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Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
A nave arcônida Tosoma trava sua luta final
— a quarta aventura de Atlan.
Teldje van Aafen perguntou-me em tom muito cortês como os velhos comandantes
de cruzadores da frota arcônida costumavam redigir os comentários de suas experiências.
No início, senti-me um tanto espantado, mas acabei dando a informação solicitada.
Ao que parecia, nem mesmo Perry Rhodan estava disposto a dispensar a guerra de papéis,
embora por experiência fizesse o possível para em cada caso liquidar o mais depressa
possível esse problema enfadonho de qualquer estadista ou comandante. O imediato da
nave Drusus também parecia sentir-se um tanto chateado por ter de elaborar um relatório
detalhado das experiências colhidas em combate.
Não sofremos nenhuma perda, fato que provava a extrema precisão revelada pelos
pilotos terranos durante o ataque. É claro que foram favorecidos pela dimensão temporal.
Naquele momento, estava ocupado na interpretação dos dados reunidos por Crest.
Rhodan retardou o regresso do supercouraçado, uma vez que nos sentimos obrigados a
reparar os danos causados ao pavilhão onde estava instalada a ducha celular.
Cerca de vinte e quatro horas se haviam passado desde o momento em que
regressamos do plano temporal dos druufs. Um exército de robôs estava montando o
fisiotron e os reatores.
Antes da decolagem da nave, seria realizado um teste com o equipamento.
Compreendia a disposição psíquica de Rhodan. As dúvidas eram imensas. Sabia tão
bem quanto eu que o problema surgido com os druufs teria de ser resolvido imediata e
totalmente.
Algumas mensagens de hiper-rádio, expedidas pelos serviços terranos de segurança,
eram alarmantes. Em alguns mundos estranhos voltaram a acontecer coisas terríveis que
não podíamos impedir. Raças inteligentes da Galáxia haviam desaparecido da noite para
o dia. Grandes planetas foram praticamente despovoados. Já conhecíamos esse tipo de
acontecimento, mas ainda não compreendíamos a finalidade daquilo. O que se poderia
ganhar com o seqüestro de milhões e mesmo bilhões de seres pensantes?
Há várias semanas refletia sobre isso. A solução já se desenhava em minha mente,
mas ainda não sabia se minhas suposições eram corretas. A súbita modificação da
dimensão temporal de um dos planetas dos druufs parecia indicar que por lá fora atingido
um estágio decisivo. Alguém parecia estar empenhado em igualizar as leis que regiam as
duas dimensões. Será que para isso precisavam de matéria orgânica viva? Seria este o
motivo do seqüestro de inúmeras inteligências humanóides?
Rhodan soltara um assobio forte e desafinado quando há poucas horas lhe submeti o
resultado de minhas reflexões. Agora voltara a ficar só no grande centro de computação
do supercouraçado.
Tudo indicava que com Reginald Bell tudo estava bem. Quem contemplasse
atentamente seu rosto, ainda notaria os sinais de um pequeno rejuvenescimento. Mas, de
qualquer maneira, o estranho processo fora detido. Em seu tecido celular acontecera
alguma coisa que não conseguíamos compreender. Sem dúvida chegara a um estado de
verdadeira estabilidade, que também se verificava em Perry Rhodan.
Pelas doze horas, dirigi-me à grande cantina dos oficiais da Drusus. Homunk, o robô
perfeito, mandara abastecer-nos com legumes frescos. Estava tudo na mais perfeita
ordem, ainda mais que os druufs não haviam encontrado um meio de penetrar em nossa
dimensão temporal. Provavelmente a adaptação estrutural por meio de um campo de
retração se tornaria muito mais difícil do outro lado.
Mas havia um acontecimento que me deixava preocupado. Ficaria satisfeito se no
mesmo instante tivéssemos abandonado o planeta Peregrino.
Sentei no lugar de costume e aguardei a chegada dos oficiais da nave. Foram vindo
um após o outro; Rhodan e Bell foram os últimos a chegar.
Rhodan parecia distraído. Com gestos mecânicos foi consumindo sua refeição. No
momento em que a transportadora automática retirou a sobremesa do poço central e a
distribuiu pelos lugares da mesa, disse de repente, em voz alta:
— Gucky diz que há cerca de duas horas captou impulsos telepáticos muito fracos,
impulsos estes que só podem ter sido irradiados pelo ser coletivo. John Marshall
confirmou a informação.
De repente, um silêncio total passou a reinar na cantina. Lancei os olhos para o rato-
castor, que estava sentado sobre uma cadeira especial, junto a Rhodan.
— É verdade! — confirmou com sua voz chilreante. — O Ser deu sinal de vida.
— Qual foi a mensagem? — perguntei em tom curioso.
Gucky parecia extremamente sério. Seu grande dente roedor não apareceu.
— Não consegui ouvi-lo. Até mesmo para mim, a mensagem telepática foi
praticamente incompreensível. Disse que desejava retirar-se por alguns dias de seu
tempo.
— Seu tempo? Santo Deus! — disse Bell. — Vocês têm uma idéia de quanto poderá
demorar isso? Pelo que dizem, o Ser vive mais tempo que o sol. Se Ele fala em alguns
dias e acrescenta expressamente que se trata de dias de sua contagem de tempo, podemos
sair tranqüilamente e voltar dentro de cinqüenta anos no mínimo. Segundo seus padrões,
isso talvez represente três minutos. Aos poucos começo a compreender o verdadeiro
significado do termo relativo.
Senti-me dominado por um profundo desânimo. Ainda desta vez, minha curiosidade
não seria satisfeita. Aliás, a curiosidade não representava um simples desejo de saber, mas
exprimia uma necessidade premente de acalmar meu sistema nervoso ultra-sensível.
Senti-me atraído pelos grandes olhos de Gucky. Com um sorriso distraído, disse em
voz baixa:
— Não, meu filho, não tente. Não sou suscetível a qualquer tipo de influência
sugestiva. Ele lhe disse ou pediu mais alguma coisa?
— Foi justamente por isso que eu o olhei. Ele disse que a volta do planeta da zona
intermediária para nosso plano temporal lhe causou certas dificuldades. Perdeu grande
parte de sua substância psíquica. Nossa experiência com Bell transferiu parte do mundo
artificial para a mesma dimensão. Dessa forma, conseguiu regressar, mas por enquanto
não está em condições de entrar em contato conosco. Você compreende o que significa
isso?
Sim, compreendia mais ou menos. A expressão substância psíquica designava o
volume espiritual do ser coletivo. Provavelmente o choque da irrupção produzira uma
redução de sua vontade e energias mentais, que, em última análise, constituíam o
fundamento do poderio imenso daquele ser misterioso.
Limitei-me a fazer um gesto afirmativo. Não tinha mais nada a dizer.
— Foi só isso?
O rato-castor lançou um olhar inseguro para John Marshall, que era o chefe do
Exército de Mutantes.
— Sabemos perfeitamente que o senhor está muito interessado em obter um
esclarecimento — disse o homem esbelto e louro. — Pelo que entendi, a mensagem
ligeira, que dava sinais evidentes de esgotamento, não incluía qualquer informação
específica para o senhor, a não ser que uma frase, que para mim representa um enigma,
tivesse essa finalidade.
— Que frase foi essa? — perguntei em tom exaltado.
O telepata estabeleceu um contato silencioso com o rato-castor. Após isso, ouvi o
teor exato da frase. Era uma manifestação típica de um ser do qual apenas sabíamos que
era feito de uma aglomeração misteriosa de inúmeras inteligências. Marshall disse em
tom pensativo:
— O presente do robô não foi apenas um ato de altruísmo, pois minha existência
também dependia do poder de um homem que encontrara a arma.
Assim que Marshall silenciou, tive a impressão de afundar no chão duro.
Ele sabia que eu estava esperando uma informação. Apesar de seu enorme cansaço,
não se esquecera de fornecer uma indicação aos telepatas de Rhodan. Perry lançou-me
um olhar indagador.
— Você sabe o que vem a ser isso?
Um choque elétrico parecia martirizar meu cérebro. Senti que não poderia resistir
por muito tempo aos impulsos poderosos de meu segundo cérebro. As lembranças
tomaram conta de mim. De repente, tive a impressão de não estar a bordo do couraçado
terrano, mas num continente que há muito deixara de existir.
Senti uma súbita fraqueza. Marshall acabara de proferir a palavra-chave que ativara
minha memória fotográfica.
Lancei as mãos em torno, à procura de apoio, até que alguém me segurou
fortemente pelo braço.
— Está começando de novo? — perguntou uma voz preocupada. — O que houve,
Atlan? Se você acha que tem de contar alguma coisa, fale logo. O que significa essa
mensagem?
— Meu ativador celular — disse com um gemido. A dor de cabeça me torturava. —
Ele me concedeu a imortalidade relativa para proteger-se a si mesmo. Já vejo claro.
Empenhei tudo que me restava para defender a Terra. Naquela época, eu já sabia que esse
planeta se transformaria num centro dos acontecimentos. Havia uma identidade com a
constelação cósmica que deu causa a uma superposição das duas dimensões temporais.
Esta superposição adquiriu uma estabilidade provisória. Para Ele aquela situação deveria
revestir-se de uma importância extraordinária. Não foi por acaso que obtive a vida eterna.
É uma vergonha!
A mão de Rhodan cingiu mais fortemente o meu braço.
— Conte — ouvi-o dizer com a voz tão fraca como se estivesse a alguns metros de
distância. — Será um alívio para você e uma lição para nós. Relate tudo; ligarei você com
os alto-falantes de todos os setores da nave.
No momento em que desisti da resistência, consciente aos impulsos expedidos por
meu segundo cérebro, as dores de cabeça desapareceram como que por encanto. Senti-me
libertado de algo que me oprimia; tive a impressão de que minha caixa craniana se
dilatava.
O rosto marcante de Rhodan desmanchou-se. À minha frente surgiram anéis
vermelhos, entre os quais foi surgindo aos poucos a cabeça branca do velho Tarts. Em seu
rosto havia um sorriso tranqüilizador, que fez desaparecer todas as dores.
Minha inteligência consciente acabara de ser desligada. Pensava e agia
exclusivamente sob o comando de meu setor de memória, que registrara e gravara todas
as experiências de minha vida.
Usei a língua inglesa, motivo por que mais uma vez preferi não traduzir em
concepções arcônidas os dados técnicos, a graduação dos oficiais e as indicações cosmo
náuticas de tempo e distância. Muitos dos tripulantes não os entenderiam, pois só os
dirigentes terranos dominavam a língua ar-cônida.
Pouco importava que um comandante de nave de primeira classe fosse designado
como vere’athor ou como capitão.
Ainda ouvi Rhodan dizer o seguinte:
— Estamos ansiosos para saber por que você está tão bem informado sobre a
tecnologia da navegação hiperespacial dos druufs. Como soube que não transitam, mas
voam na verdadeira acepção da palavra? Atlan, você ainda ouve o que estou dizendo?
Marshall, chame o Dr. Sköldson. Ele está pálido como cera. Ande depressa. Atlan, o que
houve...?
Esforcei-me para esboçar um sorriso tranqüilizador. Minha palidez era perfeitamente
natural, já que a ativação do setor lógico de meu cérebro causava uma grave perturbação
na circulação sangüínea da pele do rosto.
Iniciei meu relato. O presente desapareceu diante de mim. Para meu segundo
cérebro só existia o passado.
Alguém aproximou-se. Era Inkar, comandante do cruzador imperial Paito...
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— ...de forma que Sua Majestade, o Imperador Gonozal VII de Árcon, houve por
bem fazer do sistema da estrela Larsaf uma base avançada da frota do Grande Império.
Pelo presente ordena-se ao Almirante Atlan, chefe do grupo de cruzadores do setor das
nebulosas, Príncipe de Cristal da estirpe majestosa de Gonozal, que defenda a estrela
Larsaf com todos os meios que estão ao seu alcance e procure evitar que o inimigo não-
arcônida penetre no sistema. Além disso, Sua Majestade ordena pessoalmente ao
Almirante Atlan que promova o desenvolvimento da jovem colônia, na medida em que as
inteligências primitivas estejam dispostas a receber esse tipo de apoio e sempre que as
necessidades bélicas não exijam um tratamento especial. Assinado: Umtar, Chefe do
Planejamento Colonial do Grande Conselho de Árcon.
O comandante do cruzador, muito jovem — na verdade, jovem demais para uma
posição militar tão elevada — deixou cair a faixa de plástico. Acabara de ler em voz alta
as instruções por ele trazidas.
Lá fora, no novo espaçoporto de Atlântida, o cruzador ligeiro Matoni, utilizado no
serviço de correios, já estava sendo preparado para a decolagem. O Capitão Ursaf
recebera ordens de regressar assim que tivesse entregue a mensagem.
Estava de pé atrás de minha escrivaninha, duro como uma estátua. Minha garganta
estava ressequida. O estilo empolado das ordens demonstrava que estas haviam sido
elaboradas no laboratório de matrizes do planeta de cristal. O teor da mensagem atingiu-
me com a força de uma pancada.
O Capitão Tarts — meu mestre, já idoso, que exercia as funções de comandante da
Tosoma, nave capitania da esquadrilha — manifestou sua opinião por meio de um sorriso
malicioso.
— “...na medida em que as inteligências primitivas estejam dispostas a receber esse
tipo de apoio e sempre que as necessidades bélicas não exijam um tratamento especial”
— repetiu em tom zombeteiro. — Será que não têm mais nada a dizer? Onde está o
reforço de naves de guerra e material, solicitado há muito tempo? E o que é feito dos
canhões de conversão, cuja construção só se tornou possível em virtude dos planos
conseguidos pelo Almirante Atlan? Ao que parece, em Árcon já se esqueceram de que a
célebre esquadrilha comandada por Atlan consiste apenas em duas naves e que nem se
pode cogitar da penetração dos metanianos, não-arcônidas, no sistema de Larsaf. “Afinal,
estamos a trinta e quatro mil anos-luz do centro dos combates. Os metanianos têm coisa
mais importante a fazer; não irão interessar-se por esta estrelinha minúscula, cujos
planetas não oferecem o menor interesse científico ou econômico. Os custos do
transporte seriam mais elevados que o valor das mercadorias que poderiam ser retiradas
daqui. Sob o ponto de vista estratégico, a construção de uma base da frota neste setor
representaria um verdadeiro absurdo. Por aqui não há nada para conquistar ou defender.
Além do mais, não dispomos de recursos que nos permitam transformar o terceiro planeta
e especialmente a Atlântida num espaçoporto de reparos. O material de que dispomos mal
e mal é suficiente para a manutenção das poucas máquinas agrícolas que nos restam.
“Como podemos harmonizar estes fatos com a mensagem rebuscada de alguns
membros do Conselho, que dificilmente estão informados sobre as condições aqui
reinantes? Ao que parece, as coisas não andam bem no Grande Império.”
Não fiz nada para aplacar a cólera plenamente justificada de Tarts. Na verdade, em
Árcon já havíamos sido registrados como uma perda. Bastava contemplar atentamente o
jovem Capitão Ursaf para convencer-me de quanto as coisas haviam mudado no império
estelar.
Já pertencia à geração da guerra. Corporificava o tipo do comandante formado às
pressas, do qual se esperava que conseguisse sair são e salvo das primeiras batalhas, a fim
de colher experiências.
Segundo as estatísticas, menos de oito por cento desses homens resistiam ao batismo
de fogo. No entanto, o Império já não se podia dar ao luxo de submeter os tripulantes e os
comandantes das naves à necessária aprendizagem. Isso exigia muito tempo, e o tempo
era escasso.
O número enorme de naves de todos os tipos, perdidas nas lutas, podia ser
substituído pela produção inteiramente robotizada dos Sistemas Solares Unidos. Mas os
seres pensantes, que conduziriam as naves recém-construídas durante o combate, teriam
de nascer e ser treinados depois de atingida a maturidade psíquica e orgânica.
Nossas perdas deviam ser terríveis. A guerra contra os respiradores de metano,
monstruosos seres não-arcônidas vindos das profundezas da Via Láctea, enfraquecera
consideravelmente o Grande Império.
Há cinco anos o grupo de cruzadores por mim comandado participara ativamente
dos combates. Depois de algum tempo, recebi instruções para manter a ordem num
minúsculo sistema solar, situado a trinta e quatro mil anos-luz de distância. Um
funcionário inescrupuloso foi demitido por mim e enviado para Árcon, onde seria
julgado.
Pouco depois, recebi novamente ordens para dirigir-me ao sistema da estrela de
Larsaf, uma vez que os colonos do planeta número II haviam enviado um pedido de
socorro.
Quando cheguei ao sistema e minhas tripulações, experimentadas em muitas lutas,
tiveram de combater um inimigo invisível e irreal, o quartel-general da frota espacial
quase já se havia esquecido de que eu existia.
Antigamente, isso nunca poderia ter acontecido. Mas hoje em dia, tinham de cuidar
de coisas mais importantes. Mandei evacuar o segundo planeta, uma vez que nossos
colonos desapareciam pura e simplesmente. Até então sempre fomos derrotados nas lutas
de defesa que travamos.
Seres terríveis, que não tinham qualquer relação com os respiradores de metano,
aproveitavam um fenômeno tremendo da natureza para atingir seus objetivos. No curso
dos meses, descobrimos que neste setor espacial estava ocorrendo um fato extremamente
raro. Dois universos diferentes, o nosso e um outro, começavam a sobrepor-se nas áreas
periféricas. A diferença entre os dois universos consistia na diversidade das dimensões
temporais. Era um fenômeno tão relativista que mal podia ser interpretado em termos
matemáticos.
Mandei os colonos para casa. Meu grupo de cruzadores foi destruído. Estávamos
diante de uma difícil situação.
Caminhei lentamente em direção às amplas janelas de meu gabinete e lancei os
olhos para a capital de Atlântida. Meu mestre, Tarts, designara o Continente por nós
colonizado pelo meu nome.
Esforcei-me para afastar o gosto amargo que sentia na boca. Não consegui. Os
oficiais de meu grupo de combate que se encontravam presentes mantiveram-se em
silêncio. Imaginavam o que se passava dentro de mim.
O mensageiro sentiu-se obrigado a acrescentar o seguinte:
— Alteza, o Império luta pela sua existência. Ninguém imagina o que está
acontecendo em todos os planetas do Império. A frota está sendo destruída. Já nos vemos
obrigados a colocar povos colonizados a bordo das naves, o que certamente contribui
para baixar o nível do pessoal. Recebi ordens de transmitir-lhe verbalmente que o envio
dos cruzadores ligeiros e pesados e couraçados solicitados é impossível. Temos
necessidade premente de todas as unidades no setor das nebulosas. Talvez possamos
conseguir dez cruzadores ligeiros, mas o senhor mesmo teria de conseguir as respectivas
tripulações. Os homens treinados incumbidos do transporte das unidades teriam de voltar
imediatamente para Árcon.
Virei-me lentamente. O rosto enrugado de Tarts estava estarrecido. Inkar, o
comandante jovem e esquentado do cruzador pesado Paito, trazia uma resposta áspera na
ponta da língua. Fiz um gesto para que se calasse.
— Será que terei de colocar os bárbaros da idade da pedra que habitam este planeta
diante dos controles de artilharia? — perguntei em tom cansado e deprimido. — Ainda
disponho da nave capitania Tosoma e do cruzador pesado Paito. O poder de combate das
duas unidades é bastante restrito, já que as circunstâncias nos obrigaram a retirar alguns
dos mecanismos propulsores das mesmas. Transformamos estes em armas, já que nosso
inimigo não pode ser combatido com canhões comuns. Está na hora de Árcon
compreender que nos vemos diante de uma interseção de duas dimensões temporais
diferentes. E, na outra dimensão, também existem seres inteligentes.
“O perigo representado pelos metanianos é real e compreensível pela inteligência. O
que está acontecendo no setor de Larsaf poderá, um dia destes, atingir toda a Via Láctea.
As forças da natureza estão do lado dos desconhecidos. Dentro de uns trinta dias do
tempo local, o planeta número três estará em oposição ao de número dois. Quando isso
acontecer, estaremos na chamada zona de superposição. Mandei transformar Atlântida
numa fortaleza. Temos boas possibilidades de êxito, desde que recebamos o necessário
apoio.
O comandante do cruzador manteve-se calado. Evidentemente não podia emitir
qualquer pronunciamento sobre o assunto. Era mesmo absurdo apresentar-lhe meus
argumentos. Não poderia modificar os fatos.
Tomei uma decisão.
— Decole imediatamente, Ursaf. Meu relatório dirigido ao Imperador está pronto.
Ordeno-lhe que a mensagem seja entregue a Sua Majestade em pessoa. Não estou
interessado em que uma nota de importância vital seja engavetada por algum funcionário
subalterno. Se dentro de quinze dias, tempo-padrão, não receber nenhuma resposta de
meu venerável tio, abandonarei a colônia Atlântida e retornarei ao sistema de Árcon com
as duas naves que me restam.
No seio da frota, a disciplina era tão rígida que Ursaf nunca se atreveria a ponderar
que estava recusando o cumprimento de uma ordem. Mas não era difícil imaginar o que
estava pensando.
Um brilho sinistro surgiu nos olhos avermelhados de Tarts. Compreendera
perfeitamente. É claro que nunca abandonaria Atlântida, mas na situação em que nos
encontrávamos o único recurso que nos restava era uma ameaça frontal. Ursaf inclinou a
cabeça e colocou a mão direita sobre o peito.
De meu gabinete via a imensidão do mar. O Capitão Feltif, nosso competente
engenheiro, mandara construir a sede de meu governo nas encostas de uma cordilheira
litorânea. Bem abaixo do lugar em que me encontrava, grandes veleiros entravam no
amplo porto por nós construído. Os nativos do terceiro planeta estavam criando uma
civilização própria.
Fiz um sinal para que o mensageiro se aproximasse e chamei sua atenção para o
cenário distante.
— Convém informar o Imperador de que seria uma lástima abandonarmos os frutos
de nosso trabalho. Larsa II, o segundo planeta, teve de ser evacuado às pressas. Cerca de
quatorze mil arcônidas encontram-se neste continente, incluídos os tripulantes de minhas
naves. Fiz o que estava a meu alcance para enfrentar a catástrofe que se aproxima.
Mandem as naves e o armamento solicitados por mim. Dentro de trinta dias, o caso estará
liquidado. Logo após, estarei à disposição do Império com um poderoso grupo de
combate.
Mais uma vez, Ursaf manteve-se calado. Apesar de ser muito jovem; parecia saber
exatamente o que estava sendo planejado no planeta de cristal.
— Até poderei concordar em não lhe tirar seu cruzador novinho em folha —
acrescentei em tom irônico.
O mensageiro esboçou um sorriso de embaraço, e o velho Tarts fungou de surpresa.
— Que idéia! — disse em tom entusiasmado. — Resta saber como é que ele poderia
voltar.
— É justamente isso — disse Inkar em tom indignado. — É uma vergonha! Estamos
aqui com os motores gastos, estaleiros insuficientes e um montão de sucata retirada dos
depósitos de um mundo colonial evacuado. Quando os depósitos de lá foram
reabastecidos, ninguém se lembrou das unidades da frota. Vemo-nos obrigados a realizar
os reparos mais urgentes, em condições extremamente difíceis. Faça o favor de explicar
isso a Sua Majestade.
Ursaf espalmou as mãos, num gesto de submissão. Seria inútil continuar a amontoar
sugestões e recriminações sobre ele.
Tarts entregou-lhe a mensagem destinada a meu venerável tio. Tive um
pressentimento doloroso: provavelmente Ursaf seria o último soldado que Árcon nos
enviaria.
Pouco menos de uma hora depois dessa cena, encontrava-me com meus oficiais no
grande espaçoporto, assistindo à decolagem da Matoni. Era uma nave de cem metros e
possuía um excelente armamento.
Com um rugido, a nave esférica desapareceu no céu azul do terceiro planeta. Mais
uma vez, os nativos radicados em Atlântida cairiam de joelhos e estenderiam as mãos ao
céu, entoando cânticos. Para eles, éramos deuses. Mas tornava-se bastante duvidoso que
esses deuses fossem capazes de defender Atlântida.
Passei os olhos pelos meus oficiais. Assim que tive conhecimento da chegada do
mensageiro, mandei convocá-los.
Seria supérfluo perguntar qual a opinião deles. Já tinha conhecimento de seus
desapontamentos. Eram os velhos rostos, já conhecidos, embora muitos dos meus antigos
companheiros já não estivessem ali.
O Capitão Cerbus, chefe do meu grupo de cruzadores, fora morto durante a primeira
batalha de defesa, há mais de um ano. Com ele, mais de quarenta comandantes e dez mil
especialistas altamente qualificados haviam perdido a vida.
Será que valeria a pena defender esse pequeno sistema solar? Não sabíamos nem
quem seriam os terríveis inimigos!
Ainda havia outras coisas, que nos deixaram mais que perplexos. Depois das duras
lutas travadas no segundo planeta, um robô me entregara um aparelho do tamanho de um
ovo que, segundo suas instruções, deveria trazer constantemente no peito, junto ao
coração.
Não conseguira descobrir de onde viera essa nave dirigida por robôs. Pelo que
diziam, os misteriosos impulsos estimulantes do chamado ativador celular me
confeririam a imortalidade relativa. Não acreditei muito nas informações fornecidas pelo
complicado mecanismo, cujo construtor só deu sinal de sua presença por meio de uma
estrondosa gargalhada. Apesar disso, passei a trazer o objeto metálico no peito. Face ao
reduzido tempo até então decorrido, ainda não pudera constatar se realmente detinha ou
retardava o processo de envelhecimento. De qualquer maneira, sentia-me jovem, ágil e
disposto como antes.
Mas meus problemas pessoais assumiam importância secundária. O que estava em
jogo era a existência de quatorze mil arcônidas, alguns milhões de nativos e uma colônia
jovem, mas admirável.
Atlântida era um continente ilhado, com cerca de dois mil quilômetros de
comprimento. Apreciávamos bastante o clima tropical e o ar puro das regiões mais
elevadas. No espaço de quatro anos, havíamos criado uma colônia-modelo, e chegamos a
transmitir alguns conhecimentos às aldeias situadas ao leste e ao oeste de Atlântida.
Inkar fora por mim designado como chefe das terras do ocidente. Com um sorriso,
comunicou-me que os nativos daquelas bandas fizeram dele uma espécie de rei divino.
Era chamado simplesmente de Inka. E o emblema solar de minha venerável família foi
eleito como sinal da divindade.
No último ano, mais de quinhentos dos meus soldados e colonos haviam solicitado
permissão de casamento. Concedi a permissão, pois vi que aqueles homens deviam
sentir-se abandonados e solitários. Mais do que a situação exigia.
Ao que tudo indicava, os casamentos eram bem feitos, embora Tarts me tivesse dito
várias vezes que, na verdade, eu infringira a lei. Os seres inteligentes do nível B não
deveriam misturar-se com os arcônidas. Fiz referência expressa à cláusula que previa o
estado de necessidade e mandei que as mulheres nativas fossem avisadas dos dispositivos
relativos ao divórcio. Segundo resolução da Divisão de Colonização, qualquer casamento
entre um arcônida e uma mulher terrana perdia a validade jurídica assim que os cônjuges
tivessem que deixar o respectivo planeta.
Tive esperanças de rechaçar o inimigo medonho vindo das profundezas de outra
dimensão temporal e conservar a nova pátria dos meus colonos. Nesse caso, a mistura
com os nativos semelhantes aos arcônidas era permitida e mesmo recomendável. Caberia
aos nossos homens transmitir os necessários ensinamentos às esposas e educar os
eventuais descendentes para a elevada cultura e tecnologia de nosso povo. Dessa maneira,
surgia uma nova raça. Tinha certeza absoluta de que, um dia, essa visão generosa traria
seus frutos.
Se um almirante experimentado era incumbido da administração de todo um
planeta, deveria gozar da maior liberdade de ação.
Um forte uivo trouxe-me de volta à realidade. Uma nave auxiliar do couraçado
Tosoma, de sessenta metros de diâmetro, preparava-se para pousar.
— Acho que esse sujeito ficou louco! — exclamou Tarts em tom de perplexidade.
No mesmo instante, eu e meus oficiais atiramo-nos ao chão, em busca de abrigo.
Esperei até que a onda quente passasse por cima de nós.
Ao levantar a cabeça, vi que a nave caía numa rota insegura e cambaleante, para
bater no solo junto à imensa Tosoma. Era a TO-4, cujo comandante recebera ordens de
realizar um vôo de reconhecimento próximo à órbita do segundo planeta.
Três dos grossos suportes quebraram-se durante a aterrissagem. Era um sinal de que
as instalações antigravitacionais da nave auxiliar não se encontravam em bom estado.
Pousara à maneira antiga, apoiada sobre o próprio raio de partículas, se é que essa quase-
queda ainda poderia merecer o nome de pouso. A TO-4 encontrava-se a pouco menos de
um quilômetro do lugar em que estávamos.
Muito chocado, olhei para o local de impacto.
Usei um planador antigravitacional, para entrar em atividade.
Tarts e Inkar já estavam sentados no veiculo aberto. Sem dizer uma palavra,
levantei-me e entrei. O motorista agiu imediatamente. Antes que pudéssemos dizer uma
palavra, o veículo já corria em direção do local da queda.
O rosto de Tarts estava circunspecto. Quando vimos a gigantesca abertura no corpo
da nave, com as bordas infladas em forma de bolha, compreendemos por que sua
tripulação realizara um pouso tão maluco.
Da comporta de carga inferior da Tosoma, uma nave de oitocentos metros de
diâmetro, já saíam os corpos de aço dos robôs de salvamento. No interior da nave
auxiliar, parecia haver fogo. Era ao menos o que indicavam as nuvens de fumaça negra.
Inkar falou em tom indiferente:
— A nave foi atingida por uma arma térmica; não resta a menor dúvida. Quem a
deixou nesse estado?
Corri em direção da nave. Robôs ágeis penetravam pelas comportas abertas. Apesar
disso, demorou alguns minutos até que aparecessem os primeiros sobreviventes. A
tripulação da TO-4 era de quinze homens.
Aguardamos em silêncio que as máquinas completassem seu trabalho. O
equipamento de extinção de fogo da Tosoma também foi colocado em ação. O incêndio,
que grassava na segunda sala de geradores da nave, foi sufocado.
Só onze dos tripulantes foram resgatados. Três deles estavam mortos, e os outros
haviam sofrido ferimentos leves ou graves.
Esperei até que o médico-chefe da Tosoma me desse um sinal. O Tenente Kehene,
comandante da nave auxiliar, sofrerá queimaduras graves, mas já não estava sentindo
dores. Um banho de plasma logo curaria seus ferimentos. Podia arriscar-me a submetê-lo
a um ligeiro interrogatório.
Ajoelhei ao lado da maça em que estava deitado e deixei cair a capa que embaraçava
meus movimentos. Não era a primeira vez que me via diante de um homem nesse estado.
As queimaduras de seu corpo não eram produzidas pelas armas energéticas.
— TO-4 de volta do vôo de patrulhamento, Alteza — disse Kehene, respirando com
dificuldade. — Mais uma vez, uma frente relativa de energia cobria o segundo planeta.
Mantive a distância de segurança indicada e limitei-me a observar o que estava
acontecendo. Desta vez, o outro plano temporal desenvolvia uma velocidade de quase
cinqüenta quilômetros por segundo, o que representa muito mais do que aquilo a que nos
acostumamos. Estava medindo as diversas fases, quando de repente apareceu a abertura
no espaço.
Um médico aplicou mais uma injeção calmante. A massa plástica do uniforme
estava colada à pele queimada.
Fiquei espantado.
— Uma abertura no espaço...?
— Foi isso mesmo, Alteza — asseverou o jovem comandante. — Parecia um
gigantesco funil cuja abertura se ampliava cada vez mais. O fenômeno se processava
aproximadamente a dez por cento da velocidade da luz. Nos lugares em que se verificava
a ampliação do funil, as estrelas se apagavam. Ficavam encobertas por uma luminosidade
vermelho-escura, que, vez por outra, passava para o preto. Nossos medidores de ondas de
choque registraram ligeiros abalos estruturais, e de repente apareceram.
— Quem? — perguntou Tarts em voz alta e respirando pesadamente.
— Quatro naves espaciais desconhecidas, de formato longo e cilíndrico. Os
rastreadores energéticos registraram a presença de mecanismos de propulsão na base de
impulsos. Obtivemos hiperecos bem nítidos. Isso prova que desta vez não se tratava de
sombras imateriais. As quatro unidades saíram da abertura do funil a que já me referi.
Retirei-me imediatamente a toda velocidade, mas eram rápidas demais... No momento em
que as observei, desenvolviam metade da velocidade da luz, enquanto eu me encontrava
praticamente imóvel, em posição de espera. Abriram fogo com seus canhões térmicos,
que produziram um efeito semelhante ao dos nossos radiadores de impulsos.
“Realizei as manobras de desvio em conformidade com os cálculos de probabilidade
de impacto realizados pelo computador positrônico acoplado aos localizadores
energéticos. Por três vezes consegui desviar-me de suas salvas. Porém atingiram-me num
disparo em ângulo, em plena curva de manobra. A TO-4 ficou avariada na área da
protuberância equatorial. O antígravo e o equipamento de rádio foram inutilizados, tal
qual os propulsores três e um.
“Só escapei porque as três unidades restantes se retiraram subitamente para o
interior do funil. No momento em que batia em retirada, o fenômeno estava
desaparecendo. O vôo de regresso e o pouso foram muito difíceis, Alteza. Metade dos
tripulantes morreu.”
Kehene chegara ao fim das suas forças. Fechou os olhos; parecia esgotado. Foi
levado imediatamente à clínica de bordo da Tosoma. Nossos olhos acompanharam os
robôs médicos, até o momento em que estes desapareceram com o ferido na comporta
inferior da nave-couraçado.
A equipe técnica da nave capitania já se encontrava diante do que sobrara da nave
auxiliar tão preciosa. A Tosoma só levara a bordo quatro naves desse tipo. A TO-4 era a
única que ainda estava intacta.
Lembrei-me de Grun, um físico e matemático genial, que há cerca de um ano
mandara para Árcon documentos extremamente importantes, relativos a uma nova arma.
Naquela oportunidade, manifestara a opinião de que haveria de chegar o dia em que
seriam verificadas uma estabilização temporária e uma superposição constante das áreas
periféricas dos campos temporais.
Não julguei necessário esperar pelos técnicos, pois imaginava perfeitamente o que
estes encontrariam nos instrumentos da pequena nave. As suposições de Grun se haviam
confirmado. E agora tínhamos de conformarmo-nos com esse fato. Foi justamente por
isso que solicitei os reforços.
Se, daqui em diante, o inimigo estivesse em condições de penetrar no nosso
Universo sem recorrer a qualquer dispositivo técnico especial, poderia perfeitamente
haver uma batalha regular. Minha nave, a Tosoma, pertencia às unidades mais antigas de
sua classe. Durante as batalhas no setor das nebulosas recebera maior número de
impactos do que uma nave geralmente pode suportar.
O cruzador pesado de Inkar era de construção recente. Pertencia à grande classe dos
quinhentos metros da série Fusuf. Essas naves me permitiriam derrotar povos inteiros,
desde que estes não se encontrassem em nível intelectual superior ao grau G.
Mas agora via-me com os restos de uma esquadrilha diante de um inimigo cuja
técnica espacial apresentava várias novidades. Era engenheiro de energia de alto grau.
Por isso podia imaginar perfeitamente o que significava o fenômeno observado pelo
Tenente Kehene. Se as naves desconhecidas conseguiam sair do hiperespaço
superdimensional sem provocar grandes abalos estruturais, seus construtores possuíam
uma tecnologia de vôos à velocidade superior à da luz bem mais simples que a nossa.
Mas ainda restava conhecer a interpretação dos dados colhidos na TO-4.
Tarts mantinha-se rígido à minha frente. Seu rosto estava transformado numa
máscara.
— Tem alguma ordem, Alteza?
— Para você continuo a ser Atlan, amigo — disse em tom distraído. A seguir,
contemplei meu corpo de oficiais. Todos estavam presentes, e apresentavam aquele brilho
peculiar nos olhos.
Mais à esquerda, a gigantesca Paito repousava sobre as colunas de suporte que antes
pareciam torres. Era um verdadeiro milagre eu ter ficado justamente com as duas
unidades mais poderosas de minha esquadrilha. Não poderíamos contar com qualquer
auxílio de Árcon; teríamos de agir imediatamente. Meus experimentados oficiais
aguardavam ordens.
Meu olhar caiu sobre Kosol, o novo chefe da divisão matemática. Ao lado dele, vi o
Capitão Feltif, elaborador de projetos de colonização. Fora ele quem criara as oito
posições de defesa em Atlântida. Os propulsores retirados dos cruzadores Titsina e Volop
haviam sido transformados em armas estacionárias de impulsos da quinta dimensão.
Nos grandes continentes situados a leste e oeste de Atlântida, os especialistas
haviam construído castelos de pedra, silos em forma de pirâmide e outros alojamentos de
emergência. Se houvesse um ataque, os nativos inteligentes seriam evacuados da zona
equatorial.
Os veículos aéreos estavam de prontidão para, se necessário, retirar as guarnições
das posições de artilharia das zonas que, segundo se esperava, seriam atingidas pela
superposição dos planos temporais. Uma cúpula submarina fora construída para os
colonos arcônidas de Atlântida. Lá, se necessário, dez mil pessoas poderiam ser abrigadas
por um breve espaço de tempo. No segundo planeta do sistema de Larsaf, constatamos
que os peixes e outros animais aquáticos não foram atingidos pela frente relativista, desde
que se encontrassem a grande profundidade. Para nós, essa descoberta era muito valiosa.
Mas os preparativos previam apenas uma passagem normal da frente de ondulações.
Se o inimigo desconhecido conseguisse penetrar em nosso espaço, a situação seria bem
mais grave. Nesse caso, ocorreria uma luta de vida e morte.
Voltei a contemplar a parede parcialmente derretida da nave auxiliar. Depois dirigi-
me às pessoas que me cercavam.
— A Tosoma e a Paito ficarão de prontidão, com os comandantes a bordo.
Realizaremos um vôo armado de reconhecimento nas proximidades da órbita de Larsa II.
Feltif, envie seus comandos de superfície às respectivas posições de combate. Ligue os
canhões de impulso em ponto morto. Tarts, prepare o envio de uma mensagem dirigida a
Sua Majestade; o texto será fornecido oportunamente. Os nativos serão evacuados.
Infelizmente, as famílias terão de ser separadas, sempre que os cônjuges arcônidas sejam
tripulantes das naves ou pertençam às guarnições de artilharia.
Vi Inkar, o jovem comandante, estremecer quase imperceptivelmente. Vivia num
casamento feliz, motivo por que a ordem que acabara de receber constituía uma dura
provação para ele.
— Os colonos arcônidas devem ser avisados a fim de que se preparem para uma
fuga que os levará a zonas desertas. O quartel-general será transferido imediatamente
para a cúpula pressurizada submarina que será preparada pela equipe de engenharia.
Olhei para o relógio. Passava do meio-dia. Sobre o amplo espaçoporto, o sol branco-
amarelado do sistema estava no zênite. Era um belo mundo, semelhante a Árcon, que
reunia todas as condições para um belo desenvolvimento. Naquele instante, estava
decidido a defender o terceiro planeta com todos os meios a meu alcance.
— Decolaremos dentro de uma hora — ordenei. — Os resultados das medições
realizadas pelos instrumentos da TO-4 me serão apresentados imediatamente.
Levantei a mão a título de cumprimento. Os oficiais limitaram-se a inclinar a
cabeça. Já fora dito — tudo que pode ser dito — numa ocasião como esta.
Tarts, que também era chefie do estado-maior, acompanhou-me até o carro. Aquela
figura alta parecia um símbolo de força e determinação. Depois de ter recebido o
tratamento biológico de rejuvenescimento seu passo voltara a ser firme e elástico.
No momento em que pretendia entrar no veículo, disse:
— Nossas chances estão num ataque rápido e fulminante, Atlan! Se esperarmos até
que saiam do funil de superposição, estaremos perdidos. Será fácil desviarmo-nos de uma
frente temporal normal, face à sua reduzida velocidade.
— Foi justamente por isso que dei ordem para decolar — confirmei. — Apenas
receio que ambos os fenômenos se verifiquem ao mesmo tempo. De qualquer maneira, as
naves insubstituíveis deverão estar nas profundezas do espaço, caso durante a oposição
dos dois planetas se verificar uma superposição. Por enquanto, estou interessado em ver
os resultados das medições realizadas pela nave auxiliar. Aguardemos.
Quando decolamos, sabíamos que estávamos indo de encontro ao destino. Estava
decidido a avançar pelo anel de estabilização, houvesse o que houvesse, e lançar um
ataque devastador do lado oposto.
Os maravilhosos edifícios de Atlópolis, capital de Atlântida, erguiam-se à nossa
frente. A cidade era um centro comercial e cultural dos colonos espalhados por uma vasta
área.
Nossos veículos soaram as sirenas para abrir caminho. Os nativos, que vestiam
roupas coloridas, feitas à mão, ajoelharam-se. Senti-me constrangido ao ver as criaturas
inteligentes deste mundo numa posição de devotamento exagerado.
Tarts e os homens do comando de colonização também não gostavam do modo
devoto dos nativos.
O velho comandante disse em tom contrariado:
— Devíamos tentar aperfeiçoar os indivíduos mais inteligentes dessa raça por meio
de um treinamento hipnótico rápido. Dessa forma, ficaremos sabendo se o volume
espiritual dos mesmos já é suficiente para compreender nossa tecnologia.
Limitei-me a fazer um gesto irônico. Meu velho espadachim parecia transformar-se
num homem pacato. Tarts já pertencera à classe dos arcônidas que, ao pousarem num
mundo estranho, mandavam preparar os canhões antes de dizer bom dia.
— Isso já foi providenciado — respondi.
— Ah!
Diverti-me com o rosto perplexo de Tarts. Enquanto subíamos a larga estrada em
espiral que levava ao meu palácio administrativo, notei que examinava atentamente os
nativos que trabalhavam nas plantações. Aqueles homens altos e morenos eram
fisicamente robustos e ágeis. Só os primeiros ensaios com o aparelhamento ultra-secreto
de ensino hipnótico rápido diriam se seus cérebros também eram bem desenvolvidos.
No espaçoporto, que já ficava longe, ouviu-se um trovejar. Os mecanismos de
propulsão da gigantesca Tosoma produziam um anel fogoso representado pelas massas de
ar superaquecido. Se possuísse dez naves desse tipo, eu me sentiria mais à vontade.
Dali a quarenta minutos, os resultados das medições efetuadas pela nave do Tenente
Kehene me seriam transmitidos pelo videofone. O computador positrônico da nave
capitania realizara um trabalho rápido e preciso.
Kosol, o novo matemático-chefe, estava no aparelho.
— Alteza, é um fenômeno natural que deve repetir-se a cada cinco bilhões de anos.
As duas dimensões temporais tendem para uma estabilização recíproca. Daí resulta uma
descarga energética dos volumes dimensionais submetidos a uma tensão mais intensa. Os
funis de saída representam campos energéticos instáveis de grande extensão. Através
deles, atinge-se uma igualização dos vários fluxos. Na prática, exercem as funções de
condutor. É bem possível que os desconhecidos tenham conseguido a interpretação
matemática dos fatos e os aproveitado para as finalidades que têm em vista. O rápido
avanço das quatro naves espaciais prova que o momento adequado foi perfeitamente
determinado. E, ao que parece, sabiam quando estava na hora de voltar.
— Quais são as perspectivas para o futuro? — perguntei.
— Para nós, não são nada boas, Alteza. Dentro de quinze dias, aproximadamente,
será atingido o estágio de estabilização total. Devemos contar com o fato de que a
situação, ainda instável, se manterá constante durante várias semanas ou até meses.
Foi só o que Kosol tinha a informar. Agradeci e desliguei. Tarts manteve-se
pensativo junto às grandes janelas de meu gabinete. Estávamos a sós.
— Temos duas possibilidades — disse com a voz pausada. — Se fugirmos
imediatamente, neste mundo não acontecerá um inferno atômico, mas os seres que vivem
aqui desaparecerão por completo. Com isso, a evolução natural sofrerá uma interrupção.
Se resistirmos, o resultado talvez seja favorável. Talvez, veja bem! Mas, conforme as
circunstâncias, o número três se transformará numa fornalha.
Quando dei minha resposta, fitou-me em atitude pensativa:
— Era o que eu estava pensando, Tarts. Assumirei o risco. Mesmo que metade deste
mundo seja destruída, ainda sobrará espaço vital para salvar as inteligências deste planeta
da destruição. Faremos o possível para rechaçar o inimigo.
Tarts manteve-se em silêncio. Sua mão pesada bateu ruidosamente no lado esquerdo
do peito. Em atitude rígida e com o radiocapacete de comandante enfeitado com os
símbolos planetários sob o braço, caminhou em direção à porta.
Dali a vinte minutos, anunciou, de bordo da Tosoma, que a nave capitania estava
pronta para decolar.
Quando saí do edifício-sede do governo, a Pai to já subia ruidosamente ao céu azul
de Atlântida. Lá embaixo, no grande porto natural do continente, os pescadores e
mercadores nativos recolheram apressadamente as velas coloridas de seus navios de
madeira. Já haviam feito experiências nada agradáveis com as ondas de compressão
provocadas pela subida das grandes naves espaciais.
Na comporta inferior da Tosoma fui recepcionado com todo o cerimonial da frota.
Tarts fazia muita questão do formalismo. Dali a três minutos, os conversores de impulsos
dos quinze propulsores que nos restavam foram acionados cautelosamente. Ao
decolarmos, provocamos o ruído de uma irrupção vulcânica.
À nossa frente, abria-se o espaço livre. O terceiro planeta foi recuando e logo se
transformou numa bola reluzente.
Em virtude da transformação de três unidades propulsoras em armas
superdimensionais, levamos quase treze minutos para atingir a velocidade da luz. Com
isso, a velha Tosoma já não tinha o desempenho que seria de esperar de uma moderna
nave espacial.
Seguimos diretamente para Larsa II, o segundo planeta do sistema. Pelas
informações que me haviam sido fornecidas, aquele mundo selvático não fora privado
apenas da vida humana, mas também de boa parte da vida animal. Durante as repetidas
passagens da frente relativista, esses seres foram arrastados para a outra dimensão
temporal.
Não estávamos interessados em assistir à repetição de tal fenômeno em Larsa III.
5
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***
Alguém estava cantando. A voz era bonita e agradável. Ouvi-o com uma atenção
cada vez maior e esqueci a dor de cabeça que me torturava. Por muito, muito tempo,
meus sentidos absorveram os belos acordes com uma verdadeira volúpia.
Quando abri os olhos, vi um jovem de pele morena.
“Home, home on the ranch” cantava com sua bela voz. Mais adiante vi um oficial de
olhos escuros com os distintivos de chefe administrativo. O jovem de rosto moreno
continuava a cantar. Subitamente lembrei-me de quem era. O Tenente Fron Wroma
pertencia à oficialidade do couraçado terrano Drusus.
De repente, ouvi alguém dizer:
— Lembrei-me de que a música e o canto sempre produzem um efeito benéfico
sobre o sistema nervoso de gente do seu tipo.
Ergui-me lentamente sobre a poltrona articulada, que estava em posição reclinada.
Lembrei-me de que meu segundo cérebro me obrigara a contar alguma coisa.
Perry Rhodan cumprimentou-me com um sorriso. Reginald Bell ofereceu-me um
refrigerante. Falando num tom estranhamente baixo e pensativo, disse:
— Afinal, acabaram chegando, almirante. Apenas demoraram bastante. Mas os
bárbaros de Larsa III se desenvolveram. Seu esforço não foi em vão, Atlan. E os que
vierem depois de você não voltarão a cometer o mesmo erro.
Limitei-me a acenar com a cabeça. Tinha de realizar um esforço para voltar a
raciocinar nos moldes atuais.
Deixaram que descansasse um pouco.
Depois de algum tempo, Rhodan perguntou:
— Parece que seu aparelho de alarma falhou, não é?
Sacudi a cabeça.
— Não; estava em perfeitas condições. Acontece que não apareceu nenhuma nave
espacial. Despertei a cada quinhentos anos.
Nessas oportunidades, dava uma olhada pelo planeta, mas faltava muito para que os
terranos atingissem o nível desejado. Para fugir à solidão, voltava a recolher-me à cúpula.
Quando despertei pela vigésima primeira vez, havia na face da Terra um grande império,
conhecido como o Império Romano. Infelizmente despertei um pouco depois da hora,
pois dormi enquanto florescia a cultura grega. Dali em diante, fiquei em cena, mas o
caminho, que teve de ser percorrido até a construção da primeira nave espacial, ainda era
muito extenso. Foi uma longa espera, Perry.
As máquinas da Drusus começaram a funcionar. Levantei a cabeça.
— É um som lindo, quase tão lindo como a voz de Wroma — disse em voz baixa.
— Foi uma ótima idéia mandá-lo cantar. Adoro esta velha canção, que costumava ser
cantada nos Estados Unidos. Faz muito tempo.
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