Fernando Fracisco A. Fernandez


Orientador

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas


Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
4

Dedico este trabalho a meus pais, admiráveis enquanto pessoas, meu


estímulo impulsionador na busca do conhecimento, meus
agradecimentos por terem concedido a mim a oportunidade de cursar a
faculdade de Direito e me realizar ainda mais.
5

Agradeço primeiramente a Jesus Cristo, nosso senhor e salvador, por me dar saúde,
inteligência e muita força de vontade pra realizar este trabalho e por colocar tantas pessoas
maravilhosas no meu caminho, durante esses cinco anos que frequentei a universidade.

Ao meu orientador Prof. Fernando Afonso Francisco Fernandes, pelo incentivo,


dedicação e presteza no auxílio ao desenvolvimento desta monografia de conclusão de curso,
através do seu conhecimento e experiência na área jurídica, especificamente no Direito
Eleitoral.

A todos os professores, pelo carinho, dedicação e entusiasmo demonstrado ao longo


do curso.

Aos demais idealizadores, coordenadores e funcionários da Universidade do Vale do


Itajaí -UNIVALI do campus de Tijucas.

Aos colegas de classe pela espontaneidade e alegria na troca de informações e


materiais, numa demonstração de amizade e solidariedade.

Aos meus amigos Juliano, Luiz, Ednei, Cristiano e Felipe, pelo companheirismo e
amizade, durante esses cinco anos que passamos juntos na faculdade, pessoas essas que
ficarão para sempre guardadas em meu coração.

Aos advogados Dr. André Luiz Dadam e o Dr. Rodrigo dos Santos César, pelo apoio e
sugestões que me deram para a realização deste trabalho e ainda pelos ensinamentos jurídicos,
sendo que são excelentes profissionais do Direito.

E, finalmente a toda minha família e a minha namorada Solange, pela paciência em


suportar a minha ausência e pelo apoio durante todas as dificuldades enfrentadas.
6

Meu ideal Político é a Democracia, para que todo homem seja


respeitado e nenhum venerado.

Albert Einstein
7

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí -
UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda
e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Tijucas, 4 de dezembro de 2009.

Vagner de Souza

Graduando
8

RESUMO

O objetivo deste trabalho é o estudo do Direito Eleitoral brasileiro, conhecendo sua evolução
histórica e a demanda pela criação do instrumento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral
capaz de garantir um processo eleitoral idôneo e democrático. A importância desse tema se
justifica no fato de que o Direito Eleitoral é um processo de permanente construção, tendo
iniciado em nosso país com o desafio de vencer diversos obstáculos que impediam a
preponderância da liberdade política, em seu caráter mais amplo e democrático. Ao longo das
décadas, a nação passou por inúmeras lutas populares em favor da liberdade política,
igualdade de condições de disputa e garantia da idoneidade do processo eleitoral, até chegar
ao estágio em que nos encontramos, quando o sistema eleitoral brasileiro é considerado um
dos mais modernos do planeta. Para se chegar nesse estágio foi preciso aprimorar a legislação
eleitoral e criar mecanismos como a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, visando ampliar
a segurança jurídica do processo eleitoral e garantir a supremacia da vontade popular
manifesta pelo voto.

Palavras-chave: Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Direito Eleitoral.


9

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es el estudio del Derecho Electoral brasileño, conociendo su


evolución histórica y la demanda por la creación del instrumento de la Acción de
Investigación Judicial Electoral capaz de garantir un proceso electoral idóneo y democrático.
La importancia de ese tema se justifica en el hecho de que el Derecho Electoral es un proceso
de permanente construcción, habiendo iniciado en nuestro País con el desafío de vencer
diversos obstáculos que impedían la preponderancia de la libertad política, en su carácter más
amplio y democrático. Alo largo de las décadas, la Nación paso por innumeras luchas
populares en favor de la libertad política, igualdad de condiciones de disputa y garantía de
idoneidad del proceso electoral, hasta llegar a la etapa en que nos encontramos, en que el
sistema electoral brasileño es considerado uno de los más modernos del planeta. Para alcanzar
ese peldaño fue preciso mejorar la legislación electoral y crear mecanismos como la Acción
de Investigación Judicial Electoral, visando ampliar la seguridad jurídica del proceso electoral
y garantir la supremacía de la voluntad popular manifestada por el voto.

Palabras-clave: Derecho Electoral. Acción de Investigación Judicial Electoral.


10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIJE Ação de Investigação Judicial eleitoral


AIRC Ação de Impugnação de Registro de Candidatura
AIME Ação de Impugnação de Mandato Eletivo
Apud Citado por
Art. Artigo
Caput Cabeça
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
EC Emenda Constitucional
Ed. Edição
In verbis Nestas palavras
MPE Ministério Público Eleitoral
n. Número
Parágrafo Parágrafo
TER Tribunal Regional Eleitoral
TSE Tribunal Superior Eleitoral
SNI Serviço Nacional de Informações
11

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Lista de categorias1 que o autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com
seus respectivos conceitos operacionais2.

Ação de Investigação Judicial Eleitoral

Instrumento administrativo judicial direcionado aos partidos políticos, candidatos e às demais


pessoas que contribuam para a prática condenável, justamente no intuito de proteger a lisura
do pleito e punir qualquer um que atentar contra a idoneidade do processe eleitoral, tentando
se prevalecer do abuso do poder econômico e/ou político3.

Direito Eleitoral
O Direito Eleitoral é o ramo do Direito Publico que disciplina a criação dos partidos, o
ingresso do cidadão no corpo eleitoral para fruição dos direitos políticos, o registro das
candidaturas, a propaganda eleitoral, o processo eleitoral e a investidura no mandato eletivo4.

Voto
É a manifestação da vontade, ou a opinião manifestada, pelo membro de uma corporação, ou
de uma assembléia, acerca de certos fatos e mediante sistema ou forma, preestabelecida5.

Elegibilidade
Refere-se ao Direito de ser eleito para cargo político, desde que reunidas as condições de
elegibilidade e ausentes as causas de inelegibilidade6.

Inelegibilidades

1
Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed.
Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31.
2
Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com
o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do presente trabalho. Cf.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43.
3
VELOSO, Valtier de Barros. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Curitiba: Revista Paraná Eleitoral n.
70. Publicado em janeiro de 2009. p. 11.
4
PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 29.
5
SILVA. De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 1.496.
6
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito Eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum , 2006. p. 65.
12

As inelegibilidades previstas no art. 14, parágrafos 5° a 10º e, residualmente na Lei


complementar 64/90, podem ser conceituados como situações jurídicas tipificadas em lei, que,
uma vez materializadas ou consolidadas suprimem a capacidade passiva do cidadão: vale
dizer, a capacidade de ser eleito, de se situar como candidato. De um lado se manifestam
como medida de sanção política (perda da capacidade eleitoral passiva) ao virtual candidato
que incorre na situação tipificada, enquanto, de outro lado, assumem uma característica de
proteção do eleitor, de preservação e inteireza ou a liberdade do seu voto contra candidato
reputados nocivos, ou melhor, reprovados pelo ordenamento [...]7.

Sistema Eleitoral
Assim entendido como o conjunto de normas jurídico-eleitorais que regulam o processo de
realização do exercício do sufrágio, vale dizer, o processo de escolha, dos representantes nas
eleições majoritárias e proporcionais, na esfera da União, dos Estados ou do Distrito Federal e
Municípios, contempla classificação que leve em conta o aspecto cronológico e a
normatização aplicável8.

Democracia
Conjunto de regras por meio dos quais a vontade popular participa e intervêm direta ou
indiretamente na formação do Estado, na determinação de suas finalidades, na amplitude da
distribuição das funções públicas, na escolha dos agentes e na criação e aplicação do direito
positivo9.

Crimes Eleitorais
São infrações tipificadas como tal no Código Eleitoral e em leis extravagantes, punidas com
multa, detenção ou reclusão, objetivando a preservação da lisura na formação do corpo
eleitoral, a normalidade do processo eletivo e a regularidade da indicação dos representantes
do povo para o exercício do mandato10.

7
SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito Eleitoral: teoria e prática. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 79.
8
SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito Eleitoral: teoria e prática. p. 95.
9
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à Teoria das Inelegibilidades. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 17.
10
PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. p.
288.
13

SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................. 08
RESUMEN .............................................................................................................................. 09
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................... 10
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS ............................ 11
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14
2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO ............... 18
2.1 A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA: AURORA POLÍTICA DA NAÇÃO ......... 18
2.2 AS PRIMEIRAS LEIS ELEITORAIS ............................................................................... 22
2.3 A PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E O NOVO DIREITO ELEITORAL
.................................................................................................................................................. 26
2.4 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O DIREITO ELEITORAL NA ATUALIDADE .......... 41
3 O DIREITO ELEITORAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ................................... 44
3.1 A DEMOCRACIA POPULISTA ....................................................................................... 44
3.2 O GOLPE DE 1964 E O GOVERNO DITATORIAL ....................................................... 45
3.3 A REABERTURA DEMOCRÁTICA E A NOVA CONFIGURAÇÃO POLÍTICO-
ELEITORAL DO PAÍS ............................................................................................................ 48
3.4 O DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO – CONCEITO ................................................ 51
3.5 AS FONTES DO DIREITO ELEITORAL ........................................................................ 55
3.6 A ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL ............................................................ 58
4 A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL ........................................... 64
4.1 CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE E CAUSAS DE INELEGIBILIDADES ............... 64
4.2 CABIMENTO E OBJETIVO DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL
ELEITORAL ............................................................................................................................ 73
4.3 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................................... 77
4.4 LEGITIMIDADE ............................................................................................................... 79
4.5 DO CABIMENTO DE MEDIDA LIMINAR .................................................................... 80
4.6 OS EFEITOS DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ........................................... 81
4.7 DO RECURSO ................................................................................................................... 84
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 87
14

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto11 o estudo do Direito Eleitoral brasileiro, sua
evolução histórica e a criação do instrumento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral.

A importância deste tema reside no fato de que o Direito Eleitoral no país é um


processo de permanente construção, iniciando por uma fase bastante primitiva, do ponto de
vista da garantia da implantação de um sistema democrático verdadeiro, passando por
diversas lutas populares em favor da liberdade política, igualdade de condições de disputa e
garantia da idoneidade do processo eleitoral, até chegar ao estágio em que se encontra
atualmente, considerado um dos sistemas mais modernos do planeta.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito


na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem
colaborar para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como
novidade no campo jurídico, na dimensão social-prática ainda pode ser tratado como elemento
novo e repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

O presente tema, na atualidade, encontra-se em processo de aprimoramento de seu


caráter científico. Embora não seja uma área nova do Direito, o aumento do interesse de
juristas, em especial advogados, de atuar exclusivamente nessa área, vem crescendo
significativamente nos últimos anos, sobretudo após a promulgação da Constituição de 1988 e
das mudanças incidentes na legislação eleitoral em época recente.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal do pesquisador na área do Direito


Eleitoral, visando compreender esse que é mais um ramo de relevante interesse político e
social inserido no processo de construção dos direitos e garantias dos cidadãos brasileiros no
caminho da conquista da consolidação permanente da Democracia, assim como para instigar
novas contribuições para estes direitos na compreensão dos fenômenos jurídicos-políticos,
especialmente no âmbito de atuação do Direito Eleitoral.

11
Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.
15

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho:


Fazer um estudo sobre a aplicabilidade da Ação de Investigação Judicial Eleitoral como
instrumento de garantia de idoneidade do processo eleitoral brasileiro.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel


em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas,
campus de Tijucas.

Como objetivo específico, pretende-se:

a) Demonstrar a evolução histórica do processo eleitoral brasileiro, identificando a


necessidade permanente de se estabelecer instrumentos jurídicos que garantam maior
segurança democrática aos pleitos;

b) Traçar um panorama sobre o sistema eleitoral vigente no País;

c) Fazer um estudo sobre aspectos gerais da Ação de Investigação Judicial Eleitoral,


identificando-a como um dos instrumentos do atual sistema eleitoral que buscam imprimir
uma maior idoneidade possível ao processo eleitoral brasileiro, depois da Constituição de
1988.

A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas


por Djalma Pinto, na obra Direito Eleitoral; Joel J. Cândido, na obra Inelegibilidades no
Direito Brasileiro e; Alberto Rollo, na obra Elegibilidade e Inelegibilidade. Este será, pois, o
marco teórico que norteará a reflexão a ser realizada sobre o tema escolhido.

Não é o propósito deste trabalho encerrar as discussões sobre o tema, chagando a uma
conclusão permanente. Por certo não se estabelecerá um ponto final em referida discussão.
Pretende-se, tão-somente, aclarar o pensamento existente sobre o tema, circunscrevendo-o
como um dos instrumentos do atual Sistema Eleitoral.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram formulados os seguintes


questionamentos:

a) Qual a importância histórica para a criação de mecanismos que garantam uma maior
segurança jurídica ao sistema eleitoral brasileiro como processo de implantação da
Democracia?
16

b) Como a Ação de Investigação Judicial Eleitoral pode contribuir para aperfeiçoar o


processo eleitoral brasileiro, conferindo-lhe maior segurança?

Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:

a) A fragilidade política do Brasil, marcado por grandes períodos de ausência de


Democracia, faz surgir a demanda por uma legislação eleitoral moderna e capaz de sustentar a
vigência de um sistema plenamente democrático;

b) Enquanto instrumento de segurança do sistema democrático, a Ação de


Investigação Judicial Eleitoral, só poderá ser interposta após o registro da candidatura, pois se
o beneficiário não conseguir ser indicado em convenção partidária, beneficio algum obteve,
pois nem sequer concorreu para o cargo.

Finalmente, buscou-se nortear as hipóteses formuladas com a seguinte variável:

- Muito embora as hipóteses de Inelegibilidades sejam controladas pela Lei 64/90,


base legal da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, eventualmente caso essa venha a ser
modificada, pode interferir na pesquisa.

O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,


delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente a evolução
histórica do Direito Eleitoral brasileiro; a segunda, traçando um panorama geral do Sistema
Eleitoral vigente no país; e, por derradeiro, um estudo sobre a Ação de Investigação Judicial
Eleitoral.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado


o dedutivo que, segundo Pasold12, consiste em “[...] estabelecer uma formulação geral e, em
seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral”, e, o relatório
dos resultados expresso na presente monografia é composto na base lógica dedutiva, já que se
parte de uma formulação geral do problema, buscando-se posições científicas que os
sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a prevalência, ou não, das hipóteses
elencadas.

12
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do direito, p.
88.
17

Nas diversas fases da pesquisa, serão acionadas técnicas13 de pesquisa do referente14,


da categoria15, do conceito operacional16 e da pesquisa17 bibliográfica.

Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa


e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias e
seus Conceitos Operacionais, muito embora algumas delas tenham seus conceitos mais
aprofundados no corpo da pesquisa.

A estrutura metodológica e as técnicas aplicadas nesta monografia estão em


conformidade com o padrão normativo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
e com as regras apresentadas no Caderno de Ensino: formação continuada, Ano 2, número 4;
assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas
úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco Colzani, Guia para redação do trabalho
científico.

A presente monografia se encerra com as Considerações Finais, nas quais são


apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos
estudos e das reflexões sobre o tema.

13
“[...] é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar
operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. Cf. PASOLD,
Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. p. 88.
14
“[...] a explicitação prévia do(s) motivo(s) do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance
temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. Cf. PASOLD, Cesar
Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. p. 62.
15
“[...] a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. Cf. PASOLD, Cesar
Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. p. 31.
16
“Quando nos estabelecemos ou propomos uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que
tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos, estamos fixando um Conceito Operacional [...]”.
Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. p.
45.
17
“[...] atividade investigatória, conduzida conforme padrões metodológicos, buscando a obtenção de
informações que permita a ampliação da cultura geral ou específica de uma determinada área [...]”. Cf.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. p. 77.
18

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA ELEITORAL


BRASILEIRO

Não cabe neste trabalho avaliar os sucessos ou insucessos das administrações políticas
dos entes públicos, pois para isso seria necessária uma coleção de teses doutorandas. Antes, o
objetivo neste primeiro capítulo é traçar uma linha histórica da evolução do processo eleitoral
brasileiro, com todas as suas metamorfoses, desde a proclamação da Independência até os dias
atuais. Para que se possa situar a evolução histórica do processo eleitoral brasileiro é
necessário que se faça um paralelo com a própria história do Brasil.

2.1 A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA: AURORA POLÍTICA DA NAÇÃO

A história das eleições no Brasil se confunde com a história da própria Democracia em


nosso país. Um jovem país de 187 anos, marcado por longos períodos sob o jugo de governos
centrais não eleitos de forma democrática. Repleto de presidentes que não conseguiram
cumprir a totalidade de seus mandatos e uma cultura eleitoral que privilegiou, por muito
tempo, a escolha de representantes da elite econômica nacional. Essa poderia ser uma síntese
da história eleitoral da nação tupiniquim.

O Brasil deixou de ser dependente de Portugal em 7 de setembro do ano de 1822,


passando então após esta data, a ter sua própria legislação eleitoral.

A independência do Brasil, enquanto processo histórico se desenhou muito tempo


antes do príncipe regente Dom Pedro I proclamar o fim dos nossos laços coloniais às margens
do rio Ipiranga. De fato, para entender como o Brasil se tornou uma nação independente,
deve-se perceber como as transformações políticas, econômicas e sociais inauguradas com a
chegada da família da Corte Lusitana ao país abriram espaço para a possibilidade da
independência.

Com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 1808, houve uma tentativa
de acomodar os ânimos mais exaltados da Colônia, elevando o Brasil à condição de Reino
Unido a Portugal.
19

A chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil foi episódio de grande importância


para que se possa iniciar as justificativas da independência. Ao pisar em solo brasileiro, Dom
João VI tratou de cumprir os acordos firmados com a Inglaterra, que se comprometera em
defender Portugal das tropas de Napoleão e escoltar a Corte Portuguesa ao litoral brasileiro.
Por isso, mesmo antes de chegar à capital da colônia, o Rei português realizou a abertura dos
portos brasileiros às demais nações do mundo.

Do ponto de vista econômico, essa medida pôde ser vista como um primeiro “grito de
independência” onde a colônia brasileira não mais estaria atrelada ao monopólio comercial
imposto pelo antigo pacto colonial. Com tal medida, os grandes produtores agrícolas e
comerciantes nacionais puderam avolumar os seus negócios e viver um tempo de
prosperidade material nunca antes experimentado em toda história colonial. A liberdade já era
sentida no bolso de nossas elites18.

Nessa época, Portugal sofria os efeitos de uma significativa crise econômica e


financeira. Essa situação era, na verdade, um agravamento de uma realidade que assolava
Portugal desde o século XVIII. A burguesia lusitana, ao perder sua hegemonia colonial, não
conseguia resistir à concorrência britânica, a grande superpotência econômica e naval da
época.19

Nesse cenário de enfraquecimento da monarquia portuguesa em seu próprio território,


era inevitável que ganhassem força no Brasil as aspirações separatistas. Todavia, como grande
parte da história brasileira, as transformações acabaram vindas de cima para baixo. No dizer
de Silva e Costa:

A aristocracia rural brasileira (senhores de terras e escravos) conduziu o


processo de ruptura com a Metrópole, sem abalar sua estrutura de
privilégios, fundada na organização econômica e social que se definiu ao
longo da colonização. Assim, a independência foi efetuada de cima para
baixo, com a preocupação de manter a unidade nacional, conciliar os
conflitos existentes dentro da própria classe dominante e afastar do processo
os setores mais baixos da sociedade (povo e escravos). No início da regência
e D. Pedro, a elite agrária não desejava a Independência, contentando-se com
a manutenção do Reino Unido, conquistado no período em que o Brasil foi
sede do Estado Português. Entretanto, o governo dos revolucionários liberais
de 1820 não via o Brasil em um plano de igualdade com Portugal, iniciando,
assim, a pressão recolonizadora. A evolução dos acontecimentos ao final do
ano 1821, com o aumento das pressões que exigiam a volta do Príncipe-

18
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. São Paulo:
CERED, 2000. p. 90.
19
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 90.
20

Regente para Portugal (o que deixaria o Brasil à mercê dos planos


reacionários das Cortes), colocou a aristocracia rural frente a um dilema
perturbador: evitar a regressão, ou seja, o retorno à antiga condição de
Colônia, e, ao mesmo tempo, evitar que a ruptura com Portugal assumisse
um caráter revolucionário20.

No dia 26 de abril de 1821, obedecendo às determinações das Cortes, D. João VI


retornava para Portugal, levando consigo todo o ouro do Banco do Brasil. Em seguida,
diversas medidas claramente recolonizadoras foram tomadas pela Metrópole, causando
grande insatisfação no Brasil21.

No aspecto eleitoral, antes da edição da primeira lei eleitoral brasileira, no período que
antecedeu a declaração da Independência, o país adotava as regras da lei eleitoral da
Constituição espanhola. Nesse período, três eleições gerais foram convocadas no Brasil,
sendo uma delas para escolha dos deputados que representariam o Brasil nas Cortes de
Lisboa, outra para escolha das juntas governativas das províncias e uma terceira para eleição
dos procuradores das províncias22.

No final de 1821, quando as pressões das Cortes atingiram sua força máxima, os
defensores da independência organizaram um grande abaixo-assinado requerendo a
permanência e Dom Pedro no Brasil. A demonstração de apoio dada foi retribuída quando, em
9 de janeiro de 1822, Dom Pedro I reafirmou sua permanência no conhecido Dia do Fico23.

A partir desse ato público, o príncipe regente assinalou qual era seu posicionamento
político. Logo em seguida, Dom Pedro I incorporou figuras políticas pró-independência aos
quadros administrativos de seu governo. Entre eles estavam José Bonifácio, grande
conselheiro político de Dom Pedro e defensor de um processo de independência conservador
guiado pelas mãos de um regime monárquico24.

Além disso, Dom Pedro I firmou uma resolução onde dizia que nenhuma ordem vinda
de Portugal poderia ser adotada sem sua autorização prévia. Essa última medida de Dom
Pedro I tornou sua relação política com as Cortes praticamente insustentável.

20
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 91.
21
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2001. p. 116.
22
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 116.
23
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 116.
24
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 116.
21

Em setembro de 1822, a assembléia lusitana enviou um novo documento para o Brasil


exigindo o retorno do príncipe para Portugal sob a ameaça de invasão militar, caso a
exigência não fosse imediatamente cumprida. Ao tomar conhecimento do documento, Dom
Pedro I (que estava em viagem) declarou a independência do país no dia 7 de setembro de
1822, às margens do rio Ipiranga25.

No dia 14 de agosto de 1822, tendo por objetivo pacificar a província de com a sua
presença, como já havia feito em relação à província de Minas Gerais em abril, D. Pedro
partiu para São Paulo, que estava enfrentando diversos distúrbios internos, afetando,
inclusive, o prestígio de José Bonifácio, o homem forte do governo26.

No dia 7 de setembro de 1822, voltando de Santos, onde tinha ido inspecionar as


defesas do litoral paulista, D. Pedro é surpreendido pelos emissários da Corte, às margens do
riacho Ipiranga, nas proximidades de São Paulo. Depois da leitura da mensagem, que continha
novas ordens da Coroa Portuguesa, uma carta de José Bonifácio e outra de sua esposa, D.
Leopoldina, D. Pedro proclamou a Independência do Brasil27.

A partir da Independência, começam as disputas pelo poder político do Império. As


forças se dividiam, basicamente em liberais e conservadores, com suas variáveis. Silva e
Costa ensinam:

As divergências dentro do Partido Brasileiro, que marcaram o processo final


da ruptura definitiva com Portugal, e que prosseguiram durante a montagem
do Estado Nacional, revelam a existência de duas alas em que se dividiam as
forças liberais brasileiras: a autoritária ou conservadora, constituída pelos
liberais moderados, e a radical ou liberal, para alguns estudiosos, liberais
radicais. A ala autoritária tinha a vantagem de possuir em seus quadros José
Bonifácio, que viria a ser, depois do Fico, o homem forte da regência de D.
Pedro. Assim, quando ficou evidente que o rompimento com Portugal era
irreversível, essa passou a bater-se pela criação da monarquia centralizada,
com as decisões fluindo através de um Executivo forte e, principalmente,
pela limitação da participação política28.

A nova realidade política do país trazia consigo a necessidade de se conceber novas


regras que dirigissem o jogo político da pátria recém criada. O país carecia de regras para o
jogo eleitoral.

25
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 91.
26
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 116.
27
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 91.
28
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 117.
22

2.2. AS PRIMEIRAS LEIS ELEITORAIS

Em 19 de junho de 1822 foi editada pelo Império, aquela que foi considerada a
primeira lei eleitoral elaborada especialmente para presidir as eleições do Brasil.

As leis anteriores eram basicamente cópias de normas de outros países. Nesse sentido
Ferreira assevera que:

Constituem a primeira lei eleitoral brasileira, isto e, a primeira elaborada


especialmente para presidir as eleições no Brasil. Ao contrário da lei
eleitoral copiada da Constituição espanhola, esta de 19 de junho de 1822, era
perfeita para a época. Toda a matéria eleitoral era bem estruturada e ainda
hoje nota-se a sua redação simples e acessível. Não havia, ainda, partidos
políticos. O sistema era indireto, em dois graus: o povo escolhia eleitores, os
quais, por sua vez, iriam eleger os deputados. Não havia, em primeiro grau
(o povo), qualificação ou registro. Somente os seus delegados, os eleitores
da paróquia, possuiriam o necessário diploma, uma cópia das atas das
eleições. Observemos ainda, que a religião católica era a religião oficial,
adotada pela Monarquia portuguesa, o que explica as missas estabelecidas
nas Instruções. E, finalmente, que a eleição era única e exclusivamente
deputados à Assembléia Geral, não havendo, ainda, assembléias nas
províncias29.

A nova legislação estabelecia diversas regras quando à qualificação dos eleitores,


quem poderia ou não votar e como se daria todo o processo eleitoral. Instituía uma forte
participação da Igreja Católica do processo e excluía as classes menos favorecidas
economicamente, como se pode perceber da explicação a seguir:

Antes do dia designado para as eleições, os párocos das freguesas eram


obrigados a afixar, nas paredes das suas igrejas editais onde contavam o
número de fogos (moradias), ficando eles mesmos responsáveis pela
exatidão do censo. O povo de cada freguesia escolhia os seus eleitores (do
2.º Grau). [...] O art. 8.º determinava os que podiam não votar: ‘São
excluídos do voto todos aqueles que recebem salário ou soldadas por
qualquer modo que seja’, exceto os guarda-livros, os primeiros-caixeiros de
casas comerciais, os criados da Casa Real (que não forem de galão branco), e
os administradores de fazendas e fábricas30.

Ferreira comenta que:

[...] somente podiam ser eleitores os assalariados das mais altas categorias e
os proprietários de terras ou de outros bens que lhes descem renda. Também

29
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 121.
30
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 122.
23

não podiam votar ‘os religiosos regulares, os estrangeiros não naturalizados


e os criminosos’ (art. 9.º). A restrição ao voto era imposta às classes
econômicas menos favorecidas, isto é, não proprietária, não obstante se
estendesse o direito do voto às mais altas categorias dos empregados31.

A pouco mais de um ano da independência do Brasil, Dom Pedro I, concede ao povo


Brasileiro, em 25 de março de 1824, a primeira Constituição Política do país. E já no dia
seguinte foram convocadas eleições para a Assembléia Legislativa, sendo que no ato da
convocação, o Imperador expediu as regras que regulariam as referidas eleições32.

Estas regras dispunham em seus arts 90 e 97, sobre alistamento eleitoral, a


Elegibilidade e a forma de apuração dos votos33.

Essas regras pouco diferiam da Lei anterior e ratificavam ainda mais a participação da
Igreja Católica no processo, através das paróquias. As eleições, nas cidades e vilas, eram
realizadas em dia a ser designado pelas respectivas câmaras, e ‘nas freguesias do termo, no
primeiro domingo que a elas chegarem os presidentes nomeados para assistirem este ato’ (art.
8.º)34.

O art. 2.º dizia: “Em cada freguesia deste Império se fará uma assembléia eleitoral, a
qual será presidida pelo juiz de fora, ou ordinário, ou quem suas vezes fizer, da cidade ou vila,
a que a freguesia pertence, com assistência do pároco, ou de seu legítimo substituto” 35.

Do art. 5.º “Os párocos farão afixar nas portas das suas igrejas editais por onde conste
o número de fogos das suas freguesias, e ficam responsáveis pela exatidão”. Os párocos
ficavam encarregados do censo na sua freguesia36.

O povo, isto é, aqueles do povo que tinham o direito de votar, escolheriam os eleitores
de paróquia, cujo número era fácil de calcular: “Toda a Paróquia dará tantos eleitores quantas
vezes contiver o número de cem fogos na sua população (art. 4º)” 37.

31
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 122.
32
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 143.
33
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 39.
34
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 39.
35
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 39.
36
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 39.
24

Não havia alistamento ou registro prévio dos eleitores, a não ser as relações que os
párocos faziam na Dominga Septuagésima, dos seus fregueses (art. 6.º). A novidade, nesta lei,
era a eleição ser realizada dentro da própria igreja, ao contrário das anteriores, que eram
realizadas nos passos dos conselhos38.

Pela primeira vez, as eleições passavam a ser realizadas no recinto da igreja. O


presidente (juiz de fora ou ordinário), de acordo com o pároco, propunha à assembléia
eleitoral dois cidadãos para secretários e dois para escrutinadores. Seriam aprovados, ou
rejeitados, por aclamação. Formava-se a mesa: presidente, pároco, dois secretários, dois
escrutinadores39.

Cada cidadão que votava escrevia numa folha de papel (cédula), os nomes das pessoas
que escolhia para eleitores de 2.º Grau. Tantos os nomes, com as respectivas ocupações,
quanto os eleitores (2.º Grau) a eleger. Como não havia partidos políticos sem registro prévio
de candidatos, o cidadão votava nas pessoas que bem entendia40.

Essa lei trazia algumas inovações que a diferiam significativamente da lei anterior.
Uma das principais inovações foi a instituição da possibilidade do eleitor que não soubesse
escrever ditar o seu Voto ao secretário da mesa. Além disso, o Voto não se constituía apenas
num direito como também um dever legal. Os eleitores com direito ao Voto não poderiam
deixar de comparecer ao pleito ou enviar um procurador que o representasse, em caso de
ausência com motivo justificado41.

Assim, essa lei diferia substancialmente da anterior, que permitia ao cidadão que não
soubesse escrever ditar ao secretário o nome das pessoas em que votava, e fazer uma cruz,
sinal que seria identificado pelo secretário. O art. 8.º dizia: ‘Nenhum cidadão que tem direito
de votar nestas eleições poderá isentar-se de apresentar a lista de sua nomeação.

Tendo legítimo impedimento, comparecerá por seu procurador enviando a sua lista
assinada e reconhecida por tabelião nas cidades ou vilas, e no termo por pessoa reconhecida e
de confiança’. Esta lei eleitoral instituía, assim, o Voto por procuração. Terminada a eleição, o

37
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 39.
38
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 39.
39
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 39.
40
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 144.
41
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 144.
25

secretário organizava a relação dos mais votados, que seriam eleitos ou nomeados, como dizia
a lei: ‘Esta nomeação será regulada pela pluralidade relativa de votos’42.

Antes da declaração da Independência, quem nascia no Brasil era considerado


português. Em 3 de junho de 1822, D. Pedro convocou uma Assembléia Geral Constituinte e
Legislativa com o nome de Assembléia Luso-brasiliense, nome conferido pelo próprio texto
do decreto de criação da Assembléia. Nesse período, podiam votar portugueses nascidos em
todas as partes do Império português, inclusive aqueles nascidos no Brasil43.

Com a declaração da Independência do Brasil, a Constituição de 1824 estabeleceu que


todos aqueles nascidos no Brasil eram cidadãos brasileiros. Também reconhecia como
cidadãos brasileiros todos os nascidos em Portugal que residiam no Brasil na época da
Independência e aderiram a esta, optando por permanecer residindo onde já habitavam antes.
A adesão poderia ser expressa ou tácita, bastando continuar na sua residência para se
considerar a opção pela cidadania brasileira44.

A partir de 1828 o processo eleitoral passou a ser regido por duas leis eleitorais
distintas. Uma delas, sancionada em 26 de março de 1824, regulava as eleições gerais de
senadores e deputados, a outra, sancionada em 1º de outubro de 1828, regulamentava as
eleições para vereadores.

A Lei de 26 de março de 1824 permitia que as eleições, tanto as de primeiro como as


de segundo grau, fossem realizadas segundo as conveniências e circunstâncias nas freguesias
e nos distritos. Não havia simultaneidade em todo o país, na realização das eleições. Um
decreto, de 29 de julho de 1828, determinou que as eleições para a legislatura seguinte fossem
feitas pela Lei de 26 de março45.

Mas, ao mesmo tempo, determinou que, numa mesma província, as eleições primeiras
(1.º grau) deveriam ser realizadas, em todas as freguesias, num mesmo dia. Identicamente, as
eleições secundárias (de 2.º grau). Estabelecia também aquele decreto que os eleitores das
eleições primárias que faltassem sem causa justificada seriam multados numa quantia variável

42
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
43
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 151.
44
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
45
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 151.
26

de 30 a 60 mil réis. As deficiências das Instruções de 26 de março de 1824 aos poucos iam
sendo eliminados.

Assim, o Decreto de 6 de novembro de 1828 estabelecia um modo de formação das


mesas dos colégios eleitorais (2.º grau), de maneira a evitar dúvidas. Também o Decreto de 28
de junho de 1830 providenciava sobre alguns detalhes não muito claros quanto à realização
das assembléias (eleições) paroquiais46.

A Lei eleitoral de 26 de março de 1824 trazia uma instrução polêmica. No art. 7.º do
Capítulo II determinava que o eleitor deveria ser homem probo e honrado, e que não pesasse
sobre ele qualquer suspeita de que fosse inimigo da “causa brasileira”.

Essa exigência deve ter dado origem a muitos abusos, pois bastaria que a mesa, no
momento de o cidadão votar, considerasse sem qualquer uma daquelas qualidades, para privá-
lo do Voto. E não havia recurso. No entanto, a avaliação daquelas qualidades era algo
subjetivo, não exibindo padrão que pudesse servir de comparação de medida.

Por isso, o Decreto de 30 de junho de 1830 resolveu o problema dizendo: “1.º As


qualidades exigidas nos eleitores paroquiais pelo art. 7.º do Capítulo II das Instruções de 26
de março de 1824 devem ser avaliadas na consciência dos votantes. 2.º Nenhuma dúvida ou
questão poderá suscitar-se acerca de tais qualidades”. Depois dessas considerações o referido
decreto revogava aquele art. 7.º, menos na parte relativa à “‘intimidade à causa do Brasil”47.

2.3. A PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E O NOVO DIREITO ELEITORAL

Pela Constituição de 1824 o regente, enquanto perdurasse a menoridade do imperador,


deveria ser eleito pela Assembléia Geral. No dia 12 de agosto de 1834, uma nova lei, que foi
identificada pelo nº 16 alterou a Constituição, mudando o processo de escolha do regente.
Pelas novas regras, os eleitores aptos a elegerem os deputados e senadores, também deveriam
eleger o regente do Império48.

Conforme vimos, a lei eleitoral sancionada em 1º de outubro de 1828, versava sobre as


regras para as eleições de vereadores, substituindo as antigas Ordenações do Reino. Nessa

46
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 152.
47
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
48
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 152.
27

primeira regulamentação sobre essa matéria, ficava estabelecido que as Câmaras de todas as
cidades deveriam ser compostas de nove membros e, as Câmaras das Vilas deveriam ser
compostas por sete membros e um secretário. As eleições deveriam ser realizadas a cada
quatro anos. Uma inovação dessa nova lei foi a instituição da necessidade de cadastramento
prévio dos eleitores49.

Mas esta Lei de 1.º de outubro de 1828 determinava que quinze dias antes da eleição,
o “juiz de paz da paróquia fará publicar e afixar nas portas da igreja matriz, e das capelas
filiais dela, a lista geral de todas as pessoas da mesma paróquia, que têm direito de votar [...]”.
(Art. 5º)50.

Essa lei eleitoral, para presidir as eleições municipais, foi a primeira no Brasil a exigir
a inscrição prévia dos eleitores, verdadeiro processo de alistamento compulsório, ex officio. O
art. 6º resolvia que o cidadão que quisesse poderia fazer queixa do fato de ter sido
indevidamente colocado ou excluído da inscrição de eleitores. Se não tivesse razão, pagaria
uma multa de trezentos mil réis51.

Havia também outra multa de dez mil réis para o eleitoral que faltasse à eleição sem
motivo justificado. Essa lei que estamos tratando permitia que o eleitor fosse analfabeto, mas
o sinal (uma cruz), que ele poderia fazer, é substituído pela assinatura de uma pessoa que
assinasse a seu rogo.

O eleitor entregava ao presidente da mesa duas cédulas: uma, com os nomes dos
cidadãos em quem se votava para vereadores; e a outra, com dois nomes, um para juiz de paz
e outro para suplente. Ambas as cédulas eram, no verso, assinadas pelo eleitor ou por outra
pessoa a seu rogo. Os eleitores que não pudessem comparecer, por impedimento grave,
mandariam seus votos, em carta fechada, ao presidente da Assembléia, “declarando o motivo
por que não compareceram” (art. 8º)52.

É importante destacar o fato de que esse alvorecer da nação e a instituição de suas


primeiras normas legais não se deram de uma forma absolutamente pacífica. Diversas
agitações abalaram o Império nesse período. A política vivia uma verdadeira ebulição de

49
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 152.
50
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009..
51
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 160-161.
52
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
28

aspirações, com pessoas de todos os pensamentos desejando ter o controle de parte do poder
do jovem país. As principais modificações no processo eleitoral nesses primeiros anos foram
em decorrência de lutas políticas53.

A partir de 1831 começam a surgir os primeiros partidos políticos oficiais, pelos quais
os principais segmentos passaram a lutar por posições no governo54.

Até 1831, não havia partido político. A luta estabelecia-se entre governo e oposição, e
essas facções recebiam nomes pitorescos. Em 1831, aparecem, na cena política, os primeiros
partidos: Restaurador, Republicano e Liberal. O primeiro pugnava pela volta de D. Pedro I; o
segundo, pela abolição da monarquia; o terceiro, pela reforma da Constituição de 1824, mas
conservada a forma monárquica.

Os liberais dividiam-se em duas alas: moderados e exaltados. Em 1837, aparece o


Partido Conservador, em oposição ao Liberal. O Conservador pugnava pela unidade do
Império sob o regime representativo e monárquico, e resistia a quaisquer inovações políticas
que não fossem maduramente estudadas55.

O surgimento desses partidos fez surgir também um furor ainda mais acirrado que
norteavam as disputas eleitorais. As discussões, antes das eleições, basicamente se restringiam
ao campo do Poder Legislativo em todas as suas instâncias56.

Todavia, quando as eleições se aproximavam, vinham com ela todas as paixões dos
militantes partidários. Como a legislação eleitoral era frágil para garantir a ordem e lisura do
processo. Vigoravam espaços para toda sorte de fraudes, corrupções e armações57.

A Lei eleitoral de 26 de março de 1824 falhava na organização das mesas eleitorais,


que em geral eram irregulares, facciosas, arbitrárias. Como não havia nenhum alistamento ou
registro provisório de eleitores, a mesa era absoluta para julgar da qualidade dos votantes,
negando-lhes o direito de Voto, se quisesse. Em 1837, as fraudes no colégio de Lagarto, em
Sergipe, foram tantas, que o governo resolveu anular as eleições de deputados por essa
província.

53
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 160-161.
54
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
55
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 168.
56
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
57
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 168.
29

No ano de 1842, é sancionada uma nova lei, as Instruções de 4 de maio de 1842, que
estabelecia regras para as eleições gerais e provinciais. A nova legislação foi considerada um
avanço importante no processo de construção das leis eleitorais brasileiras58.

Este novo Sistema Eleitoral constitui um marco importante na história da evolução das
leis eleitorais brasileiras. O Capítulo I tratava do alistamento dos cidadãos ativos e dos Fogos.
A Lei eleitoral de 1.º de outubro de 1828, para eleição de vereadores, já cuidava de uma
relação prévia de eleitores, a ser organizada pela primeira vez no Brasil, dispunha, em
capítulo especial, sobre o alistamento de eleitores59.

Segundo o art. 1.º, em cada paróquia seria formada uma junta de alistamento, sendo
presidente o juiz de paz do Distrito; outro membro seria o subdelegado, na qualidade de fiscal
da junta; e o terceiro membro da junta seria o pároco. Entretanto essa junta nasceu sob
grandes apreensões, pois, por uma lei anterior, de 3 de dezembro de 1841, que reformava o
Código do Processo Criminal, as autoridades agora investidas no cargo de membros da junta
pareciam oferecer um aspecto de intervenção do governo60.

Em 1846 foi sancionada aquela que seria considerada como uma das leis eleitorais
mais importantes do período monárquico do Brasil. Foi a primeira vez que uma proposta de
lei eleitoral foi apresentada por um parlamentar. Antes dessa lei, todas as normas anteriores
eram concebidas pelo Poder Executivo61.

Enviada ao imperador, a nova lei eleitoral foi por ele assinada em 19 de agosto de
1846. Ficavam, e conseqüência, revogadas todas as leis e disposições anteriores, em matéria
eleitoral. Essa Lei eleitoral de 19 de agosto de 1846 é um marco importante na história da
evolução dos regimes eleitorais brasileiros. Procurava ser a mais perfeita e completa para a
época. E provavelmente o era62.

Foram necessários, entretanto, vinte e cinco anos de experiência, desde as primeiras


eleições gerais brasileiras, para que se chegasse àquele resultado. A eleição, por esta nova lei,
continuaria, entretanto, a ser indireta, em dois graus; os eleitores do primeiro grau elegiam os

58
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 168.
59
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
60
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 173.
61
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
62
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 181-182.
30

do segundo grau, que por sua vez iriam eleger os senadores, deputados e membros das
assembléias legislativas provinciais. Esta Lei de 19 de agosto de 1846, além da eleição desses
representantes, também dava instrução sobre a eleição das autoridades municipais. Isto é,
juízes de paz e câmaras municipais63.

Apesar de sua chegada festejada, a Lei eleitoral de 19 de agosto de 1846 foi objeto de
protestos por parte de alguns segmentos políticos da época. O próprio Governo reconhecia sua
dificuldade em colocá-la em prática64.

No ano de 1849, com a edição de instruções que visavam sanar as dificuldades da Lei
eleitoral de 19 de agosto de 1846, o Governo tenta manter a sua vigência sem a necessidade
de uma reforma. No entanto as instruções não foram suficientes para resolver os problemas
existentes.

Assim, em 19 de setembro de 1855, um novo decreto era assinado pelo imperador D.


Pedro, instituindo uma nova lei eleitoral que alterava a lei anterior. A nova lei continha apenas
20 artigos e ficou conhecida como Lei dos Círculos, imprimindo profundas alterações no
processo eleitoral existente até antão65.

Um dos pontos importantes da nova lei eleitoral, que seria discutida e votada, era o da
representação das minorias. Dizia a comissão que era essencial distinguir nos sistemas da
representação das minorias ou da representação proporcional os diversos processos sugeridos.

Estes poderiam ser empíricos ou racionais:

[...] pelo processo empírico obteria somente a representação de minorias;


pelo processo racionaria também a representação das minorias, porque a
proporcionalidade é a garantia do resultado. Entre os processos empíricos,
existia a pluralidade simples, o voto limitado, o voto cumulativo, o voto
plural e o voto por pontos. Entre os processos racionais são classificados a
representação pessoal como o voto contingente, o voto sucessivo como o
voto eventual, a lista livre com voto simultâneo, o sufrágio uninominal com
o voto transferível66.

63
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 181-182.
64
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
65
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 225-226.
66
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 225-226.
31

Também nessa época, destacam-se o surgimento de diversos partidos políticos. Em


1870, existiam oficialmente seis partidos: o Partido Liberal, o Partido Conservador, o Partido
Progressista, O Partido Liberal-Radical, o Partido Liberal e o Partido Republicano.

Um pouco depois de 1870, diversos conflitos começaram a surgir no campo político


em torno da pretensão de se elaborar uma nova lei eleitoral. As principais razões dos
descontentamentos giravam em torno da grande incidência de fraudes eleitorais e casos de
corrupção. A inexistência de um título de eleitor favorecia também a ocorrência de fraudes.

As lutas políticas no Império travavam-se, em grande parte, em torno do Sistema


Eleitoral. As fraudes, a corrupção, a intervenção das autoridades no dia das eleições, a
inexistência de título de eleitor, a eleição indireta (em dois graus), o processo de eleição, as
restrições do voto (privilégio), as incompatibilidades, etc. eram os temas em torno dos quais
se travavam acesos debates67.

Era o Partido Liberal o que mais agitava esses problemas. No entanto, todos os
partidos procuravam pôr o próprio regime monárquico acima das disputas políticas. Foi o
Partido Republicano que, aproveitando-se das circunstâncias e num hábil sofisma político,
levou à conta do próprio regime monárquico todas as agitações políticas. Na Assembléia
Geral, cuidou-se da reforma da legislação eleitoral68.

Depois de votada, foi enviada à sanção do Imperador. Assinada no dia 20 de outubro


de 1875, e cujo decreto tomou o número 2.675, não constituiu uma lei geral que substituísse a
de 1846. Em verdade, a Lei de 1846 não foi revogada.

Simplesmente, nela foram introduzidas inovações e modificações que objetivaram


aperfeiçoá-la. Em si mesmas, as disposições do Decreto n. 2.675, de 20 de outubro de 1875,
formavam um conjunto sem ordem alguma. Entretanto, a regulamentação desta lei apareceria
pelo Decreto n. 6.097, de 21 de janeiro de 1876, formando um todo harmônico com a Lei
Eleitoral Geral de 1846 (Decreto n. 387). Aliás, esta regulamentação combinava não somente
essas duas leis, mas também todas as disposições esparsas, decretadas após 184669.

Essa Lei eleitoral de 20 de outubro de 1875 criava as juntas paroquiais de qualificação,


que ficavam encarregadas da organização das listas dos eleitores de 1.º grau, ou seja, de sua

67
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 226.
68
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
69
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 226.
32

respectiva paróquia. As juntas eram compostas pelos próprios eleitores, em eleição interna
realizada três dias antes do início dos trabalhos de qualificação dos eleitores70.

É importante destacar que essa Lei eleitoral de 20 de outubro de 1875 foi a primeira
norma brasileira que incumbiu à Justiça o papel de dirimir dúvidas em relação ao processo
eleitoral. Não se tratava ainda da criação de uma Justiça Eleitoral, mas apenas a designação à
Justiça comum de importantes atribuições71.

Em 12 de janeiro de 1876 é sancionado o Decreto n. 6.097, pelo qual eram concebidas


instruções regulamentares para execução do Decreto n. 2.675, de 20 de outubro de 1875,
mesclando o mesmo com a Lei eleitoral de 184672.

Desde 1973, quando o governo enviou à Câmara um novo projeto de Lei Eleitoral,
existia uma grande polêmica quanto à garantia da representatividade das minorias. Como a
representação proporcional era um sistema novo, havia ainda muito receio na sua aplicação73.

Depois de um longo período de discussões sobre o tema, a Lei eleitoral de 1875,


também conhecida como Lei do Terço, instituía um sistema pelo qual os partidos ou
coligações vencidas poderiam ocupar um terço das vagas em disputa74.

A Lei do Terço não era um processo proporcional. Simplesmente dividia os cargos


eletivos a preencher em dois terços para a maioria e um terço para a minoria. Mas os partidos
geralmente não se apresentavam sozinhos, e sim em coligações75.

A coligação que vencesse, ganhando os dois terços, seria formada de elementos de


mais de um partido. E nas câmaras seria difícil garantir que a unidade obtida nas eleições seria

70
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29set. 2009.
71
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
72
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 226.
73
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
74
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 248.
75
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
33

mantida no plenário. Assim, maioria era um conceito que se relacionava mais com uma
vitória eleitoral do que propriamente com uma organização de governo76.

O primeiro título de eleitor do Brasil foi instituído, também, em 1875, pelo Decreto n.
2.675. Antes dele, desde a proclamação da independência, os eleitores eram apenas
identificados no momento da eleição e de acordo com as regras pré-estabelecidas. Existia uma
qualificação do eleitor no momento do pleito77.

Com a instituição do primeiro título, não foram extintas as juntas de qualificação, às


quais incumbia sua distribuição entre os eleitores. No parecer de Ferreira:

A referida regulamentação também adotou um modelo de título, cujo clichê


publicamos juntamente com este capítulo. Esse modelo era enviado às
câmaras municipais das províncias, as quais deveriam mandar imprimi-los e
fornecê-los às juntas de qualificação. Os títulos não eram impressos
avulsamente, mas sim constituíam livros-talões. Observe-se o clichê do
modelo que publicamos: junto à vinheta vertical onde se lê “Império do
Brasil”, corria uma linha onde era destacado o título. A parte à esquerda
constituía o canhoto do livro-talão de títulos. Os títulos eram assinados pelo
secretário da Câmara Municipal e pelo presidente da junta. O votante (1.º
grau) assinava o título. Se não soubesse ler nem escrever, poderia alguém
assinar a seu rogo, no momento de retirá-lo. Conforme se poderá verificar no
modelo, a lei exigia o número do título, o nome da província, do município,
da paróquia, do distrito e do quarteirão. (por quarteirão subentendiam-se os
bairros rurais distantes). Relativamente ao votante devia constar no título seu
nome, idade, estado civil, profissão, renda, filiação, domicílio e
elegibilidade, isto é, se era somente simples votante (1.º grau) ou se podia ser
eleitor (2.º grau). Havia também a seguinte observação: Declarar-se-á
especialmente se sabe ou não ler e escrever78.

Ao sancionar uma nova lei eleitoral, no dia 9 de janeiro de 1881, pelo Decreto n.
3.029, o imperador revogava todas as normas anteriores. Diversas inovações foram trazidas
pelo Decreto de 1881, também chamada de Lei do Censo ou Lei Saraiva. Destaque ao fato de
que os senadores, deputados da Assembléia Geral e membros da Assembléia Legislativa
ficavam proibidos durante o exercício de seus mandatos e até seis meses após o término, de
ocuparem comissões ou empregos remunerados no governo geral ou provincial79.

76
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
77
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 248.
78
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 251-252.
79
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
34

A Lei Saraiva foi considerada uma das normas eleitorais de maior significado para a
vida política brasileira. Suas inovações foram responsáveis por profundas mudanças nas
configurações políticas do país80.

Em 14 de outubro de 1887, foi sancionada pela princesa regente Isabel aquela que
seria a última lei do Império. Basicamente, essa nova norma teve como objetivo modificar as
eleições dos vereadores das câmaras municipais e dos membros das Assembléias Legislativas
provinciais. Era mantida quase a totalidade das regras implantadas pela Lei Saraiva. Ao se
aproximar o fim do período imperial, o Brasil possuía uma legislação eleitoral considerada
por muitos, como completa.

Ao findar o Império, a 15 de novembro de 1889, o Brasil possuía uma legislação


eleitoral perfeita. A Lei Saraiva, de 1881, foi a culminância de um processo evolutivo que
durou 67 anos, desde os primeiros dias da independência81.

Durante todo o Império, os partidos, os políticos nas Assembléias, os jornais, os


publicistas, enfim, a classe dirigente da sociedade esteve voltada para o aperfeiçoamento do
sistema eleitoral. Esse esforço culminou com a Lei Saraiva, que colocou o Brasil entre as
nações civilizadas82.

A República, ao instalar-se aos 15 de novembro de 1889, nada teria a fazer, em


matéria eleitoral, senão suprimir os privilégios (do Voto, das Elegibilidades) e adaptar aquela
legislação á nova organização político-administrativa do país. Permaneceria a essência da
legislação eleitoral do Império, o espírito que a ditou, e que nada mais visava senão dotar o
país de uma instituição que fosse perfeita para a época, como realmente foi. A República, para
poder sobreviver nos seus primeiros anos, teria de demolir aquele magnífico edifício que era a
Lei Saraiva83.

E ao iniciar-se dessa maneira, a República daria o mau exemplo que seria seguido
durante quase meio século, origem dos nossos males políticos durante todo esse interregno: as
leis eleitorais feitas para ganhar eleições84.

80
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 251-252
81
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
82
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 252.
83
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
84
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 284-285.
35

Com o fim do Império, se encerrava um ciclo na história política do país. Embora os


anos tenham trazido amadurecimento ao processo de construção legislativa da nação, a
instituição da República traria um novo começo, marcado por um longo período de
desconstrução. Um novo momento na história do Brasil começava85.

A partir de 1874, o Brasil teve avanços significativos na indústria. A lavoura do café


se desenvolvia, a exportação de borracha crescia e se consolidava um mercado interno, graças
ao aumento da utilização de mão de obra assalariada. Os setores de transportes e financeiro
também sentiam os reflexos dos novos tempos. Começava uma tendência à urbanização.
Nesse contexto, o Regime Monárquico se revelava incompatível com a nova realidade. Era
necessária a implantação de um novo sistema de governo, capaz de conceder maior autonomia
aos entes da federação86.

O movimento republicano iniciou-se em 1870, com a fundação do Clube Republicano


e do jornal A República e o lançamento de um Manifesto Republicano. Duas correntes se
chocaram no Partido Republicano: a evolucionista (liderada pelos republicanos históricos),
que preferia a via pacífica para conseguir o poder e a revolucionária (liderada por Silva
Jardim), que pregava a revolução popular.

A corrente evolucionista predominou.

Em 15 de novembro de 1889, através de um movimento onde se reuniram


republicanos e militares, foi proclamada da República e o fim do Império.
Como chefe do governo provisório foi indicado o Marechal Deodoro da
Fonseca, que gozava de grande prestígio dentro do exército87.

A proclamação da República trouxe consigo o começo de um novo período na história


da legislação eleitoral brasileira. O primeiro ato da fase republicana foi o Decreto n. 6, de 10
de novembro de 1889, editado pelo governo provisório, que assumiu a administração do
Brasil logo após a proclamação, e era chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. No dizer
de Ferreira:

Era o sufrágio universal. Caiam, pois, todos os privilégios eleitorais do


Império. A 3 de dezembro de 1889, o governo provisório nomeou uma
comissão de cinco membros para redigir um projeto de Constituição. A 21

85
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
86
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 285.
87
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 289.
36

de dezembro desse mesmo ano, era decretada a convocação de uma


Assembléia Geral Constituinte, que se deveria reunir a 15 de novembro de
1890. Quando os futuros deputados à Constituinte se reunissem, já
receberiam do governo provisório o projeto de Constituição elaborado pela
comissão de cinco membros. Pouco teriam a fazer os representantes do povo.
A República foi um regime outorgado ao povo brasileiro. Aliás, os regimes
políticos no Brasil nunca foram submetidos à escolha do povo. A este,
sempre, só foi dado escolher os dirigentes dos regimes recém-inaugurados.
Os republicanos de 89 temiam que as primeiras eleições para escolha dos
representantes do povo à Constituinte fossem transformadas em consulta
popular, pois poderia ser eleita uma maioria monarquista88.

Em 8 de fevereiro do ano de 1890, era assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca,


chefe do governo provisório, o regulamento eleitoral, identificado como Decreto n. 200-A e
tratava basicamente da qualificação de eleitores. Nesse sentido Ferreira ensina que:

A qualificação eleitoral seria feita por comissões distritais compostas de três


membros: juiz de paz, subdelegado da paróquia e de um cidadão que tivesse
as qualidades de eleitor, que fosse residente no distrito e que seria nomeado
pelo presidente da Câmara. (Não obstante a República já tivesse substituído
o vocábulo paróquia por município, ele ainda aqui aparece por força de
costume). Para ser eleitor, o cidadão deveria provar, no momento da
qualificação, que sabia ler e escrever e, também, que residia há mais de seis
meses no distrito. Essa qualificação seria revista por uma segunda comissão,
municipal, e formada de um juiz municipal (presidente), do presidente da
Câmara e pelo delegado de polícia. Esta segunda comissão podia eliminar
eleitores da lista organizada pela primeira. Dos cidadãos excluídos, havia
recurso ao juiz de direito. Não obstante este recurso é de notar que tanto a
primeira como a segunda comissões de qualificação eram integradas por
elementos diretamente dependentes do governo89.

Esse Decreto n. 200-A de fevereiro de 1990, o qual fora organizado pelo ministro do
Interior, Aristides Lobo, versava basicamente sobre a qualificação dos eleitores. Em 23 de
junho de 1890, pelo Decreto n. 511, organizado pelo novo ministro do Interior, José Cesário
de Faria Alvim, foi apresentada uma nova norma eleitoral, também chamada de Regulamento
Alvim.

O Regulamento Alvim constava de três capítulos e 71 artigos, e era, em grande parte,


baseado na Lei Saraiva, quanto ao processe da eleição:

Pelo Capítulo I, art. 1.º, era exigência para o cidadão ser elegível: 1.º estar na
posse dos direitos do eleitor; 2.º para a Câmara, ter mai de sete anos como
cidadão brasileiro, e mais de nove para o Senado. Pelo artigo 2.º eram
inelegíveis: 1.º os clérigos e religiosos regulares e seculares de qualquer

88
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 289-290.
89
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 295-296.
37

confissão; 2.º os governadores; 3.º os chefes de polícia; 4.º os comandantes


de armas, bem como os demais funcionários militares que exercessem
comandos de forças de terra e mar equivalentes ou superiores; 5.º os
comandantes dos corpos de polícia; 6.º os magistrados; 7.º os funcionários
demissíveis ad nutum90.

O Congresso que fora convocado com as atribuições de Assembléia Constituinte foi


instalado em 15 de novembro de 1890. O Congresso recebeu o projeto da nova Constituição
do próprio governo provisório e, apenas dois meses após sua instalação, em janeiro de 1891,
aprovava a primeira Carta Magna da República, a Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil91.

Esta primeira Constituição do Período Republicano previu eleições por sufrágio direto
da nação e maioria absoluta de votos para Presidente e Vice-Presidente da República. Exigia
maioria absoluta entre os votados; isso não ocorrendo, o Congresso elegia um entre os dois
mais votados, por maioria dos votos presentes. Previu, também, inelegibilidades para os
cargos de presidente e vice-presidente da República, deixando para a lei ordinária regular o
processo de eleição e de apuração92.

A primeira lei eleitoral Republicana foi editada logo após a promulgação da


Constituição de 1891, em 25 de janeiro de 1892, identificada como n. 32. O Congresso
elaborou e aprovou a nova lei eleitoral e o presidente Floriano Peixoto sancionou-a. Constava
de 66 artigos e mais parágrafos. A lei cuidava dos eleitores, discriminando os que podiam e os
que não podiam ser qualificados, segundo os preceitos constitucionais93.

O alistamento era preparado por comissões seccionais (dos municípios) e


definitivamente organizado por uma comissão municipal.

As comissões seccionais eram organizadas com cinco membros, todos cidadãos


eleitores escolhidos pelos governos municipais. Os presidentes das comissões municipais
eram os próprios presidentes das câmaras municipais (governos municipais). Havia recurso
para uma junta eleitoral da capital do estado respectivo94.

90
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 301-302.
91
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. Bauru: Edipro, 1996. p. 21.
92
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 21.
93
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 21.
94
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 21.
38

Os títulos de eleitor eram iguais aos da lei anterior. As condições de Elegibilidade (a


lei só tratava dos mandatos aos cargos federais, isto é, senadores e deputados), eram as
contidas na Constituição.

As incompatibilidades eram poucas, não podendo ser votadas (para senador ou


deputado): os ministros do presidente da República e os diretores de suas secretarias e do
Tesouro Nacional; os governadores ou presidentes e seus vices: os ajudantes-generais do
Exército e da Armada; os comandantes de distrito militar no respectivo distrito; os
funcionários militares investidos de comando, inclusive policiais; as autoridades policiais; os
membros do Poder Judiciário; os magistrados; os funcionários demissíveis ad nutum. Havia a
incompatibilidade, que deveria ser verificada seis meses antes das eleições95.

Posteriormente, a Lei eleitoral n. 69, de 1 de agosto de 1893, tratava somente sobre a


qualificação dos eleitores para as eleições de deputados federais. Outras inovações foram
introduzidas por diversas normas eleitorais elaboradas nestes primeiros anos da República.

No dia 15 de novembro de 1904 a nova lei eleitoral da República, identificada pelo n.


1.269, foi sancionada pelo presidente Rodrigues Alves. A nova lei revogava a Lei eleitoral n.
35.

O alistamento dos eleitores seria preparado, em cada município, por uma comissão
especial. Os coletores (exatores) extrairiam dos livros de lançamento de impostos uma lista
dos maiores contribuintes do município, assim classificados: 15 do imposto predial e 15 dos
impostos sobre propriedade rural ou de indústrias e profissões.

Essas listas seriam tornadas públicas. Quatro meses após, o juiz de Direito da comarca
convocaria aqueles contribuintes e os membros do governo municipal para se reunirem dali a
dez dias. Seria, então, constituída a comissão de alistamento de eleitores: o juiz de Direito,
dos maiores contribuintes de imposto predial, mais dois dos impostos sobre propriedade rural
e, finalmente, mais três cidadãos eleitos pelos membros do governo municipal96.

Para ser eleitor, o cidadão deveria se encaixar nos seguintes requisitos:

1º idade mínima; 2º saber ler e escrever, para isso escrevendo de próprio


punho, em livro especial, seu nome, estado civil, filiação, idade, profissão e

95
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 315-316.
96
MOREIRA, Ricardo. Sistema eleitoral brasileiro: evolução histórica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3468>. Acesso em: 29 set. 2009.
39

residência. Havia recursos, revisões de alistamento (periódicos) e títulos de


eleitores97.

Após a Lei n. 1.269 de 15 de novembro de 1904, diversas normas eleitorais foram


editadas, no entanto, não se pode considerar que houve grandes inovações ou quaisquer
aperfeiçoamentos significativos. Até 1930, as normas eleitorais ficaram conhecidas como
permissivas de um sistema falho e permeado de fraudes e toda sorte aberrações98.

Faz-se necessário observar, portanto, que na época do império o processo eleitoral era
arbitrário e discricionário, permanecendo assim, por mais de meio século. Nem mesmo a
Proclamação da República que ocorreu em 15 de novembro de 1889, foi capaz de interferir ou
modificar as regras eleitorais da época.

Neste sentido assevera Joel José Candido:

A maioria dos autores que se dedicou ao estudo da evolução das leis


eleitorais e suas repercussões divide o período republicano em dois: da
proclamação em 1889, até 1930, com a Revolução; e desta, até nossos dias.
A razão maior desta divisão é histórica, mais que didática. É que na 1°
República a legislação continuou esparsa, sensivelmente ainda influenciada
pelas praticas que vigoraram no Império99.

Para a história da legislação eleitoral brasileira, o período trazido a partir da revolução


de 1930 pode ser considerado o de maior evolução, cujas transformações permanecem, na sua
maioria, até os dias de hoje.

A legislação eleitoral que surgiu no Brasil após a Revolução de 1930 e até os dias de
hoje caracteriza um dos mais importantes períodos da vida política brasileira:

Inicialmente, a instituição de uma Justiça Eleitoral independente de


injunções políticas, e que coloca o Brasil acima dos países mais civilizados
do globo; a instituição do voto feminino; a adoção da representação
proporcional; o registro de partidos políticos; a cédula oficial e única nas
eleições majoritárias; a volta à unidade nacional em matéria eleitoral,
retirando dos estados o direito de legislar e restabelecendo o sistema que
prevaleceu no Império100.

97
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 341-342.
98
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro.
99
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 25-26.
100
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. p. 356.
40

Após a revolução de 1930, surge o primeiro avanço significativo na legislação


eleitoral brasileira, trazida pelo Decreto n. 21.076, de 24 de 1932, o qual instituiu o primeiro
Código Eleitoral brasileiro, que tratou sistematicamente de toda a matéria eleitoral.

Cândido enumera as seguintes características trazidas pelo advento do Código


Eleitoral de 1932:

No Código Eleitoral de 1932 foi criada a justiça eleitoral; o voto feminino; a


representação proporcional; o voto secreto em cabina indevassável; o
sufrágio era universal e direto; a eleição era direta e em dois turnos. O
domicilio eleitoral era de livre escolha do eleitor; delegou-se a lei especial os
casos de inelegibilidades; todas as eleições eram reguladas pelo código; o
eleitor era parte legitima para a ação penal; a competência para processar e
julgar os crimes eleitorais era do tribunal Regional e aos juízes incumbia
apenas a preparação dos processos ou a instrução desde que expressamente
para tal designados; o prazo prescricional de qualquer crime eleitoral era de
10anos. O ministério Público, inclusive o Ministério Publico Estadual, sem
capitulo próprio no Código, tinha nele aparecimento apenas episódico101.

A Justiça Eleitoral foi recepcionada pela Constituição de 1934, a qual tratou pela
primeira vez na historia do Brasil, da jurisdição eleitoral.

Esta carta teve um grande mérito de criar, no seio da constituição porquanto já havia
sido criada pelo Código Eleitoral (Decreto n 21.076, de 24.02.32) – a Justiça Eleitoral como
órgão do Poder Judiciário (art.63, d).

Atribuiu jurisdição eleitoral plena aos juízes vitalícios, na forma da lei (art.82,
Parágrafo 7º).

Estabeleceu a competência privativa da Justiça Eleitoral para o processo das


eleições federais, estaduais e municipais, inclusive a dos representantes das
profissões (art.83, caput) competência essa que ia desde em organizar a
divisão eleitoral do país até o poder de decretar a perda do mandato
legislativo, passando pela competência para processar e julgar os delitos
eleitorais e os comus que lhe fossem conexos102.

Dispôs, também sobre o alistamento, direitos políticos e inelegibilidades (arts. 108 a


112), assim como sobre as eleições para Presidente da República (art. 52)103.

101
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 22.
102
ANGELO, Vitor Amorim de. Contexto histórico e político. UOL educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/constituicao-1988.jhtm>. Acesso em 25 jul. 2009.
103
CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral brasileiro. p. 23-24.
41

Em 1935 um novo Código Eleitoral foi promulgado, recepcionando praticamente todo


o conteúdo do Código anterior, trazendo apenas algumas alterações:

[...] todas as eleições, federais, estaduais e municipais; as mulheres só eram


obrigadas a se alistar se exercessem função pública remunerada (CF, 1934,
art. 109); o voto era secreto e havia sistema de representação proporcional
para os parlamentos; dispôs sobre juntas Especiais para a apuração somente
de eleições municipais; como órgãos da Justiça Eleitoral; os juízes
adquiriram parcial competência decisória em matéria criminal eleitoral;
dispôs, em longo capítulo próprio (arts. 49 a 57), pela primeira vez, sobre o
Ministério Público, proibindo o procurador – Geral atividades político-
partidárias e, inclusive, regulando a ampla participação do Ministério
Público dos Estados em todas as fases do processo; reduziu sensivelmente, a
prescrição por crime eleitoral, para 5 anos (casos com pena privativa de
liberdade) e para 2 anos (demais casos), aceitando as hipóteses de sua
suspensão e interrupção prevista na lei penal comum; restringiu a regra do
domicilio eleitoral, obrigando-o a coincidir com o domicilio civil; elencou,
longamente, as inelegibilidades delegando a constituição e as leis estaduais o
direito de aumentar esse elenco104.

Apenas cinco anos após sua criação, a Justiça Eleitoral é extinta em 1937 pela
Constituição do Estado Novo. Em 28 de fevereiro de 1945, a Lei Constitucional n. 9, ensejou
a edição do Decreto n. 7.586, de 28 de maio de 1945, que recriou a Justiça Eleitoral105A
Justiça Eleitoral foi mantida pela Constituição de 1946, que fixou suas competências, casos de
Inelegibilidades e direitos políticos. A partir desta Constituição, a União passou a ter
competência privativa para legislar sobre Direito Eleitoral106.

As constituições de 1967 e 1969 trataram de questões relacionadas aos direitos


políticos, partidos políticos e regulou a Justiça Eleitoral dentro dos órgãos do Poder
Judiciário107.

2.4 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O DIREITO ELEITORAL NA ATUALIDADE

O Brasil vivia sob o jugo de um regime autoritário de uma ditadura militar desde 1964.
A Constituição de 1967 foi imposta pelo governo de exceção. Além disso, principalmente a
década de sessenta foi marcada pela edição dos chamados Atos Institucionais.

104
ANGELO, Vitor Amorim de. Contexto histórico e político. UOL educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/constituicao-1988.jhtm>. Acesso em 25 jul. 2009.
105
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 23-24.
106
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 23-24.
107
ANGELO, Vitor Amorim de. Contexto histórico e político. UOL educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/constituicao-1988.jhtm>. Acesso em 25 jul. 2009.
42

Nesse período, os direitos individuais e sociais foram suprimidos, inclusive muitos


direitos eleitorais.

A abertura política, iniciada por volta de 1979 foi finalizada em 1985 com a eleição,
ainda pelo Colégio Eleitoral, de Tancredo Neves para assumir como primeiro presidente da
República civil, depois de mais de 20 anos de ditadura. Em 21 de abril do mesmo ano, o
presidente eleito, morre mesmo antes de ter sido empossado. Em razão do falecimento de
Tancredo, assume a presidência, seu vice, José Sarney (hoje presidente do Senado Federal)108.

Essa saída do regime ditatorial fazia crescer um anseio popular por uma nova Carta
Magna, capaz de defender valores da Democracia e criar mecanismos legais e de impedir no
futuro, que o país repetisse sua história recente de autoritarismo e desrespeito aos direitos
individuais109.

Em 27 de julho de 1988, o Deputado Federal Ulysses Guimarães, presidente da


Assembléia Nacional Constituinte, promulgava a atual Carta Magna, declarando as seguintes
palavras: “Essa será a Constituição Cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de
brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria [...] O povo nos mandou aqui para
fazê-la, não para ter medo. Viva a Constituição de 1988! Viva a vida que ela vai defender e
semear110”.

A Constituição de 1988 conseguiu contemplar uma série de direitos e garantias


individuais, sociais e políticas. No aspecto eleitoral, seu grande objetivo era consolidar a
Democracia como regime vigente e permanente no país.

Entre as principais conquistas no campo eleitoral, Cândido enfatiza:

A atual Constituição regulou os Direitos Políticos (arts. 14 a 16) e dispôs


sobre os Partidos Políticos (art. 17), mantendo a Justiça Eleitoral dentro do
Poder Judiciário, como um de seus órgãos (art. 92, V e arts. 118 a 121).
Regulou amplamente a eleição para Presidente e Vice-Presidente da
República, indicando as substituições e seu processo, nos casos de
impedimento e vacância. No ato das Disposições Constitucionais

108
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 23-24.
109
ANGELO, Vitor Amorim de. Contexto histórico e político. UOL educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/constituicao-1988.jhtm>. Acesso em 25 jul. 2009.
110
ANGELO, Vitor Amorim de. Contexto histórico e político. UOL educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/constituicao-1988.jhtm>. Acesso em 25 jul. 2009.
43

Transitórias contém vários artigos referentes ao Direito Eleitoral, mormente


sobre plebiscito, mandatos e eleições (arts. 2.º, 4.º, 5.º, etc)111.

Enfim, a Constituição de 1988, pode, de fato, ser chamada de Constituição Cidadã,


como bem declarou o saudoso deputado federal Ulysses Guimarães. No entanto, as conquistas
no campo do Direito Eleitoral, advindas a partir daí, não se restringem à Constituição de
1988112.

Desde a promulgação da atual Carta Magna, o Brasil teve diversas e profundas


alterações em sua norma eleitoral. Essas transformações serão objeto de estudo nos próximos
capítulos desta pesquisa, onde se buscará traçar um perfil completo do atual Sistema Eleitoral
brasileiro113.

Não cabe aqui nenhuma conclusão precipitada, senão apenas a percepção preliminar
de que a história do Direito Eleitoral, embora muitas conquistas, não é um processo acabado,
mas apenas uma metamorfose permanente, em busca da implantação de uma sociedade
democrática e com justiça social.

111
ANGELO, Vitor Amorim de. Contexto histórico e político. UOL educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/constituicao-1988.jhtm>. Acesso em 25 jul. 2009.
112
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. p. 21-22.
113
ANGELO, Vitor Amorim de. Contexto histórico e político. UOL educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/constituicao-1988.jhtm>. Acesso em 25 jul. 2009.
44

3 O DIREITO ELEITORAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

3.1 A DEMOCRACIA POPULISTA

Durante o período compreendido a partir de 1946 o Brasil viveu sob o signo da


Democracia populista, numa fase denominada República Liberal; seguiram-se depois os vinte
e um anos do Estado Autoritário, iniciado com o golpe de 1964 e encerrado nas eleições
diretas de janeiro de 1985, com a vitória de Tancredo Neves. A partir daí, teve início a última
fase, marcada pelo fim do autoritarismo e pelo retorno à normalidade democrática, chamada
por muitos de Nova República114.

A partir de 1930, economia e a sociedade brasileira passaram por transformações


significativas. No aspecto político, com o colapso do sistema oligárquico da República Velha,
iniciou-se o processo de modernização do Estado. A crise da economia agrário-exportadora,
até então dominante, permitiu o avanço da industrialização, especialmente na Região Sudeste.
O aumento da população nos principais centros urbanos mostrou que as cidades estavam
começando a predominar sobre o campo115.

A industrialização, a urbanização e a expansão do setor de serviços permitiram o


crescimento de novas forças sociais: o empresariado industrial, a classe média e o operariado.
Essas novas forças, embora possuíssem algumas aspirações comuns, também apresentavam
interesses completamente divergentes; o primeiro, por exemplo, defendia o crescimento
econômico a qualquer custo; o segundo, o poder de consumo; o terceiro, o real valor dos
salários116.

Nessa época deu-se a proliferação dos partidos políticos (pluripartidarismo) refletindo


os desencontros que envolviam os vários segmentos de uma nova sociedade urbana e
industrial do século XX; as massas urbanas foram incorporadas ao processo político e, como

114
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 89.
115
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 89.
116
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 89.
45

suas aspirações não podiam ser ignoradas, passaram a ser manipuladas por políticos e pelo
próprio Estado, dando origem ao populismo117.

A República Populista, iniciada com o fim do Estado Novo (1945) e encerrada com o
golpe militar de 1964, teve suas características moldadas a partir dessas transformações, mas
também sofreu influência dos acontecimentos internacionais que marcaram o pós-guerra.
Após a II Guerra Mundial, dois blocos disputaram a liderança política, econômica, militar e
ideológica do Mundo Contemporâneo: o Bloco Oriental, socialista, dirigido pela União
Soviética. Sendo o Brasil integrante do Bloco Ocidental, as manifestações populares ocorridas
no País passaram a ser encaradas como agitações comunistas118.

Ainda na República Populista, os governos presidenciais adotaram diversos planos e


programas econômicos, acentuando o papel do Estado como promotor e coordenador do
desenvolvimento nacional.

O país estava dividido entre duas propostas de desenvolvimento: “a nacionalista-


industrial, favorável à intervenção do Estado na economia, e a desenvolvimentista-industrial,
que defendia a participação do capital estrangeiro na economia brasileira119”.

3.2 A O GOLPE DE 1964 E O GOVERNO DITATORIAL

Em 1960 foi eleito Jânio da Silva Quadros, ex-governador de São Paulo, acompanhado
na Vice-Presidência por João Goulart. Jânio venceu com 5.604.000 votos (48%), apoiado pela
UDN, enquanto seu principal concorrente, o Marechal Lott, obteve 3.810.000 votos (28%),
pelo PTB. Sua posse, a primeira em Brasília, deu-se em 31 de janeiro de 1961120.

O polêmico político, que chegou à presidência da República com a maior votação que
um homem público jamais havia alcançado no Brasil até então, surpreendeu toda a nação, no
dia 25 de agosto de 1961, após quase 7 meses de governo, com a sua renúncia ao cargo de
presidente. Este gesto nunca foi totalmente esclarecido. Na ausência do vice-presidente, João

117
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: jurisprudência, legislação, doutrina e
prática. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 54.
118
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
119
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
120
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
46

Goulart, que se encontrava visitando a República Popular da China, assumiu o posto o


presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli121.

Após a renúncia de Jânio, os ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica julgaram


inconveniente à Segurança Nacional o regresso do vice-presidente, acusado e
comprometimento com os comunistas.

Em oposição aos ministros militares levantou-se o governador do Rio Grande do Sul,


Leonel Brizola, defendendo a legalidade. Com a evolução da crise política e a radicalização
dos grupos antagônicos, o País se viu diante da possibilidade de uma guerra civil122.

Diante da grave situação interna e visando contornar o veto dos ministros militares à
posse do vice-presidente como chefe de um regime presidencialista, o Congresso aprovou a
Emenda Constitucional n.º 4 à Carta de 1946, que instaurava o regime parlamentarista no
Brasil.

João Goulart era o herdeiro político de Getúlio e também alvo dos adversários de
Vargas. Era o líder de uma grande partido, o PTB. Rico estancieiro do Rio Grande do Sul,
Jango carecia de visão política a longo prazo e não tinha a popularidade de um grande
político. Seu primeiro período de governo, enfraquecido pelo regime parlamentarista e
tumultuado pelas sucessivas tentativas de se formar um gabinete, representou uma época de
manobras políticas para recuperar a plenitude dos poderes presidenciais123.

Procurou conquistar a confiança dos grupos conservadores e dos militares, revelando


princípios que pudessem ser identificados como anticomunistas e comprometidos com o
processo democrático. Mas, ao mesmo tempo, manobrava para garantir-se com a esquerda
através de programas tipo reformas de base, etc. Esse seu jogo com a esquerda revelou-se
perigoso, ante a multiplicidade de interesses e pressões que as lideranças deste grupo
(fracionado em inúmeros subgrupos) procuraram impor a seu governo124.

121
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 94.
122
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: jurisprudência, legislação, doutrina e
prática. p. 54.
123
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 94..
124
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
47

Com a cooperação dos governadores dos estados de Minas Gerais, São Paulo,
Guanabara e Rio Grande do Sul, as Forças Armadas depuseram o presidente Goulart, aos 31
de março de 1964.

O Congresso Nacional no dia 2 de abril declarou a vacância da presidência da


República, assumindo-a o presidente da Câmara Ranieri Mazzilli. Em 9 de abril, o Alto
Comando Revolucionário, composto dos novos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica,
o General Costa e Silva, o Vice-Almirante Augusto Rademaker Grunewaid e o Tenente-
Brigadeiro Correia de Melo, editaram o Ato Institucional Número 1, redigido por Francisco
Campos125.

De acordo com o Ato, o Congresso Nacional elegia para presidência da República o


chefe do Estado-Maior do Exército, o General Humberto de Alencar Castelo Branco, que
tomou posse em 15 de abril de 1964.

O golpe militar de 1964 foi desfechado para evitar a suposta ameaça comunista, e em
defesa de uma pseudo-democracia e pseudo-liberdade. Com ele, iniciavam-se os vinte e um
anos do chamado regime militar, marcado pelas restrições aos direitos e garantias individuais,
pela extinção dos antigos partidos políticos e pela violência, típica dos regimes ditatoriais126.

Procurando descaracterizar-se como um Estado de exceção, a nova ordem, dita


revolucionária, manteve algumas instituições democráticas:

O Congresso Nacional, tolhido em suas prerrogativas se tornaria um dócil


homologador das decisões dos governos militares, e as eleições, em todos os
níveis se processariam dentro das variadas regras e restrições, que se
estabeleceriam a partir de 1964.

De outro lado, o regime autoritário buscou sua legitimação através de uma legislação
de exceção, ou seja, através dos atos institucionais (que estão acima da Carta Magna) e da
Constituição de 1967, mais tarde modificada pela Emenda Constitucional de 1969.

125
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
126
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
48

O novo regime tinha um dos seus mais importantes fundamentos na doutrina de


segurança nacional, fortemente influenciada pela conjuntura da guerra fria e pela crise do
populismo127.

Segundo essa doutrina, que substituía o conceito de defesa nacional pelo de segurança
nacional, era preciso combater os comunistas e outras forças “subversivas” que se infiltravam
em todos os setores da comunidade brasileira, visando desestabilizar o governo, as
autoridades e as instituições nacionais128.

Para isso deu-se início à planificação global do País, visando à superação dos
problemas de natureza social, política e econômica, instrumentalizados pelas forças do
comunismo. Foram criadas novas políticas, abrangendo todas as atividades nacionais,
destacando-se, entre elas, a política econômica, cujo objetivo maior era o desenvolvimento
econômico e a integração nacional centralizada, associadas ao capital estrangeiro129.

A Lei de segurança nacional, em vigor a partir de 29 de setembro de 1969,


transformava todo o cidadão em responsável pela segurança do país. A referida lei previa a
prisão de grevistas; a apreensão de edições inteiras de jornais e revistas; a censura plena; a
punição para quem desrespeitasse as autoridades do governo ou distribuísse propaganda
“subversiva”, e muitas outras medidas de caráter repressivo130.

3.3 A REABERTURA DEMOCRÁTICA E A NOVA CONFIGURAÇÃO POLÍTICO-


ELEITORAL DO PAÍS

Considerado o presidente da abertura, o general João Baptista de Oliveira Figueiredo


foi eleito pelo Colégio Eleitoral em 1979, frustrando dois outros candidatos sem nenhuma
chance de vitória: o Senador Magalhães Pinto e o General Euler Bentes Monteiro131.

Pela primeira vez, um candidato do chamado Ciclo Revolucionário percorreu o País


inteiro antes de tomar posse no Planalto. Como homem da Revolução de 1964, Figueiredo
sempre esteve ligado a seu predecessor, o General Geisel, tendo ainda sido chefe do Gabinete
127
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 94.
128
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 94.
129
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 55.
130
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 55.
131
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 94.
49

Militar do presidente Geisel, tendo ainda sido chefe do Gabinete Militar do presidente Médici
e chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI)132.

O novo presidente aproveitou ex-ministros dos quatro governos pós-64, atraiu técnicos
e aceitou algumas indicações políticas. A seu Ministro do planejamento, Antônio Delfim
Neto, coube pôr em prática um programa de governo que previa a contenção das despesas, a
descentralização administrativa, a diminuição da inflação, a privatização de empresas e
serviços estatais e a concessão de prioridade à agricultura e às exportações133.

No âmbito da política interna, Figueiredo assinou, em 27 de junho de 1979, o projeto


de anistia que seria enviado para a aprovação do Congresso, sem, no entanto, beneficiar os
terroristas e tampouco devolvendo aos funcionários e militares cassados os cargos e patentes
perdidos134.

Em novembro do mesmo ano, a reforma partidária extinguiu o bipartidarismo do País,


possibilitando a formação de novas agremiações político-partidárias. Conseqüentemente, uma
nova ordem política começou a se delinear através do surgimento do PDS (Partido
Democrático Scoial), composto pela maioria dos antigos arenistas), PMDB (Partido do
Movimento Democrático Brasileiro, que manteve seu caráter de frente oposicionista criado
em 1965, quando da fundação do antigo MDB), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro,
organizado pelo ex-governador Leonel Brizola, mas que acabou passando para o controle da
ex-deputada Ivete Vargas, o que levou Brizola a criar o PDT – Partido Democrático
Trabalhista) e PT (Partido dos Trabalhadores, liderado por muito tempo pelo metalúrgico Luiz
Inácio Lula da Silva). Com as eleições diretas para os governos estaduais, em 1982, o mapa
político do País foi profundamente alterado. A oposição elegeu 10 dos 22 governadores (entre
eles, os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e a maioria da Câmara dos
Deputados135.

132
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
133
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
134
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 98.
135
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 98.
50

A partir de 1983, a sociedade civil participou ativamente do movimento das Diretas Já.
No ano seguinte, a Emenda Dante de Oliveira, que propunha o restabelecimento das eleições
diretas para presidente da República, foi derrotada no Congresso Nacional136.

Nesse mesmo ano, as oposições decidiram enfrentar o regime militar nas eleições do
Colégio Militar, valendo-se da cisão dentro do PDS que deu origem ao PFL (Partido da Frente
Liberal). A aliança do PMDB e PFL resultou na Aliança Democrática, que lançou a chapa
Tancredo Neves – José Sarney137.

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves, candidato das oposições, derrotou Paulo


Maluf, o candidato do governo, dentro do próprio Colégio Eleitoral. Eleito presidente da
República, Tancredo Neves não chegou a tomar posse, vindo a falecer em 21 de abril de
1985138.

A partir de 1985 o Brasil passa a viver um momento da sua História conhecido como
Nova República. Com a redemocratização, as liberdades, direitos e garantias individuais
foram restabelecidas, e uma nova Constituição assegurou várias conquistas sociais.

A nova Constituição brasileira foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Manteve a


forma republicana do governo, o sistema presidencialista, a divisão harmônica dos três
poderes e ampliou o mandato presidencial para 5 anos.

Além disso, apresentou importantes inovações. O voto universal, secreto e obrigatório


para ambos os sexos, dos 18 aos 70 anos, tornou-se facultativo entre os 16 e os 18 anos, bem
como para analfabetos139.

No plano eleitoral, foram estabelecidas as eleições diretas em dois turnos para


presidente da República, governadores dos estados e prefeitos das cidades com mais de 200
mil eleitores140.

136
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
137
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
138
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 98.
139
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 54.
140
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 98.
51

No terreno social garantiu-se a livre criação de sindicatos, a ampliação do direito de


greve, a ampliação da licença-gestante para 120 dias e as férias remuneradas com acréscimo
de 1/3 sobre o salário.

3.4 O DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO – CONCEITO

Fez-se necessária essa introdução histórica para falarmos sobre o tema objeto deste
capítulo, o Direito Eleitoral contemporâneo brasileiro. Não existe democracia plena se não
existir um processo eleitoral legítimo e justo, capaz de regular o “jogo” político de maneira a
proporcionar a escolha transparente o mais ilibada possível dos agentes públicos que terão por
atribuição administrar a coisa pública141.

Tão importante quanto o conhecimento do contexto histórico que culminou com a


configuração eleitoral contemporânea é entender o que é o Direito Eleitoral e, antes dele, a
definição da própria Democracia. No dizer de Carlos Mendes:

[...] o termo democracia tem, nesse contexto, conteúdo procedimental e


preordena-se à resposta de questões fundamentais como, por exemplo, quem
e como deve ser exercido o poder político ou quem e como deve governar.
Assim posto o assunto, a locução democracia assume feição procedimental,
identificando-se com noção própria que a distingue dos demais sentidos: a
democracia política142.

Nessa acepção, Democracia política, como princípio estrutural do Estado


Democrático, assenta-se na forma de governo segundo a qual o poder político ou a soberania
é exercida pelo povo e não por uma pessoa ou um grupo específico e determinado143.

Dessa maneira, o exercício da soberania popular se faz de acordo com as “regras do


jogo”, para usar a expressão cunhada por Bobbio, permitindo ampla e segura participação da
maioria dos cidadãos nas decisões políticas144.

O conceito de Democracia sob o prisma procedimental encerra concepção dinâmico-


formal, compreendendo todos os Estados Democráticos contemporâneos e consiste:

141
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 98.
142
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 135.
143
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral: Jurisprudência, Legislação, Doutrina e
Prática. p. 56.
144
SILVA, Francisco Alves da; COSTA, Hernani Maia. História integrada: Brasil e América I. p. 98.
52

[...] num conjunto de regras por meio das quais a vontade popular participa e
intervém direta ou indiretamente na formação do Estado, na determinação de
suas finalidades, na amplitude da distribuição das funções públicas, na
escolha dos agentes e na criação e aplicação do direito positivo145.

A rigor, segundo a elaboração teórica de Francisco Berlín Valenzuela, a democracia é


uma concepção de convivência racional sob uma ordem jurídica, caracterizada pela igualdade,
liberdade e solidariedade, emergindo como resultado do consentimento e participação do
Povo, que, por meio de procedimentos idôneos, confirmam a identidade de fins entre
governantes e governados146.

O processo eleitoral, regulado pelo Direito Eleitoral é um instrumento efetivador da


Democracia. Uma de suas funções é a promoção da equidade na disputa pela titularidade do
poder estatal.

Numa democracia verdadeira, todos os cidadãos, no pleno gozo dos seus direitos
políticos, podem ser atores do processo eleitoral, respeitados os critérios de elegibilidade.
Quem definirá as regras do processo eleitoral é, originalmente, o Poder Legislativo, com a
criação de normas específicas que terão por afã organizar e regulamentar o processo de
escolha dos representantes do povo147.

O estudo desse conjunto de normas e regulamentações que regem o processo eleitoral


é denominado de Direito Eleitoral.

Dentre os vários autores que apresentam cada qual a sua própria definição, destaca-se
a de Fávila Ribeiro ao ensinar que o Direito Eleitoral:

[...] dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e


disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo que se
estabeleça a precisa equação entre a vontade do povo e a atividade
governamental148.

Igualmente relevante é a lição de Elcias da Costa que explica ser o Direito Eleitoral:

[...] um sistema de normas de direito público que regulam, primordialmente,


os deveres do cidadão de participar na formação do governo constitucional e,
secundariamente, os direitos políticos correlatos àquele dever, tanto os que

145
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 16-17.
146
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 16-17.
147
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 16-17.
148
RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 12.
53

são pressupostos como os que são conseqüentes ao adimplemento daquele


dever149.

Pinto Ferreira, de sua vez, conceitua o Direito Eleitoral como “um conjunto
sistemático de normas de direito público regulando no regime representativo moderno a
participação do povo na formação do governo constitucional150”

Sem desprezar o que já se resgatou dos diversos autores citados, pode-se definir o
Direito Eleitoral como o ramo do Direito Público interno (pois trata de interesses de ordem
coletiva) que regula os direitos e os deveres do cidadão no tocante aos institutos da
representação política e o processo eleitoral pelo qual se constrói o governo constitucional151.

O processo eleitoral de construção desse governo constitucional envolve uma


dinâmica de grande complexidade. A criação e funcionamento dos partidos políticos, a
regulamentação das propagandas eleitorais, os registros de candidaturas e os critérios de
elegibilidades são alguns dos temas disciplinados pelo Direito Eleitoral.

No entendimento de Djalma Pinto:

O Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público que disciplina a criação dos


partidos, o ingresso do cidadão no corpo eleitoral para a fruição dos direitos
políticos, o registro das candidaturas, a propaganda eleitoral, o processo
eletivo e a investidura no mandato. Somente a União pode legislar sobre
Direito Eleitoral (art. 22, CF). Essa competência privativa é fundamental
para a segurança do processo de escolha dos governantes. Uma
multiplicidade de competência para disciplinamento dessa matéria acarreta
conseqüências desastrosas para o grupo social152.

Integra o Direito Eleitoral todas as normas que regulam a aquisição, o exercício e a


perda dos direitos políticos, bem como as que disciplinam a criação dos partidos políticos e o
acesso ao poder pela via do voto.

Encontram-se essas normas na CF, na Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de


1990, no CE – Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965, na Lei n. 4.410, de 24 de setembro de
1964, que instituiu prioridade para os feitos eleitorais, Lei n. 6.091, de 15 de agosto de 1974,
dispondo sobre o fornecimento gratuito de transporte, em dia de eleição, a eleitores residentes

149
COSTA, Elcias Ferreira da. Direito eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 1.
150
FERREIRA, Pinto. Comentários à lei orgânica dos partidos políticos. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 36-37.
151
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 27-28.
152
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 16.
54

nas zonas rurais; na Lei n. 6.999, de 7 de junho de 1982, autorizando a requisição de


servidores públicos pela Justiça Eleitoral, na Lei dos Partidos Políticos, n. 9.096, de 19 de
setembro de 1995, na Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, que disciplina as eleições no
Brasil, em diversas outras leis ordinárias e nas Resoluções expedidas pelo Tribunal Superior
Eleitoral, no exercício de sua competência regulamentadora153.

A Constituição é a fonte por excelência de todo o Direito positivo. Nela se projeta a


síntese dos valores e dos princípios consagrados por um país em determinado momento de sua
história. Os princípios não são inseridos na norma constitucional apenas para fins de retórica e
ilustração. Traduzem a vontade e a determinação dos cidadãos de serem conduzidos através
das diretrizes, dos paradigmas que eles expressam154.

A manifestação da vontade popular é fundamental para existência do Direito Eleitoral,


enquanto garantidor da Democracia. Embora existam diferentes modelos de Democracia, a
Carta Magna brasileira traz em seu escopo as diretrizes norteadoras da construção do Direito
Eleitoral, segundo as concepções ideológicas pátrias155.

Além disso, a Constituição de 1988 teve como um de seus principais objetivos impedir
a volta a um novo período de autoritarismo, do qual o Brasil tinha, a duras penas, se libertado
em 1985156.

É importante ressaltar que, quando da promulgação da Constituição de 1988, o país


ainda vivia sob a sombra da ausência de Democracia, pois o então presidente, José Sarney,
eleito Vice-presidente de Tancredo Neves e conduzido ao poder após a morte deste, havia
sido eleito pelo Colégio Eleitoral, num processo indireto. Somente em 1989 o Brasil voltaria a
escolher seu representante máximo por meio de eleições diretas157.

Assim, e, sobretudo por esse histórico recente e traumático, havia uma preocupação
elevada em conceber um Direito Eleitoral que garantisse plenamente a participação popular.

Partindo-se da premissa de que não há Direito Eleitoral onde não funcione a


participação popular na construção da soberania de determinado Estado, forçoso considerar

153
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. p. 16.
154
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 28.
155
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. p. 17.
156
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 29.
157
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. p. 18.
55

que o Brasil, ao adotar sistema constitucional rígido, traz na Carta Magna diretrizes de um
perfil ideológico e pragmático do modelo democrático a ser seguido.

Espelhando fielmente a expectativa dos constituintes de 1988, ávidos em sepultar


quaisquer resquícios de “ditadura”, a Constituição Federal conta com dispositivos definidores
de princípios democráticos pautados pela mistura de concepções liberais e socialistas, bem
retratando a necessidade de resgate da cidadania e de mitigação da apartação social. Não
obstante, longe de representarem uma mudança radical no sistema de acesso e participação no
poder, as bases democráticas constitucionais ficaram relegadas a papel meramente
dogmático158.

Desse modo, se pode entender que o Direito Eleitoral é o ramo da ciência jurídica que
estuda o conjunto de normas que regem o processo eleitoral de um país. Esse estudo leva em
consideração as características ideológicas do povo onde as normas estão sendo aplicadas.
Essa sintonia com os princípios ideológicos do povo é fundamental para garantir o pleno
exercício da própria Democracia. Quando o contrário existe, e sobressaem as vontades de um
grupo minoritário, então temos o lado perverso do poder estatal, pela imposição dos interesses
de uns em detrimento da maioria.

3.5 AS FONTES DO DIREITO ELEITORAL

Embora o Direito Eleitoral tenha como fontes as mesmas de outros ramos do direito,
tem também uma grande variedade além dessas. Outra característica fundamental é o fato de
se interligarem com outros ramos do direito.

Existe ainda uma subdivisão entre as fontes, podendo ser consideradas como
principais ou diretas e as secundárias ou indiretas.

O ordenamento jurídico-eleitoral rege-se estruturalmente pelas mesmas regras que


informam a organização do direito positivo, prevalecendo a norma de nível mais superior e
sempre a de natureza constitucional, a revogação de uma norma por outra superveniente de
mesma hierarquia, valendo os princípios gerais do direito como mecanismos de
interpretação159.

158
SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito eleitoral: teoria e prática. p. 21.
159
SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito eleitoral: teoria e prática. p. 21.
56

Quanto às suas fontes, essas apresentam as seguintes características:

1) são de vasta variedade; 2) vinculam-se a diversos ramos do Direito, pela


unicidade da ordem jurídica; 3) compete exclusivamente à União legislar
sobre o tema, sem possibilidade de ação supletiva das Unidades Federais e
Municípios; 4) a própria Constituição Federal orienta seu funcionamento, os
órgãos competentes e as formalidades que devem ser seguidas no
cumprimento de suas atividades160.

E podem ser elencadas da seguinte forma:

Principais ou diretas: a) O Direito Constitucional, do qual o Direito Eleitoral


se originou, sendo pois a sua principal fonte e no qual se encontram seus
princípios mais elementares; b) as leis federais (conforme art. 22, I. da
Constituição Federal de 1988); c) as resoluções do Tribunal Superior
Eleitoral (conforme art. 1º, parágrafo único do Código Eleitoral – Lei n.
4.737/65).

Secundárias ou indiretas: a) a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral


(conforme art. 23, IX, do Código Eleitoral); b) a doutrina eleitoral; c) os
estatutos dos partidos políticos (conforme a Lei n. 9.096/95); 2.4) as leis
ordinárias pertinentes (Código Penal, Código de Processo Penal, Código
Civil e Código de Processo Civil)161.

A doutrina é uma importante fonte do Direito Eleitoral, na medida em que tem a


função de orientar na interpretação da fria norma. O Direito, como um todo, é uma ciência de
alta complexidade e mutabilidade. Ainda que as normas possam permanecer as mesmas
durante décadas, a interpretação dessas deve se coadunar com a realidade vigente na
sociedade de cada época. Nesse sentido, é a doutrina uma importante “bússola”, capaz de
apontar o norte da interpretação adequadamente a cada momento histórico162.

Outra importante fonte é jurisprudência. Talvez em nenhum outro ramo do Direito a


jurisprudência seja tão importante como no Direito Eleitoral. Alguns autores, inclusive,
entendem que, diferentemente de outros ramos, no Direito Eleitoral brasileiro prevalece o
sistema do Common Law. A própria Democracia brasileira, no seu sentido mais amplo, é uma

160
SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito eleitoral: teoria e prática. p. 21.
161
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 36-37.
162
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 36-37.
57

prática que pode ser considerada nova, com regras ainda em acelerado processo de
construção163.

Dentre as fontes do Direito Eleitoral destacam-se a lei, os Princípios de Direito, as


resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, a doutrina e a jurisprudência. A doutrina é fonte do
Direito Eleitoral na medida em que esclarece o conceito dos institutos jurídicos por ele
utilizados, auxiliando na interpretação dos comandos legais, propondo, enfim, solução para as
situações intrincadas que a generalidade e abstração da norma não permitiram detalhar em seu
disciplinamento.

Por outro lado, em nenhum outro ramo do Direito brasileiro, como lembra o jurista
Aroldo Mota, a jurisprudência se mostra tão relevante como no Eleitoral. Não é exagero
afirmar-se que nele prevalece o sistema Common Law, em que o precedente vincula o
julgador como se fora norma para caso concreto. Embora sem regra formal expressa, sem
norma que o determine, na prática, o efeito vinculante das decisões do TSE é uma realidade
no âmbito da Justiça Eleitoral.

A lei se pode dizer sem exagero, é produzida no TSE, onde são elaborados os leading
164
cases seguidos pacificamente por juízes e pelos Tribunais Regionais Eleitorais. É frequente
ouvir-se de integrante dos Tribunais Eleitorais a ponderação de que, embora convencido da
posição defendida em determinado voto, é inútil mantê-la diante da certeza da reforma da
decisão pela Corte Superior e do desconforto gerado na mídia pela notícia da retificação165.

O legislador constrói as leis de acordo com os valores sociais vigentes na sociedade


em uma determinada época. Todavia, invariavelmente esse processo de criação leva em
consideração a realidade momentânea. É a ciência que iluminará essas normas em
conformidade com as transformações sociais ao longo do tempo. A interpretação científica
transforma permite a aplicação da fria norma à realidade de cada época166.

163
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 36-37.
164
Denomina-se Leading Case “uma decisão que tenha constituído em regra importante , em torno da qual outras
gravitam” que “cria o procedente, com força obrigatória para casos futuros. SOARES, Guido Fernandes Silva.
Common law: introdução ao direito do EUA. 1° ed. Revista dos Tribunais, RT, 199, p. 40-42. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5363. Acesso em 17 de agosto de 2009.
165
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. p. 20.
166
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 36-37.
58

Com as regras expressas subsistem as regras latentes, germens fecundos que o


legislador, formulando o pensamento e a necessidade de seu tempo, depositou no texto da lei,
sem uma consciência clara do assunto. A ciência e a prática arrancam aquelas regras dos veios
em que permanecem ocultas, dando-lhes uma precisão luminosa, as reduzem a máximas
definidas. Ainda mais a combinação dos diversos elementos fornecidos pelos textos permite à
ciência a formação de novas noções e de novas regras167.

As fontes do direito, como se disse anteriormente, são vetores norteadores para a


interpretação da norma crua. O legislador absorve os anseios da sociedade e os tipos de
relações sociais que carecem de regulamentação, transformando esses anseios em normas
positivas.

Todavia, ainda que mudem as concepções ideológicas da sociedade que germinou a


norma, ainda perdurarão as leis concebidas, devendo, para que não perca sua razão de
existência, ser interpretada à luz da ciência jurídica.

3.6 A ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL

Embora, no âmbito do Direito Eleitoral, o art. 92 da Constituição da República de


1988 tenha definido como órgão do Poder Judiciário os Tribunais e Juízes Eleitorais, deve-se
fazer uma distinção com os órgãos da Justiça Eleitoral. Primeiramente, há que se destacar que
ainda não foi instituída a magistratura de carreira no âmbito da Justiça Eleitoral. Além disso,
existe a participação de cidadãos sem formação jurídica durante todo o processo.
Exemplificativamente na formação das mesas receptoras de votos e de apuração168.

O art. 92, inc. V, da Constituição Federal define como órgãos do Poder Judiciário,
apenas e tão-só os Tribunais e Juízes Eleitorais. No entanto, a ordem constitucional não
ensejou Magistratura Eleitoral de carreira, razão pela qual não se deve confundir Órgãos do
Poder Judiciário com Órgãos da Justiça Eleitoral169.

Com efeito, o constituinte não deixou o papel administrativo e fiscalizatório do


processo eleitoral somente nas mãos de uma só classe da burocracia do Estado (Magistratura),
ou seja, tanto na composição dos tribunais quanto na conformação das mesas receptoras de

167
CÂMARA, Leal. Direito das coisas: da prescrição e da decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 117
168
CÂMARA, Leal. Direito das coisas: da prescrição e da decadência. p. 117.
169
CÂMARA, Leal. Direito das coisas: da prescrição e da decadência. p. 117.
59

votos e juntas eleitorais (apuração), a participação de cidadãos (advogados e eleitores sem


formação jurídica), no pleno gozo dos direitos políticos, dá à Justiça Eleitoral legitimidade
democrática170.

Além disso, não se olvidou das dificuldades de compreensão sistêmica da Carta


Política e de acessibilidade ao contencioso eleitoral, criando a figura do defensor do regime
democrático, o Ministério Público. Em harmonia com o disposto no art. 118 da Constituição
Federal, são órgãos da Justiça Eleitoral: “Tribunal Superior Eleitoral; Tribunais Regionais
Eleitorais; Juízes Eleitorais; Juntas Eleitorais171”.

Desde a Constituição de 1946, a organização da Justiça Eleitoral vem se mantendo a


mesma. Embora politicamente o Brasil tenha sofrido profundas mudanças ao longo dos anos,
e que essas mudanças alteraram profundamente a configuração dos poderes, não provocaram
mudanças significativas na formação e estrutura da Justiça Eleitoral.

Desde a Constituição de 1946 que os órgãos colegiados da Justiça Eleitoral têm-se


mantido os mesmos e com a mesma composição:

Tribunal Superior Eleitoral – TSE – 7 Ministros; Tribunais Regionais


Eleitorais – TREs – 7 Juízes; Juntas Eleitorais – 3 a 5 membros. Os
sucessivos textos constitucionais, a partir de então, dispuseram sobre os
órgãos da Justiça Eleitoral, sua composição, modo de investidura, seus juízes
e sua competência básica.

A Constituição Federal/ 46 regulou a matéria nos arts. 109 a 121. A Constituição


Federal / 67, nos arts. 123 a 140. A CF / 69, nos arts. 130 a 140, e a Constituição Federal / 88,
nos arts. 118 a 121.

Embora a Constituição de 1988 preveja a competência básica dos Tribunais Eleitorais,


quanto aos Juízes Eleitorais monocráticos, que atuam perante cada Zona Eleitoral, como ainda
não foi editada a lei complementar prevista no art. 121, caput, da CF, suas atribuições são
aquelas que estão especificadas no Código Eleitoral, que foi recepcionado com status de lei
complementar.

Também as Juntas Eleitorais têm a sua composição e competência regrada no Código


Eleitoral, Lei n. 4.737 / 65. A Justiça Eleitoral no Brasil foi criada após a Revolução de 1930,

170
CÂMARA, Leal. Direito das coisas: da prescrição e da decadência. p. 117.
171
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 jul. 2009.
60

através do Decreto n. 21.076, de 24/02/32 (1º Código Eleitoral) e incorporada à Constituição


de 1934. Contudo, foi extinta no período ditatorial de 1937 a 1945, sendo revigorada através
do Decreto n. 7.586, de 28/05/45 e, a partir daí, sempre agasalhada nos textos constitucionais,
a partir da Constituição Federal / 46172.

O caput do art. 121 da Constituição de 1988 declara que: “Lei complementar disporá
sobre a organização e competência dos Tribunais, dos juízes de direito e das juntas
eleitorais173”.

Conforme visto, embora não tenha sido elaborada e Lei Complementar prevista pelo
art. 121 da Constituição, o Código Eleitoral acabou sendo recepcionado com status de Lei
Complementar.

Outra atribuição da esperada Lei Complementar é a fixação da competência dos


tribunais e juízes eleitorais. Assim qualquer alteração que porventura tenha que ser feita no
Código Eleitoral, deverá ser procedida por meio de Lei Complementar174.

A norma constitucional confere atribuição à lei complementar para a fixação da


competência dos tribunais e juízes eleitorais.

Quando foi editado o Código Eleitoral - Lei n. 4.737/65, estava em vigor a


Constituição Federal/1946, que estabelecia ser tarefa da lei ordinária dispor sobre a
competência dos tribunais e juízes eleitorais (art. 119).

Posteriormente, a Constituição Federal/1967, art. 130 e a Constituição Federal/1969,


art. 137, repetiram a mesma regra, exigindo que referida competência fosse fixada por lei
ordinária. Como a nova regra, da Constituição Federal/1988, art. 121, é da fixação da
competência dos tribunais e juízes eleitorais por lei complementar, as alterações que tiveram
de ser feitas no Código Eleitoral somente poderão ser editadas por lei complementar175.

172
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 47.
173
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 jul. 2009.
174
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 47.
175
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 47.
61

É constitucional, por exemplo, o acréscimo procedido pela LC 86/96 (DOU 15.5.1996,


p. 8367), que deu competência ao TSE para o julgamento de ação rescisória nos casos de
inelegibilidade (Código Eleitoral 22, I, “j”)176.

Cândido, também discorre sobre o fato de que a Justiça Eleitoral, no concernente à sua
estrutura e organização continua a mesma desde 1946:

Desde a Constituição de 1946 que os órgãos colegiados da Justiça Eleitoral


têm-se mantido os mesmos e com a mesma composição: Tribunal Superior
Eleitoral – TSE – 7 ministros; Tribunais Regionais Eleitorais – TRE – 7
juízes; Juntas Eleitorais – 3 a 5 membros177.

Os sucessivos textos constitucionais, a partir de então, dispuseram, invariavelmente,


sobre os órgãos da Justiça Eleitoral, suas composições, modo de investidura de seus membros
e sobre sua competência básica. Assim: Constituição de 1946 – arts. 109 a 121; Constituição
de 1967 – arts. 123 a 140; Constituição de 1969 – arts. 130 a 140; Constituição de 1988 – arts.
118 a 121178.

Relativamente às juntas e aos juízes eleitorais, a composição e competência sempre


ficaram delegadas à lei infraconstitucional e delas se sucumbiram os sucessivos códigos
eleitorais179.

É importante ressaltar que o fato de a Justiça Eleitoral não possuir quadro próprio de
magistratura, não diminui em nada a eficácia de seu trabalho. Essa configuração cria uma
blindagem contra as paixões que a política provoca nos homens180.

As verdadeiras guerras travadas entre os partidos políticos, não raras vezes, acabam
por atingir os magistrados que, porventura, precisam tomar decisões contrárias aos interesses
de um ou de outro grupo.

O sistema vigente na Justiça Eleitoral prevê a renovação obrigatória de mandatos após


o decurso do segundo biênio para todos os juízes integrantes dos Tribunais Eleitorais181.

176
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 327.
177
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. Bauru: Edipro, 2003. p. 39.
178
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 39.
179
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 39.
180
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 39.
181
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 48.
62

Esse sistema fortalece o caráter de imparcialidade necessário em todas as esferas do


Poder Judiciário, ainda mais no âmbito da Justiça Eleitoral, quando o papel do Judiciário está
em garantir a idoneidade do processo de escolha dos governantes e representantes do povo
junto às instituições de Poder182.

Outra característica da Justiça Eleitoral é a configuração da formação das Juntas


Eleitorais, as quais atuam de forma colegiada durante a apuração dos votos e diplomação dos
eleitos.

Outro aspecto peculiar da Justiça Eleitoral é a composição eventualmente colegiada


que assumem os órgãos da 1.º instância na fase de apuração dos votos à diplomação dos
eleitos através das Juntas Eleitorais183.

As Juntas Eleitorais funcionam presididas por um juiz de direito e mais dois ou quatro
membros leigos, dentre os eleitores das Zonas, designados pelo TRE de cada Estado,
mediante indicação dos respectivos juízes de direito (arts. 36 a 41 do Código Eleitoral).

Nas demais atividades, os juízes eleitorais funcionam singularmente, processando e


julgando os crimes eleitorais, conhecendo e decidindo o habeas corpus, os mandados de
segurança, dirigindo o alistamento eleitoral, localizando as seções eleitorais e nomeando os
respectivos mesários e apreciando as reclamações que sobre essas sejam interpostas, enfim,
praticando todos os atos decisórios que processual ou administrativamente lhes sejam
cometidos pelo Código Eleitoral. A competência dos Juízes Eleitorais monocráticos está
regrada no art. 35 do Código Eleitoral184.

Assim, conforme se observou, essas funções são executadas por juízes de direito que
são designados para exercer o mandato de modo periódico. Não há vinculação por parte do
magistrado à Justiça Eleitoral, na qual se integra com prazo de duração pré-determinado.

A Justiça Eleitoral não dispõe de quadro próprio de magistrados. Os magistrados que


compõem a Justiça Eleitoral vêm de outros setores do Judiciário e possuem mandatos
periódicos.

Na Justiça Eleitoral, o princípio da temporariedade é extensivo a todos os seus


membros, o que equivale a dizer que nenhum magistrado tem vinculação permanente na

182
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 48.
183
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 48.
184
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 48-49.
63

Justiça Eleitoral, integrando-a sempre por prazo determinado, portanto, com maior amplitude
do que na Justiça Militar e na Justiça do Trabalho, onde a renovação era parcial, aplicada
apenas aos vogais, sendo excluídos os magistrados togados185.

Aliás, muito se tem propagado para que seja a Justiça Eleitoral dotada de seus próprios
juízes. Contudo, não é esse o entendimento majoritário, tendo em vista que a rotatividade dos
membros da Justiça Eleitoral é recomendada como eficiente esquematização institucional e
deve ser ela conservada, como medida de sabedoria política186.

É importante ainda ressaltar que o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais


Eleitorais, bem como as Juntas Eleitorais são órgãos colegiados da Justiça Eleitoral. Não são
integrantes do Poder Judiciário, mas possuem função jurisdicional excepcional.

A jurisdição eleitoral em primeiro grau se dá perante as Zonas Eleitorais, a qual é


exercida pelos juízes de direito designados para a função187.

As atribuições dos juízes eleitorais se dividem em administrativas e jurisdicionais. As


primeiras são as atividades de instalação, fiscalização, escrituração dos atos necessários à
efetivação dos direitos políticos. A segunda trata-se da apreciação na forma voluntária ou
contenciosa das demandas geradas pelos conflitos de interesses entre os candidatos ou entre
esses e a sociedade, na esfera judicial188.

185
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 48.
186
MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. p. 48
187
SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito eleitoral: teoria e prática. p. 46-55.
188
SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito eleitoral: teoria e prática. p. 58.
64

4 A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL

4.1 CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE E CAUSAS DE INELEGIBILIDADES

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral é uma das funções jurisdicionais da Justiça


Eleitoral, que visa garantir a idoneidade do processo eleitoral. Antes de entrar nesse tema
propriamente dito, é importante que se conheça as condições impostas pela legislação eleitoral
pátria vigente para que o cidadão tenha o direito de disputar uma eleição. A essas da-se o
nome de Condições de Elegibilidade189.

Paralelamente, existem as Causas de Inelegibilidade, que são fatores quem impedem


legalmente que o indivíduo possa ser eleito para o exercício de um cargo público.

Elegibilidade tem um significado positivo. Denota o direito público


subjetivo de ser votado. Evidentemente, a elegibilidade tem a forma e o
conteúdo que lhe empresta o direito, posto que constrói as hipóteses ou
estabelece os requisitos indispensáveis à caracterização do “ius honorum”190.

No Brasil, a Elegibilidade é matéria constitucionalizada. Porém, o legislador ordinário


federal poderá dispor acerca das condições de exercício da Elegibilidade sem, contudo,
desnaturar esse direito público subjetivo. Portanto, o direito de ser votado emerge de preceitos
constitucionais cujo conteúdo normativo permite a integração de lei ordinária federal com
fulcro no art. 14, Parágrafo 3º e no art. 22, I, da Constituição Federal de 1988, combinados191.

Dessa maneira, o assunto submete-se ao princípio da legalidade e o legislador


ordinário federal não poderá desbordar dos lindes que lhe são impostos pelos preceitos e
princípios constitucionais. Consequentemente, a lei ordinária federal irá regulamentar,
integrar ou desenvolver as condições de exercício da elegibilidade192.

189
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 101.
190
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 101.
191
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 101.
192
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 101.
65

Todavia, não poderá criar outras hipóteses além daquelas constantes de preceitos
constitucionais e sequer restringi-los excessivamente, negando-lhes o conteúdo normativo193.

Ainda segundo Mendes194, Elegibilidade significa “o direito de ser votado. O elegível


é aquele cidadão que está apto a ser votado e poderá assumir seu cargo, caso seja eleito”.

A elegibilidade é uma possibilidade jurídica de ser votado e eleito. O individuo deve


reunir uma série de condições previstas na legislação eleitoral que possibilitarão sua
participação, se assim desejar, no processo eleitoral. Note-se que um indivíduo pode possuir
todas as condições de elegibilidade sem necessariamente participar do processo eleitoral195.

Conforme será visto adiante, as condições de elegibilidades devem existir


cumulativamente. Ou seja, para que o cidadão seja considerável elegível, não basta somente
estar em gozo de seus direitos políticos. É preciso, também, ser eleitor, ter idade mínima para
ocupar o cargo para o qual está se candidatando, possuir domicílio eleitoral de onde pretende
ser eleito como representante e filiação partidária.

Para que uma pessoa possa se candidatar a um mandato eletivo, exercendo sua
capacidade eleitoral passiva, não basta que ela esteja no pleno gozo de seus direitos políticos,
ou usufruindo o direito de ser votado (ius honorum).

É preciso que ela implemente uma série de outros requisitos, indicados pela lei, e que
são uniformes para todos os candidatos. Mais do que isso, é preciso que o cabal atendimento a
esses requisitos se dê dentro dos prazos fixados também pela lei, ou por resoluções do
Tribunal Superior Eleitoral. A esse conjunto de exigências a serem satisfeitas pelos candidatos
denominamos “condições de elegibilidade196”.

A capacidade eleitoral ativa (ius suffragii) pertence ao eleitor que estiver devidamente
cadastrado na Justiça Eleitoral e também no gozo dos direitos políticos. As condições de
Elegibilidade estão previstas na Constituição Federal (art. 14, Parágrafo 3º, CF)197.

Nada impede, porém, que a lei complementar contenha elenco de condições de


elegibilidade a serem atendidas pelos candidatos. As inelegibilidades não se confundem com

193
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 101.
194
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 102.
195
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 102.
196
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 102.
197
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 102.
66

as condições de elegibilidade, embora também possam constar ou da própria Constituição


Federal, ou da lei complementar, exclusivamente.

A lei complementar pode criar várias outras condições de Elegibilidade, estejam ou


não previstas na Constituição Federal. Poderá, também, o legislador ordinário, dispensar o
cumprimento de condições que entenda não ser mais importantes, desde que estas não sejam
exigidas pela Carta Magna198.

Ainda nos ensinamentos de Cândido199, uma vez que não são preenchidos os requisitos
de Elegibilidade o pedido de registro de candidatura deve ser indeferido, impossibilitando que
o pretenso candidato concorra naquele pleito.

Portanto, se considera que para as eleições em que foi indeferido o pedido de registro
de candidatura, o candidato está inelegível. Todavia, se nas eleições seguintes, o mesmo
candidato preencher todas as condições de elegibilidade, poderá concorrer normalmente.

Nesse sentido de impedir que o indivíduo possa concorrer no pleito, as condições de


elegibilidade se aproximam significativamente das causas de Inelegibilidade. Todavia, esta
última enquanto conceito pode ser considerado o oposto da Elegibilidade. A Inelegibilidade é
a inaptidão, por parte do indivíduo para ser eleito200.

O significado literal de Inelegibilidade pode ser tomado pelo seu antônimo que é a
Elegibilidade. Esta é a aptidão de ser eleito por reunir as condições jurídicas exigidas.
Portanto, Inelegibilidade é a inaptidão de ser eleito, isto é, não possuir as condições de
Elegibilidade. Entretanto, a interpretação literal implica equívocos conceituais que
desnaturam esse instituto jurídico.

A rigor, inelegibilidade não traduz a ausência do “ius honorum”. Não se encarta, pois,
no campo do reconhecimento pela ordem jurídica do direito público subjetivo de ser votado.
A conseqüência material é idêntica: a impossibilidade de da apresentação da candidatura ao
eleitorado201.

198
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 83-84.
199
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 84.
200
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 84.
201
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 84.
67

Elegibilidade e Inelegibilidade, porém, são institutos jurídicos distintos e não podem


ser tomados, segundo o significado literal, como o verso e o reverso da mesma realidade
normativa.

A Elegibilidade pressupõe a implementação das condições de outorga do direito


público subjetivo de ser votado. A Inelegibilidade configura a existência de proibição que
impossibilita a candidatura. A Inelegibilidade visa à garantia da liberdade de Voto. A
Elegibilidade tem como finalidade obter o voto livre. Com efeito, a Inelegibilidade está para o
Voto assim como a incompatibilidade está para o mandato202.

Esta assegura o correto exercício do mandato eletivo e aquela proíbe pressão indébita
contra o eleitorado. São conceitos de relação entre normas e situações jurídicas e dependem,
para sua adequada compreensão, dos pressupostos e das conseqüências decorrentes da
“injuridicidade”. Nesse sentido, a Inelegibilidade traduz hipótese de impedimento do
exercício do “ius honorum” e a incompatibilidade o pressuposto de perda do mandato
eletivo203.

O instituto da Inelegibilidade não é a única garantia estabelecida pela ordem jurídica


para preservar a idoneidade do processo eleitoral. Junto com as causas de Inelegibilidades,
existe a lei penal e as normas jurídicas eleitorais.

Adiante, será estudado mais a fundo a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, que é
um desses instrumentos utilizados para proteger a lisura e legitimidade das eleições.

A Inelegibilidade se distingue das condições de Elegibilidade por ser circunstância


negativa que impede a candidatura do indivíduo204.

A evocação da Inelegibilidade pode ser feita por meio de impugnação, de ofício pelo
Juiz Eleitoral, ou a pedido de um dos legitimados.

A inelegibilidade é circunstância negativa na vida do candidato e que o


impede de concorrer; é uma restrição parcial aos direitos políticos da pessoa,
inviabilizando exerça ela a sua capacidade eleitoral passiva, ou o direito de
ser votado. O candidato não pode ter uma inelegibilidade sequer em sua vida
para que possa se candidatar. As condições de elegibilidade, ao contrário,

202
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 84.
203
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 108-109.
204
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 108-109
68

são atributo positivo na vida do candidato. Elas devem ser totalmente


preenchidas para que ele possa concorrer205.

Assim, a arguição de uma Inelegibilidade ou a alegação do não-preenchimento de uma


condição de Elegibilidade, em relação a um candidato, pode ser feita através de impugnação,
de ofício ou a pedido dos legitimados. O próprio juiz ou tribunal, em primeiro lugar, poderá
declarar uma Inelegibilidade ou alegar a falta de cumprimento de uma condição de
Elegibilidade pelo candidato. E poderá fazê-lo quer tenha havido, ou não, impugnação ao
pedido de registro do candidato206.

O questionamento de ofício pode se dar de duas formas:

a) de forma absoluta, quando a falta de preenchimento da condição é


irreversível, não sendo mais possível atendê-la; nesse caso, indeferirá o
pedido de registro de candidatura;

b) de forma relativa, ou seja, quando a condição de elegibilidade não


cumprida, ou não provada, pode ser ainda resolvida; nesse caso, baixará o
processo em diligência para que o interessado resolva o problema, no prazo
que determinar207.

As condições de Elegibilidade e Inelegibilidade são de duas naturezas distintas: podem


ser constitucionais ou legais. Essa natureza interfere diretamente no prazo de sua arguição.

A arguição de uma inelegibilidade, ou a impugnação a uma condição de elegibilidade


legal não-preenchida pelo candidato, só pode ser feita no prazo a que se refere o art. 3.º,
caput, da Lei das inelegibilidades. Fora dessa oportunidade, opera-se a preclusão e não há
mais oportunidade para a argüição.

Porém, a condição de elegibilidade constitucional – e não a legal – pode ser


questionada tanto nesse prazo do art. 3.º, como em momento processual superveniente, tal
como, em ser de RCD. Vale dizer, perdida uma oportunidade, em outra, subsequente, pode-se
ainda arguir condição de Elegibilidade ou Inelegibilidade de ordem constitucional.

É constitucional a Inelegibilidade ou a condição de Elegibilidade que estiver prevista


diretamente no texto da Constituição Federal, como as dos art. 14, Parágrafo 4º a 7º e as do

205
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 108-109
206
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. p. 109.
207
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 85-86.
69

art. 14, Parágrafo 3º. “São legais as inelegibilidades ou condições de elegibilidade que estão
previstas no texto da lei complementar de regência208”.

É relevante ressaltar que não deve existir confusão entre as condições de Elegibilidade
e as condições para que o candidato seja diplomado e nem as condições para a posse. As
primeiras são requisitos que precisam necessariamente ser preenchidos previamente, de modo
a possibilitar que o registro da candidatura seja aceito209.

Já a diplomação, poderá ser concedida ao candidato que for eleito com a votação
necessária para tal, segundo as regras estabelecidas pela norma eleitoral vigente. Poderão
tomar posso aqueles candidatos que tenham recebido diplomação válida e que tenham sido
respeitadas as regras do art. 54 da Constituição Federal210.

As condições de Elegibilidades estão previstas no Parágrafo 3º do Art.14 da


Constituição da República, elencando como condições a nacionalidade brasileira, o pleno
exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição,
a filiação partidária e a idade mínima para o exercício de cada mandato eletivo211.

O Parágrafo 3º, do art. 14 da Constituição Federal, traz um rol de fatos, cuja presença
é necessária para que alguém possa ser candidato a mandato eletivo.

É a seguinte a redação daquele parágrafo:

Art. 14. [...].

Parágrafo 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: I – a


nacionalidade brasileira; II – o pleno exercício dos direitos políticos; III – o
alistamento eleitoral; IV – o domicílio eleitoral na circunscrição; V – a
filiação partidária; VI a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para
Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b) trinta anos para
Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte e
um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito,
Vice-Prefeito e Juiz de Paz; d) dezoito anos para Vereador.”.

208
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 jul. 2009.
209
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 86.
210
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 86.
211
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 86.
70

Já o Parágrafo 4º, do mesmo artigo da Constituição Federal, considera também


inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. Existem ainda condições de Elegibilidade
peculiares aos militares, previstas pelo Parágrafo 8º, do art. 14 da Constituição Federal212.

Por fim, algo ainda haverá de ser dito especificamente sobre os membros do Poder
Judiciário e do Ministério Público. Tudo isso será desenvolvido adiante, na análise específica
de cada uma das condições de Elegibilidade, e bem assim nas observações acerca das causas
de Inelegibilidade, previstas atualmente na Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990,
editada em obediência ao disposto no Parágrafo 9º, do mesmo artigo da Constituição213.

Desse modo, as condições de Elegibilidade são requisitos que devem ser preenchidos
pelo candidato, tornando legalmente possível o registro de sua candidatura. Sem o
preenchimento dessas condições, não há como levar adiante a candidatura que esbarra em
limitações normativas214.

Para melhor compreender o que seriam as condições de Elegibilidade, é pertinente se


fazer uma comparação com a capacidade que o indivíduo tem de se alistar como eleitor.
Exemplificativamente, o indivíduo que ainda não completou 16 (dezesseis) anos, ainda que
tenha o desejo de votar, não poderá fazê-lo porque não atingiu a condição de alistabilidade
relativa à idade mínima para tal.

Condições de Elegibilidade são exigências positivas para que o cidadão possa


candidatar-se. A alistabilidade está para a capacidade de ser eleitor assim como a
Elegibilidade está para a capacidade de ser eleito. Só será elegível quem preencher a todas as
condições impostas pela lei e não incidir em nenhuma das hipóteses de inelegibilidade.

Pode-se dizer, então, que as condições de Elegibilidade são pressupostos positivos, ou


seja, condições que devem estar presentes para tornar viável a candidatura, e as
Inelegibilidades são pressupostos negativos, situações que não podem estar presentes, sob
pena de obstar a candidatura. Tanto a ausência de uma das condições de Elegibilidade quanto
a presença de qualquer das Inelegibilidades obstam a candidatura, tornando o candidato
inelegível215.

212
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 86.
213
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidade. São Paulo: Dialética, 2004. p. 12.
214
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidade. p. 12.
215
ROLLO, Alberto. Elegibilidade e inelegibilidade. Caxias do Sul: Plenum, 2008. p. 43-44.
71

Na prática, o efeito da falta de condições de Elegibilidade e da existência de causas de


Inelegibilidade é o mesmo, ou seja, a impossibilidade da candidatura. Essas condições de
Elegibilidades, embora possam ser arguidas pelos outros candidatos ou pelo representante do
Ministério Público, devem ser verificadas pelos servidores da Justiça Eleitoral no momento da
apresentação do pedido de registro da candidatura216.

O resultado prático da ausência das condições de Elegibilidade e da presença das


situações de Inelegibilidade é o mesmo, qual seja a inviabilidade da candidatura.

Como adverte José Afonso da Silva citado por Rollo:

As condições de elegibilidade e as inelegibilidades variam em razão da


natureza ou tipo de mandato pleiteado. A condição básica e comum a todas
as hipóteses é a de o postulante estar no gozo dos direitos políticos (ser
eleitor), o que já envolve as condições de nacionalidade brasileira217.

A Constituição Federal enumera as condições de Elegibilidade no seu art. 14,


Parágrafo 3º218. São elas:

Art. 14 – [...] Parágrafo 3º - nacionalidade brasileira, sendo que os


candidatos a Presidente e a Vice-Presidente da República devem ser
brasileiros natos; pleno exercício dos direitos políticos; alistamento eleitoral;
domicílio eleitoral na circunscrição; filiação partidária; idade mínima de 35
anos para Presidente, Vice-Presidente da República e Senador Federal, de 30
anos para Governador e Vice-Governador, de 21 anos para Deputado
Federal, Estadual ou Distrital, Prefeito e Vice-Prefeito e 18 anos para
Vereador.

De modo geral, tanto as condições de Elegibilidade, quanto as causas de


Inelegibilidade são instrumentos que visam garantir o pleno exercício da democracia pelos
membros da sociedade.

Se por um lado, existem regras para definir quem são as pessoas que estarão aptas para
escolher os representantes da sociedade no exercício de gestão da coisa pública, por outro é
necessário, também, a existência de regras que definam aqueles que poderão concorrer a um
cargo público eletivo.

216
ROLLO, Alberto. Elegibilidade e inelegibilidade. p. 43-44.
217
SILVA, José Afonso. apud ROLLO, Alberto. Elegibilidade e inelegibilidade. p. 44.
218
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 jul. 2009.
72

Sendo inerente à República a alternância no poder dos ocupantes de determinados


cargos e exercentes de determinadas funções (embora isso não seja estranho às Monarquias
modernas, em que apenas a Chefia do Estado tem cunho vitalício, ao passo que as demais
funções do Estado – eventualmente até mesmo as do Poder Judiciário – são exercidas por
pessoas eleitas periodicamente), e devendo os responsáveis pelo exercício desse poder ser
escolhidos pela população, necessária mostra-se a definição de regras não apenas para
estabelecer quem escolhe as pessoas que irão ocupar tais cargos e exercer tais funções, como
também regras definindo as condições que os candidatos a elas devem necessariamente
preencher, assim como outras tantas regras, definindo circunstâncias nas quais determinadas
pessoas possam estar temporária ou permanentemente impedidas de pleitearem mandatos
eletivos. Existem certas circunstâncias, cuja presença é exigida pela Constituição Federal ou
por outras leis, para que alguém possa ser candidato. Tais circunstâncias são denominadas de
condições de Elegibilidade.

São fatos positivos, isto é, sua presença é necessária, para que a pessoa possa revestir a
condição de candidato. Paralelamente, outras circunstâncias existem que, estando presentes,
impedem a candidatura. São fatos, cuja ocorrência representa obstáculo para que alguém
possa ser candidato a mandato eletivo. Esses fatos são denominados de causas de
Inelegibilidade.

Em presença de algum desses fatos, aquele que nele estiver envolvido, não poderá ser
candidato. Tais fatos funcionam, portanto, ao inverso das circunstâncias de Elegibilidade:
aquelas devem estar presentes, para que a pessoa possa candidatar-se. Estas, ao inverso,
devem estar ausentes219.

Os institutos da Inelegibilidade e condições de Elegibilidade são, embora antagônicos


na sua definição, complementares na sua função. No sábio entendimento do professor
Adriano Soares da Costa, “a Inelegibilidade é o estado jurídico de ausência ou perda de
Elegibilidade220”.

219
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidade. p. 09-10.
220
COSTA, Adriano Soares. Teoria da inelegibilidade e o direito processual eleitoral. Belo Horizonte: Del
Rey, 1998. p. 145.
73

4.2 CABIMENTO E OBJETIVO DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL


ELEITORAL

A Investigação Judicial Eleitoral está fundamentada no art.14, Parágrafo 9º da


Constituição da República, o qual foi regulamentado pela Lei Complementar n. 64, de 18 de
maio de 1990.

Diz o mencionado art. da Carta Magna, in verbis:

Art.14 - A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo


voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante: [...]

Parágrafo 9º - Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade


e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do
candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do
poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
administração direta ou indireta221.

Conforme abordado no tópico anterior, os casos de inelegibilidade são causas que


impedem a candidatura do indivíduo. A Lei Complementar n. 64 trouxe a regulamentação do
art. 14, Parágrafo 9.º da Constituição e elencou quais são os casos de Inelegibilidade, além de
prever as medidas judiciais cabíveis para combater qualquer tentativa de desrespeito a essa
norma eleitoral.

Uma das medidas judiciais com previsão na Lei Complementar n. 64 é a Ação de


Investigação Judicial Eleitoral, a qual tem por objetivo apurar denúncias de abuso de poder,
influências indevidas no processo eleitoral e garantir a aplicação das sentenças proferidas em
cada processo.

Dando eficácia concreta a esse dispositivo constitucional, foi promulgada a Lei


Complementar n. 64, em 18 de maio de 1990. Nela foi previsto o procedimento da Ação de
Investigação Judicial Eleitoral, com o objetivo de apurar denúncias de abuso de poder e
influência no processo eleitoral, bem como a eficácia das sentenças proferidas nos respectivos
processos.

221
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 jul. 2009.
74

Portanto, a Investigação Judicial Eleitoral tem manifesto conteúdo de processo, dotada


de procedimentos céleres e conteúdo sentencial determinado, conforme o momento de seu
julgamento por parte do Juiz Eleitoral, quando se trata de eleições municipais, ou por parte
dos Tribunais Eleitorais para os demais pleitos.

A ação de Investigação Judicial Eleitoral, portanto, tem a finalidade de promover a


apuração de fatos suscetíveis de configurar o cometimento de qualquer irregularidade no
processo eleitoral e a perniciosa influência do abuso do poder econômico, do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Constituição da República, no seu art. 14, Parágrafo 9º, possibilitou a previsão de


outras causas de Inelegibilidade, determinadas por lei complementar, espécie legislativa essa
que ostenta hierarquia superior a das leis ordinárias, bem como no tocante ao plano material
de sua incidência e ao seu processo de elaboração e existência constitucional.

Isso, contudo, não afasta por completo a incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/1997,
introduzido por força da Lei n. 9.840, de 28.9.1999, por se tratar de lei ordinária, uma vez que
o referido art. 41-A não contempla nova hipótese de inelegibilidade, o que somente poderia se
dar através de Lei Complementar.

O dispositivo impõe a pena de cassação de diploma para os condenados em ação de


investigação eleitoral, quando o julgamento ocorrer depois da diplomação, estabelecendo
ainda a pena pecuniária, que não é causa de inelegibilidade. Ora, o candidato que tiver seu
registro ou diploma cassado não se torna inelegível para o período eleitoral posterior222.

A Emenda Constitucional n. 4/1997 deu a nova redação ao Parágrafo 9º do art. 14 da


Constituição. Além disso, a Lei Complementar n. 81, de 13 de abril de 1994 aumentou o
período de duração da inelegibilidade para os parlamentares que tiverem seus mandatos
cassados por falta de decoro parlamentar.

Redação dada pela ECR 4/94 1º. O texto revogado era o seguinte:

Parágrafo 9º - Lei Complementar estabelecerá outros casos de


inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade
e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o
222
CERELLO, Anselmo. Ação de Investigação Judicial. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.
Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/biblioteca/doutrinas/anselmo3.htm>. Acesso
em: 20 ago. 2009.
75

abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou


indireta.

Inelegibilidade. A Lei complementar n. 64, de 18.5.1990, estabelece casos de


Inelegibilidade de parlamentares. A LC 81, de 13.4.1994, modificou a redação da LC 64/90
1º, I, b para aumentar de três para oito anos o prazo de Inelegibilidade para os parlamentares
que perderam o mandato por falta de decoro parlamentar223.

Um dos principais objetivos da Ação de Investigação Judicial é evitar abusos do poder


econômico e do poder político para beneficiar candidatos nas eleições. O que deve prevalecer
é tão somente a vontade popular, manifesta pelo Voto livre e direto.

A AIJE é ação própria para apuração das transgressões pertinentes a origem de valores
pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de Voto (art.
19 da LC 64/90), cominando, em caso de procedência, na Inelegibilidade do representado e de
quantos hajam contribuído para a prática do ato para as eleições a se realizarem nos 03 (três)
anos subsequentes à eleição em que se verificou na cassação do registro do candidato
diretamente beneficiado e na remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral - MPE, para
eventuais providências (art. 22, inc. XIV, LC 64/90).

À luz da natureza jurídica do instituto (ação) e de suas consequências previstas em lei


(cassação do registro e Inelegibilidade), pode-se analisar qual a conseqüência advinda da
renúncia ou do indeferimento do registro do investigado. Em primeiro lugar, é mister ressaltar
que as normas eleitorais protegem precipuamente a lisura do pleito.

Assim é que o Direito Eleitoral se municia de mecanismos para coibir a prática de


condutas que possam violar a legitimidade das eleições, normas estas que não são dirigidas
aos eleitores, aos partidos, nem aos candidatos, mas a todos. É certo que algumas ações, por
sua própria natureza, só podem atingir candidatos, tal como ocorre com a AIRC, a AIME ou o
Recurso Contra a Expedição de Diploma.

A AIJE, porém, embora pressuponha um candidato beneficiado, é instrumento voltado


também aos partidos políticos e às pessoas que contribuam para a prática coibida (Art. 22,

223
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. p. 191.
76

caput e inc. XIV, LC 64/90), justamente no intuito de proteger a lisura do pleito e punir
qualquer um que atentar contra tal bem224.

Segundo alguns autores, existe uma certa tendência dos juízes eleitorais apurarem com
mais rigor os casos ensejadores da proposição de Ação de Investigação Judicial Eleitoral. A
AIJE não prevê diretamente uma sanção penal, como os crimes previstos no Código Eleitoral.
Todavia, a averiguação da existência de fatos que culminem na condenação ao final da
instrução da AIJE, acaba se direcionando para aplicação de uma punição, ou seja, a cassação
do registro da candidatura, com a consequente Inelegibilidade por certo lapso temporal, ou
ainda, a impugnação do mandato.

Transgressões à parte, os casos e abuso do poder econômico estão previstos em leis


complementares, (LC 5/70 e LC 64/90), modificativas das Leis n. 1.579/52 e 4.410/64 e
quando praticados, têm por escopo beneficiar candidatos ou partidos políticos, notadamente
quanto aos valores pecuniários a eles destinados. Ao que parece, há de fato uma tendência dos
juízes para apurar com mais vigor essas infringências do que as estipuladas como crimes no
Código Eleitoral.

Não há nessa fase propriamente uma pena no sentido claro do Código Penal, mas a
cassação do registro, a inelegibilidade por certo tempo, a impugnação de mandato. Mediante
procedimento sumaríssimo de investigação judicial, a reclamação ou representação é
encaminhada diretamente ao Corregedor (ou ao juiz eleitoral se for o caso de eleição
municipal) onde ali se relatam fatos e se indicam provas ou indícios para a abertura da
investigação225.

Assim, não resta dúvida que apesar de se constituir num processo investigatório, a
Ação de Investigação Judicial Eleitoral pode culminar numa sentença condenatória, com
aplicação de pena. Ainda que não seja uma pena, no sentido criminal da palavra, é uma
punição no âmbito eleitoral, com efeitos, muitas vezes, tão significativos quanto aqueles
previstos pelo Código Penal ou pelo Código Eleitoral.

224
VELOSO, Valtier de Barros. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Curitiba: Revista Paraná Eleitoral n.
70. Publicado em janeiro de 2009. p. 11.
225
D’ALMEIDA, Noely Manfredini; SANTOS, Fernando José dos; RANCIARO JÚNIOR, Antônio. Crimes
Eleitorais e Outras Infringências. Curitiba: Juruá, 1994. p. 311.
77

4.3 NATUREZA JURÍDICA

A Ação de Investigação Eleitoral é um procedimento administrativo eleitoral, que tem


seu trâmite perante a Corregedoria-Geral, no caso das eleições presidenciais; perante as
Corregedorias Regionais, no caso das eleições estaduais e perante os Juízes Eleitorais, no caso
das eleições municipais.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral tem sua previsão legal do art. 22 ao art. 24
da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, conforme transcrito a seguir:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério


Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao
Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso
indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade,
ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em
benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: I - o
Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos
judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências: a)
ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição,
entregando-se-lhe a segunda via apresentada pelo representante com as
cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça
ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível; b)
determinará que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando
for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficiência
da medida, caso seja julgada procedente; c) indeferirá desde logo a inicial,
quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei
complementar; II - no caso do Corregedor indeferir a reclamação ou
representação, ou retardar-lhe a solução, poderá o interessado renová-la
perante o Tribunal, que resolverá dentro de 24 (vinte e quatro) horas; III - o
interessado, quando for atendido ou ocorrer demora, poderá levar o fato ao
conhecimento do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de que sejam tomadas as
providências necessárias; IV - feita a notificação, a Secretaria do Tribunal
juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao representado, bem
como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou dar recibo; V -
findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5
(cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas
pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada
um, as quais comparecerão independentemente de intimação; VI - nos 3
(três) dias subseqüentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que
determinar, ex officio ou a requerimento das partes; VII - no prazo da alínea
anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou
testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam
influir na decisão do feito; VIII - quando qualquer documento necessário à
formação da prova se achar em poder de terceiro, inclusive estabelecimento
de crédito, oficial ou privado, o Corregedor poderá, ainda, no mesmo prazo,
ordenar o respectivo depósito ou requisitar cópias; IX - se o terceiro, sem
justa causa, não exibir o documento, ou não comparecer a juízo, o Juiz
poderá expedir contra ele mandado de prisão e instaurar processo s por crime
78

de desobediência; X - encerrado o prazo da dilação probatória, as partes,


inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo
comum de 2 (dois) dias; XI - terminado o prazo para alegações, os autos
serão conclusos ao Corregedor, no dia imediato, para apresentação de
relatório conclusivo sobre o que houver sido apurado; XII - o relatório do
Corregedor, que será assentado em 3 (três) dias, e os autos da representação
serão encaminhados ao Tribunal competente, no dia imediato, com pedido
de inclusão incontinenti do feito em pauta, para julgamento na primeira
sessão subseqüente; XIII - no Tribunal, o Procurador-Geral ou Regional
Eleitoral terá vista dos autos por 48 (quarenta e oito) horas, para se
pronunciar sobre as imputações e conclusões do Relatório; XIV - julgada
procedente a representação, o Tribunal declarará a inelegibilidade do
representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato,
cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem
nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da
cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência
do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade,
determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para
instauração de processo disciplinar, se for o caso, e processo-crime,
ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; XV - se a
representação for julgada procedente após a eleição do candidato serão
remetidas cópias de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral, para os
fins previstos no art. 14, §§ 10 e 11 da Constituição Federal, e art. 262,
inciso IV, do Código Eleitoral. Parágrafo único. O recurso contra a
diplomação, interposto pelo representante, não impede a atuação do
Ministério Público no mesmo sentido.

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos
públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando
para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas
partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

Art. 24. Nas eleições municipais, o Juiz Eleitoral será competente para
conhecer e processar a representação prevista nesta lei complementar,
exercendo todas as funções atribuídas ao Corregedor-Geral ou Regional,
constantes dos incisos I a XV do art. 22 desta lei complementar, cabendo ao
representante do Ministério Público Eleitoral em função da Zona Eleitoral as
atribuições deferidas ao Procurador-Geral e Regional Eleitoral, observadas
as normas do procedimento previstas nesta lei complementar226.

Sendo um processo administrativo, assim como nos processos judiciais, são garantidos
às partes os princípios do contraditório e da ampla defesa, como prevê o Art. 5º, inciso LV da
Constituição da República de 1988, “Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa a ela inerentes227”.

226
BRASIL. Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da
Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em 20 jul. 2009.
227
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 20 jul. 2009.
79

4.4 LEGITIMIDADE

A legitimidade passiva da Ação de Investigação Judicial Eleitoral pode recair em


todos os administradores da coisa pública, no âmbito do Poder Executivo e do Poder
Legislativo, incluindo mesmo aqueles que ocupam a função executiva de forma transitória,
como o vice-presidente, vice-governadores e vice-prefeitos.

Os detentores de cargos públicos, como secretários, ministros, assessores, diretores


têm responsabilidade pelo ato condenável, se dele contribuirão por ação ou omissão, de
alguma forma. Nesse sentido Rollo relata que:

Todos os administradores da coisa pública podem ser atingidos pela sanção.


Assim, na relação, estão os detentores de mandato executivo, neles
incluídos, além dos chefes do Poder Executivo, também os detentores de
cargo de direção administrativa do Poder Legislativo e do Poder Judiciário.
Também são atingidos aqueles que ocupam, como os vice-prefeitos, vice-
governadores e vice-presidentes da República, a função executiva de forma
transitória, em substituição do respectivo titular, desde que tenham eles
praticado o ato condenado. Igualmente são afetados os ministros, secretários,
diretores, enfim, todos aqueles que participam da administração pública e
têm responsabilidade pela pratica de ato condenável. Para Joel José Cândido,
detentor de cargo na administração pública, seria ‘qualquer agente público
ou administrativo, servidor ou não, que exerce, ainda que transitoriamente ou
sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional, da União,
Estados, Distrito Federal ou Municípios’. Ainda, segundo esse mesmo autor,
os titulares de mandatos eletivos estão sujeitos à alínea ‘d’, deste mesmo
artigo, como se viu (LC n.º 64/1990, Art.1.º, I, d). São agentes políticos e
não detentores de cargo na administração pública228.

A legitimidade ativa para propor a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, conforme


prevê o caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, pertence a qualquer partido político,
coligação, candidato e o Ministério Público Eleitoral. Os pré-candidatos, que ainda não
tenham seus pedidos de registro deferidos pela Justiça Eleitoral, também possuem
legitimidade para propor a Ação.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral somente poderá se proposta a partir da


apresentação do pedido de registro de candidatura, mesmo que o pedido ainda esteja sub
judice.

228
ROLLO, Alberto. Elegibilidade e inelegibilidade. p. 199.
80

O marco inicial para o seu ajuizamento é o pedido de registro de candidatura, ainda


que esteja sub judice. E o marco final é a sessão de diplomação, segundo adverte Costa229,
conforme reiterada jurisprudência eleitoral.

Não obstante ter sido admitido como marco final até as eleições, nos termos do art. 22,
inciso XV, da Lei Complementar n. 64/90, ainda assim o Tribunal Superior Eleitoral tem
alongado esse termo final até a sessão de diplomação230.

4.5 DO CABIMENTO DE MEDIDA LIMINAR

É cabível na Ação de Investigação Judicial Eleitoral a concessão de Medida Liminar


que vise interromper a prática do ato tipificado como de abuso de poder econômico ou
político, desde que exista prova suficiente da ocorrência da prática condenável e o Juiz
Eleitoral se convença da verossimilhança do alegado.

No parecer de Cândido, são dois os requisitos para que o juiz possa suspender
liminarmente o ato impugnado na Representação:

1) quando for relevante o fundamento da queixa no sentido de preservar a


normalidade e legitimidade das eleições e houver prova razoável dos fatos,
desde logo apresentada; e,

2) quando a continuidade desse ato puder inviabilizar, tornando ineficaz, no


todo ou em parte, eventual prestação jurisdicional positiva final. Faltando
um desses requisitos, ou havendo dúvidas fundada sobre um deles, não deve
o juiz conceder a liminar. Existindo os requisitos, deve, ainda, antes de
suspender o ato, examinar se há outro meio, menos lesivo, de evitar o
prejuízo, que não a pura e simples suspensão. Tudo deve ser feito em razão
do Princípio do Intervenção Mínima e da Restrição da Cautela Antecipada,
sempre perigosa231.

Assim, ressalte-se que a tutela antecipada incide sobre o ato condenável, sobre a
prática de abuso do poder econômico e/ou político e não sobre a candidatura. Casos comuns
ensejadores de tutela antecipada é o uso indevido de veículos ou de meios de comunicação.

229
COSTA, Adriano Soares. Teoria da inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral. p. 125.
230
CERELLO, Anselmo. Ação de Investigação Judicial. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.
Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/biblioteca/doutrinas/anselmo3.htm>. Acesso
em: 20 ago. 2009.
231
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no Direito Brasileiro. p. 358.
81

Assim, busca-se evitar a desigualdade no processo eleitoral, primando pela eleição livre, onde
prevaleça unicamente a vontade do eleitor.

4.6 OS EFEITOS DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral busca a decretação da Inelegibilidade do


Requerido e de todos aqueles que tenham participado do ilícito. Uma das discussões sobre os
efeitos da condenação promovida pelo procedimento da Lei Complementar n. 64/90 é quanto
à duração da Inelegibilidade de apenas três anos.

Esse fato recebeu uma nova complicação por força da Súmula 19232 do TSE que
atribuiu efeito ex tunc à sentença, ou seja, retroagindo os efeitos à data da posse do autor do
ato ilícito, se tiver sido eleito.

Exemplificativamente, em eleição para Governador do Estado, que ocorre a cada


quatro anos, sendo o candidato punido e retroagindo os efeitos da sentença à data da sua
posse, caso o recebedor da pena tenha a pretensão de concorrer somente ao cargo de
governador ou vice-governador, ou ainda, a senador, deputado estadual ou federal, presidente
ou vice-presidente da república, na prática, a sentença não lhe atingirá.

Existem alguns juristas que defendem a aplicação da sentença com efeito ex nunc, ou
seja, com duração da vigência do período de Inelegibilidade contada a partir da decretação da
sentença. Desse modo, se teria uma garantia maior de que a punição, de fato, seria sentida
pelo sentenciado233.

Alguns autores entendem que a inelegibilidade por abuso de poder econômico ou


político, tem o início da contagem trienal a partir do dia seguinte ao término do mandato ou
do exercício da função pública. Essa circunstância gera outros problemas quanto à aplicação
da pena, sobretudo em relação aos servidores públicos.

A Inelegibilidade por prática de abuso do poder incide por três anos. A contagem
desse prazo trienal começa no dia seguinte ao término do mandato ou do período do exercício
232
BRASIL. Súmula nº 19 - Publicada no DJ de 21, 22 e 23/8/2000. O prazo de inelegibilidade de três anos,
por abuso de poder econômico ou político, é contado a partir da data da eleição em que se verificou (art. 22,
XIV, da LC 64, de 18/5/90). Disponível em: <http://www.tre-
mg.gov.br/portal/website/jurisprudencia/publicacao_sumulas/sumula_19.pdf >. Acesso em 20 jul. 2009.
233
CERELLO, Anselmo. Ação de Investigação Judicial. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.
Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/biblioteca/doutrinas/anselmo3.htm>. Acesso
em: 20 ago. 2009.
82

da função pública. Assim, por exemplo, o detentor de cargo na administração pública que o
deixa em 4 de junho de 2010, permanecerá inelegível até 4 de junho de 2013. Aspecto
interessante acerca da Inelegibilidade em questão, é que sua incidência fica condicionada a
evento futuro (término do período de permanência no cargo).

Assim, se funcionário público concursado e estável vier a praticar algum abuso de


poder em benefício próprio ou de outrem, sendo condenado, por exemplo, em Ação Popular
com decisão transitada em julgado, sua eventual Inelegibilidade somente incidirá se e quando
ele deixar seu cargo. Assim, se ele desejar candidatar-se deverá se desincompatibilizar e, ao
fazer isso, iniciará daí seus três anos de Inelegibilidade, já que a desincompatibilização fará
com que ele não permanecerá mais no cargo, ainda que temporariamente. Todavia, se ele
nunca desejar candidatar-se, somente após sua aposentadoria (ainda que seja compulsória ao
completar 70 anos de idade), é que tal Inelegibilidade começará a fluir. Isso é curioso já que
se tal funcionário é condenado em Ação Popular com 30 anos de idade, e se ele deixar seu
cargo público tão-somente com 70 anos, sua Inelegibilidade ficaria ‘congelada’ por 40 anos,
para somente então, iniciar sua fluência234.

Assim, na prática, o agente que recebeu como pena a decretação de Inelegibilidade, a


partir de sentença condenatória em Ação de Investigação Judicial Eleitoral, ficará impedido
de concorrer em dois pleitos. Um deles é aquele em que ocorreu o fato ensejador da
condenação. O segundo será nos dois anos seguintes, considerando a atual configuração
eleitoral do país, pela qual se realizam eleições a cada dois anos.

Por ocasião da próxima eleição para disputa ao mesmo cargo para o qual o agente
pretendia ser eleito (ou foi eleito), cuja prática resultou na sua Inelegibilidade, o indivíduo
estará livre da pena, podendo concorrer novamente:

Punido o agente, ele ficará impedido de concorrer, na prática, só em dois


pleitos: aquele em que ocorreu o fato e o que se realizar no biênio seguinte,
pois no terceiro (que só se dará 4 anos após o fato) ele já estará elegível
novamente. Pelo menos, enquanto se mantiver a nossa prática constitucional
de eleições de 2 em 2 anos, ou de mandatos com duração de 4 anos235.

Ressalte-se que a Inelegibilidade não significa a supressão da total capacidade eleitoral


do cidadão. É perfeitamente possível que a Inelegibilidade resultante de condenação em Ação

234
ROLLO, Alberto. Elegibilidade e inelegibilidade. p. 200.
235
CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no direito brasileiro. p. 200.
83

de Investigação Judicial Eleitoral possa conviver com a capacidade eleitoral ativa do cidadão,
ou seja, sua capacidade de votar:

Não significa, necessariamente, total ausência de capacidade eleitoral, pois


pode a capacidade eleitoral ativa conviver simultaneamente com a
inelegibilidade do cidadão. Tome-se, como exemplo, a declaração de
inelegibilidade decorrente de investigação judicial ou ação de impugnação
de mandato, julgada procedente pela Justiça Eleitoral em face da
comprovação de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Não
ocorre nesse caso, a perda da capacidade eleitoral ativa. Não há o
cancelamento ou a exclusão do alistamento. O cidadão pode exercer o direito
do voto, apenas não pode ser votado nas eleições que se realizarem nos três
236
anos seguintes (art. 1.º, letra d, LC n.º 64/90) .

Assim, os efeitos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, caso a decisão seja


proferida antes da data das eleições, incluem:

a decretação da inelegibilidade do candidato e de quem tenha contribuído


para o ato ilícito; a pena de inelegibilidade para as eleições a serem
realizadas nos três anos subsequentes aos da eleição em que o fato ensejador
ocorreu e; a cassação do registro do candidato beneficiado pelos atos
ilícitos237.

Os efeitos da sentença condenatória na Ação de Investigação Judicial Eleitoral têm


algumas variações, de acordo com o momento eleitoral em que for proferida a decisão.

Conforme a época em que a sentença for proferida, o candidato não poderá


concorrer, se for feita antes da eleição; o candidato não poderá ser
diplomado, se ocorrer após a eleição e antes da diplomação (se fundada a
AIJE em captação); o candidato terá contra si ajuizado recurso – ação –
contra a diplomação ou ação de impugnação de mandato eletivo, ambos com
efeito ex nunc, se for prolatada após a diplomação, sem prejuízo da
inelegibilidade (acórdão RESPE n.º 19.832, de 25.03.2003, relatado pelo
Ministro Sepúlveda Pertence)238.

236
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. p. 157.
237
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. p. 157.
238
SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Luiz Fabio. Direito eleitoral: para compreender a dinâmica do
poder político. p. 211.
84

4.7 DO RECURSO

Da sentença proferida ao final da Ação de Investigação Judicial Eleitoral caberá


recurso, conforme preconiza o art. 265 e 266239 do Código Eleitoral, sendo admitido o juízo
de retratação.

Art. 265. Dos atos, resoluções ou despachos dos juízes ou juntas eleitorais
caberá recurso para o Tribunal Regional.

Parágrafo único. Os recursos das decisões das Juntas serão processados na


forma estabelecida pelos artigos. 169 e seguintes.

Art. 266. O recurso independerá de têrmo e será interposto por petição


devidamente fundamentada, dirigida ao juiz eleitoral e acompanhada, se o
entender o recorrente, de novos documentos.

No dizer do Desembargador Anselmo Cerello:

[...] da qual receberá recurso; nas eleições municipais haverá o recurso


inominado – art. 265 do CE -, admitido o juízo de retratação; quando as
eleições forem federais, estaduais ou distritais, das decisões dos TREs caberá
recurso ordinário ao TSE (art. 21, § 4.º, incisos III e IV, da CF e art. 276,
letra “a”, do CE); se a eleição for presidencial, o recurso contra a decisão do
TSE estará subordinado à demonstração de afronta à Constituição Federal,
hipótese em que poderá ser manejado o recurso extraordinário para o STF
240
(art. 121, § 3.º, da CF e art. 281 do CE) .

Não resta dúvida que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral é um importantíssimo


instrumento que visa reprimir o abuso do poder econômico e político nas eleições, tendo por
finalidade garantir a legitimidade dos pleitos e a verdadeira supremacia da vontade popular,
manifesta pelo voto.

239
BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4737.htm.>. Acesso em: 04 set. 2009.
240
CERELLO, Anselmo. Ação de Investigação Judicial. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.
Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/biblioteca/doutrinas/anselmo3.htm>. Acesso
em: 20 ago. 2009.
85

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo realizado, embora ainda não seja possível conceber nenhuma
conclusão definitiva sobre o tema abordado, visto ser o Direito Eleitoral uma ciência dinâmica
e em permanente construção, ainda assim é possível traçar algumas considerações pertinentes.

Do ponto de vista da ciência jurídica, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, cuja


previsão legal está fundamentada no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, é um importante
instrumento que tem por escopo a repressão de práticas de abuso de poder econômico e/ou
político nas eleições, com a finalidade de garantir a idoneidade do processo eleitoral e a
preponderância da vontade popular, manifesta pelo voto secreto, direto e livre.

O objeto central da Ação de Investigação Judicial Eleitoral é coibir o uso indevido dos
meios de comunicação e de outras práticas classificadas como de abuso do poder econômico
ou político.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral deverá ser proposta perante o TSE no caso
das eleições presidenciais, perante os TREs no caso das eleições para governador, deputados e
senadores e perante os Juízes Eleitorais, no caso das eleições municipais.

O efeito da sentença condenatória em Ação de Investigação Judicial Eleitoral é a


declaração da Inelegibilidade do agente que cometeu o ato ilícito, tendo a duração da vigência
da pena por três anos, com efeito ex tunc.

Sua natureza é declaratória e constitutiva, possuindo, também, um caráter preventivo e


punitivo. Pode ser também considerada de caráter preparatório de ação de impugnação de
mandato eletivo ou de recurso contra diplomação, podendo, ainda, servir como base para a
instauração de ação criminal.

Do ponto de vista histórico, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral é resultado da


evolução do processo eleitoral brasileiro ao longo da história, o qual teve seu nascimento a
partir da influência direta de normas vigentes em outros países, mas conseguiu juntar esses
modelos alheios com sua própria experiência vivenciada ao longo das décadas, como diria
Churchill, a custa de muito “sangue, suor e lágrimas”.
86

No Brasil, tanto a declaração da Independência, como a proclamação da República


foram processos quase que “silenciosos”, sem grandes revoluções para servir de inspiração
aos compositores de nosso Hino Nacional, o que, de certo modo, é bastante criticado por
alguns pesquisadores do tema, que atribuem a isso a fragilidade política da Nação, a qual teria
se acostumado a imposições de cima para baixo das grandes decisões.

Todavia, esse “silêncio” inicial está longe de ser sinônimo de passividade por parte do
povo. A história brasileira é marcada por lutas populares pela consolidação de uma
Democracia plena. Cumpre ressaltar que não há Democracia verdadeira se não houver um
processo eleitoral capaz de garantir a idoneidade, transparência e equidade dos pleitos
destinados a escolha de nossos representantes políticos.

A atual legislação eleitoral brasileira (incluindo aí instrumentos como a Ação de


Investigação Judicial Eleitoral), considerada por muitos como uma das mais democráticas do
mundo, é fruto dessa evolução histórica, da conquista pelo povo da promulgação da
Constituição de 1988 e da necessidade de se extirpar, cada vez mais, os fantasmas da
corrupção, da fraude eleitoral e da preponderância dos interesses de uns poucos, em
detrimento da maioria.

Embora nem todos os fantasmas tenham sido vencidos, pode-se dizer que o pais está
no caminho certo. O Brasil, hoje, é um país respeitado, reconhecido internacionalmente por
muitas qualidades, incluindo seu processo eleitoral moderno e altamente seguro.

É verdade que toda a evolução promovida em nosso sistema eleitoral não garante um
sistema perfeito, eternamente livre das práticas desonestas que teimam em macular o processo
eleitoral, buscando beneficiar candidatos inescrupulosos. Como em todas as áreas da vida, no
Direito Eleitoral a luta contra as práticas criadas por indivíduos que buscam burlar o sistema
para se beneficiarem é um processo permanente, construído por muitas batalhas, cuja vitória
pertence à democracia e ao povo brasileiro.
87

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______. Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art.
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