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A noção de contrato no direito inglês

– perspectiva histórica

Antenor Pereira Madruga Filho

Sumário
1. Common law. 2. O ambiente em que se for-
mou o direito inglês. 3. A estruturação do com-
mon law – A organização das cortes. 4. O sistema
de writs. 5. A formação do direito contratual por
meio do sistema de writs. 6. Conclusões.

Apreender a noção de contrato no direi-


to inglês é, em princípio, uma tarefa árdua
para o jurista que construiu o seu raciocínio
jurídico com base no direito romano-germâ-
nico, sob a influência da moral canônica e
por meio das lições de perfeitas construções
teóricas.
O direito inglês se distanciou e se man-
teve razoavelmente protegido da evolução
mais ou menos comum dos países do con-
tinente europeu, apresentando, hoje, um di-
reito material e processual bastante peculiar.
A forma mais fácil de penetrar nos mean-
dros do raciocínio jurídico do direito inglês
é voltar-se à sua história e conhecer as suas
razões, investigando a origem dos seus ins-
titutos e desenvolvendo, junto com os acon-
tecimentos, uma capacidade de ver o con-
trato com os olhos de um jurista inglês.
A proposta deste trabalho é ser um guia
nessa viagem pela história do contrato no
direito inglês, cujo fim não é chegar ao pre-
sente, mas à noção que os países de origem
Antenor Pereira Madruga Filho é Consul- anglo-americana têm de contrato.
tor da União, responsável pela área internacio-
nal da Advocacia-Geral da União. Doutorando 1. “Common law”
em Direito Internacional pela Universidade de
São Paulo. Professor da Universidade Federal Mesmo após a conquista normanda, não
do Rio Grande do Norte. havia na Inglaterra uma jurisdição una, mas
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repartida entre diversas jurisdições locais, algures os elementos de sua solução,
feudais, eclesiásticas e mercantis, o que le- sobretudo no domínio das regras de
vava, em conseqüencia, à inexistência de um fundo, chamadas substantive law. Se-
direito comum a toda a Inglaterra. É somen- gundo a concepção dominante na his-
te a partir do avanço da atuação jurisdicio- tória jurídica da Inglaterra, cabe ao
nal do rei, por meio de suas cortes reais, que juiz ‘dizer o direito’, declarar o que é
os conflitos em todo o reino passam a ser direito; é a declaration theory of the com-
decididos por uma common law. mon law: o juiz não cria o direito, cons-
tata o que existe; é o seu oráculo vivo,
“Common law” x “civil law” julgando em consciência, segundo a
É usual nos referirmos ao direito vigente razão”.
na Inglaterra e nos países de origem anglo- Para ser bem compreendida a colocação
americana designando-os pela expressão de Gilissen, vale trazer as observações de
genérica common law. Nesse sentido, faze- Kempin2 sobre a relação da legislation e da
mos uma classificação distinguindo os paí- case law como fontes do direito:
ses de common law dos países de civil law, “legislation is a new rule or norm of law
que são os de tradição romano-germânica which takes effect only from the time of
ou, considerados a partir de uma análise passage. It tells us WHAT THE LAW
histórico-geográfica, os países do continen- WILL BE from now on. Case law, howe-
te europeu e os que receberam a sua influên- ver, tell us WHAT THE LAW IS”.
cia (diz-se, então, direito continental em opo- Por essa razão, a case law fixada em uma
sição a common law). Todavia, a expressão decisão judicial pode ter um efeito retroati-
common law pode assumir outros sentidos. vo, uma vez que a corte pode reconhecer a
pré-existência do direito mesmo se ele nun-
“Common law” x “statutory law”
ca houvesse sido notado anteriormente.
Em oposição a statutory law. A tradução
“Common law” x “equity”
da palavra law poderia ser tanto direito como
lei. Mas, quando nos referimos à lei no seu Por fim, compreende-se common law como
sentido formal, como ato do Poder Legisla- antônimo de equity. Os tribunais que apli-
tivo, melhor a traduziríamos para o idioma cavam a common law, embora originários da
inglês pelas expressões statute ou act. O di- Corte do Rei (daí a expressão corte como si-
reito legislado pelo parlamento ou pelo exe- nônimo de tribunal), tornaram, com o pas-
cutivo, por meio de leis (acts ou statutes), é sar do tempo, apenas formalmente vincula-
diferenciado do direito criado pelos tribu- dos à figura do Rei, na medida em que ad-
nais a partir de decisões de casos concretos quiriram, por diversas razões histórico-po-
e que vem a constituir a common law. Portan- líticas, independência da Coroa. Como ve-
to, nessa acepção, a common law é o resulta- remos mais adiante, no Título IV, essas cor-
do das decisões dos tribunais, ou seja, é o tes reais e a sua common law, que nascera
judge made law ou case law, um direito emi- como uma alternativa de proteção jurisdicio-
nentemente jurisprudencial, em que o juiz nal mais justa e eficaz para os indivíduos
deve decidir obrigatoriamente pelos prece- que a oferecida pelas demais jurisdições
dentes judiciários emanados das cortes su- existentes na Inglaterra, vão-se tornar uma
periores. justiça lenta, extremamente formalista e ine-
Como lembra Gilissen1, ficaz. Gilissen3 resume bem o declínio da
“o precedente judiciário não é uma prestação jurisdicional das cortes reais que
verdadeira fonte de direito porque o aplicavam a common law:
juiz que proferiu a primeira decisão “O common law tornou-se cada vez
numa dada matéria teve de encontrar mais técnico no decurso dos séculos

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XIV e XV; limitado no quadro estrito e dade e common law permanece, embora ali
rígido do processo dos writs4 e pela nunca tenha existido tribunais específicos
rotina dos juízes, não podia dar solu- para julgar matérias de equidade.
ção satisfatória a numerosos litígios, O direito contratual é fruto do common
sobretudo em novos domínios nasci- law, embora tenha recebido importante in-
dos da evolução económica e social. fluência da equidade.
Os juízes dos tribunais de common law,
embora nomeados pelo rei, tinham-se 2. O ambiente em que se formou o
tornado relativamente independentes”. direito inglês
Esse desvio histórico das tradicionais
O direito inglês, tal como hoje o conhece-
cortes reais fez com que os indivíduos pas-
mos, é o resultado de uma evolução históri-
sassem a recorrer diretamente ao Rei em
ca ocorrida principalmente a partir da con-
busca de uma solução justa para os seus
quista da Inglaterra pelos normandos no
conflitos.
século XI, em 1066. Porém, fatos históricos
“A idéia de recorrer de novo, como
mais antigos contribuíram, também, para
nos séculos XII-XIII, directamente ao
construir um ambiente em que o direito in-
rei (e ao seu Chanceler), fonte de toda
glês pudesse desenvolver-se diferentemen-
a justiça, fez nascer no século XV uma
te do continente. Essa história pode ser di-
nova jurisdição e um novo processo:
vidida em quatro grandes períodos: 1) perío-
o Chanceler decidia em equidade sem
do romano: da conquista romana (43 d.C.) à
ter em conta as regras de processo e
invasão bárbara (407); 2) período bárbaro:
mesmo de fundo do common law. Apli-
da invasão bárbara à reintrodução do cris-
cando um processo escrito inspirado
tianismo (597); 3) Período anglo-saxão: da
pelo direito canónico, o Chanceler jul-
reintrodução do cristianismo à conquista
gava segundo princípios muitas ve-
normanda (1066); e 4) período normando:
zes extraídos do direito romano. Os
após a conquista normanda.
reis de Inglaterra, no século XVI, alar-
garam as jurisdições de equity, mais Período romano
favoráveis ao desenvolvimento do seu
Dois fatores devem ser primordialmente
poder no sentido do absolutismo, em
considerados quando se investiga o arqué-
detrimento das jurisdições de common
tipo de qualquer sistema jurídico ocidental,
law, consideradas arcaicas e obsoletas”. especialmente em relação ao direito contra-
Na análise de David e Pugsley5, tual: a influência romana e o cristianismo.
“le conservatisme et l’esprit de routi- A Inglaterra foi conquistada pelos romanos
ne des juges des Cours de Common Law em 43 d.C., que ali permaneceram por três
ont conduit, au XVIe siècle, à chercer ail- séculos e meio, até pouco antes da queda de
leurs que dans ces cours l’application d’un Roma e do Império do Ocidente. O cristia-
droit noveau; on a eu recours à cetter fin nismo também fincou raízes na Inglaterra
au chancelier; la cour de La Chancellerie a enquanto esta esteve sob o poder romano.
developpé sous le couvert de l’equité, un É interessante notar, a propósito, como a
certain nombre d’institutions, accordé un propagação do cristianismo foi facilitada
certain nombre de ‘remèdes’qui constituent pelas conquistas de Roma. Gibbon6, a esse
un complément aux régles de la common respeito, escreve:
law”. “Assinalou-se, com acerto e pro-
A equidade, como um sistema jurídico priedade, que as conquistas de Roma
próprio, foi abolida na Inglaterra em 1875. prepararam e facilitaram as do cristia-
Nos Estados Unidos, já independente nes- nismo... As histórias autênticas dos
sa época, a divisão substancial entre equi- atos de Cristo foram compostas em lín-

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gua grega, a considerável distância de side their walls, each of them had a small
Jerusalém, e após os convertidos gen- or large settlement of womenfolk, traders,
tios se terem tornado extremamente perhaps also of time-expired soldiers
numerosos. Tão logo foram traduzi- wishful to end their days where they had
das para a língua latina, essas histó- served. But hardly any of these settlements
rias ficaram ao alcance do entendi- grew up into towns. York may form an
mento de todos os súditos de Roma, exception... Nor do the garrison appear
excetuando-se apenas os campônios greatly to have affected the racial charac-
da Síria e do Egito, para os quais se ter of the Romano-British population”.
fizeram ulteriormente versões especí-
ficas. As estradas reais públicas, cons- Período anglo-saxão
truídas para uso das legiões, ofere- A ocupação romana começou a enfraque-
ciam cômoda passagem aos missio- cer a partir do século XV, quando os bárba-
nários cristãos, de Damasco a Corin- ros, entre eles os anglos e os saxões, inicia-
to, e da Itália aos confins da Espanha ram a conquista da Inglaterra e a coloniza-
ou da Britânia; tampouco encontraram ção da ilha, que duraria quase dois séculos
esses conquistadores espirituais qual- (400-600). Os romanos foram empurrados
quer dos obstáculos que habitualmen- de volta para o continente e os bretães para
te retardam ou impedem a introdução Gales e Escócia.
de uma religião estrangeira num país Haverfield8 narra como se deu a partida
remoto”. dos romanos:
O ponto de partida para a nossa investi- “finnaly, the Great Raid of Barbarians
gação acerca do ambiente em que se formou who crossed the Rhine on the winter’s
o direito inglês é, portanto, uma Inglaterra night which divided 406 from 407, and
romana e cristã. Esses dados, se analisados the subsequent barbarian attack on Rome
isoladamente, poderiam levar à conclusão itself, cut Britain off from the Mediterra-
de que tanto o continente europeu quanto a nean. The so-called ‘departure of the Ro-
ilha britânica tiveram a mesma base cultu- mans’ speedly followed. This departure
ral, o que seria propício para um desenvol- did not mean any great departure of per-
vimento jurídico semelhante. Contudo, em- sons, Roman or other, from the Island. It
bora a diferenciação entre o direito conti- meant that the central government in Italy
nental e o insular tenha raízes mais recen- now ceased to send out the usual gover-
tes, um fator de desagregação já se verifica nors and other high official and to orga-
na constatação de que a presença de Roma nise the supply of troops. No one went:
e da Igreja na Britânia não teve a mesma some persons failed to come”.
influência verificada nas províncias da Gá- O cristianismo, junto com os romanos e
lia, Espanha e Itália. os bretães, foi banido da ilha e em seu lugar
Como anota Haverfield7: foi reinstalada a mitologia germânica. Mas,
“From the standpoint of the ancient em 597, com a chegada de Santo Agostinho,
Roman statesman and of the modern Ro- a Inglaterra foi novamente convertida ao
man historian, the military posts and their cristianismo. Os resultados da reintrodução
garrison formed the dominant element in do cristianismo foram da mais alta impor-
Britain. But they have left little perma- tância, como revela Plucknett9:
nent mark on the civilization and charac- “The existing tribal organization
ter of the island. The ruins of their forts must have seemed weak and inefficient to
and fortresses are on our hill-sides. But, the missionaries coming from such well-
Roman as they were, their garrisons did organized States as existed on the conti-
little to spread Roman culture here. Out- nent, and very soon we see the results of

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their teaching in the enhanced value pla- de cada região, suplanta assim pro-
ced upon the monarchy, and the petty tri- gressivamente os textos da época clás-
bal units were replaced by a few large sica... O direito romano, no entanto,
kingdoms ruled and administered by desapareceu progressivamente no
kings who watched European methods. Império Franco. No século X, é virtual-
Soon, too, they learned the Roman art of mente desconhecido... e apenas sobre-
taxation... Again, the advent of the clergy vive sob a forma de costumes locais
meant the introduction of a new class into mais ou menos romanizados no Sul
English society, and so a new law of sta- da Europa: em Itália, Espanha e no
tus had to be divised for their protection. Sul da França”10.
Consequently laws were made, and, ‘in Os anglos, saxões, francos, lombardos,
the Roman style’, were written down”. burgúndios, visigodos, bávaros, alamanos,
A nova entrada do cristianismo na In- frisões etc. eram diferentes tribos de uma
glaterra, em fins do século VI, conforme ano- mesma origem germânica. Foram esses po-
tou Plucknett, inicia o período anglo-saxão. vos, denominados bárbaros, que derruba-
Para o estudo da ambientação do direito ram o império romano do ocidente e passa-
inglês, que permitiu sua diferenciação em ram a governar a Europa aplicando leges
relação ao direito continental, é importante barabarorum em meio ao direito romano so-
fazer uma comparação entre o que ocorria brevivente. Na Inglaterra, os anglo-saxões
na Europa nesse período e a influência so- não encontraram um direito romano bem
bre a Inglaterra. estabelecido, como o que existia na Europa
Na Europa, o império romano do ociden- continental. Esse fato vai fazer com que a
te havia caído na mão dos povos germâni- evolução do direito entre o século V, quan-
cos já há um século e o direito romano foi, do houve a queda do império romano do
de certa forma, recepcionado pelos novos ocidente, e os séculos X e XI, quando o con-
governantes bárbaros. tinente se feudaliza e um senhor feudal,
“A diferença entre o nível de evo- Duque da Normandia, invade e conquista a
lução do direito romano e o do direito Inglaterra (1066), apresente já diferenciações
dos povos germânicos era de tal modo entre os dois lados do Canal da Mancha.
grande que os invasores germanos Gilissen11 aponta que a evolução do di-
não puderam impor o seu sistema ju- reito na Europa ocidental e continental dos
rídico. Além disso, os reis germânicos séculos V ao XII é assim dominada, ao lado
encontravam no direito público roma- da evolução do direito canônico:
no um reforço considerável da sua – pela sobrevivência, depois pelo desa-
autoridade... A aplicação do princípio parecimento progressivo do direito romano;
da personalidade do direito assegu- – pelo progresso do direito dos povos
rou a sobrevivência do direito roma- germânicos, em contacto com as populações
no do Ocidente, não obstante o desa- romanizadas;
parecimento do Império Romano do – pela atividade legislativa dos reis e
Ocidente. As populações romaniza- imperadores, sobretudo dos Carolíngios;
das da Europa Ocidental continua- – enfim, pelo desmembramento do po-
ram assim a viver segundo o direito der no quadro das instituições feudais.
romano durante vários séculos... Mas A mesma evolução do direito germânico
o direito romano continuou a evoluir, e interação com o direito romano sobrevi-
sobretudo no contacto com as popu- vente não acontece na Inglaterra. Os Anglos
lações germânicas. Um direito roma- e Saxões, relata o professor belga
no ‘vulgar’ (Vulgarrecht), no qual do- “que, vindos da Germânia, se fixaram
minavam os costumes locais próprios no Sul e no Oeste da Inglaterra no sé-

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culo VI, viveram segundo os seus pró- Durante os séculos X, XI e XII,
prios costumes, provavelmente mistu- “as instituições feudo-vassálicas,
rados com velhos costumes celtas das nascidas pouco antes e durante o pe-
etnias belgas anteriores à romaniza- ríodo carolíngio, dominaram a orga-
ção. Nos reinos que aí se formaram, nização política e social da França, da
foram redigidos alguns textos de di- Alemanha e, com menor importância,
reito consuetudinário, geralmente na a da Inglaterra, da Itália e da Espa-
língua local, o old English, e não em nha Cristã”14.
latim como no continente. O rei Alfre- Na Inglaterra, o sistema feudal não teve
do, o Grande, declara ainda, no fim as mesmas características que no continen-
do século IX, que não quis criar novas te. Na ilha, o rei manteve certo poder sobre
leis, mas consignar as regras jurídicas os senhores feudais. Embora o feudalismo
mais sábias dos antigos costumes”. tenha sido introduzido pela invasão nor-
Sob o reinado de Alfredo, tribos escandi- manda, ainda que se tenha verificado algu-
navas, que já haviam colonizado a Islân- mas relações entre lordes e vassalos no pe-
dia, partes da Irlanda, da Escócia e do norte ríodo anglo-saxão, foi o próprio Guilherme,
da França (que passou a se chamar Nor- o Conquistador, que, com o seu modo de
mandia), conquistaram toda a metade leste governo e organização administrativa, con-
do reino e, entre 1016 e 1035, a Inglaterra, a seguiu assegurar a supremacia da Coroa
Noruega e a Dinamarca foram unificadas sobre os feudos.
pelo Rei Cnut12. Segundo Plucknett , Uma das mais eficazes medidas admi-
“Cnut’s laws were long popular in nistrativas do reinado de Guilherme, fun-
England, and in after years men looked damental para alicerçar a estrutura jurídica
back with respect to his reign, trying to que se construiria nos próximos séculos e
revive his legislation. The Danes left a que se mantém até hoje, foi a organização
permanent mark on that part of the coun- do Domesday Book. O conteúdo desse livro,
try where they had longest ruled. They de dois volumes, é assim descrito por Plu-
independently developed a sort of grand cknett15:
jury...; they arrived earlier than the rest “The land was described county by
of the country at the stage where land could county, village by village, the owners and
be freely bought and sold; they had a mar- their subtenants were listed and their hol-
ked tendency to form clubs and guilds; dings valued, even the farm stock was re-
their peasantry were less subject to the corded with a view to settling clearly the
lords; borough institutions seem to have rights of the Crown and the taxable re-
flourished peculiarly under their rule”. sources of the country. In several cases a
few precious lines will summarize the cus-
Período normando
toms of a county or city, and so give us an
O Império de Cnut é dividido após sua insight into the local law in force”.
morte e leva ao trono da Inglaterra São Um dos efeitos do Domesday Book, lem-
Eduardo, o Confessor (1043-1066). Após a bra o Professor de História Legal da Univer-
morte de Eduardo e durante a disputa pela sidade de Londres, “was to assert the chain of
sua sucessão, Guilherme o Conquistador, feudal relationship and to assure the overlord-
Duque da Normandia e, portanto, vassalo ship of the Crown”16. Sistematizando a situa-
do Rei Francês, invade a Inglaterra e a con- ção da terra e controlando as relações entre
quista após a célebre batalha de Hastings, seus vassalos e os vassalos dos seus vassa-
quando 5.000 homens e 2.500 cavalos fo- los, de modo a colocar o rei como o supremo
ram transportados através do Canal da senhor feudal, a quem todos os proprietá-
Mancha13. rios de terra deviam fidelidade mesmo em

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detrimento dos seus senhores imediatos, Conclusões acerca do ambiente em que se
Guilherme criou na Inglaterra um sistema desenvolverá o direito inglês
feudal peculiar, mais centralizado na figu-
O que podemos concluir de todo esse
ra do rei, não dando lugar à dissipação do
conjunto de elementos que formam o ambi-
poder que existia na França e na Alemanha
ente em que se desenvolverá o sistema jurí-
e evitando a anarquia que ele experimenta-
va como Duque da Normandia. Esse siste- dico inglês são quatro premissas: 1) a pre-
ma feudal mais brando vai permitir que os sença romana durante três séculos e meio
sucessores de Guilherme imponham uma não gerou uma civilização com característi-
lei comum a toda a Inglaterra: a common law. cas romanas, assim como ocorreu no Conti-
As relações entre a Igreja de Roma e a nente, especialmente na Itália; 2) o direito
monarquia inglesa não começaram a se de- romano sobrevivente à queda de Roma, que
teriorar apenas quando Henrique VIII deca- foi de certa forma recepcionado pelos inva-
pitou o arcebispo que era seu Chanceler, sores bárbaros, não deixou de exercer algu-
rompeu com o Papa e o monarca inglês pas- ma influência nas instituições inglesas a
sou a ser chefe da Igreja da Inglaterra. Des- partir da reintrodução do cristianismo en-
de o estabelecimento das cortes cristãs na In- tre as tribos anglo-saxônias e por meio de
glaterra, que foi parte do preço pago por Gui- alguns costumes remanescentes na Nor-
lherme ao Papa pela aprovação da conquista mandia e que foram trazidos pela conquista
Normanda, já se nota que a Inglaterra procu- normanda; 3) a influência do direito canôni-
ra deixar a Igreja fora dos assuntos seculares. co na Inglaterra foi menor que no continente,
Kenpin17 salienta: explicando porque o conteúdo moral do di-
“As part of the price for papal appro- reito contratual do civil law, influência do di-
val of the Conquest, the bishop was remo- reito canônico, não existe no common law, onde
ved from the administration of the shires o enforcement das promessas justifica-se mais
and separate Courts Christian were esta- por razões econômicas; e 4) no sistema feudal
blished for ecclesiastical matters. These inglês, ao contrário do continental, a Coroa
measures accomplished two goals: the manteve certo poder sobre os senhores feu-
Church was removed, as it wished, from dais, o que permitiu, ainda que lentamente, a
secular affairs, and ecclesiastical matters estruturação de uma common law.
were reserved to the Church without in- Um último fator ainda merece ser anali-
terference from lay persons”. sado para se ter uma visão mais completa
No mesmo sentido de Kenpin, Pluck- do ambiente em que se formou o direito bri-
nett18 destaca: tânico. Desde do século XII, surge na Euro-
“Church and State which had been pa continental um movimento de renasci-
inextricably connected in the Anglo-Sa- mento do direito romano, a partir do estudo
xon age henceforth were strictly separate, nas universidades do Corpus Iuris Civilis de
a policy which happened to coincide with Justiniano, que constituirá uma ciência do
Church’s own ambitions as well with direito e a base dos sistemas jurídicos dos
William’s”. países continentais.
As relações do reino inglês com a Igreja “Esta ciência do direito não era
se deterioram com Guilherme I, quase pro- idêntica à da época romana porque
vocando um cisma, e com Henrique I (1100- os professores da Baixa Idade Média
1135), que, temendo o uso da Igreja com fins não viviam, apesar de tudo, inteira-
políticos pelas poderosas monarquias do mente fora do mundo do seu tempo;
continente, decidiu ele mesmo nomear os na sua interpretação os textos roma-
bispos e conceder-lhes autoridade espiritual nos eram, numa certa medida, influ-
e temporal. enciados pelas idéias da época, desig-
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nadamente pela filosofia cristã e tam- real. Essas jurisdições eram exercidas pelas
bém pelas instituições da Baixa Idade cortes locais (das Centenas e Condados),
Média. O sistema jurídico, que assim Cortes Burguesas, Cortes Comerciais e Cortes
elaboravam, era todavia um direito te- Eclesiásticas. Mais tarde, uma jurisdição
órico, um direito erudito, muito mais real, a Corte do Chanceler, vai competir com
próximo do direito romano do que dos as cortes de Common Law, também reais,
direitos positivos locais de sua épo- aplicando a equity.
ca”19.
Até que ponto esse renascimento do di- As antigas cortes locais
reito romano após o século XII influenciou (“Hundred” e “Shire Courts”)
a Common Law da Inglaterra? Gilissen20 ofe- As Cortes dos Condados e as Cortes das
rece-nos a seguinte resposta: “A Inglaterra Centenas (divisão política herdada do perío-
escapou-lhe, graças ao desenvolvimento do do anglo-saxão) são mantidas após a con-
seu common law”. Na verdade, a influência quista normanda, com competência geral de
do direito romano da Inglaterra advém mais, natureza civil e criminal. Em 1166, todavia,
como já observado, da sobrevivência do di- essas Cortes perdem competência sobre os
reito que era praticado até a queda do Impé- mais importantes casos criminais, que pas-
rio Romano do Ocidente. Com isso não di- sam a ser Pleas of the Crown, ou seja, pleitos
zemos que a Inglaterra passou totalmente da Coroa, julgados pelas Cortes Reais. Tam-
imune ao renascimento do direito romano. bém foi retirada das Cortes do Condado a
Destacados juristas ingleses, como Bracton
competência sobre disputas de terra. No sé-
e Lord Mansfield, sofreram claramente essa
culo XII, a competência dessas Cortes foi li-
influência. Porém, se analisarmos alguns
mitada em quarenta xelins, levando-as ao
institutos da common law, como o próprio
virtual desaparecimento.
sistema formulário de ações e a aplicação,
nos primórdios da common law, do princí- As cortes senhoriais
pio ex nudo pacto actio non oritur, veremos
que a influência romana na Inglaterra é Embora a característica do sistema feu-
muito mais originária do período clássico e dal na Inglaterra tenha concentrado poder
pré-justinianeu que decorrente dos estudos na mão do Rei, isso não significava que não
feitos pelos professores da idade média no houvesse um sistema feudal. Assim, preva-
Corpus Iuris Civilis. lescendo o conceito de que os senhores feu-
Delineado o ambiente em que se formou dais tinham o direito e o dever de possuir
o direito inglês, passaremos, no capítulo cortes para julgar os seus vassalos, foram
seguinte, a analisar como se estruturou o criadas cortes senhoriais (manor courts).
sistema jurídico da common law. Kempin21 explica:
“Under the form of feudalism intro-
3. A estruturação do common law – duced by William the Conqueror, each
royal grantee of land could grant portions
a organização das cortes
of it to junior tenant lords, and so on down
the feudal ladder to the Lord who ultima-
As diferentes jurisdições
tely, trough his villains, worked the land.
A história da Common Law é a história This process was known as subinfeu-
do desenvolvimento da competência das dation. One who granted land to another
Cortes reais sobre os mais diferentes was known as the ‘tenant in service’, be-
conflitos. Até o estágio em que essas Cortes cause he did not actually use the land but
puderam julgar qualquer espécie de conflito, was only entitled to services from his te-
existia, na Inglaterra, diversas jurisdições nant. The one who ultimately worked the
que afastavam a competência da jurisdição land, trough his villains, was known as

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the tenant in demesne. Each tenant in ser- piépoudre (Courts of Piepowder) qui, dan
vice had the right and duty to hold court les foires, rendent la justice. Le droit de
for his junior tenants. This court, compo- tenir une telle Cour va de pair, au XVe
sed of all the tenants, decided their dispu- siècle, avec le droit de tenir une foire, La
tes and could be asked to advise the Lord Cour, présidée par le steward of the ma-
on problems of mutual concern. The grea- nor ou par le mayor of the borough, a une
test of the seigniorial courts was the court compétence variable. Un statute la limite
of the king, who was at the top of the feu- aux seuls contrats faits pendant le jour de
dal pyramid. It was known as the Curia la foire. Mais il peut se faire que la foire
Regis. Courts in the intermediate rungs dure assez longtemps: celle de Hunting-
of the feudal ladder were known as Ho- ton ainsi se prolonge pendant six semai-
nors, or Courts Baron, and in theses courts nes chaque année. Parmi les questions sou-
a tenant in chief (one who held his land mises à ces juridictions commerciales, on
directly under the king), for example, voit des procès relatifs à la conclusion des
would meet with barons who held land contrats, à la qualité de la marchandise, à
under him to obtain their advice and pre- sa conformité à un échantillon ou aux sti-
side over the resolution of their disputes.” pulatins du contrat, etc.”
As cortes burguesas (“Borough Courts”) Cortes eclesiásticas (“Courts Christian”)
As Cortes dos Burgueses, ou seja, daque- Já foi antes ressaltado que desde 1164,
les que viviam nos Burgos (cidades), como por meio da Constituição de Clarendon, a
Londres, por exemplo, não tinham jurisdi- Igreja foi afastada de matérias seculares, ten-
ção criminal. Essas cortes, aplicando a lei do o direito, entretanto, a manter cortes ecle-
da cidade para resolver principalmente dis- siásticas (Courts Christian) como as únicas
putas comercias e civis mais comuns aos competentes para julgar assuntos clérigos.
burgueses, resistiram durante muito tempo A jurisdição eclesiástica poderia conhecer
ao avanço da jurisdição real, como lembra de conflitos decorrentes de promessas não
Kempin: cumpridas, desde que a execução houvesse
“Borough courts resisted encroach- sido prometida sob compromisso de fé. Sua
ments of royal jurisdiction for centuries jurisdição era, então, ratione pecati23.
and were still a potent force at the time the Quanto à atuação das cortes eclesiásti-
American colonies were founded. Indeed, cas envolvendo casos locais, Kempin24 faz a
some authorities maintain that borough seguinte observação:
law as the law most familiar to many of “The royal common law courts did
our influential early settlers, and that ear- not disturb the right of the local courts to
ly American law contained a heavy ad- hear local disputes that did not involve
mixture of borough law”. the interests of the central government.
They disaproved, however, of church
A jurisdição durante a realização das
courts hearing these matters and impo-
feiras (“Courts of Piepowder”)
sing civil penalties. This was clearly ex-
A jurisdição comercial era exercida tam- pressed in the Constitutions of Clarendon,
bém pelas Courts of Piepowder, que se estabe- in 1164, which restricted jurisdiction over
leciam durante as feiras para julgar os con- these disputes to the common law courts,
flitos decorrentes dos negócios entabulados the king’s justice, whether the transaction
nesses eventos. David e Pugsley22, a respei- was or was not accompanied by a pledge
to dessas cortes, dizem: of faith, which was a pledge of one’s hope
“En dehors des Cours municipales, il of salvation. However, one who untruth-
y a lieu enconre de signaler le Cours de fully denied making a promise accompa-

Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 247


nied by such a pledge was guilty of per- A limitação da competência das cortes
jury. Perjury was a moral offense over reais, assim, era controlada pelo rei por meio
which the church had jurisdiction. On da concessão dos writs.
that basis church courts ordered perfor-
mance of the promisse, which was a way O avanço da jurisdição do rei sobre os
to get around the restriction. Royal courts “common pleas”
from time to time issued writs of prohibition “The Common Law was first the law of land
demanding that the church desist from before it could become the law of the land.”
enforcing such promisses. The practice was Plucknett
not fully halted until the 15th century”. O passo seguinte no avanço da jurisdi-
ção das cortes reais é ir além dos Pleas of the
A criação da jurisdição do rei – Crown e ouvir, também, os common pleas, ou
“Pleas of the Crown” seja, os assuntos civis. Os primeiros common
O rei é considerado sinônimo de justiça. pleas que receberam a atenção do rei foram
Algumas matérias da mais alta importân- os conflitos de terra (pleas of land). Segundo
cia, como a paz do reino e o conflito entre os Plucknett26 “reasons of state demanded that the
grandes senhores feudais, deveriam ser re- Crown through its court should have a firm con-
solvidas pela intervenção real. Esse princí- trol of the land”.
pio de que o rei é a fonte de toda justiça per- A Corte do Rei sempre teve, na qualidade
mitiu que as cortes reais julgassem casos de corte feudal, poder para decidir disputas
antes submetidos às demais jurisdições e de terra envolvendo os senhores feudais que
também, alguns séculos depois, serviu como detinham a propriedade diretamente da Co-
justificativa para a criação do sistema de roa27. A jurisdição sobre os níveis mais inferio-
equidade. res da cadeia feudal, no entanto, fugia à alça-
No primeiro século da ocupação nor- da real, como explica Kempin: “disputes bet-
manda, a competência do rei envolvia os ween lesser lords were decided in the court of the
Pleitos da Coroa (Pleas of the Crown), que na lord of whom the land was held and who was te-
nomenclatura moderna receberiam o nome nant in service over it”. Nos princípios do sé-
de direito público. Eram, eminentemente, ca- culo XII, o rei começou a interferir com essa
sos criminais mais importantes que afeta- jurisdição, determinando, mediante um de-
vam a paz do rei (King’s Peace), além dos creto, que as cortes dos senhores feudais so-
assuntos em que as Cortes Reais aparecem mente poderiam ouvir um caso envolvendo
como a jurisdição senhorial (feudal) normal- importantes interesses sobre terras se um writ
mente competente e, também, a prerrogati- of right houvesse sido emitido pelo rei. Esse
va real de “alta justiça”, nos casos em que writ dirigido ao senhor feudal, para que este
um interesse possa demandar ou justificar fizesse justiça entre o demandante da terra e
a intervenção do rei25. o réu, que a possuía, estabelecia que, se isso
A determinação dos assuntos que pode- não fosse feito, o rei ouviria o caso, o que nor-
riam ser considerados Pleas of the Crown ca- malmente acontecia. Mais tarde, sob a ficção
bia ao rei, por meio do seu Chanceler. O de- de que o senhor feudal tinha cedido ao rei seu
mandante se dirigia ao Chanceler, solicitan- direito de presidir a corte, o writ era emitido
do uma ordem para que determinada corte diretamente ao demandado, desviando, as-
real ouvisse o seu caso. Este, entendendo sim, a corte senhorial e trazendo os land cases
que o pleito poderia ser ouvido pelas cortes diretamente para as cortes reais28.
reais, concedia a ordem por escrito (written). Diante dessas características dos primei-
Essa ordem do rei, para que as suas cortes ros writs, Plucknett afirma que eles não são,
ouvissem determinado caso, ficou conheci- estritamente falando, documentos instaura-
da como writ (breve em latim). dores de um processo:

248 Revista de Informação Legislativa


“They are in form administrative com- it. This Great Council performed a multi-
mands to an alleged wrongdoer or to some tude of duties, which were not separated
inferior jurisdiction to do justice in a parti- into the modern classifications of executi-
cular matter in such wise that the King shall ve, legislative, and judicial. It advised the
no more hear complaints concerning it; di- king on matters of state, decide cases bet-
sobedience of this writ will be punished in ween the tenants in chief, accomplished
the King’s Court unless a satisfactory ex- accords between Church and state, and
planation can be given... Whatever its form, acted as a type of legislature”32.
the original writ was not the assertion of Quando os conselheiros pessoais do rei
the jurisdiction of the court, but rather a se reuniam isoladamente, formavam a Les-
royal commission conferring on the judges ser Curia e, entre eles, o rei escolhia os juízes
the power to try the matters contained in it. que cuidavam de seus assuntos em todo o
For every case a separate ad hoc authority reino, os quais incluíam a justiça criminal e
was thus conferred, and Bracton naturally os pleitos da Coroa (Pleas of the Crown)33.
compared the jurisdiction of the common
pleas to that of papal judges delegate”29. A “Court of Common Pleas”
Provavelmente no reino de Henrique I O grande aumento da quantidade de com-
(1100-1135), fixou-se o princípio de que ne- mom pleas, ocorrido após as reformas intro-
nhum homem livre precisa responder por duzidas por Henrique II (comentadas no pró-
sua terra sem um writ real, a menos que as- ximo item), levou a Magna Curia a delegar a
sim deseje (no freeman need answer for his land sua competência. Inicialmente, em 1178, fo-
without a royal writ unless he chose). Mas no ram apontados cinco juízes para decidir os
reinado de Henrique II, sucessor de Henri- casos em nome do Conselho. Esse corpo de
que I, esse princípio já era, segundo Pluck- juízes se desenvolve e gradualmente se afas-
nett, amplamente conhecido30. ta da subordinação do Conselho até se trans-
formar, por volta de 1230, em um tribunal in-
A formação das cortes do “common law”
dependente, a Court of Common Pleas.
No reino de Henrique II (1154-1189), ini-
A Corte da Banca do Rei
ciaram-se uma série de eventos que resulta-
(“The Court of King’s Bench”)
ram na criação de um sistema de cortes reais
e em uma lei comum a toda a Inglaterra. Esse Os Pleas of the Crown, tornando-se tam-
movimento começou com a implementação bém numerosos, passaram a ser julgados
da reivindicação real à propriedade de to- por grupos de juízes conhecidos como “The
das as terras na Inglaterra31, conforme já vis- Justices Assigned for the holding of Pleas before
to no item anterior. the King Himself” ou, mais simplesmente,
King’s Bench. Esse corpo somente é reconhe-
A “Magna Curia” e a “Lesser Curia”
cido como tribunal independente no reina-
Até as reformas efetuadas por Henrique do de Eduardo I (1272-1307)34.
II, toda atividade judiciária, legislativa e exe-
cutiva do rei era desenvolvida por meio do Outras cortes reais
Grande Conselho (Great Council ou Magna O desenvolvimento do Common Law e os
Curia, como também era conhecido) e da Les- conflitos políticos, primeiro entre o rei e os
ser Curia (household). senhores feudais e, depois, entre o rei e o
Kempin nos dá a seguinte descrição do parlamento, determinaram o surgimento de
Great Council: outras cortes como a Court of Exchequer of
“It consisted of all the tenants in chief, Pleas, a Court of Chancery (que não aplicava
other magnates, and great ecclesiastics. a common law mas a equity) e a Star Chamber
The king’s personal advisers also met with (também uma corte de equidade).

Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 249


Sobre estruturação do judiciário na In- 4. O sistema de “writs”
glaterra, Kempin faz um interessante relato: “Remedies precedes rights”
“Our sketch of court development des- princípio da Common Law
cribes, essentially, a separation of the du-
ties of government. The ancient King’s Quando anteriormente falamos do avan-
Council was concerned with the totality ço da jurisdição real37, destacamos que este
of governmental affairs. Separation of the se deu no sentido de envolver também os
House of Lords and the addition of the common pleas. Todavia, não eram todos os
House of Commons deleted its legislative pleitos comuns que interessavam às cortes
function. Delegation of judicial duties to do rei. Essas cortes, jurisdições de compe-
the courts of Common Pleas, King’s Ben- tência excepcional, cortes de grandes per-
ch, and Exchequer of Pleas took away subs- sonagens e das grandes causas, cortes inte-
tantial judicial function, and much of the ressadas pelos problemas de ordem públi-
remainder was lodged in the chancellor ca – pelas Pleas of the Crown: paz do reino,
when he became head of a separate court. propriedade feudal, receitas do rei –, não
Vestiges of judicial power remained in consideram que esteja dentro das suas atri-
Star Chamber; but with its abolition, the buições, nem conforme sua dignidade38, co-
judicial power of the medieval council nhecer qualquer common plea.
disappeared. The later Privy Council, Por razões de Estado, inicialmente inte-
product of a new theory of government, ressava à coroa, entre os common pleas, ape-
had no judicial power in England. It did, nas aqueles que envolvessem disputas de
however, have judicial power to review terras, que eram, à época, a maior fonte de
decisions made by colonial courts, and riqueza e poder econômico. O desenvolvi-
therein lay the basis for conflict between mento da common law no sentido de envol-
the colonies and the mother country”35. ver, entre os commom pleas, não apenas os
land pleas, mas também os pleitos pessoais
A moderna estrutura judiciária inglesa (personal pleas), como os acordos privados,
Duas leis, o Judicature Act of 1823 e o Su- somente vai ocorrer quando as relações pri-
preme Court Act of 1925, redesenharam o sis- vadas assumem importância econômica, em
tema judiciário inglês, que hoje tem a seguin- virtude do desenvolvimento do comércio.
te estrutura36: Com a finalidade de controlar quais ca-
sos interessavam ou não à política do reino,
HOUSE OF LORDS foi criado na Inglaterra o sistema de writs, que
(lida apenas com apelações) eram formas preestabelecidas de ações. O
COURT OF APPEAL demandante que desejasse levar o seu caso
(lida apenas com apelações) às cortes reais solicitava ao Chanceler, de-
HIGH COURT legado da Magna Curia do rei, um writ, e esse
diferentes divisões lidam com diferentes oficial, analisando a conveniência de esten-
tipos de disputa legal (tanto em apelações der ao caso apresentado a jurisdição real,
quanto em caso de competência originária)
expediria ou não a ordem para que as cortes
QUEEN’S o ouvissem.
FAMILY CHANCERY
BENCH
DIVISION DIVISION
DIVISION A primeira preocupação do demandan-
te era, portanto, saber se o seu pleito seria
CROWN COURT
COUNTY COURT
(lida principalmente
adequado a um dos tipos de ações para os
(lida com casos de quais havia a concessão de writ. Se o remé-
com casos de
direito civil)
direito penal) dio jurisdicional buscado não se adaptasse
MAGISTRATES’ COURT a uma das formas de ações preestabeleci-
(principais assuntos – matérias criminal, das, dificilmente o writ seria concedido e,
matrimonial e jurisdição voluntária) conseqüentemente, as cortes reais não jul-
250 Revista de Informação Legislativa
gariam o caso. Surge, pelo sistema de writs, Em 1187, havia em torno de cinqüenta ti-
o princípio do common law, segundo o qual pos de writs reais e, em 1256, aproximada-
remedies precede rights. Origina-se também des- mente duzentos e cinqüenta41. O aumento do
se berço o desenvolvimento do caráter mais número de writs é um sinal de que a Coroa
processual que material do direito inglês. passa a se interessar pelas relações privadas.
Note-se que writ e remedy (action) não têm, “Se, na origem, os writs eram adap-
inicialmente, o mesmo significado, embora tados a cada caso, tornam-se rapida-
funcionem conjuntamente. O writ é uma mente fórmulas estereotipadas que o
questão preliminar, sem a qual a corte não Chanceler passa após o pagamento,
pode considerar o remedy. Exemplificando: sem exame aprofundado prévio (de
para que o demandado tivesse uma ação (re- cursu); encontra-se aí, sobretudo, o
medy) de debt, era necessário ter consegui- meio de atrair o maior número de lití-
do, antes, um writ of debt. gios para as jurisdições reais. Os se-
As formas de ação e os writs eram, por- nhores feudais bem tentam lutar con-
tanto, um sistema de limitação do acesso às tra o desenvolvimento dos writs; pela
cortes reais, de acordo com o interesse da Magna Carta de 1215, conseguem pôr
Coroa, como analisa Plucknett39: freio às limitações das jurisdições
“The forms of action are in themsel- reais sobre as dos barões ou grandes
ves a proof that the King’s Court only vassalos; pelas Provisões de Oxford,
intended to intervene occasionally in the em 1258, obtêm a proibição de criar
disputes of his subjects. It was no doubt novos tipos de writs; mas o Statute of
possible to argue with perfect justice that Westminster II (1285), documento ca-
the country was well provided with com- pital na história do common law, con-
petent courts for all ordinary purposes, cilia os interesses do rei com os dos
and that the King’s court was only con- barões, impondo o status quo: o Chan-
cerned with matters of state and matters celer não pode criar novos writs, mas
of special difficulty which could not be pode passar writs em casos similares
otherwise determined.” (in consimili casu)”42.
Esse mesmo autor observa que a conse- Até 1852, quando foi promulgado o
qüente estandardização das formas de ação Common Law Procedure Act, os juristas ingle-
em formulários rígidos foi estabelecida como ses estavam presos a um determinado nú-
uma rotina de racionalização administra- mero de formas de ação, nas quais deveriam
tiva: enquadrar o caso a fim de obter um provi-
“A few classes of cases with which the mento sancionador das cortes reais. Portan-
King’s Court concerned itself were there- to, o estudo desses “quadros procedimen-
fore most naturally treated along formu- tais” é fundamental para se compreender a
lary lines. They constituted one or two of formação do direito inglês43.
the several routines of government which Uma citação de Maitland revela, entre-
the administration had developed, and in tanto, uma herança do arcaico sistema de
order to handle them more easily it was a writs: “Les formes d’action ont eté abolies,
simple devise to standardise the forms mais elles continuent à nous dominer de leur
which were used. As long as this condition tombeaux”.
of things lasted a formulary procedure
was clearly an advantage, and for a while A organização do sistema de “writs” por
it may have limited the activities of the Henrique II
administration and prevented them from Henrique II sistematizou os writs, moder-
overstepping the proper boundaries of nizando alguns já existentes, principalmen-
their jurisdiction”40. te relacionados aos pleas of the land, e crian-
Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 251
do outros. O que mais interessa para com- Essas jurisdições, contudo, nem sempre
preender a formação do direito contratual eram eficazes, o que levava os litigantes a
inglês é analisar não as pleas of the land mas preferir as cortes reais.
as personal actions criadas a partir de então.
Será por meio de algumas dessas perso- 5. A formação do direito contratual por
nal actions que as cortes de common law co-
meio do sistema de “writs”
meçarão a formar um direito contratual, jul-
gando matérias que envolvem, indiretamen- A história que o common law percorreu
te, a inexecução de obrigações assumidas até à noção de contrato como uma promes-
por acordo de vontades. sa ou um conjunto de promessas, para cujo
Dos primeiros writs pessoais, os historia- descumprimento a lei confere um remédio e
dores apontam três que serviam, de alguma cuja performance a lei de algum modo reco-
forma, para obter a sanção do que conside- nhece como um dever44, consiste em uma
raríamos hoje uma relação contratual: debt, série de tentativas de flexibilizar o sistema
detinue e convenant. de writs, fazendo com que as fórmulas rígi-
Antes de tratarmos de cada uma dessas das absorvessem casos que teoricamente
ações, é importante relembrar que não ha- lhes escapariam. Isso acontece em duas fa-
via, nos primórdios do sistema de writs, a ses: primeiro, tentando adequar pretensões
concepção de que as cortes reais deveriam aos antigos writs pessoais e, depois, tentan-
sancionar determinado caso pela justifica- do desvencilhar-se desses writs quando se
tiva de haver um acordo de vontades. O prin- tornam obsoletos e outros writs passam a
cípio pacta sunt servanda é ignorado. Juristas ser preferíveis.
do século XII na Corte do Rei, diz Plucknett,
Os primeiros “writs” pessoais: “Debt”,
não eram dados a especulações metafísicas.
“Detinue” e “Convenant”
Eram, sim, administradores práticos que
viam a necessidade em sancionar alguns David e Pugsley destacam que “l’action
tipos comuns de dívidas na Corte do Rei. de dette évoque pour nous l’engagement formal
Eles não propuseram nenhuma teoria de où le contrat réel du droit romaine, l’hipothèse
obrigações; não disseram nada sobre pres- également sancitionée à Rome par l’actio praes-
tações mútuas, consentimento, consideration criptis verbis (contrats innomées)”.
ou qualquer outra teoria contratual. Tudo Na teoria da ação de dívida, uma pessoa
que eles fizeram foi estabelecer um procedi- deveria pagar o preço acordado porque ha-
mento para compelir os devedores a pagar via recebido um benefício em troca (e não
suas óbvias dívidas. porque promessas devem ser cumpridas).
Assim, o credor que desejasse obter das Alguns autores vêem nesse princípio o fun-
cortes reais a determinação para que o de- damento da doutrina da consideration, pe-
vedor adimplisse a dívida deveria justificá- culiar ao direito contratual inglês e que so-
la não pelo fundamento de que havia um mente mais tarde seria bem definida45.
acordo de vontades, mas porque a sua ação A ação de dívida poderia ser produzida
era adequada a uma das formas de ação do upon obligation. Ou seja, o pleito objeto des-
common law. sa ação estaria consignado em um instru-
Essas afirmações não querem dizer que mento selado (deed under seal). O selo era um
não havia meios na Inglaterra de levar a jul- símbolo adotado como a identificação de
gamento a inexecução de um simples acor- alguém. Poderia ser impresso pela marca do
do de vontades. Isso apenas não era possí- anel sobre a cera no documento. Hoje, um
vel nas cortes reais, porém era perfeitamen- selo pode ser a palavra “seal”, entre parên-
te plausível em outras jurisdições locais, teses, colocada logo após a assinatura de
senhoriais, comerciais ou eclesiásticas. alguém.
252 Revista de Informação Legislativa
Se a dívida estivesse consignada em um defects of the action became more appa-
deed under seal, não haveria maiores discus- rent. In the first place, trial was by com-
sões. Todavia, o writ of debt também poderia purgation (wager of law), and as the mid-
ser concedido, em outras hipóteses, para a dle ages proceed this was felt to be increa-
recuperação de um empréstimo, para coletar singly irrational; although decisions subs-
a renda de um aluguel, o preço de uma venda tituted trial by jury in a number of cases,
e, posteriormente, para cobrar várias multas the place left for compurgation still remai-
legais46. Nesses casos, o problema que surgia ned considerable. And secondly, as with all
na ação de debt era a possibilidade de o réu se the oldest groups of actions, a particularly
defender pela compurgação (wager of law). complicated system of pleading grew up
O wager of law é uma forma medieval, around it. As a result, from the beggining
originária do direito canônico, para encon- of fifteenth century we see a tendency to
trar a verdade dos fatos em discussão. No avoid using the writ of debt and to make
caso de uma ação de debt fundada em uma other forms of action serve its purpose”.
dívida de dinheiro, por exemplo, o réu po- A ação de detinue era uma variante da
deria negar a existência da dívida e oferecer ação de debt. Enquanto esta se prestava para
para purgar a lei (wage his law). Se a corte a cobrança de dinheiro ou de coisas fungí-
aceitasse, o réu deveria retornar e prestar veis, aquela servia para coisas infungíveis.
um juramento (oath) de que dizia a verdade O desenvolvimento desta ação, porém, não
e se fazer acompanhar de onze pessoas (ou será o mesmo da ação de debt. Plucknett des-
outro número determinado pela corte), co- taca que
nhecidas como oath-helpers, que confirmas- “a broad distinction grew up which trea-
sem ser o réu uma pessoa que dizia a verda- ted detinue as the particular remedy of a
de (a teller of the thuth). Se todos assim juras- bailor against his bailee... in the subse-
sem sobre a Bíblia, o réu ganharia imediata- quent history, debt becomes an important
mente o caso47. factor in the history of the contract, while
Esse sistema, que poderia funcionar efi- detinue contributes much to the develop-
cazmente em uma pequena comunidade ment of the rules of personal property
onde todos se conheciam, mostrou-se, evi- law”.
dentemente, impróprio para o desenvolvi- Por fim, temos a ação de convenant entre
mento do direito. Mas Kempin48 anota que os antigos writs pessoais. Ao contrário das
“even as the population grew, and as per- ações de debt e detinue, este writ tinha um
sons willing to lie on behalf of friends, or amplo escopo sobre matérias contratuais,
for money, became more common and jud- mas deveria, necessariamente, o acordo ser
ges refused to order wager of law, it was formulado em um instrumento escrito e, a
still preferred by commercial community, partir do reino de Eduardo I, ser estabeleci-
a close-knight group”. do em um deed under seal. A exigência do
A ação de debt continha ainda outras selo nas ações de convenant impediu um de-
dificuldades, como a exigência de ser a dí- senvolvimento mais precoce do direito con-
vida em dinheiro e de somente poder ser tratual.
aplicada contra o devedor original. A morte “The requirement of the seal meant
deste impediria a defesa por meio do wager that the writ of convenant could not be
of law, essencial no writ of debt e, portanto, used to enforce informal agreements. Ins-
inviabilizando essa ação. tead, the development of contract law took
Os inconvenientes da ação de debt são place in other writs that could enforce in-
assim descritos por Plucknett49: formal agreements. This in turn meant
“The action of debt, therefore, was fair- that legal thinking took the form of in-
ly comprehensive, but as time went by the venting, explaining, and expanding the
Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 253
scope of other writs, and delayed the de- A assimilação entre a idéia de trespass e
velopment of a theory of contracts until a sanção de um contrato tem em Bukton v.
the 16th century”50. Towsen (conhecido por Humber Ferry Case)
A fórmula do writ de convenant era a um leading case (1348). O réu havia-se res-
seguinte: ponsabilizado pelo transporte de uma égua
“Le Roi au sheriff: Salut! Nous do demandante através do rio Humber e,
t’ordonnons de faire justice a A – le de- devido à superlotação, a égua caiu e se afo-
mandeur – et que B – le défendeur – obser- gou. A corte entendeu que, embora não te-
ve conformément au droit et san délai de nha havido a alegação de dolo, necessária
la convention qui est intervenue entre le- para a caracterização da responsabilidade
dit A et B au sujét d’un héritage”51. delitual, havia-se configurado um trespass.
Posteriormente, as cortes passaram a
Os novos “writs”
entender que, diante da assunção (assump-
Ficou demonstrado no item anterior que sit) de um dever ou de uma obrigação, o mau
os writs antigos (debt, detinue e convenant) cumprimento da obrigação (misfeasance) e o
eram ineficazes para garantir a execução de respectivo prejuízo causado pelo réu seriam
contratos. Será por meio de um novo padrão considerados trespass, independentemente
de writ que a Inglaterra terá, até o século de alegação of the use of force and arms. Isto é,
XVIII, um direito contratual. sempre haveria trespass on the case of an as-
sumpsit.
A ação de “Trespass on the case”
As ações de trespass on the case [of an as-
A ação de trespass não tem nada que ver, sumpsit] não resolviam o problema dos ca-
na origem, com a noção de contrato. Trata- sos de pura inexecução (nonfeasance), em vis-
se de uma ação ex delicto e não ex contracto. ta do princípio da common law pelo qual “not
Seu objetivo é assegurar a reparação de um doing is no trespass”.
dano causado corpore corpori, por um ato do A jurisprudência evoluirá para conside-
réu que, contrariamente ao direito, atinge a rar, no século XVI, trespass também nos ca-
pessoa ou os bens do demandante52. sos de nonfeasance. Parte do estímulo para
O writ de trespass, contudo, era uma ação essa evolução advém do fato de estar a Court
moderna, sem os defeitos e complicações of Chancery sancionando tais inexecuções
procedimentais que apresentavam os writs por meio da eqüidade, o que era preocupan-
antigos. Nessa ação, segundo David e te para as cortes de common law.
Pugsley, as partes são julgadas por um júri, Com o fim da doutrina de que não havia
o qual se pronunciará sobre a demanda após remédio para nonfeasance, permaneceu o ele-
ter ouvido as testemunhas pelos litigantes. O mento básico de que algum tipo de dano ou
julgamento, pela primeira vez, vai ser admi- prejuízo era necessário para trazer um caso
nistrado após a produção das provas53. para o quadro do trespass55. Essa exigência
A terminologia ambígua da palavra tres- ficou conhecida como o quid pro quod e se
pass vai permitir que as cortes reais constru- constitui na base da doutrina da consi-
am interpretações que permitam subordinar deration, sem a qual um contrato não se for-
a maior parte dos pleitos ao quadro proce- ma no direito inglês, a menos que esteja fir-
dimental deste writ. Os common lawyers en- mado under seal (o instrumento selado equi-
tenderam que a palavra “dever” (duty) pode vale à consideration).
ser tanto compreendida como um ingre- A exigência de um assumpsit formal, que
diente de um trespass como de um contrato. ainda permanecia na common law, somente
A quebra de um dever é inerente à respon- vai desaparecer após a decisão do célebre
sabilidade delitual e a assunção de um de- Slade’s case (Slade v. Morley, 1602). A corte
ver é parte de todo contrato54. decidiu nesse caso que todo contrato de
254 Revista de Informação Legislativa
execução diferida presume um assumpsit. A Notas
assunção explícita de um dever não seria
mais necessária. 1
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito.
2. ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1995.
Kempin descreve algumas importantes
p. 213.
conseqüências desse caso: 2
KEMPIN Jr, Frederick. Historical introduction to
1. poder-se-ia demandar não apenas os anglo-american law. 3. ed. St. Paul (MN) : West, 1990,
danos causados pelo descumprimento do p. 108.
3
Op. cit. p. 213.
contrato mas, também, o próprio débito; 4
Ver capítulos IV e V sobre o sistema de writs.
2. marca o efetivo fim do wager of law, 5
DAVID e PUGSLEY. Les contrats en droit an-
embora só formalmente abolido em 1833; e glais. Paris : LGDJ, 1985. p. 34.
3. o júri civil, desenvolvido a partir do 6
GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império
Romano. Tradução por José Paulo Paes. São Paulo
júri criminal da King’s Bench, passou a do-
: Companhia das Letras, 1989. p. 227.
minar os casos de common law. 7
Apud PLUCKNETT, Theodore. A concise his-
tory of the common law. 5. ed. Londres : Butterworh,
1956. p. 6.
6. Conclusões 8
Apud PLUCKNETT. op. cit. p. 7-8.
A maior parte das conclusões a que che- 9
Op. cit. p. 8.
gamos já foram dispostas no decorrer do tra-
10
Op. cit. trechos nas páginas 167, 169, 170 e 171.
11
Op. cit. p. 167.
balho. Contudo, vale ressaltar três: 12
PLUCKNETT. op. cit. p. 10.
A) Embora outros fatores tenham contri- 13 __________
. op. cit. p. 11.
buído para a diferenciação do direito inglês 14
GILISSEN,. op. cit. p. 188.
15
Op. cit. p. 12.
em relação ao direito continental, foi, prin- 16
Op. cit. p. 13.
cipalmente, o sistema de writs que gerou essa 17
Op. cit. p. 37.
distorção, ao exigir do jurista de common law 18
Op. cit. p. 12.
uma visão mais prática que teórica do direi-
19
GILISSEN. op. cit. p. 203.
20
Op. cit. p. 204.
to contratual e ao impedir, pelo desenvolvi- 21
Op. cit. p. 26.
mento de um sistema peculiarmente formal, 22
Op. cit. p. 33.
uma maior influência do renascimento do 23
DAVID, René, PUGSLEY, David. op. cit. p. 32.
24
KEMPIN. op. cit. p. 212. grifo nosso.
direito romano ocorrido no continente. 25
DAVID e PUGSLEY. op. cit. p. 19.
B) Atualmente, o contrato no direito in- 26
Op. cit. p. 355.
glês apresenta poucas diferenças práticas 27
KEMPIN. op. cit. p. 31.
em relação ao direito continental. Podemos
28
KEMPIN. op. cit. p. 32.
29
PLUCKNETT. op. cit. p. 355-356.
destacar duas: a doutrina da consideration e 30
PLUCKNETT. op. cit. p. 357.
a inexistência de execução específica como 31
KEMPIN. op. cit. p. 30.
regra geral dos contratos, senão em alguns 32 __________
. op. cit. p. 28.
casos que receberam maior influência da
33 __________
. op. cit. p. 29.
34
KEMPIN. op. cit. p. 34.
equity. Tanto a consideration como a inexis- 35
KEMPIN. op. cit. p. 43.
tência, em regra, de specific performance, são 36
Extraído de BRADNEY, A., FISHER, V.,
resultado de ter o direito contratual se for- NEWELL, D. How to study law. 2. ed. Londres :
Sweet & Maxwell, 1991. p. 9.
mado a partir de uma ação típica do campo 37
Ver acima, página 17.
da responsabilidade delitual: a ação de 38
DAVID e PUGSLEY. op. cit. p. 20.
trespass. 39
Op. cit. p. 353.
C) A maior diferença entre o direito con-
40
Op. cit. p. 353-354.
41
KEMPIN. op. cit. p. 121-122.
tratual inglês e o ocidental não está na prá- 42
GILISSEN. op. cit. p. 210.
tica, mas na formação teórica de cada siste- 43
DAVID e PUGSLEY. op. cit. p. 21.
ma, o que torna indispensável ao jurista de
44
Definição de contrato adotada pelo Restate-
ment of Contracts, Section 1.
civil law estudar a história da common law a 45
Os sistemas de common law exigem, para a
fim de aprender a lidar com as suas teorias. formação do contrato, além da oferta e da aceita-

Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 255


ção, a existência de consideration. Em poucas li- Bibliografia
nhas, pode-se dar apenas uma vaga noção des-
sa doutrina, aproximando-a da idéia de sina- GILLISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2.
lagma. Ou seja, em contratos gratuitos não há, ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian,
em regra, consideration. É preciso que se estabe- 1995. p. 213.
leça, no acordo de vontades, uma relação de KEMPIN Jr, Frederick. Historical introduction to anglo-
benefício e detrimento entre as partes, sem a qual american law. 3. ed. St. Paul (MN) : West, 1990.
GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império
não há contrato. A doação, v.g., não é normal-
Romano. Tradução por José Paulo Paes. São
mente considerada um contrato no direito in-
Paulo : Companhia das Letras, 1989.
glês.
PLUCKNETT, Theodore. A concise history of the
46
PLUCKNETT. op. cit. p. 363.
common law. 5. ed. Londres : Butterworh, 1956.
47
KEMPIN. op. cit. p. 49. BRADNEY, A., FISHER, V., NEWELL, D. How to
48
Op. cit. p. 50. study law. 2. ed. Londres : Sweet & Maxwell,
49
Op. cit. p. 363-364. 1991.
50
KEMPIN. op. cit. p. 216. DAVID, René, PUGSLEY, David. Les contrats en
51
Apud DAVID e PUGSLEY. droit anglais. Paris : LGDJ, 1985.
52
DAVID e PUGSLEY. op. cit. p. 29. SCHABER, Gordon, ROHWER, Claude. Contracts.
53
Op. cit. p. 30. St. Paul (MN) : West, 1990.
54
KEMPIN. op. cit. p. 223. TREITEL, G. H. The law of contract. 8. ed. Londres :
55
KEMPIN. op. cit. Sweet & Maxwell, 1991.

256 Revista de Informação Legislativa

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