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Fábio Henrique Ribeiro

Meu trabalho era focado no ensino de violão para os alunos atendidos pelos projetos sociais AABB Comunidade
Universidade Federal da Paraíba
(parceria entre Associação Atlética do Banco do Brasil e Prefeitura Municipal) e PETI (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil).

Tais contextos de atuação me levaram a pensar em uma prática educativa em que tocar um instrumento
formal e especializada. Para isso, lanço mão das minhas vivências anteriores como professor de violão nesses
parecia um objetivo muito distante diante das inúmeras variáveis sociais surgidas a cada semana. Com uma estrutura
licenciatura em música. Dessa forma, busquei pensar em quais são os aspectos diferenciadores desses contextos e

de instrumento possui muitos aspectos comuns a todos os espaços de ensino, mas cada um tem um foco maior. Desse aprendi no conservatório não poderia ser aplicada naquele contexto e busquei me basear nas formas de trabalho de
modo, no ensino básico há maior foco na democratização da experiência com a música, o ensino não formal é voltado
para a promoção da cidadania enquanto o ensino especializado focaliza-se a formação musical. um ensino particular de instrumento. Nessa postura metodológica, o aluno poderia estabelecer suas próprias metas
em parceria com o professor, equilibrando suas condições sociais e as condições oferecidas pelos projetos.

as condições dos alunos e da estrutura de trabalho deveria ser sempre equilibrada com a expectativa das apresentações
semestrais, ensejos nos quais deveríamos prestar contas à sociedade (entendam-se principalmente coordenadores,
pais e políticos locais). Desse modo, havia sempre uma tensão entre o que se podia fazer e o que se esperava do nosso
Diante das demandas emergentes no campo da educação musical e suas perspectivas de crescimento,
a transformação social da clientela atendida.
(HARDER, 2003; KARTER, 2004; MACHADO, 2004; ALMEIDA, 2005). As licenciaturas têm buscado acompanhar

Metodologia do Ensino do Instrumento II, ministrada por mim na licenciatura em Música da UFPB (Universidade
moderno.
Federal da Paraíba). Para pensar seus objetivos, conteúdos e metodologias, precisei buscar o que o espaço de educação
não formal tem de diferente em relação aos outros espaços educacionais. Nessa constante busca, tenho optado por dar
e adaptadas às novas conjunturas educacionais. Nesse sentido, a educação musical no âmbito da escola básica exige relevância aos aspectos sociais, políticos e econômicos que permeiam, de forma mais incisiva, a prática metodológica
perspectivas, metodologias e ferramentas educativas diferentes daquelas aplicadas aos contextos da educação não do ensino nesses contextos. Dessa forma, busco como elemento principal o estabelecimento de princípios de trabalho,
formal e especializada. Destarte, cada um desses espaços possui seus próprios objetivos, atendem a uma demanda
práticas e adaptá-las aos contextos de atuação.

Dentro das várias possibilidades de prática musical, destaco aqui o ensino de instrumento, elemento Partindo dessa busca pelos princípios, acredito que devemos compreender os espaços de atuação não formais
de uma forma mais ampla, a partir de questionamentos sobre as características do terceiro setor (KARTER, 2004),

relação da música com projetos de intervenção social (HIKIJI, 2006; KLEBER, 2009) e as principais possibilidades
professor de instrumento nos três contextos apresentados e das discussões emergidas em três disciplinas ligadas ao metodológicas aplicáveis a esses contextos (CRUVINEL, 2005; CUERVO, MAFIOLETTI, 2009).
ensino de instrumento, ministradas por mim em uma licenciatura em música.
Diante dessa perspectiva, pode-se pensar que os aspectos metodológicos (foco da disciplina) podem não
O texto está estruturado de forma que possa apresentar os principais dilemas que tenho encontrado ao estar contemplados de forma satisfatória, uma vez que há mais assuntos contextuais a serem tratados do que a
longo da minha prática como professor e relacioná-los com as novas perspectivas que tenho desenvolvido a respeito própria metodologia. Entretanto, todos os outros aspectos devem servir de base para discussões sobre ferramentas e
do ensino de instrumento em seus diversos níveis e contextos. Assim, procuro apresentar minhas bases empíricas,

compartilhados entre os contextos da educação básica, não formal e especializada.

Outro espaço no qual trabalhei como professor foi um conservatório, uma instituição de grande porte que
atende atualmente quase cinco mil alunos. Nesse contexto, eu pude conhecer outras faces do trabalho educativo
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e pensar ainda mais sobre como tinha sido minha experiência nos projetos de ação social. Dentre as principais pude desenvolver atividades extracurriculares voltadas para o violão popular e instrumental, bem como promover a
diferenças que notei, posso destacar a maior preocupação com documentações e com um projeto pedagógico que formação de práticas instrumentais diversas como: percussão, bateria, guitarra, contrabaixo, teclado e sanfona.
buscasse um desenvolvimento mais homogêneo dos alunos.

Diante dessa realidade, o ensino de instrumento necessita de uma abordagem diferenciada daquela voltada todos eles, mas deve saber gerenciar o aprendizado dos alunos a partir das possibilidades das quais dispõe. No
para o contexto não formal, com objetivos menos direcionados para os aspectos socioeconômicos e mais centrados meu caso, contei com a monitoria de alguns alunos que já possuíam algum conhecimento ou, quando não havia, eu
naqueles tradicionalmente reconhecidos como musicais. Como o ensino em escolas especializadas já possui uma buscava formas de estudar junto deles com materiais diversos buscados principalmente na internet.
tradição, com métodos mais ou menos estabelecidos, a prática do professor se torna menos livre e mais direcionada,
Partindo dessas experiências logo se nota que não foram vivências muito próximas da realidade nacional da
geralmente vinculada a uma perspectiva de aprendizagem constituída pelo coletivo institucional. Diante desse rigor
educação básica com a qual os professores de música vão lidar com maior frequência. Desse modo, não se pode pensar

tende a não compartilhar ou documentar suas experiências, reforçando ainda mais suas características cristalizadas
(HARDER, 2003, 2008; BORÉM, 2006).
do Instrumento I. No intento de discutir sobre as bases metodológicas do ensino de instrumento e sua aplicação
Assim, precisei desenvolver novas habilidades que até então não haviam surgido. Minha prática foi se
na educação básica, tenho proposto um trabalho focado no domínio dos seus principais aspectos conceituais e
remodelando na medida em que compreendia aquela nova dinâmica educativa. Era necessário, cada vez mais,
metodológicos, buscando levar o licenciando a planejar e avaliar de acordo com as implicações contextuais.
traçar métodos e buscar ferramentas diferenciadas que pudessem ser aplicadas ao ensino de violão no contexto de
musicalização e de prática instrumental em nível intermediário. Tais modalidades exigiam repertórios, conteúdos e Em virtude do tempo e da diversidade de instrumentos e metodologias de trabalho, tenho optado por
abordagens diferenciadas em virtude da sua natureza, objetivos e público-alvo. Nesse sentido, podemos constatar que aspectos metodológicos mais gerais, que possam suprir as necessidades básicas dos professores em formação. Dessa
forma, o trabalho foi estruturado em quatro eixos:
compreendendo as modalidades de ensino que engloba, a saber: cursos livres e de formação inicial; curso de instrumento
complementar; estágios intermediários da formação instrumental; e níveis avançados de formação técnica. 1) Contextualização do ensino de instrumento na educação básica (COUTO, SANTOS, 2009);

2) Propostas metodológicas para o ensino de instrumento – ensino coletivo (CRUVINEL, 2005), alternativas
Supervisionado III. Nessa disciplina, as práticas dos alunos devem ocorrer no instrumento no qual estão se tecnológicas (GOHN, 2003, 2010) e inserção curricular e extra-curricular (MACHADO, BONA, 2007; MACHADO,
licenciando e em um universo de ensino especializado. Dessa forma, tratamos de elementos didáticos, pedagógicos e SOUZA, 2005);
metodológicos ligadas ao ensino de instrumento, direta ou indiretamente.
3) Pontos convergentes no ensino de instrumentos – repertório (FIREMAN, 2007), relação entre música,
Nesse campo, os principais dilemas surgidos até o momento se referem à relação entre o modelo conservatorial instrumento, corpo e mente (SLOBODA, 2008; BEYER, 1999; PEDERIVA, 2004; ILARI, 2003);
de ensino de instrumento e as atuais perspectivas didático-pedagógicas ligadas ao planejamento e avaliação escolar e, de
4) Elaboração de propostas pedagógicas para o ensino de instrumento na educação básica.

aspectos políticos, sociais e ideológicos que permeiam sua prática nesses contextos, bem como os objetivos, conteúdos Até o momento, as discussões a respeito do ensino de instrumento na educação básica têm tomado
e metodologias de trabalho ligados à musicalidade que se quer desenvolver em seus alunos. direções bastante gerais. Entretanto, podem ser apontados alguns dilemas que têm surgido a partir das práticas e
questionamentos de alguns alunos, destacando-se aqueles ligados às novas demandas surgidas nesse contexto em
virtude da inserção curricular da música enquanto conteúdo.

Tais dilemas têm girado em torno das funções do ensino de instrumento nesse contexto e das suas
Meu primeiro contato com a educação básica por meio do ensino de violão se deu em uma escola municipal possibilidades de aplicação. Dessa forma, temos compreendido o ensino de instrumento como mais uma forma de
possibilitar a democratização do conhecimento musical, podendo ser aplicado de forma curricular e, principalmente,
ou “em situação de risco social” – as práticas educativas eram voltadas para objetivos sociais fortemente enfatizados. extracurricular.
As aulas de instrumento, bem como as outras artes e esportes, aconteciam como atividade extracurricular no contra-
turno de cada turma com o objetivo principal de promover o desenvolvimento social das crianças. Dessa forma,
minhas práticas se voltavam bastante para as mesmas características daquelas ligadas ao contexto não formal, com
relativa liberdade de trabalho, mas observando as mesmas relações sociais, políticas e econômicas.

Anos mais tarde, ingressei como professor no Instituto Federal do Sertão Pernambucano, uma realidade fácil empreendimento. Há diversos meandros conceituais que permeiam as práticas educativas, tornando-as muito
educativa totalmente diferente das que havia trabalhado até então. Nesse novo espaço, tive a oportunidade de dispor de próximas, mesmo diante de conjunturas sociais e políticas tão distintas. Não são, portanto, aspectos dissociáveis que
uma infra-estrutura melhor, com acesso aos materiais necessários para um trabalho educativo mais amplo. Nesse contexto possam ser compreendidos isoladamente.

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Entretanto, compreender alguns dos pontos essenciais nessa complexa estrutura nos faz promover práticas
mais coerentes com os objetivos de cada espaço educativo. Dessa forma, é imprescindível saber como desenvolver um
Revista da ABEM,
trabalho de ensino de instrumento que leve em consideração não somente os métodos, mas que possa se desenvolver Porto Alegre, V. 13, 49-56, set. 2005.
segundo a dinâmica social, política e ideológica de cada contexto.

BEYER, Esther. Idéias em educação musical. Porto Alegre: Meditação, 1999.


espaços, o professor precisa eleger alguns elementos de comparação. Dessa forma, tenho optado por compreender
os objetivos e o público alvo de cada espaço na tentativa de encontrar pontos que possam ser associados a todos
BORÉM, Fausto. Por uma unidade e diversidade da pedagogia da performance. Revista da

ABEM, Porto Alegre, v. 13, p. 45-54, 2006.

e econômicos aparentam ser os elementos que transitam entre os aspectos associativos e não associativos.
COUTO, Ana Carolina Nunes; SANTOS, Israel Rodrigues Souza. Por que vamos ensinar
Os espaços não formais de educação têm se caracterizado por sua forte ligação com o terceiro setor,
vinculando-se a objetivos, público alvo e funções sociais voltadas para as demandas atendidas por parcerias
entre o mercado, a sociedade civil e o Estado (KLEBER, 2009). Dessa forma, busca-se alcançar metas como o
Opus, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 110-125, 2009.
desenvolvimento da cidadania, do protagonismo social, do desenvolvimento da dignidade humana e passar o tempo
em segurança (HIKIJI, 2006).
CRUVINEL, Flávia Maria. : uma experiência com o ensino coletivo de
O ensino especializado tem buscado novas perspectivas para o ensino de instrumento na atualidade, com cordas. Instituto Centro-Brasileiro de Cultura, Goiânia, 2005.

precisam adquirir novas habilidades e competências, mais voltadas para as necessidades dos alunos de hoje (HARDER,
2003). Nesse sentido, o principal ponto diferenciador desse espaço de atuação tem sido seu foco nos aspectos mais CUERVO, Luciane; MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque. Musicalidade na performance: uma investigação entre
estudantes de instrumento. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 21, p. 35-43, 2009.

educação na escola, a democratização do conhecimento musical (FIGUEIREDO, 2001), uma vez que este espaço é FIGUEIREDO, Sérgio Luiz Ferreira de. Introdução: educação musical escolar. Salto para o Futuro, v. 21, p. 5-7,
“democrático por excelência” (COUTO; SANTOS, 2009, p. 110). Com efeito, os aspectos metodológicos de ensino 2011.
devem seguir este objetivo como princípio, tornando-o seu elemento de maior distinção.

FIREMAN, Milson. A escolha de repertorio na aula de violão como uma proposta cognitiva. Em pauta, v. 18, n. 30,
p. 93-129, 2007.
pois, em determinados espaços, eles são apenas mais reforçados do que em outros. Destarte, também são elementos
compartilhados, não se caracterizando como elementos rigorosamente não associativos.

Os elementos associativos são mais presentes nos espaços educativos, uma vez que a música e a educação GOHN, Daniel Marcondes. Tendências na educação à distância: os softwares on-line de música. Opus, Goiânia, v.
16, n. 1, p. 113-126, 2010.
apresentam-se como elementos que congregam aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos. O processo
educativo-musical nos espaços de ensino básico, não formal e especializado é permeado de situações que englobam
tais aspectos em níveis micro e macro, com variados graus de evidência. Dessa forma, o professor em formação ______. Auto-aprendizagem musical: alternativas tecnológicas. São Paulo: Annablume, 2003.
deverá sempre buscar o desenvolvimento de habilidades e competências que o possibilite elaborar propostas
metodológicas, administrar recursos, relacionar-se com gestores, contextualizar suas práticas, adaptar suas propostas
etc. (MACHADO, 2004; HARDER, 2003; KATER, 2004). HARDER, Rejane. Algumas considerações sobre o ensino do instrumento: Trajetória e realidade. Opus, Goiânia, v.
14, n. 1, p.127-142, 2008.

(s) música(s) (KRAEMER, 2000), podemos pensar o instrumento musical como uma das ferramentas pelas quais se
______. Repensando o Papel do Professor de Instrumento nas Escolas de Música Brasileiras: novas competências
uma possibilidade de promover a experiência musical, fugindo do ideal romântico do virtuose, do “artista atleta” que requeridas. Música Hodie, Goiânia, v. 3, n. 1/2, p. 35-43, 2003.
domina tecnicamente seu “objeto” produtor de sons119.
que o ideal do virtuose produziu um consciente coletivo de busca pela tecnicamente perfeita que perdura até os
119 Não pretendo reduzir o do período romântico a um mero produtor de sons. Entretanto, há de se conformar tempos atuais.
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HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. A música e o risco Borém. Cadernos de Estudo: Educação Musical, Belo Horizonte, v. 4/5. UFMG/ATRAVEZ/FEA/FAPEMIG, nov-
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XIV ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 2005, BELO


HORIZONTE. Anais... Belo Horizonte: ABEM, 2005.

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