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UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana

DCIS – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas

Bacharelado em Direito - Disciplina: Teoria do Direito II

Profº. MSC Agenor Sampaio Neto

A CRISE DA MODERNIDADE E SEUS REFLEXOS SOBRE


O DIREITO II
1. PÓS-POSITIVISMO E O CULTURALISMO JURÍDICO

 Cultura é tudo que o ser humano acrescenta às coisas.

 Os culturalistas concebem o direito pós-moderno como um objeto criado


pelo homem, dotado de um conteúdo valorativo.

 Existem duas principais correntes culturalistas do direito: O


TRIDIMENSIONALISMO JURÍDICO DE MIGUEL REALE E A TEORIA
EGOLÓGICA DO DIREITO DE CARLOS COSSIO.

1.1 O TRIDIMENSIONALISMO JURÍDICO DE MIGUEL REALE

 Miguel Reale demonstra-nos, situando o direito na região ôntica (relativo


aos seres) dos objetos culturais, que, pela análise fenomenológica da
experiência jurídica, confirmada pelos dados históricos, a estrutura do
direito é tridimensional, vista como o elemento normativo, que disciplina
os comportamentos individuais e coletivos, pressupõe sempre uma dada
situação de fato, referida a determinados valores.

 Se direito é a integração normativa de fatos e valores, ante a triplicidade


dos aspectos do jurídico – fato, valor e norma, não há como separar o
fato da conduta, nem o valor ou finalidade a que a conduta está
relacionada, nem a norma que incide sobre ela.

 Com isso assume, ele, um tridimensionalismo concreto, dinâmico e


dialético (raciocínio metódico), pois fato, valor e norma, como elementos
integrantes do direito, estão em permanente atração polar, já que fato
tende a realizar o valor, mediante a norma.
 Os três pólos entram em conexão mediante uma peculiar dialética
cultural, denominada, por Miguel Reale, dialética da implicação e da
polaridade. Deveras essa dialeticidade conduz à polaridade, visto que dá
igual importância ao fato, ao valor e à norma de implicação das três
dimensões.

 Tal tridimensionalidade ôntica constitui o objeto da ciência jurídica; com


isso conciliou e superou o mestre paulista as intermináveis disputas de
jusnaturalistas, historicistas, sociologistas e normativistas, surgidas
devido à consideração monística e unilateral do direito.
 Assim sendo, o jusfilóso, o sociólogo e o jurista devem estudar o direito
na totalidade de seus elementos constitutivos, visto ser logicamente
inadmissível qualquer pesquisa sobre o direito, que não implique a
consideração concomitante desses três fatores.
 Todavia, é preciso esclarecer que cada qual cuidará mais deste do que
daquele elemento da experiência jurídica, mas sempre determinando o
significado de seu objeto de indagação em função dos outros dois.
Visam, portanto, o filósofo, o sociólogo e o jurista, respectivamente, o
valor, o fato e a norma, em razão dos dois outros fatores inerentes à
juridicidade.

 A ciência jurídica propriamente dita estuda o momento normativo, sem


insular a norma, isto é, não abstrai os fatos e valores presentes e
condicionantes no seu surgimento, nem os fatos e valores
supervenientes ao seu advento.

 A norma deve ser concebida como um modelo jurídico, de estrutura


tridimensional compreensiva ou concreta, em que fatos e valores se
integram segundo normas postas em virtude de um ato concomitante de
escolha e de prescrição (ato decisório) emanado do legislador ou do juiz,
ou resultante das opções costumeiras ou de estipulações fundadas na
autonomia da vontade dos particulares.

 Para Miguel Reale, a ciência do direito é uma ciência histórico-cultural e


compreensivo-normativa, por ter por objeto a experiência social na
medida, enquanto esta normativamente se desenvolve em função de
fatos e valores, para a realização ordenada da convivência humana.
Logo, os modelos do direito ou dogmáticos, elaborados no âmbito da
ciência do direito, são estruturas teórico-compreensivas do significado
dos modelos jurídicos e de suas condições de vigência e de eficácia na
sistemática do ordenamento jurídico.

 Como se vê, na teoria tridimensional de Reale, os elementos essenciais


do direito – fato, valor e norma – são ao mesmo tempo ingredientes
históricos constituintes da experiência jurídica e categorias
epistemológicas.

1.2 TEORIA EGOLÓGICA DO DIREITO DE CARLOS COSSIO

 A TEORIA EGOLÓGICA DO DIREITO se afigura como uma concepção


culturalista defendida pelo jurista argentino Carlos Cossio.
 Segundo o doutrinador, a ciência do direito deve estudar o direito
como um objeto cultural egológico, apresentando, como substrato, a
conduta humana compartida, sobre a qual incidem o sentido dos valores
jurídicos.
 Conforme Cossio, a lei é uma valoração de conduta, corporificando
valores como a justiça, respresentados pela constituição positiva.
 Para a teoria egológica, a ciência jurídica compreende três perspectivas:
 A dogmática jurídica, que se atém ao empirismo científico, buscando
estabelecer a equivalência entre dados normativos contingentes e os
fatos da experiência;
 A lógica prática, voltada para a estruturação do pensamento do jurista,
dentro da lógica do dever-ser, a forma com que a experiência jurídica se
apresenta no conhecimento científico-jurídico;
 A estima jurídica, que procura compreender o sentido da conduta,
fundada em valorações positivas da comunidade e limitada à
materialidade do substrato.
 No plano da axiologia jurídica, Carlos Cossio se propõe a estudar as
características dos valores jurídicos, incluindo justiça. Segundo ele, os
valores jurídicos não devem ser compreendidos como entes ideais, nos
moldes preconizados pela doutrina jusnaturalista, mas como estimativas
de natureza histórico-social, ao projetar as expectativas axiológicas e
teleológicas de uma dada comunidade humana.

2. O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO E O RACIOVITALISMO


JURÍDICO
 O raciovitalismo se apresenta como a vertente do pensamento que se
liga à filosofia da razão vital, preconizada pelo filósofo espanhol Ortega y
Gasset, com amplas repercussões na esfera jurídica.
 Para Ortega y Gasset, a vida humana não tem nada de concluído
 A partir da visão orteganiana de vida humana, Recaséns Siches
enquadra o direito entre os objetos culturais, porque é criado pelo
homem, considerando-o como pedaço de vida humana objetiva.
 Siches procurou conciliar a objetividade dos valores jurídicos com a
historicidade do direito.
 Segundo o autor, se a norma jurídica é um pedaço de vida humana
objetivada, não pode ser uma norma abstrata de moral, de ética,
desligada dos fatos concretos, é um enunciado para a solução de um
problema humano.
 A norma jurídica não pode ser julgada como um fim, mas como um
meio para a consecução de valores concretos, tais como o bem-estar
social, a dignidade, a liberdade e a igualdade.
 A materialização destas estimativas sociais permite a realização da
justiça e, portanto, do direito justo.

3. PÓS POSITIVISMO JURÍDICO E A TÓPICA JURÍDICA


 A tópica pode ser entendida como uma técnica de pensar problemas,
desenvolvida pela retórica.
 O ponto mais importante no exame da tópica constitui a afirmação de
que se trata de uma techne do pensamento que se orienta para o
problema.
 Esta distinção, já cunhada por Aristóteles em sua Ética a Nicômaco,
entre techne e episteme implica em considerar a primeira como o hábito
de produzir por reflexão razoável,
enquanto a segunda seria o hábito de demonstrar a partir das causas
necessárias e últimas, e, portanto, uma ciência.
 Afigura-se como uma técnica do pensamento
problemático, que opera sobre aporias- questões estimulantes e
iniludíveis que designam situações problemáticas insuscetíveis de
eliminação.
 Chama-se de problema ou aporia toda questão que aparentemente
permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um
entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de
questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma
resposta como solução. Se colocamos o acento no sis tema, os
problemas seriam agrupados, de acordo com cada sistema, em solúveis
e insolúveis, e estes últimos seriam desprezados como problemas
aparentes.
 A ênfase no sistema opera, deste modo, uma seleção de problemas. Ao
contrário, se colocamos acento no problema, este busca, por assim
dizer, um sistema que sirva de ajuda para encontrar a solução. A ênfase
no problema opera uma seleção de sistemas.

4. PÓS-POSITIVISMO E A RETÓRICA JURÍDICA

 Chaim Perelman é considerado o fundador e maior o expoente da


Retórica contemporânea.

 Perelman promove a reabilitação filosófica da lógica


argumentativa, marginalizada tanto pelo idealismo platónico, quanto pelo
racionalismo cartesiano.

 Rompendo também com o positivismo lógico de Frege, toma patente a


insuficiência do raciocínio demonstrativo no tratamento dos problemas
linguísticos, bem como a impossibilidade de aplicar uma linguagem
matemática, porque exata e unívoca, para os discursos humanos.
 No domínio especificamente jurídico, a insatisfação de Perelman com a
teoria kelseniana situa-se, basicamente, no âmbito metodológico.
 Não há de sua parte nenhuma reivindicação de um retomo ao direito
natural, mas sim uma reflexão atenta às formas de raciocínio
jurídico.
 Um dos aspectos essenciais desta crítica repousa no papel secundário
atribuído aos princípios gerais do direito.
 Partindo da distinção cunhada por Aristóteles entre o raciocínio dialético,
que versa sobre o verossímil e serve para embasar decisões, e o
raciocínio analítico, que trata do necessário e sustenta demonstrações,
Perelman situa o raciocínio jurídico no primeiro grupo, ressaltando
a sua natureza argumentativa.
 Conforme o jusfilósofo belga, as premissas do raciocínio jurídico não se
apresentam dadas, mas escolhidas. O orador que as elege (o
advogado, o promotor, o juiz ) deve, de início, buscar compartilhá-
las com o seu auditório (tribunal, júri, opinião pública).
 Em seu cotidiano, o operador do direito é instado, pois, a formular
argumentos a fim de convencer o interlocutor da tese sustentada: o
advogado organiza idéias na peça processual (transcreve doutrina, cita
jurisprudência, relata fatos) com o fito de convencer o juiz a decidir em
favor da sua pretensão; o promotor público, no júri, descreve o iter
criminis, com o intuito de despertar nos jurados a certeza de culpa do
acusado; o doutrinador transpira erudição para que a comunidade
jurídica prestigie o seu parecer acerca de um problema jurídico; o
magistrado, ao proferir uma decisão, fundamenta-a para que juízo ad
quem se convença de que a solução encontrada para o caso concreto
foi a mais adequada e justa.
 Na prática da decisão judicial, ao contrário do que propugnavam os
positivistas, são introduzidas noções ético-sociais.
 Para a teoria da argumentação de Perelman, os princípios são
considerados como topoi, aos quais o magistrado pode recorrer como
pontos de partida para a fundamentação da decisão.
 São lugares-comuns do direito, que podem servir de premissas,
compartilhadas pela comunidade jurídica, para o processo
argumentativa de fundamentação das decisões judiciais.
 Segundo Perelman (1998, p.170), conforme a idéia que temos do direito,
por exemplo, o que é juridicamente obrigatório será limitado às leis
positivas e aos costumes reconhecidos, ou então poderemos incluir
precedentes judiciários, lugares-comuns e lugares-específicos, bem
como princípios gerais do direito admitidos por todos os povos
civilizados.
 Daí resulta que não basta ter princípios gerais como ponto inicial de uma
argumentação: é preciso escolhê-los de um modo tal que sejam
aceitos pelo auditório, formulá-los e apresentá-los, interpretá-los,
enfim, para poder adaptá-los ao caso de aplicação pertinente.
 Deste modo, os juristas procuram conciliar as técnicas de raciocínio
jurídico com a justiça e a legitimidade da decisão. Logo, assim como a
matemática orientou o racionalismo clássico, com o advento da Nova
Retórica de Chaím Perelman, também o Direito logrou oferecer uma
metodologia complementar aos saberes que reservam um lugar
importante para a lógica argumentativa.
 Como bem assinala Karl Larenz (1989, p. 206), deve o jurista elaborar
lógica dos juízos de valor, que apresente, como ponto de partida, o
modo como as pessoas raciocinam sobre valores, o que reclama o uso
de uma teoria da argumentação, pelo que se toma evidente o mérito de
Chaim Perelman, ao legitimar
novamente a discussão sobre o conceito de justiça, dentro das
exigências de cientificidade do conhecimento jurídico.
 Neste sentido, é a discussão racional acerca dos valores mais ou menos
aceitos no processo de argumentação jurídica, que constitui o objeto do
conhecimento sobre a justiça, visto que a pesquisa sobre o significado
do direito justo remete a valores histórico-culturais que, por serem
relativos, diferentemente do que propugnava o jusnaturalismo moderno,
sofrem os influxos do tempo e do espaço.
 Como bem refere Perelman (1999, p. 32), embora seja ilusório
enumerar todos os sentidos possíveis de justiça concreta, em face de
todas as proposições acerca do conteúdo do direito justo, propõe o
autor uma síntese das concepções mais correntes, muitas delas de
caráter aparentemente inconciliável. São elas: a cada qual a mesma
coisa; a cada qual segundo seus méritos; a cada qual segundo suas
obras; a cada qual segundo suas necessidades; a cada qual segundo a
sua posição; e a cada qual segundo o que a lei atribui.
 Para Perelman, deve-se investigar ainda o que há de comum entre
estas concepções de justiça mais correntes. Somente assim, afigura-
se possível determinar uma fórmula de justiça sobre a qual será
realizável um acordo prévio e unânime.
 A noção comum constitui uma definição da justiça formal ou abstrata,
enquanto cada fórmula particular ou concreta da justiça já examinada
consubstancia um dos inumeráveis valores da justiça formal.

REFERÊNCIAS:

 SOARES, Ricardo Maurício Freire. Curso de introdução ao estudo do


direito. Salvador: JusPodivm, 2009.

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