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O PREÇO DO PODER
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Gucky sugestiona Perry —
e a vida de 17 terranos corre perigo.
***
Pitter Breucken e seu amigo Klaas Vertieden estavam parados na comporta polar da
Burma, uma espaçonave esférica da classe Estado, com cem metros de diâmetro e uma
tripulação normal de cento e cinqüenta homens. Os dois observavam há muito tempo os
acontecimentos que se desenrolavam na periferia do espaçoporto. Quanto mais
observavam, maior era a insatisfação que sentiam.
— Olhe, Pitter, outros robôs — disse Klaas Vertieden, que tal qual seu amigo era
natural de Hilversum. — Você já viu um dos cem mil arcônidas legendários que teriam
sido despertados do sono hibernal? Devo confessar que nunca vi nenhum!
— O que vêm a ser cem mil pessoas nos planetas Árcon I, II e III? Apenas um pingo
numa chapa quente. É por isso que você vê os robôs por aqui. Se não fossem os homens
mecânicos, Árcon já teria falido há muito tempo.
— E mesmo agora não está muito longe disso. Hoje de manhã ouvi o comandante
palestrar com o chefe pelo rádio. Durante essa palestra não apenas foi mencionado que,
dentro em pouco, deixaremos este horrível planeta de robôs com seu gigantesco cérebro.
O chefe ainda disse que o império não passa de um amontoado de marmanjos
revoltados...
— Tenho certeza de que Perry Rhodan não usou esta expressão, Klaas. Mas veja!
Um carro está deixando a abóbada do computador gigante. Será que vem para cá?
O gigantesco edifício abobadado que abrigava o gigantesco centro de computação,
com suas dimensões de cem por cem quilômetros, dominava a paisagem desta parte de
Árcon III. Destacava-se contra o céu como se fosse uma montanha e, de ambos os lados,
era encoberto pelos complexos industriais.
Os dois jovens viram o carro aproximar-se numa corrida vertiginosa. De repente, o
veículo descreveu uma curva fechada para a direita e capotou. Uma ofuscante chama
branca saiu de seu interior. Com um forte trovão, o carro, que girava em torno de seu
próprio eixo, explodiu como se fosse um pequeno sol vermelho.
Por um instante Klaas Vertieden e Pitter Breucken pareciam pregados ao solo.
Quando quiseram correr para o local do desastre, as viaturas supervelozes da polícia
robotizada de Árcon III estavam aproximando-se de todos os lados e, dali a pouco, toda a
área ficou isolada.
— Caramba! — disse Klaas Vertieden, profundamente impressionado, muito
embora ainda há pouco tivesse proferido palavras pouco elogiosas a respeito do planeta
de robôs Árcon III.
— Lá na Terra a polícia ainda não age tão depressa — observou Pitter Breucken. —
Em compensação, é bem possível que nós, os terranos, sejamos um pouco mais felizes
que estes arcônidas. Você devia ver as linhas de montagem daqui, Klaas. Os robôs
fabricam naves espaciais como nós fabricamos automóveis! Sabe o que já fiz várias
vezes? Examinei a superfície deste mundo, mas até o momento não encontrei um torrão
de terra. Às vezes, quase chego a acreditar que os velhos arcônidas construíram este
mundo com ferro e aço, a fim de transformá-lo numa única fábrica. Em comparação com
este gigante industrial planetário, nossas indústrias lunares não passam de simples luzes
de lamparina.
— Não fale mal de nós mesmos! — disse Vertieden em tom de protesto. — Não
somos nenhuma lamparina. Por que estamos aqui? Porque Atlan precisa de auxílio. O
imperador já não sabe o que fazer.
— Klaas, às vezes você é bastante tagarela — disse Pitter. — Até parece que você
se esqueceu do filho de Perry Rhodan, esse desertor maldito! Foi o tal do Thomas Cardif
que meteu Atlan nessa situação difícil. O que acha que eu pensaria de você se não viesse
ajudar-me numa situação de emergência? Afinal, o chefe e Atlan são amigos...
Foram interrompidos pela voz metálica do alto-falante do sistema de
intercomunicação.
— Queiram apresentar imediatamente ao primeiro-oficial o relato do acidente. Os
relatos serão individuais.
Pitter Breucken deu um passo e colocou-se ao lado do sistema de intercomunicação.
Ligou a tela de imagem.
— Aqui fala o sargento Breucken do posto de artilharia número dois. Quero
apresentar meu relato ao primeiro-oficial...
— Venha pessoalmente, Breucken — interrompeu-o Joe Pasgin. — Há mais alguém
por aí?
— O sargento Vertieden, da divisão de conversores.
— Aguardo-os em meu camarote. É bom que saibam que o chefe se interessa pelo
acidente.
A tela escureceu. Vertieden e Breucken fitaram-se estupefatos.
— Perry Rhodan interessa-se por uma coisa dessas? — disse Klaas Vertieden. —
Gostaria de saber quem se encontrava no carro que explodiu...
***
***
Acontece que, pelos padrões arcônidas, os soltenses deviam ser um povo tão
insignificante que o Grande Império acreditava ter dito tudo a seu respeito, ao consignar
as seguintes informações em seu catálogo etnológico:
***
***
***
Naquela hora, Bell dispunha de uma extraordinária capacidade de previsão. Depois
da segunda troca de hipermensagens com Árcon III mandou que o levassem da estação de
rádio ao arranha-céu em que funcionava a administração. Trazia no bolso uma quantidade
enorme de dados sobre os soltenses. Mas nem pensava nisso. Seus pensamentos giravam
em torno dos saltadores. Sempre que não se sentia muito contente com eles, chamava-os
de ciganos estelares.
Agora devia divertir-se com eles, pois soltava uma risada silenciosa e feliz. Até
chegou a esfregar as mãos e acenou com a cabeça, mas preferiu não largar as rédeas da
fantasia.
E nem poderia imaginar que as duas hipermensagens irradiadas para Árcon III, sob
o processo negativo, haviam colocado o Conselho Revolucionário de Archetz em estado
de tensão.
***
***
***
O relatório do etnólogo foi o último a chegar às mãos de Perry Rhodan. Mas foi o
primeiro em que o administrador pôs as mãos.
No segundo parágrafo, primeira oração, leu o seguinte:
Os soltenses são um povo de mentirosos.
Depois de ler a frase duas vezes, Perry disse:
— Faça o favor de ver isto, Bell! Reginald Bell inclinou-se sobre o papel, sem
desconfiar de nada. O dedo de Perry apontava uma linha.
— Isso só pode ser uma piada de mau gosto — disse Bell. — Quem é o autor deste
relatório? Os etnólogos? Vou entrar em contato com essa gente. Vou dizer umas verdades
ao Olundson. É o cúmulo da desfaçatez! Como pode brindar-nos com uma coisa dessas?
Bell estava zangado, e a cólera era um estado de ânimo raramente notado em sua
pessoa, apesar de viver resmungando, praguejando e usando expressões pouco
convencionais. Estendeu a mão em direção ao microfone, a fim de entrar em contato com
o Dr. Olundson, mas Rhodan fez uma sugestão:
— Vamos dar uma olhada nos outros relatórios. Talvez encontremos nos mesmos
alguma coisa que possa esclarecer essa afirmativa inacreditável.
Dez minutos antes da hora marcada para a conferência com os mutantes, o Dr. Orge
Olundson entrou pela primeira vez em sua vida no gabinete de Perry Rhodan. Bell, com
sua voz trovejante, ordenara o comparecimento do etnólogo.
— Meu caro Olundson — principiou
Bell. — Parece que gosta de fazer piadas. O senhor acha que temos tempo para
aborrecer-nos com seus gracejos de mau gosto? Ora, veja! Os soltenses são um povo de
mentirosos...
Nem mesmo durante o debate com os parlamentares do Império Solar, quando
pesadas acusações foram formuladas contra ele e Rhodan, Bell chegara a falar tão alto.
O Dr. Orge Olundson estremeceu visivelmente, engoliu em seco e, num gesto
totalmente inesperado, aproximou-se de Reginald Bell!
— Por favor, Marechal Bell! — disse, oferecendo-lhe ostensivamente três fitas
perfuradas.
— O que quer que eu faça com isso? — gritou Bell.
— Quero que leia... e depois grite! Nesse instante, Bell percebeu que fora longe
demais.
— Quem foi que gritou, doutor? Talvez tenha usado expressões mais claras que de
costume...
Subitamente Bell pareceu ficar sem fôlego. Finalmente disse com a voz triste:
— É verdade, Perry! Os soltenses são um povo de mentirosos! Leia!
Enquanto Rhodan procurava familiarizar-se com o conteúdo da fita perfurada, Bell
lançou um olhar desajeitado para o etnólogo. Subitamente colocou a mão sobre o ombro
do cientista...
— Não leve a mal, doutor... Devo pedir desculpas por...
O etnólogo interrompeu-o apressadamente.
— Por quê? Pela experiência por que passei, ao notar que os semideuses do planeta
Terra continuam a ser humanos? Estaria disposto a pagar um preço muito mais elevado
por isso.
Até Rhodan levantou os olhos.
— Semideuses? — perguntou Bell.
— Isso mesmo. Os senhores não envelhecem. Nunca lhes ocorreu que com isso
causam pavor à população? Foram, por assim dizer, erigidos à condição de semideuses.
— Doutor...
Os olhos cinzentos de Rhodan fitavam-no com uma expressão séria.
— Ficamos-lhe muito gratos por ter chamado nossa atenção sobre um ponto a
respeito do qual nunca chegamos a refletir. Semideuses! Logo nós.. — soltou uma risada,
mas não foi uma risada alegre. — Os semideuses levam uma vida alegre e confortável.
Acontece que, nestes últimos anos, Mister Bell e eu tivemos exatamente uma semana de
férias. Quero fazer-lhe uma pergunta, doutor. O senhor acha que um semi-deus costuma
ser tão modesto como nós?
Não quis ouvir a resposta. Foi para junto do etnólogo e apertou-lhe a mão.
— Ficamos-lhe muito gratos pela indicação que acaba de nos fornecer, mas nem por
isso o senhor se livra de uma tarefa. Terá de explicar por que os soltenses são um povo de
mentirosos.
— Ora, sir, se eu soubesse a resposta a esta pergunta também me sentiria muito
melhor. Acontece que não sei. No material examinado só encontramos a palavra
mentirosos, e no material vindo de Árcon a mesma coisa foi expressa numa frase: os
soltenses são um povo de mentirosos. Mas em nenhum lugar se explica por que essa
afirmação é feita.
O Dr. Olundson retirou-se. Rhodan e Bell ainda dispunham de alguns minutos antes
da conferência.
O gorducho tinha alguma coisa na ponta da língua. Passou a caminhar à frente da
escrivaninha de Perry. De repente parou diante do amigo, respirou profundamente e
perguntou:
— Perry, você já se lembra de quem ou o que lhe deu essa idéia dos soltenses?
Naquele momento, o sexto sentido do gênio fizera Perry Rhodan reconhecer o que
se passava na mente do amigo.
— Você mandou vigiar-me?! — exclamou.
— Há algumas horas, Perry! E você ficará sob controle até que saiba o que lhe deu
essa idéia dos soltenses. Acho que estamos entendidos, não estamos, Perry?
— Entendo o sentido das suas palavras, Bell, mas não compreendo por que deu uma
ordem dessas às minhas costas.
Perry lançou um olhar penetrante para o amigo.
— Você acaba de usar uma expressão muito feia, Perry! — Bell sentou-se em
postura relaxada à frente de Rhodan, mas sua confortável posição não poderia dissimular
a gravidade da situação. — Aquilo que fiz há algumas horas, depois de conversar com
Mercant, foi feito por você, não contra você.
— Quer dizer que você suspeita de mim, Bell?
— Isso mesmo. Ou será que você já pode responder à minha pergunta?
— Não.
— Nesse caso tudo continuará como está.
— E se eu lhe ordenar que a vigilância de minha pessoa seja suspensa
imediatamente?
Bell sorriu.
— Você nunca fará uma coisa dessas. Como administrador... — não completou a
frase.
— Muito bem. Mas mudei de idéia sobre uma coisa. A conferência com os mutantes
será realizada só por mim. Volte a chamar o computador de Árcon III e peça-lhe que
indique os fundamentos em que se baseia para afirmar que os soltenses são um povo de
mentirosos. Se o computador não estiver em condições de dar esta informação, teremos
de incomodar Atlan. Preciso da informação até amanhã, às seis horas, tempo padrão.
— Será um prazo muito curto, caso Atlan tenha de recorrer a seu indolente serviço
de informações. Estou curioso para ver no que vai dar isso.
— E eu me sinto preocupado, Bell, pois essa informação sobre os soltenses é uma
coisa terrível. Insista junto a Atlan, explicando-lhe que temos necessidade absoluta dessa
informação antes da decolagem.
Bell retirou-se. A caminho da grande estação de hiper-rádio, parou no gabinete de
Allan D. Mercant.
— Ele adivinhou, Mercant! — enquanto dizia estas palavras, Bell entrou
precipitadamente no gabinete do chefe do Serviço de Defesa Solar.
O marechal levantou os olhos. Parecia espantado.
— Já? Qual foi a reação de Perry?
— Foi uma reação gelada, Mercant, tão gelada como raramente encontrei nele.
Aliás, o senhor sabe que os soltenses são um povo de mentirosos?
Bell já se encontrava na porta.
— São o quê?
Reginald Bell ficou satisfeito ao notar que até mesmo Allan D. Mercant perdera o
autocontrole.
— Feche a boca, Mercant! Antes que possa responder à sua pergunta, dizendo por
que os soltenses são um povo de mentirosos, terei de entrar em contato com o
computador de Árcon III, e se este também não souber, chamarei Atlan, ou melhor, Sua
Alteza.
— Um momento, Bell; não vá embora — gritou Mercant, quando Bell se dispôs a
sair. — Faça o favor de contar!
— Ah, então as coisas são assim? Estava na vez de Bell ficar espantado.
Quando o chefe do Serviço de Defesa se empenhava pessoalmente num assunto, o
caldo geralmente era muito mais grosso e menos saboroso do que se supunha. É que
Mercant possuía aquilo que se poderia chamar de faro natural.
Bell contou e Mercant ouviu-o em silêncio. Quando concluiu, o marechal levantou-
se.
— Irei com o senhor.
Na sala de comando de hiperfreqüência do grande emissor, antes de mais nada, Bell
cuidou de ficar a sós com Mercant. Dali a pouco, a mensagem negativa foi irradiada pela
onda do grande centro de computação. O conteúdo da mensagem resumia-se no seguinte:
***
***
***
A bordo da Drusus teve início a quinta hora de espera. Os homens que guarneciam
os rastreadores estruturais bocejaram, sua atenção foi diminuindo. Mas de repente
concentraram-se. Seus aparelhos de localização haviam dado um sinal. O Tenente Brack,
que guarnecia o telêmetro, falou antes dos outros:
— Uma nave espacial! Distância: 2,4 milhões de quilômetros, coronel!
— Rota... — e os números se atropelaram.
Os dados foram introduzidos no computador de bordo, que realizou o
processamento.
As unidades energéticas da Drusus modificaram sua regulagem da posição de
reserva para a de plena carga.
Na sala de comando de tiro, soou uma sereia e quatro luzes vermelhas começaram a
piscar ameaçadoramente.
Prontidão rigorosíssima.
Os jatos-propulsores da Drusus soltaram um gemido, como se respirassem
profundamente, e com um rugido liberaram suas forças.
A Drusus saiu do estado de queda livre e passou a seguir uma rota. No mesmo
instante teve início o ribombo dos geradores antigravitacionais. As unidades energéticas
de números 11, 12, 13 e 14 transmitiram todo seu potencial energético ao dispositivo de
proteção contra a localização. Só as naves das classes Stardust e Império eram capazes de
criar campos protetores contra a localização de dimensões tão extensas e conservar a
estabilidade dos mesmos.
— Nave desconhecida corta nossa rota em... — e mais uma vez seguiram-se dados,
graus e indicações de tempo.
Baldur Sikermann moveu uma chave que transmitiu ao computador positrônico a
ordem de regular a rota da Drusus.
A distância, que os separava da nave desconhecida, diminuía constantemente.
— Qual é o tipo da nave? Quanto tempo ainda terei de esperar por isso? —
perguntou o coronel, em tom impaciente.
— Ainda nos faltam dois dados. Parece que... coronel, é um tipo soltense. Tem
formato de charuto. Não há dúvida!
— Obrigado — Baldur Sikermann inclinou-se levemente em direção ao microfone.
— Setor de comando de tiro! Com ordem um, abrir fogo.
A confirmação parecia um eco:
— Com ordem um, abrir fogo.
Mas os canhões da Drusus ainda permaneceram em silêncio. Para que surgisse a
ordem um, tornava-se necessário que o super-couraçado se aproximasse mais da espaço-
nave desconhecida.
O corpo da Drusus começou a ressoar. Essa ressonância surgia sempre que os
propulsores de uma nave esférica trabalhavam a plena potência. Nem mesmo os
arcônidas haviam conseguido evitar essa ressonância, que tornava qualquer vôo
prolongado, com a aceleração máxima, num verdadeiro martírio.
O oficial de comando de tiro não ouviu a ressonância. Lia as distâncias fornecidas
pelo computador de bordo e fitava os visores de seu quadro de comando. De repente, viu
que as torres de canhões continuavam apontadas para o minúsculo alvo.
Subitamente a indicação de distância foi transmitida em algarismos verdes.
O computador positrônico de bordo sabia tão bem quanto o Coronel Sikermann ou o
oficial de comando de tiro o que vinha a ser a ordem um.
O canhão de pulsações no 4 também recebeu o sinal verde, que liberava o fogo.
Fogo contínuo de três segundos.
Consumo de energia 104. Era o consumo mínimo para esse tempo e distância. O
controle energético da unidade de geradores no 2 registrou o dispêndio apenas no
registrador gráfico diagramático, mas não nos instrumentos. Os ponteiros não se
moveram.
O oficial de comando de tiro transmitiu uma informação lacônica à sala de
comando, onde se encontrava o Coronel Sikermann:
— Impacto total depois da ordem um!
Na sala de comando da Drusus, ninguém se admirou com o fato de que apesar do
impacto a pequena espaçonave em forma de charuto prosseguiu imperturbavelmente no
seu vôo. A ampliação máxima da tela especial não revelou qualquer tipo de avaria na
nave dos soltenses.
Na sala dos mutantes, Ras Tschubai, o teleportador alto e esbelto de pele escura, viu
o mesmo quadro em sua tela. Acima da borda superior desta, funcionava um contador de
comando ótico, que indicava a distância que o separava da nave desconhecida.
Quando o aparelho mostrou o número trezentos mil, Ras Tschubai fechou o
capacete espacial. Assim que atingiu o número duzentos e cinqüenta mil sua cadeira
esvaziou-se de repente.
— Foi embora! — disse o telecineta Tama Yokida, em tom seco.
***
***
***
***
Tal qual o espaçoporto, a cidade de Lus quase não fora danificada pelo ataque dos
druufs.
Seus locais de vida noturna continuavam a tentar os astronautas a desperdiçarem o
dinheiro ganho com tanta dificuldade. Os hábeis saltadores fizeram desse tipo de tentação
uma verdadeira indústria. Quando se tratava de lucrar, não conheciam escrúpulos.
Os dezessete terranos disfarçados de soltenses submergiram no frenesi dos
divertimentos.
Com os bolsos cheios de dinheiro, que em virtude da inflação não valia muita coisa,
atiraram-se aos braços dessa indústria dedicada à exploração dos forasteiros.
— Ei, mentiroso, venha cá. Vamos tomar um trago.
— Será que hoje o queridinho da mamãe pode arriscar um joguinho?
Em todo lugar eram molestados, mas também costumavam ser olhados com uma
compaixão misturada de escárnio. Saltadores embriagados, que por anos a fio haviam
voado de um mundo para outro e agora, que se encontravam em Archetz, tinham chão
firme sob os pés por alguns dias, convidaram-nos a beberem.
Perry Rhodan e Bell estavam sentados à mesa com três jogadores apaixonados.
— Não arrisque demais! — disse Perry Rhodan em soltense, dirigindo-se ao gordo.
Ele mesmo ia jogando cada vez mais alto, assim que as cartas eram distribuídas.
Graças à sua débil faculdade telepática e à capacidade de ler nos rostos dos outros,
quase sempre descobria o jogo dos parceiros.
Dali a duas horas pararam. Os saltadores fitaram com um ar de espanto os soltenses
que haviam ganho todo o dinheiro que traziam
— Amanhã lhes darei revanche — propôs Maixpe, aliás Rhodan, em tom gentil.
— Agradeço! — resmungou um dos saltadores. — Essa revanche me sairá muito
cara.
As coisas não foram muito diferentes na mesa em que se fazia o jogo do tol, onde
trinta saltadores, aras e ekhônidas, e um soltense, todos possuídos pelo demônio do jogo,
perseguiam o tremeluzir da lâmina prismática, iluminada pela luz indireta.
O soltense ganhava sempre.
O banqueiro começou a transpirar. Pela terceira vez modificou discretamente a
regulagem positrônica, a fim de que nos próximos vinte jogos pudesse recuperar os
prejuízos da banca.
John Marshall, que já se acostumara à barba trançada e não fechava mais os olhos
por causa da sombra projetada pela saliência da testa, divertiu-se a valer.
“Você não perde por esperar, meu velho”, pensou. “Seus truques não lhe
adiantarão mais nada. A mim você não engana.”
No último instante apostou em prisma 4, verde 3. Era uma possibilidade entre cento
e trinta.
Prisma 4, verde 3 acabara de pensar o banqueiro. E, na atitude típica de um
banqueiro de jogo, o saltador cruzara os braços diante do peito a fim de, por meio de um
telecomando mental, transmitir ao dispositivo automático da mesa de jogo o lance
correspondente a prisma 4, verde 3. O impulso foi emitido um décimo de segundo antes
do momento em que Marshall atirou um pacote de notas sobre o campo ainda livre.
Os homens soltaram berros de surpresa, as mulheres gritavam. Em todos os olhos
lia-se a ganância e a inveja pela sorte tremenda do soltense.
O ganho de cento e trinta por um foi pago ao corcunda. O banqueiro tivera de buscar
dinheiro, e jogou maços e mais maços de dinheiro na mesa, à frente de Marshall. Tinha o
rosto pálido como cera. Suas mãos tremiam. A sorte ininterrupta do soltense deixava-o
apavorado. Mais três corcundas juntaram-se a ele. Um deles disse para todos ouvirem que
sua arma de impulsos recebera uma carga nova na manhã daquele dia.
John Marshall abandonou a mesa de tol, acompanhado por três companheiros.
Trazia uma fortuna no bolso.
Às 30 horas e 30 minutos, tempo padrão, nem um único dos dezessete soltenses se
encontrava no bairro de vida noturna. Estavam sentados em torno de uma mesa, num
botequim de astronautas, e conversavam calmamente em soltense. Não precisavam
preocupar-se com a possibilidade de alguém ouvir a palestra. Com exceção de alguns
lingüistas, não havia no Império arcônida ninguém que dominasse sua língua.
— Então, nada! — constatou Maixpe, aliás, Rhodan. — Não contava mesmo com
um êxito ou sequer uma pista. Amanhã Mister Reginald Bell e eu tentaremos, levados por
Tschubai, conhecer a parte subterrânea da cidade. Marshall, escolha homens que possam
agir em Titon...
— Acontece que Titon, a capital do planeta, é um monte de escombros! —
ponderou Trexca, aliás, Bell.
— Só a parte situada na superfície — retificou Rhodan. — Com exceção das vítimas
humanas, o ataque dos druufs contra o planeta de Archetz teve o efeito de uma picada de
agulha. Este planeta é um segundo Árcon III. E acho que já sabemos o que essa gente
pretende fazer, não sabemos, Lloyd?
O mutante localizador confirmou com um gesto.
— E o anãozinho Gucky pode dormir à vontade? — observou Bell, em tom
contrariado.
— Pode — disse Rhodan laconicamente, dando por encerrada a palestra.
Às 31 horas e 45 minutos, tempo padrão, a central subterrânea da polícia de
estrangeiros de Archetz recebeu a seguinte informação: os dezessete soltenses foram para
o hotel e ficaram em seus quartos.
Acontece que essa informação já não era verdadeira.
Os dois teleportadores, Ras Tschubai e Tako Kakuta, haviam levado André Noir e
Fellmer Lloyd a Titon, num salto de teleportação, a fim de que estes verificassem se o
bairro de vida noturna da capital do planeta também continuava intacto.
— Na minha opinião o chefe está andando muito devagar — disse André Noir,
enquanto voltava ao hotel, acompanhado pelos três companheiros. — A cidade de Lus
não é o lugar adequado para procurar Thomas Cardif. Se é que ele se encontra em
Archetz, só pode estar na parte subterrânea de Titon. Nenhum de vocês tem vontade de ir
comigo?
***
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***
***
— Aqui fala o controle espaço portuário. Por que não decola, comandante Maixpe?
Era a voz severa de um saltador que saía do alto-falante. Perry Rhodan inclinou-se
para o microfone.
— Há problemas com os novos propulsores. Os jatos começam a funcionar com
atraso. Será que devo quebrar o pescoço já na decolagem, meu senhor? O que dirão
nossas mulheres se formos enterrados em Archetz e...
O mercador galáctico perdeu a paciência.
— Seus idiotas! — berrou a voz saída do alto-falante. — Desliguem os propulsores,
enviaremos uma... O quê?
Provavelmente fora interrompido por alguém que também se encontrava na sala de
rádio, pois seu rosto desapareceu da tela.
Bell sentiu quase fisicamente o desastre que se aproximava. Pensava constantemente
na grande estação de hiper-rádio de Archetz.
E foi de lá que veio a desgraça. O rosto do mercador galáctico voltou a aparecer na
tela.
— Para onde vocês enviaram a hiper-mensagem irradiada há poucos minutos, seus
mentirosos? A decolagem da nave fica proibida. Não se atrevam a decolar, pois nesse
caso transformaremos sua nave numa nuvem de gases.
— Meu senhor — respondeu Rhodan em tom submisso. — Não queremos decolar,
muito menos morrer. Apenas queremos voltar para junto de nossas queridas mulheres.
Anunciamos nossa partida de Archetz e...
— Será que vocês também avisaram Árcon, seus mentirosos? — esbravejou o
saltador. — Não venham me dizer que nossos rastreadores estruturais também mentem.
Não se esqueçam da proibição de decolar. Fim! — gritou o saltador e desapareceu da
tela.
— E a Frota Solar, Perry? — resolveu perguntar Bell.
— Permanecerá no sistema solar, meus senhores. Vamos deixar as coisas bem
claras. Sei perfeitamente o que estou arriscando juntamente com Atlan. Trata-se de meu
filho e também de Gucky. Mas trata-se principalmente de fazer com que os salta-dores
compreendam que o Imperador Gonozal VIII sabe enfrentar o mundo central dos
mercadores galácticos, e que o pacto de amizade entre Árcon e o Império Solar não é um
simples acordo de papel.
— É só o que...
O susto fez com que se espalhassem.
Gucky surgiu entre eles, mas não estava só.
Perry Rhodan viu-se diante de seu filho Thomas Cardif.
Gucky o trouxera num salto de teleportação; obrigara-o por meio de sua energia
telecinética a acompanhá-lo.
Os olhos albinóides avermelhados chamejaram de ódio quando Cardif viu-se à
frente do pai. Os lábios estavam firmemente cerrados e os cantos da boca puxados para
baixo.
Naquele instante, Perry Rhodan deu-se conta de que o caminho que leva ao coração
de uma pessoa às vezes é mais longo que o caminho que conduz às estrelas.
John Marshall teve um pressentimento desagradável. Recorreu à sua faculdade
telepática, mas esta não produziu qualquer resultado. Por acaso seu olhar caiu sobre a tela
do oscilógrafo.
Nela se via uma amplitude constante, que constituía o sinal característico de um
sinal goniométrico ininterrupto. E o traço era tão forte que até se tinha a impressão de que
o transmissor se encontrava na sala de comando da Lorch-Arto.
— Chefe! — seu braço apontava silenciosamente para o oscilógrafo que mostrava a
onda de hipertransmissão.
No mesmo instante, Rhodan acionou o hipercomunicador.
Por três vezes, o transmissor irradiou o número treze, sem qualquer cifragem, sem
condensador ou distorçor. Depois disso, Perry Rhodan virou-se e disse em tom tranqüilo:
— Thomas Cardif traz um transmissor goniométrico camuflado. Talvez saiba, talvez
não. Neste instante, os mercadores galácticos já sabem onde se encontra. Nosso papel de
soltenses chegou ao fim, senhores. Podemos desmascarar-nos e preparar-nos para passar
alguns instantes bem desagradáveis.
***
Gucky não teve a menor vontade de contar como fizera para encontrar Thomas
Cardif. E não havia tempo para isso.
— Estão chegando! — constatou Rhodan, em tom seco. — Se nos mexermos, os
mercadores não terão a menor contemplação: farão uso de suas armas de radiações.
Tenente Cardif, espero que o senhor saiba avaliar corretamente a situação em que se
encontra neste momento. Não tente arranjar incidentes. Gucky saberá impedi-los, não é
mesmo Gucky?
Fitou o rato-castor, mas o gesto com que este confirmou as palavras de Rhodan não
parecia muito entusiasmado. Mais uma vez teve a impressão de que Rhodan não sabia
lidar corretamente com seu filho.
Cardif não tomou conhecimento da advertência de Rhodan; permaneceu em
silêncio.
— Dois cruzadores cilíndricos pesados — constatou Rhodan, com um olhar para a
tela.
Os saltadores lançaram mão de todo o poder bélico de que dispunham, e o ultimato
para a rendição já estava chegando.
— Exigimos a rendição incondicional, Perry Rhodan, do contrário nós os
destruiremos.
O ultimato não poderia ser mais lacônico.
Alguém riu.
Foi Thomas Cardif.
— Vejam só. Ainda acabarei conseguindo o que quero. Obrigado, rato-castor, por
ter-me trazido para cá!
Seus olhos de arcônida chamejaram em direção a Perry Rhodan com um ódio que
não conhecia perdão.
O pai fitou o filho com uma expressão pensativa. Essa vaga de ódio, que se debateu
sobre ele, tornava vãs todas as esperanças de encontrar o caminho que conduzia ao
coração do filho.
— Concedemos-lhes cinco minutos, tempo padrão, para abandonarem a Lorch-Arto.
É o último aviso — disse a voz severa saída do alto-falante.
Tako Kakuta, o teleportador, encontrava-se ao lado do rastreador estrutural. Com
exceção de uns poucos abalos, que não assumiam maior importância, uma estranha calma
reinava no setor espacial do sistema de Rusuma. Provavelmente a frota de Atlan, que
representava a palha à qual se agarravam suas esperanças, chegaria tarde.
Dois cruzadores cilíndricos pesados, dezenove cruzadores leves e meia centena de
viaturas policiais fortemente armadas cercaram a pequena nave cargueira.
— Faltam quatro minutos — disse Rhodan com a voz tranqüila. — Também duvido
de que Atlan chegue a tempo. Quer dizer que teremos de entrar em ação. Deixe-me ver,
Kakuta.
O teleportador afastou-se do rastreador estrutural. Rhodan dedicou sua atenção ao
oscilógrafo que ficava atrás do rastreador.
Mexeu no telecomunicador, colocando-o regulado para a mesma freqüência do
mini-transmissor goniométrico que provavelmente se encontrava no corpo de Thomas
Cardif.
— O tempo, por favor — disse em tom calmo. Sua tranqüilidade foi contagiante.
— Três minutos e vinte segundos — respondeu John Marshall.
— O.K. Os teleportadores entrarão em ação. Objetivo: sala de rádio da
administração aeroportuária. Apliquem uma hipnose em Thomas Cardif. Rápido! Temos
pressa, senhores teleportadores!
Havia três teleportadores presentes: Gucky, Tako Kakuta e Ras Tschubai. Quinze
homens teriam de ser teleportados. E para isso dispunham de pouco mais de cento e
oitenta segundos. Apenas trinta e seis segundos para cada salto duplo. Era pouco, muito
pouco.
— Mister Bell, Cardif e eu iremos em último lugar — ordenou Rhodan.
Kitai Ishibashi aplicou o máximo de sua capacidade sugestiva no filho de Rhodan.
Ordenou-lhe que não fizesse nada contra o pai e Bell e também não fizesse nenhuma
tentativa de embaraçar a ação dos mutantes.
Thomas Cardif estava indefeso diante do ataque. Sem perceber, aceitou a compulsão
sugestiva.
— O tempo está ficando escasso — disse Bell, quando os três teleportadores
voltaram do primeiro salto, no qual haviam gasto mais de quarenta segundos.
— Há dezoito saltadores na sala — piou Gucky, exibiu em toda sua plenitude o
dente roedor e desapareceu com outro homem.
Os teleportadores foram recuperando a perda de tempo.
Estavam a caminho do quarto salto.
— A sala de rádio transformou-se num verdadeiro inferno — disse Tako Kakuta,
em tom exaltado, antes que saltasse com Kitai Ishibashi, que se agarrava fortemente a seu
corpo.
— Ainda dispomos de quarenta e dois segundos — disse Bell, em tom tranqüilo,
acompanhando a marcha dos segundos.
— Venha, gorducho. Quero levar você! — piou Gucky a seu lado.
A cintura de Thomas Cardif foi enlaçada pelos braços de Ras Tschubai. Tako
Kakuta estendeu a mão em direção a Rhodan.
— Um instante, Tako! — pediu Rhodan e, com um movimento da mão, acionou o
telecomunicador.
Naquele instante havia dois transmissores goniométricos em Archetz, o que Thomas
Cardif trazia no corpo e outro, com a mesma freqüência e os mesmos impulsos
permanentes, representado pelo telecomunicador da Lorch-Arto.
Quando Perry Rhodan materializou-se com Tako Kakuta na sala de rádio do
controle espaço portuário, Bell estava colocando fora de ação o último saltador com um
violento golpe de direita.
Gucky estava sentado diante do comando geral, e com a pata esquerda dava
ininterruptamente o alarma espacial.
— Gucky — ia gritar Rhodan, mas controlou-se no último instante e só pôde
espantar-se com a idéia genial do rato-castor.
Todo o planeta de Archetz estava sendo colocado em estado de alarma.
Alarma espacial! Um ataque vindo do espaço!
E, além disso, ainda dois impulsos goniométricos transmitidos na mesma
freqüência!
Os mercadores galácticos, que já deviam estar um tanto confusos pelo fato de
Rhodan se encontrar em seu mundo, acompanhado de um grupo de terranos, agora
estariam enlouquecendo em série, a não ser que possuíssem nervos extraordinários.
Os mutantes de Rhodan passaram ao ataque seguinte. Saltadores iam chegando de
outra seção. Procuravam forçar a entrada da sala de rádio e correram para dentro de um
feixe aberto de raios, disparado por meia dúzia de hipnoprojetores.
No campo de pouso, a Lorch-Arto desmanchou-se numa nuvem de gás vermelho-
amarelento. Os mercadores galácticos haviam perdido a cabeça e dispararam com
canhões pesadíssimos contra a velha nave cargueira do sistema de Forit.
De repente, um tremor de terra pareceu sacudir Archetz.
O grande edifício do controle espaço-portuário tremeu até os alicerces.
Bell soltou um grito.
— Chegaram!
Num gesto violento levantou o braço, que apontou para o céu.
Atlan estava chegando.
Árcon trazia seu poder.
Nem um único dos fortes planetários, que cercavam o planeta de Archetz, atreveu-se
a disparar um único tiro contra a frota de supercouraçados do Imperador Gonozal VIII.
Mais de trezentas espaçonaves esféricas de 1.500 metros de diâmetro desaceleraram
ao máximo e penetraram em alta velocidade nas camadas mais densas da atmosfera de
Archetz.
Desencadearam um verdadeiro furacão! Fizeram estremecer os edifícios de todo um
planeta, precipitaram-se em direção à superfície e obscureceram o céu. A três mil metros
acima de Archetz, uma nave enfileirava-se ao lado da outra. Era uma formidável
demonstração de poder.
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