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OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO

MARXISMO
G. V. PLEKHANOV

1908
Primeira Edição:........
Fonte: Biblioteca Marxista Virtual do Partido da Causa Operária.
Tradução: ........
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, janeiro 2006.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento
é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free
Documentation License.

2 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


SUMÁRIO
Prefácio .................................................................................................... 4
I .............................................................................................................. 13
II ............................................................................................................. 17
III ............................................................................................................ 24
IV ............................................................................................................ 31
V ............................................................................................................. 39
VI ............................................................................................................ 44
VII ........................................................................................................... 49
VIII .......................................................................................................... 53
IX ............................................................................................................ 66
X ............................................................................................................. 71
XI ............................................................................................................ 76
XII ........................................................................................................... 81
XIII .......................................................................................................... 92
XIV .......................................................................................................... 95
XV ......................................................................................................... 100
XVI ........................................................................................................ 107
Anexo: Os "Saltos" na Natureza e na História ..................................... 121

PLEKHANOV| 3
PREFÁCIO
As últimas obras de Plekhanov, os "Princípios Fundamentais
do Marxismo", que faz uma exposição sistemática do materialismo
dialético, surgiu em 1908, um quarto de século após ser lançado
seu célebre panfleto: "O Socialismo e a Luta Política", que inaugura
a história da social-democracia revolucionária na Rússia.

Esta brochura, publicada em 1883, marcou a ruptura


completa com os velhos preconceitos dos narodiniki. Ela indicou ao
movimento revolucionário vencido, uma nova via, ao termo da
qual, esperava a vitória, lenta a vir, porém certa. Foi na própria
realidade russa que ela mostrou o processo social e econômico que
minava lentamente, porém com tenacidade, o antigo regime. Ela
predisse que a classe operária russa, desenvolvendo-se
paralelamente ao capitalismo, infligiria o golpe mortal no
absolutismo russo e tomaria seu lugar, em igualdade, nas fileiras do
exército internacional do proletariado.

Mas Plekhanov não se limitou à crítica do velho populismo dos


narodiniki. Num brilhante tratado, que conserva ainda todo seu
valor, ele fez a exposição dos princípios fundamentais do socialismo
científico e indicou o método do materialismo dialético como a
arma mais segura na luta teórica e prática.

"Que é o socialismo científico? Por socialismo científico,


entendemos a doutrina comunista que, desde 1840, começou a se
desprender do socialismo utópico, sob a forte influência da filosofia
hegeliana de um lado, e da economia clássica de outro; que deu,
pela primeira vez, uma explicação real de todas as etapas do

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desenvolvimento da civilização humana; que demoliu sem piedade
os sofismas dos teóricos burgueses e que, "armada de todo o saber
de seu século", partiu em defesa do proletariado. Essa doutrina não
só demonstrou, com perfeita clareza, toda a inconsistência
científica dos adversários do socialismo mas, indicando seus erros,
deu-lhes, ao mesmo tempo, explicação histórica. E assim, como
outrora disse Heim a respeito da filosofia de Hegel, "ela atrelava a
seu carro triunfal cada uma das opiniões sobre as quais triunfara".

"Assim como Darwin enriquecera a biologia com a teoria das


espécies, tão admirável em simplicidade quanto rigorosamente
científica, também os fundadores do socialismo científico nos
mostraram, na evolução das forças produtivas e na luta destas
forças contra as formas sociais de produção atrasadas, o grande
princípio da transformação das espécies sociais."

Mas não foi como um clichê, ou uma "verdade definitiva e sem


apelo" que Plekhanov havia recomendado aos revolucionários
russos o sistema do socialismo científico. "É evidente", escrevia ele,
"que a evolução do socialismo científico não está terminada e
tampouco pode parar nos trabalhos de Engels e de Marx assim
como a teoria da origem das espécies não podia ser considerada
definitivamente acabada com o lançamento das principais obras do
biólogo inglês. Ao estabelecimento dos princípios fundamentais da
nova doutrina, deve suceder o estudo detalhado das questões que
a ela se ligam, estudo este que deve completar e levar a seu termo
a revolução feita na ciência pelos autores do Manifesto Comunista.
Não há nenhum ramo da sociologia diante do qual não se abriram
horizontes novos e de uma amplitude extraordinária, na medida em
que cada um deles assimilava suas concepções filosóficas e

PLEKHANOV| 5
históricas. A influência benéfica dessas concepções se faz sentir
atualmente no domínio da história do direito e no da chamada
"civilização primitiva".

Plekhanov já considera necessário chamar, a atenção para a


seguinte particularidade da doutrina que ele expõe: Remontando
sua genealogia entre outros, a Kant e a Hegel, o socialismo
científico apresenta-se, entretanto, como o adversário mais
encarniçado e resoluto do idealismo filosófico. Ele o afugenta de
seu derradeiro refúgio, a sociologia, onde os positivistas lhe haviam
dado uma acolhida tão calorosa. O socialismo científico pressupõe
a "concepção materialista da história", ou seja, ele explica a história
espiritual da humanidade pela evolução das relações sociais em seu
próprio seio (que se dão, como outras, sob a influência do meio
natural).

Um trabalho persistente para criar o partido revolucionário do


proletariado, a necessidade de aplicar um novo método ao estudo
dos problemas concretos da atualidade russa, à pesquisa dos
"destinos do capitalismo na Rússia", tudo isso, ao mesmo tempo
que uma atividade prática intensa, não impedia Plekhanov de
trabalhar no "estudo minucioso" dos "princípios fundamentais do
marxismo", concentrando-se cada vez mais na história da filosofia,
da civilização e da arte. Ao mesmo tempo que efetuava esse
trabalho específico, consagrado a desenvolver as concepções de
Marx e Engels, Plekhanov continuava a defendê-las contra os
diferentes representantes do revisionismo russo e internacional,
revisionismo que periodicamente intenta "completar", ou
"corrigir", ou "substituir" certos princípios do marxismo por velhos
"dogmas burgueses", há muito obsoletos.

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Esta obra de Plekhanov é consagrada principalmente aos
aspectos filosófico e histórico do socialismo científico. Para
Plekhanov, o marxismo é toda uma concepção do mundo, una e
indivisível, penetrada pela unidade de uma idéia fundamental.
Plekhanov protesta contra as tentativas. empreendidas por
Bogdanov, Lunatcharsky, Bazarov, Fritsche, de separar os aspectos
histórico e econômico desta concepção do mundo, do fundamento
filosófico sobre o qual ela se apóia. Ele protesta contra todas essas
tentativas de "assentar o marxismo" sobre novas bases, acoplando-
o a esta ou àquela filosofia, como o neokantismo, o machismo, o
empiriocriticismo etc., tentativas essas freqüentemente
empreendidas sob a influência de correntes filosóficas em moda,
num dado momento, entre os ideólogos da burguesia. Conforme a
opinião de Plekhanov, emitida por ele pela primeira vez na ocasião
de uma polêmica contra Bernstein, o materialismo de Marx e
Engels está fundado no espinosismo desembaraçado, por
Feuerbach, dos elementos teológicos que o atrapalhavam. Assim
como Feuerbach, os fundadores do socialismo científico
reconheciam a existência da unidade, mas não da identidade entre
o "pensamento e o "ser". As retificações trazidas por Marx à
filosofia de Feuerbach consistem principalmente em que as
relações recíprocas de ação e reação entre o objeto e o sujeito são
vistas por Marx da perspectiva em que o sujeito aparece num papel
ativo, como um ser atuante, não mais apenas contemplativo.

"Agindo sobre a natureza exterior e transformando-a, o


homem transforma ao mesmo tempo, sua própria natureza."

Plekhanov tem perfeitamente razão quando diz que Marx foi


fortemente influenciado por um artigo de Feuerbach intitulado:

PLEKHANOV| 7
"Teses Preliminares para a Reforma da Filosofia", editado em 1843,
no segundo tomo da coletânea onde havia aparecido (1º tomo) um
artigo de Marx sobre a censura prussiana (Anecdota).

"O pensar é condicionado pelo ser, não o ser pelo pensar. O ser
é condicionado por si mesmo... O ser tem seu fundamento em si
mesmo". Esta concepção, acrescenta Plekhanov, é colocada por
Marx na base da interpretação materialista da história.

Isto não é bem exato; Marx modificou radicalmente e


completou a tese de Feuerbach, que é tão abstrata, tão pouco
fundada na história quanto seu homem, que ele coloca no lugar de
Deus, e de sua transformação hegeliana, a Razão. "A essência
humana não é algo abstrato, próprio ao indivíduo isolado. Em sua
realidade, diz Marx nas conhecidas teses sobre Feuerbach, esta
essência é o conjunto das relações sociais." É precisamente porque
não chega a esta conclusão, que Feuerbach é forçado a "abstrair o
curso da evolução histórica e partir da suposição do indivíduo
humano abstrato, isolado."

Em completo acordo com esta crítica ao homem abstrato de


Feuerbach, Marx também modifica sua tese fundamental: "Não é",
diz ele, "a consciência dos homens que determina sua maneira de
ser, mas, ao contrário, sua maneira de ser social que determina sua
consciência". Até hoje o erro fundamental de todos os sistemas
filosóficos que procuram explicar a relação entre o pensamento e
o ser, é o de querer ignorar esta circunstância, que nem Feuerbach
via, notadamente, o fato que "o indivíduo abstrato, por eles
analisado, pertence na realidade a uma forma determinada da
sociedade".

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Já em suas primeiras obras, Plekhanov tinha sublinhado mais
de uma vez a diferença entre o método dialético de Marx e Engels
e a teoria vulgar da evolução, segundo a qual nem a natureza nem
a história dão saltos, tudo no mundo só se transformaria lenta e
gradualmente. Em sua polêmica contra Tikhomírov que, de
revolucionário, se transformara em reacionário, Plekhanov explica
ao "novo defensor do absolutismo" a inelutabilidade dos saltos na
evolução. Nós reproduzimos aqui, em anexo, estas páginas
brilhantes, ainda mais porque aí o próprio Plekhanov se refere à
sua velha brochura, que é atualmente bastante difícil de se
encontrar.

Particularmente interessantes na obra de Plekhanov são os


capítulos onde o autor mostra como os cientistas contemporâneos,
o mais freqüentemente sem o saber, são obrigados, em razão do
estado atual da ciência social, a dar uma explicação materialista dos
fenômenos que estudam. Cada nova descoberta relativa à história
da civilização, à mitologia, à arte, traz novos argumentos em apoio
da interpretação materialista da história. Às fontes de
documentação que enumera e às quais se refere, Plekhanov teria
podido acrescentar, para 1908, os numerosos trabalhos de outros
cientistas burgueses no domínio das ciências históricas e
sociológicas. Sem se aperceberem, eles usam uma linguagem e
reúnem, pedra por pedra, materiais e fatos que confirmam a
justeza das concepções filosóficas e históricas do marxismo.

Algumas palavras sobre a presente edição. Além do fragmento


sobre os "saltos"(1), apresentamos em anexo o artigo de Plekhanov
sobre o "papel do indivíduo na história"(2), assim como um grande
extrato de seu prefácio(3) à brochura de Engels sobre Feuerbach.

PLEKHANOV| 9
Conforme desejo de Plekhanov, estas notas sobre a dialética e a
lógica tinham sido inseridas no texto da tradução alemã de seu
livro, publicado em 1910. O leitor encontrará também uma série de
novas anotações, feitas por Plekhanov para os leitores alemães. De
nossa parte, acrescentamos algumas notas explicativas, e
completamos, onde foi necessário, as referências indicadas por
Plekhanov.

D. Riazanov

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Notas:

(1) trata-se do texto intitulado: Os "Saltos" na Natureza e na


História. (retornar ao texto)

(2) ainda não incluído no sítio (retornar ao texto)

(3) ainda não incluído no sítio (retornar ao texto)

PLEKHANOV| 11
O marxismo é toda uma concepção do mundo. Em poucas
palavras, é o materialismo contemporâneo que representa o mais
alto grau daquela concepção do mundo, cujas bases foram
lançadas, na velha Hélade, por Demócrito, assim como pelos
pensadores jônios, seus precursores. O chamado hilozoísmo não é,
pois, outra coisa que um materialismo ingênuo. O mérito principal
de ter recuperado e formulado os princípios fundamentais do
materialismo moderno pertence incontestavelmente a Karl Marx e
a seu amigo Friedrich Engels. Os aspectos histórico e econômico
dessa concepção do mundo, a qual se designa comumente por
materialismo histórico, assim como o conjunto, a ele ligado, das
concepções sobre os problemas, o método e as categorias da
economia política, sobre o desenvolvimento econômico da
sociedade e, muito particularmente da sociedade capitalista, são
quase que exclusivamente a obra de Marx e Engels. A contribuição
de seus predecessores, neste domínio, deve ser considerada como
um trabalho preparatório. Materiais, às vezes abundantes e
preciosos, haviam sido reunidos mas não sistematizados nem
elucidados do ponto de vista de um pensamento geral e, portanto,
não puderam ser apreciados nem utilizados como deviam. O que
fizeram, neste domínio, os adeptos de Marx e Engels na Europa e
na América, foi o estudo mais ou menos feliz de problemas
particulares, algumas vezes, é verdade, da maior importância. Daí
entender-se geralmente por "marxismo" apenas os dois aspectos
acima mencionados da atual concepção materialista do mundo, e
isto não apenas no que se refere ao "grande público", que ainda
não está educado para a compreensão profunda das doutrinas
filosóficas, mas também entre aqueles que se consideram os
discípulos fiéis de Marx e Engels, tanto na Rússia como no resto do

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mundo civilizado. Esses dois aspectos são considerados algo
completamente independente do "materialismo filosófico" e quase
mesmo seus opostos. Mas como eles, arbitrariamente desligados
do conjunto das concepções que lhe são aparentadas e formam sua
base teórica, não podem ficar suspensos no ar, aqueles que os
separaram sentem naturalmente a necessidade de "reembasar o
marxismo", acoplando-o - e ainda desta vez arbitrariamente e, com
muita freqüência, sob o domínio das correntes filosóficas
predominantes entre os ideólogos da burguesia - a este ou àquele
filósofo: Kant, Mach, Avenarius, Ostwald e, nos últimos tempos, a
Joseph Dietzgen. É verdade que as concepções filosóficas de J.
Dietzgen se formaram independentemente das influências
burguesas, pois são, numa medida notável, aparentadas às de Marx
e Engels. Mas as concepções filosóficas destes últimos têm um
conteúdo incomparavelmente mais ordenado e mais rico e, já por
esta única razão, não podem ser completadas mas, no máximo, até
certo ponto popularizadas com a ajuda da doutrina de Dietzgen.
Até agora não se tentou "completar Marx" com São Tomás de
Aquino. Entretanto, não é nada impossível que, apesar da recente
encíclica papal contra os modernistas, o mundo católico produza
um pensador capaz desta proeza teórica.

I
Freqüentemente pleiteia-se a necessidade de "completar" o
marxismo com tal ou qual filosofia, alegando que em lugar algum
Marx e Engels expuseram suas concepções filosóficas. Mas tal
alegação é pouco convincente, e mesmo se fosse fundamentada,
não seria razão para substituir as concepções filosóficas de Marx e

PLEKHANOV| 13
Engels pelas do primeiro pensador que surge e que
freqüentemente se coloca sob um ponto de vista totalmente
diferente. É necessário lembrar que dispomos de dados suficientes
para ter uma idéia justa das concepções filosóficas de Marx e
Engels. [1]

Estas concepções, em seu aspecto definitivo, foram expostas


de maneira suficientemente completa, se bem que polêmica, na
primeira parte do livro de Engels: "Herrn Eugen Dürings
Umwälzung der Wissenschaft (Anti-Dühring)" (da qual existem
várias traduções russas). Na notável brochura do mesmo autor:
"Ludwig Feuerbach und der Ausgang der Klassischen deutschen
Philosophie" (brochura por nós traduzida ao russo e munida de um
prefácio e notas explicativas), as concepções que constituem a
base filosófica do marxismo são então expostas de forma positiva.
Uma caracterização breve, mas brilhante, destas mesmas
concepções, em suas relações com o agnosticismo, foi formulada
por Engels no prefácio à tradução inglesa da brochura "Socialismo
Utópico e Socialismo Científico". No que concerne a Marx, é
oportuno salientar, como de grande importância para a
compreensão do aspecto filosófico de sua doutrina, inicialmente a
caracterização da dialética materialista feita por ele mesmo, em
oposição à dialética idealista de Hegel, no prefácio da segunda
edição do primeiro tomo do "Capital"; em seguida, as numerosas
observações detalhadas, consignadas de passagem, no mesmo
tomo, no decorrer da exposição. Algumas páginas da "Miséria da
Filosofia" são igualmente, sob certos aspectos, da maior
importância. Por último, o processus da evolução das idéias
filosóficas de Marx e Engels se destaca com uma clareza suficiente

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de seus primeiros escritos, publicados recentemente por F.
Mehring sob o título: "Aus dem literarischen Nachlass von Karl
Marx, Friedrich Engels und Ferdinand Lassalle", Stuttgart 1902.

Em sua tese de doutorado intitulada "Differenz der


Demokritischen und Epikureischen Naturphilosophie", assim como
em certos artigos reproduzidos por Mehring no primeiro tomo da
edição recém-citada, o jovem Marx ainda aparece como o idealista
puro-sangue da escola hegeliana. Mas nos artigos publicados
inicialmente no "Deutsch-Französische Jahrbücher" e inseridos
agora no mesmo primeiro tomo, Marx, e com ele Engels, que
igualmente colaborou no Jahrbücher, já se coloca firmemente sob
o ponto de vista do humanismo de Feuerbach. Na obra intitulada
"Die Heilige Familie, oder Kritk der kritischen Kritik" (A Sagrada
Família ou Crítica da Crítica Crítica), publicada em 1845 e
reproduzida no segundo tomo da edição de Mehring, os dois
autores, isto é, Marx e Engels, realizaram alguns progressos
importantes no que concerne ao desenvolvimento da filosofia de
Feuerbach. A direção na qual empreenderam este trabalho é visível
nas onze "Teses sobre Feuerbach", que Marx redigira na primavera
de 1845 e que Engels publicou no anexo à brochura Ludwig
Feuerbach, que mencionamos acima.

Em suma, não são, no caso, os materiais que faltam; é apenas


necessário saber servir-se deles, ou seja, estar preparado para
compreendê-los. Mas os leitores atuais não estão preparados para
isto e logo não sabem deles se servir.

E por quê? Por múltiplas razões. Uma das mais importantes é


que atualmente se conhece muito mal não só a filosofia hegeliana,

PLEKHANOV| 15
sem a qual é difícil assimilar o método de Marx, mas também a
história do materialismo, sem a qual não é possível ter uma idéia
clara da doutrina de Feuerbach, que foi, em filosofia, o predecessor
imediato de Marx, e que forneceu, em considerável medida, a base
filosófica da concepção de mundo de Marx e Engels.

O "humanismo" de Feuerbach é freqüentemente apresentado


como algo bastante confuso e indeterminado. F. A. Lange, que
muito contribuiu para divulgar, junto ao "grande público" e ao
mundo erudito, uma idéia completamente falsa da essência do
materialismo e de sua história, recusa-se totalmente a reconhecer
o "humanismo" de Feuerbach como uma doutrina materialista. O
exemplo de F. A. Lange foi seguido pela quase totalidade daqueles
que escreveram sobre Feuerbach, tanto na Rússia como no
estrangeiro. P. A. Berline, que descreve o humanismo de Feuerbach
como um materialismo não "puro", [2] também não pôde,
visivelmente, subtrair-se à influência de Lange. Confessamos não
ver muito claramente o que pensa sobre esta questão Fr. Mehring,
o melhor e talvez único conhecedor de filosofia entre os social-
democratas alemães. Em contrapartida, está perfeitamente claro
para nós que Marx e Engels viam em Feuerbach um materialista. É
certo que Engels chama a atenção para a inconseqüência de
Feuerbach. Mas isso não o impede, absolutamente, de reconhecer
os princípios fundamentais de sua filosofia como puramente
materialistas. E não pode ser de outra forma para quem quer que
se dê ao trabalho de estudar a fundo a doutrina de Feuerbach.

16 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


II
Dizendo isso, compreendemos perfeitamente que corremos o
risco de surpreender um grande número de nossos leitores. Mas
isso não nos deve intimidar, pois tinha razão o pensador antigo que
dizia que a surpresa era o começo da ciência. E para que nossos
leitores não fiquem, por assim dizer, no estágio da surpresa,
recomendamo-lhes, antes de mais nada, que se perguntem o que
exatamente pretendia Feuerbach exprimir quando, esboçando
brevemente, mas de forma muito característica seu curriculum
vitae filosófico, escrevia: "Deus foi o meu primeiro pensamento, a
razão o segundo e o homem, meu terceiro e último". Afirmamos
que esta questão encontra incontestavelmente solução nestas
palavras muito significativas do próprio Feuerbach: "Na discussão
entre o materialismo e o espiritualismo, o que está em questão, é a
cabeça humana".

Uma vez fixados sobre a matéria da qual é feita o cérebro, logo


chegaremos a uma visão clara no que concerne igualmente toda
outra matéria, no que concerne à matéria em geral. [3] Em outra
parte, ele declara que sua antropologia, quer dizer, seu
humanismo, significa unicamente que Deus, não é outra coisa que
o próprio espírito humano. [4] Esse ponto de vista antropológico,
observa Feuerbach, já não era estranho ao próprio Descartes. [5]
Mas o que significa tudo isto? Significa que Feuerbach tinha
tomado "o homem" como ponto de partida de seus raciocínios
filosóficos unicamente porque esperava, partindo deste ponto,
chegar mais cedo ao objetivo, que era dar uma idéia justa da
matéria, em geral, e de suas relações com o espírito. Estamos pois,

PLEKHANOV| 17
neste caso, tratando com um procedimento metodológico cujo
valor era condicionado pelas circunstâncias de tempo e lugar, ou
seja, pelos modos de raciocinar habituais aos eruditos alemães, ou
simplesmente aos alemães cultos da época [6], mas que não
dependia absolutamente de qualquer concepção particular do
mundo.

Já se vê, conforme nossa citação das palavras de Feuerbach a


propósito da "cabeça humana", que na época em que ele as
escreveu, a questão da "matéria da qual é feito o cérebro" tinha
sido resolvida num sentido puramente materialista. E essa solução
tinha sido igualmente adotada por Marx e Engels. Ela tornou-se a
base de sua própria filosofia e isso sobressai com a mais completa
clareza das obras de Engels: Ludwig Feuerbach e Anti-Dühring, por
nós já mencionadas. Eis porque devemos examinar mais de perto
essa solução, pois estudando-a, estudaremos ao mesmo tempo o
aspecto filosófico do marxismo.

Em seu artigo intitulado: "Vorlaufige Thesen zur Reform der


Philosophie", surgido em 1842, e que exerceu uma grande
influência sobre Marx, Feuerbach declara que "as verdadeiras
relações entre o pensar e o ser devem ser expressas da seguinte
maneira: o ser é o sujeito, e o pensar é o atributo". O pensamento
é condicionado pelo ser, não o ser pelo pensamento. O ser é
condicionado por si mesmo... tem seu fundamento em si mesmo.
[7]

Essa concepção das relações entre o ser e o pensamento


colocados por Marx e Engels na base da interpretação materialista
da história constitui o resultado mais importante da crítica ao

18 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


idealismo hegeliano que, em seus traços principais foram feita pelo
próprio Feuerbach, cujas conclusões podem ser assim resumidas:

Feuerbach achava que a filosofia de Hegel suprimira a


contradição existente entre o ser e o pensar. Mas segundo ele ela
suprimiu esta contradição mantendo-se ainda em seu interior, ou
seja, no interior de um dos elementos dessa contradição, a saber,
o pensamento. Em Hegel o pensamento é precisamente o ser: o
pensamento é sujeito, o ser é atributo [8]. Daí decorre que Hegel -
em geral o idealismo - só suprime a contradição por meio da
supressão de seus elementos constitutivos, a saber, o ser ou a
existência da matéria, da natureza. Mas suprimir um dos elementos
constitutivos da contradição não significa absolutamente resolvê-
la. "A doutrina de Hegel, segundo a qual a natureza "é criada" pela
idéia representa a tradução, em linguagem filosófica, da doutrina
teológica segundo a qual, a natureza é criada por Deus, a realidade,
a matéria, por um ser abstrato, imaterial" [9]. E isto não se refere
apenas ao idealismo absoluto de Hegel. O idealismo transcendental
de Kant, segundo o qual o mundo exterior recebe suas leis da
Razão, e não inversamente, é estreitamente aparentado à
concepção teológica segundo a qual é a razão divina que dita ao
mundo as leis que o regem [10]. O idealismo não estabeleceu a
unidade entre o ser e o pensamento, e não pode estabelecê-la, ao
contrário, ele a rompe. O ponto de partida da filosofia idealista - o
eu, como princípio filosófico fundamental - é totalmente errado. O
ponto de partida da verdadeira filosofia não deve ser o eu, mas o
eu e o tu. Só este ponto de partida permite chegar a uma justa
compreensão das relações entre o pensamento e o ser, entre o
sujeito e o objeto. Eu sou "eu" para mim mesmo e

PLEKHANOV| 19
simultaneamente "tu" para um outro. Eu sou ao mesmo tempo
sujeito e objeto. É necessário observar, além disso, que o "eu", não
é o ser abstrato com o qual opera a filosofia idealista. Eu sou um
ser real; meu corpo pertence à minha existência; ainda mais meu
corpo, considerado como um todo, é precisamente meu "eu",
minha verdadeira entidade. Não é o ser abstrato que pensa, mas
precisamente esse ser real, esse corpo. Daí resulta que,
contrariamente ao que afirmam os idealistas, é o ser material real
que é sujeito, e o pensamento atributo. E precisamente nisto que
consiste a única solução possível da contradição entre o ser e o
pensar, a qual se debatia sem resultado no idealismo. No presente
caso, não se suprime nenhum dos elementos da contradição; eles
são conservados ambos, ao mesmo tempo em que manifestam sua
verdadeira unidade. "O que para mim, ou subjetivamente, é um ato
puramente espiritual, imaterial, não sensível, é em si,
objetivamente, um ato material sensível" [11].

Observemos que, dizendo isso, Feuerbach aproxima-se de


Espinosa, cuja filosofia ele expunha com muita simpatia já na época
em que seu divórcio com o idealismo apenas se esboçava, ou seja,
quando escrevia sua história da nova filosofia. Em 1843, ele
observa muito habilmente em seus Grunsatze que o panteísmo é
um materialismo teológico, uma negação da teologia, negação que
se mantém num ponto de vista teológico. E nessa confusão do
materialismo com a teologia que residia a inconseqüência de
Espinosa, inconseqüência que, entretanto, não o impediu de
encontrar "a expressão justa, ao menos para seu tempo, para os
conceitos materialistas da época moderna". Por isso Feuerbach
denominava Espinosa "o Moisés dos livres-pensadores e

20 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


materialistas modernos" [12]. Em 1847, Feuerbach coloca a
questão: "O que Espinosa chama, lógica ou metafisicamente,
substância, e teologicamente, Deus?" E, a essa questão, ele
responde categoricamente: "Nada mais que a natureza". Ele vê
como principal falha do espinosismo que a essência sensível,
antiteológica da natureza, adquire, para ele, o aspecto de um ser
abstrato, metafísico". Espinosa suprimiu o dualismo entre Deus e a
natureza, pois considera os fenômenos naturais como atos de
Deus. Mas, precisamente porque os fenômenos naturais são a seus
olhos os atos de Deus, este último permanece para ele um tipo de
ser distinto da natureza e sobre o qual ela se apóia. Deus se
apresenta como sujeito, a natureza como atributo. A filosofia, que
se emancipou definitivamente das tradições teológicas, deve
suprimir essa falha considerável da filosofia, no fundo exata, de
Espinosa. "Abaixo esta contradição!" exclama Feuerbach. Não Deus
"sive natura", mas "Aut deus aut natura". Aí está a verdade. [13]

Portanto, o humanismo de Feuerbach aparece como não


sendo outra coisa que o espinosismo desembaraçado de seu
apêndice teológico. Foi precisamente este espinosismo
desembaraçado por Feuerbach de seu apêndice teológico, que
Marx e Engels adotaram, quando romperam com o idealismo.

Mas desembaraçar o espinosismo de seu apêndice teológico


significava desvendar seu verdadeiro conteúdo materialista. Logo,
o espinosismo de Marx e Engels, era precisamente o materialismo
mais moderno.

Mas não é tudo. O pensar não é a causa do ser, mas sua


conseqüência, ou mais exatamente, sua propriedade. Feuerbach

PLEKHANOV| 21
diz: "Folge und Eigenschaft" (conseqüência e propriedade). Eu sinto
e eu penso, de maneira alguma como um sujeito oposto ao objeto,
mas como um sujeito-objeto, como um ser real, material. E o
objeto é para mim, não apenas a coisa que eu sinto, mas também
o fundamento, a condição indispensável de minha sensação. O
mundo objetivo não se encontra apenas fora de mim, ele está
também em mim, em minha própria pele. O homem é só uma parte
da natureza, uma parte do ser; eis porque não há lugar para a
contradição entre seu pensamento e seu ser. O espaço e o tempo
não existem apenas para o pensamento. Eles são igualmente
formas do ser. São formas da minha contemplação. Mas eles o são
unicamente porque eu mesmo sou um ser que vive no tempo e no
espaço e que só percebo e sinto porque sou um tal ser. De maneira
geral, as leis do ser são ao mesmo tempo também as leis do pensar.

Assim se expressava Feuerbach [14]. E é também isso que


dizia Engels, se bem que em outros termos, em sua polêmica contra
Dühring. Já se vê qual parte importante da filosofia de Feuerbach
foi transportada para a filosofia de Marx e Engels.

Se Marx começou sua obra de interpretação materialista da


história pela crítica da filosofia hegeliana do direito, só pôde assim
proceder porque a crítica da filosofia especulativa de Hegel já fora
feita por Feuerbach.

Mesmo criticando Feuerbach em suas teses, Marx muito


freqüentemente desenvolve e completa suas idéias. Eis um
exemplo extraído do domínio da "gnosiologia". Segundo
Feuerbach, o homem, antes de pensar o objeto, experimenta sobre
si sua ação, contempla-o, sente-o.

22 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


Marx tem em vista esse pensamento de Feuerbach, quando
diz: "A principal falha do materialismo - aí incluído o de Feuerbach
- consistia, até aqui, em que ele só concebe a realidade, o mundo
objetivo e sensível sob a forma do objeto ou sob a forma da
contemplação e não como atividade humana concreta, não como
exercício prático, não subjetivamente". É esta falha do
materialismo, diz Marx adiante, que explica que Feuerbach, em seu
livro sobre a Essência do Cristianismo, só considere como atividade
verdadeiramente humana a atividade teórica. Em outros termos,
Feuerbach chama a atenção para o fato que nosso "eu" conhece o
objeto somente expondo-se à sua ação [15]; entretanto Marx
replica: nosso "eu" conhece o objeto agindo, por sua vez, sobre ele.
O pensamento de Marx é perfeitamente justo: já dissera Fausto:
"No começo era a ação".

Certamente pode-se responder, em defesa de Feuerbach, que


também no processo de nossa ação sobre os objetos, nós só
conhecemos suas propriedades, na medida em que eles agem, por
sua vez, sobre nós. Nos dois casos, o pensamento é precedido pela
sensação: nos dois casos, experimentamos de início as
propriedades dos objetos e somente após pensamos sobre elas.
Marx não o negava. Para ele, não se tratava do fato incontestável
que a sensação precede o pensamento, mas do fato que o homem
é levado ao pensamento principalmente pelas sensações que
experimenta no processo de sua ação sobre o mundo exterior. E
como esta ação sobre o mundo exterior lhe é imposta pela luta pela
existência, a teoria do conhecimento está, em Marx, estreitamente
ligada à sua concepção materialista da história. Não é sem razão
que este mesmo pensador, que redigira contra Feuerbach a tese

PLEKHANOV| 23
acima referida, escreveu no primeiro tomo de seu Capital: "Agindo
sobre a natureza, exterior a si, o homem transforma ao mesmo
tempo sua própria natureza". Esta fórmula só revela todo seu
profundo sentido à luz da teoria do conhecimento formulada por
Marx. E veremos adiante até que ponto esta teoria é confirmada
pela história da civilização e pela lingüística. É necessário
reconhecer entretanto que a teoria do conhecimento de Marx
provém em linha direta da de Feuerbach ou, se quisermos, que ela
é, propriamente falando, a de Feuerbach, só que aprofundada, de
forma genial, por Marx.

Acrescentemos, de passagem, que este aperfeiçoamento


genial havia sido sugerido pelo "espírito da época". A tendência a
considerar a relação recíproca de ação e reação entre o objeto e o
sujeito precisamente da perspectiva em que o sujeito assume um
papel ativo, era o reflexo do estado de espírito que animava a
sociedade da época, onde se precisou a concepção de mundo de
Marx e Engels. A revolução de 1848 já não estava longe...

III
A teoria da unidade entre o sujeito e o objeto, entre o pensar
e o ser, que é própria tanto a Feuerbach quanto a Marx e Engels,
foi igualmente a dos materialistas mais eminentes dos séculos XVII
e XVIII.

Nós havíamos mostrado algures [16] que La Mettrie e Diderot


haviam chegado - se bem que, é necessário dizer, cada um por via
distinta - a uma concepção do mundo que era "uma espécie de
espinosismo'', quer dizer, a um espinosismo privado de seu

24 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


apêndice teológico, que lhe desfigurava o verdadeiro conteúdo.
Seria fácil demonstrar que, no que concerne à unidade entre o
sujeito e o objeto, Hobbes está também muito próximo de
Espinosa. Mas isto nos levaria muito longe. E, além disso, não existe
nenhuma necessidade premente em fazê-lo. Será bem mais
interessante para o leitor constatar que atualmente todo
naturalista que reflete, por pouco que seja, sobre a questão das
relações entre o pensar e o ser, chega à teoria de sua unidade que
encontráramos em Feuerbach.

Quando Huxley escrevia: "Em nossos dias, nenhum daqueles


que estão ao corrente da ciência contemporânea e que conhecem
os fatos, pode duvidar que é necessário buscar as bases da
psicologia, na fisiologia do sistema nervoso e que aquilo que
chamamos de atividade do espírito é um complexo de funções
cerebrais" [17], ele exprimia precisamente o que dizia Feuerbach.
Só que aí agregava concepções bem menos claras e por isso pôde
tentar aliar sua maneira de ver ao ceticismo filosófico de Hume
[18].

Da mesma forma o "monismo" de Haeckel, aquela doutrina


que tanta repercussão teve, nada mais é que uma doutrina
puramente materialista, no fundo, próxima da doutrina de
Feuerbach sobre a unidade entre o sujeito e o objeto. Mas Haeckel
conhece muito mal a história do materialismo e por isto julga
necessário combater "seu caráter unilateral", quando deveria dar-
se ao trabalho de estudar a teoria materialista do conhecimento na
forma que ela adquiriu em Feuerbach e Marx. Isso o teria
preservado contra muitos erros e opiniões unilaterais que facilitam

PLEKHANOV| 25
consideravelmente a seus adversários lutar contra ele no terreno
filosófico.

Em suas diferentes obras, como por exemplo, no relatório


intitulado "Cérebro e Alma", lido no 66º congresso dos naturalistas
e médicos alemães em Viena (26 de setembro de 1894), Auguste
Forel [19] aproxima-se muito do materialismo moderno, do
materialismo de Feuerbach-Marx-Engels. Em certos pontos, Forel
não apenas expressa idéias muito semelhantes às de Feuerbach,
mas, o que é verdadeiramente surpreendente, ele dispõe seus
argumentos exatamente da mesma forma que Feuerbach.

Segundo Forel, cada novo dia traz novas e convincentes


provas do fato que a psicologia e a fisiologia do cérebro são apenas
duas formas diferentes de considerar "uma só e mesma coisa". O
leitor não terá esquecido o ponto de vista idêntico de Feuerbach,
citado acima, sobre esta questão. Este ponto de vista, pode-se
completar aqui com a seguinte frase de Feuerbach: "Eu sou para
mim mesmo um objeto psicológico; mas um objeto fisiológico para
o outro" [20]. Afinal, a idéia principal de Forel se reduz à tese na
qual a consciência é "um reflexo interior da atividade cerebral" [21].
E isto já é uma concepção puramente materialista.

Os idealistas e os kantistas de todas as espécies e de todos os


matizes objetam aos materialistas que nós podemos conhecer
diretamente apenas o aspecto físico dos fenômenos tratados por
Forel e Feuerbach. Esta objeção, Schelhing já havia formulado de
forma extremamente clara. Ele dizia que o "espírito permanecerá
para sempre uma ilha, à qual só se poderia atingir através do
oceano da matéria, sob condição de dar um salto". Forel sabe

26 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


perfeitamente disso, mas prova de forma concludente que a
ciência seria verdadeiramente impossível, se nós não quisermos
ultrapassar os limites desta ilha. "Cada homem", diz ele, "não teria
mais que a psicologia de seu subjetivismo e deveria positivamente
colocar em dúvida a existência do mundo exterior, inclusive a dos
outros homens" [22]. Mas tal dúvida é um absurdo. "As conclusões
tiradas por analogia, a indução aplicada segundo as ciências
naturais e físicas, a comparação da experiência de nossos cinco
sentidos nos provam a existência do mundo exterior, assim como a
de nossos semelhantes e de sua psicologia. Da mesma forma, elas
nos mostram que há uma psicologia comparativa, uma psicologia
dos animais. Enfim, nossa própria psicologia seria para nós
incompreensível e cheia de contradições, se quiséssemos considerá-
la fora de toda relação com a atividade de nosso cérebro; ela estaria
sobretudo em contradição com a lei da conservação da energia"
[23].

Feuerbach não se limita a indicar as contradições nas quais


caem inevitavelmente aqueles que repudiam o ponto de vista
materialista; ele mostra também por qual caminho os idealistas
atingem sua "ilha". Ele diz: "Eu sou eu para mim mesmo e tu para
os outros. Mas só o sou enquanto ser sensível, ou seja, material.
Mas a razão abstrata isola este 'ser para si mesmo' enquanto
substância, átomo, 'eu', Deus. Eis porque ela só pode estabelecer de
maneira arbitrária a relação entre o 'ser para si mesmo' e o 'ser
para os outros'. Aquilo que eu penso sem sensibilidade, eu penso
fora de toda relação" [24]. Esta consideração extremamente
importante é acompanhada em Feuerbach, da análise do processo

PLEKHANOV| 27
de abstração que culmina no nascimento da lógica hegeliana como
doutrina ontológica [25].

Se Feuerbach dispusesse dos conhecimentos que fornece a


etnologia atual, teria podido acrescentar que o idealismo filosófico
procede, historicamente, do animismo, próprio às raças primitivas.
Isso já havia sido indicado por E. Taylor [26], e alguns historiadores
da filosofia [27] já começaram a levar parcialmente em conta - se
bem que, no momento, mais como curiosidade do que como um
fato de considerável importância teórica.

Todas estas considerações e argumentos de Feuerbach não


somente eram bem conhecidos de Marx e Engels, que sobre elas
haviam refletido profundamente, mas contribuíram,
indubitavelmente em grande medida, para a formação de sua
própria concepção do mundo. Se, mais tarde, Engels manifestou o
maior desprezo pela filosofia alemã posterior a Feuerbach, é
porque ela nada mais fazia, em sua opinião, que reanimar os velhos
erros filosóficos que Feuerbach já havia revelado. E, na realidade,
assim era. Nenhum dos modernos críticos do materialismo trouxe
um argumento que já não tenha sido refutado, seja pelo próprio
Feuerbach, ou ainda antes dele, pelos materialistas franceses. Mas,
para os "críticos de Marx" - E. Bernstein, K. Schmidt, B. Croce e
outros - a "deplorável sopa eclética" da filosofia alemã mais
moderna parece um prato novo: eles aí se alimentam e, vendo que
Engels não considerava útil dele ocupar-se acreditavam que ele se
"esquivava" ao exame de uma argumentação que já há muito ele
analisara e declarara sem nenhum valor. É uma velha história,
sempre nova, no entanto. Os ratos jamais deixarão de acreditar que
o gato é muito mais forte que o leão.

28 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


Mesmo reconhecendo a incrível semelhança e, em parte, a
identidade das concepções de Feuerbach e Forel, observemos que,
se este último possui conhecimentos muito mais consideráveis no
domínio das ciências naturais, Feuerbach era-lhe muito superior no
domínio filosófico. E por isso Forel comete erros que não
encontramos em Feuerbach. Forel chama sua teoria de teoria
psicofisiológica da identidade [28]. A isto nada há de essencial a
objetar, pois toda terminologia é coisa convencional. Mas como a
teoria da identidade esteve outrora na base de uma filosofia
idealista bem determinada, Forel teria feito melhor chamando sua
doutrina, franca e corajosamente, de doutrina materialista. Mas ele
conservou, visivelmente, alguns preconceitos contra o
materialismo e essa é a razão pela qual escolheu outro nome. Por
isso consideramos necessário advertir que a identidade, no sentido
que lhe dá Forel, nada tem em comum com a identidade no sentido
idealista corrente.

Os "críticos de Marx" tampouco sabem disso. Em sua polêmica


conosco, K. Schmidt atribuía aos materialistas a doutrina idealista
da identidade. Realmente, o materialismo reconhece a unidade
entre o sujeito e o objeto, mas nunca sua identidade. E foi ainda
Feuerbach que explicou isso muito bem.

Segundo Feuerbach, a unidade entre o sujeito e o objeto,


entre o pensar e o ser, só tem sentido quando o homem é tomado
como base desta unidade. Isto tem ainda um certo ar de
"humanismo" e a maioria dos que estudaram Feuerbach acharam
desnecessário refletir seriamente sobre a forma na qual o homem
serve de base da unidade dos opostos acima mencionados. Na
realidade Feuerbach compreende isso da seguinte maneira: "O

PLEKHANOV| 29
pensamento só não está desligado do ser onde não é um sujeito
para si mesmo, mas o atributo de um ser real (quer dizer, material)"
[29]. Ora, em quais sistemas filosóficos o pensamento é "sujeito
para si mesmo", ou seja, algo independente da existência corporal
do indivíduo pensante? A resposta é clara: nos sistemas idealistas.
Os idealistas transformam inicialmente o pensamento em uma
entidade autônoma, independente do homem (em "sujeito para
si") e, depois, declaram que, nessa entidade - precisamente porque
ela tem existência distinta, independente da matéria - se resolve a
contradição entre o ser e o pensamento. E, com efeito, ela aí se
resolve, pois o que é afinal esta entidade? li o pensamento. E este
pensamento tem uma existência completamente independente.
Mas esta solução da contradição é uma solução puramente formal.
Obtém-se este resultado, como já havíamos dito, suprimindo um
dos elementos da contradição, a saber, o ser independente do
pensar. O ser se apresenta como simples propriedade do pensar e,
quando dizemos que tal objeto existe, isto apenas significa que ele
existe em nosso pensamento. Assim o compreendia, por exemplo,
Schelling. Para ele, o pensar era o princípio absoluto, de onde
procedia necessariamente o mundo real, que dizer, a natureza e o
espírito "finito". Mas como? Que significava a existência do mundo
real? Nada mais que a existência no pensamento. Para Schelling, o
universo era só autocontemplação do espírito absoluto. O mesmo
se dava em Hegel. Mas Feuerbach não se contenta com tal solução,
puramente formal, da contradição entre o pensar e o ser. Ele
mostra que não há e não pode haver pensamento independente
do homem, quer dizer, do ser real, material. O pensamento é uma
atividade do cérebro. "Mas o cérebro só é um órgão de pensamento

30 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


na medida em que está ligado a uma cabeça e a um corpo
humanos" [30].

Vemos agora em que sentido o homem é, para Feuerbach, a


base da unidade entre o ser e o pensar; no sentido em que ele
mesmo nada mais é que um ser material que possui a faculdade de
pensar. Mas se ele é um tal ser, está claro que nenhum dos
elementos da contradição tem necessidade de ser nele suprimido:
nem o ser, nem o pensar, nem a "matéria", nem o "espírito", nem
o sujeito, nem o objeto. Eles nele se unem exatamente como um
sujeito-objeto. "Eu sou e eu penso... unicamente como um sujeito-
objeto", diz Feuerbach.

Ser não significa existir no pensamento. Neste aspecto, a


filosofia de Feuerbach é muito mais clara que a de J. Dietzgen.
"Provar que uma coisa existe", diz Feuerbach, "é provar que ela
existe não simplesmente no pensamento" [31]. E isto é
perfeitamente justo. Mas isto quer dizer que a unidade do pensar
e do ser não significa e não pode significar, sua identidade. Aqui
aparece um dos traços mais importantes que distinguem o
materialismo do idealismo.

IV
Quando se diz que Marx e Engels foram durante certo tempo
adeptos de Feuerbach, freqüentemente quer-se dizer com isto,
que sua concepção do mundo se modificou posteriormente e se
diferenciou completamente da de Feuerbach. É também o que
pensa K. Diehl, que acha que normalmente se exagera muito a
influência exercida por Feuerbach sobre Marx [32]. Aí está um erro

PLEKHANOV| 31
formidável. Mesmo após ter deixado de seguir Feuerbach, Marx e
Engels continuaram a partilhar de uma parte considerável de seus
pontos de vista filosóficos. É isto que aparece claramente nas teses
de Marx sobre Feuerbach. Estas teses não refutam absolutamente
Feuerbach; elas as completam apenas e, sobretudo, exigem que
estas idéias sejam, de forma mais conseqüente que em Feuerbach,
aplicadas à interpretação da realidade que rodeia o homem e, em
particular, a interpretação de sua própria atividade. "Não é o
pensar que determina o ser, é o ser que determina o pensar". Este
pensamento que está na base de toda filosofia de Feuerbach, Marx
e Engels o colocam também na base da interpretação materialista
da história. O materialismo de Marx e Engels é uma doutrina bem
mais desenvolvida que o materialismo de Feuerbach. Mas as
concepções materialistas de Marx e Engels se desenvolveram no
próprio sentido indicado pela lógica interna da filosofia de
Feuerbach. Eis porque estas concepções e particularmente seu
aspecto filosófico, jamais serão completamente claras para aquele
que não quiser se dar ao trabalho de conhecer a parte considerável
da filosofia de Feuerbach que entrou na concepção do mundo dos
fundadores do socialismo científico. E se vocês virem alguém
esforçar-se por encontrar um "fundamento filosófico" para o
materialismo histórico, esteja persuadido que existe, no saber
deste mortal, apesar de sua profundidade, grande lacuna a este
respeito.

Mas deixemos os espíritos profundos entregues a seus


trabalhos. Já em sua terceira tese sobre Feuerbach, Marx aborda o
problema mais árduo de todos os que devia enfrentar no domínio
da "prática" histórica do homem social e que resolve com a ajuda

32 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


do conceito justo, elaborado por Feuerbach, da unidade entre o
sujeito e o objeto. Esta tese é assim concebida: "A doutrina
materialista segundo a qual os homens são produtos das
circunstâncias e da educação... não tem em conta o fato que as
circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o
próprio educador também deve ser educado". Uma vez resolvido
este problema, o "segredo" da interpretação materialista da
história foi encontrado. Mas precisamente Feuerbach não podia
resolvê-lo. No domínio da história, ele permanecia idealista -
exatamente como os materialistas franceses do século XVIII, com
os quais ele tinha aliás muitos traços comuns. Então foi necessário
a Marx e Engels tudo reconstruir, utilizando o material teórico
acumulado até então pela ciência social e, era particular, pelos
historiadores franceses da época da Restauração. Mas, também no
que se refere a isto, a filosofia de Feuerbach lhes forneceu um
grande número de indicações preciosas. Feuerbach disse
particularmente: "A arte, a religião, a filosofia e a ciência não são
mais que as manifestações ou as revelações da 'essência humana'
" [33]. Daí decorre que é necessário procurar na "essência humana"
a explicação de todas as ideologias, ou seja, que a sua evolução é
determinada pela evolução da "essência humana". Mas o que é a
essência humana? A isto Feuerbach responde: "A essência humana
só reside na comunidade, na unidade do homem com o homem"
[34]. É muito vago. E eis-nos diante do limite que Feuerbach jamais
ultrapassou. Mas é justamente para além deste limite que começa
o domínio da interpretação materialista da história descoberta por
Marx e Engels. Esta interpretação nos indica as causas que que
determinam, no curso da evolução humana, "a comunidade, a
unidade do homem com o homem", ou seja, as relações mútuas que

PLEKHANOV| 33
os homens estabelecem entre si. Este limite, que separa Marx de
Feuerbach, mostra também até que ponto eles estão próximos.

Lê-se na sexta tese sobre Feuerbach que a essência humana é


o conjunto de todas as relações sociais. É bem mais preciso que em
Feuerbach, mas aqui se revelam, talvez mais claramente que em
qualquer outro lugar, as estreitas relações existentes entre a
concepção do mundo de Marx e a filosofia de Feuerbach.

Quando Marx escreveu esta tese, já conhecia não só a direção


na qual era necessário buscar a solução do problema, mas também
a própria solução. Em sua "Introdução à Critica da Filosofia do
Direito de Hegel", ele mostrara que as relações dos homens em
sociedade, "as relações jurídicas, assim como as formas do Estado,
não podem ser explicadas nem por si mesmas nem pela chamada
evolução geral do espírito humano; que elas têm suas raízes nas
condições materiais de existência, cujo conjunto foi denominado
"sociedade civil" por Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do
século XVIII; que a anatomia da sociedade civil deve ser buscada em
sua "economia".

Não faltava, daí por diante, senão explicar a origem e a


evolução da economia, para ter a solução completa do problema
que o materialismo não pudera resolver durante séculos. E esta
explicação foi dada por Marx e Engels.

É evidente que, falando de solução completa deste grande


problema, nós só temos em vista a solução geral, algébrica, que o
materialismo não pôde encontrar durante vários séculos. É
evidente que falando de solução completa, nós temos em vista, não

34 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


a aritmética do desenvolvimento social, mas sua álgebra, não a
explicação das causas dos diferentes fenômenos, mas a explicação
do procedimento ao qual é preciso ater-se para descobrir estas
causas. Isto significa que a interpretação materialista da história
tem sobretudo um valor metodológico. Isso Engels compreendia
muito bem quando escreveu: "O que é necessário, não são tanto os
resultados brutos quanto o estudo; os resultados nada são sem a
evolução que a eles conduziu" [35]. Mas é isto que não
compreendem, a maior parte do tempo, nem os "críticos" de Marx
- aos quais, como se diz, o Senhor perdoará - nem alguns de seus
"adeptos", o que é bem pior. Miguel Ângelo dizia: "Meus
conhecimentos engendrarão um grande número de ignorantes".
Essa predição infelizmente se verificou. Agora, são os
conhecimentos de Marx que engendram ignorantes. A falha não é,
evidentemente, de Marx, mas daqueles que dizem tantas tolices
em seu nome. Mas para evitar estas tolices é necessário
precisamente compreender o valor metodológico do materialismo
histórico.

PLEKHANOV| 35
Notas:

[1] O livro de VI. Verigo: Marx als Philosoph (Berna e Leipzig, 1904),
é consagrado à filosofia de Marx e Engels. É difícil, todavia, imaginar
obra tão insatisfatória.

[2] Ver seu interessante livro: A Alemanha nas vésperas da


Revolução de 1848, São Petersburgo, 1906, p. 228-229.

[3] Ueber Spiritualismus und Materialismus,Oeuvres, X, p. 129.

[4] Oeuvres, IV, p. 249.

[5] Ibid.. , p. 249.

[6] O próprio Feuerbach diz muito bem, que o começo de toda


filosofia é determinado pelo estado precedente do pensamento
filosófico.

[7] Oeuvres, II, p. 263 ( Oeuvres , edição do Instituto Marx-Engels,


t. I, p. 71).

[8] Ibid.,II, p 261.

[9] Ibid., p. 262.

[10] Ibid., p 295.

[11] Ibid., p 350.

[12] Ibid., p 291.

[13] Ibid., p 350.

36 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


[14] Ibid., 11, p. 334, e X, p. 184-186.

[15] "O pensar", diz ele,"é precedido pelo ser; antes de pensar a
qualidade, você a sente" (Oeuvres , II, p. 253).

[16] Ver o artigo intitulado: "Bernstein e o Materialismo" em nossa


coletânea Critique de nos Critiques (Plekhanov, Oeuvres, t. XI)

[17] Hume, as Vie, as Philosophie, p. 108.

[18] Ibid., p. 110.

[19] Ver também o terceiro capítulo de seu livro: l'Âme et le


Systême Nerveux. Hygiene et Pathologie, Paris, 1906.

[20] Oeuvres, II, p. 348-349.

[21] Die physchischen Fahigkeiten der Ameisen etc., Munique,


1901, p. 7.

[22] Ibid., p. 7 e 8.

[23] Ibid.

[24] Oeuvres, II, p. 322.

[25] "O espírito absoluto de Hegel não é outra coisa que o espíritcs
abstrato, que o espírito isolado de si mesmo, o que chamamos o
espírito finito, assim como o Ser infinito da teologia não é outra
coisa que o Ser abstrato finito". (Oeuvres, II, p. 263).

[26] La Civilisation Primitive, Paris, 1876, t. II, p. 143. É preciso-


observar que Feuerbach teve, no que se refere a isto, uma intuição-

PLEKHANOV| 37
verdadeiramente genial. Ele diz: "O conceito de objeto não é
primitivamente outra coisa que o conceito de um outro 'eu'. Assim,
o homem concebe na infância todos os objetos como seres que
agem livre e arbitrariamente; é por isso que o conceito de objeto
nasce, em geral, por intermédio do tu, que é o eu objetivo".
Reymond, Lausanne, 1905, p. 414-415

[27] Ver T. Gomperz: Les Penseurs de la Grèce, trad. por Aug.


Reymond, Lausanne, 1905, p. 414-415.

[28] Ver seu artigo, intitulado: Die Psycho-physiologische


Identitatstheorie als wissenschaftliches Postulat, na coletânea
Festschrift, I.

[29] Oeuvres, II, p. 340

[30] Jbid., p. 362 e 363.

[31] Ibid., X, p. 187

[32] Handwõrterbuch der Staatswissenschaften, V, p. 708.

[33] Oeuvres, II, p. 343.

[34] Ibid., II, p. 344.

38 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


V
Um dos maiores méritos de Marx e Engels no que diz respeito
ao materialismo é o de ter criado um método justo. Concentrando
todos os seus esforços na luta contra o elemento especulativo da
filosofia de Hegel, Feuerbach dela havia pouco apreciado e
utilizado o elemento dialético. Ele declarava: "A verdadeira
dialética não é absolutamente um monólogo do pensador solitário
consigo mesmo, é um diálogo entre o eu e o tu" [36]. Mas, em
primeiro lugar, para Hegel, a dialética não tinha tampouco o valor
de um "monólogo do pensador solitário consigo mesmo", e, em
segundo, a observação de Feuerbach define de forma justa o ponto
de partida, mas não o método da filosofia. Esta lacuna foi
preenchida por Marx e Engels, que compreenderam que não era
necessário, ao combater a filosofia especulativa de Hegel, ignorar
sua dialética. Alguns críticos afirmam que, nos primeiros tempos
após sua ruptura com o idealismo, Marx manifestava também uma
grande indiferença para com a dialética. Mas esta opinião, que
parece exata à primeira vista, é desmentida pelo fato, assinalado
anteriormente, que já nos "Deutsch-französische Jahrbücher"
(Anais Franco-Alemães), Engels tratava o método como a própria
alma do novo sistema [37].

E em todo caso, a segunda parte da "Miséria da Filosofia" não


deixa nenhuma dúvida sobre o fato que Marx, na época de sua
polêmica com Proudhon, apreciava perfeitamente o valor do
método dialético e sabia muito bem dele servir-se. Nesta discussão,
a vitória de Marx sobre Proudhon foi a de um homem que sabe
pensar dialeticamente, sobre outro que não soubera compreender

PLEKHANOV| 39
a essência da dialética, mas entretanto se esforçara em aplicar o
método dialético na análise da sociedade capitalista. E esta mesma
segunda parte da "Miséria da Filosofia" mostra que a dialética que,
em Hegel, tivera um caráter puramente idealista, e o mantivera em
Proudhon, na proporção em que este o assimilara, foi assentada
por Marx sobre um fundamento materialista.

Posteriormente, caracterizando sua dialética materialista,


Marx escrevia: "Para Hegel, o processo lógico, que ele transforma
em sujeito autônomo, denominando-o idéia, é o demiurgo da
realidade, a qual não é outra coisa que sua manifestação exterior.
Para mim, é justamente o contrário: o ideal é apenas o material
transformado e traduzido no cérebro humano". Esta caracterização
pressupõe um acordo completo com Feuerbach, em primeiro
lugar, no que concerne à opinião sobre a "idéia" de Hegel e, em
segundo, no que concerne às relações entre o pensamento e o ser.
Apenas um homem convencido da justeza do princípio
fundamental da filosofia de Feuerbach — não é o pensar que
condiciona o ser, mas o ser que condiciona o pensar — era capaz
de "colocar sobre seus próprios pés" a dialética hegeliana.

Muitas pessoas confundem a dialética com a doutrina da


evolução. A dialética é, com efeito, uma doutrina da evolução. Mas
ela difere essencialmente da "teoria da evolução" vulgar, que
repousa essencialmente sobre o princípio que nem a natureza,
nem a história dão saltos e que todas as transformações no mundo
só se dão gradualmente. Já Hegel demonstrara que, assim
compreendida, a doutrina da evolução era inconsistente e ridícula.

40 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


"Quando queremos representar o aparecimento ou o
desaparecimento de qualquer coisa" — diz ele no primeiro tomo de
sua Lógica — "os representamos geralmente como um
aparecimento ou desaparecimento graduais. No entanto, as
transformações do ser são, não apenas a passagem de uma
quantidade à outra, mas também a passagem da quantidade à
qualidade e, inversamente, passagem que, acarretando a
substituição de um fenômeno por outro, é uma ruptura da
progressividade" [38]. E cada vez que há uma ruptura da
progressividade produz-se um salto no curso do desenvolvimento.
Hegel mostra adiante, através de toda uma série de exemplos, com
qual freqüência se produzem saltos na natureza tanto quanto na
história, e desvenda o erro ridículo que está na base da "teoria da
evolução" vulgar. "Na base da doutrina da progressividade", diz ele,
"encontra-se a idéia que aquilo que surge já existe efetivamente e
permanece imperceptível unicamente em razão de sua pequenez.
Da mesma forma, quando se fala de desaparecimento gradual de
um fenômeno, representa-se este desaparecimento como um fato
consumado, como se o fenômeno que toma o lugar do procedente
já existisse, mas ainda não sendo perceptíveis, nem um nem outro...
Mas desta forma, suprime-se de fato todo aparecimento e todo
desaparecimento... Explicar o aparecimento ou o desaparecimento
de um fenômeno dado, pela progressividade da transformação, é
levar tudo a uma tautologia fastidiosa, pois é considerar como
previamente pronto (quer dizer, como já aparecido ou como já
desaparecido) tudo aquilo que está em vias de aparecer ou de
desaparecer" [39].

PLEKHANOV| 41
Marx e Engels adotaram inteiramente esta concepção
dialética de Hegel, sobre a inevitabilidade dos saltos no processo
do desenvolvimento. Engels a desenvolve de maneira detalhada
em sua polêmica com Dühring e, nesta ocasião, ele a "coloca sobre
os próprios pés", quer dizer, sobre uma base materialista.

E assim ele mostra que a passagem de uma forma de energia


à outra, não pode consumar-se de outra forma que por meio de
um salto. Assim, ele procura na química moderna a confirmação do
princípio dialética da transformação da quantidade em qualidade.
Em geral, as leis do pensamento dialético são confirmadas,
segundo ele, pelas propriedades dialéticas do ser. Aqui ainda, o ser
condiciona o pensar.

Sem entrar numa caracterização detalhada da dialética


materialista (no que concerne às suas relações com a chamada
lógica elementar, paralelamente à matemática elementar, ver
nosso prefácio à nossa tradução da brochura Ludwig Feuerbach)
[40], lembraremos ao leitor que a teoria que via no processo da
evolução apenas modificações progressivas e que dominou no
decorrer dos últimos vinte anos, começou a perder terreno mesmo
no domínio da biologia, onde antes era quase que universalmente
reconhecida. Em relação a isto, os trabalhos de Armand Gautier e
Hugo de Vries parece que deverão marcar época. É suficiente dizer
que a teoria das mutações de Vries não é outra coisa que a teoria
da evolução das espécies operando-se por saltos. (Ver sua obra em
dois tomos: Die Mutationstheorie, Leipzig 1901-1903; seu
relatório: Die Mutationen und die Mutationsperioden bei der
Entstehung der Arten, Leipzig 1901, assim como suas conferências
na Universidade da Califórnia, editadas em tradução alemã sob o

42 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


título: Arten und Varietaten und ihre Entstehung durch die
Mutation, Berlim 1906).

Na opinião deste eminente naturalista, o aspecto fraco da


teoria de Darwin sobre a origem das espécies é precisamente a
idéia que esta origem possa ser explicada por transformações
graduais [41]. Também muito interessante e justa é a observação
de De Vries, que constata que a teoria das transformações
graduais, que dominava na doutrina da origem das espécies,
exerceu uma influência desfavorável sobre o estudo experimental
das questões relativas a este domínio [42].

É preciso acrescentar que, nos meios naturalistas modernos,


e muito particularmente entre os neolamarckistas, observa-se uma
difusão bastante rápida da teoria da matéria animada, teoria
segundo a qual a matéria em geral e a matéria orgânica, em
particular, considerada por alguns como sendo diretamente aposta
ao materialismo (ver, por exemplo, o livro de R. H. Francé: Der
heutige Stand der Darwin'shen Frage, Leipzig 1907), representa na
realidade, se ela é compreendida de forma justa, apenas a
tradução, em linguagem naturalista moderna, da doutrina
materialista de Feuerbach, da unidade entre o ser e o pensar, entre
o objeto e o sujeito [43]. Pode-se afirmar com certeza que Marx e
Engels teriam mostrado o maior interesse por esta corrente das
ciências naturais, que está, na verdade, no momento, ainda muito
insuficientemente estudada.

Alexandre Herzen diz com razão que a filosofia de Hegel, por


muitos considerada como conservadora em alto grau, é uma
verdadeira álgebra da revolução [44]. Mas em Hegel, esta álgebra

PLEKHANOV| 43
ficava sem nenhuma aplicação às questões candentes da vida
prática. O elemento especulativo devia introduzir necessariamente
o espírito de conservadorismo na filosofia do grande idealista.
Ocorre diferentemente com a filosofia materialista de Marx. A
"álgebra" revolucionária aí aparece com toda força invencível de
seu método dialético. Marx diz: "Em sua forma mística, a dialética
se tornou moda alemã, porque ela parecia glorificar o estado de
coisas existente. Em sua forma racional, a dialética não é, aos olhos
da burguesia e de seus teóricos, senão escândalo e horror, porque
além da compreensão positiva do que existe, ela engloba também
a compreensão da negação, do desaparecimento inevitável do
estado de coisas existente; porque ela considera toda forma sob o
aspecto do movimento, portanto também sob seu aspecto
transitório; porque ela não se inclina diante de nada e é, por sua
essência, crítica e revolucionária".

Se se considera a dialética materialista do ponto de vista da


literatura russa, pode-se dizer que esta dialética foi a primeira a
fornecer um método necessário e suficiente para a solução da
questão do caráter racional de tudo aquilo que é, problema que
tanto havia atormentado nosso genial Bielinski [45]. Apenas o
método dialético de Marx, aplicado ao estudo da vida russa,
mostrou-nos o que havia de real e o que apenas parecia sê-lo.

VI
Quando abordamos a interpretação materialista da história,
enfrentamos de início, como vimos, a questão de saber onde estão
as verdadeiras causas do desenvolvimento das relações sociais. Já

44 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


sabemos que a "anatomia da sociedade civil" é determinada por
sua economia. Mas o que é que determina esta economia?

A isto Marx responde: "Na produção social de sua vida, os


homens se acham ligados por certas relações indispensáveis,
independentes de sua vontade, por relações de produção , que
correspondem a um grau determinado da evolução de suas forças
produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, o fundamento real
sobre o qual se levanta a superestrutura jurídica e política" [46].

Esta resposta de Marx reduz, pois, toda a questão do


desenvolvimento da economia às das causas que condicionam o
desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. E, nesta
última forma, a questão se resolve antes de mais nada pela
indicação das propriedades do meio geográfico.

Já Hegel assinala, em sua filosofia da história, o papel


importante da "base geográfica da história universal". Mas como,
para ele, a causa de toda evolução é no final de contas, a Idéia, e
como ele só recorria à explicação materialista dos fenômenos de
passagem e nos casos de importância secundária, por assim dizer,
contra vontade, a concepção profundamente justa expressa por ele
sobre a grande importância histórica do meio geográfico não
poderia levá-lo a todas as fecundas conclusões que daí decorrem.
Estas conclusões só foram tiradas em toda sua amplitude pelo
materialista Marx [47].

As propriedades do meio geográfico determinam o caráter,


tanto dos produtos da natureza dos quais se serve o homem para

PLEKHANOV| 45
satisfazer suas necessidades, quanto dos objetos que ele produz
para o mesmo fim. Onde não existiam metais, as tribos aborígines
não puderam ultrapassar com seus próprios meios os limites da
chamada "idade da pedra". Da mesma forma, para que os
pescadores e os caçadores primitivos pudessem passar ao
pastoreio e à agricultura, eram necessárias condições geográficas
apropriadas, ou seja, uma fauna e uma flora correspondentes. L. G.
Morgan observa que a ausência, no Hemisfério Ocidental, de
animais passíveis de serem domesticados, assim como as
diferenças existentes entre as floras dos dois hemisférios, explicam
o curso tão diferente da evolução social de seus habitantes [48].

Waitz diz a respeito dos peles-vermelhas da América do Norte:


"Entre eles é completa a ausência de animais domésticos. Este fato
é muito importante, pois constitui o fator principal que os mantém
num baixo nível de desenvolvimento" [49]. Schweinfurth relata que
na África, quando uma localidade está superpovoada, uma parte da
população emigra e então ocorre que ela modifica seu gênero de
vida segundo o meio geográfico. "As tribos que até então se
ocupavam da agricultura, passam à caça, e tribos que viviam do
pastoreio de seus rebanhos, passam à agricultura" [50]. Segundo
Schweinfurth, os habitantes de uma região rica em ferro e que
engloba uma parte considerável da África Central, puseram-se
naturalmente a produzir e a trabalhar o ferro.

Mas ainda não é tudo. Já nos mais baixos estágios da evolução


humana, as tribos entram em relação umas com as outras,
trocando entre si seus produtos. Isto tem por resultado alargar os
limites do meio geográfico, o qual, por sua vez, influi sobre o
desenvolvimento das forças produtivas de cada uma destas tribos,

46 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


acelerando assim a marcha deste desenvolvimento. Mas é
compreensível que a facilidade maior ou menor com a qual tais
relações se estabelecem e se desenvolvem depende também das
propriedades do meio geográfico. Hegel já dizia que os mares e os
rios aproximam os homens, enquanto as montanhas os separam.
Os mares, porém, só aproximam os homens quando o
desenvolvimento das forças produtivas já atingiu um nível
relativamente elevado. Quando este nível é baixo, o mar — como
diz tão justamente Ratzel — dificulta fortemente as relações entre
as raças que ele separa [51]. Mas, quaisquer que sejam, é
indubitável que, quanto mais variadas são as propriedades do
meio, mais elas são propícias ao desenvolvimento das forças
produtivas. "Não é a fertilidade absoluta do solo", diz Marx, "mas
sua diferenciação, a variedade de seus produtos naturais que
constituem a base natural da divisão social do trabalho e que
impulsionam o homem, em virtude da variedade das condições
naturais em que vive, a variar suas necessidades e suas
capacidades, seus meios e seus modos de produção" [52]. Quase
nos mesmos termos que Marx, Ratzel diz: "O que importa,
sobretudo, não é uma maior facilidade de achar a alimentação, é
que algumas tendências, certos hábitos e, finalmente, algumas
necessidades sejam despertadas no próprio homem" [53].

Assim, portanto, as propriedades do meio geográfico


determinam o desenvolvimento das forças produtivas que, por sua
vez, determina o desenvolvimento das forças econômicas e, com
estas, o de todas as outras relações sociais. Marx explica isto nos
seguintes termos: "As relações sociais que os produtores contraem
entre si, as condições de sua atividade recíproca e sua participação

PLEKHANOV| 47
no conjunto da produção diferem também segundo o caráter das
forças produtivas. A invenção de um novo instrumento de guerra, a
arma de fogo, devia necessariamente modificar toda a organização
interior do exército, as relações em cujo quadro os indivíduos
formam um exército e que dele fazem um conjunto organizado
enfim, também as relações entre exércitos diferentes".

Para tornar esta explicação mais concludente, citaremos um


exemplo. Os massais, na África oriental, matam seus prisioneiros
porque — como diz Ratzel — este povo de pastores ainda não tem
a possibilidade técnica de aproveitar utilmente seu trabalho de
escravos. Mas os wakambas, que são agricultores próximos dos
pastores, têm o meio de explorar este trabalho, e por isso deixam
vivos seus prisioneiros, que escravizam. O aparecimento da
escravidão pressupõe portanto que as forças sociais atingiram um
grau de desenvolvimento que permite explorar o trabalho de
cativos [54]. Mas a escravidão é uma relação de produção cuja
aparição marca o início da divisão em classes numa sociedade que
até então não conhecia outras divisões que as correspondentes ao
sexo e à idade. Quando a escravidão atinge seu pleno
desenvolvimento, marca toda a economia da sociedade e, através
desta economia, todas as outras relações sociais e, antes de mais
nada, o regime político. Diferentes que fossem os Estados antigos
em seus regimes políticos tinham todos um traço comum: cada um
deles era uma organização política que expressava e defendia os
interesses dos homens livres.

48 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


VII
Sabemos agora que o desenvolvimento das forças produtivas,
que determina, em definitivo, o desenvolvimento de todas as
relações sociais, depende das propriedades do meio geográfico.
Mas, uma vez que certas relações sociais surgem, elas exercem, por
sua vez, uma grande influência sobre o desenvolvimento das forças
produtivas. De forma que, aquilo que primitivamente foi uma
conseqüência, se torna, por sua vez, causa; entre a evolução das
forças produtivas e o regime social, se produz uma ação e uma
reação recíprocas, que tomam, em diferentes épocas, as formas
mais variadas.

É preciso também não perder de vista que o estado das forças


produtivas condiciona não apenas as relações interiores existentes
no seio de uma dada sociedade, mas também suas relações
exteriores. A cada grau do desenvolvimento das forças produtivas
corresponde um caráter determinado do armamento, da arte
militar e, enfim, do direito internacional ou, mais exatamente, do
direito inter-social e, dentre outros, do direito entre tribos. As
tribos de caçadores não tem condições de constituir organizações
políticas consideráveis, precisamente porque o baixo nível de suas
forças produtivas as obriga, segundo uma velha expressão russa, a
se dispersar, cada um por si, em pequenos grupos sociais à procura
de sua subsistência. Quanto mais, porém, estes grupos sociais "se
dispersam cada um por si'', mais é inevitável que se travem lutas
mais ou menos sangrentas para resolver aqueles litígios que, numa
sociedade civilizada, poderiam facilmente ser ajustados por um juiz
de paz. Eyre relata que, quando várias tribos australianas se

PLEKHANOV| 49
encontram para certos fins, numa localidade determinada, estes
contatos jamais são de longa duração. Antes mesmo que a falta de
alimento ou a necessidade de partir à caça tenham obrigado os
aborígines australianos a se separarem, eclodem entre eles
conflitos que culminam rapidamente em batalhas [55].

Todos compreendem que semelhantes choques podem


produzir-se pelas causas mais diversas. Mas é notável que a maioria
dos viajantes as atribuam a causas econômicas. Quando Stanley
perguntava aos indígenas da África Equatorial porque eles
guerreavam com as tribos vizinhas, eles lhe respondiam: "Os nossos
partem à caça. Os vizinhos se põem a rechaçá-los. Então nós
atacamos os vizinhos, eles nos atacam por sua vez e nos batemos
até que não agüentemos mais ou que um dos dois campos seja
vencido" [56]. Burton também diz: "Todas as guerras na África têm
duas causas principais: o roubo de gado ou a captura de homens"
[57]. Ratzel considera provável que na Nova Zelândia, as guerras
entre indígenas não tivessem freqüentemente outro móvel que o
desejo de se regalar com carne humana [58]. Mas a própria
inclinação acentuada dos indígenas para a antropofagia se explica
pela pobreza da fauna neozelandesa.

Todos sabem quanto o resultado de uma guerra depende do


armamento das partes beligerantes. Mas seu armamento é
determinado pelo estado de suas forças produtivas, por sua
economia e pelas relações sociais que se constituíram sobre a base
desta economia [59]. Dizer que tais povos ou tais tribos foram
conquistados por outros povos, ainda não é explicar porque as
repercussões sociais de sua subjugação foram precisamente umas
e não outras. As conseqüências sociais da conquista da Gália pelos

50 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


romanos não foram absolutamente as mesmas que as da conquista
deste país pelos germânicos. As conseqüências sociais da conquista
da Inglaterra pelos normandos não foram absolutamente as
mesmas acarretadas pela conquista da Rússia pelos mongóis. Em
todos estes casos, a diferença foi determinada, em última análise,
pela diferença existente entre o regime econômico da sociedade
que tinha sido subjugada e o da sociedade que a havia subjugado.
Quanto mais as forças econômicas de tal tribo ou tal povo se
desenvolvem, mais aumenta para esta tribo ou este povo a
possibilidade de, pelo menos, melhor se armar tendo em vista a
luta pela existência.

Esta regra geral, entretanto, admite numerosas exceções que


merecem que nelas nos detenhamos. Quando o desenvolvimento
das forças produtivas está num nível muito baixo, a diferença no
armamento de tribos que se encontram em estágios muito
diferentes de desenvolvimento econômico — por exemplo, os
pastores nômades ou os agricultores sedentários — não pode ser
tão grande quanto se tornará posteriormente. Além disso, a
progressão na via do desenvolvimento econômico, exercendo uma
influência determinante sobre o caráter de um dado povo, diminui
seu espírito guerreiro, algumas vezes a tal ponto que o torna
incapaz de se opor a um inimigo economicamente mais atrasado,
mas, em compensação, mais acostumado à guerra. Eis porque não
é raro que pacíficas tribos de agricultores caiam sob o jugo de
povos belicosos. Ratzel observa que os mais sólidos organismos
estatais são criados por "povos semicultos" porque estes dois
elementos — o elemento agrícola e o elemento pastoril — foram
reunidos pela conquista [60]. Por justa que seja, em geral, esta

PLEKHANOV| 51
observação, é necessário entretanto lembrar que, mesmo em tais
casos — a China é um excelente exemplo disso — , os
conquistadores economicamente atrasados sofrem
completamente, pouco a pouco, a influência do povo conquistado,
economicamente mais avançado.

O meio geográfico exerce grande influência não apenas sobre


as tribos primitivas, mas também sobre os chamados povos cultos.
Marx diz: "A necessidade de estabelecer um controle social sobre
tal força natural, de explorá-la de forma econômica, de captá-la de
início ou domá-la por meio de obras consideráveis, erigidas pelo
esforço humano organizado, esta necessidade exerce um papel
decisivo na história da indústria. Tal foi a importância da
regulamentação das águas no Egito, na Lombardia, nos Países
Baixos, na Pérsia e na Índia, onde a irrigação por meio de canais
artificiais leva ao solo não apenas a água indispensável, mas, ao
mesmo tempo, com o barro que esta carrega, o fertilizante mineral
das montanhas. O segredo da arrancada da indústria na Espanha e
na Sicília sob a dominação árabe residia na canalização" [61].

A doutrina da influência exercida pelo meio geográfico sobre


a evolução histórica da humanidade era freqüentemente reduzida
ao simples reconhecimento da influência imediata do "clima" sobre
o homem social: supunha-se que, sob a influência do "clima", uma
"raça" tornava-se amante da liberdade, outra tendia a sofrer
pacientemente o poder de um soberano mais ou menos despótico,
uma terceira tornava-se supersticiosa e logo caía na dependência
do clero. Tal concepção prevalece ainda, por exemplo, em Buekle
[62]. Segundo Marx, o meio geográfico age sobre o homem por
intermédio das relações de produção que nascem num meio

52 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


determinado, sobre a base de forças de produção determinadas,
cuja primeira condição de desenvolvimento é representada
precisamente pelas propriedades desse mesmo meio. A etnologia
moderna se aproxima cada vez mais deste ponto de vista e
portanto vai reservando à "raça" um lugar cada vez mais restrito na
história, da "civilização". "A posse de algum patrimônio de
civilização", diz Ratzel, "nada tem a ver com a raça em si".

Mas uma vez atingido em certo estado de "civilização" ele


exerce incontestavelmente sua influência sobre as qualidades
físicas e psíquicas da "raça" [63].

A influência do meio geográfico sobre o homem social


representa uma quantidade variável. A evolução das forças
produtivas condicionada pelas propriedades deste meio aumenta
o poder do homem sobre a natureza e, por isso mesmo, cria uma
relação nova entre o homem e o meio geográfico ambiente. Os
ingleses de nossos dias reagem a este meio de modo muito diverso
que as tribos que povoavam a Inglaterra no tempo de Júlio César.
Com isto se encontra definitivamente descartado o argumento
segundo o qual o caráter da população de um dado país pode
transformar-se fundamentalmente, mesmo que as condições
geográficas permaneçam as mesmas.

VIII
As relações jurídicas e políticas [64] engendradas por uma
dada estrutura econômica exercem uma influência decisiva sobre
toda a psicologia do homem social . Marx diz: "Sobre as diferentes
formas da propriedade, sobre as condições sociais de existência,

PLEKHANOV| 53
vem-se erigir toda uma superestrutura de sensações, ilusões,
maneiras de pensar, de conceber a vida, todas diversas e singulares
em seu gênero". O "ser" determina o "pensar". E podemos dizer que
cada novo progresso realizado pela ciência na explicação do
processo do desenvolvimento social, representa um novo
argumento em favor desta tese fundamental do materialismo
moderno.

Já em 1877, Ludwig Noiré escrevia: "Foi à atividade em


comum, dirigida para um objetivo comum, foi o trabalho primordial
de nossos ancestrais que produziram a linguagem e a vida cultural"
[65]. Desenvolvendo este notável pensamento, L. Noiré indica que,
primitivamente, a linguagem designa as coisas do mundo objetivo,
não como figuras mas como coisas que adquiriram uma figura
(nichtals Gestalten, sondernals gestaltete), não como seres ativos,
exercendo uma ação, mas como seres passivos, sofrendo uma ação
[66]. E ele explica isso por intermédio da consideração justa de que
"todas as coisas surgem no campo visual do homem, ou seja, elas
adquirem para ele existência de coisas, unicamente na medida em
que sofrem sua ação, e é de acordo com isso que elas recebem suas
denominações, seus nomes" [67]. Em resumo, é a atividade
humana, na opinião de Noiré, que dá conteúdo às raízes primitivas
da linguagem [68]. É interessante constatar que Noiré via o
primeiro germe de sua teoria no pensamento de Feuerbach
segundo o qual a essência do homem reside na comunidade, na
unidade do homem com o homem. Visivelmente ele ignorava
totalmente Marx; senão teria percebido que sua concepção do
papel da atividade na formação da linguagem é mais próxima da de
Marx que, em sua teoria do conhecimento, insistia sobretudo na

54 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


atividade humana, em oposição a Feuerbach, que falava de
preferência da "contemplação".

É desnecessário relembrar, a propósito da teoria de Noiré, que


o caráter da atividade humana no processo da produção é
determinado pelo estado das forças produtivas. Isto é evidente. E
mais útil notar que a influência decisiva do modo de existência
sobre o pensamento é particularmente visível nas raças primitivas,
cuja vida social e intelectual é incomparavelmente mais simples
que a dos povos civilizados. Van den Steinen escreve a respeito dos
indígenas do Brasil central, que nós só os compreenderemos ao
considerá-los como o produto de uma sociedade baseada na caça.
"A fonte principal de sua experiência", diz ele, "era seu contato com
os animais, e é sobretudo desta experiência que se valiam... para
explicar a natureza, para formar uma concepção do mundo" [69].
As condições de uma vida feita de caças determinaram não apenas
a concepção do mundo própria a estas tribos, mas também suas
idéias morais, seus sentimentos e (observa o mesmo autor) até
seus gostos artísticos. E vemos exatamente a mesma coisa entre os
povos pastores. Dentre aqueles que Ratzel chama de povos
pastores exclusivos, o "assunto de noventa por cento das
conversações é o gado, suas origens, seus hábitos, suas qualidades
e seus defeitos" [70]. Os infelizes herreros, que os "alemães
civilizados" recentemente pacificaram com tanta crueldade bestial,
pertenciam a estes "povos pastores exclusivos" [71].

Urna vez que a principal fonte de experiência era para o


caçador primitivo o gado e toda a sua concepção do mundo se
baseava sobre esta experiência, não é de admirar que na mesma
fonte tenha sido colhido o conteúdo de toda a mitologia das tribos

PLEKHANOV| 55
de caçadores, que para estes faz as vezes tanto de filosofia quanto
de teologia e ciência. "O que caracteriza a mitologia dos
bosquímanos", diz Andrew Lang, "é o papel quase exclusivo que aí
representam os animais. Com exceção de uma velha mulher que
aparece aqui e ali em suas lendas incoerentes, o homem aí não
representa nenhum papel" [72]. Segundo Br. Smith, os indígenas da
Austrália que, como os bosquímanos, ainda não estão no estágio
da caça, têm principalmente por deuses os pássaros e os animais
[73].

A religião das raças primitivas não está, no momento, ainda


suficientemente pesquisada. Mas o que dela já sabemos confirma
absolutamente a justeza da breve fórmula de Feuerbach: "não é a
religião que faz o homem mas é o homem que faz a religião". Taylor
diz: "É evidente que, entre todos os povos, o homem era o protótipo
da divindade. Isto explica porque a estrutura da sociedade humana
e seu governo se tornam o modelo sobre o qual se representam a
sociedade celeste e o governo dos céus" [74]. Isto já é, não há
dúvida, uma concepção materialista da religião. Sabe-se que Saint-
Simon sustentava um ponto de vista oposto, que ele explicava o
regime social e político dos antigos gregos, por suas crenças
religiosas. Bem mais importante ainda, porém, é o fato que a
ciência já começa a descobrir a relação causal existente entre o
desenvolvimento da técnica das raças primitivas e sua concepção
do mundo [75]. É certo que descobertas numerosas e preciosas a
esperam, por este lado.

De todas as ideologias da sociedade primitiva, a arte é


atualmente a que foi melhor pesquisada. Neste domínio reuniram-
se materiais extremamente abundantes que constituem a prova

56 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


mais inatacável e a mais concludente da justeza e, porque não
dizer, da inevitabilidade da interpretação materialista da história.
Estes materiais são tão numerosos que só podemos enumerar aqui
as obras mais importantes da literatura sobre o assunto:
Schweinfurth, Artes Africanae, Leipzig 1875; R. Andree,
Ethnographische Parallelen, artigo intitulado Das Zeichnen bei den
Naturvölkern; Von den Steinen, Unter den Naturvölkern Zentral-
Brasiliens. Berlim 1894; C. Mallery. Picture Writing of the American
Indians — Annual Report 0f the Bureau of Ethnology, Washington
1893 (os relatórios dos outros anos contêm informações preciosas
sobre a influência exercida pela técnica, principalmente da arte
têxtil, na ornamentação); Hoernes, Urgeschichte der bildenden
Kunst in Europa, Viena 1898; Ernest Crosse, Die Anfange der Kunst
e seu outro livro: Kunstwissenschaftliche Studien, Tübingen 1900;
Yrjö Hirn, Der Ursprung der Kunst, Leipzig 1904; Karl Bücher, Arbeit
und Rhythmus, 3ª. edição, 1902; Gabriel e Adr. de Mortillet, Le
Préhistorique, Paris, 1900; páginas 217-230; Hörnes, Der diluvuale
Mensch in Europa, Brunswick 1903; Sophus Müller, L'Europe
préhistorique, traduzido do dinamarquês por Em. Philippot, Paris
1907; Rich. Wallascheck, Anfänge der Tonkunst, Leipzig 1903.

Veremos, de acordo com as teses que se seguem, recolhidas


entre os autores acima citados, quais são as conclusões às quais a
ciência moderna chega na questão do nascimento da arte.

Hornes diz [76]: "A arte ornamental só pode desenvolver-se


partindo da atividade industrial, que é sua condição material
prévia... Povos sem nenhuma indústria não têm ornamentação e
não podem absolutamente tê-la".

PLEKHANOV| 57
Von den Steinen avalia que o desenho (Zeichnen) surgiu dos
signos (Zeichen) adotados em objetivos práticos para designar os
objetos.

Bücher chegou à conclusão que "o trabalho, a música e a


poesia deviam, em seu estágio primitivo, formar um amálgama
único, mas que o elemento fundamental desta trindade era o
trabalho, enquanto os dois outros só tinham valor acessório". Em
sua opinião, "a origem da poesia deve ser buscada no trabalho". Ele
observa que nenhuma língua dispõe em ordem rítmica as palavras
que formam uma proposição. É portanto impossível que os homens
tenham chegado à linguagem poética cadenciada, pela via do
emprego de sua linguagem comum. A isto se opunha a lógica
interna desta última. Mas como explicar o nascimento da
linguagem ritmada? Bücher supõe que os movimentos rítmicos e
coordenados do corpo comunicaram à linguagem figurada as leis
de sua coordenação. É ainda mais plausível que, nos graus
inferiores da evolução, estes movimentos rítmicos sejam
habitualmente acompanhados de canto. Mas como se explica a
coordenação dos movimentos corporais? Pelo caráter dos
processos de produção. Assim, portanto, "o segredo da versificação
reside na atividade produtiva" [77].

R. Wallascheck formula sua concepção sobre a origem das


produções cênicas entre as raças primitivas nos seguintes termos
[78]:

"Os temas destes jogos cênicos eram:

58 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


1 . a caça, a guerra, a canoa (entre os caçadores, a vida e os
hábitos dos animais; pantomimas animalescas e máscaras) [79];

2. a vida e os hábitos do rebanho (entre os povos pastores);

3. o trabalho (entre os agricultores: a semeadura, a debulha


do trigo, o cultivo das vinhas).

A representação é assegurada por toda a tribo (coro) que


canta e representa. Cantam-se quaisquer palavras, pois o conteúdo
dos cantos é precisamente o aspecto cênico (pantomima). Só se
interpretam os atos da vida cotidiana, cuja execução é
absolutamente necessária na luta pela existência". Wallascheck diz
que, num grande número de tribos, quando acontecem tais
representações, o coro era dividido em duas partes colocadas uma
na frente da outra. "Tal era", acrescenta ele, "o aspecto primitivo
do drama grego que, originariamente era também uma pantomima
animalesca. O animal que tinha maior papel na vida econômica
grega era a cabra donde a palavra tragédia, que deriva de tragos,
bode) ."

É impossível imaginar ilustração mais brilhante da tese,


segundo a qual não é o ser que é determinado pelo pensamento,
mas o pensamento pelo ser.

PLEKHANOV| 59
Notas:

[36] Oeuvres, II, p. 345.

[37] Engels não tinha em vista sua própria pessoa mas, em geral,
todos aqueles que tinham as mesmas idéias: "Precisamos...", dizia
ele. Não há dúvida de que Marx estava entre os que pensavam
como ele.

[38] Wissenschaft der Logik, t. 1, Nuremberg, 1812, p. 313-314.

[39] No que concerne à questão dos "saltos" ver nossa brochura


L'Iniortune de M. Tikhonrirov, São Petersburgo, edição M. Malykh,
p. 6-14 (v. o anexo).

[40] Ver o anexo Dialética e Lógica.

[41] Die Mutationen, p. 7-8.

[42] Arten etc., p. 421

[43] Sem falar de Espinosa, é preciso não esquecer que muitos


materialistas franceses do século XVIII tendiam para a teoria da
"matéria animada".

[44] Ver Engels: Ludwig Feuerbach, p. 1-5.

[45] Ver nosso artigo "Bielinski ct Ia Réalité Rationnelle", na


coletânea Vingt Années (Oeuvres, t. X).

[46] Ver o prefácio ao livro Zvr Kritik der politischen Oekorzomie.

60 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


[47] Assim como já disséramos, Feuerbach não tinha ido, neste
caso, mais longe que Hegel.

[48] Die Urgesellschaft, Stuttgart, 1891 p. 20-21.

[49] Die Indianer Nordamerikas,p. 91

[50] Au coeur de l'Afrique, t. 1, p. 209

[51] Anthropogeographie, Stuttgart, 1882, p. 29.

[52] Capital, t. 1, 3.a ediçao, p. 524-526.

[53] Völkerkunde, Leipzig, 1887, t. 1. p. 56

[54] Vàlkerkunde, 1, p. 83. E, além disso, é preciso lembrar que


reduzir à escravidão é, por vezes, nos primeiros graus da evolução,
simplesmente incorporar os prisioneiros à força na organização
social dos vencedores conferindo-lhes os mesmos direitos. Não há
pois lucro fornecido pelo sobre-trabalho do prisioneiro, mas
simplesmente um proveito comum decorrente da colaboração
com este último. Mas esta forma de escravidão pressupõe a
existência de algumas forças de produção e de certa organização
da produção.

[55] Ed. J. Eyre: Manners and Customs of the Aborigines of the


Australia, Londres, 1847, p. 243.

[56] Dans les Ténèbres de l'Afrique, Paris, 1890, t. II, p. 91.

[57] Burton: Voyage aux Grands Lacs de l'Afrique Orientale, Paris,


1862, p. 666.

PLEKHANOV| 61
[58] Völkerkunde, t. I, p. 93.

[59] É o que Engels explica muito bem nos capítulos do Anti-


Dühring, consagrados à análise da "teoria da violência". Ver
também Les Maitres de la Guerre, pelo Tenente-Coronel Rousset,
professor na Escola Superior de Guerra, Paris, 1901 (p. 2).

[60] Vólkerkunde, p. 19.

[61] Le Capital, p. 524-526

[62] Ver sua History of Civilization in England, vol. 1, Leipzig, 1865,


p. 36-37. Segundo Buckle, "o aspecto geral da região" (the general
aspect of nature), que é uma das quatro causas determinantes do
caráter particular de um povo, influi sobretudo sobre a imaginação,
e uma imaginação fortemente desenvolvida engendra as
superstições que, por sua vez, retarda o desenvolvimento do saber.
A freqüência dos tremores de terra no Peru, agindo sobre a
imaginação dos indígenas, também exerceu influência sobre seu
regime político. Se os espanhóis e os italianos são supersticiosos,
isto ainda provém dos tremores de terra e das erupções vulcânicas
(Ibid. p. 112-113). Esta ação diretamente psicológica é
particularmente forte nos primeiros estágios do desenvolvimento
cultural. A ciência moderna, estabelece, entretanto, uma
semelhança evidente entre as crenças religiosas das raças
primitivas situadas ao mesmo nível de desenvolvimento
econômico. As opiniões de Buckle, que ele empresta dos escritores
do século XVII, já haviam sido exprimidas por Hipócrates (ver Des
Airs, des Eaux et des Lieux, tradução de Coray, Paris, 1800,
parágrafos 76, 85, 86, 88 etc.).

62 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


[63] Para tudo o que se refere à raça, ver o interessante ti abalhn
de 1. Finot: Le Pré jugé des Races, Paris, 1905. Waitz diz: "Certas
tribos negras apresentam um notável exemplo da ligação existente
entre a principal ocupação e o caráter nacional" (Anthropologie der
Naturvölker, II, p. 107).

[64] No que concerne à influência exercida pela economia sobre as


relações sociais, ver Engels: Der Ursprung der Familie des
Privateigenthums und des Staats, 8.a edição, Stuttgart, 1900; R.
Hildebrand: Recht und Sitte aul verschiedenen Kulturstufen, 1ª.
parte, lena, 1896. Infelizmente Hildebrand não sabe utilizar bem os
dados econômicos. A interessante brochura de T. Achelis:
Rechtsentstehung und Rechtsgeschichte, Leipzig, 1904, trata do
direito enquanto produto do desenvolvimento social, mas não
aprofunda a questão de saber o que condiciona este
desenvolvimento. No livro de M. A. Vaccaro: Les Bases
Sociologiques du Droit et de I'Etat, Paris, 1898, encontramos
muitas observações de detalhes esparsas que iluminam alguns
aspectos da questão, mas, enfim, o próprio autor ainda não tem
idéia clara do objeto. Ver também Teresa Labriola: Revisione Critica
delle più Recenti Teorie sulle Origini del Diritto, Roma, 1901.

[65] Der Ursprung der Sprache, Mogúncia, p. 331.

[66] 66 Ibid., p. 341

[67] Ibid., p. 347.

[68] lbid., p. 369.

[69] Unter den Naturvöikern Zentral-Brasiliens, p. 201.

PLEKHANOV| 63
[70] Ibid., p. 205-206.

[71] No que concerne aos "povos pastores exclusivos", ver


especialmente o livro de Gustav Fischer: Eingeborene Süd-Afrikas,
Breslau 1872. Fischer diz: "O ideal do cafre, o objeto com o qual
sonha e que exalta com predileção em seus cantos, são os bois,
quer dizer, seu mais precioso bem. Os louvores ao gado se
alternam no canto, com os do chefe da tribo e ainda é seu gado que
tem grande papel, nos louvores que dele se faz". (t. 1, p. 85). Os
cuidados a dispensar ao gado são, aos olhos do homem cafre, a
labuta mais honrosa (1, p. 85); a própria guerra é a ocupação
favorita do cafre, principalmente porque, em seu pensamento, ela
está associado à idéia de um butim composto de gado" (1, p. 79).
"Os litígios entre os cafres vêm de disputas que têm por móvel o
gado" (1, p. 322). Fischer também fez uma descrição muito
interessante da vida dos bosquímanos caçadores (1, p. 424 e
seguintes).

[72] Mytlzes, Cu1t~s et Religions, trad. por Charillet, Paris, 1896, p.


332.

[73] É conveniente lembrar aqui a observação de R. Andree, que


diz que, primitivamente, o homem representa seus deuses sob o
aspecto de animais. "Quando se chega, mais tarde, a conceber os
animais com atributos antropomórficos, os mitos da metamorfose
de homens em animais nascem". (Ethnographische Parallele und
Vergleiche, Neue Folge, I.eipzig, 1889, p. 116). O aparecimento das
idéias antropomórficas sobre os animais já pressupõe um nível
relativamente mais elevado do desenvolvimento das forças

64 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


produtivas. Consultar também Frobenius: Die Weltanschauung der
Naturvölker, Weimar, 1898, p.24.

[74] La Civilisatjon Primitive, Paris, 1876, t. II, p. 322.

[75] Consultar G. Schurz: Vorgeschichte der kultur, Leipzig e Viena,


1909, p. 559-564. Mais adiante, retornaremos a este objeto em
outra circunstância.

[76] Urgeschichte etc., p. 38.

[77] Arbeit und Rhythmus, p. 342.

[78] Anjãnge der Tonkunst, p. 257

[79] Figurando comumente também animais

PLEKHANOV| 65
IX
A vida econômica se desenvolve sob a influência do
crescimento das forças produtivas. É isto que explica porque as
relações existentes entre os homens no processo da produção se
transforma e com elas o estado psíquico humano. Marx diz:

"Num certo grau de sua evolução, as torças produtivas do


sociedade entram em contradição com as relações de produção
existentes no seio desta sociedade ou, em termos jurídicos, com as
relações de propriedade em cujo quadro estas forças evoluíram. De
formas que favoreciam a evolução das forças produtivas, estas
relações se tornam grilhões que as entravam. Inicia-se então uma
época de revolução social. Com a transformação da base
econômica, toda a formidável superestrutura levantada sobre ela
se transforma num ritmo mais ou menos rápido. Nenhuma
formação social desaparece antes que nela se tenham desenvolvido
as forças produtivas que ela comporta, e relações de produção
novas e superiores jamais ocupam o lugar das precedentes antes
que as condições materiais indispensáveis à sua existência tenham
amadurecido no seio da mesma antiga sociedade. Eis porque a
humanidade só se coloca problemas que ela pode resolver, pois se
considero as coisas mais de perto, se chegará sempre à conclusão
que o problema só é proposto onde as condições materiais
necessárias à sua solução já existem, ou, pelo menos, estão cm vias
de aparecimento" [80].

Temos aqui, sob os olhos uma verdadeira "álgebra", uma


"álgebra" puramente materialista, da evolução social. Nesta

66 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


álgebra tanto há lugar para os "saltos" — da época da revolução
social — quanto para as transformações graduais. Transformações
graduais que, operando quantitativamente nas propriedades de
uma dada ordem de coisas, culminam finalmente numa
transformação da qualidade, ou seja, no desaparecimento do
antigo modo de produção — ou da antiga formação social, segundo
expressão empregada por Marx neste caso — e na sua substituição
por um modo de produção novo. Segundo Marx, os modos de
produção oriental, antigo, feudal e burguês contemporâneo,
podem ser considerados, de forma geral, como épocas
consecutivas ("progressivas") da evolução econômica da
sociedade. Mas é de supor que após ter tomado conhecimento do
livro de Morgan sobre a sociedade primitiva, Marx modificou sua
concepção da relação existente entre o modo de produção antigo
e o modo de produção oriental. Com efeito, a lógica do
desenvolvimento econômico do modo de produção feudal levou à
revolução social que marcou o triunfo do capitalismo. Mas a lógica
do desenvolvimento econômico, por exemplo da China ou do Egito
Antigo, não conduziu absolutamente ao aparecimento do modo
antigo de produção. No primeiro caso, tratam-se de duas fases do
desenvolvimento, onde uma sucede à outra e é engendrada por
coexistentes de desenvolvimento econômico. A sociedade antiga
sucedeu à organização social por clãs, e esta precedeu igualmente
ao advento do regime social oriental. Cada um destes dois tipos de
organização econômica surgiu como resultado do crescimento das
forças produtivas, que se operara no seio da organização social
baseada no clã e que devia, finalmente, levar à decomposição
dessa organização. E se estes dois tipos diferem consideravelmente
um do outro, seus signos distintivos principais se formaram sob a

PLEKHANOV| 67
influência do meio geográfico. Num caso, ele prescrevia à
sociedade que havia atingido um grau determinado de
desenvolvimento das forças produtivas um certo conjunto de
reclamações de produção, num outro caso, outro conjunto, bem
distinto do primeiro.

A descoberta da organização em clãs é evidentemente


chamada a ter na sociologia o mesmo papel que a descoberta da
célula na biologia. E enquanto Marx e Engels não tinham
conhecimento da organização em clãs, sua teoria da evolução
social não podia deixar de comportar lacunas consideráveis, o que
posteriormente foi reconhecido pelo próprio Engels.

Mas a descoberta da organização social em clã, que, pela


primeira vez, permitia compreender os estágios inferiores da
evolução social, nada mais foi que um argumento novo e poderoso
a favor da interpretação materialista da história, não contra ela.
Esta descoberta permitiu compreender bem melhor o processo das
primeiras fases do ser social, assim como a maneira pela qual este
último determinou então o pensamento social. E assim, esta
mesma descoberta deu um brilho surpreendente à verdade que o
pensamento social é determinado pelo ser social.

Isto, porém, foi dito apenas de passagem. O principal, sobre o


qual é preciso reter a atenção é a indicação feita por Marx, que as
relações de propriedade estabelecidas num grau determinado do
desenvolvimento das forças produtivas favorecem durante um
certo tempo, o crescimento destas forças, e ulteriormente
começam a entravá-las [81]. Ainda que um certo estado das forças
produtivas seja a causa que suscita determinadas relações de

68 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


produção, e em particular, de propriedade, estas últimas, uma vez
surgidas como a conseqüência da causa indicada, começaram a
influir, por sua vez, sobre esta mesma causa. Estabelece-se assim
um sistema de ação e reação recíprocas entre as forças produtivas
e a economia social. Por outro lado, vêm-se edificar sobre a base
econômica toda uma superestrutura de relações sociais, assim
como sentimentos e concepções da mesma ordem. Ora, como esta
superestrutura também começa a favorecer o desenvolvimento
econômico, para em seguida, entravá-lo, se estabelece também
uma ação e uma reação recíprocas entre a superestrutura e a base.
Este fato resolve inteiramente o mistério de todos estes
fenômenos, que parecem, numa primeira abordagem, contradizer
a tese fundamental do materialismo histórico.

Tudo o que foi dito até hoje pelos "críticos" de Marx sobre o
suposto caráter unilateral do marxismo e sobre seu pretenso
desprezo por todos os "fatores" da evolução social, exceto o fator
econômico, resulta simplesmente da incompreensão do papel que
Marx e Engels reservam à ação e reação recíprocas entre a "base"
e a "superestrutura". Para persuadir-se quão pouco Marx e Engels
pretendiam ignorar, por exemplo, a importância do fator político,
é suficiente ler as páginas do "Manifesto Comunista", onde é
abordado o movimento de emancipação da burguesia. Está dito:
"Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada se
auto-governando na comuna, aqui livre república municipal, lá
terceiro estado tributário da monarquia, depois, durante o período
manufatureiro, contrapeso da nobreza nas monarquias limitadas
ou absolutas, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia,
após o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial,

PLEKHANOV| 69
conquistou finalmente o poder político exclusivo no Estado
representativo moderno. O governo moderno nada mais é que um
comitê administrativo dos negócios comuns da classe burguesa".

A importância do "fator" político aparece aqui com nitidez


suficiente — alguns "críticos" iriam até considerá-la exagerada. Mas
a origem e a força deste fator, assim como a sua maneira de atuar
em cada período dado do desenvolvimento da sociedade burguesa,
são explicados no Manifesto pela marcha do desenvolvimento
econômico e, conseqüentemente, a variedade dos "fatores" em
nada prejudica a unidade da causa inicial.

Não há dúvida que as relações políticas influem sobre o


desenvolvimento econômico, mas é também indubitável que antes
de influir sobre este desenvolvimento, elas são por ele criadas.

É preciso dizer o mesmo do estado psíquico do homem social,


daquilo que Stammler chamava, um pouco unilateralmente, os
conceitos sociais. O Manifesto prova incontestavelmente que seus
autores tinham compreendido bem o valor do "fator" ideológico.
Mas vemos, de acordo com o mesmo Manifesto, que se o "fator"
ideológico representa um papel importante no desenvolvimento
da sociedade, ele próprio é previamente criado por este
desenvolvimento.

"Quando o mundo antigo estava decadente, as velhas religiões


foram vencidas pela religião cristã. Quando as idéias cristãs
sucumbiram ante as idéias de progresso do século XVIII, a sociedade
feudal travava uma luta de morte contra a burguesia, então
revolucionária". Mas no caso que nos interessa, o último capítulo

70 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


do Manifesto é ainda mais convincente. Seus autores aí dizem que
seus companheiros de idéias aspiram inculcar nos operários, tão
nitidamente quanto possível, a consciência do antagonismo
existente entre os interesses da burguesia e os do proletariado. É
compreensível que aquele que não atribua importância ao "fator"
ideológico, não tenha motivo algum para aspirar a conscientizar do
que quer que seja, a não importa qual grupo social.

X
Nós citamos o Manifesto de preferência aos outros escritos de
Marx e Engels porque ele se refere à primeira época de sua
atividade onde, como asseguram alguns de seus "críticos", eles
tinham uma forma particularmente "unilateral" de compreender as
relações existentes entre os diferentes "fatores" do
desenvolvimento social. Vemos claramente que também nesta
época, Marx e Engels não se distinguiam por uma "maneira
unilateral" de compreender as coisas, mas apenas por uma
tendência ao monismo, por uma certa repugnância pelo ecletismo
que tão manifestamente permeava as observações dos senhores
"críticos".

Não é raro que se refira a duas cartas de Engels, publicadas no


"Sozialistischer Akademiker" e escritas uma em 1890, outra em
1894. M. Bernstein se apossou com alegria destas duas cartas, cujo
conteúdo constituiria um suposto testemunho evidente da
evolução que se teria consumado nas opiniões do amigo e
colaborador de Marx. Ele extraiu daí duas passagens, em sua
opinião, das mais convincentes, que consideramos necessário

PLEKHANOV| 71
reproduzir aqui, dado que provam exatamente o contrário do que
pretendeu provar M. Bernstein.

Eis a primeira destas passagens:

"Existem, portanto, forças inumeráveis que se entrecruzam,


um número infinito de paralelogramos de forças, dando uma
resultante, o evento histórico, que pode, por sua vez, ser
considerado como o produto de uma potência agindo como um
todo, sem consciência nem vontade. Pois aquilo que cada um quer
separadamente, é impedido por todos os demais, e aquilo que daí
resume, algo que ninguém quis" (Carta de 1890).

E agora, eis a outra passagem:

"O desenvolvimento econômico, jurídico, filosófico, literário,


artístico etc., repousa sobre o desenvolvimento econômico. Mas
todos eles reagem, conjuntamente e separadamente, um sobre o
outro e sobre a base econômica" (Carta de 1894).

M. Bernstein achou que "isto soa um pouco diferentemente"


do prefácio da obra "Zur Kritik der politischen Oekonomie", que
salienta a relação entre a "base" econômica e a "superestrutura"
que sobre ela se levanta. Mas por que então "diferentemente"? A
passagem acima nada mais faz, na realidade, que repetir o que foi
dito no prefácio em questão. Este desenvolvimento político, como
outros, repousa sobre o desenvolvimento econômico. O próprio
Bernstein, evidentemente, compreendeu o prefácio de Zur Kritik
um pouco diferentemente, ou seja, no sentido de que a
superestrutura social e ideológica que vem se levantar sobre a
"base econômica" não exerce nenhuma influência sobre ela. Mas já

72 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


sabemos que não há nada mais errado que tal maneira de
compreender o pensamento de Marx. E aqueles que
acompanharam de perto os ensaios "críticos" de M. Bernstein só
podem dar de ombros vendo que o homem que outrora se havia
proposto popularizar a doutrina de Marx não se dera ao trabalho,
ou mais exatamente, se mostrara incapaz de compreender
previamente esta doutrina.

Na segunda das cartas citadas por Bernstein, há para elucidar


o sentido causal da teoria histórica de Marx e Engels, passagens
talvez bem mais importantes que as linhas tão mal compreendidas
por M. Bernstein, acima reproduzidas. Uma destas passagens é
concebida nestes termos:

"Não existe, portanto, um efeito automático da situação


econômica, como alguns gostam de interpretar por comodismo.
São os próprios homens que fazem sua própria história, porém
dentro de um meio dado, que os condiciona, sobre a base de
relações efetivas dadas. Entre estas últimas, as relações
econômicas, por mais poderosa que seja a influência exercida sobre
elas pelas outras relações de ordem política e ideológica, são,
apesar de tudo, aquelas cuja ação é decisiva, no final de contas, e
constituem o fio condutor que permite compreender o conjunto do
sistema".

Entre as pessoas que interpretam a doutrina histórica de Marx


e Engels no sentido que "existe um efeito automático da situação
econômica", se encontrava também, como vemos agora, o próprio
M. Bernstein, na época em que era ainda "ortodoxo"; entre estas
pessoas é preciso incluir também um grande número de "críticos"

PLEKHANOV| 73
de Marx que recuaram "do marxismo ao idealismo". Estes espíritos
profundos dão prova de uma grande suficiência quando
descobrem e mostram aos espíritos "unilaterais" que são Marx e
Engels que a história é feita pelos homens e não pelo movimento
automático da economia. Assim, testemunham seu apreço por
Marx e nem sequer desconfiam em sua incrível ingenuidade, que o
Marx que "criticam" nada tem em comum, salvo o nome, com o
verdadeiro Marx, o primeiro nada mais sendo que a criação de sua
própria incompreensão que, entre eles, é verdadeiramente
"multilateral". É natural que "críticos" deste jaez tenham sido
totalmente incapazes de "completar" e de "corrigir" o que quer que
seja no materialismo histórico. Sendo assim, não nos ocuparemos
mais deles, preferindo tratar daqueles que lançaram as bases desta
teoria.

É extremamente importante salientar que quando Engels,


pouco tempo antes de sua morte, repudiava a forma "automática"
de conceber a ação histórica da economia, ele apenas repetia —
quase nos mesmos termos — e comentava aquilo que Marx
escrevera já em 1845, na terceira tese sobre Feuerbach,
anteriormente reproduzida por nós. Marx reprovava ao
materialismo anterior a ele ter esquecido que "se, de um lado, os
homens são um produto do meio, este é, por outro lado,
transformado precisamente pelos homens". A tarefa do
materialismo no domínio da história, tal como a concebia Marx,
consistia portanto em explicar precisamente de que forma o "meio"
pode ser transformado pelos homens que são, eles mesmos, os
produtos deste meio. E ele encontrava a solução deste problema
indicando as relações de produção que se estabelecem sob a

74 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


influência de condições independentes da vontade humana. As
relações de produção são as relações que se estabelecem entre os
homens no processo social da produção. Dizer que as relações de
produção se modificam é dizer que as relações existentes entre os
homens no processo em questão, se modificam. A transformação
destas relações não pode se efetuar "automaticamente", quer
dizer, independentemente da atividade humana, porque elas são
relações que estabelecem os homens no processo de sua atividade.

Mas estas relações podem se transformar — e efetivamente,


com freqüência, se transformam — numa direção bem diferente
daquela na qual os homens tencionavam modificá-las . O caráter
da "estrutura econômica" e o sentido no qual este caráter se
transforma não dependem da vontade humana, mas do estado das
forças produtivas e da própria natureza das transformações que se
produzem nas relações de produção e se tornam necessárias à
sociedade em conseqüência do desenvolvimento destas forças.
Engels explica isto nos seguintes termos:

"Os próprios homens fazem sua história, mas até agora,


mesmo nas sociedades bem delimitadas, eles fizeram conforme
uma vontade de conjunto nem segundo um plano geral. Suas
aspirações se entrecruzam e é precisamente por isto que, em todas
as sociedades semelhantes, reina a necessidade, da qual o acaso é
o complemento e a forma sob a qual se manifesta".

A própria atividade humana se define aqui não como uma


atividade livre, mas como uma atividade necessária, quer dizer,
regida por leis e podendo constituir o objeto de um estudo
científico. Assim, portanto, o materialismo histórico, assinalando

PLEKHANOV| 75
constantemente que o meio é modificado pelos homens,
possibilita ao mesmo tempo, pela primeira vez, considerar o
processo desta modificação do ponto de vista da ciência. E eis
porque estamos no direito de dizer que a interpretação
materialista da história fornece os prolegômenos indispensáveis a
toda doutrina sociológica que pretenda o título de ciência.

Tudo isto é tão verdade que, desde já, todo estudo de um


aspecto qualquer da vida social só adquire valor científico na
medida em que se aproxima da explicação materialista de seu
objeto. E, apesar da famosa "ressurreição do idealismo" na
sociologia, tal explicação se torna cada vez mais corrente onde os
cientistas não se entregam a meditações edificantes e a discursos
grandiloqüentes sobre o "ideal", mas se atribuem a tarefa de
descobrir a relação causal entre os fenômenos. Atualmente, as
pessoas que, além de não serem partidárias da concepção
materialista da história, dela não têm sequer a menor idéia,
sustentam que são materialistas em suas pesquisas históricas. E
então sua ignorância desta concepção materialista ou sua
prevenção contra ela, impedindo-os de bem compreendê-la em
todos os seus aspectos, leva-as efetivamente àquilo que conviria
chamar concepções unilaterais e estreitas.

XI
Eis um exemplo. Há dez anos, o célebre sábio francês Alfred
Espinas — seja dito de passagem, grande adversário dos socialistas
atuais — publicava "Origens da Tecnologia", "estudo sociológico"
extremamente interessante, ao menos pela idéia que desenvolve.

76 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


Partindo da tese puramente materialista que, na história da
humanidade, a prática sempre precede a teoria, ele examina em
sua obra a influência da técnica sobre o desenvolvimento da
ideologia, ou seja, da religião e da filosofia, na Grécia Antiga. Ele
chega à conclusão que, em cada período deste desenvolvimento, a
concepção do mundo dos antigos gregos era determinada pelo
estado de suas forças produtivas. Este é, certamente, um resultado
muito interessante e importante. Mas quem está habituado a
aplicar o método materialista para a compreensão dos fenômenos
históricos achará certamente que a idéia expressa no "estudo" de
Espinas é demasiadamente unilateral. E isto pela simples razão que
o sábio francês quase não deu atenção aos outros "fatores" do
desenvolvimento da ideologia, tais como, por exemplo, a luta de
classes. E no entanto, este fator tem uma importância realmente
formidável.

Na sociedade primitiva, que ignora a divisão em classes, a


atividade produtiva exerce uma influência direta sobre a
concepção do mundo e sobre o gosto estético. A ornamentação
recebe seus motivos da técnica e a dança — a arte talvez mais
importante em tal sociedade — limita-se o mais freqüentemente a
reproduzir um processo de produção. Isto é particularmente visível
entre as tribos caçadoras situadas no mais baixo grau de
desenvolvimento econômico, acessível a nossa observação [82]. É
por esta razão que nos referimos principalmente a estas tribos
quando tratamos da dependência na qual se encontra o estado
psíquico do homem primitivo em relação à sua atividade
econômica. Mas, numa sociedade dividida em classes, a influência
direta desta atividade sobre a ideologia se torna bem menos

PLEKHANOV| 77
aparente. Isto é compreensível. Se, por exemplo, um gênero de
dança executado pela australiana nativa reproduz simbolicamente
seu trabalho de colheita de raízes, é evidente que nenhuma destas
danças elegantes com as quais se divertiam, por exemplo, as belas
mundanas da França no século XVIII, podia ser a interpretação de
um trabalho produtivo destas damas, visto que elas não se
ocupavam com nenhum trabalho produtivo, preferindo dedicar-se
à "ciência do doce amor". Para compreender a dança da australiana
nativa basta conhecer o papel que representa na vida de uma tribo
australiana a colheita, pelas mulheres, das raízes das plantas
selvagens. Mas para compreender, por exemplo, o minueto, não
basta, absolutamente, conhecer a economia da França no século
XVIII. Neste último caso está em questão uma dança que é uma
expressão da psicologia de uma classe não produtora. A grande
maioria dos "usos e conveniências" da chamada "boa sociedade" se
explica por este mesmo gênero de psicologia. Assim, portanto o
"fator" econômico cede, aqui, o lugar ao fator psicológico. Mas não
se pode esquecer que o próprio advento de classes não produtoras
na sociedade é o produto de seu desenvolvimento econômico. Isto
quer dizer que o "fator" econômico conserva inteiramente seu
valor predominante, mesmo quando cede seu lugar a outros. Ao
contrário, é precisamente então que este valor se faz sentir mais,
pois são determinadas por ele a possibilidade e os limites da
influência dos outros fatores [83].

Mas ainda não é tudo. A classe superior olha a classe inferior


com um desprezo não velado, mesmo quando ela torna parte no
processo de produção na qualidade de classe dirigente. Isto se
reflete também na ideologia das classes em questão. As trovas

78 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


francesas da Idade Média, e particularmente as canções de gesta,
representam o camponês de então sob um aspecto dos mais
desagradáveis. A dar-lhes crédito:

Li vialaen sont de laide forme


Aine si tres laide ne vit home;
Chaucuns a XV piez de granz
En auques ressemblet jâianz,
Mais trop sont de laide manière;
Boçu sont devant et derrière [84].

Mas os camponeses, evidentemente, tinham de si mesmo


uma idéia totalmente diferente. Indignando-se com a arrogância
dos feudais, cantavam:

Nous sommes des hommes, tout comme eux,


Et capables dc soufrir tout autant qu'eux,

e assim por diante.

E eles perguntavam: "Enquanto Adão arava e Eva fiava onde


estava o fidalgo?" Em suma, cada uma destas duas classes via as
coisas de seu próprio ponto de vista, cuja característica particular
era condicionada pela situação que estas classes ocupavam na
sociedade. A luta de classes influenciava a psicologia das partes em
luta. E assim era, naturalmente, não apenas na Idade Média e nem
só na França. Quanto mais a luta de classes se acirrava num país e
numa época dados, mais forte se tornava sua influência sobre a
psicologia das classes em luta. Aquele que pretende estudar a
história das ideologias numa sociedade dividida em classes, deve
consagrar toda sua atenção a esta influência. De outra forma, nada

PLEKHANOV| 79
compreenderá. Experimente-se dar uma explicação econômica
direta do aparecimento da escola de Davi na pintura francesa do
século XVIII e se chegará a um resultado que nada mais será que
um contra-senso ridículo e fastidioso. Mas se considera escola
como o reflexo ideológico da luta de classes que se desenvolve no
seio da sociedade francesa às vésperas da Grande Revolução,
imediatamente a questão mudará totalmente de aspecto. A arte de
Davi que, como outras, poder-se-ia crer, é tão desvinculada da
economia social que não se pode, por meio algum, associá-las a
esta última, se tornar então perfeitamente compreensível.

É preciso que se diga o mesmo da história das ideologias na


Grécia Antiga: ela sentiu profundamente a influência da luta de
classes. E é precisamente esta influência que Espinas pouco
enfatizou em seu interessante estudo, o que dá a suas importantes
conclusões um caráter demasiadamente unilateral. Poder-se-ia, já
agora, citar numerosos exemplos semelhantes e todos eles
testemunhariam que a influencia do materialismo de Marx sobre
muitos estudiosos seria extremamente benéfica, no sentido em
que ela lhes ensinaria a considerar outros "fatores" além dos
fatores técnico e econômico. Isto parece um paradoxo, mas é uma
verdade incontestável, que não mais nos surpreenderá se nos
lembrarmos que, ainda que em Marx, todo movimento social seja
explicado pelo desenvolvimento econômico da sociedade, ele é
muito freqüentemente explicado por este desenvolvimento
apenas em última análise, ou seja, este movimento pressupõe a
ação intermediária de toda uma série de outros "fatores".

80 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


XII
Atualmente, uma outra tendência começa a se esboçar na
ciência moderna. Ela é diametralmente oposta àquela que viemos
de constatar em Espinas e se propõe a explicar a história das idéias
pela influência exclusiva da luta de classes. Esta tendência bem
nova, e no momento ainda pouco evidente, desenvolveu-se sob a
influência direta do materialismo histórico de Marx. Nós a
encontramos nos trabalhos do autor grego A. Eleuteropoulos, cuja
obra principal, Wirtchaft und Philosophie (t. I, Die Philosophie und
die Lebensauffassung des Griechen-tums au/ Grund der
gesellschaftlichen Zustãnde e t. II, Die Philosophie und die
Lebensau/jassung der germanish-römischen Volker), surgiu em
Berlim em 1900. Eleuteropoulos sustenta que a filosofia de cada
época expressa a concepção do mundo e da vida (Lebens-und
Weltanschauung) próprios desta época. Isto não é muito novo.
Hegel já dizia que cada sistema filosófico é a expressão ideológica
de sua época. Mas, para Hegel, as particularidades das diferentes
épocas e, portanto, das fases correspondentes ao desenvolvimento
da filosofia, eram determinadas pelo movimento da Idéia absoluta,
enquanto que para Eleuteropoulos, cada época é caracterizada
antes de mais nada pelo estado econômico que lhe corresponde. A
economia de cada povo determina a concepção do mundo deste
povo, concepção que encontra, como outras, sua expressão na
filosofia. Ao mesmo tempo que se transforma a base econômica da
sociedade, transforma-se também sua superestrutura ideológica.
Mas tendo o desenvolvimento econômico conduzido à divisão da
sociedade em classes e à sua luta, a concepção do mundo própria
a uma época determinada não tem caráter uniforme: ela difere

PLEKHANOV| 81
segundo as classes e se modifica segundo a situação, as
necessidades, as aspirações destas classes e as vicissitudes da luta
entre elas.

Este é o ponto de vista de Eleuteropoulos a respeito de toda a


história da filosofia. Ele merece, incontestavelmente, a maior
atenção e toda aprovação. Há muito tempo já se constatava na
literatura filosófica uma certa tendência a não mais querer aceitar
o velho método que consiste em só considerar a história da filosofia
a simples filiação dos sistemas filosóficos. Em sua brochura
publicada por volta de 1890 e consagrada à questão de saber como
é preciso estudar a história da filosofia, Picavet, o conhecido
escritor francês, declarava que tal filiação explica, na verdade,
muito pouca coisa [85]. Poder-se-ia saudar a publicação do livro de
Eleuteropoulos como um novo passo à frente no estudo da história
da filosofia e como uma vitória do materialismo histórico aplicado
a uma das ideologias mais distanciadas da economia. Mas, que
pena! Eleuteropoulos não demonstrou um grande engenho no
manejo do método dialético do materialismo. Ele simplificou ao
extremo os problemas que surgiam diante dele e portanto só pôde
encontrar para eles soluções muito unilaterais e, logo, muito pouco
satisfatórias.

Tomemos, por exemplo, Xenófanes. De acordo com


Eleuteropoulos, foi, em filosofia, o intérprete das aspirações do
proletariado da Grécia Antiga. Foi o Rousseau de sua época [86].
Ele era partidário de uma reforma social pela igualdade de todos os
cidadãos, e sua teoria da unidade do mundo nada mais era que a
base teórica de seus projetos de reformas [87]. Sobre esta base
teórica das tendências reformadoras de Xenófanes vinham

82 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


logicamente edificar-se todos os detalhes de sua filosofia, iniciando
por sua concepção da divindade e terminando por sua teoria,
segundo a qual nossos sentidos nos dão uma representação
ilusória do mundo exterior [88].

A filosofia de Heráclito, o Obscuro, fora engendrada pela


reação dos aristocratas contra as aspirações revolucionárias do
proletariado grego. A igualdade universal é impossível; a própria
natureza faz os homens desiguais. Cada um deve contentar-se com
sua sorte. No Estado é preciso objetivar não a derrubar a ordem
estabelecida, mas a supressão do arbitrário, tanto sob o domínio
de alguns quanto sob o da massa. O poder deve pertencer à lei, na
qual a lei divina encontra sua expressão. A lei divina não exclui a
unidade; mas a unidade, segundo esta lei é a unidade dos
antagonismos. E por isto a realização dos planos de Xenófanes seria
uma infração à lei divina. Desenvolvendo este pensamento e
apoiando-o em outros argumentos, Heráclito criou sua doutrina do
devir [89].

Isto é o que diz Eleuteropoulos. A falta de lugar não nos


permite reproduzir outros extratos de sua análise das causas
determinantes da evolução da filosofia. Mas não há quase
necessidade em fazê-lo. O leitor, esperamos, vê por si mesmo que
esta análise teve pouco êxito. Na realidade, o processo da evolução
das ideologias é incomparavelmente mais complexo [90]. Lendo
suas considerações — não se pode ser mais simplista — sobre a
influência que a luta de classes exerceu sobre a história da filosofia,
lamentamos que Eleuteropoulos não tenha conhecido o livro
precitado de Espinas, cuja maneira unilateral, somada à sua
própria, teria, talvez, preenchido muitas lacunas em sua análise.

PLEKHANOV| 83
Qualquer que seja, a infeliz tentativa de Eleuteropoulos não
deixa de constituir um argumento novo em favor da tese —
inesperada para muitos — que um conhecimento mais
aprofundado do materialismo histórico de Marx seria de grande
utilidade a inúmeros estudiosos contemporâneos, justamente para
preservá-los de cair em formas unilaterais de tratar as questões.
Eleuteropoulos conhece o materialismo histórico de Marx.
Conhece-o, porem, mal. Prova disso é a pretensa retificação que
ele supõe necessária aí introduzir.

Ele observa que as relações econômicas de um determinado


povo só condicionam "a necessidade de seu desenvolvimento". O
próprio desenvolvimento seria um problema individual; de forma
que a concepção do mundo deste povo está determinada, em
primeiro lugar, por seu caráter e o da região que habita, em
segundo, pelas necessidades desse povo e, finalmente, pelas
qualidades pessoais dos homens que atuam como reformadores
em seu seio. É somente neste sentido, observa Eleuteropoulos, que
se pode falar de uma relação da filosofia com a economia. A
filosofia satisfaz as exigências de seu tempo, e isto conforme a
personalidade do filósofo.

Eleuteropoulos pretende, evidentemente, que esta


concepção das relações entre a filosofia e a economia represente
algo muito novo face à concepção materialista de Marx e Engels.
Ele julga necessário dar um novo nome à sua interpretação da
história, denominando-a a teoria grega do devir [91]. É
simplesmente divertido, e a propósito só se pode dizer uma coisa:
a "teoria grega do devir" não sendo, na realidade, nada mais que
materialismo histórico muito mal digerido e exposto de maneira

84 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


muito incoerente, promete entretanto, muito mais do que dá
Eleuteropoulos quando passa da caracterização de seu método à
sua aplicação. Então ele já se distancia totalmente de Marx.

No que concerne especialmente à "personalidade do filósofo"


e, em geral, à de todo homem que deixa na história humana o
vestígio de sua atividade, é um grave erro acreditar que a teoria de
Marx e de Engels não lhes tenha reservado espaço. Ela certamente
reservou. Mas soube, ao mesmo tempo, evitar a admissível
oposição entre a atividade do "indivíduo" e a marcha dos
acontecimentos, determinada pela necessidade econômica.
Recorrer a tal oposição, é provar que não se compreendeu grande
coisa da explicação materialista da história. A tese inicial do
materialismo, como repetimos inúmeras vezes, diz que a história é
feita pelos homens. E se ela é feita pelos homens, está claro que é
feita, também, pelos "grandes homens". Só resta discernir o que,
exatamente, determina a atividade destes homens. A propósito
disto, Engels diz numa das cartas que citamos acima:

"Que um tal homem, e precisamente este, surja numa época


determinada e num país determinado é, naturalmente, puro acaso.
Se nós, porém, o eliminamos, será necessário um substituto, que
acabamos sempre por encontrar, de uma forma ou de outra. É
preciso atribuir ao acaso o fato que o ditador militar, cujo advento
se tornara necessário para a República Francesa esgotada por suas
próprias guerras, fosse precisamente o corso Napoleão. Mas que,
na falta de Napoleão, outro teria preenchido seu lugar, está
provado pelo fato que o homem necessário, César, Augusto,
Cromwell ou outro, foi encontrado sempre que necessário. Se Marx
descobriu a concepção materialista da história, o exemplo de

PLEKHANOV| 85
Thierry, Mignet, Guizot e de todos os historiadores ingleses até
1850 mostra que havia uma tendência para este resultado; e a
descoberta desta mesma concepção por Morgan prova que havia
chegado seu tempo e que ela era uma necessidade. O mesmo
sucede com todos os acasos ou com tudo o que parece acaso na
história. Quanto mais o domínio que exploramos se distancia da
causa econômica e adquire um caráter ideológico abstrato, mais
nós encontramos acasos em seu desenvolvimento, mais sua curva
se desenha em ziguezague. Mas trace o eixo médio da curva e você
descobrirá que, quanto mais o período a examinar é longo e o
domínio tratado é vasto, mais este eixo tenderá a tornar-se paralelo
ao do desenvolvimento econômico" [92].

A "personalidade" de todo homem eminente no domínio


intelectual ou social pertence ao rol destes acasos cujo
aparecimento não impede, absolutamente, a linha "média" do
desenvolvimento intelectual da humanidade, de seguir um curso
paralelo ao de seu desenvolvimento econômico [93].
Eleuteropoulos teria percebido melhor o que precede, se tivesse
estudado atentamente a teoria histórica de Marx e se estivesse
menos preocupado em criar sua própria "teoria grega" [94].

Inútil acrescentar que atualmente estamos longe de poder


descobrir sempre a relação causal entre o aparecimento de uma
idéia filosófica e a situação econômica de sua época. Mas é porque
apenas começamos a trabalhar nesta direção; se nós estivéssemos
à altura de dar uma resposta a todas as questões que aqui se
colocam, ou mesmo apenas à maioria delas, nosso trabalho já
estaria terminado, ou a ponto de sê-lo. O que importa, no presente
caso, não é o fato de ainda não sabermos dar conta de todas as

86 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


dificuldades encontradas neste domínio. Não há e não pode haver
método capaz de suprimir de um só golpe todas as dificuldades que
surgem na ciência. O que importa é que a interpretação
materialista da história dá conta das dificuldades em questão com
facilidade incomparavelmente maior que as interpretações
idealistas e ecléticas. A prova disso é que o pensamento científico
no domínio da história tendia com uma força excepcional para uma
explicação materialista dos fenômenos que, por assim dizer, ela
buscava com insistência desde a época da Restauração [95], não
cessava de gravitar em torno dela, de procurá-la até a época atual
e isto apesar da nobre indignação que se apodera de todo ideólogo
burguês que se preze, quando ouve a palavra "materialismo".

A obra de Franz Feuerherd, intitulada "Die Entstehung der


Stile aus der politischen Oekonomie, erster Theil" (Leipzig 1902),
pode servir de terceiro exemplo para mostrar como são
atualmente inevitáveis as tentativas de fornecer uma explicação
materialista de todos os aspectos da cultura humana. Feuerherd
diz:

"Segundo o modo de produção predominante e a forma de


Estado por ele condicionada, a inteligência humana se desenvolve
em sentidos determinados, os outros lhe permanecendo
inacessíveis. E por isto a existência de todo estilo (na arte)
pressupõe a existência de homens vivendo em condições políticas
determinadas, produzindo segundo um modo de produção
determinado e animados por ideais determinados. Quando estas
causas prévias estão dadas, os homens criam os estilos
correspondentes, tão necessária e inevitavelmente quanto a tela

PLEKHANOV| 87
embranquece, o brometo da prata escurece e o arco-íris aparece
nas nuvens assim que o sol, sua causa, provoque estes efeitos" [96].

Isto é justo, com efeito, e é interessante constatar que é um


historiador da arte quem o reconhece. Mas quando Feuerherd
começa a explicar a origem dos diversos estilos gregos pelo estado
econômico da Grécia antiga, ele chega a um resultado
demasiadamente esquemático. Nós não sabemos se a segunda
parte de sua obra foi editada. Não nos interessamos em saber,
porque compreendemos que ele assimilou mal o método
materialista moderno. Por seu esquematismo, seus raciocínios nos
lembram os dos nossos clotitrinários Fritsche e Rojkov, aos quais é
preciso recomendar, como a ele, que estudem, antes de mais nada
e sobretudo, o materialismo contemporâneo. Apenas o marxismo
pode resguardá-los de cair no esquematismo.

88 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


Notas:

[80] Prefácio à Critica da Economia Política.

[81] Retornemos à escravidão. Num certo nível ela contribui para o


desenvolvimento das forças produtivas mas, depois, começa a
entravá-lo. Seu desaparecimento nas nações civilizadas do
Ocidente é conseqüência de seu desenvolvimento econômico
(Sobre a escravidão ver a interessante obra do Prof. Et. Cicotti: II
Tramonto della Schiavità, Turim, 1899).

J.-H. Speke diz em Les Sources du Nu (Paris, 1865, p. 21) que, entre
os negros, os escravos consideram que evadir-se é cometer para
com o senhor que pagou por ele, uma ação contrária à honra,
infamanto. A isto se soma que esses mesmos escravos consideram
sua situaçao como mais honrosa que a de um trabalhador
assalariado. Tal maneira de ver corresponde àquela fase da
sociedade "onde a escravidão ainda se mantém como fenômeno
de progresso".

[82] Os povos caçadores foram precedidos pelos coletores de


frutos e raízes, Sammelvölker, segundo expressão empregada
presentemente por cientistas alemães. Mas todos os povos
selvagens conhecidos já ultrapassaram esta etapa de
desenvolvimento.

[83] Aqui está um exemplo extraído de outro domínio: O "fator


populacional", segundo expressão empregada por A. Kost (Ver sua
obra: Les Facteurs de Population dans le Développement Social,
Paris, 1910), exerce incontestavelmente uma influência muito
grande sobre o desenvolvimento social. Marx, porém, tem

PLEKHANOV| 89
perfeitamente razão quando diz que as leis abstratas da
multiplicação só existem para os animais e as plantas. O
crescimento (ou a diminuição) da população na sociedade humana
depende da organização desta sociedade, organização
determinada pela estrutura econômica desta mesma sociedade.
Nenhuma "lei abstrata da multiplicação" explicará algo sobre o fato
de a população francesa atual quase não aumentar. Grande é o
erro dos sociólogos e economistas que vêem no crescimento da
população a causa inicial do desenvolvimento social. (Ver A. Lona:
La Legge cli Popolazione cd ii Sistema Sociale, Sena 1882).

[84] Consultar Les Classes Rurales et le Régime Dornanial en France


au Moyen Âge, por Henri Sée, Paris 1901, p. 554. Ver também Fr.
Meyer: Die Stände, ihr Leben Treiben, Marburg 1882, p. 8.

[85] L'Histoire de la Philosophie, ce qu'elle a été, ce qu'elle peut


être, Paris, 1888.

[86] Wirtschaft raid Philosophie, t. 1, p. 98.

[87] Ibid., p. 99

[88] Ibid, p. 99-101.

[89] Ibid., p. 103-107

[90] Referindo-se ainda à economia da Grécia Antiga,


Eleuteropoulos não dá nenhuma idéia concreta dela e se limita a
lugares-comuns que tanto aqui como lá, nada explicam.

[91] Ibid., p. 17.

90 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


[92] Der sozialistiche Akademiker, 1895, nº. 20, p. 374.

[93] Ver nosso artigo intitulado "Du Róle de la Personnalité dans


l'Histoire" em nosso livro Vingt Annés (Oeuvres, t. VIII).

[94] Ele denominou de grega "sua teoria" porque, segundo ele, as


teses fundamentais "foram anunciadas pelo grego Tales e
desenvolvidas novamente por um grego" (quer dizer, por
Eleuteropoulos; v. seu livro, p. 17).

[95] A este respeito, ver nosso prefácio à segunda edição de nossa


tradução russa do Manifesto.

[96] páginas 19 e 20 do livro de F. Feuerherd.

PLEKHANOV| 91
XIII
O falecido Nicolas Mikhailovsky afirmava outrora, em sua
polêmica conosco, que a teoria histórica de Marx jamais teria larga
difusão no mundo dos sábios. Acabamos de ver e ainda veremos
que isto não é bem exato. Mas antes é necessário desfazer ainda
alguns outros mal-entendidos que prejudicam a compreensão do
materialismo histórico.

Se nos propuséssemos a expor brevemente a concepção de


Marx e Engels, sobre a relação entre a célebre "base" e a não
menos célebre "superestrutura", chegaríamos a isto:

1. Estados das forças produtivas;

2. Relações econômicas condicionadas por estas forças;

3. Regime sócio-político, edificado sobre uma "base"


econômica dada;

4. Psicologia do homem social, determinada, em parte,


diretamente pela economia, em parte por todo o regime sócio-
político edificado sobre ela;

5. Ideologias diversas refletindo esta psicologia.

Esta fórmula é suficientemente ampla para que todas as


"formas" do desenvolvimento histórico encontrem aí seu lugar; ao
mesmo tempo é completamente estranha àquele ecletismo que
não sabe ir além da ação recíproca entre as diferentes forças sociais
e nem sequer duvida que o fato da ação recíproca entre estas

92 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


forças não resolve ainda a questão de sua origem. Nossa fórmula é
uma fórmula monista. Esta fórmula monista está essencialmente
impregnada de materialismo. Hegel dizia na Filosofia do Espírito:
"O espírito é o único princípio motor da história". Não se pode
pensar de outra forma, atendo-se ao ponto de vista do idealismo
segundo o qual o ser é condicionado pelo pensar. O materialismo
de Marx mostra de que maneira a história do pensamento é
condicionada pela história de ser. Mas o idealismo não impediu
Hegel de reconhecer a ação da economia como a de uma causa
"tornada efetiva por intermédio do desenvolvimento do espírito". E,
da mesma forma, o materialismo não impediu Marx de reconhecer,
na história, a ação do "espírito" como a de uma força cuja direção,
em cada época, é determinada pelo desenvolvimento da
economia.

Que todas as ideologias têm uma raiz comum, a saber, a


psicologia da época em questão, não é difícil de compreender, e
todos disso se convencerão pondo-se, mesmo que
superficialmente, ao corrente dos fatos. Como exemplo, citaremos,
dentre outros, o romantismo francês. Vítor Hugo, Eugèrne
Delacroix e Hector Berlioz trabalhavam em três domínios artísticos
totalmente diferentes. Estavam os três, bastante distanciados um
do outro. Pelo menos Vítor Hugo não gostava da música e Delacroix
desprezava os músicos "românticos". E apesar disso, denomina-se,
com razão, estes três homens notáveis, de a "trindade romântica".
Em suas obras se refletiu uma mesma psicologia. Pode-se dizer que
o quadro Dante e Virgílio, de Delacroix expressa o mesmo estado
de alma que o que ditou a Vítor Hugo seu Hernâni e a Berlioz sua
Sinfonia Fantástica. Isto, seus contemporâneos o sentiam, ou seja,

PLEKHANOV| 93
aqueles que se interessavam seriamente por literatura e arte.
Clássico em seus gostos, Ingres chamava Berlioz "horrível músico, o
monstro, o bandido, o Anticristo" [97]. Isto lembra as opiniões
lisonjeiras expressas pelos clássicos em relação a Delacroix, cujo
pincel eles qualificavam de "vassoura ébria". Sabemos que Berlioz,
assim como Vítor Hugo, teve que sustentar verdadeiras batalhas
[98]. Sabemos também que ele obteve a vitória após esforços
incomparavelmente maiores que os de Hugo, e bem mais tarde.
Por que foi assim, sendo que a psicologia expressa em sua música
foi a mesma que encontrara sua expressão na poesia e no drama
românticos? Para responder a esta questão, seria necessário
explicar-se muitos detalhes na história comparada da música e da
literatura francesas [99], detalhes que permanecerão talvez sem
explicação durante muito tempo, senão para sempre. Mas o que
não pode suscitar nenhuma dúvida, é que a psicologia do
romantismo francês só se tornará compreensível quando a
considerarmos a psicologia de uma classe determinada, situada em
condições sociais e históricas determinadas [100].

J. Tiersot diz: "O movimento de 1830 na literatura e na arte


estava longe de ter um caráter de revolução popular" [101]. É bem
verdade. O movimento em questão era essencialmente burguês.
Mas ainda não é tudo. No interior da própria burguesia, tampouco,
ele tinha a simpatia geral. Na opinião de Tiersot, ele expressava a
tendência de um pequeno grupo de "eleitos", suficientemente
perspicazes para saber descobrir o gênio lá onde ele se abrigava
[102]. Tiersot constata com isso, de forma superficial — ou seja,
idealista —, o fato que a burguesia da época não compreendia
grande parte das aspirações e sentimentos que, na literatura e na

94 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


arte, animavam então seus próprios ideólogos. Semelhante
desacordo entre os ideólogos e a classe cujas tendências e gostos
eles expressavam não é coisa rara na história. Este desacordo
explica muitas particularidades no desenvolvimento intelectual da
humanidade. No caso, ele havia provocado, dentre outras, a
atitude de desprezo da "elite" "refinada" para com os burgueses
"obtusos", atitude que, até nossos dias, induz em erro as pessoas
ingênuas e as torna decididamente incapazes de compreender o
caráter arquiburguês do romantismo [103]. Mas, também aqui, a
origem e o caráter de um tal desacordo só podem ser explicados,
em última análise, pela situação econômica da classe social no seio
da qual este desacordo se manifestou. Aqui, como em tudo,
somente o ser elucida os "segredos" do pensar. E eis porque aqui
— como aliás em tudo — só o materialismo é capaz de dar uma
explicação científica da "marcha das idéias".

XIV
Em seus esforços para explicar esta marcha, os idealistas
jamais souberam olhar atentamente da perspectiva do "curso das
coisas". Assim, Taine explica as obras de arte pelas propriedades do
meio que cerca o artista. Mas quais? As propriedades psicológicas,
ou seja, aquela psicologia geral que é própria a uma época dada e
cujas propriedades têm, também, necessidade de uma explicação
[104]. O materialismo, explicando a psicologia de uma sociedade
ou de uma classe dada, se refere à estrutura social criada pelo
desenvolvimento econômico, mas Taine, que é idealista, explicava
a origem do regime social pela psicologia social, o que o fez
enredar-se em contradições sem saída. Os idealistas de todos os

PLEKHANOV| 95
países não gostam de Taine agora. Compreende-se porquê: por
"meio" ele entende a psicologia da massa, a psicologia do "homem
médio" de uma época e de uma classe determinadas e essa
psicologia é para ele a última instância para qual o estudioso pode
apelar. Para Taine, portanto, o "grande" homem, pensa e sente
sempre inspirando-se no homem "médio", nas "mediocridades".
Ora, isto é, além de falso, embaraçoso para os "intelectuais''
burgueses, sempre propensos a se situar mais ou menos na
categoria dos grandes homens. Taine foi o homem que, tendo dito
"A", se mostrou impotente para pronunciar "B", arruinando assim
a própria causa. Para sair das contradições nas quais se enredara,
não havia outra saída, salvo no materialismo histórico, que reserva
um lugar tanto para o "indivíduo" como para o "meio", tanto para
as pessoas "médias" como para os grandes "eleitos da sorte".

Da Idade Média até 1871, inclusive, a França foi o país onde a


evolução social e política e a luta entre as diferentes classes sociais
se revestiram do caráter mais típico da Europa Ocidental. Isto dito,
será interessante salientar que é precisamente na França que se
pode descobrir mais facilmente a relação causal existente entre o
desenvolvimento e a luta acima mencionada de um lado, e a
história das ideologias de outro.

Falando da razão pela qual se difundiram, na época da


Restauração na França, as idéias da escola teocrática sobre a
filosofia da história, R. Flint observa:

"O sucesso de tal teoria permaneceria no entanto inexplicável se o


caminho não lhe tivesse sido preparado pelo sensualismo de
Condillac, e se ela não tivesse sido manifestamente destinada a

96 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


servir os interesses de outra teoria que representava as idéias de
vasta classe da sociedade francesa após a Restauração" [105].

Isto é justo, evidentemente. E é fácil compreender qual era a


classe que havia encontrado, na escola teocrática, a expressão
ideológica de seus interesses. Mas aprofundemos nosso estudo da
história francesa e coloquemo-nos a seguinte questão: não seria
possível descobrir também as causas sociais do sucesso do
sensualismo na França de antes da Revolução?

O movimento intelectual do qual haviam saído os teóricos do


sensualismo não expressava, por sua vez, as tendências de certa
classe social? Incontestavelmente. Este movimento expressava as
tendências de emancipação do terceiro estado francês. Se
fôssemos mais longe neste sentido, veríamos que, por exemplo, a
filosofia de Descartes reflete muito vivamente as necessidades da
evolução econômica e a relação das forças sociais de sua época
[106]. Se nos reportássemos, enfim, ao século XIV e fixássemos
nossa atenção, por exemplo, sobre os romances de cavalaria que
tiveram grande sucesso na corte e entre a aristocracia francesa da
época, veríamos que estes romances eram o espelho da vida e das
preferências da classe em questão [107]. Em poucas palavras,
neste notável país, que ainda há pouco estava perfeitamente no
direito de dizer que "caminhava à testa das nações", a curva do
movimento intelectual toma urna direção paralela à curva do
desenvolvimento econômico e à do desenvolvimento social e
político, condicionado também pelo precedente.

Todos estes senhores que haviam "criticado" Marx em


diferentes tons não faziam a menor idéia de tudo isto. Não

PLEKHANOV| 97
suspeitavam que se a crítica é, evidentemente, coisa bela e
louvável, é necessário criticar com conhecimento de causa, quer
dizer, compreender o que se critica. Criticar um dado método de
investigação científica, é determinar até que ponto ele pode servir
para descobrir a relação causal entre os fenômenos. Mas só se
pode fazê-lo por meio da experiência, ou seja, pela aplicação deste
método. Criticar o materialismo histórico é tentar utilizar o método
de Marx e Engels no estudo do movimento histórico da
humanidade. Somente desta forma podemos descobrir os aspectos
fortes e fracos deste método. "The proof of the pudding is in the
eating" (a prova do pudim está no comer), disse Engels, explicando
sua teoria do conhecimento. Isto também é verdade para o
materialismo histórico. Para criticar este prato, é necessário
inicialmente tê-lo experimentado. Para experimentar o método de
Marx e Engels é necessário saber dele servir-se. Mas servir-se
adequadamente, pressupõe uma preparação científica
incomparavelmente mais séria e um trabalho intelectual bem mais
persistente que eloqüentes discursos pseudocientíficos sobre o
caráter "unilateral" do marxismo.

Os "críticos" de Marx dizem, uns com mágoa, outros com


reprovação e ainda outros com uma alegria malvada, que até o
presente não foi editado sequer um livro fornecendo uma
justificação teórica do materialismo histórico. Por um tal livro, eles
entendem comumente algo no gênero de um tratado sucinto da
história universal do ponto de vista materialista. Mas, neste
momento, tal tratado não poderia ser escrito nem por estudioso
isolado, por mais universais que pudessem ser seus
conhecimentos, nem por todo um grupo de estudiosos. Para tal

98 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


livro, não existem materiais suficientes e nem tempo. Estes
materiais só podem ser acumulados por meio de longa série de
investigações sobre os detalhes dos diversos domínios da ciência e
feitas com a ajuda do método de Marx. Falando de outra maneira,
os "críticos" que exigem um tal livro queriam que o trabalho fosse
iniciado pelo fim, ou seja, que fosse previamente explicado do
ponto de vista materialista o próprio processo que se trata,
propriamente falando, de expor. De fato, este livro se escreve
precisamente na medida em que os estudiosos contemporâneos —
o mais freqüentemente sem se dar conta, como já havíamos dito
— se vêem obrigados, pelo estado atual da sociologia, a dar uma
explicação materialista dos fenômenos que estudam. Por si sós, os
exemplos anteriormente citados, são uma prova suficiente que
houve, até hoje, muito poucos destes estudiosos.

Laplace diz que, após a grande descoberta de Newton,


cinqüenta anos decorreram antes que ela fosse completada por
outras, descobertas de alguma importância. Foi necessário a esta
grande verdade todo este tempo para ser compreendida por todos
e para vencer os obstáculos que lhe eram lançados pela teoria dos
turbilhões e possivelmente pelo amor-próprio dos matemáticos
contemporâneos de Newton [108].

Os obstáculos que encontra o materialismo moderno,


enquanto teoria harmoniosa e conseqüente, são
incomparavelmente mais consideráveis que os que encontrou em
seu aparecimento a teoria de Newton. Contra ele se dirige direta e
resolutamente o interesse da classe atualmente dominante, a cuja
influência se submetem necessariamente a maior parte dos
estudiosos de nossos dias. A dialética materialista "que não se

PLEKHANOV| 99
inclina diante de nada e considera as coisas sob seu aspecto
transitório" não pode gozar da simpatia da classe conservadora que
é atualmente, no Ocidente, a burguesia. Ela é a tal ponto contrária
ao estado de espírito desta classe que se apresenta naturalmente
a seus ideólogos como algo intolerável e inconveniente, como algo
que não é digno nem de "pessoas honestas" em geral, nem em
particular dos "respeitáveis homens de ciência" [109]. Não é de
admirar que cada um destes "respeitáveis" sábios se considere
moralmente obrigado a afastar de si toda suspeita de simpatia pelo
materialismo. E, muito freqüentemente, ele o proclama com tanto
mais força quanto persiste, em suas pesquisas especiais, em
manter-se num ponto de vista materialista [110]. Daí resulta uma
espécie de "mentira convencional" semiconsciente que,
evidentemente, só pode ter influência das mais prejudiciais sobre
o pensamento teórico.

XV
A "mentira convencional" de uma sociedade dividida em
classes adquire proporções tanto mais consideráveis quanto a
ordem de coisas existente é abalada pela ação do desenvolvimento
econômico e da luta de classes por ele provocada. Marx disse, com
muita justeza, que quanto mais se desenvolvem os antagonismos
entre as forças produtivas crescentes, mais a ideologia da classe
dominante se impregna de hipocrisia. E quanto mais a vida
desmascara a natureza mentirosa dessa ideologia mais a linguagem
desta classe se faz sublime e virtuosa (Sankt Max. Dokumente des
Sozialismus, agosto 1904, p. 370-371). A justeza deste pensamento
salta aos olhos com evidência particular, agora que, por exemplo,

100 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


na Alemanha, a propagação da corrupção, revelada pelo processo
de Harden-Moltke, caminha a par com o "renascimento do
idealismo" em sociologia. E entre nós encontra-se, mesmo nas
fileiras dos "teóricos do proletariado", pessoas que não
compreendem a causa social deste "renascimento" e se submetem
a sua influência. Tal é o caso dos Bogdanov, Bazarov e outros.

De resto, as vantagens que o método de Marx proporciona a


todo investigador são tão consideráveis que elas começam a ser
plenamente reconhecidas mesmo pelas pessoas que se submetem
de bom grado à "mentira convencional" de nosso tempo. Entre
estas pessoas é necessário incluir, por exemplo, o americano
Seligman, autor do livro intitulado The Economic Interpictation of
History, editado em 1909. Seligman reconhece abertamente que
aquilo que fazia recuar os estudiosos diante da teoria do
materialismo histórico, eram as deduções socialistas tiradas por
Marx. Mas ele acha que se pode satisfazer a cabra e ao mesmo
tempo salvar a couve, que se pode ser partidário do materialismo
econômico ''e entretanto permanecer adversário do socialismo. "O
fato que as concepções econômicas de Marx fossem erradas", diz
ele, "não tem nenhuma relação com a veracidade ou a falsidade de
sua filosofia da história" [111].

Na realidade, as concepções econômicas de Marx estavam


estreitamente ligadas às suas concepções históricas. Para bem
compreender o Capital, é absolutamente indispensável aprofundar
bem o célebre prefácio a Zur Kritik der politischen Oekonomie e
assimilá-lo. Mas nós não poderíamos, aqui, nem expor as
concepções econômicas de Marx nem elucidar o fato,
incontestável, entretanto, de que elas são parte integrante da

PLEKHANOV| 101
doutrina chamada materialismo histórico [112]. Acrescentaremos
apenas que Seligman é um homem suficientemente "respeitável"
para se intimidar também com o materialismo. Este "partidário" do
materialismo econômico considera que é levar as coisas a um
extremo intolerável, procurar explicar "a religião e até mesmo o
cristianismo" por causas econômicas [113]. Tudo isto mostra
claramente a que ponto estão profundamente enraizados os
preconceitos e portanto também os obstáculos que a teoria de
Marx deve combater. E, apesar disso, o próprio fato do lançamento
do livro de Seligman, assim como o caráter das reservas que
formula, permitem, numa certa medida, alimentar esperanças que
o materialismo histórico — mesmo que sob forma lapidada,
"depurada" — terminará por ser reconhecido pelos ideólogos da
burguesia que todavia ainda não renunciaram a pôr em ordem suas
concepções históricas [114].

Mas a luta contra o socialismo, o materialismo e outros


extremos desagradáveis, pressupõe a existência de certa "arma
espiritual". Esta arma espiritual para a luta contra o socialismo é
sobretudo, atualmente, aquilo que chamamos "economia política
subjetiva", completada por uma estatística mais ou menos
habilmente violentada. A principal fortaleza na luta contra o
materialismo é representado por todas as variedades possíveis de
kantismo. Na sociologia, utiliza-se para este fim o kantismo como
uma doutrina dualista, que rompe a relação existente entre o ser e
o pensar. Como o exame das questões econômicas não faz parte
de nosso plano, limitar-nos-emos aqui à apreciação da arma
filosófica da qual se serve a reação burguesa no domínio
ideológico.

102 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


No fim de sua brochura "Socialismo Utópico e Socialismo
Científico", Engels observa que, quando os poderosos meios de
produção criados pela época capitalista se tornarem propriedade
social e a produção tenha sido organizada de forma consoante às
necessidades da sociedade, os homens se tornarão finalmente
senhores da natureza e de si próprios. É somente então que eles
começarão a fazer conscientemente sua história; é somente então
que as causas sociais acionadas por eles terão cada vez mais os
efeitos desejáveis. "A humanidade saltará do reino da necessidade
para o reino da liberdade".

Estas palavras de Engels suscitaram as objeções de todos


aqueles que, refratários em geral à idéia dos "saltos", não podiam
e não queriam de forma alguma compreender o "salto" do reino da
necessidade para o da liberdade. Tal "salto" lhes parecia mesmo
estar em contradição com a concepção da liberdade que o próprio
Engels havia formulado na primeira parte do "Anti-Dühring"; para
explicar, portanto, em que consiste a confusão em suas idéias a
este respeito, somos obrigados a relembrar o que Engels dissera no
livro em questão.

Explicando as palavras de Hegel: "A necessidade só é cega na


medida em que não é compreendida", Engels afirmava que a
liberdade consiste "no domínio exercido sobre nós e sobre a
natureza externa, domínio fundado no conhecimento das
necessidades inerentes à natureza" [115]. Engels desenvolveu este
pensamento de forma suficientemente clara para aqueles que
estão ao corrente da doutrina de Hegel, à qual ele se referia. Mas
o mal consiste precisamente em que os kantistas modernos só
fazem "criticar" Hegel, sem contudo estudá-lo. Não conhecendo

PLEKHANOV| 103
Hegel, não podiam tampouco conhecer Engels. Eles faziam, ao
autor de Anti-Dühring, a objeção que não há liberdade onde há
submissão à necessidade. Isto era bastante lógico, da parte de
pessoas cujas concepções filosóficas estão impregnadas de um
dualismo que não sabe unir o pensar ao ser. Do ponto de vista
deste dualismo, o "salto" da necessidade para a liberdade,
permanece, com efeito, totalmente incompreensível. Mas a
filosofia de Marx — como a de Feuerbach — proclama a unidade
entre o ser e o pensar. E se bem que ela compreenda — como
vimos anteriormente, ao falar de Feuerbach — esta unidade,
diferentemente do que compreendia o idealismo absoluto, não se
diferencia entretanto da teoria de Hegel na questão que nos ocupa,
a saber, a da relação entre a liberdade e a necessidade.

Todo o problema reside em saber o que é preciso entender


exatamente por necessidade. Aristóteles [116] já havia indicado
que o conceito da necessidade tem muitas nuanças: é necessário
usar o medicamento para curar; é necessário respirar para viver; é
necessário fazer uma Viagem a Egina para recuperar uma soma de
dinheiro. É uma necessidade, por assim dizer, condicional: é preciso
que respiremos, se queremos viver, é preciso usar um
medicamento se nós queremos livrar de uma doença e assim por
diante. O homem está constantemente enfrentando necessidade
deste gênero, no processo de sua ação sobre a natureza exterior:
é-lhe necessário semear, se quer colher; lançar a flecha se quer
matar a caça: prover-se de combustível se quiser colocar em
movimento uma maquina a vapor e assim por diante. Se nos
colocamos sob o ponto de vista da "crítica neokantista" de Marx, é
preciso admitir que, nesta necessidade condicional, existe também

104 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


um elemento de submissão. O homem seria mais livre se pudesse
satisfazer suas necessidades sem dispender nenhum esforço. Ele se
submete à natureza, mesmo quando a obriga a servi-lo. Mas esta
submissão é a condição de sua libertação: submetendo-se à
natureza, aumenta com isto, seu poder sobre ela, ou seja, sua
liberdade. Seria o mesmo no caso onde a produção social estivesse
organizada de forma racional. Ao se submeter às exigências da
necessidade técnica e econômica, os homens poriam termo a este
regime insensato que faz com que sejam dominados por seus
próprios produtos, ou seja, aumentariam formidavelmente sua
liberdade. Aqui também sua submissão tornar-se-ia a fonte de sua
libertação.

E não é tudo. Afeitos à idéia de que o pensar está separado do


ser por um abismo, os "críticos" de Marx só conhecem uma única
nuança da necessidade: utilizando ainda uma vez os termos de
Aristóteles, eles representam a necessidade unicamente como
uma força que nos impede de agir segundo nosso desejo e que nos
obriga a fazer o que é contrário a ele. Tal necessidade está, com
efeito, em oposição à liberdade e não pode deixar de pesar sobre
nós. Mas é preciso não perder de vista, tão pouco aqui, que uma
força que se apresenta ao homem como força exterior de coerção
indo de encontro a seu desejo, pode, em outras circunstâncias,
apresentar-se a ele sob aspecto totalmente diferente. Tomemos,
como exemplo, a questão agrária tal como se nos apresenta
atualmente na Rússia. A "expropriação obrigatória da terra" pode
parecer ao proprietário territorial inteligente, a um "cadete", uma
necessidade histórica mais ou menos triste — mais ou menos triste
segundo o montante da "compensação justa" que lhe é atribuída.

PLEKHANOV| 105
Mas, aos olhos do camponês, que acalenta a idéia de se ver atribuir
aquilo que ele chama a "terrinha", a necessidade mais ou menos
triste será, ao contrário, unicamente esta "compensação justa",
enquanto a "expropriação obrigatória" lhe parecerá, seguramente,
ser a expressão de sua livre vontade e o penhor mais precioso de
sua liberdade.

Tocamos aqui no ponto talvez mais importante da doutrina da


liberdade, que não havia sido mencionada por Engels, pela única
razão, evidentemente, que este ponto era compreensível, sem
maiores explicações a quem quer que tenha seguido a escola de
Hegel.

Em sua filosofia da religião, Hegel diz: "Die Freiheit ist dies;


nichts zu wollen als sich" [117], quer dizer: "A liberdade consiste em
nada querer além de si mesmo" . E esta observação ilumina toda a
questão da liberdade, na medida em que concerne à psicologia
social; o camponês que reivindica a "terrinha" ao grande
proprietário não quer "nada além de si mesmo". Mas o que o
reformista agrário "cadete" que consente em lhe ceder esta
"terrinha" quer, não é mais a "si mesmo", mas apenas aquilo que a
história o obriga. O primeiro é livre, o segundo se submete
sabiamente à necessidade.

Seria o mesmo para o proletariado que transformaria os meios


de produção em propriedade social e organizaria a produção social
em novas bases: ele não quer nada além de si mesmo. E ele se
sentiria completamente livre. Mas no que concerne aos
capitalistas, eles se sentiriam na melhor das hipóteses na situação
do reformista agrário que aceitara o programa agrário dos

106 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


"cadetes"; eles só poderiam constatar que a liberdade é uma coisa
e a necessidade histórica outra.

Temos a impressão que aqueles que criticavam Engels não o


compreendiam e uma das razões dessa incompreensão é que, se
eram capazes de se colocar mentalmente na situação de um
capitalista, não podiam, de maneira alguma, imaginar a si próprios
na "pele" dos proletários. E consideramos que para isto havia
também uma causa social particular, causa econômica em última
instância.

XVI
O dualismo para o qual se inclinam atualmente os ideólogos
da burguesia, dirige ainda uma outra censura ao materialismo
histórico. Na pessoa de Stammler, ele o reprova por não levar
absolutamente em conta a teleologia social. Esta segunda censura,
aliás estreitamente relacionada à primeira, não é menos
desprovida de fundamento.

Marx disse: "Para produzir, os homens contraem entre si


relações determinadas". Stammler vê nesta fórmula a prova de que
o próprio Marx, a despeito de sua teoria, não pôde evitar as
considerações teleológicas. As palavras de Marx significam, em sua
opinião, que os homens contraem conscientemente as relações
sem as quais a produção é impossível. Estas relações, portanto, são
o resultado de uma ação levada a cabo tendo em vista o objetivo a
atingir [118].

PLEKHANOV| 107
Não é difícil mostrar em que ponto deste raciocínio Stammler
peca contra a lógica e comete um erro que marcara todas as suas
observações críticas posteriores.

Tomemos um exemplo. Selvagens caçadores vão perseguir


uma presa, digamos um elefante. Para isto, eles se reúnem e
dispõem suas forças numa certa ordem. Onde está aqui o objetivo?
Onde está o meio de atingi-lo? O objetivo consiste, evidentemente,
em capturar ou matar o elefante, e o meio é a perseguição do
animal com todas as forças conjugadas. Pelo quê o objetivo é
sugerido? Pelas necessidades do organismo humano. Pelo quê o
meio é determinado? Pelas condições da caça. As necessidades do
organismo dependem do homem, de sua vontade? Não, elas não
dependem e isto, aliás, compete à fisiologia e não à sociologia. Que
poderemos aqui pedir à sociologia? Que explique por que razão os
homens, buscando satisfazer suas necessidades — digamos, a
necessidade de alimentação —, contraem, num momento, tais ou
quais relações e, num outro, relações totalmente diferentes. Este
fato, a sociologia — na pessoa de Marx — explica pelo estado das
forças de produção. Agora, o estado destas forças depende da
vontade dos homens e dos objetivos que perseguem? A sociologia,
de novo na pessoa de Marx responde: não, não depende. E se não
depende, é porque estas forças aparecem em virtude de certa
necessidade determinada por condições dadas e situadas fora do
homem.

O que resulta disto? Resulta que se a caça é uma atividade de


acordo com o objetivo que persegue o selvagem, este fato
incontestável em nada diminui o valor deste pensamento de Marx:
as relações de produção que se estabelecem entre os selvagens

108 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


que se entregam à caça, se estabelecem em virtude de condições,
todavia, completamente independentes desta atividade, de acordo
com o objetivo perseguido. Em outros termos, se o caçador
primitivo aspira conscientemente matar o quanto for possível de
caça, daí não decorre ainda que o comunismo, próprio à vida que
leva o caçador, tenha surgido como produto de acordo com o
objetivo de sua atividade. Não, o comunismo nasce, ou mais
exatamente, se conservou — visto que se constituiu bem antes —
como o resultado inconsciente, ou seja, necessário, desta
organização do trabalho cujo caráter era totalmente independente
da vontade dos homens [119]. É precisamente isto que não
compreendeu o kantista Stammler; ele tomou aqui um falso
caminho, ao mesmo tempo que arrastou consigo nossos Strouvé,
Boulgakov e outros marxistas temporários, cujos nomes formam
uma legião [120].

Continuando suas observações críticas, Stammler diz que, se


o desenvolvimento social se efetuasse exclusivamente em virtude
da necessidade causal, toda tendência consciente a contribuir com
este desenvolvimento seria um contra-senso manifesto. De acordo
com ele, de duas uma: ou eu considero um fenômeno qualquer
necessário, quer dizer, inevitável e então eu não tenho nenhuma
necessidade de contribuir para seu aparecimento; ou minha
contribuição é necessária para que este fenômeno possa produzir-
se, e então não se pode chamá-lo de necessária. Quem, afinal,
procura contribuir com o nascer do sol, nascer necessário, ou seja,
inevitável? [121].

PLEKHANOV| 109
Aqui se manifesta de uma maneira notável o dualismo próprio
às pessoas educadas na filosofia de Kant: para elas, o pensar está
sempre separado do ser.

O nascer do sol não está ligado de forma alguma, nem como


causa, nem como conseqüência, às relações sociais dos homens. E
por isto pode-se opô-lo enquanto fenômeno da natureza, às
aspirações conscientes dos homens que tampouco tem alguma
relação causal com ele. Mas não é isso que acontece com os
fenômenos sociais da história. Nós já sabemos que a história é feita
pelos homens. As aspirações humanas, portanto, não podem ser
um fator exclusivo do movimento histórico. Mas a história é feita
pelos homens de certa maneira e não de outra, em conseqüência
de certa necessidade da qual falamos o suficiente anteriormente.
Uma vez que esta necessidade está dada, as aspirações dos
homens, aspirações que constituem um fator inevitável da
evolução social, estão também dadas como conseqüência. Estas
aspirações não excluem a necessidade, mas são, elas mesmas,
determinadas por esta última. É uma grande falta de lógica,
portanto, opô-las a esta mesma necessidade.

Quando uma classe que aspira à sua emancipação efetua uma


revolução social, ela age no caso, de forma mais ou menos
apropriada ao objetivo que persegue e, em todo caso, sua atividade
é a causa desta revolução. Mas esta atividade, com todas as
aspirações que a suscitaram, é ela mesma a conseqüência do
desenvolvimento econômico e portanto ela é em si mesma
determinada pela necessidade.

110 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


A sociologia só se torna ciência na medida em que chega a
compreender o aparecimento de objetivos no homem social
("teleologia" social) como conseqüência necessária do processo
social, condicionado, em última instância, pela marcha do
desenvolvimento econômico.

E é muito característico que os adversários conseqüentes da


interpretação materialista da história se vejam obrigados a
demonstrar que a sociologia é impossível enquanto ciência. Isto
significa que o "criticismo" se torna um obstáculo ao
desenvolvimento científico de nossa época. Aqueles que procuram
encontrar uma explicação científica da história das teorias
filosóficas poderão empreender uma tarefa interessante:
determinar a maneira pela qual o papel do "criticismo" se relaciona
com a luta de classes.

Se pretendo tomar parte num movimento cujo triunfo me


parece uma necessidade histórica, isto significa unicamente que
considero minha própria atividade também como um elo
indispensável na cadeia das condições cuja totalidade assegurará
necessariamente o triunfo do movimento que me é caro. Nem mais
nem menos. Isto um dualista não compreende. Mas é
perfeitamente claro para quem assimilou a teoria da unidade entre
o sujeito e o objeto e compreendeu de que maneira essa unidade
se manifesta nos fenômenos de ordem social.

É extremamente importante notar que os teóricos do


protestantismo na América do Norte não compreendem
evidentemente nada desta oposição entre a liberdade e a
necessidade que tanto preocupou e ainda preocupa muitos

PLEKHANOV| 111
ideólogos da burguesia européia. A. Bargy diz que "na América, os
propagandistas da energia mais convictos são poucos propensos a
reconhecer a liberdade da vontade" [122]. Ele explica isto pelo fato
que estes homens, enquanto homens de ação, preferem as
decisões fatalistas. Mas Bargy se engana. O fatalismo nada tem
com isto. O que se pode ver em sua própria observação a respeito
do moralista Jonathan Edwards... é o ponto de vista de Edwards...
é o ponto de vista de todo homem de ação. Para quem jamais na
vida se propôs um fim determinado, a liberdade é a faculdade de
colocar toda a sua alma em buscar este fim" [123]. Isto está muito
bem dito e parece bastante com o "nada querer além de si mesmo"
de Hegel. Mas quando o homem "nada quer além de si mesmo" ele
não é absolutamente fatalista; ele é um homem de ação,
exclusivamente.

O kantismo não é uma filosofia de combate, não é uma


filosofia de homens de ação. É uma filosofia de pessoas que em
tudo ficam a meio caminho, uma filosofia de compromisso.

Engels diz que é preciso que os meios de suprimir o mal social


sejam descobertos nas condições materiais dadas da produção,
mas não inventadas por este ou aquele reformador social.
Stammler está de acordo com Engels neste ponto, mas o acusa de
falta de clareza, visto que, segundo ele, o âmago da questão é saber
"com a ajuda de qual método esta descoberta deve ser feita'' [124].
Esta objeção apenas testemunha a confusão que reina no próprio
pensamento de Stammler. E ela se esvazia pelo fato muito simples
que mesmo se o caráter do "método" está, em tais casos,
determinado por grande número de "fatores" extremamente
variados, todos estes "fatores" entretanto podem ser

112 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


reconduzidos, no final de contas, à sua fonte, a saber, a marcha do
desenvolvimento econômico. O próprio fato de a teoria de Marx
ter podido nascer foi condicionado pelo desenvolvimento do modo
de produção capitalista, enquanto a predominância do utopismo
[125] no socialismo anterior a Marx é bem compreensível numa
sociedade que tenha sofrido não apenas o desenvolvimento do
modo de produção indicado, mas também, talvez ainda mais, da
insuficiência deste desenvolvimento .

É inútil estender-nos ainda mais sobre este assunto. Mas


talvez o leitor consentirá que, ao terminar este artigo, chamemos
sua atenção sobre a estreita relação entre o "método" tático de
Marx e Engels e as teses fundamentais de sua teoria histórica.

Nós já sabemos que, nos termos desta teoria, a humanidade


só se coloca problemas que pode resolver "pois... o próprio
problema só se apresenta onde as condições materiais
indispensáveis à sua solução já existem ou estão em vias de
aparecimento". Mas onde as condições já existem, a situação é
totalmente diferente daquela onde elas "apenas estão em vias de
aparecimento". No primeiro caso, o momento do "salto" já chegou;
no segundo, o "salto" é coisa de um futuro mais ou menos distante,
um "objetivo final", cuja aproximação é preparada por toda uma
série de "transformações graduais" nas relações entre as classes
sociais. Qual deve ser o papel dos inovadores na época em que o
"salto" ainda é impossível? Só lhes resta, evidentemente, contribuir
para as "transformações graduais", falando de outra maneira, a
lutar para obter reformas. Assim o "objetivo final" tanto quanto as
reformas encontram seu lugar, e a oposição entre a reforma e o
objetivo final perde toda a razão de ser e se encontra relegado ao

PLEKHANOV| 113
domínio das legendas utópicas. Qualquer que seja o homem que
admita tal oposição — "revisionista" alemão, no gênero de E.
Bernstein, ou "sindicalista revolucionário" italiano, do gênero
daqueles que participaram do recente congresso sindicalista de
Ferrara — revela na mesma medida a sua incapacidade de
compreender o espírito e o método do socialismo científico
moderno. Isto é útil relembrar no momento atual em que o
reformismo e o sindicalismo ousam falar em nom de Marx.

Mas que robusto otimismo emana destas palavras: "A


humanidade só se coloca problemas que ela pode resolver". Elas
não significam, evidentemente, que toda solução dos grandes
problemas, apresentada pelo primeiro utopista que surja, seja boa.
Uma coisa é o utopismo, outra é a humanidade, ou mais
exatamente falando, a classe social que representa num momento
dado os interesses supremos da humanidade. O próprio Marx disse
muito bem: "Quanto mais uma ação histórica for profunda, mais
crescerá a amplitude das massas que a efetuam". Por aí se encontra
definitivamente condenada toda atitude utópica em relação aos
problemas históricos. E se Marx pensava, contudo, que a
humanidade jamais se propõe problemas insolúveis, suas palavras,
do ponto de vista teórico, representam apenas uma nova
expressão da idéia da unidade entre o sujeito e o objeto aplicada
ao processo do desenvolvimento histórico. Do ponto de vista
prático elas expressam a fé calma e viril de que o "objetivo final"
será atingido, fé que outrora fez exclamar nosso inesquecível N. G.
Tchernychevsky com calorosa convicção:

"Aconteça o que acontecer, será, apesar de tudo, o nosso


campo que festejará a vitória!"

114 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


PLEKHANOV| 115
Notas:

[97] Ver Souvenirs d'un Hugolâtre por Augustin Challamel, Paris,


1885, p. 259. Ingres foi mais conseqüente que Delacroix que,
romântico em pintura, conservou unia predileção pela música
clássica.

[98] Consultar o livro de Challamel, p. 258.

[99] E sobretudo na história do papel exercido por cada uma destas


artes, enquanto intérpretes dos estados de alma da época.
Sabemos que em épocas diferentes surgem, em primeiro plano,
diferentes ideologias e diferentes ramos ideológicos. A teologia
exerceu, na Idade Média, um papel muito mais importante que
atualmente; a dança era, na sociedade primitiva, a arte mais
importante, hoje está longe de ser assim etc. etc.

[100] Há no livro de Chesneau (Les Chels d'École, Paris, 1883, p.


378-379) uma observação muito sutil sobre a psicologia dos
românticos. Chesneau salienta que o romantismo surgiu logo após
a Revolução e o Império. "Na literatura e na arte, houve uma crise,
semelhante àquela que se produziu nos costumes após o Terror,
uma verdadeira crise dos sentidos. As pessoas haviam vivido num
medo perpétuo. Depois seu medo cessa a elas se abandonam ao
prazer de viver. As aparências exteriores, as formas exteriores
atraíam exclusivamente a atenção. O céu azul, a luz deslumbrante,
a beleza das mulheres, os veludos suntuosos, as sedas de cores
cambiantes, o brilho do ouro, o fogo dos diamantes, tudo dava
prazer. As pessoas só viviam com os olhos, tinham cessado de
pensar". Isto se assemelha, em muitos pontos, à psicologia da

116 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


época que vivemos atualmente na Rússia. Mas a marcha dos
acontecimentos, que era a causa deste estado de alma, era, por sua
vez, provocada pela marcha da evolução econômica.

[101] Hector Berlioz et la Société de son Temps, Paris, 1904, p. 19Q.

[102] Ibid., p. 190

[103] Aqui temos o mesmo qüiproquó que faz com que os


partidários do arquiburguês Nietzsche se tornem verdadeiramente
divertidos quando atacam a burguesia.

[104] "A obra de arte", diz Taine, "é determinada por um conjunto
que é o estado geral do espírito e dos costumes do meio".

[105] The Philosophv ai History in France and Germany. p. 149.

[106] Ver Histoire de la Littérature Française de G. Lanson (Paris,


1896, p. 394-397), onde a relação entre certos aspectos da filosofia
de Descartes e a psicologia da classe dominante na França na
primeira metade do século XVIII está bem explicada.

[107] Em sua Histoire das Français (t. I, p. 59), Sismondi emite uma
interessante opinião sobre o significado destes romances, que
fornece elementos para o estudo sociológico da imitação.

[108] Exposition du Système du Monde, Paris, ano IV, t. II, p.29 1-


292.

[109] A este respeito ver, entre outros, o artigo de Engels


anteriormente citado: Ueber den historischen Materialismus.

PLEKHANOV| 117
[110] Lembrem com que ardor Lamprecht defendia-se da acusação
de materialismo. Vejam também como se defende Ratzel (Die Erde
und das Leben, p. 631). E no entanto o mesmo Ratzel escreve: "O
total das aquisições culturais de cada povo, em cada época de seu
desenvolvimento, compõe-se de elementos materiais e espirituais...
Eles não são adquiridos através de meios idênticos nem com a
mesma facilidade e ao mesmo tempo para todos... Na base das
aquisições intelectuais estão as aquisições materiais. As criações do
espírito surgem, como um luxo, somente após terem sido satisfeitas
as necessidades físicas. Conseqüentemente, toda questão colocada
sobre o aparecimento da cultura leva àquela sobre os fatores que
favorecem o desenvolvimento das bases materiais da cultura"
(Völkerkunde, t. I, l.ª edição, p. 17). Isso é o mais incontestável
materialismo histórico, se bem que uma concepção muito menos
profunda e portanto de qualidade inferior ao materialismo de Marx
e Engels.

[111] Páginas 24 e 109 do livro de Seligman.

[112] Ainda algumas palavras para explicar o que precede. Segundo


Marx, "as categorias econômicas são apenas expressões teóricas,
abstrações das relações sociais de produção" (Miséria da Filosofia,
II parte, 2.a nota). Isto significa que Marx considera as categorias
econômicas também do ponto de vista das relações mútuas que
existem entre os homens no processo social da produção e pela
evolução das quais ele explica em suas linhas fundamentais o
movimento histórico da humanidade.

118 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


[113] Ibid., p. 37. A origem do Cristianismo, de Kautsky, sendo um
livro no mesmo gênero "extremo" merece, evidentemente,
segundo Seligman, ser estigmatizado.

[114] O paralelo que traçaremos aqui, será extremamente


instrutivo. Segundo Marx, a dialética materialista, explicando o que
existe, explica, ao mesmo tempo, seu desaparecimento inevitável.
Nisto Marx vê o aspecto vantajoso, o valor da dialética sob o ponto
de vista do progresso. Mas Seligman diz: "O socialismo é uma teoria
que se reporta ao porvir, o materialismo histórico é uma teoria que
se reporta ao passado" (Ibid., p. 108). Por esta razão, unicamente,
Selígman considera possível para si, defender o materialismo
histórico. O que equivale a dizer que se pode ignorar este
materialismo na medida em que ele explica o desaparecimento
inevitável do que existe, mas dele servir-se para a explicação do
que existiu. Esta é uma das numerosas variedades da
"contabilidade por partidas dobradas" no domínio ideológico,
contabilidade também engendrada por causas econômicas.

[115] Herrn Eugen Dühring Umwãlzung der Wissenschalt, 5,8


edição, p. 113.

[116] Metalísica, livro V, Cap. 5

[117] Hegel: Oeuvres, t. XII, p. 98.

[118] Wirtschaft und Recht, 2.a edição, p. 421.

[119] "A necessidade, por contraste com a liberdade, nada mais é


que o inconsciente". (Schelling, System des Tranzendentalen
Idealismus, 1880, p. 524).

PLEKHANOV| 119
[120] Este aspecto da questão foi exposto por nós de forma
suficientemente detalhada em diferentes pontos de nosso livro
sobre o Monismo Histórico (Oeuvres, t. VII).

[121] Ibid., p. 421 e seguintes. Consultar também o artigo de


Stammler: Materialistische Geschichtsauffassung no
Handwörterbuch der Staatswissenschaften, t. V, p. 735-737

[122] A. Bargy: La Religion dans la Société aux États-Unis, Paris,


1902, p. 88-89.

[123] Id., Ibid., p. 97-98.

[124] Handwörterbuch, p. 736.

[125] Ibid., mesma pagina.

120 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


ANEXO:

OS "SALTOS" NA NATUREZA E NA
HISTÓRIA
G. V. PLEKHANOV

PLEKHANOV| 121
Primeira Edição: ........
Fonte: Biblioteca Marxista Virtual do Partido da Causa Operária.
Tradução: ........
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, janeiro 2006.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é
livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free
Documentation License.

122 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


"Entre nós, aliás não apenas entre nós", diz M. Tikhomírov,
"enraizou-se profundamente a idéia de que vivemos num período
de destruição que, acredita-se, terminará por uma terrível
catástrofe, com torrentes de sangue, detonações de dinamite e
assim por diante. Após o que - supõe-se - abrir-se-á um "período de
construção". Esta concepção social é totalmente errada e não é
mais que o reflexo político das velhas idéias de Cuvier e da escola
das bruscas catástrofes geológicas. Mas, na realidade, a destruição
e a construção vão ao par, e são mesmo inconcebíveis uma sem a
outra. Que um fenômeno caminhe para sua destruição, resulta, na
verdade, do fato que nele mesmo tem lugar algo de novo
constituindo-se e, inversamente, a formação de nova ordem de
coisas não é nada além da destruição da antiga" [1].

Estas palavras não permitem uma compreensão muito clara;


em todo caso, delas podemos destacar duas teses:

1. "Entre nós, aliás não apenas entre nós", os revolucionários


não têm nenhuma idéia da evolução, da gradual "transformação do
tipo dos fenômenos", segundo expressão empregada por M.
Tikhomírov;

2. Se eles tivessem uma idéia da evolução, da gradual


"transformação dos fenômenos", eles não pretenderiam que
"vivemos num período de destruição".

Vejamos inicialmente como são as coisas não apenas entre


nós, ou seja, no Ocidente.

Como se sabe, existe atualmente no Ocidente um movimento


revolucionário da classe operária, que aspira à emancipação

PLEKHANOV| 123
econômica. Ora, apresenta-se a questão: os representantes
teóricos deste movimento, ou seja, os socialistas, teriam
conseguido combinar suas tendências revolucionárias com uma
teoria tão pouco satisfatória do desenvolvimento social?

A esta questão, quem quer que tenha uma idéia, por fraca que
seja, do socialismo contemporâneo, responderá sem hesitação
pela afirmativa. Todos os socialistas sérios da Europa e da América
se atêm à doutrina de Marx; mas então quem ignora que esta
doutrina é antes de mais nada a doutrina da evolução das
sociedades humanas? Marx era um defensor ardente da "atividade
revolucionária". Ele simpatizava profundamente com todo
movimento revolucionário dirigido contra a ordem social e política
existente. Podem, se quiserem, não partilhar de simpatias tão
"destrutivas". Mas, em todo caso, só o fato de elas terem existido
não autoriza a concluir que a imaginação de Marx estivesse
exclusivamente "fixada nas transformações pela violência", que ele
esquecia a evolução social, o desenvolvimento lento e progressivo.
Não apenas Marx não esquecia a evolução, como descobriu grande
número de suas leis mais importantes. Em seu espírito, a história
da humanidade se desenrolou pela primeira vez num quadro
harmonioso, não fantástico. Ele foi o primeiro a mostrar que a
evolução econômica leva às revoluções políticas. Graças a ele o
movimento revolucionário contemporâneo possui um objetivo
claramente fixado e uma base teórica vigorosamente formulada.
Mas se é assim, por que então M. Tikhomírov imagina poder, com
algumas frases descosidas sobre a "construção" social, demonstrar
a inconsistência das tendências revolucionárias existentes "entre

124 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


nós, aliás não apenas entre nós"? Não será porque ele não se deu
ao trabalho de compreender a doutrina dos socialistas?

Agora M. Tikhomírov experimenta repugnância pelas


"catástrofes súbitas" e pelas "transformações pela violência". E seu
problema: ele não é o primeiro, nem o último. Mas ele está
enganado ao pensar que as "catástrofes súbitas" não são possíveis
nem na natureza, nem nas sociedades humanas. Inicialmente a
"subitaneidade" de semelhantes catástrofes é uma idéia relativa. O
que é súbito para um, não o é para outro: os eclipses do Sol se
produzem subitamente para o ignorante, mas não são
absolutamente súbitos para um astrônomo. Exatamente o mesmo
acontece com as revoluções. Estas "catástrofes" políticas se
produzem "subitamente" para os ignorantes e a multidão de
filisteus pretensiosos, mas não são absolutamente súbitas para um
homem que esta a par dos fenômenos que se passam no meio
social que o cerca. Em seguida, se M. Tikhomírov experimentasse
volver os olhos para a natureza e a história, colocando-se do ponto
de vista da teoria que agora faz sua, ele se exporia a toda uma série
de surpresas espantosas. Ele tem bem fixado na memória que a
natureza não dá saltos e que se abandonamos o mundo das
miragens revolucionárias para descer ao terreno da realidade. "só
se pode falar cientificamente da lenta transformação de um dado
tipo de fenômeno". Mas, no entanto, a natureza dá saltos, sem se
preocupar com todas as filípicas contra a "subitaneidade". M.
Tikhomírov sabe muito bem que as "velhas idéias de Cuvier" são
erradas e que as bruscas catástrofes geológicas e chega mais são
que o produto de uma imaginação sábia. Ele leva uma existência
sem preocupações, digamos, no sul da França, sem entrever nem

PLEKHANOV| 125
alarmes, nem perigos. Mas eis, de repente, um tremor de terra,
semelhante ao que se produzira há dois anos. O solo oscila, as casas
desabam, os habitantes fogem terrificados, em poucas palavras, é
uma verdadeira "catástrofe", indicando um incrível desleixo na
mãe natureza. Instruído por esta amarga experiência, M.
Tikhomírov verifica atentamente suas idéias geológicos e chega à
conclusão de que a lenta "transformação de um tipo de fenômeno"
(no caso, o estado da crosta terrestre) não exclui a possibilidade de
transformações que possam parecer, sob certo ponto de vista
"súbitos" e produzidas pela "violência" [2].

M. Tikhomírov aquece água, e esta, permanecendo água


enquanto ele a aquece de 0º a 80º [3], não o inquieta nenhuma
"subitaneidade". Mas eis que a temperatura se eleva até o limite
fatal, e de repente - oh terror! - a "catástrofe súbita" lá está: a água
se transforma em vapor, como se sua imaginação se houvesse
"fixado nas transformações pela violência".

M. Tikhomírov deixa resfriar a água e eis que a mesma


estranha história se repete. Pouco a pouco a temperatura da água
se modifica sem que a água deixe de ser água. Mas eis então que o
resfriamento atinge 0º e a água se transforma em gelo, sem
absolutamente cogitar que as "transformações súbitas"
representam uma concepção errada.

M. Tikhomírov observa a evolução de um dos insetos que


sofrem metamorfose. O processo de evolução da crisálida efetua-
se lentamente e, até nova ordem, a crisálida permanece crisálida.
Nosso pensador esfrega as mãos de contente. "Aqui, tudo vai bem",
diz de si para si, "nem o organismo social nem o organismo animal

126 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


experimentam estas transformações súbitas que fui obrigado a
constatar no mundo inorgânico. Ascendendo à criação dos seres
vivos a natureza se torna pausada". Mas rapidamente sua alegria
dá lugar ao desgosto. Um belo dia, a crisálida efetua uma
"transformação pela violência" e entra no mundo sob a forma de
uma borboleta. Assim, pois, M. Tikhomírov é forçado a se
convencer que mesmo a natureza orgânica não está assegurada
contra as "subitaneidades".

Exatamente o mesmo se dará com M. Tikhomírov, por pouco


que ele "volte sua atenção" para sua própria "evolução". É certo
que aí também ele encontrará um semelhante ponto de reviravolta
ou "transformação violenta". Ele se lembrará qual foi precisamente
a gota que fez transbordar o copo de suas impressões e o
transformou, de defensor mais ou menos hesitante da "revolução",
em seu adversário mais ou menos sincero.

M. Tikhomírov e eu nos exercitamos em fazer adições


aritméticas. Tomamos a cifra cinco e, como pessoas sérias, a ela
somamos "gradualmente", uma unidade de cada vez: seis, sete,
oito. Até nove, tudo vai bem. Mas logo que tentamos aumentar
esta cifra de uma unidade, uma infelicidade nos atinge:
bruscamente, e sem razão plausível, nossas unidades se
transformam em uma dezena. Experimentamos a mesma aflição,
quando passamos das dezenas às centenas.

M. Tikhomírov e eu não nos ocuparemos de música: ai existem


demasiadas passagens "súbitas" de toda espécie, o que poderia
colocar em desordem todas as nossas "concepções".

PLEKHANOV| 127
A todos os confusos raciocínios de M. Tikhomírov sobre as
"transformações pela violência" os revolucionários
contemporâneos podem retrucar com esta simples questão: que é
necessário fazer, em sua opinião, das "transformações violentas"
que já se produziram na "realidade da vida" e que, em todos os
casos, representam "períodos de destruição"? Iremos declará-las
nulas e não acontecidas ou considerá-las obra de pessoas frívolas e
nulas cujos atos não merecem a atenção de um "sociólogo" sério?
Mas qualquer que seja a importância que se dê a estes fenômenos,
é necessário, apesar de tudo, reconhecer que houve na história
transformações pela violência e "catástrofes" políticas. Por que M.
Tikhomírov pensa que admitir a possibilidade futura de
semelhantes fenômenos, é ter "concepções sociais erradas?"

A história não dá "saltos"! É perfeitamente verdade. Mas, por


outro lado, é também verdade que a história já cometeu
numerosos saltos, efetuou uma multidão de "transformações pela
violência". Os exemplos de semelhantes transformações são
inumeráveis. Que significa então esta contradição? Ela significa
unicamente que a primeira dessas teses não foi formulada muito
rigorosamente, o que faz com que muitos a compreendam mal.
Deveríamos dizer que a história não dá "saltos" sem que eles
tenham sido preparados. Nenhum salto pode acontecer sem uma
causa suficiente, que reside na marcha anterior da evolução social.
Mas dado que esta evolução jamais se detém nas sociedades em
vias de desenvolvimento, pode-se dizer que a história está
constantemente ocupada com a preparação de saltos ou
transformações violentas. Ela faz esta obra assídua e
imperturbavelmente, ela trabalha lentamente, mas os resultados

128 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


de seus esforços (os saltos e as catástrofes políticas) são inelutáveis
e inevitáveis.

Lentamente se consuma a "transformação do tipo" da


burguesia francesa. O habitante da cidade da época da Regência
não se assemelha ao da época de Luís XI, mas, em suma, ainda
assim não nega o tipo de burguês do antigo regime. Ele se tornou
mais rico, mais instruído, mais exigente, mas não deixou de ser o
plebeu que deve, sempre e em todas as ocasiões, ceder o passo à
aristocracia. Mas eis que chega o ano de 1789, o burguês levanta
orgulhosamente a cabeça. Ainda alguns anos se passam e ele se
torna o senhor da situação, e de que maneira! "com torrentes de
sangue", no rufar dos tambores, acompanhado das "detonações de
pólvora", não de dinamite, porque ainda não fora inventada. Ele
obriga a França a atravessar um verdadeiro "período de destruição"
sem se preocupar o mínimo, que, com o tempo, existirá talvez um
pedante que proclamará que as transformações pela violência são
uma "concepção errada".

Lentamente se transforma o "tipo" das relações sociais na


Rússia: os ducados de apanágio, cujos possuidores tinham
desmembrado o país com suas lutas intestinas, desaparecem, os
boiardos descontentes se submetem definitivamente ao poder do
czar e se tornam simples nobres, submetidos, como toda a sua
classe, ao serviço da coroa. Moscou submete os ramos tártaros,
adquire a Sibéria, anexa a metade da Rússia Meridional; mas ainda
assim permanece Mascou, a Asiática. Pedro, o Grande faz sua
aparição e efetua uma "transformação pela violência" na vida da
Rússia. Um período novo, europeu, da história russa se inicia. Os
eslavófilos intitulam Pedro, o Grande de Anticristo, precisamente

PLEKHANOV| 129
por causa da "subitaneidade" da transformação efetuada por ele.
Eles afirmam que, em seu zelo reformador, ele esquecera a
necessidade da evolução, a lenta "transformação do tipo" do
regime social. Mas todo homem capaz de pensar, compreenderá
facilmente que a própria transformação efetuada por Pedro, o
Grande era imposta pela evolução histórica da Rússia, que a havia
preparado.

As transformações quantitativas, acumulando-se pouco a


pouco, tornam-se, finalmente, transformações qualitativas. Estas
transições se efetuam por saltos e não podem efetuar-se de outra
forma.

Os "gradualistas" de todos os matizes, os Moltchaline [4], que


fazem da moderação um dogma e da ordem minúcia, não podem
compreender este fato há muito tempo elucidado pela filosofia
alemã. Neste caso como em muito outros, é útil relembrar a
concepção de Hegel, o qual certamente seria difícil de acusar de
apaixonado pela "atividade revolucionária". ''Quando queremos
conceber o advento ou o desaparecimento de qualquer coisa'', diz
ele, imaginamos comumente compreender a questão ao
representar este advento e este desaparecimento como se
produzindo gradualmente. Está portanto confirmado que as
transformações do ser se consumam não apenas pela passagem de
uma quantidade a outra, mas também pela transformação das
diferenças quantitativas em diferenças qualitativas e
inversamente, transformação que é uma interrupção do "devir
gradual" e uma maneira de ser qualitativamente diferente da
precedente. E cada vez que há interrupção do "devir gradual",
produz-se no curso da evolução um salto, em seguida ao qual o

130 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


lugar de um fenômeno é ocupado por outro. Na base da doutrina
da gradualidade se encontra a idéia de que aquilo que está cm vias
de tornar-se, já existe de fato, mas ainda permanece imperceptível
em razão de suas pequenas dimensões. Da mesma forma, quando
do desaparecimento gradual de um fenômeno, representa-se a
inexistência deste ou a existência daquele que ocupa seu lugar
como fatos que não são ainda perceptíveis. Mas, desta forma,
suprime-se todo advento e desaparecimento. Explicar o advento
ou o desaparecimento de qualquer coisa pela gradualidade da
transformação é reduzir tudo a uma tautologia fastidiosa, pois é
considerar o fenômeno pronto previamente (ou seja, já advindo ou
já desaparecido) o que está em vias de aparecer ou de desaparecer
[5]. O que quer dizer que, se houver necessidade de explicar o
nascimento de um Estado, há que imaginar, com simplismo, uma
microscópica organização de Estado que, modificando pouco a
pouco suas dimensões, faria enfim as "pessoas" se aperceberem de
sua existência. Da mesma forma, se for necessário explicar o
desaparecimento das relações primordiais de clã, há que dar-se ao
trabalho de imaginar uma minúscula inexistência destas relações -
e o negócio estará feito. É evidente que com tais procedimentos de
pensamento não se irá muito longe nas ciências. É um dos maiores
méritos de Hegel ter depurado a doutrina da evolução de
semelhantes absurdos. Mas que importam a M. Tikhomírov, Hegel
e seus méritos! Ele disse de uma vez por todas que as teorias
ocidentais não nos são aplicáveis.

A despeito da opinião de nosso homem sobre as


transformações violentas e as catástrofes políticas, diremos com
segurança que, na época atual, a história prepara, nos países

PLEKHANOV| 131
avançados, uma transformação de importância excepcional, a qual
se está fundamentado a presumir que se produzirá pela violência.
Ela consistirá na transformação do modo de repartição dos
produtos. A evolução econômica criou forças de produção
colossais que, para serem ativadas, exigem uma organização
determinada da produção. Estas forças só podem ser aplicadas em
grandes estabelecimentos industriais baseados no trabalho
coletivo, na produção social.

Mas a apropriação individual dos produtos, originando-se em


condições econômicas totalmente diferentes, numa época onde
dominava a pequena indústria e a pequena exploração agrícola,
está em contradição flagrante com este modo social de produção.
Em virtude desse modo de apropriação, os produtos criados pelo
trabalho social dos operários se tornam propriedade privada dos
empresários. Esta contradição econômica inicial condiciona todas
as outras contradições sociais e políticas existentes no seio da
sociedade atual. E ela se torna cada vez mais grave. Os empresários
não podem renunciar à organização social da produção, pois ela é
a fonte de sua riqueza. Por outro lado, a concorrência os obriga a
estender esta organização a outros ramos da indústria, onde ela
ainda não existe. As grandes empresas industriais eliminam os
pequenos produtores e determinam assim o crescimento em
número, e portanto em força, da classe operária. O desenlace fatal
se aproxima. Para suprimir a contradição entre o modo de
produção dos produtos e o modo de sua repartição, contradição
prejudicial aos operários, estes devem tomar o poder político que
se encontra atualmente nas mãos da burguesia. Se quiserem,
pode-se dizer que os operários provocarão uma "catástrofe

132 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


política". A evolução econômica leva necessariamente à revolução
política, e esta última será, por sua vez, a fonte de transformações
importantes no regime econômico da sociedade. O modo de
produção adquire lenta e gradualmente caráter social. A
transformação do modo de produção será o resultado de uma
transformação efetuada pela violência.

É assim que o movimento histórico se desenrola, não entre


nós, mas no Ocidente. M. Tikhomírov não tem nenhuma
"concepção" da vida social deste Ocidente, se bem que se tenha
ocupado com a "observação da poderosa civilização francesa".

Transformações pela violência, "torrentes de sangue


machados e patíbulos, pólvora e dinamite, são "tristes fenômenos".
Mas que fazer, já que são inevitáveis? A força sempre
desempenhou o papel de parteira, cada vez que uma nova
sociedade vem ao mundo. Assim falava Marx, e ele não era o único
a pensar desta maneira. O historiador Schlosser estava convencido
de que é unicamente "a ferro e fogo" que se efetuam as grandes
transformações nos destinos da humanidade [6]. Donde vem esta
triste necessidade? De quem é a culpa?

Pois então o poder da verdade.


Não pode tudo abarcar sobre esta terra?

Não, no momento ainda não tudo! E a razão está na diferença


existente entre os interesses das diferentes classes da sociedade.
Para uma destas classes é útil, e mesmo indispensável, refazer de
certa forma a estrutura das relações sociais. Para outra é
proveitoso, e mesmo indispensável, opor-se a tal refazer. A uns ele

PLEKHANOV| 133
promete felicidade e liberdade; a outros o presságio da abolição de
sua situação privilegiada e mesmo sua supressão enquanto classe
privilegiada. E qual é a classe que não luta por sua existência, que
não tem instinto de conservação. O regime social proveitoso a uma
dada classe lhe parece não apenas justo, mas também o único
possível. Essa classe considera que tentar mudar de regime é
destruir os fundamentos de toda comunidade humana. Ela se
considera chamada a defender estes fundamentos, mesmo que
seja pela força das armas. Donde as "torrentes de sangue", donde
a luta e as violências.

Por outro lado, os socialistas, meditando sobre a


transformação social a vir, podem consolar-se com a idéia de que
quanto mais as doutrinas "subversivas" se difundem, mais a classe
operária será desenvolvida, organizada e disciplinada, menos a
inevitável "catástrofe" necessitará de vítimas.

Ao mesmo tempo, o triunfo do proletariado, colocando fim à


exploração do homem pelo homem e portanto à divisão da
sociedade em classe de exploradores e classe de explorados,
tornará as guerras civis não apenas inúteis mas também
diretamente impossíveis. A humanidade progredirá então
unicamente pelo "poder da verdade" e não terá mais necessidade
do argumento das armas.

134 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO


Notas:

[1] Pourquoi j'ai cessé d'être Révolutionnaire, p. 19.

[2] Que a ciência tenha refutado a doutrina de Cuvier, ainda não


implica que ela tenha demonstrado a impossibilidade, em geral,
das "catástrofes" ou "convulsões" geológicas. Ela não poderia
demonstrar isso, sob o risco de estar em contradição com os
fenômenos geralmente conhecidos, tais como as erupções
vulcânicas, os tremores de terra etc. A tarefa da ciência consistia
em explicar estes fenômenos como produtos da ação cumulativa
de forças da natureza cuja influência, lentamente progressiva, nós
podemos observar a cada instante. Falando em outros termos, a
geologia devia explicar as revoluções que sofre a crosta terrestre
em sua evolução. Uma tarefa semelhante foi enfrentada pela
sociologia que, na pessoa de Hegel e de Marx, a cumpriu com o
mesmo sucesso que a geologia.

[3] Na Rússia, geralmente só se faz uso do termômetro Réaurnur.


(N.T. francês).

[4] Personagem de um drama de Griboiedov. (N . T. francês)

[5] Wissenschaft der Logik, t. 1, p. 313-314. Citamos de acordo com


a edição de 1812, surgida em Nuremberg.

[6] Dado o seu profundo do conhecimento da história, SchIosser


estava disposto a aceitar mesmo as velhas concepções geológicos
de Cuvier. Eis o que ele diz a propósito dos projetos de reforma
concebidos por Turgot e que ainda hoje, suscitam o
enternecimento dos filisteus: "Estes projetos continham todas as

PLEKHANOV| 135
vantagens essenciais adquiridas mais tarde pela França por meio
da Revolução. Estas vantagens podiam ser obtidas unicamente por
uma revolução, pois o ministério Turgot provara, pelos resultados
auferidos, ter um espírito onde a filosofia e a ilusão tinham muito
espaço: a despeito da experiência e da história, ele esperava
transformar unicamente por meio de suas ordens a organização
social que se havia formado no decorrer dos tempos e se mantinha
por sólidos laços. As reformas radicais, tanto na natureza quanto
na história. não são possíveis antes que tudo o que existe tenha sido
aniquilado pelo fogo, o ferro e a destruição". (Histoire du XVIIIe
Siêcle, 2.a edição, São Petersburgo, 1868, t. III, p. 361). Que
admirável fantasista, este sábio alemão! diria M. Tikhomírov.

136 | OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO MARXISMO

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