Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens
– Parte 2
1 – A noção de propriedade como fronteira entre o estado de natureza e o
estado civil. Aquele que tivesse retirado as primeiras estacas que delimitaram a propriedade teria feito um favor à humanidade. Entretanto seria insuficiente, pois para chegar à noção de propriedade foram séculos de desenvolvimento de engenhos e luzes. 2 – Primeiro sentimento: o de sua existência. Primeiro Cuidado: a conservação de sua existência. 3 – A forma de existir que levou à multiplicação do homem se originou da satisfação animal do apetite sexual. 4 – O desenvolvimento do homem foi circunstancial (superação de obstáculos), e os primeiros desenvolvimentos foram os do corpo através do seu exercício. A – Aos ribeiros anzóis, tornam-se ictiófagos. B – Aos que vivem na floresta arcos e flechas => caçadores e guerreiros. C – Aos que vivem em clima invernal, peles e domínio do fogo. 5 – Da comparação contínua o homem começa a perceber diferenças nas relações: “fortes, fracos, rápidos, lentos, temeroso, ousado”. Nasci daí uma “prudência maquinal” que colocará o homem acima de outros animais, senhor de alguns e flagelo de outros. 6 – “O primeiro olhar que dirigiu a si produziu-lhe o primeiro movimento de orgulho” (p. 205). 7 – Ao observarem-se, os homens perceberam que pensavam e sentiam semelhantemente, dessa percepção fundam as melhores regras de conduta para seu proveito e segurança. 8 – “o amor do bem-estar é o único móbil das relações humanas” (p. 206). A – Aprendem quando unir-se e quando desconfiar do outro. B – As uniões só duram o necessário, havendo ausência de previdência. I – Desenvolvem a ideia de compromisso e sua vantagem. 9 - Quanto mais se esclarece o espirito mais se desenvolve o engenho. A – Quando os homens descobrem machados de pedra dura e cortantes (escavar a terra e fazer choupanas), nas a propriedade e a distinção das famílias. As foram feitas primeiro pelos fortes e depois imitadas pelos fracos. 10 – Da vivência conjunta (mulheres, esposos, pais e filhos) nascem o amor paternal e o amor conjugal. A – Primeira diferença ocupacional entre os sexos: a mulher toma conta da cabana e dos filhos, torna-se sedentária. O homem busca a subsistência comum. B – Ambos tem diminuída a ferocidade e vigor, mas agirem coletivamente lhes tornou mais fácil a resistência. 11 – A nova vida permitiu aos homens desfrutarem grande lazer, o qual dedicaram a produção de comodidades, sendo estas a fonte dos seus futuros males. A condição física dos homens continua a degenerar e as comodidades tornam-se necessidades, e a sua ausência destas passou a gerar mais sofrimento do que gerava prazer. 12 – A língua se desenvolve quando os homens se veem forçados a viver juntos. 13 – As habitações fixas levam a fundação de nações em cada região, uniforme em costumes e caracteres, menos pelos leis e regulamentos do que pelo gênero de vida, alimentação e clima. A – A convivência produz uma forma de relacionamento mais permanente. Desenvolvem-se a ideia de mérito e beleza, trazendo consigo o sentimento de preferência. A convivência produz o amor, assim como o ciúme, e com este a discórdia; o preço por essa paixão é o derramamento de sangue resultante do conflito por ela gerado. B – Conforme se desenvolvem o espirito e o coração, uma necessidade de estima pública vai sendo fomentada. É esta necessidade quem vai gestar a desigualdade e o vício, consequentemente nascem também a vaidade e o desprezo, a vergonha e o desejo. 14 – Da apreciação mútua nasce a ideia de consideração. Como todos a queriam, não se pôde dela privar ninguém impunimente. Nascem dai os primeiros deveres de civilidade. A – As vinganças tornam-se terríveis e os homens sanguinários e cruéis na medida em que eles passam a punir o desprezo que recebem na proporção do valor que a si mesmo atribuem. B – Muitos selvagens (na época de Rousseau) manifestam esse comportamento, porém estão bastante distantes do primeiro estado de natureza, onde isso seria impossível. A piedade natural o impede de fazer mal a outrem, ainda que tenha recebido. 15 – Essa época sem leis, onde a moralidade começa a perpetrar as relações e cada um é juiz e vingador de si mesmo, teria sido a época mais feliz da existência humana, somente uma casualidade terrível o teria feito ir além. Pois o seu progresso só o fez degenerar, sendo que nesse estado o homem desfrutava ainda de tudo aquilo que podia desfrutar no estado de natureza inicial. A – Esse estudo durou enquanto o homem ´produziu sozinho, quando suas obras e artes passarem a necessitar de vários indivíduos, quando buscava mais provisões do que o necessário, nasceu a propriedade e o trabalho, instaurou-se a desigualdade. 16 – A metalurgia e a agricultura foram as artes responsáveis pela revolução no gênero de vida dos homens. O movimento da Europa às luzes teria sido facilitado por sua abundância de ferro e fertilidade para o trigo. 17 – A primeira cultura das terras leva à partilha, e uma vez reconhecida a propriedade nascem as primeiras regras de justiça. => Transformação da posse em propriedade. 18 - A desigualdade se desdobra com a desigualdade de combinação =>As diferenças circunstanciais ficam mais sensíveis e com efeitos mais permanentes, passando a influir diretamente na sorte dos indivíduos. 19 – Novo período da humanidade, todas as faculdades desenvolvidas: “a memória e a imaginação em jogo, o amor-próprio interessado, a razão em atividade e o espirito quase atingindo o termo da perfeição de que é suscetível” (p. 217) A – Todas “as qualidades naturais estão postas em ação, a posição e a sorte de cada homem estabelecidas, não só quanto a quantidade de bens e ao poder de servir ou de prejudicar, mas também quanto ao espírito, à beleza, à força, à habilidade, quanto ao mérito e ao talento”, porque somente essas características permitem a conquista da consideração, é necessário tê-las ou dissimulá-las: nascimento da dicotomia “ser e parecer”. Daí o fausto imponente, a astúcia enganadora e os vícios pertinentes ao cortejo. 19 – O novo regime de necessidades sujeita o homem à natureza, ainda mais aos seus; torna-se um escravo, ainda que rico. 20 – Concorrência e rivalidade, oposição de interesses, desejo de tirar proveito: efeito da propriedade e desigualdade por ela causada. 21 – Conforme aumentam as propriedades e o número de despossuídos, estes começam a receber ou usurpar sua subsistência, dando origem à dominação e servidão, à violência e à rapina => A dominação é o único interesse dos ricos. 22 – Uma vez tendo provado o prazer da dominação: “como esses lobos famintos que, tendo provado a carne humana, rejeitam qualquer outro alimento e só querem devorar homens” (p. 219). 21 – As forças dos mais poderosos e as necessidades dos mais miseráveis fundam um direito ao bem alheio => rompimento da igualdade => abafamento da piedade natural e da justiça => A sociedade entra num estado de guerra, os se tornam avaros, ambiciosos e maus. 22 – Vendo-se afundando nas mazelas do estado de guerra, ameaçados continuamente, sob risco suas vidas e seus bens, resolvem os poderosos fundar o Estado. Que sob a bandeira de uma falsa igualdade, que faria miseráveis e ricos prestarem conta sobre seus atos, possibilitou-se a perpetuação do direito a propriedade, o enraizamento da desigualdade e o descarte final da lei natural, sendo esta substituída pela lei civil. 23 – Fundam-se vários corpos políticos (sociedades). Atacados pelo ressentimento por terem abandonado o estado de natureza, começam a se digladiar – é a origem da guerra e dos seus horrores.