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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

LESTER AMBRÓSIO BALDINI NETO

Críticas à Reforma do Ensino Médio

Trabalho apresentado à disciplina de Política


e Planejamento da Educação Brasileira.
Professora Elisângela Scaff
Curso Licenciatura em Física

Curitiba, Paraná
2018
Diversas tensões se configuraram desde que o chamado Novo Ensino Médio foi
instituído através de uma medida provisória e, posteriormente, esta aprovada e
transformada em Lei. O debate inclui, ou deveria incluir, estudantes, educadores,
instituições de ensino e toda a comunidade escolar, bem como instituições ligadas à
educação, e a sociedade brasileira em geral. Desde então, uma série de críticas são feitas
aos moldes como a reforma foi colocada. A apresentação e análise destas críticas e
opiniões serão o principal objetivo deste texto para, a partir daí, concluir a quem essa
reforma de fato beneficiará.
A reforma do Ensino médio, segundo o Ministério da Educação (MEC), é uma
mudança na estrutura do sistema atual do ensino médio, através da qual este aproximará a
escola e a realidade dos estudantes frente às novas demandas profissionais do mercado de
trabalho. A nova estrutura prevê uma parte comum e obrigatória a todas as escolas (Base
Nacional Comum Curricular) e outra parte flexível.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo
que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver
ao longo da Educação Básica. A BNCC deve nortear os currículos dos sistemas e redes de
ensino e as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil. Ainda segundo o MEC, a
BNCC é orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica, e portanto direcionam a educação brasileira
para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática
e inclusiva.
O chamado Novo Ensino Médio foi instituído pela lei federal 13415 de 2017, a partir
da conversão da medida provisória 746 de 2016 (MP 746/2016) em lei federal ordinária.
Desde que a medida provisória foi decretada, surgiram desde mobilizações estudantis, bem
como órgãos ligados à educação, que se manifestaram contra os termos da reforma. As
críticas são muitas, a começar pela instituição de tal lei através de MP. A Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo, critica a forma como o
Governo Federal propõe grandes alterações na estrutura do Ensino Médio por meio de uma
medida provisória que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
Em documento, a SBPC “entende que, modificações profundas no ensino médio são
necessárias e urgentes, no sentido de melhorar a qualidade do ensino, reduzir a evasão
escolar e oferecer possibilidades educacionais e profissionais diversificadas e qualificadas a
nossos jovens. No entanto, a utilização de uma medida provisória não é instrumento
adequado para promover o necessário debate nacional, que deve ser amplo e democrático,
para enfrentar um problema tão complexo e que envolve milhares de instituições públicas e
privadas, de organizações da sociedade civil, milhões de estudantes e profissionais da
educação".
Diversas outras organizações se posicionaram, desde que divulgada a MP
746/2016, até a aprovação em forma de lei, em março de 2017. Para o presidente da
Comissão de Elaboração da BNCC do CNE e especialista em gestão de políticas públicas,
Cesar Callegari, a proposta apresentada pelo MEC tem graves defeitos de estruturação e é
incompleta. “Faltam a ela qualidade, seriedade e completude. O que está ali posto são
platitudes e generalidades que pouquíssimo orientam sobre o que deve e pode ser feito
pelas escolas”.
A Sociedade Brasileira de Física (SBF) critica severamente também a falta de
informações na proposta: “A MP não menciona aspectos fundamentais para um projeto de
reforma do Ensino Médio tais como ações e diretrizes para formação de professores e
valorização da carreira docente, condições materiais e organizacionais para que as escolas
possam oferecer, com qualidade, currículos amplos e diversificados, indicações sobre a
oferta de Ensino Médio noturno (que corresponde a 30% das matrículas atuais), ou ainda
indicação de diretrizes para projetos de escola integrada ou de tempo integral ou indicação
de legislação complementar a este respeito. O projeto parece desconhecer as avaliações de
políticas públicas e projetos em andamento em vários estados e municípios brasileiros.”
A não exigência de formação para a prática docente também é um problema grave
alvo de críticas. Em entrevista para um site de notícias, o geógrafo e professor do Instituto
de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás, Denis Castilho, argumenta
que a formação do professor é indispensável porque há saberes e competências que são
específicos da docência. “Ensinar bem uma matéria não requer apenas saber o conteúdo –
é preciso compreender o complexo processo ensino-aprendizagem.” A SBF também se
posiciona a esse respeito ao apontar a precarização hoje já existente - segundo o censo de
2015, quase 40% dos professores em exercício não tem formação adequada para as
disciplinas que lecionam. A reforma, portanto, reforça ainda mais essa fragilidade do nosso
sistema educacional.
A SBF coloca ainda que a reforma não estabelece a obrigatoriedade de oferta dos
componentes curriculares em todas as escolas ou sequer de todas as áreas de
conhecimento, a pretexto de uma flexibilização da formação. Para ela, “a flexibilização
pretendida não pode privar os estudantes do acesso ao conhecimento, como na prática
poderá ocorrer com o Novo Ensino Médio anunciado”. A SBPC, em nota, também
reivindica que “não podemos aceitar que a reforma suprima o acesso dos jovens ao
conhecimento humano, organizado no campo das ciências naturais, das ciências humanas
e das artes”. E há eco ainda na fala do professor Denis Castilho. “Ao contrário do que o
governo divulga, os itinerários formativos não serão necessariamente escolhidos pelo
estudante. Serão contemplados conforme as condições da escola em ofertá-los. A premissa
de escolha, especialmente em escolas públicas, portanto, é um engodo”.
Todas estas críticas apontam para uma precarização do ensino, voltando-o para o
mercado, para as ditas necessidades da economia, como divulgado pelo próprio MEC, mas
que não aspira de fato a uma formação humana integral, como também este também
descrevia. A SBF coloca que, com os parâmetros da reforma, a formação geral, cultural e
científica dos estudantes é reduzida, e não ampliada, como se anuncia. “O ensino se volta
para uma preparação para o mercado de trabalho, sem qualquer alusão a outro princípio
educativo. Não há espaço, no novo Ensino Médio anunciado, para formação ética, estética
e científica dos estudantes”. A estudante Ana Julia Ribeiro, na época, também depôs que a
reforma atende as expectativas e reivindicações dos estudantes. “Vejo que ela só tem um
olhar voltado para o mercado de trabalho e não para uma formação cidadã do estudante, é
justamente uma maneira de inviabilizar o aprendizado e a prática do discurso crítico”. A fala
do professor Denis Castilho também vai nesse sentido: “A reforma do ensino médio faz
parte de um conjunto de ações que pretendem minar a formação básica e tolher o
pensamento crítico”.
A professora e pesquisadora da UFPR Monica Ribeiro da Silva, denuncia como são
reducionistas os conceitos como tecnologia e competência nos termos da reforma. “A
relação entre tecnologia e conhecimento científico é tomada de forma limitada e pragmática,
resultado da intenção de adequação da educação escolar a demandas do mercado de
trabalho”. E sobre o conceito de competência, no texto da reforma, “não se configuraria, na
justaposição de um conjunto de conhecimentos, mas na capacidade de combiná-los,
integrá-los e utilizá-los de modo a atender ao que é requerido pelo contexto do trabalho e da
produção no capitalismo contemporâneo”.
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
explica como a inclusão do ensino profissionalizante, dentre as trajetórias possíveis aos
estudantes, durante o novo Ensino Médio, acaba sendo mais uma forma de segregação de
classe. “(o novo ensino médio) vai empurrar os jovens com menor renda para carreiras de
subemprego, enquanto que os mais ricos poderão focar os estudos nas áreas que
desejam”. O professor de filosofia e sociologia, Osmar Antônio Schroh, do Colégio Estadual
José de Anchieta, em União da Vitória (PR), protesta também contra esse olhar somente
para o ensino profissionalizante. “Não podemos pensar o ensino médio como
profissionalização para mão de obra barata e nem como algo que prepara só para o
vestibular. Tem que ter conotação de preparar o cidadão para que tenha autonomia e possa
decidir o que quer”.
Em todas as fontes consultadas, os depoimentos que se punham a favor da reforma
do ensino médio sempre apontavam como ponto positivo uma esperada melhora na
formação para o mercado de trabalho, a carreira, o tecnicismo, e nunca apontavam uma
melhor formação humana, científica, ética. Fala-se somente em formação técnica e
mão-de-obra. Ou seja, a expectativa é que, com a reforma, o mercado seja atendido. A
educação de qualidade, como deve ser, visando a formação humana integral e a construção
de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, é deixada de lado.

Referências

CASTILHO, Denis. Reforma do Ensino Médio


<​https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/02/reforma-do-ensino-medio-desmonte-educ
acao-inercia.html​>. Acesso em: 9 de junho de 2018.
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. CNTE rejeita reforma do
ensino médio.
<​http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/17160-cnte-rejeita-reformadoensino
medio-na-integra-e-nao-indicara-emendas-ao-texto.html​>. Acesso em: 9 de junho de 2018.
Exame. 4 opiniões sobre o novo ensino médio para você formar a sua.
<​https://exame.abril.com.br/brasil/4-opinioes-sobre-o-novo-ensino-medio-para-voce-formar-
a-sua/​>. Acesso em: 9 de junho de 2018.
LISBOA, Ana Paula. Com a BNCC e a reforma, ensino médio preparará para o
mercado?
<​https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_educacaobasica/20
18/04/15/ensino_educacaobasica_interna,673881/com-a-bncc-e-a-reforma-ensino-medio-pr
eparara-para-o-mercado.shtml​>. Acesso em: 9 de junho de 2018.
Ministério da Educação. Novo ensino Médio - Dúvidas.
<​http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361#nem_01​>. Acesso em: 9 de
junho de 2018.
SHAW, Camilla. Reforma do Endino Médio.
<​http://www.anped.org.br/news/reforma-do-ensino-medio-entenda-o-que-esta-em-jogo-e-vo
zes-desconsideradas-no-processo​>. Acesso em: 9 de junho de 2018.
Sociedade Brasileira de Física. Nota Pública da SBF sobre a medida provisória do
Ensino Médio.
<​http://www.sbfisica.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=807:2016-10
-06-17-40-09&catid=152:acontece-na-sbf&Itemid=270​>. Acesso em: 9 de junho de 2018.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. SBPC divulga nota pública sobre
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<​http://www.sbpcnet.org.br/site/artigos-e-manifestos/detalhe.php?p=5953​>. Acesso em: 9
de junho de 2018.
TRUFFI, Renan. Entrevista - Daniel Cara.
<​https://www.cartacapital.com.br/educacao/reforma-do-ensino-medio-e-um-retorno-piorado-
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SILVA, Monica Ribeiro. O Ensino Médio Reformado: perguntas e respostas, tensões
e proposições.
SILVA, Monica Ribeiro. Tecnologia, trabalho e formação na reforma curricular do
ensino médio. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n.137, p.441 - 460, maio/ago. 2009. Disponível
em: <​http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742009000200007&script=sci_arttext​>.
Acesso em: 9 de junho de 2018.

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