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JURISPRUDÊNCIA COMENTADA 255

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

IMPOSSIBILIDADE DE A ADVOCACIA PÚBLICA


SER EXERCIDA POR OCUPANTES
DE CARGOS DE PROVIMENTO COMISSIONADO:
O CASO DOS MUNICÍPIOS.
Comentários ao Acórdão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.261

MAURÍCIO ZOCKUN
Professor de Direito Administrativo na PUC/SP.
Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP.
Diretor do Instituto de Direito Administrativo Paulista-IDAP.
Advogado

I. O tema objeto de discussão 2. Na sessão de julgamento realizada


na ADI 4.261 no dia 2.8.2010, no Tribunal Pleno do Su-
premo Tribunal Federal, o Ministro Carlos
1. A Associação Nacional dos Pro- Britto, relator da ação, julgou procedente
curadores do Estado-ANAPE ajuizou no o feito, no que foi acompanhado pela una-
Supremo Tribunal Federal a ADI 4.261, nimidade dos ministros presentes.
por meio da qual pugnou pela incons- Segundo o voto condutor do Min.
titucionalidade de dispositivos da Lei Carlos Britto, lançado no acórdão publica-
Complementar 500/2009, do Estado de do no DJ-e do dia 19.8.2010, a questão foi
Rondônia. Segundo os preceitos contesta- equacionada tomando como parâmetros os
dos, outorgou-se aos ocupantes de cargos arts. 131 e 132 da Constituição da Repúbli-
de provimento comissionado competên- ca. Segundo o magistério daquele profes-
cia para o desempenho das atividades sor, “(...) no âmbito do Poder Executivo, as
de consultoria e assessoria jurídica em atividades de consultoria e assessoramento
parcela da Administração direta daquele jurídico são exclusivamente confiadas pela
ente federativo. Constituição Federal aos procuradores de

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Estado, com organização em carreira e pios integram o pacto federativo,1 o art. 29


ingresso por concurso de provas e títulos, da Constituição da República proclama,
exigida ainda a participação da Ordem à semelhança do que fez em seu art. 25,
dos Advogados do Brasil em todas as que os princípios informadores da Cons-
suas fases. Isso como condição de quali- tituição da República e da Constituição
ficação técnica e independência funcional. do Estado sejam ser observados pelas leis
Independência e qualificação que hão de orgânicas municipais.
presidir a atuação de quem desenvolve as Reproduzindo esse preceito, o art.
atividades de orientação e representação 144 da Constituição Paulista2 assinala que
jurídica, tão necessárias ao regular funcio- a autonomia legislativa e administrativa
namento do Poder Executivo. Tudo sob dos Municípios deve ser exercida com
critérios de absoluta tecnicalidade, portan- obediência aos princípios norteadores
to, até porque tais atividades são constitu- da Carta Republicana e da Lei Maior do
cionalmente categorizadas como ‘funções Estado de São Paulo.
essenciais à Justiça’ (Capítulo IV do Título
Apesar de essa ideia ter sido empiri-
IV da CF). 15. Essa exclusividade dos
camente comprovada à luz da Constituição
procuradores de Estado para atividade
do Estado de São Paulo – que é aqui ado-
de consultoria e representação jurídica,
tada de forma exemplificativa –, o mesmo
entendidas aqui como assessoramento e
se dá (ou melhor, deveria se operar3) em
procuratório judicial, é incompatível com
relação aos demais diplomas maiores dos
a natureza dos cargos em comissão, que
Estados da Federação. E isso por expressa
se definem como da estrita confiança da
e literal determinação veiculada na Cons-
autoridade nomeante (...)”.
tituição da República.
Muito embora o julgamento tenha
restringido o exame da matéria à advoca-
cia pública federal e estadual, eis que se
invocou a incidência dos arts. 131 e 132 1. A uma porque o art. 1o da Carta Republi-
cana afirma que nossa Nação decorre da união
da Constituição da República à hipótese,
indissolúvel entre Estados, Municípios e Distrito
entendemos que fundamentos adicionais Federal. A duas porque o art. 18 da Carta Magna
exigem que essa mesma conclusão seja assinala que os Municípios, Estados, União e Dis-
estendida à advocacia pública municipal. trito Federal compõem a estrutura político-admi-
nistrativa da Nação, havendo entre eles autonomia
(razão por que Geraldo Ataliba, em seu festejado
II. Na administração pública, República e Constituição [São Paulo, Malheiros
direta ou indireta, Editores, 3a ed., 2011] assinalou com irretocável
a representação judicial acerto que, ao menos entre nós, dizer República
é dizer Federação; a Federação brasileira é, pois,
e a consultoria jurídica
a projeção republicana da igualdade nas relações
são atribuições privativas intersubjetivas, aí também se compreendendo as
de servidores públicos concursados pessoas jurídica de direito público com capacidade
política, ou, simplesmente, pessoas políticas).
3. O art. 25 da Constituição da Re- 2. “Art. 144. Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se
pública prescreve que as Constituições auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
estaduais devem ser elaboradas em con- princípios estabelecidos na Constituição Federal
formidade com os princípios estruturantes e nesta Constituição.”
sob os quais repousam nossa República 3. Pois, afinal, o Direito está no plano do
Federativa. Além disto, como os Municí- dever-ser.

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4. Vê-se, sem maiores embaraços, exercidas por aqueles eleitos por meio de
que os arts. 25 e 29 da Constituição da sufrágio. A elegibilidade é condição para
República pretendem garantir a homoge- que o brasileiro seja, total ou parcialmente,
neidade principiológica entre as Cartas habilitado à investidura em um cargo polí-
Políticas dos entes federados, preservan- tico. As credenciais técnicas ou científicas
do, com isso, a coerência e a harmonia4 na do postulante ao cargo político não são
ordem jurídica.5 objetivamente relevantes para habilitá-lo
Emerge daí questão cardeal em rela- ao desempenho de uma função política;
ção ao tema: qualifica-se como comando para este fim é relevante o pleno exercício
normativo estrutural do Estado brasileiro dos direitos decorrentes da cidadania.6
a exigência segundo a qual o exercício da Além disto, a nomeação para certos
advocacia pública deve ser levada a efeito cargos e empregos públicos prescinde de
apenas por pessoas aprovadas em concur- prévia aprovação em concurso público,
so público? Pensamos que sim! ainda que, em tese, seu postulante tenha
5. O art. 37, II, da Carta Maior que ostentar certos predicados que reve-
assinala que os cargos e empregos públi- lem sua capacidade para bem desempe-
cos devem ser preenchidos por aqueles nhar a função estatal na qual se pretende
aprovados em prévio processo seletivo. investi-lo.7
Ao assim entoar, a Carta Republicana 6. Afora as exceções acima listadas
assinala que as funções estatais, como re- (dentre outras tantas), perfila-se o cargo de
gra, devem ser exercidas por aqueles que provimento comissionado que, segundo
se revelem tecnicamente mais capazes de a Constituição da República, são quali-
satisfazer o interesse público. Dá-se, com ficáveis como núcleos de competências
isso, aplicabilidade ao princípio republica- públicas que conferem aos seus ocupantes
no no preenchimento dessas competências o legítimo desempenho das atividades de
públicas. direção, chefia e assessoramento.
Este postulado, contudo, não recebeu Em obra invulgar, merecedora de
tratamento jurídico linear ou uniforme nova edição há tempos, Márcio Camma-
em vista de outros postulados igualmente rosano registrou com sua peculiar argúcia
prestigiados pela República. que “(...) a Constituição, ao admitir que o
Basta relembramos que funções es- legislador ordinário crie cargos em comis-
tatais de índole política são, como regra,

6. Tal como preconiza o art. 14, § 3o, da


Constituição da República.
4. A harmonia fundeou a formação da nova 7. É o que se processa, por exemplo, com
ordem jurídica inaugurada em 1988, como assi- os Ministros dos Tribunais Superiores, Ministros
nala o Preâmbulo da Constituição da República. e Conselheiros dos Tribunais de Contas, um
Assim, visando à vida harmônica o constituinte quinto dos membros dos Tribunais, oriundos
alçou a segurança jurídica como princípio cardeal da advocacia privada e pública (categoria na
do direito, de forma que no mundo empírico fosse qual, penso, também se inserem os membros do
garantida a tão almejada harmonia. Ministério Público). O mesmo se pode dizer em
5. Segundo José Afonso da Silva (Comen- relação à contratação dos dirigentes das empresas
tário Contextual à Constituição, São Paulo, estatais exploradoras de atividade econômica, eis
Malheiros Editores, 7a ed., 2011, p. 289), duas são que a direção dessas empresas deve ser confiada
as classes de princípios fundantes da República: a pessoa capaz e habilitada, de forma a satisfazer
(i) sensíveis e (ii) estabelecidos. o interesse público.

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são, de livre nomeação e exoneração, o faz políticas por ela estabelecidas. Estas
com a finalidade de propiciar ao chefe de atividades estão alocadas nos cargos de
governo o seu real controle mediante o provimento comissionado e nas funções
concurso, para o exercício de certas fun- de confiança.
ções, de pessoas da sua absoluta confiança, 8. Logo, estando em pauta o exercí-
afinadas com as diretrizes políticas que cio de uma atividade de índole técnica,
devem pautar a atividade governamen- a Constituição alija a possibilidade de o
tal”.8 Aprofundou sua consideração para seu exercício ser levado a efeito por um
concluir com irrebatível acerto que “Não ocupante de cargo de provimento comis-
é, portanto, qualquer plexo unitário de sionado. Isso porque, nestas atividades
competências que reclama seja confiado (de índole técnica), “(...) nada mais se
o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a pode exigir senão o escorreito exercício de
dedo escolhida, merecedora da absoluta suas atribuições, em caráter estritamente
confiança da autoridade superior, mas profissional, técnico, livres de quaisquer
apenas aqueles que, dada a natureza das preocupações ou considerações de outra
atribuições a serem exercidos pelos seus natureza”.10
titulares, justificam exigir-se deles não Nas atividades técnicas e profissio-
apenas o dever elementar de lealdade às nais, o desempenho da função pública é
instituições constitucionais e administrati- estritamente objetivo. Por isso mesmo, o
vas a que servirem (...) como também um vínculo de lealdade à autoridade superior,
comprometimento político, uma fidelidade o comprometimento político-partidário
às diretrizes estabelecidas pelos agentes e a submissão a um projeto de governo,
políticos, uma lealdade pessoal à autori- não devem (e não podem) interferir no
dade superior”.9 exercício dessas atividades, sob pena de
7. Vê-se, pois, que as funções estatais amesquinhamento do interesse público.
de índole política podem ser exercidas por No desempenho de atividades técni-
pessoas sem a necessidade de sua prévia cas o que prevalece é o interesse público,
aprovação em concurso. não o interesse do governante! Daí porque,
De outra banda, há um rol de ativi- nestes cargos, não há margem para atuação
dades públicas de índole eminentemente em caráter comissionado, mas apenas em
técnica, razão por que se exige do seu caráter efetivo e profissional.
ocupante a demonstração das habilidades O mesmo não se pode dizer em rela-
necessárias à boa satisfação do interesse ção aos cargos do provimento comissiona-
público, o que, em uma República, se afere do. Isso porque, nestes casos, exige-se da
por meio de concurso. pessoa neles investida a nota característica
de exercício da função serviente aos inte-
Há, no entanto, certas atividades
resses do governante.
públicas que, por determinação consti-
Daí porque, se a função de assessora-
tucional, exigem do nomeado compro-
mento também é exercitável por ocupante
metimento político, lealdade e afinidade
à autoridade nomeante e às diretrizes

10. Márcio Cammarosano, Provimento


de cargos públicos no direito brasileiro, cit., p.
8. Provimento de cargos públicos no direito 96. No mesmo sentido: Cármen Lúcia Antunes
brasileiro, São Paulo, Ed. RT, 1984, p. 95. Rocha, Princípios constitucionais dos servidores
9. Idem, ibidem. públicos, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 177.

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de cargos de provimento comissionado, tulado decorrente da República, eis que


não se pode conceber que esse agente por meio dele assegura-se a igualdade
esteja legitimado a desempenhar uma de oportunidades para que os nacionais e
atividade técnica. Primeiro porque isso estrangeiros possam ingressar nos quadros
contrariaria o preceito constitucional exi- da Administração. Segundo porque, sendo
gente de concurso para o preenchimento o Brasil uma República organizada em um
de cargos e empregos volvidos à satisfação modelo Federal, as ordens jurídicas par-
do interesse público por meio de ativida- ciais devem servil obediência a esse postu-
des de índole técnica. Segundo porque, lado qualificado como cláusula pétrea.
se isso fosse possível, admitir-se-ia que Assim, qualifica-se como princípio
o exercício de uma função técnica está estruturante da República o postulando
umbilicalmente associado (e serviente) ao segundo o qual, tratando-se de atividade
alinhamento ideológico e político do ocu- técnica, o cargo ou emprego volvido a
pante às diretrizes (políticas) do nomeante. essa finalidade deve ser provido por quem
E isso romperia com o postulado da igual- obtiver aprovação em concurso.11
dade, da impessoalidade, da probidade e
10. Em vista disto, como, tipologica-
da eficiência no trato da coisa pública.
mente, se qualifica a atividade desenvolvi-
Assim, extrai-se do art. 37 da Consti- da por advogado público, na sua militância
tuição da República a ideia segundo a qual, litigiosa ou na elaboração de opiniões
tratando-se de atividade técnica, o cargo jurídicas capazes de direcionar, de modo
ou emprego público volvido a essa fina- opinativo ou vinculante, o agir da Admi-
lidade deve ser provido por quem obtiver nistração? Apressamo-nos em responder:
aprovação em concurso; quem, portanto, como atividade eminentemente técnica,
revelar mais destreza para o desempenho que exige do seu ocupante conhecimento
dessa atividade pública. científico, constante aprimoramento em
Tratando-se de atribuições que exi- razão da evolução legislativa, doutrinária
gem do nomeado comprometimento polí- e jurisprudencial.
tico, lealdade e afinidade com a autoridade
Subserviência política e alinhamento
nomeante e com as diretrizes políticas por
ideológico às diretrizes do governante não
ela estabelecidas, estar-se-á defronte a atri-
se coadunam com o efetivo e concreto de-
buições de direção, chefia e assessoramen-
sempenho da advocacia pública consultiva
to, passíveis de satisfação por ocupante
e/ou litigiosa. São institutos antagônicos!
de cargos de provimento comissionado.
Atribuições, pois, antagônicas àquelas de 11. Isso significa dizer que a repre-
índole técnica (necessariamente exerci- sentação judicial e a consultoria jurídica
táveis por ocupantes de cargos efetivos, dos municípios brasileiros não podem
vitalícios e empregos públicos). ser atribuídas a servidores ocupantes de
9. Estes preceitos não são aplicáveis cargos de provimento comissionado.
apenas à União, pois, nesta parte não se E isso por uma lógica simples: a
trata de Constituição Federal (volvida ape- defesa dos interesses jurídicos do Estado
nas à União – ou União Federal, como as-
sinalam alguns), mas sim de Constituição
da República (volvida, pois, à Nação). 11. Esse, aliás, é o mesmo pensamento de
Primeiro porque a obrigatoriedade José Afonso da Silva (Comentário Contextual à
de concurso público para preenchimento Constituição, cit., pp. 342 e ss.), ainda que não te-
de cargos e empregos públicos é um pos- nha abordado o caso em pauta na referida obra.

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não é subordinada aos interesses políticos to, insista-se, apenas às funções de direção
dos governantes. Por força do princípio ou chefia).
republicano, os interesses políticos são No entanto, não raras vezes opera-se
transitórios, mas – em razão do mesmo uma situação verdadeiramente kafkiana.
primado – a defesa dos interesses jurídicos Isso porque, o número de servidores ocu-
do Estado é permanente e invariável em pantes destes cargos (de direção, chefia ou
razão das mudanças de Governo. assessoramento) supera, em muito, o nu-
Assim, o princípio republicano proí- mero de servidores ocupantes dos cargos
be a ingerência, interferência ou intromis- eminentemente técnicos. E nesta hipótese
são de interesses políticos (curados por observar-se-ia a máxima segundo a qual
agentes políticos) na gestão do interesse “há muito cacique para pouco índio”, o
jurídico das pessoas políticas. que romperia as balizas da razoabilidade
E para que esse republicano propósito e da proporcionalidade.
seja atingido, o art. 132 da Constituição da Logo, é um disparate atribuir aos
República fixa uma regra objetivamente ocupantes de cargos de provimento comis-
pedagógica:12 aqueles que atuam na defesa sionado a legitimidade para o exercício da
jurídica das pessoas políticas – por meio advocacia pública consultiva e/ou litigiosa
de sua representação judicial e consul- dos municípios. Tratar-se-ia de atribuição
toria jurídica – exercem função técnica, de competência pública a agente ilegítimo
sendo-lhes assegurada independência e para esse mister, o que revela a prática de
autonomia funcional, o que só deve ser grosseira inconstitucionalidade à luz do
levada a bom termos por servidores ocu- art. 37, II, da Constituição da República.
pantes de cargos ou empregos públicos, Já é hora de as entidades defensoras
cuja investidura exige a prévia aprovação da ordem democrática e da advocacia
em concurso. suscitarem ao STF a elaboração de Súmula
Logo, não se pode conceber que as Vinculante, de forma que se possa romper
sobreditas atividades sejam exercidas o pacto de mediocridade que há décadas
por ocupantes de cargos comissionados, contamina pequenos e grandes municípios
como vem ocorrendo diuturnamente nos na matéria em pauta.
municípios brasileiros. Mas não é só.
12. Não se nega que mesmo nas AÇÃO DIRETA DE
atividades jurídicas realizadas pelo Poder INCONSTITUCIONALIDADE
4.261-RO
Público há necessidade de postos de co-
Relator Min. Ayres Britto
mando; atribuições, portanto, de direção,
chefia ou assessoramento (assessoramen- EMENTA: Constitucional. Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Anexo
II da Lei Complementar 500 de 10 de
março de 2009, do Estado de Ron-
12. E aqui se diz pedagógica, pois seu con- dônia. Erro material na formulação
teúdo – que restringe o exercício da advocacia do pedido. Preliminar de não-conhe-
pública federal, judicial e extrajudicial, seja no cimento parcial rejeitada. Mérito.
campo contencioso e/ou consultivo, aos ocupantes Criação de cargos de provimento em
de cargos aprovados em concurso – é extraível comissão de assessoramento jurídico
diretamente da claríssima dicção do art. 37, II, no âmbito da Administração direta.
da Constituição da República. Inconstitucionalidade.

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1. Conhece-se integralmente da de Estado (ANAPE) contra o “art. 3o,


ação direta de inconstitucionalidade II, b, 1a parte, e Anexo Único da Lei
se, da leitura do inteiro teor da petição Complementar n. 500, de 10 de março
inicial, se infere que o pedido contém de 2009, do Estado de Rondônia, em
manifesto erro material quanto à indi- tudo que se refira à instituição do cargo
cação da norma impugnada. de Assessoria Jurídica na Secretaria de
2. A atividade de assessoramento Estado de Assuntos Estratégicos, ou
jurídico do Poder Executivo dos Esta- seja, na Administração Direta” (sic).
dos é de ser exercida por procuradores 2. Embora redigido o pedido
organizados em carreira, cujo ingresso dessa maneira, em verdade toda a ar-
depende de concurso público de provas gumentação contida na inicial dirige-se
e títulos, com a participação da Ordem contra a criação dos cargos em comis-
dos Advogados do Brasil em todas as são de Assessor Jurídico I e Assessor
suas fases, nos termos do art. 132 da Jurídico II, constantes do Anexo II da
Constituição Federal. Preceito que se Lei Complementar 500, de 10 de março
destina à configuração da necessária de 2009, do Estado de Rondônia. Trata-
qualificação técnica e independência se, pois, de evidente erro material.
funcional desses especiais agentes 3. Pois bem, alega a autora que as
públicos. normas impugnadas afrontam o dispos-
3. É inconstitucional norma to no art. 132 da Constituição da Re-
estadual que autoriza a ocupante de pública, na medida em que instituem,
cargo em comissão o desempenho das no âmbito da Administração Direta
atribuições de assessoramento jurí- rondoniense, cargos cujas funções de
dico, no âmbito do Poder Executivo. assessoramento jurídico são exclusivas
Precedentes. dos procuradores de Estado; ou seja,
procuradores efetivos, nomeados por
4. Ação que se julga procedente.
concurso público de provas e títulos,
além de estruturados em carreira, nos
ACÓRDÃO exatos termos desse emblemático art.
132 da Magna Carta de 1988.
4. Prossigo para anotar que adotei
Vistos, relatados e discutidos
o rito do art. 12 da Lei 9.868/99, tendo
estes autos, acordam os Ministros do
sido as informações prestadas pelo
Supremo Tribunal Federal em julgar
Governador e pela Assembleia Legis-
procedente a ação direta, o que fazem
lativa do Estado. Sustentou o chefe do
nos termos do voto do relator e por
Poder Executivo que aos assessores
unanimidade de votos, em sessão
jurídicos, cujos cargos foram criados
presidida pelo Ministro Cezar Peluso,
pela lei impugnada, estão reservadas
na conformidade da ata do julgamen-
“questões diárias, muitas vezes já
to e das notas taquigráficas. Votou o
com posicionamento consolidada pela
Presidente. Procuradoria” (sic), ao passo que esta
Brasília, 2 de agosto 2010. “é sempre instada a se manifestar nas
Ayres Britto – Relator questões que envolvem maior comple-
xidade jurídica”.
RELATÓRIO 5. A seu turno, a Advocacia-Geral
da União – AGU se manifestou pelo
conhecimento parcial da ação e, no
O Senhor Ministro Ayres Britto mérito, pela sua procedência também
(Relator) – Cuida-se de ação direta de parcial, por entender que, reconhecido
inconstitucionalidade ajuizada pela o erro formal na redação do pedido, a
Associação Nacional dos Procuradores ação se dirige contra a integralidade do

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Anexo II da Lei Complementar 500, Anexo II


do Estado de Rondônia, apesar de não
ser impugnado pontualmente todo o CARGOS DE DIREÇÃO
seu conteúdo, limitando-se a autora SUPERIOR DA
a demonstrar a inconstitucionalidade SUPERINTENDÊNCIA
tão-somente da criação dos cargos
ESTADUAL DE COMPRAS
de Assessor Jurídico I e Assessor
E LICITAÇÕES – SUPEL
Jurídico II.
6. Já a Procuradoria-Geral da CARGO QUANT. SÍMBOLO
República opinou pela procedência (...)
do pedido. Assessor
É o relatório. Jurídico I 01 DS-17
Assessor
Jurídico II 02 CDS-16
VOTO (...).
10. Observo que não existe o “Ane-
O Senhor Ministro Ayres Britto xo Único” na lei em exame, tal como
(Relator) – De saída, reconheço a le- referido no pedido constante da inicial.
gitimidade ativa ad causam da autora, Tampouco há incisos no art. 3o da refe-
entidade de classe de âmbito nacional rida lei, pois esse dispositivo se limita a
nos termos do inciso IX do art. 103, regular a vigência do diploma legal em
2a parte, da Constituição Federal. Por causa. Vale dizer, onde se lê, na inicial,
igual, reconheço pertinência temática pedido de declaração de inconstituciona-
entre o objeto da ação e as finalidades lidade “do art. 3o, II, b, 1a parte, e Anexo
estatutárias da mencionada associação, Único”, é de ser lido como requerimento
voltadas para a defesa das competên- de declaração de inconstitucionalidade
cias funcionais de seus associados do Anexo IX da Lei Complementar 500,
(ADI 159, relator ministro Octavio de 10 de março de 2009, do Estado de
Gallotti). Rond6nia, no ponto em que se refere à
9. Afirmei no relatório que, de criação de um cargo de Assessor Jurídico
logo, reconheci o erro material na I e dois cargos de Assessor Jurídico II, no
redação do pedido, entendendo-o, na âmbito da Superintendência Estadual de
realidade, dirigido à declaração de Compras e Licitações – Supel.
inconstitucionalidade do Anexo II da 11. Nessa contextura, considerada a
Lei Complementar 500/09, do Estado ação em seus devidos termos, apesar do
de Rondônia, no ponto em que criou evidenciado erro material, tenho que não
os cargos de Assessor Jurídico I e procede a preliminar de conhecimento
Assessor Jurídico II na estrutura da parcial, arguida pela AGU. É que, como
Superintendência Estadual de Com- visto, do cotejo entre o pedido e a causa
pras e Licitações – Supel. Para melhor de pedir constantes da inicial, a ação não
compreensão, reproduzo o art. 1o e o há de ser entendida como direcionada à
Anexo II da referida lei, no ponto que totalidade do Anexo II da referida lei,
interessa à causa: mas tão-somente à criação dos cargos em
Art. 1o. O quadro do Anexo II, comissão de Assessor Jurídico I e Asses-
da Lei Complementar n. 224, de 4 sor Jurídico II, comando, este, contido no
de janeiro de 2000, que dispõe sobre
os Cargos de Direção Superior da aludido Anexo II. Esta a razão pela qual
Secretaria de Estado da Agricultura, rejeito a preliminar.
Pecuária e Regularização Fundiá- 12. No mérito, assim como fiz
ria – SEAGRI e da Superintendência no julgamento da ADI 1.557, parto da
Estadual de Compras e Licitações –
SUPEI, passa a vigorar nos termos dos leitura do art. 131 da Constituição para,
Anexos I e II a esta Lei Complementar, à sua luz, interpretar o art. 132. Dispõe a
respectivamente. (...) cabeça do art. 131:

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JURISPRUDÊNCIA COMENTADA 263

Art. 131. A Advocacia-Geral da “funções essenciais Justiça” (Capítulo IV


União é a instituição que, diretamente ou do Título IV da CF).
através de órgão vinculado, representa 15. Essa exclusividade dos pro-
a Unido, judicial e extrajudicialmente,
cabendo-lhe, nos termos da lei complemen- curadores de Estado para a atividade
tar que dispuser sobre sua organização e de consultoria e representação jurídica,
funcionamento, as atividades de consul- entendidas aqui como assessoramento
taria e assessoramento jurídico do Poder e procuratório judicial, é incompatível
Executivo. com a natureza dos cargos em comissão,
13. Já o art. 132, invocado como pa- que se definem como da estrita confian-
râmetro normativo, tem sua atual redação ça da autoridade nomeante, matéria já
conferida pela Emenda Constitucional devidamente examinada pelo Supremo
19, de 1998: Tribunal Federal nas ADIS 1.557, da
Art. 132. Os Procuradores dos Esta- relatoria da ministra Ellen Gracie; 881-
dos e do Distrito Federal, organizados em MC, da relatoria do ministro Celso de
carreira, na qual o ingresso dependerá de Mello; e 1.679, da relatoria do ministro
concurso público de provas e títulos, com a
Gilmar Mendes.
participação da Ordem dos Advogados do
Brasil em todas as suas fases, exercerão a 16. Por essas razões, e sem mais
representação judicial e a consultoria jurí- delongas, julgo procedente a ação e o
dica das respectivas unidades federadas. faço para declarar a inconstitucionalidade
Parágrafo único. Aos procuradores do Anexo II da Lei Complementar 500,
referidos neste artigo é assegurada estabi- de 10 de março de 2009, do Estado de
lidade após três anos de efetivo exercício, Rondônia, no ponto em que criou os
mediante avaliação de desempenho perante cargos de provimento em comissão de
os órgãos próprios, após relatório circuns-
tanciado das corregedorias. Assessor Jurídico I e Assessor Jurídico II
na estrutura da Superintendência Estadu-
14. A simples comparação entre os
al de Compras e Licitações – Supel.
mencionados dispositivos revela que, no
17. É como voto.
âmbito do Poder Executivo, as atividades
de consultoria e assessoramento jurídi-
co são exclusivamente confiadas pela EXTRATO DA ATA
Constituição Federal aos procuradores
de Estado, com organização em carreira e Decisão: O Tribunal, por unanimi-
ingresso por concurso de provas e títulos, dade e nos termos do voto do Relator,
exigida ainda a participação da Ordem julgou procedente a ação direta. Votou
dos Advogados do Brasil em todas as o Presidente, Ministro Cezar Peluso.
suas fases. Isso como condição de qualifi- Ausente, licenciado, o Senhor Ministro
cação técnica e independência funcional. Joaquim Barbosa. Plenário, 2.8.2010.
Independência e qualificação que hão de Presidência do Senhor Ministro
presidir a atuação de quem desenvolve as Cezar Peluso. Presentes à sessão os Se-
atividades de orientação e representação nhores Ministros Celso de Mello, Marco
jurídica, tão necessárias ao regular fun- Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
cionamento do Poder Executivo. Tudo Ayres Britto, Ricardo Lewandowski,
sob critérios de absoluta tecnicalidade, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
portanto, até porque tais atividades são Procurador-Geral da República, Dr.
constitucionalmente categorizadas como Roberto Monteiro Gurgel Santos.

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