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Meditações pelo método de Ramana Maharishi – por A.R.

Natarajan

(Tradução do original em inglês por Aruna Chela)

Introdução

O que é que existe entre nós e a paz e felicidade que buscamos? É a nossa inabilidade
de controlar o fluxo de pensamentos que continua brotando, tal como fazem os vegetais na
primavera. Somos incapazes de eliminar os pensamentos e nos tornarmos conscientemente
livres deles. O estado livre de pensamentos permanece fora de nossa experiência e é portanto
temido por nós. O que queremos realmente é, apenas, uma liberação parcial dos
pensamentos. Queremos nos livrar dos pensamentos “indesejáveis”, enquanto aderimos
àqueles que escolhemos como “agradáveis”. Isto será possível? Ou existirá uma solução mais
radical que livrará a mente dos pensamentos e ao mesmo tempo aumentará o poder de pensar
quando assim for necessário?
Para o controle da mente o método de Ramana da auto-indagação (Quem sou eu?),
uma indagação na natureza da mente, é o mais efetivo. O controle que o método confere nos
conduz a uma vida realmente bela, a qual até então se achava oculta para nós. A estrutura
teórica da auto-indagação acha-se explanada com clareza nas obras de Ramana: O “Upadesa
Undiyar” e o “Ulladu-narpadu”. Mas para uma compreensão mais apropriada do seu
conteúdo prático, a pessoa deve consultar os “Diálogos” com Ramana. Felizmente estes
últimos foram registrados desde o seu início. Refletindo e meditando exclusivamente sobre
esse material podemos esclarecer as dúvidas e ajudar a transpor as dificuldades que se
apresentarem. “Manana”, ou seja, a contemplação no significado e implicações práticas das
palavras das escrituras, ou mesmo um satguru, constituem métodos consagrados que
compõem a penúltima etapa. Eles levam à interiorização, a qual, por sua vez, conduz à
experiência da beatitude; alegria que independe das circunstâncias.
As “meditações” foram publicadas no periódico “O método de Ramana”. As citações
foram selecionadas tendo em vista o problema costumeiro da heterogeneidade dos eleitores.
De modo particular a mente foi o foco da atenção, pois somos feitos ou desfigurados por ela.
É pensamento geral que no intuito de solucionar os problemas da mente a pessoa deve
procurar psicólogos, adeptos de Freud, ou outros. Mas as soluções que se acham no interior
da mente, embora efetivas num dado momento, são incapazes de produzir resultados
duráveis. A mente acha-se predestinada a jogar o jogo do esconde-esconde. Ela está sempre
pronta a mostrar seus truques de maneira inesperada e nos ludibriar.
Se, entretanto, a pessoa buscar a raiz do problema e inquirir sobre a natureza da mente,
seus apegos sutis tornam-se inconseqüentes.
Ver-se-à, então, que não existe qualquer entidade separada que possa ser identificada
como mente. Se os pensamentos não estão presentes, onde está a mente? Como Ramana,
jocosamente, disse a um devoto: “Será que a mente tem uma forma? Será que tem um
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bigode e uma barba?”. Uma vez que isto fique entendido e a auto-indagação se iniciar nos
moldes da lúcida orientação de Ramana, a mente se tornará naturalmente calma. Será ao
mesmo tempo pacífica e vibrante. Há outros problemas que nos preocupam: será o trabalho
apenas um fardo pesado? Como a sabedoria o encara? Como se encaixa a meditação durante
o horário de trabalho? Quando termina o esforço e se inicia a graça? A pessoa deve orar ou
não? E, se orar, deverá ser com que objetivo? Será que as “visões e sonhos” ajudam? Quando
realmente obteremos resultados? Esta transformação e essa promessa de felicidade resultante
da vida espiritual se constituirão numa espera interminável? A vida se extinguirá com a morte
física ou ela continuará depois disso? Todos esses temas foram abordados neste livro. É claro
que todos eles tiveram a luz de Ramana.

A.R. Natarajan
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Sumário

Primeira parte

páginas

A experiência...................................................................................... 04
Luz e sombra...................................................................................... 05
O caminho direto............................................................................... 07
A mente calma ................................................................................... 09
Para que você veio para aqui?.............................................................. 11
Quem é o meditador?.......................................................................... 13
Deixe de se importar com a libertação................................................ 15
O poder da mente ................................................................................ 17
O esforço é seu .................................................................................... 19
Desvenda a graça ................................................................................. 20
Convivência com os sábios ................................................................. 22
Deixe que a prática faça seu trabalho .................................................. 24
Pode a pessoa meditar durante todo o tempo? .................................... 26
Tudo é adoração .................................................................................. 28
Será somente um trabalho de cozinha? ............................................... 30
Qual a razão da vida? .......................................................................... 32
Os deslumbradores da mente .............................................................. 34
O progresso do peregrino ................................................................... 36
Devemos rezar? .................................................................................. 38
Sonhos ................................................................................................ 40
A vida pode se extinguir? ................................................................... 42
Somos livres? ..................................................................................... 44
Pensamentos e felicidade ................................................................... 46
Quem disse que o guru é desnecessário? ........................................... 48

Parte II

Viagem ao interior ............................................................................. 50


A presença ......................................................................................... 52
Deixe surgir um exército de pensamentos ......................................... 55
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A experiência

“Sim, experiência é a palavra. O conhecimento implica em sujeito e objeto. Mas a


experiência não termina, é eterna.” (Diálogos com Ramana).
A experiência sobre a qual se refere o texto acima é a do estado natural, o estado de
bem-aventurança. Esta bem-aventurança nos é inerente e não depende de outras situações da
vida. O pouco que se conhece dela é empréstimo e está baseada na autoridade das escrituras.
As escrituras são claras neste ponto ao afirmar que nossa real natureza é eterna, pura e
é a única felicidade. Nós cremos que isso é verdade, entretanto o fundamento da fé não é
produto da experiência de cada um e, sob tensão, é certo que cairá como um baralho posto
em pé. É por isso que Ramana é categórico neste ponto ao afirmar que somente a experiência
é que importa, pois a dúvida sempre se estabelecerá e perturbará a fé, destruindo a fábrica do
edifício construído sobre conceitos. A pessoa tem, portanto, de aprender a se tornar
consciente desta bem-aventurança, cuja percepção a levará à introspecção, ao imo do coração
de cada um.
Neste caso devemos estar seguros num ponto, a experiência de que falamos difere
daquela que estamos acostumados. A que conhecemos refere-se à felicidade que provém do
contato com um objeto ou com a relação nascida da identificação. Na experiência do estado
natural existe apenas a experiência, pois somente o sujeito está presente. Esta percepção é
única e indivisível. Esta unidade de percepção é total em sua amplitude. É de uma dimensão
totalmente diferente. Todavia é nossa. Portanto é esta experiência para a qual somos sempre
atraídos por um impulso interior e estamos certos de que a descobriremos; tão certos como o
rio encontrará o oceano. Mas frequentemente desviamos-nos para outras pastagens,
arrastados por nosso passado, compelidos por aquilo que tomamos como meios para atingir a
felicidade.
A pessoa tem que se lembrar que qualquer experiência é possível somente na extensão
daquilo que se criou condições para tal. O espaço mental se cria ao se remover a carga do
passado. Toda vida se renova ao se alijar do passado. As árvores que se acham totalmente
desfolhadas no inverno, enchem-se de rica folhagem verde no verão. Por quê? Simplesmente
por que as folhas mortas caíram para dar lugar à vida exuberante através das folhas frescas.
Por que nos apegamos ao passado, às memórias das experiências que vieram e foram
que não tem significado quando terminaram? Por que ficamos tão amedrontados pelo fato de
vivermos totalmente no presente, se nos afastarmos dele ao dirigir a atenção ao passado e ao
futuro?
A resposta parece clara. Temos medo de perder o que sabemos em troca daquilo que
ignoramos. A experiência das alegrias e tristezas provenientes da mente exteriorizada acha-se
em nosso campo de conhecimento. Conhecemos muito pouco sobre a extensão e
profundidade de uma mente firmemente ancorada em sua raiz, de uma vida onde a mente se
acha mergulhada no coração. É precisamente aqui que o Satguru Ramana se situa. Tendo
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assumido a forma humana, ele dirigiu corretamente sua mente para o interior por meio do
poder de seu sólido conhecimento. Muitos viriam a sua presença com as mentes excitadas,
apenas por necessitar, urgentemente, de paz e descansar a mente. Isto poderia acontecer
durante a noite, após a recitação dos Vedas quando o poder do silêncio de Ramana se
irradiava ou simplesmente acontecia por meio de um furtivo olhar do mestre.
Infelizmente jamais permitiremos que ele faça todo serviço. A mente amedrontada
enviará seu SOS Como Ramana declarou ao Major Chadwick, enquanto a pessoa não tem
um conhecimento melhor, enquanto se é inconsciente da experiência da vida unitária, o medo
certamente mostrará sua presença. A solução mais evidente é o uso do remédio que consiste
em mergulhar no seu íntimo permitindo que se saboreie uma vida de real doçura.
Alguns se queixam de que a experiência que tiveram na presença do mestre durou
apenas poucos dias ou no máximo um par de meses após terem retornado a sua rotina
habitual. Ramana não os encorajava neste tipo de idéia, por que o que é natural é capaz de
ser encontrado onde quer que se esteja. O que se requer é a prática. Prática persistente,
prática incansável, que expressará a medida de nossa fé nas palavras do Satguru Ramana.
Ele encorajaria ao lembrar de modo gentil à universalidade de sua presença, ele acentuaria
que “os pés de Bhagavan acham-se em toda parte e onde você os encontraria a não ser a
seus pés?”. Ele daria uma mensagem como fez à senhora Merston esclarecendo que ela
levaria o mestre em seu coração mesmo que se ausentasse do Ramanashram e voltasse para
Londres. O que ele disse para ela é igualmente válido para cada um de nós.
Sendo o “vigilante do céu” suas mãos abertas estão disponíveis para sustentar a
constância da prática.
Mas existe o problema da intermitência em relação à experiência da mente
introvertida, por causa da inabilidade para interiorizá-la de modo firme, esta torna a se
exteriorizar.
O problema referente ao extravio da mente, entretanto, não deve nos perturbar, uma
vez que a experiência de permanecer interiorizado é sentida, tudo o mais se torna
insignificante. A pessoa é inclinada a retornar à interiorização face à alegria proporcionada
pela auto-indagação, ou perceber por si, mesma, o que é descrito e elaborado nas escrituras.
Se a pessoa está preparada a se tornar “alimento” do Satguru, a perceber a amplitude da
consciência, então nada pode impedir a perda da individualidade e a descoberta do universal.
A afirmação das escrituras de que a felicidade é o substrato de toda a vida torna-se uma
realidade. A pessoa fica sempre mergulhada na bem aventurança.

Luz e Sombra

Mente o que é mente? É uma mistura de “chith” (inteligência) e “sankalpas”


(pensamentos), portanto forma tudo isso: o espelho, a treva e os reflexos (Diálogos com
Ramana).
De maio de 1935 a abril de 1939, que é o período que se acha nos diálogos, muitas
pessoas recorreram ao Maharshi a fim de saciar sua sede espiritual. Alguns renunciaram ao
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lar, vestiram a manta ocre a fim de buscar unicamente a verdade, outros eram eruditos
bacharéis, verdadeiras autoridades nas sagradas escrituras, enquanto outros eram pais de
família absorvidos na rotina diária e envolvidos nas preocupações intermináveis da vida
familiar. Havia, também, pessoas simples, camponeses, pastores, ingênuos e inocentes, mas
via-se uma linha comum em todas essas perguntas durante esses cinco anos. E o problema
mais importante e comum que parecia incomodar a pessoa dizia respeito a como controlar a
mente. Esta preocupação surge face ao fracasso em obter um domínio sobre a mente, após
anos de prática. A batalha a fim de fixar um único pensamento parece tão difícil se não mais
difícil do que a luta pela vida com todas as suas cicatrizes e ferimentos.
A resposta de Ramana dependia do questionador, pois aquilo que a pessoa deveria
pensar seriamente, e o que deveria praticar, estava na dependência de sua bagagem individual
e de seu amadurecimento espiritual. Um dos métodos poderia ser fácil para uma pessoa e
outro para outra pessoa. Aqueles que se inclinavam para assuntos de reforma e trabalho
social Ramana a recomendava, mas sempre sublinhando que deveria ser executado de modo
inegoísta.
Neste caso a mente tornar-se-ia pura e pronta para dedicar-se à meta espiritual. Aqueles
que acreditavam na eficácia do sagrado nome de Deus, Ramana costumava ler a história de
Namdev ou narrava à lenda de Turakam, cujo corpo todo cantou o nome de Rama quando foi
forçado a se calar. Um simples camponês dotado de fé inquebrantável poderia ser instruído a
repetir o nome sagrado: “Shiva”, “Shiva”.
Ramana não só esclarecia as dúvidas dos eruditos, mas também os lembraria que toda
leitura em última análise representa desconhecimento, uma vez que a verdade transcende
todos os pares de opostos. Assim cada pessoa era, gentilmente, conduzida no caminho sem
que se interferisse em sua fé mas, ao mesmo tempo, seria orientada para o mergulho em seu
interior.
Ramana jamais se omitia em enfatizar que a última maneira de obter o controle da
mente era compreendê-la. O caminho direto consiste em descobrir sua natureza. Ao se
praticar a auto-indagação junto à fonte da mente, a verdade é revelada. Tendo dito isto,
Ramana não permite que a pessoa procure adivinhar ou conjecturar a respeito do que é a
mente e envolver-se num mundo de conceitos. Ao se refletir sobre a luz emanada de Ramana
em relação à mente, a pessoa conclui que o que se pode dizer é que consiste em dois tipos de
pensamento: o “eu-pensamento” e “outros pensamentos”.
O “eu-pensamento”, o sentido de individualidade, reflete a consciência ou inteligência,
pois brota da fonte da consciência, o coração. É “chith”, inteligência, a porção luminosa da
mente referida por Ramana a respeito do que estamos tratando.
Os “outros pensamentos”, entretanto, são na realidade as impressões do passado que
tentam se fixar atraindo a atenção da pessoa, eles constituem o lado obscuro da mente.
O primeiro passo deverá ser então o de se aprender a separar a consciência do eu-
pensamento da referente aos outros pensamentos, isto se obtém quando a atenção da mente
não é dirigida a outros pensamentos. Estes últimos não podem sobreviver na ausência desta
atenção.
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O melhor é manter constantemente este propósito em mente. A obtenção do controle


mental culmina com a utilização total do poder dinâmico da mente.
É a única energia que nos é disponível e operaremos com ela durante o estado de
vigília. Entretanto somos incapazes de operá-la em todo seu potencial porque a energia da
mente é gasta e desperdiçada em conseqüência dos infindáveis pensamentos. Há muitos
pensamentos que não desejamos, mas, pelo fato de termos dado atenção a eles no passado,
sua tendência ainda persiste. Além disso, somos frequentemente indulgentes em relação a
pensamentos que ás vezes nos induzem a ações, as quais, por sua vez, nos despertam
sentimentos de culpa e remorso. O pensamento que se deseja atrai o pensamento que não se
quer. Assim a solução consiste em encontrar uma técnica, um método, que nos livre do
ataque dos pensamentos que não pretendemos entreter.
Embora tal desejo seja apenas natural, há uma falácia em desprezar certos pensamentos
e, ao menos tempo, aderir a outros, por isso Ramana rotula todos os pensamentos como algo
lastimável. Todos estão no mesmo nível. A tentativa de escolher uns pensamentos e não
outros nos levará ao problema de fixar uns e evitar outros. Esses esforços são fadados ao
fracasso por que estamos martelando em vão sobre o que pode ser considerada a parte não
consciente da mente atuando sobre pensamentos são inerentes ao Eu-pensamento. O esforço
será mal dirigido e deverá ser orientado para o interior, junto à consciência do Eu-
pensamento.
A respeito disso Ramana adverte ao pensador que em relação aos pensamentos, bons,
maus ou indiferentes deve ser dado o mesmo tratamento, a mesma indiferença, a mesma
desatenção. O lugar dos pensamentos é a lixeira, pois pertencem a um monte de lixo.
Por que dar-lhes vida? Porque deixar que eles brotem ao permitir que a parte
consciente da mente se fixe neles?
Uma vez que a atenção exclusiva do pensador é tudo o que importa, a pessoa deve
necessariamente aprender os meios através dos quais pode fixar a parte consciente da mente.
Quando a pessoa indaga junto à fonte deste sentido de individualidade, a mente adquire força
para permanecer interiorizada. Como resultado disso, refletirá a consciência em toda sua
pujança. Assim a obscuridade da mente sob a forma de pensamentos que são puramente
psicológicos e destituídos de necessidade funcional, será dissipada. A pura luz da mente
assim liberta estará capacitada a exercer qualquer atividade com perfeição.

O Caminho Direto

Discípulo – é difícil eliminar a mente, a mesma dificuldade é sentida por todos.


Maharashi – mente ego, intelecto são todos diferentes nomes do mesmo órgão interno.
A mente é um agregado de pensamentos. Os pensamentos não podem existir sem o ego.
Assim todos os pensamentos são difundidos pelo ego. Procure de onde surge o “Eu” e os
outros pensamentos desaparecerão (Diálogos com Ramana).
Nossa mente está tão acostumada aos pensamentos dualísticos – relação entre sujeito e
objeto - que fica confusa quando a atenção se fixa numa só coisa. Quando tem que lidar com
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um todo amorfo, a mente, que consiste em inumeráveis pensamentos competindo ou se


complementando entre si, leva a pessoa a ficar frustrada. Esta é a conseqüência lógica dos
esforços a fim de erradicar uns poucos pensamentos, ou grupos deles, considerados
indesejáveis, enquanto se cultiva outros pensamentos qualificados como desejáveis. O
conflito surge por que a diferença entre aquilo que é agradável e o que não é varia de acordo
com o ideal e a realidade das inclinações de cada um. Estas tentativas, entretanto, equivalem
a tentar secar a água do oceano com uma concha. Enquanto os rios desaguarem no oceano,
poderá este secar? Do mesmo modo enquanto existir ação impulsionada pelo desejo deixando
impressões na memória, os pensamentos alimentarão firmemente a totalidade dos outros
pensamentos denominados de mente. O fluxo de pensamentos será perene como as águas do
Ganges. A questão surgirá, então, se a abordagem atual no intuito de atingir um estado livre
de pensamentos deve ser mudada.
Ramana gostaria que mantivéssemos os pensamentos bem longe e sugere os meios
para consegui-lo. Como primeiro e necessário passo ele nos pede que examinemos a
atmosfera e o meio no qual florescem os pensamentos. Como são incrementados os
pensamentos? Qual o melhor meio para minguar os pensamentos?
Tendo estabelecido estas questões, Ramana enfatiza que a mente é nutrida pelos novos
pensamentos que surgem. Assim nossa tentativa deve ser a de prevenir o aparecimento de
pensamentos e tornar impotente o vasto e aparentemente invencível mundo dos pensamentos.
A primeira questão apresenta automaticamente a próxima questão e indaga o que é que
dá vida aos pensamentos. A experiência nos indica que é a atenção a eles prestada pelo
indivíduo o que importa. Se a atenção da pessoa não é dirigida para um pensamento, este não
pode surgir. Pessoas que moram próximo às ferrovias ou aeroportos são infensas ao barulho
dos trens e ao pouso dos aviões, por que são capazes de se isolar dos ruídos, ignorando-os.
Uma criança absorta ao assistir a um desenho animado, ou outra vendo uma partida de
cricket ou um seriado na TV, acha-se totalmente inconsciente de tudo ao seu redor, pois sua
atenção está ligada exclusivamente naquilo que presentemente a interessa. Vários exemplos
como estes podem ilustrar este fato. Desse modo, fica estabelecido que as tendências latentes
possam surgir na arena do pensamento somente quando o indivíduo presta-lhes atenção. De
outro modo permaneceriam adormecidas enquanto os “outros pensamentos” dependem do
“eu-pensamento” para seu sustento. O “eu-pensamento”, por sua vez, deriva seu poder da
fonte da consciência. Ramana explicou no “Ramana Guita” o processo através do qual a
consciência se irradia a partir do coração em direção à mente e por intermédio dela para o
corpo. A consciência se irradia através dos vários “nadis” do coração por meio da mente,
para o corpo. Num primeiro estágio tão logo a consciência surge é livre, mas é limitada,
apenas, por que se identifica com a própria corrente individual como “eu sou isto”. A
corrente geral “eu sou” de início se liga à corrente individual e a seguir passa a alimentar
outros pensamentos. Sobre este particular Ramana sugere então que devemos reverter o
processo. O movimento inverso será do pensamento para o pensador e depois do pensador
para a consciência e de volta ao coração. Este processo de introspecção da mente a levará à
zona magnética da plena consciência que irradia a luz do coração. A pessoa deve permanecer
nesta fonte. Para isso tão logo a consciência surja e se misture com a limitada corrente
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individual deverá ser trazida de volta à sua rota, antes que uma posterior conceituação se
forme.
A simplicidade do método da Ramana parece desconcertante. Uns se intrigam com o
fato de que todo um mundo de pensamentos trazidos através de vidas e mais vidas e
armazenados na memória possam ser refugados. Outros dirão imediatamente que não é difícil
como pode parecer. Se a pessoa não é fraca e não esmorece no caminho, a auto-indagação
fará seu trabalho purificador. Assim, vemos Ramana encorajando as pessoas a continuar no
caminho. Quando um devoto se queixava que as distrações tornavam esta auto-indagação
impossível, ele lhes dizia: “pratique e verá que não é tão difícil”. À outra pessoa ele disse:
“muitos foram bem sucedidos por que acreditaram que poderiam sê-lo”. Ainda a outro
admoestava: ”vá além da distração ao questionar a quem ocorre à distração”. O aumento da
pureza acontece de maneira firme, embora não se dê conta. O todo persuasivo ego será
substituído pela toda envolvente consciência.
Uma questão relacionada a isso e que deve ser meditada refere-se à natureza do estado
livre de pensamentos sobre o qual estamos trabalhando. Que acontece ao mundo que
conhecemos se optamos por este estado e nos dedicamos de todo coração a uma vida
interior? A resposta é que a opção é indubitavelmente a melhor. Ser livre de pensamentos não
é estar embotado, não é perder a capacidade de uma vida criativa. Do que estaremos livres é
da tirania dos pensamentos, do incessante tormento dos pensamentos.
Quando surgir uma situação que requeira pensamentos eles aparecerão, quando
terminar essa necessidade este capítulo será encerrado. Em outras palavras, é a continuidade
dos pensamentos que chegam a um fim. Liberados da auto imposição da individualidade
podemos viver livres no mundo.

A mente Calma

Discípulo: - Quanto tempo a mente pode fixar-se no coração ou manter-se nele?


Maharshi: - Durante o período da prática.
Discípulo: - E o que é que acontece quando termina?
Maharshi: - A unidade no coração é substituída pela variedade de fenômenos
percebidos. Esta é a mente exteriorizada. A mente que permanece no coração é denominada
mente calma. (Diálogos)
É natural que a pessoa deva saber o que acontece quando termina a jornada. Em que
modo a vida da pessoa será diferente? Como funcionará a mente? Será que todas as antigas
loucuras e fantasias estarão afastadas de nós? Como a pessoa atinge à meta ansiada?
Estas são algumas dúvidas iniciais, além de outras que poderão surgir.
Paz e silêncio exprimem nossa natureza. Todo nosso esforço espiritual visa cortar
sistematicamente pela raiz os obstáculos que impedem nossa permanência nesse estado. O
problema básico é a superposição da individualidade limitada sobre a consciência, a qual é
plena e livre. É a mente que desvia a pessoa e cria a ilusão da existência separada.
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Tal mente está sempre procurando a felicidade no mundo exterior. Em contraste,


quando a mente aprende a sentir a alegria interior passará automaticamente a voltar-se para
dentro, onde tal felicidade poderá ser experimentada.
A vida espiritual é, portanto, uma questão de criar uma ponte entre a atual tendência da
mente em se agitar constantemente, em buscar o prazer dos sentidos, e seu estado de repouso
interior. Ou, alguém poderá dizer que o problema é mudar a vida atual, baseada na mente,
para a vida ancorada no coração.
Ramana explica a respeito disso que a unidade é a indicação da mente calma no
coração. Não que a variedade não seja percebida, mas simplesmente sua multiplicidade
confusa e sua natureza enganosa não impedem a pessoa de ser consciente da unidade
essencial de toda vida. A pessoa vê o papel sobre o qual as palavras se acham impressas. O
ouro é visto, e não apenas admirado, na beleza e habilidade do artista em modelar os
diferentes adornos obtidos com ele. O açúcar é visto nas bonecas feitas de açúcar e não nas
belas formas que apresentam e assim por diante. A atenção não se prende às formas razão
porque é impossível ver o panorama geral. Contrapondo-se a mente exteriorizada vê apenas
diferença, variedade infindável variação e se perde nela, se distrai por uma coisa ou outra que
lhe cause fascínio. Certamente, tal como uma criança se interessa por diferentes brinquedos
por pequeno espaço de tempo. Quanto menos a mente torna-se consciente do que representa
permanecer interiorizada, mais se tornará vítima de mil e uma distrações.
Alguém poderá dizer que o controle das distrações é o que temos que aprender se
quisermos obter algum progresso em direção ao coração.
O método de Ramana é certamente o de fixar aquele que é distraído. Ao focalizar a
atenção no centro da distração a pessoa está apta a sitiar a fortaleza das suas tendências, à
medida que cada pensamento surja. A questão é perguntar a quem estes ocorreram afim de
pô-los em fuga. Se a pessoa aguarda com atenção ao aparecimento do próximo inimigo este
poderá ser atacado da mesma forma. O gradual e contínuo fortalecimento da mente capacita
a pessoa, pouco a pouco, a permanecer sem distração e a voltar à sua fonte. Ramana
compara o progresso ao cerco da fortaleza do inimigo que se conquista ao eliminar um por
um seus elementos à medida que saem dela.
Embora a auto-vigilância não seja mera negação dos pensamentos, iniciá-la na prática
frequentemente significa questionar cada pensamento à medida que surge com objetivo de
negar a ele o poder de desviar a pessoa do seu Eu.
Neste processo de voltar para o coração, a pessoa é bem-vinda e deve utilizar qualquer
simples arma de seu arsenal para tanto.
A meta é por demais importante para deixá-la escapar em conseqüência dos nossos
desleixos e preconceitos. Inicialmente, ou quando a mente é fraca, é bom se praticar a
vigilância da respiração. É o que Ramana chama de “sedativo natural”. Quando a atenção se
fixa na respiração, na vida-energia, a mente não tem meios para correr atrás dos objetos
externos de sua preferência. A vantagem que se ganha é utilizada inteiramente no sentido de
empurrar a mente para o interior. Bem, se a palavra é importante para você, se o livro sobre a
vida do Sadguru Ramana ou seus ensinamentos servirem para unidirecioná-lo, use-os. Ou se
o som da música ou ritmo da dança que cerca Ramana, também servirem, use-os.
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Permanecer interiorizado é o que importa e para isso qualquer caminho, ou melhor, ainda,
uma combinação de caminhos é útil. Isto por que somente o céu sabe a peculiaridade de cada
mente humana e a variedade de suas naturais inclinações.
A pessoa deverá ter um forte desejo de se fixar no coração e sentir necessidade dele,
tão intensamente quanto uma criança anseia pela barra da saia da mãe. O poder do desejo
deve ser a força motivadora que porá um fim, de um só golpe, a todas as disputas e restrições
sobre se um ou outro caminho é o correto.
Se a pessoa se fixa no interior e se é capaz de lá permanecer por muitos e muitos
períodos, então pode estar segura de estar palmilhando o caminho correto. Então Ramana é
realmente o verdadeiro timoneiro.

Para que você veio para aqui?

Um homem idoso originário de Ananthapur (Índia), após ouvir a recitação dos vedas,
no salão do Ashram, levantou-se e perguntou: - “É dito que os não Brâmanes não deviam
ouvir a recitação dos vedas”.
Maharshi: - preocupe-se com você mesmo. Atente para o que veio fazer aqui. Por que
perder seu tempo nestas questões. “Eu ouvi o recital”, você diz. Quem é este “eu”? Sem
conhecer o “eu” você está usando a palavra. Se o seu significado for conhecido não haverá
dúvida. Busque o “Eu” primeiro e depois poderá falar sobre outros assuntos.
No Sri Ramanasramam, tanto pela manhã como ao anoitecer, há recitação dos vedas
no salão em presença de Bhagavan. A exaltada atmosfera por ela criada era útil a todos os
discípulos. Mesmo assim este visitante ortodoxo achou por bem levantar uma objeção,
esquecendo-se do propósito a que tinha vindo ao Sri Ramanasramam. Entretanto a dúvida
por ele suscitada é um fato pouco usual, antes mostra a maneira típica de como funciona
nossa mente.
Nos “Diálogos” encontramos umas poucas ocasiões dessas perdas de tempo
anunciadas como “Sadhana”. Isto é mais um desses fatos a lastimar, uma vez que as pessoas
vêm em busca da santificada presença de Sri Ramana e de fato mostram-se muito sérios no
tocante à busca da verdade.
Todavia algumas permitiram que sua atenção fosse desviada do objetivo para o qual
vieram e falharam em se fixar nas coisas importantes em lugar de se concentrar a fim de
descobrir a utilidade da própria descoberta do “Eu” e erradicar a falsa idéia de que se é um
nome e uma forma particular. A sua atenção é desviada para assuntos que não têm relevância
direta ou indireta para a busca espiritual. Uma revisão no emaranhado de dúvidas surgidas no
passar dos anos será útil para esclarecer isso. Dois devotos reunidos no salão de reuniões do
Ashram mostravam-se exaltados em relação à morte do rei Jorge V. Eles iniciaram uma
discussão ignorando a presença da Ramana e dos outros devotos. O rei Jorge na verdade não
era parente deles e nem eles estavam ligados ao rei por fortes laços de intimidade, contudo,
na sagrada presença do mestre, estavam desperdiçando tempo até que este, gentilmente, os
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desviou da discussão dizendo: - “Que é para vocês quem morre ou se perde? Morram e se
percam, tornem-se uma unidade com o amor”.
Frequentemente os devotos indagavam à Ramana para saber o que acontecia com o
corpo do Jnani após a morte, pois seu desaparecimento do olhar dos discípulos é possível
como se divulgou ter acontecido com os mestres Vasistha e Viswamitra. Ramana teria então
perguntado: -”isto é o principal objeto do seu interesse? Por que se preocupar com o assuntos
alheios à vida espiritual? Vocês não são o corpo. Que importa se o corpo aparece ou
desaparece de uma maneira ou de outra”? De igual modo muitos discípulos se locupletavam
com ensinamentos livrescos e iniciavam discussões sobre a validade dos vários pontos de
vista existentes nos diferentes textos. Ramana jamais aprovava que se discutisse sobre
dúvidas que fossem meramente de ordem intelectual e que não fossem pertinentes à prática
espiritual dos discípulos, pois não haveria mais fim nas polêmicas. Como Ramana certa vez
acentuou “o autor do Vrittiprabhakara” declara que estudou trezentos e cinqüenta mil livros,
antes de escrever a obra. Qual é a utilidade disso? Poderiam eles conduzir à realização do
Eu? O “Vichara Sangraha” é prenhe de lógica e termos técnicos, será que estes pesados
volumes têm alguma serventia? Uma outra diversão preferida pelos devotos relacionava-se a
seu interesse pelo passado. Queriam saber ser era possível saber a respeito do passado e
também sobre os acontecimentos futuros e se era possível predizê-los. Os indagadores não
parariam para pensar quão fútil é desenterrar as cinzas do passado ou mirar na bola de cristal
para prever o futuro. Isto por que tal interesse apenas faz distrair a atenção do presente que é
o que interessa. Quando alguém perguntou a Ramana sobre o relato de Paul Brunton em seu
livro “Uma Hermida nos Himalaias”; no qual conta que os sábios daquele lugar podiam se
lembrar das encarnações passadas, o mestre obtemperou: ”O fardo do passado origina a
miséria do presente”. É a memória – Vasanas – que ocasionaram este renascimento e é a raiz
da divisão da mente, seus embates e aflições.
O objetivo da auto-indagação é precisamente cortar estas tendências pela raiz. É
estranho que os desvios do caminho espiritual pareçam exercer maior atração para nós do que
a real vereda da auto-indagação.
Aquilo sobre o qual estamos tratando refere-se à tirania dos pensamentos sem
propósito. A menos que os pensamentos sejam contidos num feixe apertado, a mente
continuará voando de um pensamento para outro. É inútil por que eles não orientam a mente
a se direcionar numa só corrente de pensamento. Se algum progresso deve ser feito no
caminho espiritual, não existe outra alternativa, a não ser eliminar este desperdício. Isto será
possível se permanecermos alerta contra o interesse em assuntos estranhos os quais estão
constantemente minando nossa dedicação à auto-indagação. No início, é claro, existe um
trabalho, aparentemente interminável, de rejeitar os pensamentos e fixar atenção no “eu”. A
analogia que Ramana deu a seu atendente Rangaswami elucidou claramente este assunto.
Havia um ninho de esquilos no teto logo acima do divã de Bhagavan, um gato havia comido
a mãe dos pequenos esquilos e por isso o mestre assumiu a responsabilidade de zelar por
eles. Ele disse: - estes pequeninos não sabem que a sabedoria é permanecer no ninho. Todo
problema está fora dele, mesmo assim não conseguem lá permanecer. Do mesmo modo se a
mente não se exterioriza, mas permanece mergulhada no coração haverá felicidade. Quando
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Rangaswami indagou a Ramana qual o meio de se obter isso, este retrucou: - “é exatamente
o mesmo que estou fazendo agora, cada vez que um pequeno esquilo sai do ninho eu o
recoloco lá, até que ele realiza que a felicidade reside em permanecer nele”.
Á medida que a pessoa aprende a fixar mais e mais a atenção no “Eu” não será
necessário se preocupar com os pensamentos. A mente fortalecida pela auto-indagação (quem
sou eu?) se interiorizará rapidamente. Assim, essas questões periféricas relativas a assuntos
redundantes e de seco intelectualismo cairão por terra como fruta madura de uma árvore. A
meditação será, então, de puro gozo. De início o tempo que se reservará para isso será o dos
intervalos ociosos, depois o do horário de trabalho, até que todo o tempo se torne tempo
meditativo.

Quem é o Meditador?

Discípulo: no que devemos meditar?


Bhagavan: quem é o meditador? Faça a pergunta, primeiro, permaneça como o meditador.
Não há necessidade de meditar.
A palavra meditação passou a significar coisas diferentes para pessoas distintas. A
corrida intempestiva para centros de meditação e para seu aprendizado mostra que pessoas
acreditam que sua prática é um meio de se livrar das tristezas e tensões do dia-a-dia. Como
geralmente se entende, a meditação significa contemplação exclusiva numa forma sagrada,
seja nome, som ou ambos em certa medida. Pretende-se que este simples pensamento
dirigido propiciará á pessoa a obter paz na mente, progredir espiritualmente e finalmente ver-
se livre das amarras do karma.
A meditação é algo mental: o meditador e seus pensamentos. As pessoas que se
engajam no caminho espiritual são sérias e frequentemente aplicadas em suas práticas
meditativas. Mesmo assim os frutos da meditação parecem ser enganosos por que não existe
diminuição do desapego, nem aquela paz profunda da mente que tornam a vida harmoniosa e
feliz. A pessoa deve examinar por que se depara com o fracasso e a frustração que os leva ao
enfado e à perda de interesse numa séria dedicação à vida espiritual.
Ramana esclarece que o erro inicial acha-se em nossa inabilidade em compreender a
natureza da mente baseada em sua experiência direta, a qual compartilha conosco, nos guia
naquilo que poderá ser aplicado na prática a fim de se experimentar o estado natural de
meditação. Neste estado existe apenas meditação, beatitude, plenitude de paz de bem-
aventurança. O meditador, como entidade separada da meditação, lá não está e quando
chegamos a esse estágio estamos aptos a permanecer nele. Não há como Ramana diz,
necessidade de meditar, pois onde está aquele que medita? Como a pessoa chega a este
estágio? Em quase todas as práticas meditativas há um objeto de meditação considerado
sagrado. Por isso vemos os devotos indagarem sobre o que deverão meditar. Na resposta de
Ramana vê-se que ele muda a atenção do questionador no que se refere ao objeto da
meditação para o sujeito, o meditador. Ramana explicou a razão para isso em várias
ocasiões. Todos os pensamentos em sua forma de semente jazem na origem, no sentido de
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doação. Embora haja hordas de pensamentos, apenas alguns deles afloram na consciência de
vigília, dependendo da resposta individual aos objetos num dado período de tempo. O
primeiro pensamento que surge e o que continua durante a vigília é o “eu-pensamento” ou o
“eu sou isto”, ou “aquilo”. Após o surgimento deste primeiro pensamento os outros
aparecem. Estes são os pensamentos em direção aos quais, o “eu-pensamento”, é dirigido.
Consequentemente existem cachos de pensamentos que têm um pensamento central e outros
pensamentos para os quais, no devido tempo, a atenção do “eu-pensamento” se dirige. Este
cacho de pensamentos se modifica baseado no contato com outros estímulos, apesar de a
mente estar em constante fluxo de pensamentos e é diferente a cada momento. O pensador,
para o qual surgem os pensamentos é contínuo e central, a todos eles. Logicamente alguém
poderia dizer que uma boa observação da mente indica que há uma parte da mente, o “Eu”,
que não se altera enquanto que os outros pensamentos vêm e vão. Há pensamentos que nunca
afloram porque as circunstâncias não são propícias para o seu surgimento. Ramana se
empenha em explicar com grande detalhe esta diferença básica que ele chama de “Aham-
vritti” e “outros vrittis”.
Um ponto vital, que requer seja enfatizado, relaciona-se com a atenção que o “Eu”
possa prestar aos outros pensamentos e caso isso não aconteça eles simplesmente morrerão
por serem negligenciados. Eles não estão no horizonte da mente. É por causa disso que as
variações no conteúdo da mente se instalam. Para ilustrar isso tomemos o estado de vigília.
Neste caso a atenção recaí sobre os pensamentos que se requer para aprontar-se para o
trabalho diário e aqueles que se seguem correlatos com a tarefa imediata. A atenção por sua
vez poderá entregar-se a pensamentos relacionados à recreação, diversão e assim por diante.
Quando a atenção do “Eu” não se dirige a eles, estes outros pensamentos retrocedem para um
segundo plano e terão que esperar a atenção do “Eu” de modo a aflorarem novamente.
Ver-se-à da análise da natureza da mente que o que importa é o “eu-pensamento”. O
restante dos pensamentos, sendo dependentes dele, podem ser sem dúvida, ignorados.
Por que este “eu-pensamento” é tão importante? Alguém pode perguntar. Por que o
aspecto “Eu sou” dele é puro reflexo da consciência da qual brota. Por isso ele ilumina o que
quer que se dirija a atenção. Quando sua atenção se fixa em si mesmo ele carreia a pessoa de
volta àquela plenitude da qual se originou. Se pudermos nos firmar somente no imo deste
“eu-pensamento”, nossa atenção permanecerá na essência da mente e o aturdimento causado
pela atenção dada aos outros pensamentos terminará. Por isso Ramana neste caso sugere que
devamos indagar quem é o meditador e permanecer como este último. Perguntar quem é o
meditador é o “quem sou eu?” inquirido de outra forma. É a primeira questão a ser feita, pois
é a mais importante. A necessidade de mais perguntas surgirá se a atenção for desviada do
meditador para os objetos de seu interesse.
Alguns devotos poderão queixar-se á Ramana declarando que volver a atenção para si
mesmo é difícil, pois não existe nada de concreto sobre o qual se possa meditar. Ramana
observará que este tipo de problema surge por que nosso profundo apego às formas é que
torna um objeto de meditação uma necessidade imperiosa. Atualmente a meditação não
objetiva, ou auto-indagação sobre o sujeito é o método mais fácil. A falta de familiaridade e a
inexperiência darão uma impressão diferente. Se, no entanto, através do esforço persistente, a
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atenção é desviada do objeto para o sujeito, o gozo experimentado pela mente introvertida
inclinará à pessoa para a jornada interior. Ligando-se ao “Eu”, ao meditador, de modo
consciente, desvia-se a mente exteriorizada para o interior. Se neste estágio a pessoa puder
evitar o sono ou não retroceder para os pensamentos, a mente mergulha em sua fonte. O
meditador, ou seja, o separado “Eu-pensamento” se perde na plenitude da existência.

Deixe de se importar com a libertação

Maharshi – quando vem aqui algumas pessoas não falam a respeito de si mesmas. Elas inda-
gam: “O sábio que se liberta enquanto encarnado (jivan-mukta) vê o mundo”? Ele é afetado
pelo karma? Que é libertação após seu desencarne? A pessoa é libertada apenas após o
desencarne ou mesmo durante a vida física? O corpo do sábio se dissolve em luz ou
desaparece da vista de todos de outro modo? Pode ele ser libertado a apesar de o corpo
jazer abandonado como um cadáver? Nestes casos eu lhes digo: “Deixe de se preocupar
com a libertação. Existe escravidão”? Aprendam isso. Descubram a si mesmos e verão
depois. (Diálogos)

Maharshi era muito paciente com os buscadores e visitantes quando o perguntavam


sobre assuntos importantes tais como auto-indagação, controle da mente, práticas espirituais
que levassem à purificação da mente e assim por diante. Contudo não encorajava a pessoa
que se perdesse em questões não relacionadas com a vivência de cada um. Certa vez uma
pessoa educada perguntou a Bhagavan: “Qual a causa e origem do universo?” Prontamente
veio sua resposta: “Você não tem preocupações sobre si mesmo?” Isto porque os labirintos
da filosofia que não nos tornam mais sábios do que antes são essencialmente fúteis. A
respeito deste tema que estamos meditando Bhagavan também se refere a algumas perguntas
que se fazem sobre o estado liberto. Uma escola de pensamento insiste que a libertação só é
possível no momento da morte, isto é “Videha”, e não antes. Elaborados argumentos são
construídos a respeito do corpo da pessoa libertada, a qual passa por um tipo de sofrimento
relacionado a sua ligação com ele. A esta escola de pensamento o argumento de que o
sofrimento está relacionado com o ponto de vista de cada um e não com a pessoa
propriamente dita não conta. Outras teorias classificam a libertação como tríplice: com o
corpo, sem o corpo e com ou sem corpo. Há também o fenômeno da desaparição do corpo de
alguns santos, alguns se diluindo numa luz, outros entrando voluntariamente em “Samadhi”
ou deixando seu corpo de maneira normal.
No que concerne aos aspirantes espirituais é melhor para estes que abandonem, as
polêmicas eruditas entre si a respeito dessas diferenças. A pessoa não deve gastar o tempo
limitado que se dispõe concedido por seu karma em tais ginásticas intelectuais e vãs disputas.
Como Ramana diz, as teorias são intermináveis. Infelizmente a vida não é. É por este motivo
que a atenção deveria ser focada sobre aquele que se sente escravizado e tenta ser libertado.
Apenas o auto-conhecimento possui a chave dos enigmas da dualidade e da multiplicidade. A
sabedoria demanda que a pessoa se empenhe em encontrar a verdade sobre o “Eu”, sobre sua
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própria individualidade. Por que todos os conceitos, inclusive os opostos – escravidão e


liberdade – giram em torno do próprio indivíduo, ao qual pertencem.
Talvez o tipo de dificuldade na qual a pessoa pode se afundar, a menos que se fixe no
que é fundamental, se tornará evidente se verificarmos em algumas perguntas bem típicas
feitas à Ramana sobre o problema da libertação. Um visitante queria saber se poderia
visualizar o dito “liberte a si mesmo” constantemente diante dele. Outro gostaria de saber se
deveria abandonar sua mulher e filhos porque se constituíam em “Samsara” ou uma
escravidão da qual estava buscando se libertar. Outra pessoa ainda duvidava se existiria tal
coisa como liberação total, pois o indivíduo poderia resvalar em direção aos velhos hábitos
por causa da atração que a mente sente pelo mundo exterior.
Alguém poderia dizer que não queria libertação, mas apenas perpétua felicidade,
imaginando apenas que o indivíduo libertado acha-se imerso em bem-aventurança. Ramana
orientaria a atenção dessas pessoas em direção a necessidade primeva, aquela de encontrar o
real e mais importante, o sentido da individualidade. Para que a pessoa progrida no caminho
espiritual deve desviar-se da pressão exercida pelos pensamentos e dedicar-se ao reino da
experiência. De vez que o que conta é a experiência, o tempo gasto nas práticas espirituais
deveria ser intensificado a fim de levar a pessoa ao estado de Ser. O que é que a pessoa deve
fazer a fim de chegar ao estado que revela a verdade? O erro comum é supor que devemos
negar os pensamentos. É certo que esses esforços para negar os pensamentos são “frustrados
pela própria tentativa”. Toda negação tem um efeito oposto na mente. Persuadir a mente a
não pensar em determinada coisa é o meio mais certa de mantê-la nele. Bhagavan ilustra isso
com a história do médico que avisou ao paciente para tomar o remédio receitado com uma
condição, ou seja, que não deveria pensar em macaco no momento de ingeri-lo. O mestre
ponderou que nunca o paciente tomaria o remédio, pois como faria se tentasse evitar que o
pensamento surgisse?
Portanto Ramana sugere a abordagem positiva que constitui em prestar atenção à
consciência que se acha atrás do ego. Todos os pensamentos começam com o pensamento
“eu sou isto e aquilo”. A atenção ao primeiro pensamento dirigirá, por sua vez, a atenção ao
“Eu sou” que vitaliza a mente. Embora no início a prática comece com uma “sutil vigilância
contra os pensamentos intrusos”, gradualmente a pessoa se torna consciente da consciência
por trás do individual. Com a prática o buscador é atraído para o interior e é “engolido vivo”
pela plenitude da consciência. Refrescado pelo mergulho na consciência, e mesmo que se
depare novamente com a reação em sentido contrário exercida pela mente, o indivíduo não se
sente feliz. A experiência força a pessoa a buscar mais e mais esse mergulho. “Aquilo que foi
experimentado e conhecido, de modo repetido, como sendo a realidade não pode mais ser
negado ou esquecido. Aquilo que é confere a força constante para perseverar”. A experiência
deste estado torna-se gradualmente firme. Então o conhecimento mostra que o indivíduo
sempre esteve liberto e jamais foi escravizado.
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O poder da mente

Discípulo – Eu adoro Bhakti, quero praticá-lo mais e mais. A realização não me importa.
Deixe que este anseio se torne cada vez mais forte.
Maharshi - se existe este anseio, a realização se imporá a você, mesmo que não a deseje.
“Subhechcha” é a porta para a realização.

Aqui encontramos uma afirmação de Ramana do poder da mente. Isto porque o poder
dos pensamentos é um reflexo do poder do próprio Eu (Divino). A luz da consciência se
projeta no individual, o pensador, e os pensamentos derivam seu poder dela. Quando a mente
não é fraca, quando não é dispersa, torna-se o mais poderoso instrumento. Nada se mostra
como barreira a esta mente. Um antigo morador do Ramanasraman, o Major Chadwick,
escreveu sobre o poder de um intenso desejo. Em sua carta a Dilip Kumar Roy ele diz que
um “ajnani” costumava dizer a seu amigo que se ele desejasse a auto-realização não deveria
morrer até que atingisse seu objetivo. Este é de fato o poder da mente. Daí a responsabilidade
de canalizar o poder da mente de forma apropriada, na linha Dharmica, nos moldes que leve
a pessoa à libertação. Como Ramana se expressa “deve ser um desejo auspicioso,
subechcha”. É desnecessário dizer que os pensamentos podem cair na mira dos apegos ou
cortar esses laços em sua própria raiz. Liberdade e escravidão são apenas idéias mentais.
Parece estranho que apesar de nosso anseio em se orientar para um estado em que a
mente é destruída, a única arma de que dispomos é a própria mente. Destruir a mente pela
mente só se torna possível com sua purificação. Gradualmente e à medida que seu conteúdo
sattvico aumente e as tendências são corroídas através da meditação, seja por ações dedicadas
a Deus, ou pela auto-indagação, a jornada espiritual torna-se suave. O afastamento da fonte
torna-se cada vez menor e a exteriorização da mente decresce.
Desta forma cada um pode prontamente perceber o significado do anseio, do intenso
anseio para palmilhar o caminho da sabedoria. Segue-se logicamente que devemos dar
atenção aos fatores que possam corroer esse entusiasmo. Há sempre o medo de não termos
sucesso ou obtê-lo demasiado rápido. “Será que nossas tentativas certamente terão êxito?”
Esta é a dúvida. A começar com Natanananda esta é a garantia que muitos outros discípulos
obtiveram de Ramana. É sobejamente fácil entender este medo e sua conseqüente ansiedade,
por isso nossa mente necessita de orientação. O argumento de Ramana invariavelmente
revela que a “a realização é nossa natureza e não há lugar para dúvida”. Em outras palavras
ele diria que o indivíduo já está realizado e o que necessita é apenas erradicar os fatores que
velam esse conhecimento, portanto a pessoa pode não só ser otimista a respeito do resultado,
mas também estar certa do sucesso desde que seja constante em sua prática espiritual. Por
que esta condição? Simplesmente por que a prática torna a mente suficientemente forte para
impedir e afogar o desejo além de incrementar o anseio em conscientizar-se da verdade sobre
o “Eu”.
Vejamos o que acontece na prática. Após algum tempo a pessoa se sente desanimada e
perde o vigor do entusiasmo inicial. Ao invés de prazerosamente prosseguir no caminho
espiritual, tal como Ramana sugeriu em sua “Canção appalam”, nota-se a pouco e pouco a
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aproximação de uma inércia que se infiltra na pessoa. A fim de combater isso Ramana
assegura a eficácia do mantrã, do nome do senhor, da forma e, é evidente, da auto-indagação
que devem ser lembrados. Por que usar estes poderes? É claro que tem por objetivo tornar a
mente unidirecionada a fim de erradicar as tendências latentes. “A pessoa deve praticar um
mantrã ou entregar-se a Deus e aguardar sua graça.” O indivíduo não deve agir como os
devotos de Kumbakonam cuja visita ao Ashram foi anotada por Santhamma. Esses
visitantes estavam desesperadamente apressados a fim de tomar o trem cujas passagens
haviam reservado. No intervalo entre sua chegada e o horário da partida do trem eles
importunaram Ramana para que rapidamente lhes conferisse os frutos da prática espiritual.
Eles solicitaram que Ramana se apressasse em sua ajuda de modo a que não perdessem o
trem. Pura imaginação, pois Ramana mostraria a necessidade de “paciência e mais
paciência”. Isto por que ninguém pode dizer quando o tenaz e intenso esforço espiritual irá
frutificar.
Parece estranho, embora real, que sempre estamos prontos a reconhecer o fator tempo
nos acontecimentos comuns da vida, como por exemplo: os fatos de o nascimento de uma
criança ocorrer após nove meses de uma gravidez, ou que as plantas darão flores após certo
período ou que certas árvores darão frutos após certos anos, entretanto, no tocante à prática
espiritual, permitimos que a impaciência e a inquietação ganhem terreno. Alguns neófitos
tentam avançar mais rápido redobrando seus esforços para os quais não estão preparados. Em
conseqüência disto vemo-los se queixar a Ramana de dores na cabeça ou de outras
indisposições físicas quando tentam se concentrar por longos períodos. Tais conseqüências
são perigosos sinais da tentativa de forçar o passo ou acelerá-lo prematuramente. Isto não
quer dizer que a pessoa deve ser destituída de paixão, destituída de uma forte premência em
experimentar a bem-aventurança da “fonte”, mas trata-se apenas de sugerir que as coisas
devem fluir de maneira equilibrada. Nem uma presa escapa das mandíbulas de um tigre, nem
o auxílio de um satguru pode falhar.
Outro receio muito comum refere-se à prática espiritual a qual só seria viável na
atmosfera que envolve a presença do satguru. Grant Duff costumava queixar-se disso quando
se ausentava do Ramanasramam. Uma devota inglesa, traduzindo o sentimento geral,
expressou seu medo ao declarar se seria possível para ela manter-se firme na prática em sua
casa longe do mestre. Quando tais pensamentos se traduziam em palavras Ramana lembrava
que cada um é livre para recordar sua presença no coração. A confiança na transcendência do
espaço-tempo, na ilimitada natureza do guru tornaria o discípulo apto a invocar sua presença
onde quer que se encontre e em qualquer situação que surgisse na vida. Uma vez estabelecida
essa confiança no guru, a chama da atração por ele permanecerá. Quem poderá então ser
interrompido em sua viagem ao gozo interior? Quem poderá então negar a alegria, a bem-
aventurança da jornada da própria interiorização? O sabor de tal bem-aventurança faz com
que a pessoa procure repetir cada vez mais a experiência até que o florescer da vida irrompa
em sua natural plenitude.
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O esforço é seu

O Ishta Devata (Santo de sua devoção) e o guru são auxílios muito poderosos no
caminho. Mas para que um auxílio seja efetivo é necessário o esforço do discípulo. Seu
esforço é condição sine qua non"É você quem deve ver o sol. Podem os óculos e o sol verem
por você? Você mesmo deve ver sua natureza.” (Diálogos)
A vida espiritual é uma interação entre a graça e o esforço. Quais são seus papeis
relativos para o sucesso da empreitada espiritual? Vemos que Maharshi enfatiza em todas as
oportunidades o valor do esforço vigilante e contínuo. A razão para isso não está longe de ser
percebida, pois cada um está “mergulhado na graça até o pescoço”.
Um aspirante espiritual pode estar seguro de uma coisa: a graça do satguru é algo
constante. Não há necessidade de ser solicitada, pois está sempre sendo oferecida sem ser
pedida. Ainda assim encontramos devotos rogando a Ramana pela graça e solicitando Dele
repetidas garantias de que a receberiam. A pessoa não é consciente do modo como que opera
a graça. O Major Chadwick certa vez perguntou a Ramana por que não percebia qualquer
mudança nele apesar da proximidade física do mestre como morador do ashram, Ramana
acentuou que “embora a mudança indubitavelmente exista não é percebida porque não é
mensurável”. A graça do guru está sempre presente auxiliando na manutenção e esforço da
vivência espiritual. Não pode estar presente em certas ocasiões e ausente em outras, pois é
“dirigida” pelo satguru, cuja verdadeira natureza é a graça. Pode-se dizer que a pessoa pode
receber o impacto da revigorante graça da Ramana que estende proteção e guia nos
momentos de desespero e em qualquer situação que se apresente ao indivíduo.
Como a graça está sempre disponível em quantidade abundante para aqueles que se
acham ligados a um satguru, o que deve ser focalizado é o esforço requerido por parte do
discípulo, ou seja, o outro fator na busca da verdade. É apenas através do esforço, através da
meditação, através da auto-indagação que a pessoa desperta para o fluir da graça. Desse
modo Ramana diz que a graça é concedida apenas àqueles que empregam o necessário
esforço. A graça está sempre ativa para eles.
Se não se faz a “vichara”, a graça torna-se inativa. Mais uma vez deve-se enfatizar a
necessidade de praticar o “método de Ramana” porque o que importa é cada um
experimentar o estado natural de beatitude e permanecer firmemente nele. Essa experiência
deve ser conquistada através de dura prática. Deus embora seja mais “bondoso que a mãe de
cada um” não o mima com a experiência. Alguém poderá perguntar: por que somente para
aqueles que abdicaram sua volição individual é que o satuguru os assume completamente?
Estas pessoas são raras. Isto porque a maioria das ações são executadas com um forte sentido
de autoria. Enquanto a pessoa atue com um sentimento de que o importante é o esforço
individual, a responsabilidade de encontrar a verdade repousa inteiramente nela. De fato
estamos constantemente engajados em alguma ação ou outra, de vez que nossa irrequieta
natureza nunca nos deixa relaxar em paz. Pode-se dizer que Ramana está apenas dirigindo
nossa atenção para a necessidade de empregar o poder de nossa vontade da melhor maneira
possível, ou seja, para descobrir o estado natural.
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Considerando que o esforço é da maior importância, Ramana gentilmente remove todo


o desânimo sob a forma de pensamentos negativos. A primeira coisa a ser superada é a
repetida expressão de medo de que a pessoa não é merecedora de trilhar o caminho espiritual
por estar envolvida no tumulto do dia-a-dia. Ramana incentivava a superar essa falsa noção.
Ele frisava que, se a pessoa se mantiver firme na meditação, mesmo que seja por certo
tempo, a vida não mais se tornará uma luta e as preocupações desaparecerão. A atmosfera
mental do indivíduo durante sua atividade mudará quando a paz gerada pela meditação é
sentida como fundo de pano do trabalho. Isto acontece quando nossa natureza meditativa se
desenvolve mais e mais.
A segunda barreira de ordem negativa contra a qual a pessoa tem que enfrentar refere-
se à impressão de que a vida espiritual é muito árdua e por isso não vale a pena tentar. Mais
uma vez Ramana usa todo seu empenho a fim de afastar essas idéias e conseqüentes
obstáculos. Quando alguém perguntou à Ramana se se deve abandonar a luxúria e o ódio,
este respondeu jocosamente: “elimine os pensamentos e não haverá necessidade de eliminar
mais nada”. Aqui a pessoa deve se lembrar que no “método de Ramana” não terá de eliminar
os velhos hábitos e pensamentos um a um. Eles secarão quando, através da atenção dirigida a
pessoa, aprender a se descartar deles e permanecer na fonte.
Isto leva a pessoa ao resultado básico do esforço sobre o qual Ramana fala. O esforço
aqui mencionado se refere à identificação com o “eu-pensamento” e desviar-se das
distrações determinadas por outros pensamentos. A mente tem que unificar-se pela prática. A
atenção atualmente dada aos outros pensamentos pelo ego deve ser desviada para o interior,
ou seja, “vendo a mente com a mente”. A atenção deve ser mantida até que a paz, a paz
consciente, prevaleça.
Alguém pode perguntar: “durante quanto tempo o esforço é necessário?” Enquanto a
mente estiver exteriorizada. Até este momento, como a mente não adquiriu força para
permanecer mergulhada no coração, o esforço é imprescindível. Outra pessoa poderia alegar
que,ao longo da caminhada a mente experimenta a paz e a contemplação do estado natural.
Então como Ramana disse a Cohen: a pessoa deveria aprender a suspender a atitude positiva
que se requer para o esforço. A consciência por trás da mente assumirá o controle e a
necessidade de esforço cessará. Neste caso deve ter chegado ao destino, ao estado natural.

Desvendando a graça

Maharshi – se você se rendeu, deverá estar apto a aceitar a vontade de Deus e não se
lamentar do que possa não lhe agradar. As coisas podem se desenrolar de uma maneira
diferente daquilo que aparentemente se apresentam.
Ramana frequentemente declara que atingir o auto-conhecimento pode ser obtido por
um dos dois meios, ou eliminando os pensamentos por meio da identificação com o “eu-
pensamento”, empurrando a mente para o interior ou por meio de uma rendição incondicional
ao poder superior. O primeiro método implica em orientar a mente para seu mais elevado
objetivo: a descoberta da verdade sobre o “Eu”, no entanto isso requer uma mente forte
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dirigindo sua energia para uma única corrente de pensamento e nele se fixar. Uma mente
fraca dissipada pelas tendências do passado e exteriorizada pela atração dos objetos não pode
adquirir o necessário poder. A outra alternativa apontada por Bhagavan, denominada de
rendição ao Supremo é o único recurso que resta. Isto também requer total e irrestrita
confiança na justiça e no poder de Deus. Isto é possível apenas quando o indivíduo reconhece
que tudo é obtido através do poder do satguru e não por seu próprio poder. Assim, a
rendição, embora aparentemente fácil, não é tão fácil como se possa julgar à primeira vista.
Isto porque a rendição implica necessariamente a cessação do direito a questionar os
altos e baixos do destino. Tudo quanto possa acontecer ao discípulo deve ser encarado como
a graça do guru, o qual sabe o que é melhor e como as coisas devem caminhar para obter a
realização. Nenhuma queixa deve ser feita a respeito. Ainda que honestamente pensemos que
nos rendemos, raramente estamos prontos a aceitar fatos sem questionar sua utilidade para
nós, particularmente quando estes se opõem àquilo que desejamos. Chegamos mesmo a
pensar que o guru no qual confiamos não nos deu a devida atenção. Devajara Mudaliar
exprimiu este sentimento muito comum. Ele pretendia se ausentar do ashram por algum
tempo. A partir daí entrou num profundo desânimo ao simples pensamento de que Bhagavan
não o estava ajudando suficientemente e permitia que fosse arrastado pelo seu próprio
destino. Devajara foi ao velho salão e começou a ler alguns escritos de Sivaprakasam Pillai
no qual este também expressou o mesmo tipo de sentimento, Bhagavan silenciou por um ou
dois minutos e depois respondeu: “quer eu faça ou nada faça, você deve simplesmente
render-se e ficar quieto”. A explicação é que não devemos apregoar que nos rendemos e ao
mesmo tempo continuar a sentir que o guru não está estendendo sua proteção em todos os
sentidos. Outro devoto, de nome Eknath Rad, lamentou-se por não se sentir apto a merecer a
graça. Ramana fê-lo ver que a rendição não deveria ser meramente verbal ou condicional. A
questão sempre permanece no que se prende a estar ou não preparado a conferir ao guru o
poder global de juiz. A verdadeira resposta é simplesmente: não! Uma vez que estamos
plenamente conscientes de sua perícia.
Se ambos os caminhos – o da auto-indagação e o da rendição – têm suas próprias
dificuldades e se há somente dois caminhos disponíveis surgirá então a pergunta: a pessoa
está desamparada? O que é que pode fazer? Não existe solução? Aqui se percebe que embora
Ramana frequentemente acentuasse essas duas alternativas opostas parece-nos que era
apenas para clarear nosso entendimento e facilitar nossa prática nos caminhos espirituais.
Alguém poderia dizer que isto se devia ao fato dele estar sempre consciente da limitação
oriunda da fraqueza humana. Portanto ele encorajava a prática da auto-indagação e
conjuntamente o esforço para rendição, mesmo que está rendição fosse parcial. Quando o
indivíduo aprende a usar a técnica da auto-indagação ensinada por Ramana, a mente estará
apta a perceber sua própria incapacidade para voltar à fonte de modo consciente, sem a ajuda
da graça por parte do satguru. Da mesma forma quando a pessoa aprende a depender da
graça do guru torna-se mais inteiramente consciente da necessidade de empreender o esforço
necessário a fim de tornar-se apto a sentir sua presença. A respeito da questão relativa à
rendição parcial e ao aprofundamento da fé, podemos nos referir ao caso da Maharani de
Baroda. Esta declarou que possuía tudo exceto a paz mental e para consegui-la rogou à
22

Ramana. Quando Ramana aconselhou-a a se render, uma vez que não se sentia segura de
poder praticar a auto-indagação, esta foi inflexível ao retrucar que a rendição era impossível.
Ramana, então, a encorajou ao declarar que a rendição parcial é viável para todos e que a
capacidade para obter a rendição total se desenvolveria gradualmente. A despeito dessa
garantia, a Maharani continuou contestando ao afirmar que o guru não poderia alterar o
destino do discípulo. Ramana prontamente censurou-a frisando que o guru sabe como cuidar
dos fardos dos devotos. O que ocorre neste caso é que nós frequentemente permanecemos
entre as duas opções. Nem adotamos com fé a auto-indagação nem nos colocamos totalmente
nas mãos de Ramana. Garantia desse tipo dadas à Maharani deveriam nos alegrar e nos dar
o devido ânimo para praticar a auto-indagação. Concomitantemente a pessoa deveria confiar
cada vez mais na graça de Ramana.
Apesar disso, nossas fraquezas costumeiramente aparecem. Frequentemente voltamos
ao passado e revivemos os trâmites severos e injustos que a vida nos trouxe. Quando as
preces não são atendidas, quando as coisas não ocorrem como desejamos, a lamentação surge
novamente. Ramana resolve este sentimento muito difundido, e que vez por outra preocupa a
todos, de duas maneiras.
A primeira reitera a mensagem do “Bhagavad Guitá” a respeito do cuidado que Deus
tem para com aqueles que o procuram. Ramana é muito categórico neste ponto. Quando
indagado pelo Swami Pragyananda se o guru controla também os assuntos mundanos do
discípulo, Ramana respondeu: “Sim, tudo.” Isto porque o fardo do discípulo pertence a ele,
o guru, o qual também é capaz de suportá-lo. A outra maneira que Ramana resolveria este
problema da falta de fé nos momentos de estresse é apontar a tolice em presumir que um
evento aparentemente adverso ou falta de resposta a uma oração seja calamitoso. Ao
contrário, ele poderá ser para o bem da pessoa. Como ele diz em relação ao que estamos
tratando “as coisas podem tomar um rumo diferente do que aparentemente se apresentam”.
Talvez cada um de nós possa perceber por si mesmo em retrospecto, que fomos protegidos de
um evento aparentemente bom, mas que poderia ser desastroso. O poder do Satguru vê as
coisas através das aparências exteriores e se não reconhecemos este fato seriamos tão tolos,
como um passageiro num trem que carrega sua mala na cabeça, cansando-se
desnecessariamente. Nossa compreensão limitada e nossa incapacidade de avaliar as
perspectivas nos leva a questionar a sabedoria de Deus.
Quando a pessoa se esforça por dissolver o ego, despertando a confiança no poder do
Satguru, a vida cessa de ser um fardo pesado. Há apenas a alegria de um vida livre de
encargos.

Convivência com os Sábios

Ramana – um corpo flutuando pode ser carregado com pesos e assim afundar. Da
mesma forma a convivência com os sábios fará a mente submergir no coração. (Diálogos)
23

Por que deve a mente submergir-se no coração? Porque é a única maneira de descobrir
por nós mesmos o estado natural de bem-aventurança. Somente uma mente poderosa pode
dedicar-se à auto-indagação e interiorizar-se de modo a permanecer firmemente no coração.
Por poder da mente queremos significar o poder de se ligar a um único pensamento, o
poder de prestar atenção ao imo do coração. Apegos aos objetos e o poder das tendências
latentes ao se manifestarem, fazem com que a mente se enfraqueça e se dissipe
frequentemente. O poder do vasto mundo de pensamentos é forte e firme em afastar o
pensamento desejado e de distrair a atenção do discípulo. O controle da respiração através da
vigilância por parte da mente é uma ajuda efetiva contra os pensamentos intrusos.
Desse modo a mente é efetivamente aquietada. Mas seu benefício é apenas temporário
e a pessoa volta ao início, volta ao campo de batalha dos pensamentos. É neste contexto
referente a necessidade de uma ajuda que possa fortalecer a mente por um longo período que
a pessoa deve considerar o significado e a importância da companhia de um sábio realizado.
Para aqueles que estão familiarizados com a rotina de Ramana quando encarnado, seria
válido escolher o anoitecer quando o irresistível sentido de paz satura a atmosfera ao seu
redor. Ramana se sentiria imóvel com um olhar distante, e esse momento nos traria um efeito
envolvente e bem-aventurado. Todos os que se achavam presentes podiam partilhar dessa
bendição. As pessoas poderiam chegar fervilhando de perguntas, mas em sua presença estas
cessariam de ter importância. Isto por que o silêncio que se impunha traria para eles uma
nova dimensão, uma paz arrebatadora, que não gostariam de perder.
Embora o aroma da influência do sábio seja sutil, Ramana explica como opera. Sua
graça é ao mesmo tempo, mental e física. Ele empurra o neófito do exterior para o interior e,
como coração, ele puxa a mente para o interior. A mente do sábio, imersa como sempre em
sua fonte, opera como um magneto a fim de silenciar as mentes fracas e incliná-las para o
interior.
É por esta razão que no “suplemento aos quarenta versos” Ramana selecionou cinco
versos exaltado o valor da companhia dos sábios. De particular interesse é um verso
encontrado por Ramana num jornal que Chellamma, a filha adotiva de Echammal,
casualmente separara e que continha certo verso em sânscrito. Ramana o traduziu para o
Tamil e deu-o a ela. No dia anterior Chellamma havia jejuado atendendo aos costumes
religiosos da família.
Ramana persuadiu-a para que comesse sua comida. Após ouvir a explanação do dito
verso, Chellamma perdeu toda fé no jejum. Qual seria a necessidade disso quando tinha a
companhia de Ramana?
Aqui é necessária uma pausa para compreender exatamente o que se entende por Sat-
sang. Sat-sang significa permanecer em companhia do “Eu” ou habitar no “Eu”. Quando a
pessoa não tem condições disso o mais viável é a companhia dos sábios que são sempre
conscientes do Ser. Mas há muitas dificuldades de ordem prática. Os céus sabem como é raro
encontrar sábios. Aonde pode a pessoa encontrar um elevado yogui que tenha eliminado seu
ego? E mesmo que o tenha encontrado, como o indivíduo poderá enfrentar na vida situações
que não permitam um contato íntimo ou freqüente com tais sábios? A lamentação de um
devoto a Ramana esclarece essa situação. Este devoto tinha um emprego que o afastava
24

frequentemente de Ramana. Que deveria fazer? Ramana falou-lhe então sobre o verdadeiro
significado de Sat-sang, isto é, ser consciente da iminente presença do Satguru. O guru não é
o corpo, mas a fonte sem forma que sustenta toda a vida. Limitações como o tempo e o
espaço não o detêm. Cabe a cada um experimentar e achar o melhor meio de estabelecer
contato com o Satguru de acordo com seu temperamento e manter viva e ardente a chama de
sua união com ele. Talvez uma certa foto na qual se note um terno e belo sorriso dele ou um
olhar furtivo do mestre, ou um livro sobre sua vida e ensinamentos, ou um escrito dele, ou
seu doce nome, ou finalmente todos esses meios em certo grau poderão estabelecer, na
mesma medida, a sensação de estar imerso no penetrante silêncio de Ramana.
Encontramos nos Diálogos queixas de vários devotos de que teriam perdido aquela
atmosfera elevada quando em companhia de Ramana, após algum tempo. Alguns sentiram
que tiveram um certo retrocesso. Será que isto significa que até mesmo os benefícios da Sat-
sang têm curta duração? Não, diz Ramana. Ele diz que tais flutuações que ocorrem na
quietude da mente não podem ser evitadas enquanto as tendências latentes não tiverem sido
eliminadas. “A paz não pode viver lado a lado com as vasanas”. O discípulo tendo adquirido
a correta experiência em presença do mestre terá que trabalhar arduamente se pretende que a
experiência seja inabalável. É sempre útil lembrar que é errado identificar o Satguru com seu
corpo físico e assim perder a paz quando não estiver em sua presença física. A pessoa nunca
deverá ficar longe dele ou falhar em sentir a corrente de paz que dele emana se de fato nos
lembrarmos que é nosso guru interior.
O esforço que deve ser feito é, portanto para nos ligar ao Satguru, é sentir sua
presença como uma constante corrente interior.
O “Eu” livres dos pensamentos, sendo um puro reflexo, se constituirá numa ponte em
direção ao Satguru Ramana. Uma vez que o companheirismo se estabeleça firmemente não
haverá interrupção do Sat-sang e seus benefícios. Todas as fraquezas da mente serão
eliminadas pela maré alta de sua radiante companhia que destrói a tristeza da existência
separada.

Deixe que a Prática faça seu Trabalho

Maharshi: mesmo que as pessoas sejam instruídas a praticar a Japa ou a dhyana por
algum tempo logo buscam resultados tais como visões, sonhos ou poderes taumatúrgicos. Se
não os conseguem, dizem que não estão progredindo ou que seu tapas é ineficaz. Visões, etc,
não são sinais de progresso. A simples performance de tapas (austeridades) é por si mesma
um progresso. Perseverança é o que se requer. Além disso, devem confiar em seu mantrã ou
em Deus e aguardar por sua graça, mas não o fazem. O japa mesmo repetido por pequeno
período tem seu próprio efeito benéfico quer o indivíduo seja consciente disso ou não.
(Diálogos)
Nossas ações seguem-se à orientação. A doação e o esforço dirigido a uma meta
particular são as características de nosso esforço. Nós podemos medir nosso progresso ou
fracasso contra obstáculos conhecidos. No que diz respeito à vida espiritual também não
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deixamos de observar essas possibilidades. Queremos resultados tangíveis no mais breve


tempo. A paciência é uma virtude caracteristicamente ausente na vida espiritual. Como
estamos no plano da mente, caso tenhamos uma visão de uma divindade ou do guru, sentimo-
nos imensamente felizes e interpretamos esses fenômenos como um sinal de progresso
espiritual. Ganapatimuni teve repetidas visões da imagem de Ramana como Subrahmanya,
o comandante das forças celestiais. A mãe de Bhagavan, Azhagammal, viu-o adornado de
serpentes, como o verdadeiro Shiva. Em outra ocasião viu o corpo de Ramana desaparecer e
tornar-se o “Lingan” em Tiruchuzhi,particularmente luminoso. Raghava-chari, desejando
ver a verdadeira forma de Ramana, teve uma visão na qual o mestre se identificava com a
imagem do quadro da Dakshinamurthi que ficava suspenso na parede logo atrás do local
onde o mestre se sentava e logo depois desaparecia para reaparecer num ofuscante halo de
luz. Paul Brunton quando permaneceu próximo a Ramanashramam, teve uma visão na qual
se viu como um garoto segurando a mão de Maharshi que havia se transfigurado numa
figura da torre.
Não resta dúvida que estas visões são auspiciosas e ajudam, em certa etapa do
desenvolvimento espiritual, aqueles para os quais apareceram. Mas a questão que permanece
diz respeito a se essas visões são essenciais ao caminho espiritual. De igual modo se seu
aparecimento ou ausência devem ser interpretados como progresso ou retardamento na
evolução espiritual. Ramana ressalta que não existe qualquer conexão nestes casos. A grande
maioria que não tem visões em função de não ter essa inclinação, não deve sentir-se
desanimada, nem sequer desejá-las ansiosamente. Isso por que tal desejo é apenas a busca
ansiosa por algum sinal de sucesso espiritual na tela da própria mente.
Todo progresso real se vê apenas quando a jornada interior se inicia, quando a fronteira
da mente é transcendida por uma diligente auto-indagação.
Embora as visões sejam algo raras, o sonho é uma ocorrência diária. Então por que não
sonhar com seu próprio guru e mentor espiritual?
De fato vemos que na vida de alguns devotos existe um fluxo de sugestões e guias em
sonhos, até com detalhes, por parte de Ramana. Nambiar anotou uma série de sonhos em seu
livro, começando por Ramana requisitando um livro de anotações de determinado tamanho.
Estes sonhos continuaram após o Maha-Samadhi de Ramana, tal como outro em que
Nambiar recebeu instruções detalhadas sobre a medida do local onde o corpo do mestre
deveria ser enterrado. Souris escreveu em suas reminiscências que, embora tenha visitado o
Sri Ramanasramam várias vezes, não tinha necessidade de fazer perguntas à Ramana, pois
tudo o que precisava foi obtido de Ramana por meio de sonhos. Neste caso novamente
alguém poderá dizer que, enquanto o desejo possa ser natural, não é necessário dar-lhe tanta
importância. Isto por que quando a pessoa está espiritualmente desperta mesmo o estado de
vigília é como um sonho.
Assim alguém poderá dizer que as coisas que acontecem a um indivíduo durante os
sonho são um sonho dentro de outro. O estado de sonho é um movimento mental na tela do
Eu. Assim deve-se prestar atenção a isso porque a percepção é possível por intermédio do
que é visto.
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No que se refere aos poderes ocultos quanto menos se prestar atenção a eles será
melhor, pois são distrações no caminho espiritual. Eles mesmerizam a mente, desviam a
pessoa da trilha, do verdadeiro objetivo de todo esforço espiritual. A busca pela verdade será
substituída pelo prazer do nome e da fama que são tão transitórios como tudo mais.
Assim Ramana trás a pessoa de volta à estreita vereda e não permite que persiga
coisa alguma exceto a descoberta da real natureza de cada um e a consciência da vibração do
“Eu”.
A correta atitude na Sadhana é deixar tudo nas mãos de Ramana. Apesar de ter
começado com fé em seu sagrado nome e forma, frequentemente a diminuímos no altar da
nossa impaciência. Temos o caso de um morador no Ramanasramam que renunciou a tudo
para permanecer com Ramana. Após alguns anos ele pediu uma garantia de que a graça de
Ramana persistiria para ele, Ramana gentilmente replicou: “Sua fé o trouxe aqui. Por que
duvidar dela agora?” A idéia de que a pessoa não está progredindo o bastante pode assumir a
forma negativa de um sentimento de que o guru não o está ajudando de modo eficiente. Este
pensamento se assemelha à presença de uma abelha zumbindo no interior do boné de um
discípulo. Toda pessoa crê que é feita de material explosivo pronto para ser detonado e que a
culpa do retardamento de seu progresso espiritual jaz na insuficiente graça de seu guru.
Ramana rebateria tais pensamentos de várias maneiras. Ele desencorajava a avaliação do
progresso, de vez que a mudança na atitude mental e o desenvolvimento do desapego são
imperceptíveis, mas é certo que eles existem se a prática espiritual é firme. Deve haver
perseverança e firmeza na prática. Ramana, também inculcaria e reiteraria a fé numa prática
particular ao sublinhar sua utilidade. O mantrã, o nome sagrado, a contemplação da sagrada
forma e a dedicação à auto-indagação farão o necessário trabalho. Que é o trabalho? É o
trabalho de eliminar da mente suas tendências acumuladas e a adquirir o necessário poder
sobre ela para que se concentre num só pensamento. Ramana diz a esse respeito que a pessoa
deve “entregar-se” ao mantrã ou a Deus e aguardar sua graça. A pessoa continuará com a
confiança e certeza de que qualquer que seja o esforço que se faça não será inútil. Os
resultados estarão além de sua expectativa desde que essa não fraqueje e mantenha a
necessária firmeza durante o caminho espiritual. Esta é mais uma garantia de Ramana para
nossas frágeis mentes ao afirmar que existe uma força oculta se a prática é feita com
constância e fé. Quando o capricho da dúvida domina a mente a atitude mais sábia será
lembrar a compaixão de Ramana.

Pode a pessoa meditar o tempo todo?

Natesa: Tenho meu trabalho profissional, apesar disso gostaria de meditar sem
interrupção. Será que ambos estarão em conflito?
Ramana: Não há conflito. Ao praticar ambos e desenvolver seus poderes será capaz de
atender aos dois.
Este é o caso de um homem dedicado ao trabalho e ao mesmo tempo ansiando dedicar
mais tempo à prática espiritual. Para isso quer uma garantia, por parte de Ramana, que sua
profissão não interfira em seu caminho espiritual. Os “Diálogos” referem-se a muitos
27

devotos que apresentam esse problema. Eles têm seus deveres a cumprir como obrigações de
família, casamento de suas filhas, educação dos filhos e outros encargos. Como encontrarão
eles tempo, ainda que limitado, para a prática espiritual? Há uma idéia comum que sugere a
incompatibilidade entre o trabalho e a meditação, que incompatibiliza a vida contemplativa e
a vida no mundo. As pessoas acham difícil superar a idéia subconsciente de que são
alternativas, além de alegar que só podemos prestar atenção a uma coisa a cada tempo. O
fator tempo e novamente esta dúvida surge. Paul Brunton achou difícil aceitar a afirmação
categórica de Ramana que, uma vez criada a atitude correta, a pessoa pode manter a paz
interior oriunda da meditação, quer esteja recluso num convento da floresta, quer esteja presa
a uma vida de trabalho em Londres. Nós achamos, também, que certas pessoas sentem uma
compulsão imperiosa em se dedicar à meditação e entrar para a ordem dos Sanyasins.
Natananda optou por esta via não obstante aos repetidos avisos de Ramana para que não o
fizesse.
Só mais tarde é que aprendeu que portar o manto amarelo ou branco não fazia
diferença no seu caminho espiritual. O exemplo de Janaka que se armou com duas espadas a
do Karma e do Jnana e a de Chudala, ambos apontados no “yoga vasista”, são considerados
exceções.
A pessoa deve observar a presunção subjacente a este caminho. Os deveres são
encarados como “mundanos”, tendo que ser executados por que as circunstâncias não deixam
opções. O que se considera como “meditação” é o tempo à parte dedicado à prática espiritual.
Qual é a validade dessas distinções? Estaremos corretos ao encarar cada uma delas como
compartimentos separados e estanques? Será que cada um deles é uma tarefa de tempo
integral? Poderá a pessoa permanecer totalmente envolvida nas supostas alternativas, mesmo
tendo decidido escolher apenas uma?
Focalizando inicialmente a última pergunta, vejamos se é possível permanecer todo o
tempo em meditação. Se o indivíduo estiver espiritualmente amadurecido, pronto a fixar-se
numa só corrente de pensamento, é certo que a mente mergulhará em sua fonte, mas somente
nesse caso. Em geral quando a mente ainda é fraca, e se dissipa através de vários
pensamentos, a meditação poderá se tornar uma sessão de sono; tamas e preguiça poderão ser
tomados como a calma e o equilíbrio do estado sátvico. Um devoto perguntou a Ramana se
era possível meditar indefinidamente. “Tente e veja” foi a resposta do mestre. Ramana
explicou a ele que as tendências latentes não permitiriam. A mente seria repetidamente
agitada e forçada a exercer alguma atividade, quer física, quer mental. É apenas
posteriormente, à medida que a meditação apaga suas vasanas (tendências latentes) que o
afastamento do trabalho se tornará possível. Pode-se dizer que a idéia de meditar
incessantemente é impraticável. E sobre o oposto? Por que não se engajar no trabalho
durante todo o tempo? Isto também é igualmente impraticável. Em primeiro lugar o excesso
de trabalho por si mesmo não é tão absorvente que leve a esta compulsão. Para eles o
trabalho ou a profissão serve apenas para manter a chaleira em ebulição. Além disso, o
trabalho não é para ser sempre mantido mesmo que a pessoa anseie por ele. Trabalhar ou
renunciar a ele não está realmente nas mãos da pessoa, pois depende do karma individual que
é inexorável.
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De vez que, sob ponto de vista geral, é impraticável estar sempre trabalhando, ou estar
sempre meditando, que deve a pessoa fazer? Neste caso temos a guia de Ramana. Ele
reiteraria várias vezes ao declarar que a meditação e o trabalho devem ocorrer lado a lado,
passo a passo. No correr do tempo a distinção entre meditação e trabalho cessará. Para tanto a
pessoa lembrar-se-á constantemente que a auto-indagação é possível em qualquer tempo e
em todas as situações. Ela fará seu trabalho purificador e fortalecedor da mente. Deve-se
lembrar também que aquilo que torna o trabalho um fardo não é o trabalho em si mesmo, mas
a idéia de que este só poderá ser executado e dar frutos se a pessoa fizer o esforço necessário.
Quando o sentido de autor da tarefa é forte e constante surge a preocupação da maneira como
deva ser executada e o receio a respeito de seu resultado, o que é inevitável. A meditação e a
auto-indagação ceifarão as raízes desta idéia.
O sucesso na meditação depende no poder da mente em manter-se livre de distração.
Isto, por sua vez, depende da pureza da mente. O trabalho dedicado a Deus e executado sem
se visar seus resultados purifica a mente e favorece a própria meditação. A meditação, o
tempo disponibilizado para a prática espiritual, torna o trabalho mais suave e concentrado. Os
benefícios da meditação, da busca da realidade do “Eu” não são limitados pelo tempo
referido, mas se prolongam como uma corrente sutil, proporcionando um trabalho livre de
tensões. Deste modo a meditação e o trabalho agem e reagem entre si durante a Sadhana.
A pessoa é realmente o doador? O impulso para agir e o sucesso na ação estarão
baseados em nossa vontade? Não é difícil supor, particularmente, quando o sucesso vem ao
nosso encontro, que o impulso para a própria ação não é nosso. A auto-indagação, o esforço
da atenção a fim de encontrar a verdade sobre o “Eu” revelarão de modo gradual que tudo é
regulado pelo poder Supremo. Ramana destacará que “se a pessoa aceitar esta premissa
ficará livre de preocupações; de outro modo sofrerá com estas”. A mente tem que ser
fortalecida por repetidas doses de meditação, auto-indagação e lembrança da necessidade de
uma atitude correta em relação ao trabalho. O mais importante é introverter a mente e mantê-
la na busca de sua fonte. Assim, como Ramana esclarece nesta questão, cento e uma coisas
podem ser executadas ao mesmo tempo sem prejuízo para qualquer dos trabalhos. Desse
modo atividade ou inatividade, trabalho ou meditação são o mesmo. Nada pode perturbar
este silêncio, esta atmosfera de bem-aventurança.

Tudo é adoração

Enquanto a labuta diária for encarada como diferente da vida espiritual, as dificuldades
aparecerão. Se a vida espiritual for corretamente compreendida, a vida ativa não será
percebida como diferente dela. (Diálogos)
A pessoa usualmente encara a busca do auto-conhecimento e a vida diária como dois
compartimentos estanques. As atividades são classificadas como “mundanas” e as espirituais
como “além do mundo”. A suposição subjacente faz-nos crer que há um conflito entre o
trabalho e a sabedoria. Esta idéia acha-se enraizada e é muito apreciada. Quando o indivíduo
abandona o lar por penitência, ou se filia a uma ordem monástica ou convento, a fim de se
livrar do apego, ou mesmo vagueia pelas montanhas do Himalaia é apenas para por em
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prática esta crença. Existe a suposição de que a pessoa desobrigando-se de quaisquer


atividades que esteja exercendo ou livrando-se das situações e circunstâncias atuais estaria
pronto para atingir as metas espirituais. Alguns acham-se dispostos a pagar o preço e até
preparados para o sacrifício de perder os confortos da vida familiar, mas nem sempre a
pessoa está preparada espiritualmente ou amadurecida ou sequer mostra um desejo ardente
para isso. Se não se dispuser de suficiente preparo para seguir esse caminho, com constância,
o mero impulso só poderá impedir a interrupção no corte dos laços terrenos tão queridos. É
neste contexto que se deve examinar em profundidade se se justifica a divisão mental entre as
atividades pertencentes a Deus e as pertencentes ao homem. O que estamos fazendo
realmente é dividir as atividades num corte vertical. Ramana admoesta repetidas vezes que é
esta abordagem divisória que constitui a raiz de muitos de nossos problemas. Ramana nunca
se cansa de frisar que o importante é apenas a atividade mental frente ao panorama da vida,
com suas alegrias e tristezas. Quando um devoto comunicou ao mestre sua intenção de
abandonar a mulher e o filho de modo a se livrar do Samsara, este jocosamente retrucou:
“Que mal eles fizeram?” e acrescentou: “o Samsara está na sua mente”. Quando outro devoto
pretendeu largar seu emprego para viver próximo a Ramana este admoestou-o que bastaria
que lembrasse sua presença no coração. Quando Paul Brunton alegou que a auto-indagação
contínua seria possível numa hermida na floresta e não em Londres, Ramana disse-lhe com
toda certeza que para a auto-indagação tanto a vida urbana como um retiro na floresta são
iguais. Temos também um diálogo gravado entre Maurice Frydman e Ramana. Nele o devoto
afirma que é quase impossível dedicar-se à espiritualidade e ao mesmo tempo estar envolvido
em outras atividades. Ramana várias vezes sugeriu que mudasse seu ponto de vista
lembrando-lhe que o importante é o estado da mente e que as circunstâncias não fazem
diferença. Ramana faria referência à Krishna, Adi Sankar, Janaka e Suka que ensinaram o
mesmo.
Vamos usar, por empréstimo, uma famosa expressão: “viver no mundo sem ser do
mundo”. É de suma importância conhecer isto se os ensinamentos de Ramana forem
relevantes para sua prática espiritual. Deus sabe que, para a maioria de nós, a vida não dá
descanso, não nos dá tempo para uma meditação tranqüila, nem para relaxar e nada fazer,
para sermos livres, apenas livres. Se tivermos que estabelecer uma ponte sobre a lacuna
existente entre os intermináveis deveres e atividades e a busca da verdade, como proceder?
Como atingir isso e romper com a idéia que ambos são pólos independentes e por isso é
impossível eliminar essa separação.
A primeira coisa que se deve esquecer é que isto é difícil. Tais pensamentos serão “a
maneira mais certa de se impor obstáculos por que não corresponde à verdade”. O próximo
ponto a lembrar refere-se à nossa natureza essencial que é pura e simples beatitude.
Assim temos necessidade de conseguir o tempo que for possível para meditar. Que
sejam cinco ou dez minutos. Este deve ser totalmente dedicado à meditação. A duração não é
tão importante, pois a meditação intensa, o mergulho profundo no interior da pessoa, fará seu
trabalho. Mas que trabalho será esse? Alguém pode perguntar. Ao começar de maneira
gradual, o trabalho de início não estará incluído na meditação. Assim o tempo reservado à
meditação gerará uma corrente oculta, uma espécie de sensação de paz que ficará subjacente
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durante todo o dia. A ação se desenrolará nesta atmosfera, envolta neste estado de silêncio
íntimo, o qual não será perturbado por qualquer que seja a atividade. Os trabalhos serão
melhor executados por que a mente está tranqüila, sem distração, e atenta à tarefa durante
todo tempo. A medida que desenvolvemos o que podemos chamar de “sensibilidade interior”
perceberemos que este estado nos atrairá para o interior a qualquer momento durante o dia.
Poderá surgir quando estivermos lendo um jornal, ou absortos na leitura de uma revista ou
num seriado da televisão. Mas quando chega, diz-nos Ramana, devemos nos fixar neste
estado e gozá-lo da melhor forma.
Existe a necessidade de estender o tempo de meditação. O uso adequado do tempo
ocioso por cada um de nós, não importando o quanto possamos estar ocupados, é muito
importante. O tempo perdido poderia ser “roubado” para este propósito durante o dia. Por
que gastá-lo mal? Por que não usar este tempo para gerar mais corrente interior? Afinal, em
última analise, é a única coisa que importa porque podemos facilmente verificar seu uso para
manter o equilíbrio mental, equilíbrio esse que não é perturbado por nossos esforços.
Imperceptivelmente, a perspectiva mental sofre uma transformação. Tendências à depressão
ou à irritação por parte da mente não surgirão por que esta está sempre num estado de
equilíbrio. Desse modo a atividade não será um fardo pesado. Será tão relaxante quanto a
própria meditação. A diferença entre o mercado e o santuário cessa. Tudo é sagrado. Então a
vida ativa e vida espiritual não são diferentes. Todas as atividades acham-se no mesmo nível.
Tudo é adoração no pleno fulgor da vida.

Será somente um trabalho de cozinha?

Bhagavan: sua mente parece estar desejando a meditação.


Subbalakshama: mas o que adianta? Aqui é tudo tarefa de cozinha.
Bhagavan: deixe que as mãos e os pés façam o trabalho. Você não é nem as mãos,
nem os pés. Você é aquele que é imutável. Os problemas se tornarão intermináveis enquanto
você não for consciente disso. O trabalho será difícil. Mesmo se cessarmos de trabalhar a
mente continuará divagando. Após certa hora a cozinha do Ramanasraman se assemelhava a
uma escola de Vedanta. Ao mesmo tempo em que ajudava nos trabalhos da cozinha, Ramana
combinava conselhos sobre a arte da culinária com palavras de importância prática para a
Sadhana. Quase todos os assistentes da cozinha consentiram prontamente neste penoso
trabalho porque lhes facultava a oportunidade da companhia de Ramana. Apesar disso,
praticamente cada um deles, poucas vezes, podia sentar-se na presença do mestre no salão
principal do Asram e gozar do silêncio ali reinante, ou participar das alegres sessões de
perguntas e respostas sobre diversos tópicos. O trabalho na cozinha lhes deixava pouco
tempo para meditação. Daí a observação de um mulher que seu destino era o inútil trabalho
de cozinha. Este tipo de sentimento, a idéia de que nossas tarefas interferem na meditação, é
muito comum. Uma vez que grande parte do tempo durante o qual estamos acordados é gasto
no trabalho; a chave para obter a felicidade jaz em nossa atitude com relação a ele. No
momento o trabalho que estamos executando não é necessariamente aquele que
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voluntariamente teríamos escolhido, conforme nossa natural inclinação e interesse. É


possível que se diga que o trabalho é imposto pela força do karma, o qual dá origem ao
próprio corpo. Frequentemente o trabalho torna-se mera questão de sobrevida. Neste caso
poderá ser superado no final do dia e a pessoa vá correndo para casa a fim de relaxar
assistindo a televisão, vendo um vídeo e assim por diante. Se a falta de entusiasmo pelo
trabalho não existir, a vida se torna um enfado.
Em contraste com isso vemos a Ramana, para quem nada mais poderia ser alcançado
depois de sua experiência quando jovem ao mimetizar a morte, demonstrar satisfação em
tudo que fazia. Podia se notar a mesma alegria e o mesmo interesse fosse ao corte de
vegetais, na correção de provas, anotando no livro de apontamentos ou explicando alguma
doutrina filosófica abstrusa. Ramana admoestaria os devotos para prestar atenção no que
estavam fazendo e não considerar o trabalho algo tedioso e mecânico. Certa manhã quando
descia da montanha, acompanhado por um assistente surgiu um varredor chamado
Rangaswami que também descia, e pretendeu prostrar-se diante dele. Ramana lhe disse:
“fazer o seu trabalho de modo diligente já é prostração” e assim cruzou a porta do Ashram.
As pessoas que se achavam ali sentadas levantaram-se e tornaram a se sentar dirigindo-lhe
seus respeitos. Ramana sublinhou: “a verdadeira genuflexão não é sentar-se ou levantar, é
fazer o trabalho com Shraddha (vontade, fé)”. Na cozinha ele daria orientação para que os
pratos fossem preparados com bom paladar. Acentuaria a necessidade de moer e cobrir os
vegetais e assim por diante. Certa feita Lokamma recitou mal um verso em “Tevaram”
referente à falta de atenção. Bhagavan notou o fato e lhe disse: “não está certo, leia-o outra
vez”. Apesar de tê-lo relido várias vezes, ela continuou a errar porque sua mente não estava
concentrada na recitação. Bhagavan insistiu para que recitasse o verso corretamente antes
que voltasse a trabalhar na cozinha.
Embora tenhamos vontade sincera de executar nosso trabalho e deveres, às vezes,
apesar de nosso propósito, sentimo-nos aborrecidos com eles. O exemplo e os avisos de
Ramana parecem ser inúteis. A doença é muito profunda e talvez a culpa não recaia sobre o
fato de o trabalho não ser necessariamente do tipo que a pessoa escolheu ou que se coadune
com seu temperamento. O erro está em nossa inabilidade em controlar nossa mente. Os
pensamentos nos levam para lá e para cá, de modo a não nos concentrarmos no trabalho e
assim nos sentirmos cansados e indiferentes quando o terminamos. O que se dissipa é a
energia mental. A inabilidade de nos empenharmos totalmente no trabalho que estamos
executando não se deve ao trabalho em si mesmo e sim porque a mente está dispersa durante
sua execução. Tal condição surge por causa da fraqueza da mente. Parece, entretanto, que a
pessoa deve livrar-se das garras do turbilhão de pensamentos se pretende aprender a trabalhar
de maneira relaxada e atenta. A auto-indagação é o meio direto disponível para conseguir este
objetivo. O próximo obstáculo no caminho é resultado da desorientação da mente. Nós nos
consideramos arquitetos da ação e de seus resultados. Não resta dúvida que o esforço é
necessário. Entretanto não há garantia que o trabalho tenha os resultados desejados. Isto à
parte, nosso esforço é freqüentemente inadequado e deplorável, muito embora nosso desejo
de atingir o alvo seja forte e persistente. Desse modo a preocupação é certamente nosso
destino. Repetidas experiências que ocorreram na vida podem nos ensinar a reconhecer como
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verdade o fato de que seus resultados são divinamente pré-ordenados. Esta idéia fixa da
mente se observa numa escala maior quando se relaciona à prática espiritual. Esperamos que
o guru faça os trabalhos de casa para nós e graciosamente nos dê o auto-conhecimento.
Sentimo-nos aborrecidos pelo retardamento em nosso progresso a despeito do que chamamos
“render-se ao guru”. Como Ramana certa vez disse a Rangan: “tão logo chegam aqui,
alguns querem se tornar jnanis, mas ignoram o esforço que isto implica”. Neste caso,
também, devemos aprender a vencer o hábito de ansiar pelos resultados; seja sob a forma de
visões, sonhos, poderes ou qualquer outra aquisição que a pessoa obtenha. O indivíduo deve
aprender gradualmente a apoiar-se no poder de Ramana; de outra forma o trabalho e a
meditação tornam-se tensos e com isso as correntes acalmadoras da meditação que trazem a
paz não fluirão. A mente de um devoto que se tornou introvertida permanecerá assim quer na
meditação, quer no trabalho. E seria uma pena se ele perdesse ambas as oportunidades. A
menos que se tome cuidado, deixaremos de usufruir pela vida à fora a felicidade que é nossa
natureza essencial.

Qual a razão da vida?

Discípulo: qual o propósito da vida?


Bhagavan: buscar o conhecimento do significado da vida é, por si mesmo, resultado
do bom karma originário de vidas passadas. Aqueles que não buscam este conhecimento
estão simplesmente perdendo suas vidas. (Diálogos)
Ramana orienta a atenção do questionador para a importância da descoberta do
sentido da vida. Cabe a cada um de nós trabalhar para isso e encontrar por si mesmo. A
experiência tem que ser individual e qualquer explicação ou declaração feita por outrem é
apenas um ”ouvi dizer”. Muitas pessoas ficam, no dia-a-dia, absortas nas ocorrências
imediatas ou seja em seus trabalhos ou profissões ou com parentes, amigos ou diversões.
Eles são infelizes porque suas vidas são superficiais, epidérmicas, mal gastas em prazeres e
trivialidades. Aparentemente nenhum acontecimento ocorrido em suas vidas fê-los parar para
uma reflexão mais profunda. Nada os despertou emocionalmente para que começassem a
observar a inutilidade de suas vidas. Comumente é o sofrimento que os abala mais
profundamente fazendo com que analisem os acontecimentos de suas vidas. Foi um choque
provocado por uma sucessão de fatos calamitosos – como a morte do marido e a perda de
filhos – que atormentaram o coração de Echammal e a levaram à Ramana . A dupla tragédia
da morte de ambos, seu filho e sua irmã, que se afogaram num poço de sua própria casa, fez
com que Narasimha Swami optasse pela renúncia e se encaminhasse para Ramana. Do
mesmo modo o anotador dos Diálogos, Munagala Venkataramayia,buscou Ramana num
período muito crítico de sua vida. Subbramayia buscou o consolo e a orientação de Ramana
por estar aturdido com a morte de seu filho pequeno. É verdade que a tristeza faz com que a
pessoa reavalie valores muito queridos. Mesmo nossas preces são mais intensificadas nos
períodos aflitivos, quando as ocorrências se fazem presentes. Mas a pessoa deve fazer uma
pausa para introspecção e verificar ser é correto esperar que a desgraça acene objetivando nos
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apontar o significado e o propósito da vida. Será que devemos ser tão tolos e esperar pelo dia
do juízo final?
O tempo não espera. Ele é implacavelmente preciso. Toda nossa vida é predeterminada
a partir da data de nosso nascimento. É um produto do karma. O corpo tem que passar por
certas experiências, boas, más ou indiferentes. Após isto, a morte nos leva. Somente no caso
dos jnanis é que o senhor da morte tem que esperar a fim de saber se eles estão prontos a
deixar o corpo. Para eles o corpo humano sobrevive apenas para benefício da humanidade e
não tem origem kármica. Para nós, quando o karma chega, a vida também termina. É
somente em casos excepcionais que o prolongamento da vida humana é concedido pela graça
do guru. Temos o caso de Jagadiswara Sastri que se recuperou de doença fatal após
insistente pedido à Ramana. Temos, também, o caso Rangaiyer que conseguiu superar a
fatalidade ao permanecer na presença de Ramana.
É certo também que em algumas ocasiões a vida foi prolongada sem o conhecimento
da própria pessoa, pela ação secreta da graça de Ramana. Ramana disse à Rani de Baroda
que tudo é possível para o onipotente guru. Entretanto, devemos lembrar que essas mudanças
no curso natural dos acontecimentos é mínima e depende da profundidade da entrega de si ao
guru. É mais seguro considerar excepções como expceções e não se fiar nelas. A morte
poderá soar a campainha a qualquer momento, a qualquer minuto, a qualquer segundo. Uma
vez que a pessoa não saiba quando a operativa força kármica chegará a seu fim, é bom estar
pronta para a chamada.
A questão é: “pronto para que”? A resposta deverá ser: pronto a pesquisar o propósito
da vida em toda sua profundidade e entender o que representa. É por isto que Ramana diz
que entender o propósito da vida é produto do bom karma do passado. Esta é sua
importância. Neste caso o passado deve ser entendido como não apenas as ações
provenientes do nascimento do corpo, mas também aquelas que tenham sido originadas até o
tempo em que se inicie a pergunta sobre o objetivo da vida.
Além disso, a expressão “bom karma” usada por Ramana deve ser meditada. Ações
altruísticas em benefício da humanidade são usualmente consideradas como boas. É fácil
entender isso. Mas o problema é que, furtivamente, a pessoa manifesta o desejo de
reconhecimento pelo bem que fez, além da exaltação do seu nome elevando sua fama, os
quais, por serem de seu interesse macularão o propósito. Deste modo o teste mais positivo é,
na realidade, a atitude da mente em relação ao ato que se pratica. Com este critério em mente,
a ação tem de ser classificada como boa ou má. A ação “má” é aquela que nos prende cada
vez mais aos interesse e à existência egocêntrica. Por outro lado, as boas ações são as que
inclinam a pessoa para Deus, as que a interiorizam. Ramana faz essa distinção nos segundo e
terceiro versos do “Upadesa Saram”. A má ação nos levará a repeti-la mais e mais como
resultado de nossa inabilidade de ver além do nariz; da inabilidade em interrompê-la e
ponderar sobre o significado da vida. O outro tipo de ação, que é executada com atitude de
doação a Deus, nos leva para além da dessa floresta do karma. Portanto aquele que age com a
idéia fixa de que é o arquiteto das ações e que colherá seus frutos será levado à tragédia de
morrer mais ignorante do que quando nasceu. A idéia de dar é a de não ser o autor. A menos
que isso seja enquadrado como bom karma, o “ganso da pessoa terá sido bem cozido”. O
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significado do bom karma, portanto, jaz no fato de que ele atua como um aspirador de pó,
limpando a mente ao sugar a poeira dos pensamentos negativos egoístas. A purificação da
mente faz com que a pessoa obtenha sucesso na auto-indagação conduzindo-a ao auto-
conhecimento. Quando a mente se interioriza, metade do trabalho foi feito. Ao invés de
“vagar com a mente irrequieta” o divagante está apto não só a indagar a finalidade da vida,
mas também a encontrar a si mesmo. A atenção fixada no “Eu” mantêm a vida interiorizada
em sua fonte. Só então a vida será favorável, será uma bem-aventurança e não um mero
intervalo cronológico. Quando o trabalho interior iniciado pelo bom karma é sustentado pela
auto—indagação continua, o mito da doação esvanece na plenitude da existência.

Os deslumbradores da mente

Posto que os poderes pareçam maravilhosos para aqueles que não os possuem, ainda
assim são apenas transitórios. Todas essas maravilhas acham-se contidas no Ser uno e
imutável. (Diálogos)
“Mestre, posso operar milagres como outrora fizeram Sri Krishna e Jesus”? Perguntou
Hmphreys, o primeiro ocidental a se encontrar com Maharshi. “Existem yoguis dotados de
poderes ocultos, que pensa o Maharshi a respeito deles”? Indagou Evans Wentz, um cientista
pesquisador de Oxford. Não é bom adquirir poderes ocultos? A individualidade é evidência
de sabedoria avançada? A auto-realização implica desenvolver poderes ocultos? Leadbeater
descreve suas vidas passadas a partir da clarividência. Será útil adquirir tais poderes? Será
que o jnani tem somente paz, ou tem poderes também? Não poderemos regenerar o mundo
por meio do poder de austeridades? Estas são algumas perguntas típicas do desejo ardente,
manifesto ou secreto a fim de adquirir mais poderes através das práticas espirituais. Alguns,
às vezes, imaginam que se buscarmos tanto a paz e a felicidade domo os poderes ocultos,
alcançarão uma sensação de bem estar. O despertar de poderes sobrenaturais é sempre
questão de anseio pelo prodigioso, pelo milagre. Na realidade eles deslumbram a mente e
levam à adoração de tais poderes.
Entretanto um buscador da verdade não deveria dar guarida à inegável atração dos
“siddhis”, mas sim ponderar sobre sua real utilidade. A pessoa deve indagar a si mesma
algumas questões básicas. Por que sou eu um Sadhaka? (discípulo espiritual) O que é que
busco? Será o auto-conhecimento? Os poderes facilitarão uma ligação consciente com o
Divino? O caminho para obtenção de poderes é um atalho ou uma via real? Será que
desviarão a pessoa da busca pela verdade ou o ajudarão na prática espiritual?
É importante não apenas para levantar inicialmente essas questões, mas também, para
manter a lembrança do objetivo do esforço espiritual. Se perdermos de vista a meta, se
deixarmos os objetivos esmaecerem, existe o grave perigo de desperdiçarmos nossa munição
espiritual.
É por essa razão que Ramana sempre tenta afastar a pessoa do engodo que representa
a busca pelo oculto. Falando sobre a clarividência, que permite a visão de nascimentos
anteriores, Ramana faz a pergunta: “que utilidade terá na vida diária?” Afinal estes são
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nascimentos de corpos. Tal conhecimento não vale a pensa ser buscado, pois não fará a
pessoa mais feliz ou mais sábia. No momento atual, se observarmos atentamente, já temos
suficientes problemas oriundos da memória da vida atual os quais somos incapazes de
expulsar a nossa vontade. Por que acrescentar à sobrecarga memória? Da mesma forma
falando sobre clarividência Ramana aplica um teste contundente ao estender a pergunta
sobre a utilidade que a mesma possa ter na vida diária. Importa realmente, se nossa visão é
próxima ou distante? A visão é para aquele que vê. Não deveríamos buscar quem é o vidente?
Quando alguém se referiu à descrição feita por Paul Brunton de que um yogui em Madras
podia comunicar-se com seu guru no Himalaia, Ramana esclareceu que isto significa apenas
que o poder de audição do yogui havia se estendido. Seu raio de ação se ampliara além da
distância normal de audição para o espaço entre madras e o Himalaia.
Neste caso novamente a capacidade de ouvir seja próximo ou distante, necessita do
sujeito, o ouvinte. A pessoa deve buscar a verdade sobre aquele que ouve ao invés de
procurar a capacidade de ouvir sons distantes. Ramana diria que o fundamental é o
conhecimento sobre o sujeito a respeito do qual, esse poder se relaciona. Quando um
visitante perguntou sobre os poderes de um super-homem, Ramana replicou: “quer os
poderes sejam grandes ou pequenos, quer tenham origem na mente ou na super-mente, eles
existem e se referem àquele que tem o poder. Descubra quem ele é”.
Ramana enfatizou a limitação desses poderes com relação a sua validade para a
obtenção das metas espirituais. Em última análise, todo esforço tem por meta tornar a pessoa
consciente de sua inerente felicidade. Admitamos que através da prática assídua a pessoa
possa adquirir algum poder oculto. A seguir a pessoa procurará, naturalmente, algumas
oportunidades para exibir esses poderes e receber a aprovação e o aplauso dos outros. Os
poderes podem ou não surgir no início, além disso, o campo dos poderes também é
competitivo. Poderão existir outras pessoas mais experientes ou que possuam mais vastos
poderes. O público poderá correr em bando atrás desses últimos e assim despertar-lhe o
ciúme. Em suma a tentativa de chegar ao nível de despertar os poderes ocultos é comparável
à busca das pessoas pelo sucesso. A pessoa pode apostar que existirão outros com o mesmo
poder ou até maior. O desejo inconsciente por nome e fama é outro perigo que não pode ser
subestimado. Neste nível de obstáculos a pessoa terá que enfrentar o desejo de obter mais
poderes e de temer a perda daqueles que já possui. Onde estará, então, a felicidade em tudo
isso?
Em referência ao que foi ponderado por Ramana, pergunta-se se o buscador de
poderes não estará trocando a felicidade permanente por ganhos transitórios. Esse perigo
nasce do fato de que os poderes ocultos, que são adquiridos através de certas práticas
espirituais, poderão ser perdidos, caso a pessoa não se dedique a elas com constância. No
carrossel da vida a pessoa pode se tornar relaxada em suas práticas e deste modo perder os
poderes.
Esta é razão de sobra para que o discípulo se afaste do ocultismo e da fome por
poderes espirituais. Está escrito que alguns destes poderes espirituais possam brotar ao
aspirante espiritual sem que este se empenhe conscientemente para obtê-los. Neste estágio a
pessoa se sente numa encruzilhada. A pessoa se atrasa caso ceda à tentação de adquirir
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poderes. Aquele que é corajoso os ignora, deixando-os de lado. Então segue em frente com fé
inabalável e consciente de que o auto-conhecimento é sua meta.
Os poderes ocultos, sobre os quais estamos analisando, tem como característica
marcante o fato de se desenvolverem através do trabalho da mente. Os poderes mentais são
obtidos através do poder vontade daqueles que os possuem. É contra isso que a pessoa deve
ter cuidado.
A manifestação natural de poderes que vemos nos grandes santos, videntes e jnanis são
de uma categoria diferente. Por quê? Por que não existe participação da vontade individual,
pois se renderam ao poder Supremo. Suas mentes acham-se fixadas no coração espiritual.
Suas mentes-ego acham-se mortas no sentido de não possuírem mais “sankalpas”. Eles não
tem mais desejos, não utilizam mais a mente como base para fazer milagres. Mesmo assim
realizam muitos milagres. O Swami Narasimha deu-nos uma demonstração gráfica
mostrando como o corpo de Ramana levitou desde a caverna virupaksha até Tiruvottiyur,
local onde Ganapati Muni fazia penitência. Ramana o abençoou com um toque e retornou à
caverna. Ramana não desejou conscientemente fazê-lo, mas mesmo assim o fato aconteceu
por ser ele um canal puro através do qual operavam os poderes Divinos. A explicação a
respeito dos “milagres” de Krishna, Jesus e outros mestres é a mesma. O poder deles revela
a plenitude do poder Divino o qual opera por seu intermédio e que é feito de modo
espontâneo e sem esforço individual. O poder venerado e admirado pelas pessoas, é, pois,
espontâneo e ilimitado. É o verdadeiro siddhi

O Progresso do peregrino

“Quando viajei de Calcutá para madras havia sinalizações e placas de horário para
me orientar no trajeto”. Mas qual seria meu guia em minha busca do Eu? (Diálogos)
Estamos fazendo progresso? Quanto tempo levaremos para atingir a meta? Tais
perguntas surgirão na mente agora e sempre. A premência que envolve essas perguntas estará,
por certo, na dependência da importância que se dá ao auto-conhecimento e no anseio que a
pessoa tem em obtê-lo, mas todos desejam saber como está seu progresso. Quanto já galgou
no caminho espiritual. Com respeito a todas as outras atividades existem meios de se medir,
como por exemplo, o aumento de seu saldo bancário, a subida na escala social e conquista de
postos oficiais, o incremento de seu prestígio político e assim por diante. A evidência do
sucesso estimula o indivíduo e faz com que se esforce por atingir as metas as quais tinha em
mira.
Entretanto quando se refere à busca interior, à procura da verdade, nada parece ser
tangível, nada existe de específico no que se prende ao julgamento do que posse estar
acontecendo no momento. Será que o indivíduo se acha ainda estacionado no início do
caminho? Ou está fazendo algum progresso? Ou será que está próximo à meta? O progresso
ou sua falta não pode ser imediatamente percebido. O problema é inevitável nesta situação,
pois não há meios objetivos de se fazer avaliação. “Não existem sinalizações nem placas de
horário para guiar-nos”. Além do mais não há um percurso a ser atingido. Isto por que já
nos encontramos no próprio destino. Isto não é apontado aqui em termo de um enigma a ser
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decifrado, pois é justamente a verdade, a plena verdade. Por quê? Por que a pessoa jamais se
acha divorciada do Eu Divino, o qual está procurando. O indivíduo não está nem longe nem
separado Dele. Pelo fato de o “Eu” ser a plenitude da consciência, é sua luz que energiza a
mente e o corpo e permite sua atividade. Entretanto em termos práticos esta verdade não
significa nada para nós. Estamos infiltrados num mundo de falsos conceitos e idéias ilusórias.
O esforço deve ser feito no sentido de nos afastarmos do mundo das idéias, da opressão da
mente e descobrir nosso estado natural. A jornada espiritual é, portanto, uma questão de um
desenvolvimento paulatino, de descobrir a pouco e pouco a capacidade de despertar nosso
poder oculto no objetivo de remover tudo quanto restringe e limita a consciência espiritual.
Isto nos leva a perguntar se não existe qualquer teste durante o período da “sadhana”,
através do qual possamos saber por nós mesmos se alguma transformação ou mudança
expressiva teria ou não ocorrido. Se não há critério, então o indivíduo pode ficar
presumidamente contente, ou desconfiado, ou presunçoso e desviar-se do rumo. Felizmente
pode-se notar a mudança se formos atentos. Existe um espelho, semelhante àqueles que a
madrasta possui na história infantil da Branca de Neve, que sempre fala a verdade. Este é o
espelho de nossos pensamentos e ações. Temos, porém, que ser suficientemente sensíveis
para ler a mensagem, que vai sendo gravada no dia-a-dia e que diz respeito ao nosso
relacionamento com as pessoas, às nossas idéias e coisas. A observação atenta nos dirá sua
própria história. Tal observação é uma necessidade a fim de verificar se não estamos falhando
em ambas as frentes, seja “aqui neste mundo”, ou também “lá na morada de Deus”.
Para iniciar, a pessoa geralmente se depara com o problema da mente fraca, uma mente
dividida contra si mesmo e labutando com intenções negativas. A meditação torna-se uma
batalha entre o anão e o gigante, tal como uma batalha no campo de Kurukshetra entre
pandavas e kauravas. Se a pessoa persiste valentemente, a despeito disso, a mente adquire o
poder de permanecer num só pensamento. Como Ramana expõe: “o grau de concentração
num só pensamento são as medidas para avaliar o progresso espiritual”. Isto por que é a
capacidade da mente em unidirecionar-se propositadamente que caracteriza a libertação. A
paz na hora da meditação não se limita a corrente sutil da atmosfera na qual agimos.
Isto leva a pessoa ao segundo sinal de sucesso na prática espiritual. A mente adquire a
capacidade de encarar o sucesso e o fracasso com igualdade. Ninguém tem um esquema que
permita um sucesso infalível. O poder mental adquirido através da prática assídua se
mostrará quando os desapontamentos surgirem de maneira abundante, quando os desânimos
mostram sua face. Como Ramana disse a Humphreys, os resultados se apresentarão de todas
as maneiras “seja pela paz mental, em todos os aspectos, mas sempre um poder
inconsciente”.
Ramana diz que se o indivíduo está dominando a mente, surgirá “vairagya”, isto é o
desapego pelos valores mundanos e assim um desinteresse pelos prazeres sensuais se
desenvolverá. O desinteresse não é a negação: “não, não, estas uvas são amargas”. Não se
trata das desilusões provocadas por fracassos na vida. Na verdade trata-se de uma atitude
positiva nascida da percepção que o mais alto sentimento de felicidade não pode comparar-se
com o que estamos perdendo ao relegar ao prazer. Desenvolve-se então a conscientização de
que a beatitude do ser Divino está se mostrando. O que acontece é uma mudança nos
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julgamentos, pois os esforços inteligentes nos capacitam a interiorizar e partilhar da alegria


inerente à vida espiritual.
Aqui é válido se prevenir contra o pessimismo e auto-julgamento de qualquer tipo.
Ramana disse: “um simples esforço mesmo que seja por apenas um minuto” trará fruto em
seu devido tempo. Que mais pode alguém querer além desta garantia? Ou talvez o diálogo de
Ramana com Rangan seja mais encorajador. Rangan sentia-se desanimado ao pensar que,
apesar de participar da companhia de Ramana, seu ego se mostrava mais patente. Ramana
lhe disse: “se o ego tem que desaparecer, tudo quanto está escondido deve vir à tona.
Quando você bota água num fogão para aquecer ela não ferverá até derramar?”
À medida que caminha, a pessoa poderá sentir, por si mesma, o sinal do progresso.
Como diz um ditado popular “não se precisa de lente para ver uma ferida no dedo.” é
evidente por si mesma. Da mesma forma, ninguém necessita confirmar ou negar o que está
acontecendo na vida espiritual, sua beleza florescerá de mil maneiras.

Devemos rezar?

Dr. Syed: se uma pessoa reza para seu benefício espiritual, por exemplo, durante dois
anos, mas não é atendido, que deve fazer?
Bhagavan: pode acontecer. É para benefício da pessoa que a prece não é atendida.
Devoto: nossas preces são atendidas?
Bhagavan: sim, são atendidas. Nenhum pensamento será inútil. Qualquer pensamento
produzirá seus efeitos num ou outro tempo. As forças dos pensamentos nunca serão
desperdiçadas.
(Dia-a-dia com Bhagavan)
Deve-se rezar? Será que o onisciente Senhor não conhece nossas necessidades? A
pessoa terá necessidade de expressar seus desejos e vontades ao poder superior? Não será
razoável assumir que nossos desejos já são conhecidos por este poder? A pessoa não deverá
se envergonhar por pedir coisas mundanas ao invés de firmemente solicitar a benção da auto-
realização de um satguru? Nossas preces serão atendidas? Se forem, por que será? No curso
de nossa sadhana diária estas são algumas das dúvidas que surgem sobre a necessidade da
prece e sua eficácia.
A prece é o reconhecimento do fato de que há situações na vida nas quais sentimo-nos
desamparados, o que nos compele a buscar recurso e ajuda no ser Supremo. Em sua forma
mais elevada a prece é uma entrega total e irrestrita a Deus, ao satguru. Tal submissão só é
possível se o sentido de autoria da ação por parte do devoto não existir. Isto implica na
constante conscientização da verdade de que a ação e seus resultados são regulados pelo Ser
Divino. Se existir essa submissão, a questão relativa às preces individuais praticadas de
tempos em tempos não surgirão. A pessoa se torna um vigilante de Deus e essa fé e confiança
leva a uma aceitação inquestionável sobre o que a vida poderá trazer, seja algo de bom ou
mal.
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Muitos de nós, entretanto, não parecem estar espiritualmente preparados para assumir
esse poder geral de procurador do satguru. Nossa força e fraqueza dependerão de nossa
confiança e fé em nós mesmos, mas o destino é invisível, potente e sempre pronto para nos
mostrar os “doce-amargos” da vida e nos confudir com seus becos sem saída. Quando
atingimos esta etapa pedimos ajuda ao satguru. A prece é, pois, natural e inevitável levando
em conta nossa atitude mental. Consequentemente observamos uma corrente contínua de
preces, dia sim dia não, independentemente de nossa vontade, pois cada um de nós é
inconsciente de que é a própria plenitude da consciência. Nossa lista de pedidos a Deus é
extensa. Os devotos de Ramana velhos ou novos, não são exceções. Os relatos deles são uma
franca confissão destes fatos. Manavasi Ramanaswamy Iyer por sofrer de dispepsia
procurou Ramana para curar seu mal. Como ele próprio admitiu, inicialmente, não procurou
o mestre para qualquer orientação espiritual. Estava doente e queria ser tratado. E foi curado;
embora Ramana tenha lhe admoestado que “não era médico nem mágico”. Devajara
Mudaliar não hesitava em relatar a Ramana todo e qualquer problema que lhe ocorria, seja
sobre sua precária saúde ou suas preocupações como curador oficial na corte distrital de
Chittor. Estes relatos eram tão normais como as que uma criança faz a seus pais. Neste caso,
porém, Mudaliar estava seguro de que os problemas estavam resolvidos ao relatá-los à
Ramana, por que a prece estaria implicitamente envolvida no fato. Muitos casos são
referidos sobre pedidos de ajuda à Ramana com referência ao casamento entre crianças ou
problemas com a prole dos devotos.
Ramana era para com seus devotos a “vaca celestial, Kamadhenu” atendendo suas
preces e desejos. Não se via Ramana desaprovar tais preces, pois sabia da fraqueza humana.
Só que ele nunca admitia o fato que a ajuda fosse dele. Vê-se então que é perfeitamente
legítimo fazer solicitações à Ramana. Não há necessidade de nos deprimirmos com uma
sensação de culpa por isto.
Até aqui tudo bem, mas o que dizer sobre as preces que não são atendidas? Quais as
implicações de tais preces? Ramana ressalta na primeira referência que o não atendimento à
prece é verdadeiramente uma benção. O fato é que temos visão curta. A agenda kármica é
desconhecida por nós. Frequentemente desejamos coisas que, quando recordadas, mostram
ser tolas ou eivadas de sofrimento. A vida do santo Saivita, Sundara Murthi Nayanar,
abunda com exemplos de “poderosa compaixão” de Deus que o salvou de muitas
calamidades que estariam para acontecer.
Alguém pode pensar que isto se aplica somente em relação a assuntos materiais.
Ramana respondeu que não é assim. Ao ser perguntado sobre o assunto em tela, mesmo em
relação às questões ligadas ao caminho espiritual, os pedidos nem sempre são
necessariamente atendidos, pois neste campo a negação em atendê-los pode ser benéfica. As
preces solicitando progredir na vida espiritual sofrem da mesma enfermidade, ou seja,
ignorância do quadro geral do progresso. Pode acontecer que a tentativa de acelerar o passo
atue em detrimento do progresso para obter a introspecção. A prece é a forma sólida do
intenso desejo de se obter algo particular, semelhante ao gelo da água. Os pensamentos têm o
seu momento, seu próprio poder. Isto acontece por que os pensamentos surgem do coração e,
quando tem o apoio da atenção repetida por parte do indivíduo, então o desejo está certo de
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ser satisfeito. Torna-se uma poderosa força kármica imprimindo direcionamento àquilo que o
indivíduo tem que experimentar. Se nesse meio de tempo, o indivíduo permanecer firme na
identificação com o Eu, o atendimento a suas preces , quando acontece, passará a ser algo
indiferente para ele.
Como a individualidade não mais existe, a satisfação oriunda de um ardente desejo
anterior não lhe afetará.
De modo oposto, enquanto permanecer a individualidade, a pessoa talvez tenha que se
arrepender pelo atendimento à prece, uma vez que a força do pensamento ao dar frutos no
seu devido tempo, poderá ter conseqüências desastrosas. Portanto grande deve ser o cuidado
e prudência quanto ao conteúdo da própria prece. A pessoa deverá escolher bem seu conteúdo
ético. Caso contrário quando a força do pensamento disparar, poderá tornar-se um
bumerangue. A prece sabiamente praticada implica em dirigir-se ao Satguru a fim de criar
uma atmosfera de paz na qual a pessoa possa prosseguir no caminho em direção à
introspecção não afetada pelo estorvo dos incessantes pensamentos.

Sonhos

Visitante: quando sonhamos, acordamos dele sem qualquer esforço de nossa parte. Se
essa vida é um sonho, como se diz ser, como é que somos solicitados a fazer esforços para
terminar o sonho e despertar em jnana?
Bhagavan: durante o sonho você não tem nem uma vaga idéia que esteja sonhando e
por este motivo você não tem a obrigação de sair dele com esforço. Mas nesta vida você tem
alguma intuição no que se refere à experiência do sono, através da leitura ou do aprendizado,
de que a vida é algo semelhante a um sonho e, portanto, esboça-se em você uma obrigação de
fazer um esforço para sair dele.
(Dia, após, dia com Bhagavan).
A cada dia, passamos pela experiência dos estados de vigília, sonho e sono profundo.
Ao final da jornada o que é que sabemos sobre estes estados? Simplesmente nada. O tempo
vai passando e deixamo-lo ir. Não é mister que devamos refletir a respeito da natureza dessas
experiências e a quem elas se relacionam? O tópico sobre o qual estamos tratando diz
respeito aos “sonhos”. Os sonhos são as experiências que vivenciamos quando não estamos
acordados nem quando estamos mergulhados em sono profundo. Eles vão e vêem. Quando
acordados os rotulamos de sonhos e os consideramos como “irreais” em contraposição às
experiências da vigília que parecem ter continuidade e as vivenciamos por longos períodos.
Qual o valor dessa distinção? Quando no sonho temos fome é necessário comer alimento
onírico; se estamos doentes devemos procurar um médico onírico. As “realidades” do estado
de vigília são irrelevantes quando estamos envolvidos num sonho. O fato de a pessoa ter se
alimentado fartamente ou estar em gozo de perfeita saúde antes de entrar no sono não
importa. No sonho ela experimenta a fome ou a doença que só pode ser superada com
remédios oníricos. Para corroborar, no sonho existe a convicção de que os acontecimentos se
desenrolam, por exemplo, pela espaço de quinze anos quando para a realidade da vigília
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decorreram apenas cinco minutos! Isto por que as medidas de tempo nos vários estados de
vigília, sonho e sono profundo, também, são diferentes. Além disso, apesar de os sonhos
possam parecer automáticos e sem conteúdo, na verdade são oriundos do karma como o são
as experiências da vigília. O karma inerente a cada um tanto pode operar no sonho como na
vigília. O poder kármico que dá origem ao sonho controla quanto tempo deverá durar e
quando deverá cessar. As experiências que se reservam durante o sonho são tão reais,
enquanto se sonha, quanto as que se desenrolam durante o período que estamos acordados.
Vejamos uma ilustração disso dada por Ramana. Uma pessoa adormece no salão do
Ramanasramam e sonha que viajou por todo o mundo percorrendo montanhas, vales,
desertos e florestas, cruzando vários continentes. Após muitos anos de fatigante viagem ele
volta à Índia, alcança Tiruvannamalai, entra no ashram e perambula pelo salão. Neste
preciso momento ele acorda. Durante o período que ele vagou e sofreu no sonho, essa
experiência não lhe parecia real? Não terá ele padecido durante esse período? Trata-se de
uma manifestação kármica dolorosa, que de modo condensado, revelou-se durante o período
de sonho embora pareça durar pouco em comparação aos valores de tempo usados na vigília.
Quando sonhamos percebemos suas cenas como reais, mas quando acordamos as
qualificamos como irreais. De modo semelhante se experimentamos um estado diferente da
vigília podemos perceber a “irrealidade” dele. É possível que os tratemos como “sonhos”.
Esta possibilidade é focalizada nas escrituras e nos ensinamentos do Satguru. Dizem-nos que
existe um quarto estado, “Turiya” além dos três estados citados: vigília, sonho e sono
profundo. Ramana chama nossa atenção para este 4º estado, o qual, sendo natural, está ao
alcance de qualquer pessoa.
Quando se volta ao estado natural persiste o estado de sonho? Não. Por quê? Por que
os sonhos aparecem de modo involuntário e terminam automaticamente. Presentemente, isto
é, durante sua ocorrência, não existe vontade individual. O estado de sono profundo também
deve desaparecer por essa mesma razão. Isto por que a mente é nascente e está submersa na
ignorância durante o sono profundo. Por esse motivo Ramana diz que nenhuma obrigação
cabe àquele que dorme ou que sonha de fazer qualquer esforço; de fato o próprio esforço é
impossível.
Se o estado de vigília é semelhante ao “sonho”, alguns devotos perguntaram à
Ramana se haveria necessidade de esforço com objetivo de por fim a este “sonho”. Será que
não terminaria automaticamente como acontece ao estado de sonho? Eis a dúvida que
tiveram. Este raciocínio se baseia na falta de lógica. Quando os sonhos terminam, o sonhador
não retorna mais sábio do que era antes dos sonhos começarem. Se o esforço requerido, que
na verdade é possível não for feito no sentido de se interiorizar e permanecer fixado no
estado de “Turiya” a pessoa continuará a perceber as experiências da vigília como reais e não
como sonhos que essencialmente são.
Ainda sobre o tema dos sonhos, a pessoa deve considerar “auspiciosos” aqueles que
são tão vívidos que deixam forte impacto por toda a vida. Temos o relato de Paul Brunton a
respeito de um sonho que teve no Ramanasramam. Ele se viu como um garoto de cinco anos
sendo conduzido pela mão firme, por uma figura gigantesca de Ramana até o topo de uma
montanha. No cume pediram que olhasse ao redor e percebesse que todo o hemisfério
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oriental se estendia até o nível do oceano. Após isso, apesar dos altos e baixos de sua
sadhana, Paul Brunton nunca se esqueceu do fato de que Ramana o elevou ao Ser supremo
através desta experiência. Temos também a narrativa de K.K. Nambiar sobre seu sonho. Nele
Ramana confirmou sua fé em cantar os hinos sagrados. Estes sonhos são produtos do bom
karma das pessoas afortunadas. Mas se não necessita desejá-los intensamente por que o
estado de sonho não tem qualquer valor espiritual? Além disso, se você busca sonhos que
sejam vantajosos deve, também, estar preparado para os desfavoráveis.
E sobre os Jnanis? Será que tem sonhos? Por que não? Ramana diria: se eles têm os
outros dois estados de consciência mental – vigília e sono – também os sonhos devem existir
para eles. Certa vez Ramana narrou um sonho no qual teria subido uma montanha
juntamente com Chadwick e outros. Quando retornaram se viram numa larga avenida
ladeada por arranha céus. Mostrando os arranha céus, os edifícios a Chadwick e aos demais.
Ramana perguntou-lhes: “pode-se dizer que o que vemos é um sonho?” Eles Responderam
em coro: “que tolo diria isto?” Eles prosseguiram no caminho e entraram no salão do
Ashram quando então o sonho terminou. Isto significa que não existe diferença entre atitude
dos jnanis e a nossa atitude em relação aos sonhos? Só aparentemente é assim. De fato existe
um mundo de diferenças: o jnani é consciente que está sonhando e que o sonho é “irreal”.
Sono profundo, sonho e vigília são vistos por ele como estados mentais transitórios na
plenitude da consciência em que se acha mergulhado.

A vida pode se extinguir?

Jivarajani: qual a natureza da vida após a morte física?


Bhagavan: descubra primeiro o que existe na vida presente. Por que se preocupar
sobre a vida após a morte? Se você realizar o presente, saberá sobre tudo mais. (Dia-após-
dia com Bhagavan)
Senhora: é possível saber a condição do indivíduo após sua morte?
Bhagavan: é possível, mas por que tentar sabê-lo? Todos os fatos são apenas tão reais
como aqueles que os busca. (Diálogos)
Vemos que muitos daqueles que indagaram a Ramana sobre nascimento, morte e
reencarnação não se interessavam pelo que é mais importante. “Que é o nascimento? ’ Ou
“que é a morte”?”, “Quem é que nasce, “Quem é que morre”?” Aqueles que faziam as
perguntas eram pessoas que se preocupavam com a necessidade da continuidade do
relacionamento com os outros após a morte. Se um querido filho ou esposa ou amigo morrem
continuaremos a ter ligação com eles após a morte? A morte significa o fim do
relacionamento ou este pode ser perpetuado após ela? A ligação entre as pessoas poderá se
estender à próxima vida? Isto tudo por que “o nascimento de uma pessoa, sua presença junto
a nós e sua morte são reais”. Não é possível para nós superarmos o problema da morte de
uma pessoa querida lembrando-nos que os relacionamentos referentes aos corpos físicos
estão sujeitos ao fator tempo. Na verdade Ramana gentilmente nos chamaria a atenção para
o aspecto mais importante da questão ao declarar: “você pensou em seu filho antes dele
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nascer e se lembraria dele após sua morte?” ou “o nascimento do eu-pensamento é um


nascimento, sua morte é a morte de uma pessoa?” E assim por diante.
Portanto ele explicaria pacientemente as várias teorias das escrituras e tradições
sagradas referentes à continuação da vida após a morte
Além disso se o indivíduo atua com a sensação de que é o autor das ações semeará
automaticamente as sementes de futuros nascimentos e mortes. As memórias residuais de tais
ações, os samkaras, permanecem adormecidas no coração e tornam-se ativas quando as
circunstâncias são favoráveis. O mesmo poder que dá origem ao nascimento do corpo deve
necessariamente provocar não somente um nascimento, mas uma sucessão de nascimentos.
Até que a árvore da vida seja cortada pela raiz, pelo auto-conhecimento, através da auto-
indagação, o renascimento será inevitável. O ego, a mente, não morre, mas se liga a um outro
corpo. Ramana descreveu como isto sucede. Na hora da morte há uma pequena disputa entre
o atual corpo e o novo, ao qual o ego deverá se ligar em conseqüência da força kármica. Isto
se torna evidente pela respiração ofegante no moribundo, além disso, os espasmos violentos
nesta hora indicam o prolongado apego ao corpo atual. Somente quando se estabelece uma
identificação com o novo corpo é que a ligação com o antigo se interrompe. Desse modo não
há mais intervalo entre um corpo e outro. Alguns poderão nascer imediatamente em outro
corpo físico na terra. Outros poderão ter a oportunidade de ir a outros mundos assumindo
corpos sutis e finalmente voltar à terra a fim de esgotar sua quota kármica pendente. O
intervalo entre as encarnações é imprevisível, porém a reencarnação para resgate kármico é
certa. As pessoas voltam trazendo sua bagagem intelectual e emocional arquivadas em seus
corações. O passado não é conhecido até que a pessoa o ilumine através do conhecimento. É
claro que tudo isto não se aplica ao jnani que se acha mergulhado no universal.
Embora exista a certeza da continuidade da vida após a morte, isto não nos satisfaz.
Para começar não temos qualquer vínculo ou apego aos futuros corpos e tudo quanto é
agradável em nossas vidas baseia-se nos eventos atuais. Com relação a isso citamos uma
típica pergunta feita por uma senhora de Uttar Pradesh, cujo filho havia falecido. Após ouvir
a explicação de Ramana sobre a vida após a morte ela perguntou se poderíamos manter um
contato com a pessoa falecida e saber o que estava acontecendo. Ramana fez-lhe ver que não
se deveria dar muita importância a estas indagações por que aquele que faz a pergunta é
irreal. Entretanto, por compaixão Ramana confortava os parentes aflitos.
T.P. Ramachandra Iyer narrou um caso ocorrido relativo ao assunto. Certa vez, logo
após ter sido aberta a caixa do correio do Ashram, um casal cujo único filho havia morrido,
acercou-se de Ramana e falou: “nós o amávamos ternamente, mas, após sua morte a alegria
desapareceu de nossas vidas”. Temos apenas um desejo: o de, ao menos, ver nosso menino
em nossa próxima encarnação. Ramana os admoestou: “pai, filho, nascimento, conheça
primeiro o real significado dessas coisas. Posteriormente entraremos na questão do próximo
nascimento. Mas a tristeza do casal não foi abrandada até que Ramana lhes disse: “vocês,
certamente, o verão; vocês o verão na próxima encarnação, de maneira tão vívida, como o
viram neste nascimento”. Quando T.P. Ramachandra Iyer perguntou à Ramana por que deu
esta garantia, este lhe disse: “que posso fazer”? De outro modo a fé do casal teria sido
cortada pela raiz”. A seguir o mestre citou um verso do Bhagavad Guita. A essência do
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verso mostrava que a verdade só pode ser passada a pessoa que se acha preparada para
compreendê-la. Há outro fato, ainda ligado à compaixão de Ramana, quando ajudou a um
devoto perturbado que teve um sonho vívido com sua mulher. De início tentou dissuadir o
devoto declarando: “o que? Você se sente confortado por causa de uma visão em sonho?”
Mas não recusou a ajudá-lo quando persistiu.
Embora consolando os devotos, o refrão de Ramana era: “é o corpo que morre. É o
corpo que reencarna? Mas vocês são corpo?” Pelo fato de ter vindo nos redimir do
sofrimento imposto pela ignorância oriundo do primeiro apego, ou seja, a idéia de que somos
o corpo, Ramana nunca se cansou de expor a verdade. A verdade de nosso estado natural de
imortalidade sempre foi enfatizada com a ressalva de que o nascimento e a morte pertencem
apenas ao corpo kármico. O “Eu” não é aquilo que entendemos ser, mas sim a plenitude da
consciência que é não nascida e, portanto, nunca morrerá.
A incessante auto-indagação nos revelará esta verdade a pouco e pouco. Quando
percebermos a realidade por trás desta vida presente, todos os laços do passado e do futuro
serão cortados. Seremos, então, conscientes de nossa verdadeira eternidade.

Somos livres?

O livre arbítrio acha-se incluído nas escrituras como sendo algo bom. Implica em
superar o destino. É alcançado pela sabedoria. (Diálogos)
A primeira instrução espiritual que Ramana deu a sua mãe, Azhagammal, foi a de que
a melhor conduta na vida deveria ser a de aceitar a decorrência do karma.
Seria fútil empunhar armas contra aquilo que deverá acontecer. O que não está para
acontecer não poderá ocorrer nem por esforços hercúleos. Isto aconteceu no ano de 1898.
Anos mais tarde, em 1940, devajara Mudaliar lembrou-se da afirmação categórica de
Ramana de que não apenas os fatos mais importantes da vida de cada pessoa, mas também
as coisas simples estão predeterminadas. A partir desta afirmação alguém poderá concluir, de
maneira errada, que Ramana encara o destino como irrevogável. Se assim fosse chegar-se-ia
logicamente à conclusão que o livre arbítrio não teria espaço no desenrolar de nossas vidas.
Este ponto de vista seria contrário aos ensinamentos de Ramana nos quais se mostra a
importância do livre arbítrio muito frequentemente salientada no contexto do destino. O
mestre diria que o destino e o livre arbítrio coexistirão enquanto existir o sentido de autoria
das ações. A pessoa somente os transcenderá quando através da auto-indagação este
sentimento deixar de existir.
Vejamos de modo mais aprofundado o domínio do destino e o papel do livre arbítrio
nos ensinamentos de Ramana. De acordo com o mestre “o destino diz respeito somente ao
corpo físico”.
Como estamos identificados com o corpo, é difícil aceitar a idéia de que o destino afeta
apenas ao corpo. Isto por que a implicação lógica de tal proposição é a de que a mente e o
corpo são distintos e separados. É necessário que nos aprofundemos neste tópico. De início
temos que indagar: “por que o corpo veio à existência?” Os grandes mestres não têm uma
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causa kármica que explique seus nascimentos. Eles nasceram para o bem do mundo e podem
reter o corpo tanto tempo quanto desejarem. Ramana disse a Rangan que Yama (o Deus da
morte) deve esperar e pedir permissão ao jnani, pois somente quando este estiver pronto para
deixar o corpo tal fato ocorrerá. Para o comum dos homens, o nascimento é parte da lei
cósmica e como resultado disto as pessoas passam por experiências conseqüentes ao
equilíbrio ético. É por causa deste fato que vemos a mortalidade infantil, a morte de jovens,
as mortes súbitas e imprevisíveis e a longevidade dos idosos. Muitas pessoas questionam as
leis e a sabedoria Divinas quando crianças e jovens morrem. Desde que, entretanto, o corpo
veio a existir como resultado do karma, quando este poder se exaure a vida se extingue.
Vemos que o corpo, vinculado com é o karma particular que deu origem a seus nascimentos,
chega a um fim quando este poder desapareceu. A mente pode estar no mais elevado estágio
de seus poderes, o corpo em perfeita saúde, mas seu karma tendo se extinguido, a morte não
pode esperar.
Também podemos encarar isso de um novo ângulo. Os mestres demonstraram em suas
vidas como uma pessoa pode desligar-se totalmente de seus corpos e permanecer inatingível
por suas mudanças e sofrimentos. O corpo de Ramana passou por intenso sofrimento
provocado por um sarcoma durante mais de quinze meses. Em nenhum momento ele se
lamentou embora a dor tenha sido martirizante. Quando indagado pelo Major Chadwick se
estava sofrendo Ramana disse: “não”. Mas ao mesmo tempo declarou: “existe a dor”. A dor
pertencia ao corpo, não a ele. Por este motivo mostrava seu olhar fascinante e seu Divino
esplendor mesmo no dia 14 de abril de 1950 quando decidiu abandonar seu corpo físico
torturado por intensa dor.
Se a mente e o corpo são distintos e o karma refere-se ao corpo, alguém pode perguntar
por que a mente também parece estar sob sua influência? A causa disto é o apego. Em
conseqüência do impulso do passado somos incapazes de nos desidentificarmos com o que o
destino trás para o corpo e desse modo sermos afetados pela tristeza ou alegria a que o karma
nos impõe. Se o indivíduo aprende a não prestar atenção aos acontecimentos; se aprende a ser
desapegado deles, então, onde estarão os prazeres e angustias? Isto é óbvio simplesmente
pelo fato de que cada situação pode ser desprezada ou minimizada pela mente. A pessoa ou
sofrerá o peso dos acontecimentos ou poderá administrá-los com o poder do equilíbrio e da
calma. Daí surge a primeira premissa básica de Ramana: a pessoa está apta a exercer seu
livre arbítrio seja para se identificar com os acontecimentos ou ser indiferente a eles. A
resposta dada por ele à senhora Desai trará mais esclarecimentos sobre isso. Ela, ao citar o
Bhagavad Guita, fez a seguinte pergunta à Ramana: o fato de a pessoa ter que trabalhar por
força do destino não invalida a questão do livre arbítrio? O mestre explicou-lhe que cada
pessoa tem a possibilidade de se livrar “das alegrias e tristezas, das conseqüências
agradáveis ou desagradáveis da atividade, desde que não se identifique com o corpo físico”.
Deixe o corpo passar pelos desígnios do destino, mas caberá a cada um não se sentir
mentalmente afetado por ele ao usar seu livre arbítrio para cortar as amarras do apego.
O indivíduo tem, portanto, de alcançar este estado através da prática espiritual. Mesmo
no início já existe a liberdade. O livre arbítrio pode ser praticado de maneira correta. Se tal
não ocorrer não haverá sentido para as regras de ordem espiritual e os códigos de conduta
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moral. A pessoa tem que discriminar entre o bem e o mal, entre o que lhe trás prazer e o que
o libera e, a partir daí, escolher com sabedoria o que fazer. Acreditar que se é vítima
inevitável do karma é cair na armadilha que a mente prepara. Se pararmos para pensar,
veremos que é impossível permanecer passivos, como meros observadores dos
acontecimentos, pois a própria natureza de cada um o impulsionará a assumir uma ou outra
forma de atividade. Enquanto o sentimento de perceber-se como o autor da ação for patente e
vívido, não se terá descanso. O uso do livre arbítrio e a ação são inevitáveis. O livre arbítrio
deve ser canalizado no sentido de praticarmos atos que possam purificar a mente e permitir
que se escape das algemas do destino. Aqui é necessário que se esclareça um ponto. Dizer
que a pessoa deve agir com determinada intenção não implica que terá assegurado o sucesso.
Certo devoto de Ramana, que se achava deprimido, disse-lhe que apesar de ter chegado ao
ashram um bom para de anos atrás e cultivado sua força de vontade, deparou-se com uma
série de fracassos em seus esforços. Ramana esclareceu que o resultado disso é apenas o
fortalecimento da mente tornando a pessoa apta a enfrentar tanto o sucesso como o fracasso
com igualdade. Ele mesmo esclareceu que “a força de vontade não é sinônimo de sucesso”.
Isto por que o sucesso ou o fracasso são produtos do destino, enquanto que o livre arbítrio
capacita a pessoa a neutralizá-los direcionando a mente para uma mudança de atitude.
A atividade tanto do destino como do livre arbítrio perduram enquanto não se faz a
indagação: “quem é que está escravizado? E “quem é que está livre”?” Por meio da prática
constante da vichara, da ininterrupta auto-indagação, cessa a falsa noção de que se é o agente
da atividade. A partir daí tanto o destino como o livre arbítrio são eliminados pela raiz, pois a
pessoa, a qual pertençam, perdeu seu sentido de identidade. O que permanece é somente o Eu
Divino, sempre liberado, sempre livre.

Pensamentos e felicidade

Visitante: eu sofro tanto no corpo como na mente. Desde o meu nascimento nunca fui
feliz.
Bhagavan: se existisse sofrimento não substituível o tempo todo, quem buscaria a
felicidade? Entretanto tal desejo não surge. Assim ser feliz é natural; tudo o mais é anti-
natural. (Diálogos)
No sono profundo somos felizes por que não existem pensamentos para perturbar
nossa felicidade. É certo que a pessoa não deseja dormir indefinidamente mesmo que se
disponha de tempo hábil para isso.
O que se busca é a felicidade quando estamos bem despertos. Mas o sono profundo é
certamente um indicador da ligação entre a felicidade e a ausência de pensamentos. Ramana
diz que toda miséria resume-se na presença de pensamentos indesejáveis. Uma mente fraca é
inapta a afastar os pensamentos que a perseguem. A pessoa é forçada a permanecer com os
pensamentos que causam sofrimento. Às vezes o tumulto dos pensamentos é insuportável. Os
pensamentos são nossas antigas heranças acompanhando nossos calcanhares vida após vida.
Cada ação deixa um resíduo na memória que fica arquivado no coração sob a forma de uma
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semente. Sua impressão embora latente, é forte, pois pode tornar-se viva a qualquer
momento, frequentemente de modo inesperado. Os objetos desejados e as circunstâncias
continuam mudando, mas o passado sob a forma de tendências latentes frequentemente nos
impulsiona em direções opostas. Vamos supor que agora desejamos buscar a Deus. Nossos
pensamentos nesta direção serão contrariados por outros opostos a isso, que surgirão das
experiências sensoriais do passado acumuladas em nossa memória. Assim seguir-se-á uma
real batalha que nos encherá de desgosto e tristeza em conseqüência de nossa inabilidade em
progredir ou mesmo de usar plenamente o tempo dedicado à meditação. Isto se estende daí
para frente. Uma pessoa querida morre, mas nosso apego a ela não se extingue. Assim,
mesmo que queiramos esquecê-la, nossos pensamentos referentes a ela não permitirão que
isso aconteça. Isto também é verdade nos casos opostos. A alegria que foi sentida em outros
tempos pode ser renovada quando surgirem pensamentos agradáveis, face à proximidade do
objeto desejado ou quando sua lembrança for forte. Desse modo felicidade e tristeza
continuam flutuando e é sempre um conjunto misto. No mundo dos pensamentos existe
apenas o prazer maculado de sofrimento e não pura felicidade. A seguinte questão surge: “é
possível mudar do prazer transitório para uma felicidade duradoura usando a estrutura da
mente?” É possível, mas apenas numa limitada extensão. Através da associação com os
sábios, adoração ao Ser Supremo, controle da respiração e outros meios que se coadunem
com o temperamento da pessoa, a mente torna-se purificada e forte. A mente adquire a
capacidade de descartar-se dos pensamentos que provoquem tristeza, quer por detectá-los tão
logo surjam na superfície da consciência, ou contra atacá-los injetando pensamentos opostos
a eles. No aspecto positivo, a pessoa está apta a permanecer com os pensamentos desejados
por mais longos períodos de tempo e gozar da alegria que eles proporcionam. Quando os
desejos são satisfeitos, a mente se acalma por algum tempo e consequentemente reflete a
felicidade inerente ao Eu.
Embora uma mente forte, uma mente purificada, adquira a capacidade de permanecer
feliz, esta será sempre instável, insegura e circunscrita por “outros” e “acontecimentos”. Isto
por que topamos, às vezes, com circunstâncias tão irresistíveis que cedemos diante do seu
violento assédio. Há um relato de tais ocasiões nos “Diálogos”. Trata-se da guia espiritual de
Ramana em tais situações. A Maharani de Baroda visitou Ramana mostrando-se muito
angustiada e solicitando suas bênçãos no sentido de aliviá-la de uma muralha de
circunstâncias adversas. Ramana solicitou T.P.R, que se achava presente no salão do Ashram,
para que lesse e explicasse a ela o significado de alguns versos escritos por Muruganar com
o nome de “Ramana Sannidhi Murai”. Foram selecionadas canções que fizessem referência
ao seu estado mental. Quando ela recuperou aos poucos seu equilíbrio mental, Ramana
enfatizou as vantagens de render-se ao guru e persuadiu-a a tentar isso de modo gradual. O
Maharajah de Mysore reverenciou à Ramana ao ler sobre sua vida e ensinamentos.
Entretanto acontecimentos surgidos na corte real não permitiram sua homenagem pessoal ao
Maharshi. Ele ficou apenas por quinze minutos no Ashram embora vindo de Mysore.
Ramana percebeu imediatamente sua carência e estado d’alma. O mestre prontamente
concedeu-lhe sua graça. Assim o Maharajah pode usufruir do potente silêncio saturado pela
presença de Ramana. Outro caso ocorreu com Pannalal, administrador da Allahabad
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Corporation, que veio à presença do mestre solicitando paz, o que não conseguia em seu
serviço. A ele Ramana enfatizou o estado natural da felicidade. Estes fatos indicam que,
enquanto perdura o domínio da mente, há o perigo desta se perder e tropeçar.
A solução correta é orientar-se para o estado livre de pensamentos. Quando a mente
descansa em sua fonte então o fardo dos pensamentos é liberado. Quando o filhote de esquilo
aguardava uma oportunidade para se afastar do ninho, Ramana comentou: “todos querem ir
para fora”. Não há limite para a exteriorização, busca-se a felicidade nos objetos, com a
mente exteriorizada. Ramana nos pede que nos orientemos na direção oposta, para dentro,
interiorizando a mente. A busca pela felicidade no exterior é inevitável enquanto houver a
errônea identificação da pessoa com o próprio corpo e a mente. Por isso o indivíduo superpõe
a felicidade baseada nas pessoas e acontecimentos tão erradamente quanto um apaixonado
insinua castidade numa prostituta. Esta ignorância tem que ser resolvida desde que a mente
se torne livre de pensamentos e se inicie o real caminho em direção à felicidade. A obstrução
observada no caminho espiritual deve-se ao velamento provocado pelos pensamentos. Os
meios a serem adotados a fim de superar essa obstrução terão por objetivos silenciar a mente.
Uma vez que forem adotados os meios corretos veremos que a felicidade surgirá sem ser
maculada pelo sofrimento. Porque, como Ramana sempre ressaltaria, a felicidade é natural e
a infelicidade não; tão certo como a boa saúde é normal e a doença não. A busca da
verdadeira felicidade é a prova de seu estado natural. Além disso, como Ramana explica
sobre este tópico, ficaríamos contentes em permanecer no sofrimento se ele fosse nosso
destino. Do mesmo modo que a pessoa desejaria se livrar de uma dor de cabeça e ter saúde
plenamente restabelecida; desejaria também por um fim ao sofrimento e reaver a felicidade
natural.
A auto-indagação é o meio direto e simples para se chegar ao estado livre de
pensamentos, pois rapidamente interioriza a mente. Por meio de constante vigilância contra
os pensamentos usurpadores, através da persistente auto-indagação o indivíduo é direcionado
para o interior. Como o sabor da alegria interior é cada vez mais percebido, o forte desejo
pelos prazeres sensoriais enfraquece e a loucura das antigas atitudes é vista com clareza.
Aquilo que começa como um riacho depois se transforma num rio caudaloso e finalmente se
expande na vastidão do oceano de bem-aventurança.

Quem disse que o guru não é necessário?

Dilip Kumar Roy:embora todos digam que a orientação de um guru é necessária,


parece que Bhagavan teria dito que o guru não é necessário.
Bhagavan: eu não disse isso, mas o guru nem sempre se apresenta em forma humana.
Roy: mas no caso de Bhagavan não houve guru.
Bhagavan: como já foi dito o guru não necessita estar em forma humana é o “Eu” no
interior, Deus e o guru são a mesma coisa.
(Dia-após-dia com Bhagavan)
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Ramana não teve guru em forma humana. Sua premissa é a de que para um jnani não
existem “outros”. Consequentemente ele não poderia aceitar que era um satguru daqueles
que haviam escolhido seu caminho.
Isto significa que Ramana não teve guru ou que não era guru? Não. Ele nasceu com a
consciência da glória de Arunachala brilhando em seu coração. O simples pronunciar da
palavra “Arunachala” por parte de um parente dele agiu como “iniciação”, mergulhando-o
no estado de auto-indagação. Seus hinos estáticos são prova do fato de que Arunachala,
como Eu interno, foi seu guru. Para aqueles que o encaravam como guru ele assim era. Como
ele explicou a um visitante, aqueles que se sentiam atraídos por sua forma e nome eram seus
devotos. Para os devotos que viam na auto-indagação o caminho e a meta da prática
espiritual, ele era seu guru. Sua “iniciação”, de vez em quando, poderia se manifestar através
de seu penetrante olhar, de sua furtiva mirada ou mesmo através de seu silêncio envolvente.
Quem pode ser considerado como guru e qual o seu papel? Alguns desejariam
transferir toda sua responsabilidade para ele e descansar sob seu comando. Outros
reconheceriam seu papel, mas têm a mente tão fraca que os incapacita a praticar aquilo que
percebem ser o que é correto. O terceiro tipo de pessoas são as que dão o melhor de si a fim
de praticar constantemente a “vichara”,embora reconhecendo durante todo o tempo que seus
frutos dependem da graça do guru. É certo que todas essas categorias de pessoas se
beneficiam com a orientação do guru, mas apenas aqueles que empregam o requerido
esforço, combinando-o com a entrega de si ao guru, têm o melhor aproveitamento. Suas
mentes tornam-se mais rapidamente purificadas e seu retorno ao estado natural de paz é
acelerado.
O papel do guru é melhor observado através da gentil e firme guia por parte de
Ramana. A seguir alguns casos ilustrarão isto. Ramana sempre mantinha a prática espiritual
que o discípulo havia escolhido e simultaneamente encorajava-o na prática da auto-
indagação. Como certa vez frisou: “suponhamos que um automóvel esteja em alta
velocidade. Freá-lo ou mudar-lhe a direção de modo brusco poderá trazer conseqüências
desastrosas”.
Vemos uma ampliação desta conduta no caso de Pannalal, um oficial graduado do
governo de Uttar Pradesh. Ele se sentiu rapidamente atraído pelos ensinamentos de
Ramana. Ao mesmo tempo repetia o nome sagrado “Hari” conforme instrução dada por seu
guru. Sentiu-se, então, num dilema. Deveria romper com o passado ou desistir das óbvias
vantagens da “vichara marga” ensinada por Ramana ? ele expôs a questão diretamente á
Ramana. Bhagavan ensinava a auto-indagação enquanto seu guru o instruía a ter fé na
repetição do nome de Hari. Que deveria fazer daí em diante? Ramana simplesmente referiu-
se a um artigo sobre Namdev e a glória do nome do senhor publicado na revista “Vision”!
Isto confirmou sua fé no sagrado nome de Deus e ao mesmo tempo ajudou-o a reconhecer a
utilidade da auto-indagação. Do mesmo modo sugeriu aos auxiliares de cozinha, cuja prática
se baseava em métodos tradicionais, que continuassem repetindo o nome do Senhor, ou
“Parayana”. Sampoornamma foi aconselhado a ler regularmente o ”Ribhu Guita”, apesar
de sua objeção, pois para ela tal leitura era como “grego” ou “latim”. “De igual modo a
Lokamma foi sugerido ler o Vasudeva mananam”. Quando esta declarou que não se lembrava
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de quase nada do que lera, Ramana brincou: “nós nos esquecemos do que devemos lembrar
e nos lembramos do que devemos esquecer”.
Vemos Ramana ter o cuidado de colocar a auto-indagação em sua perspectiva correta,
mesmo quando estava tratando de temas puramente teóricos. Por exemplo, no “Upadesa
Saram”, Ramana trata particularmente dos vários caminhos do conhecimento tradicional
antes de explicar o “caminho direto”, ou seja a indagação sobre a natureza da mente. Além
disso Ramana explica categoricamente no ”Ramana Guita” que a auto-indagação por si
mesma é suficiente para a purificação da mente. Entretanto ele esclareceu a Karshi que
outros métodos também são úteis para tanto, como por exemplo a música devocional, a
peregrinação, a caridade e certas austeridades.
Ramana assevera enfaticamente que o discípulo deve ter fé no caminho indicado pelo
mestre. Certa vez quando houve críticas a um guru, Ramana foi incisivo em interromper
esses comentários, afirmando: “Qual a sua capacidade em julgar e avaliar?” De fato o guru
não é tão importante como o próprio discípulo. Será que o efeito transformador desta fé
implícita não foi exaltado nas escrituras? Ela consegue “fazer o mudo tornar-se eloqüente e
o aleijado cruzar as montanhas”.
Ramana sempre enfatizou o estado natural da auto-indagação, que não é algo novo
nem algo a ser adquirido, mas é o próprio estado inerente à pessoa. Quando surgem períodos
de depressão durante o caminho espiritual; estas afirmações constantes e reiteradas da
verdade feitas por Ramana podem ser o melhor tônico. Neste contexto Ramana mencionará
que o papel do guru é remover os obstáculos que impedem a percepção da verdade.
A capacidade de um guru ao assumir o encargo de preparar e amadurecer seus
discípulos nasce do fato de que o guru não é diferente de Deus, nem diferente da verdade na
qual está enraizado.
Ramana gostava de citar o “Kaivalyam” no trecho onde se afirma que o guru se
encontra em nós como o poder interior, guiando-nos vida após vida. Ele toma uma forma
humana por que a pessoa não é consciente de sua luminosa presença interior.
O guru está sempre vivo. O fato de não ter mais corpo não faz diferença em relação à
perpetuação de sua guia. Talvez o fato de se reiterar esta verdade seja desnecessário para
aqueles que têm Ramana como Satguru. Mesmo por que será que ignoram os constantes
milagres que está operando em seus corações?

Viagem ao Interior

Temos que falar em movimento, de caminhada, por que não nos sentimos liberados.
Somos ignorantes de nosso estado natural de silêncio. O ponto inicial é o presente estado da
mente, obscuro, caótico e fora de controle. Nosso destino é o estado onde a mente seja livre
da tirania do pensamento. No início existe a variedade, a multiplicidade e uma mente
fracionada pela divisão. No final existe a unidade no coração.
Embora o objetivo seja suficientemente claro, o indivíduo fica relutante em prosseguir
ou entregar seu coração e alma ao objetivo.
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Para nós a mente é a única fonte de consciência. Somente pensamentos e sensações


dão-nos a percepção que estamos vivos. Acordamos com os pensamentos. A mente está ativa
durante o período de vigília, embora o tipo de pensamento possa variar, não existe
interrupção no seu aparecimento. Mesmo durante nossos melhores períodos de meditação
estamos apenas tentando nos direcionar num único pensamento, mas não estamos
inteiramente livres das ondas mentais. É verdade que todos nós temos momentos de auto-
alheiamento, porém não aparecem pelo fato de estarmos livres de pensamentos, mas pela
intensidade de pensamentos e sentimentos particulares.
Alguém poderá dizer de coração que temos medo, muito medo, na verdade do
“manolasa”, isto é, do estado em que a mente está morta. Nós cantamos os versos do
“Upadesa saram” que se referem a isso e lemos os esclarecimentos de Ramana nos
diálogos mas achamos difícil de compreendê-los. Este receio foi relatado à Ramana por Paul
Brunton ao expressar sua apreensão quanto à possibilidade da pessoa se tornar um idiota sem
o sentido de direção e o perigo de uma colisão caso dirigisse um carro abaixo do nível
mental. Novamente vemos também o Major Chadwick transmitir sua apreensão quando falou
sobre o medo que o acometeu após ter meditado por algum tempo. A mente está pronta a
batalhar até a última trincheira ao criar temores sobre o que possa acontecer quando não está
em atividade. O indivíduo não pode se livrar deste medo por meio da lógica, pela análise, ou
por convicção intelectual. Temos que solicitar à Ramana para que nos ampare e guie.
Ramana diz que, por hábito, acreditamos que pensar é natural, mas na verdade é o
oposto. O silêncio é natural e o pensamento não. No estado sem pensamentos, estes poderão
aparecer quando e como for necessário e a mente permanecerá calada quando terminar seu
papel.
Quando a mente se cala nós não nos tornamos inconscientes. A consciência limitada da
mente dá lugar à plenitude da consciência. Ramana compara a mente à lua e a fonte da
mente ao sol. Quando a mente está ancorada em sua fonte é como a lua no período diurno.
Qual a necessidade dela quando alguém tem até que proteger-se do intenso brilho do sol?
Para concluir Ramana dirigirá nossa atenção para as vidas de Jesus e Buda. O estado
natural de silêncio deles não surgiu pelo fato de terem pensamentos necessários e apropriados
para determinada ocasião. A diferença está em que seus pensamentos tinham um propósito
puramente funcional sem qualquer injunção psicológica. O aparecimento e a interrupção dos
pensamentos eram automáticos. A vida de Ramana ilustra isso de modo impressionante.
Sab-Jaiv, o colega de infância de Bhagavan, visitou-o após muitos anos. Ramana
reconheceu-o e conversou com ele sobre os anos do período escolar. Devajara Mudaliar
preocupando-se com o sarcoma de Ramana conseguiu que um médico famoso, o Dr. Guru
Swami Mudaliar, fosse examinar o mestre, entretanto não conseguiu estar presente quando
foi feita a consulta.
Ramana perguntou por ele reconhecendo seu prestimoso serviço. Um devoto doente
estava incapacitado de ir até o Ashram. Ramana foi visitá-lo, sem que os outros devotos o
soubessem e fez perguntas sobre sua saúde. Nas primeiras horas da manhã Ramana estaria
na cozinha dando esperta ajuda e convertendo pratos insípidos em “manna” dos céus. Ou
alguém poderia encontrá-lo explicando pacientemente a um sadhu visitante as características
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dos diferentes tipos de samadhi, enfatizando que o que importa é somente o “sahaja” ou
samadhi natural. À noitinha ele estaria no estado transcendental simplesmente irradiando sua
paz. Seus relacionamentos eram absolutamente humanos no sentido de que todas as
faculdades associadas à mente tais como memória, raciocínio, inferência e discriminação se
manifestavam com perfeição. Entretanto sua mente achava-se enraizada no coração
espiritual. Qual a conclusão que podemos tirar disso de modo correto? Só podemos concluir
que a consciência não se acha essencialmente baseada na mente. Ela brota daquilo que
fornece energia à própria mente – ou seja, o coração espiritual. Uma vez que você o atinja
poderá falar, caminhar e agir com a mais elevada harmonia semelhante a uma orquestra
sinfônica. É plenamente óbvio que o fim da soberania da mente não implica em estupefação.
É um mito que a experiência pode eliminar. Ao contrário, enquanto a pessoa estiver
empenhada em atividades para as quais o corpo está destinado a preencher, a taça da
beatitude interior estará completa.
Uma vez que estamos livres deste medo básico que consiste em localizar a consciência
somente na mente, metade da tarefa está completada. Como o indivíduo chega ao estado
além da mente? Para isso temos o caminho direto ensinado por Ramana. O fluxo dos
pensamentos e a conceitualização são eliminadas no nascedouro pela indagação sobre a
realidade da própria individualidade. Se esta indagação for feita de maneira constante e
vigilante, ver-se-á cortada pela raiz a identificação com um nome e uma forma particulares, a
identificação com “eu sou isto”. Pode-se dizer que a mente consiste em duas partes: a pura
consciência “eu sou” e os pensamentos que se iniciam com “eu sou isto”. O esforço deve ser
no sentido de cortar a barreira do pensamento e atingir o puro aspecto da mente. Uma vez
que nos liguemos à consciência do “Eu” ele nos conduzirá à sua fonte. Tal como é natural
aos pássaros que voam no céu retornarem à terra, tal como é natural aos rios desembocarem
no oceano, é também natural que o puro “Eu” se recolha à sua fonte que é a plenitude da
consciência. Podemos dizer que do mesmo modo como aplicamos as leis gravitacionais ao
mundo físico, também, a consciência se reflete sem esforço na mente introvertida. A atração
magnética da fonte carreará a mente para o interior sem qualquer esforço. A jornada termina
na abundante bem-aventurança do coração espiritual.

A presença

Um jornalista australiano, ao visitar o Sri Ramanashramam, ficou estupefato ao saber


que o Major Chadwick, um ocidental, escolheu viver numa hermida na selva. Após ter dado
um passeio ao redor do Ashram por algum tempo, não se conteve e perguntou a Chadwick
incisivamente por que teria preferido perder seu tempo naquele lugar. Quando o Major disse-
lhe que teria permanecido lá em busca da paz mental, o jornalista abanou a cabeça em sinal
de descrédito. Como poderia alguém abandonar tudo à procura de algo intangível como a paz
da mente? Essa foi sua impressão à respeito do ocorrido. Mas para Chadwick, como para
milhares que continuam visitando Ramana e se dirigem a ele, ainda hoje, é precisamente
essa paz que a presença do mestre irradia que os impele irresistivelmente em sua direção. No
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“Ramana Ashtotra” temos uma frase em sânscrito que diz: “Hrit Sahanthi kara sannidyaya
namaha”, cuja tradução é: “prostrações àquele cuja presença trás grande paz no coração”.
Deve-se esclarecer que, ao se falar em paz mental, não significa um estado meramente
negativo. Não se trata de falta de pensamentos, nem apenas de quietude da mente, pois temos
tais períodos de acalmia durante nosso sono profundo ou quando estamos em transe, ou
desmaiamos. Assim a paz sobre a qual estamos falando é de uma dimensão totalmente
diferente. Neste estado, como Ramana explicou ao se referir a sua “experiência da morte”,
sente-se a plena força da personalidade da pessoa. É uma pulsação vibrante – chamada
sfurana – que é sentida no coração como a plenitude da bem-aventurança.
A última mensagem de Ramana é encontrada em suas palavras antes da morte: “onde
poderia ir? Eu estou aqui”. Sua atual presença pode ser sentida tanto agora, no dia presente,
quanto na época em que estava encarnado. Se a pessoa sentir esta presença estará vivendo
numa atmosfera transbordante de paz. Como não conhecemos sua alegria e felicidade,
surgiria naturalmente a pergunta: “como pode o indivíduo estar consciente de sua
presença?” Usualmente a ligação com Ramana começa com a atração exercida por sua
imagem física. Como estamos enraizados nos conceitos particulares de nome e forma no
atual estado de consciência, pode-se sentir o forte magnetismo que se irradia da presença do
mestre. É o puro e imaculado “poder átmico” emanando de Ramana que purifica as mentes
daqueles que se aproximam do âmbito de sua graça. É muito difícil cortar os laços da base
física deste relacionamento, o qual, após seu “maha-samadhi” se mostrou sob a forma de
cânticos de louvor ao sagrado nome do mestre e que os discípulos entoavam quer junto a seu
túmulo, em Ramanashramam, quer em outros lugares. Isto também explica a atração, que se
compreende, pela admirável fotografia de Ramana. Frequentemente a pessoa não consegue
se desviar da fisionomia amorosa do mestre, cuja beleza cresce quanto mais se olha para ela.
Isto é compreensível por que como Ramana ressaltou no “Sat-Darshana - Bashia”,
enquanto a pessoa se percebe como corpo físico, a adoração do Supremo com forma surge
naturalmente. Embora reconhecendo a realidade do fator físico, devemos evitar o perigo de
nos ligarmos apenas ao brilho do matiz dourado do corpo de Ramana. Isto por que Ramana
é o Satguru que transcende corpo, tempo e espaço. Ramana estava ciente da realidade deste
perigo e aproveitava qualquer oportunidade para estabelecer a verdade de que não era apenas
o corpo físico, ao qual, os devotos afetuosamente amavam, mas o “Eu”, que brilhava dentro,
fora e em toda parte. No espaço de muitos meses quando o corpo de Ramana se achava
torturado com o sarcoma, ele aproveitava toda oportunidade para demonstrar que a doença e
suas conseqüências pertenciam apenas ao corpo e por isso não poderia afetar seu estado de
beatitude.
Infelizmente essa lição que ele tão pacientemente tentou incutir em todos nós se
perdeu. Consequentemente testemunhamos o fenômeno do grande êxodo do Ashram por
parte dos devotos, imediatamente após o “maha samadhi” do mestre. Por esta razão ouviam-
se queixas, mesmo dos devotos que tiveram a oportunidade de privar com Ramana, a
respeito da própria inabilidade de encontrar a paz longe de sua presença física.
Surge a questão sobre como o indivíduo pode eliminar essa barreira de tempo-espaço
que se origina das limitações que nós mesmos nos impusemos a partir da idéia de que somos
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o corpo. As escrituras dizem que se a pessoa se liga ao Satguru, esta ligação a levará a
libertar-se de todos os apegos. É importante, portanto, cuidar de estabelecer uma relação
contínua que nos traga a companhia de Ramana. Neste caso os meios a serem adotados
dependem da inclinação natural de cada um. Frequentemente vários meios têm que ser
combinados a fim de se atingir o objetivo de uma relação contínua com Ramana. Nesse
contexto, a pessoa deve lembrar que a relação com o Satguru tem duplo sentido. O devoto
deve fazer tudo que puder para avivar o fogo da devoção por Ramana e manter essa chama
sempre brilhando. Concomitantemente a graça do guru acha-se operando durante todo o
tempo a fim de atrair o devoto para o interior, guiando-o durante a jornada em direção ao
interior. Como foi mencionado anteriormente, a metodologia para inclinar a pessoa para
Ramana é variada em virtude da diversidade dos temperamentos humanos. O fato acontecido
com a senhora Kamat, uma visitante ao santuário de Ramana, em Bangalore, ilustra isso. Ela
percebeu que ao tentar com esforço praticar a auto-indagação, sua mente vagava o tempo
todo; enquanto que no momento que abria qualquer livro sobre ensinamentos de Ramana sua
mente se interiorizava num instante, tal era o poder da palavra para ela. Esta senhora é um
típico exemplo, entre muitos, que Ramana atraia através de livros, seja o livro “A Índia
secreta de Paul Brunton”, seja “Ramana Maharishi e o caminho do auto-conhecimento”, de
Arthur Osborne ou o “Guru Ramana” de Cohen, além de outros. O aumento nesta década da
música e dança dedicadas a Ramana, é uma evidência de sobra do poder de atração exercida
pela Bhakti direcionada à Ramana. Cada um tem seus momentos de estima com Ramana e
ninguém tem o direito de sugerir outros meios que possam não ser os de sua preferência.
Contanto que a pessoa não perca de vista de que o importante é estar na presença do mestre,
pois cada simples passo em direção a isso é o passo certo. Uma vez que a mente seja
possuída por Ramana , quando estiver lotada de pensamentos sobre ele, será um simples
passo deste unidirecionamento da mente em direção ao estado superior.
O indivíduo tem que estar sempre precavido com os meios que a mente usa para iludi-
lo e afastá-lo da companhia de Ramana. Cohen se recorda que, após vários anos de sadhana
aos pés de Ramana no Ashram, subitamente sentiu uma necessidade de mudança de ares,
uma necessidade de peregrinar. Ele próprio estava ciente que a santa companhia de Ramana,
pela qual havia deixado seu lar, era tudo que precisava. Mesmo assim, mordido pelo
mosquito da peregrinação, perdeu muitos e preciosos anos do convívio com o mestre. Swami
Ashishananda lembrou-se que, justamente quando estava no limiar de uma elevada
experiência espiritual, foi persuadido por seus familiares a deixar o Ashram e, em
conseqüência disso, foram necessários anos e mais anos de Sadhana para atingir o nível
inicial. A mente tem seus métodos enganosos mas, apesar disso, é o único instrumento que a
pessoa tem, o único veículo em direção ao nosso estado natural de bem-aventurança que é
apontado por Ramana. Isto por que a mente tem um elemento consciente, o ‘Eu sou, o qual
estabelece uma ponte em direção ao estado natural. A atenção ao “Eu”, ou mais
acuradamente, a sua fonte nos levará ao fascínio interior em experimentar a alegria do estado
natural. O progresso é sempre uma questão de amadurecimento gradual que advém desta
“Upassana”, que implica num firme relacionamento com Ramana através de quaisquer
meios para os quais a pessoa acha-se naturalmente inclinada. Estes outros meios poderão
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encontrar na auto-indagação um auxílio útil, um potente instrumento. A corrente individual se


submerge na universal. Então estamos realmente no domínio de Ramana , o coração
espiritual.

Deixe surgir um exército de pensamentos

A vida é uma mudança no tempo. Cada momento é diferente daquele que o precedeu.
O metabolismo do corpo muda a cada minuto. Existe crescimento e decadência em toda
criação. Quando a pessoa percebe esse sentido de transitoriedade, surge uma ânsia em
descobrir o que significam a vida e a morte. Janaka era um rei generoso e virtuoso, venerado
pelo povo de seu país. Ele estava feliz em deixar a vida passar até que o Divino deu-lhe uma
ajuda no sentido de transformá-lo. Certa vez, enquanto gozava das belezas de seu parque;
subitamente ouviu canções de siddhas invisíveis. A mensagem deles era clara para Janaka,
como o é para nós. A mais longa vida é apenas uma ondulação no oceano do tempo.
Como é que a pessoa utiliza melhor o tempo concedido a cada um pelo karma? Uma
vez que se tem o desejo compulsivo de ser imortal, de estar acima do fator tempo, aqui e
agora, que se deve fazer? Libertar-se das algemas do tempo é certamente possível, assegura
Ramana. Se a pessoa permanece no estado natural não há o entrave do tempo. Este estado
está “disponível para todos, a qualquer tempo, sob todas as condições”. Que é que encobre a
verdade, anuvia nossa compreensão? Se a pessoa indaga sobre o que é que obstrui, descobrirá
que é apenas a tela dos pensamentos. Somos herdeiros de uma multidão de pensamentos
nascidos de ações não completadas. Como Ramana destaca, nossas ações “são executadas
com uma parte da mente e por freqüentes interrupções”. Isto é inevitável no caso da mente
ser multiplicada por vários desejos com propósitos contrários. O desejo de fixar-se apenas
aos pensamentos agradáveis também aumenta a dificuldade. As conseqüências de tal ação
são as impressões indeléveis na memória, as quais fazem do passado uma parte integral da
mente. O poder do pensamento, assim criado, dará um impulso adicional à ação atual, desse
modo construindo também o futuro. A vastidão de tais pensamentos e sua variedade é
responsável pela desconfiança e o receio manifestado por Ramana, que a pessoa possa
sempre ser vítima do tempo, atado de mãos e pés, ao karma. Ramana jamais aprovaria
pensamentos tais como: “a realização é difícil”, “a auto-realização não é para mim” ou
“tenho muitas dificuldades a superar”, os quais deveriam ser descartados por que são
obstáculos, mas não são a verdade. Por que se preocupar? Outros foram bem sucedidos. Por
que nós também não podemos ser bem sucedidos? No caminho de Ramana aprendemos que
o passado consiste em pensamentos, bons, maus e indiferentes e por isso devem ser
eliminados sem rememorá-los. Por que temer o exercito de pensamentos? “Os objetos são
muitos, mas o sujeito é um só”. Daí a repetida ênfase de Ramana para que se concentre a
atenção “no pensador por trás do pensamento”, “no Uno atrás do desejo de agir”, no ator por
trás da ação”.
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O que se pretende é orientar a prática espiritual no sentido de prestar atenção à


consciência por trás do fenômeno. Este foi o conselho que Humphreys recebeu em 1911.
Disse Ramana: “não fixe sua atenção nas coisas mutáveis: vida, morte e fenômenos. Não
pense nem no presente ato de vê-los, mas apenas naquele que vê todas essas coisas”. O que
se aconselha é: “permanecer fixo numa indagação firme e não objetiva”. É a atenção
individual que gera uma torrente de pensamentos e lhes dá vida.
É comum pensar-se que os outros pensamentos existem apenas até aonde somos
conscientes deles. Tal como a vida de uma árvore está em suas raízes e não em seus
numerosos galhos ou milhares de folhas, assim também o que importa é a atenção individual.
Se não dermos atenção aos outros pensamentos eles definharão e desaparecerão.
A pessoa deve fazer uma pausa sobre este tema e indagar se a mente é uma fonte
independente de energia. Refletindo sobre a experiência diária, percebe-se que a mente (o
individual e os outros pensamentos) é inexistente durante o sono profundo, embora não haja
interrupção de nossa consciência, por que se mostra contínua. Assim a mente, o individual,
não é auto-consciente. Se não é consciência de onde o individual deriva sua consciência?
Ramana nos ajuda mostrando que é do coração espiritual. Disso se segue que trocar a
atenção dirigida aos pensamentos pelo pensador (aquele que pensa) ainda não é o fim em si
mesmo. É apenas uma etapa “no processo de desviar a atenção e interesse por aquilo que a
pessoa não é”. A atenção da mente no seu interior tem que ser mantida até que a pessoa
atinja a “zona magnética” do coração. “A atitude de auto-indagação deve saturar toda
nossa maneira de viver”. Mergulhemos em nosso interior com atenção inteiramente
focalizada no “Eu” e seremos levados ao ponto onde o poder do coração tomará conta. A
corrente individual submerge no universal e o indivíduo viaja além das praias do tempo. A
pessoa nasce novamente tendo consciência da unidade da vida.

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