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Literatura Brasileira III – Álvares de Azevedo e a metapoesia

[01] “Mostra-se Álvares de Azevedo poeta pessoal e subjetivo, como não fora talvez nenhum antes
dele e raros o seriam depois. Impressões da natureza ou de arte não lograva nunca objetivá-las.
Transfundiam-selhe naturalmente em íntimas sensações, por via de regra dolorosas. É neste período,
o primeiro que quase unicamente canta o amor, que fica alheio à natureza que o cerca ou à nação a
que pertence.” (José Veríssimo, História da Literatura Brasileira, p. 201)

[02] “Álvares de Azevedo sofre, como o adolescente, o fascínio do conhecimento e se atira aos
livros com ardor, mas, ao mesmo tempo, é suspenso a cada passo pela obsessão de algo maior, a que
não ousa entregarse: a própria existência, que escorrega entre os dedos inexpertos. [...] Sentiu e
concebeu demais, escreveu em tumulto,sem exercer devidamente o senso crítico, que possuía não
obstante mais vivo do que qualquer poeta romântico, excetuando Gonçalves Dias.(...) E sabemos
que se a obra de um clássico prescinde quase por completo o conhecimento do artista que a criou, a
dos românticos nos arrasta para ele, graças à vocação da confidência e a relativa inferioridade do
verbo ante a insofreada necessidade de expressão. […] Foi o primeiro, quase único antes do
Modernismo, a dar categoria poética ao prosaísmo quotidiano, à roupa suja, ao cachimbo surrento;
não só por exigência da personalidade contraditória, mas como execução de um programa
conscientemente traçado” (Antonio Candido, A formação da Literatura Brasileira, p. 178)

O Editor
A poesia transcrita é de Torquato, Quem não ama o dinheiro? Não me engano
Desse pobre poeta enamorado Se creio que Satã à noite veio
Pelos encantos de Leonora esquiva, Aos ouvidos de Adão adormecido
Copiei-a do próprio manuscrito Na sua hora primeira, murmurar-lhe
E para prova da verdade pura Essa palavra mágica da vida,
Deste prólogo meu, basta que eu diga Que vibra musical em todo o mundo.
Que a letra era um garrancho indecifrável,
Mistura de borrões e linhas tortas. Se houvesse o Deus vintém no Paraíso
Trouxe-me do Arqui. . . lá da lua Eva não se tentava pelas frutas,
E decifrou-ma familiar demônio, Pela rubra maçã não se perdera;
Demais-infelizmente é bem verdade Preferira de certo o louro amante
Que Tasso lastimou-se da penúria Que tine tão suave e é tão macio!
De não ter um ceitil para a candeia. Se não faltasse o tempo a meus trabalhos
Eu mostraria quanto o povo mente
Provo com isso que do mundo todo Quando diz-que a poesia enjeita, odeia
O sol é este Deus indefinível, As moedinhas doiradas.-É mentira!
Ouro, prata, papel, ou mesmo cobre, Desde Homero (que até pedia cobre),
Mais santo do que os Papas-o dinheiro!
Byron no seu Don Juan votou-lhe cantos, Virgílio, Horácio, Calderon, Racine,
Filinto Elísio e Tolentino o sonham, Boileau e o fabuleiro Lafontaine
Foi o Deus de Bocage e d'Aretino, E tantos que melhor de certo fora
Aretino, essa incrível criatura Dos poetas copiar algum catálogo,
Lívida e tenebrosa, impura e bela, Todos a mil e mil por ele vivem,
Sublime e sem pudor, onda de lado, E alguns chegaram a morrer por ele!
Em que do gênio profanou-se a pérola, Eu só peço licença de fazer-vos
Vaso d'ouro que um óxido terrível Uma simples pergunta. Na gaveta
Envenenou de morte, alma poeta Se Camões visse o brilho do dinheiro-
Que tudo profanou com as mãos imundas, Malfilâtre, Gilbert, o altivo Chatterton
E latiu como um cão mordendo um século Se o tivessem nas rotas algibeiras
Acaso blasfemando morreriam?

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