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1. Introdução
merecerá, neste breve estudo, maiores atenções os casos de usucapião ordinário (art.551
do CC).
Nem se cogite aqui a nova modalidade de usucapião introduzida pela Constituição
Federal de 1988 (o chamado usucapião especial ou ainda constitucional), pois, sendo o
usucapiente titular de unidade condominial, não poderá fazer prova de que não possui
outro imóvel e, portanto, ser contemplado com essa nova modalidade de prescrição
aquisitiva.
1
“Art.3º. O terreno em que se levanta a edificação ou conjunto de edificações e suas instalações, bem como
as fundações, paredes externas, o teto, as áreas internas de ventilação, e tudo mais o que sirva a qualquer
dependência de uso comum dos proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades ou ocupantes,
constituirão condomínio de todos, e serão insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva
unidade Serão, também, insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino.”
3
partes do edifício não constitutivas de propriedade exclusiva de cada um, por mais que
dure a ocupação exclusiva, jamais se converterá em domínio (...). A comunhão sobre tais
partes de edifício de apartamento é da essência mesma da propriedade horizontal, como
se lê no art.3º da lei.” (Condomínio e incorporações, 10ª e., p.115/116)
O consagrado civilista, reconhecidamente um dos autores que com maior
profundidade e propriedade abordou o assunto “condomínio em edifício”, firmou posição
que acabou por influenciar toda a doutrina pátria.
Com amparo na lição de Caio Mário e em robusta jurisprudência, proclama-se José
Carlos de Moraes Salles (Usucapião de bens móveis e imóveis, 4ª e., p.70/71), segundo o
qual o art.3º da Lei nº 4591/64 exclui a posse com ânimo de dono, requisito indispensável
ao usucapião2.
É partidário da mesma posição João Batista Lopes que, invocando o mesmo artigo
3º da lei, entende “incivil premiar com o usucapião o condômino que revelou desprezo
pelo diploma legal a que devem obediência todos os que vivem no universo do
condomínio” (Condomínio, 7ª e., p. 146). Em seu abono, invoca lição do Prof. Arruda
Alvim, professada nas aulas da pós-graduação da PUC/SP (ob.loc.cit.).
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo tem também assim se
posicionado, reconhecendo que a ocupação exclusiva de condômino sobre parte comum
da propriedade horizontal é mera detenção, revogável a qualquer tempo pelos demais
comunheiros3.
Para os adeptos dessa corrente, a indivisibilidade da área comum e sua
inseparabilidade das unidades autônomas reforçam a inadmissibilidade da prescrição
2
“Caio Mário da Silva Pereira entende que não, por lhe parecer que não é lícito a um condômino excluir
a posse dos demais, mostrando-se incompatível com esta modalidade aquisitiva a condição condominial,
que, por sua natureza, exclui a posse cum animus domini. Com esteio na lição do insígne civilista, o Egrégio
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu: ‘Segundo a doutrina dominante, um condômino não pode
usucapir contra outro a área comum por lhe faltar o animus domini’ (RT 530/179). No mesmos sentido,
confira-se a JTJ 129/266 e a 141/61.”
3
USUCAPIÃO - Alegação como defesa em ação reivindicatória - Utilização pelo condômino de área comum
em proveito próprio - Ocupação que constitui mera detenção, não configurando posse, por inidoneidade do
objeto - Artigo 3º da Lei Federal n. 4.591, de 1964 - Prescrição aquisitiva inocorrente - Reivindicatória
procedente - Recurso não provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 8ª Câmara de Direito Privado, Relator
Desembargador José Osório, Apelação Cível n.º 123.294-1 – São Paulo, J.:08.08.1990, v.u.)
CONDOMÍNIO. Áreas comuns. Utilização exclusiva dos réus. Circunstância que não os autoriza a alterar
o uso comum em benefício próprio e exclusivo. Infração ao artigo 3º da Lei nº 4.591/64 e à Convenção.
Falta de consentimento de todos os condôminos, quando da alteração. Rejeitadas as preliminares. Recurso
provido.(Tribunal de Justiça de São Paulo, 1ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Gildo dos
Santos, Apelação Cível nº 38.012-4/2 – São José do Rio Preto, J.: 16.06.1998; v.u., BAASP, 2151/1337-j,
de 20.03.2000).
4
aquisitiva por condômino. Assim leciona o aclamado Benedito Silvério Ribeiro em seu
Tratado de usucapião (v. I, p.287), seguindo o qual “constituem as áreas comuns partes
acessórias das unidades condominiais e isoladas, seriam acessórios sem principal. Sendo
indivisíveis, perdurando o estado de indivisão, descabe qualquer aquisição pela via da
prescrição.”.
Sustenta-se, ainda nesse sentido, que decorre da própria natureza da propriedade
horizontal o estado de indivisão das áreas comuns, por serem, por princípio e destinação
legal, indispensáveis à própria existência da instituição condominial. Por conseguinte, são
definidas como institucionais4.
Um último argumento a embasar essa tese é suscitado pelo já citado Prof. João
Batista Lopes, segundo o qual eventual declaração de usucapião de área comum conturba
a vida em condomínio, fomentando o conflito social: “O usucapião de parte comum –
salvo entendimento diverso – faz permanecer o conflito social, pois o usucapião de parte
comum prejudica, permanentemente, o uso do condomínio” (ob.cit, p.147).
4
A propósito, tem-se muito bem fundamentado Acórdão do ETJESP, assim ementado:
USUCAPIÃO – Área comum –Não tem amparo legal a pretensão de o condômino usucapir área comum
de edifício – Posse, mesmo que prolongada, é sempre dotada de precariedade, revogável a qualquer
tempo a autorização de uso pela Massa Condominial – Além do mais, as áreas comuns são institucionais,
constituindo-se requisitos para a caracterização do condomínio horizontal e não podem ser usucapidas”
(Tribunal de Justiça de São Paulo, 3ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Alfredo
Migliore, Apelação Cível nº 74.501-4 – Marília, J.: 09.02.1999; v.u., destacamos).
5
área comum, nem mesmo à luz dos artigos 3º, 10, IV e 19 da Lei nº 4591/69. Interpretá-
los extensivamente de modo a configurar carência de ação revela-se, acima de tudo,
negativa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição7, quanto mais no campo dos direitos
patrimoniais disponíveis8.
6
“Art.1477: As dívidas de jogo ou aposta não obrigam a pagamento (...)”
7
O Ilustre Prof. Cândido Dinamarco nos ensina que: “Para não se perder a proporcionalidade e o equilíbrio
do binômio direito-processo, o princípio da instrumentalidade do segundo ao primeiro leva à continuidade
da garantia da ação, tal qual está no art.5º, inc. XXXV da Constituição da República. Não se trata de
conceder esse poder em situações tipificadas e mediante rol taxativo estabelecido na lei ou na Constituição.
Exatamente porque ampla, vaga e indefinida é a área dos direitos substanciais, igualmente amplo, vago e
indefinido é o campo coberto pelo direito de ação. (...) Nesse sentido e por isso é que, em processo civil, a
determinação da possibilidade jurídica faz-se em termos negativos, dizendo-se que há impossibilidade
jurídica quando o Estado, sem levar em conta as características peculiares da situação jurídica concreta,
nega aprioristicamente o poder de ação ao particular. Inexistindo razão preponderante ou expressa
vedação legal, a ação é admissível”. (Execução civil, 7ª e., p.389).
8
Como reconhece parcela considerável doutrina, as cláusulas de indivisibilidade, indestacabilidade e
impossibilidade de utilização exclusiva de área comum por um condômino não são de ordem pública, e
podem ser derrogadas pelo consenso da unanimidade dos condôminos. A respeito, veja-se lição do Prof
João Nascimento Franco, em sua obra Condomínio em edifícios (2ª e. p.115 e seguintes).
8
9
Cf. Washington de Barros Monteiro, ob.cit, p.18
10
Alexandre Corrêa e Gaetano Sciascia, Direito romano, v.I, 4ª e., p.155)
11
Cf. José Carlos Moreira Alves, no artigo A detenção no direito civil brasileiro, inserta na obra Posse e
propriedade – doutrina e jurisprudência, sob a coordenação de Yussef Said Cahali, p.6
9
12
O alargamento do conceito de posse, que é consagrado pela teoria objetiva, atende a fortíssimas exigências
de ordem social, pois dela decorre o alargamento da proteção possessória. Pela teoria subjetiva é
inadmissível o exercício da posse por outrem, “porque não podemos ter, para terceiro, a coisa com o desejo
de que seja nossa” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4., 15ª e., p.35). Assim, à lume
da teoria subjetiva, o locatário, (mero detentor da coisa locada pela ausência de animus domini) seria
obrigado a recorrer ao locador para afastar turbação ou esbulho, o que seria, evidentemente, um contra-
senso. A teoria objetiva resolve o problema à medida em que contempla a posse sem ânimo de dono,
conferindo ao seu titular a proteção pelos interditos.
13
Cf. José Carlos Moreira Alves, ob.cit, p.6; Sílvio de Salvo Venosa, Direitos reais, 2ª e., p.42/43; Maria
Helena Diniz, ob.cit, p.40 etc..
10
tempo dentro qual não se vislumbra, por razões de ordem eminentemente lógica, “mera
permissão”, muito menos simples “tolerância”14.
Cai por terra, pois, o primeiro argumento daqueles que defendem a
inadmissibilidade do usucapião de área comum segundo o qual a ocupação exclusiva não
se reveste de caráter possessório.
6. Animus Domini
14
“A permissão é consentimento expresso, sem renúncia a posse, como se verifica quando o proprietário
auitoriza alguém a passar pelo seu terreno. A tolerância é consentimento tácito, também sem renúncia,
consistente na ausência de oposição a ato de terceiro, mas por forma a que se perceba a precariedade com
que esta usando a coisa” (Orlando Gomes, ob.cit, p.56, destacamos).
15
Cf. Darcy Bessone, Direitos reais, 2ªe., p.207/208.
11
8. Estado de Comunhão
16
Em abono: Darcy Bessone, ob.cit, p.93 e ss, e Caio Mário Da Silva Pereira ob. cit., p.91
17
“USUCAPIÃO - Área em condomínio - Posse exclusiva de um dos sócios, com ânimo de domínio,
sobre área comum, não dividida - Inexistência de obstáculo para a prescrição aquisitiva - Processo extinto
- Recurso provido, para anular a sentença.”
(Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n. 40.911-4-Monte Alto,
Relator Desembargador Olavo Silveira, J.: 04.06.1998, v. u.)
“O usucapião extraordinário em favor de condômino contra outro é possível, sempre que tenha a
exclusividade de uma posse localizada (RT 462/101, RF 122/208, RT 168/752, 238/411, 247/174, 352/445,
449/248, 524/79)”(jurisprudência invocada pelos Professores Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery,
em seu Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor – 3ª e.,
p.975).
13
Cumpre-nos, ainda, enfrentar uma intrincada questão, qual seja, a que diz respeito
à indivisibilidade e à indestacabilidade das áreas comuns em relação às unidades
autônomas.
No mesmo sentido: JTJ 152/209, 157/198, RJTJESP 119/271, RF 190/219 (TA/MG), 215/161
(TA/MG), RT 321/477 (1º TAC/SP), 544/73 (TJ/SP), 605/193 (TJ/SP), 305/173 (TJ/SP).
18
“O USUCAPIÃO É FORMA ORIGINÁRIA DE ADQUIRIR. O USUCAPIANTE NÃO ADQUIRE DE
OUTREM; SIMPLESMENTE ADQUIRE” (Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, Recurso Especial nº
23/PR (198900081586), Relator: Ministro ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, J.: 19.09.1989, v.u.,
Publicação: DJ data 16.10.1989 p. 15856, RSTJ 05/307).
No mesmo sentido RT 435/206, 439/214, 623/58; RJTJESP 94/203, 107/239, 107/321, 112/238; e RTJ
117/652.
14
19
Como já dissemos, e aqui vale frisar, indivisibilidade e indestacabilidade caminham sempre juntas e,
quando se diz necessária ou não necessariamente indivisas está se querendo dizer, também, necessária
ou não necessariamente indestacáveis.
20
É necessário abrir parênteses para observar que a construção do jurista merece reparo no ponto em que
afirma a impossibilidade da unanimidade deliberar sobre a divisão das áreas necessariamente indivisas. Tal
divisão pode se dar mediante prévia demolição do prédio, referendada pela unanimidade condominial, pois,
como bem observa Caio Mário da Silva Pereira, o condomínio sofre a inspiração “da idéia dominante do
direito obrigacional, em virtude de que à vontade é lícito desfazer uma situação jurídica, da mesma forma
que lhe era permitido constitui-la” (ob. cit, p.226).
21
Caso contrário, far-se-ia necessária a instituição de servidões de passagem, cuja formalidade é
incompatível com a dinâmica da propriedade horizontal.
16
Vemos, portanto, que essa simples e lógica distinção nos conduz à afirmar
que, em princípio, as cláusulas legais de indestacabilidade e indivisibilidade não
representam óbice ao usucapião de área comum.
Vimos que a ocupação exclusiva de parte comum de área comum pode, sim,
revelar-se posse, apta à prescrição aquisitiva (posse ad usucapionem), e no capítulo
anterior procuramos demonstrar que a indivisibilidade e a indestacabilidade das áreas
comuns não pode obstar o usucapião, em face da lógica e facilmente perceptível distinção
não contemplada pela lei entre áreas necessária e não necessariamente indivisas e
indestacáveis.
Porém, para se admitir o usucapião não basta que a posse pelo condômino
usucapiente atenda aos requisitos do art.550 do CC e que a área comum ocupada seja não
necessariamente indivisa/indestacável. Trata-se de condições necessárias, mas não
suficientes. Senão, vejamos.
Não se pode negar que as áreas comuns, por destinação legal e convencional, são
institucionais e, nessa qualidade, atendem ao interesse da unidade comunheira. Algumas
delas são necessárias à própria existência física do edifício em condomínio (v.g. o terreno
sobre o qual está edificado o prédio); outras são absolutamente imprescindíveis a
possibilitar o livre acesso, uso e gozo das unidades autônomas (elevadores, escadas, hall
de entrada); outras, ainda, se prestam, ou ao menos podem se prestar, à utilização pela
entidade condominial para os mais variados fins22.
Porém, há áreas condominiais que não tem utilidade alguma à entidade
comunheira, muito embora definidas comuns pela Convenção e, assim, reputadas
institucionais. É o que acontece, por exemplo, com um terraço a que somente uma unidade
autônoma tem acesso, ou o final de um corredor que separa dois apartamentos pertencentes
ao mesmo condômino.
22
À guisa de exemplo das diversas possibilidades de utilização de áreas comuns, podemos citar aquelas
utilizadas para recreação dos moradores (v.g. playground, quadras esportivas, piscina etc.) ou aquelas que
eventualmente podem ser usadas com finalidade econômica em benefício de todo o condomínio (v.g. cessão
de espaço no teto do prédio para colocação de antenas de recepção de telefonia celular) etc..
17
Isso ocorre porque, segundo o esquema legal vigente, todas as coisas não
compreendidas nas áreas exclusivas das unidades autônomas são destinadas ao uso
comum, independentemente de qualquer consideração sobre utilidade ou
aproveitabilidade no interesse da coletividade condominial.
A Lei nº 4591/64 ignora haver áreas comuns que, por razões de ordem
eminentemente lógica e física, não atendem a finalidade institucional alguma, e generaliza
todas as áreas não privativas como comuns, gravando-lhes com as cláusulas de
indivisivbilidade, indestacabilidade e impossibilidade de utilização exclusiva (art.3º), a
serem observadas por todos os condôminos.
A generalização foi a fórmula encontrada pelo legislador para conferir rápido e
eficaz mecanismo de solução de conflitos no seio do condomínio, imune, em princípio, a
maiores discussões sobre a divisibilidade, utilidade ou aproveitabilidade de determinada
área ocupada com exclusividade por um comunheiro. Pode-se até dizer que o extremismo
na norma se deve ao fato de que a existência de áreas de uso comum pode gerar litígios
que extrapolam a simples disciplina legal do condomínio pro indiviso e dos direitos de
vizinhança pelo Código Civil23.
O espírito que norteou o legislador ao dispor sobre a impossibilidade de utilização
exclusiva de área comum, é claro perceber, foi o de conferir suporte legal eficaz ao
juiridicamente interessado em impedir que determinado condômino faça uso indevido das
áreas comuns, em detrimento da coletividade. Quanto às cláusulas de
indestacabilidade/indivisibilidade, como já vimos, claro foi o intuito da lei em tolher, de
modo absoluto, o poder, que assiste ao comunheiro no condomínio regido pelo Código
Civil, de requerer judicialmente a divisão da coisa comum (arts.629 e ss. do CCB).
Porém, os problemas práticos envolvendo o uso de áreas comuns emergem não de
sua destinação em abstrato na Convenção Condominial, mas sim da dinâmica da ocupação
da propriedade horizaontal, na qual pode ocorrer o assenhoramento de coisas comuns por
um determinado condômino.
Posto isso, tal como pudemos, em capítulo precedente, traçar distinção entre
áreas comuns necessária ou não necessariamente indivisas e indestacáveis, podemos
identificar, sob a perspectiva do atendimento efetivo ou potencial a finalidade
institucional, diferenciar coisas necessariamente e não necessariamente comuns.
23
Cf. Darcy Bessone, ob.cit, p.93 e ss..
18
O caso julgado por esse Acórdão ilustra muito bem a problemática que conduz à
relevância da diferenciação entre as diferentes destinações dadas às áreas comuns: “É
freqüente, aliás, que, excluídos os halls, corredores e elevadores, as demais peças sejam
reservadas para uso privativo. O subsolo é comum, e, não obstante, é quase sempre
destinado à garagem e ao uso de apenas alguns proprietários que hajam adquirido
20
vagas respectivas. (...). è comum também que as partes necessariamente comuns, como o
terreno, sejam atribuídos ao uso exclusivo de moradores do andar térreo, porque, dada a
distribuição dos apartamentos e ausência de área de circulação, só aqueles podem ter
acesso a essas áreas edificadas. O mesmo ocorre, aliás, com os terraços, que acabam
sendo de uso privativo dos moradores do último pavimento, independentemente de constar
essa prerrogativa do título convencional e simplesmente em decorrência necessária do
sistema de distribuição das unidades.” (ob.cit., p.122).
Tal distinção prática desperta vacilações até mesmo na mais autorizada doutrina
que defende a inadmissibilidade do usucapião de área condominial comum. Temos, por
exemplo, o já citado João Batista Lopes, que admite que “em certos casos excepcionais,
o usucapião de partes comuns pode não prejudicar a vida do condomínio, como ocorre,
por exemplo, quando determinada área do prédio só possui acesso através de uma única
unidade autônoma, a exemplo do que ocorria no antigo Prédio Martinelli” (ob.cit, p.147).
Os exemplos trazidos pelos excertos acima transcritos deixam muito clara a
necessidade de diferenciarmos áreas necessária ou não necessariamente comuns.
Entretanto, torna evidente também que a pluralidade de situações refoge a qualquer
sistematização legal taxativa, dependendo a análise desta distinção das regras de
experiência, comuns a qualquer um e que dispensam maiores comprovações a respeito, a
serem aplicadas quando do julgamento do caso concreto. Sobre isso discorre Moacyr
Amaral Santos com a acuidade habitual: “O juiz, como homem culto e vivendo em
sociedade, no encaminhar as provas, ao avaliá-las, no interpretar e aplicar o direito, no
decidir, enfim, necessariamente usa de uma porção de noções extrajudiciais, fruto de
sua cultura, colhida de seus conhecimentos sociais, científicos, artísticos ou práticos, a
que se costumou denominar máximas de experiência, ou regras de experiência, isto é,
juízos formados na observação do que comumente acontece e que, como tais, podem ser
formados em abstrato, por qualquer pessoa de cultura média. Com efeito, em cada
esfera social, da mais letrada à mais humilde, há uma porção de conhecimentos que,
tendo passado por experiência contínua e prolongada, ou, quando não, pelo crivo da
crítica coletiva, fruto da ciência, da arte, da técnica e dos fatos cotidianos,, faz parte de
sua communis opimio” (em Primeiras linhas de direito processual civil, v.2, 20ª e., p. 337
– destacamos).
Por isso é que, para que possa ser usucapida, a área comum não
necessariamente indivisa/indestacável deve ser dispensável à entidade comunheira,
21
porquanto inutilizável de modo viável em seu proveito, seja para que fim for. Se a
parte comum é aproveitada, ou ao menos aproveitável à comunidade condominial,
para qualquer finalidade de interesse de seus membros, inadmissível é, de fato, o
usucapião, por estar caracterizada sua finalidade institucional.
24
Veja-se ainda Darcy Bessone (ob.cit., p.207)
22
exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra
forma, se contrariar a boa-fé.” (Da boa fé no direito civil, v.II, p. 797).
Segundo o professor lusitano, trata-se de um subprincípio do princípio geral da
boa-fé objetiva, que norteia todo o universo das relações jurídicas e que tem o seguinte
fundamento: “o titular do direito, abstendo-se do seu exercício durante um certo lapso de
tempo, criaria na contraparte, a representação de que esse direito não mais seria
actuado; quando, supervenientemente, viesse agir, entraria em contradição.” (ob.cit,
p.808/809).
É exatamente o que ocorre no usucapião em geral, e, especialmente, no que recai
sobre área comum em condomínio. Deixando que assenhoramento coisa comum por um
dos comunheiros se consolide por longos anos, o direito dos demais em reaver a área não
pode permanecer intacto, até porque a propriedade tem sua função social, privilegiando o
ordenamento o agente que a utiliza de modo proveitoso àquele que a abandona. A figura
da suppressio alinha-se perfeitamente aos escopos jurídicos do usucapião e daí sua
relevância não só no presente estudo, como também na própria compreensão dos
princípios que inspiram o instituto.
O usucapião de área comum não encontraria empecilho algum nem mesmo sob a
ótica da Lei de Registro Públicos, muito embora a operação registral de sentença de
procedência desta natureza seja bastante complexa.
A divisão e destacamento da área comum usucapida implicaria alteração na
Especificação de Condomínio, de modo a reduzir apenas o valor absoluto da fração ideal
nas coisas comuns cabente a cada uma das unidades condominiais, mantendo-se inalterada
a expressão ordinária ou decimal atribuída. Esta alteração deveria ser averbada à margem
das matrículas de todas as unidades autônomas, tudo isso nos termos do art.167, I, alínea
23, da Lei de Registros Públicos – nº 6015/73.
Seria necessária, finalmente, a abertura de uma nova matrícula para a área
usucapida, apartada das unidades condominiais, nos termos do art.167, I, 23 e 28 da Lei
nº 6015/73.
23
14. Conclusões
15. Bibliografia
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