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QUEM TEM O DIREITO DE VOLTAR PRA CASA? UMA EXPLORAÇÃO


SOBRE O TRANSPORTE PÚBLICO NOTURNO EM FLORIANÓPOLIS

Matheus Lima Alcantara*


Renata Nunes Brochi Rodrigues**

RESUMO

Considerando-se o conjunto de contradições que permeiam o Transporte


Público Noturno em um contexto contemporâneo nos países da América Latina,
esta pesquisa visa explorar as condições do transporte coletivo noturno de
Florianópolis através de seus usuários, por aplicação de pesquisa de opinião pública
e dados estatísticos, analisando fatores como o perfil dos usuários, a satisfação com
o atendimento e a percepção de segurança, com enfoque na questão de gênero. Os
resultados alcançados demonstram que o transporte noturno Florianopolitano é
satisfatório para a maioria dos usuários, apesar da insegurança do espaço noturno,
e da falta de atendimento de diversas porções do município e que as mulheres
utilizam menos o serviço, utilizando-o em especial quando se existe a percepção de
segurança agregada.
Palavras-chaves: Transporte Público Noturno. Madrugada. Mobilidade.
Gênero. Ônibus.

* Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina


** Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina
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SUMÁRIO
RESUMO .......................................................................................................... 1

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 4

2 O TRANSPORTE PÚBLICO EM CONTEXTO............................................... 5

3 TRANSPORTE PÚBLICO NOTURNO EM FLORIANÓPOLIS ...................... 6

4 METODOLOGIA .......................................................................................... 10

5 CARACTERIZAÇÃO DO USUÁRIO ............................................................ 13

Idade ........................................................................................................... 13

Gênero ........................................................................................................ 13

Agrupamento do Usuário ............................................................................ 14

Profissão ..................................................................................................... 16

Frequência de Uso ...................................................................................... 16

Bairro de Origem ......................................................................................... 17

Bairro de Destino ........................................................................................ 18

Natureza das Atividades de Origem ............................................................ 19

Natureza das Atividades de Destino ........................................................... 20

Tempo de Deslocamento Médio ................................................................. 22

Abrangência do TPNF ................................................................................. 23

Caracterização dos Modais Complementares............................................. 25

6 AVALIAÇÃO DO TRANSPORTE ................................................................. 25

Qualidade Geral .......................................................................................... 25

Sensação de Segurança ............................................................................. 27

Avaliação dos Itinerários e Horários ............................................................ 29

7 AVALIAÇÃO DAS HIPÓTESES ................................................................... 33

8 O QUE NOS RESTA?.................................................................................. 37

Nota(s) explicativa(s)................................................................................... 38

ANEXOS ......................................................................................................... 39

ANEXO I – Pesquisa de Opinião Pública .................................................... 39


3

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 41
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1 INTRODUÇÃO

“Não posso ficar nem mais um minuto com você,


sinto muito amor mas não pode ser,
moro em Jaçanã,
se eu perder esse trem que sai agora às 11 horas,
só amanhã de manhã[...]”
(BARBOSA, Adoniran, 1964)

A experiência do transporte noturno¹ popula o imaginário do homem moderno


como um espaço hostil, de incerteza e de insegurança. Perder o último ônibus (ou
trem, ou metrô) é uma experiência que todo usuário do transporte público coletivo
provavelmente já viveu ou viverá em algum momento da vida. Não é à toa, que uma
das músicas que entoam na memória da população brasileira é justamente “Trem
das Onze”, onde o eu-lírico se vê na encruzilhada entre deixar o seu “amor” ou
perder o último trem, perdendo assim qualquer forma de voltar para casa visto que o
próximo “só amanhã de manhã”
Enquanto isso, desde 1964, quando Trem das Onze foi lançada, até os dias
de hoje, o transporte público evoluiu e aumentou, as cidades cresceram e a
mobilidade noturna se torna um tema de grande complexidade no contexto
contemporâneo, no entanto o tema continua sendo pouco explorado no campo de
pesquisa da mobilidade, tanto como um aspecto inerente ao transporte público
contemporâneo, tanto como um aspecto de grande variação de cidade para cidade.
É daí que surgem os objetivos desta pesquisa; em primeiro a exploração das
condições do transporte público noturno de Florianópolis através de seus usuários,
entendendo que os mesmos são os atores mais contextualizados com a rotina do
transporte público noturno e são também a sua própria razão de existência.
Desta forma, após a aplicação de uma Pesquisa de Opinião Pública por duas
noites no Terminal de integração do Centro, foi possível se estabelecer uma visão
geral do Transporte Público Noturno de Florianópolis. Além disso percebem-se
deficiências no serviço prestado, descrevendo a experiência do usuário em questão
e sua relação com o sistema (e suas variações de acordo com gênero, natureza do
deslocamento, origem e destino por exemplo) além de inferir perfis de usuários
frequentes no TPNF e sua percepção de segurança.
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Com a utilização de dados complementares, como mapas de rotas, itinerários


e horários, contagem de usuários nas noites de aplicação da Pesquisa de Opinião
Pública e dados estatísticos do IBGE pretendeu-se ampliar a pesquisa, como modo
de situação do usuário do TPNF dentro do e do espaço florianopolitano e de sua
população.
A exploração de um tema tão pouco pesquisado vai ao encontro das
necessidades de consolidação de diretrizes básicas para um sistema de transporte
público eficiente e de fato democrático, que realmente atenda as demandas dos
usuários, sejam eles diurnos ou noturnos. O tema do transporte coletivo noturno é
importante justamente por ser delineado por questões mais complexas, como a
segurança pública, o acesso à direitos e serviços básicos, a segregação, a exclusão
social e opressão de minorias e o próprio direito à cidade.

2 O TRANSPORTE PÚBLICO EM CONTEXTO

Falar de transporte público em Florianópolis é impossível sem tomar em


consideração o contexto do transporte público no Brasil e nos países da América
Latina, marcados pela desigualdade social, pela grande expansão urbana e por um
novo processo de industrialização, que descentraliza os mercados industriais
tradicionalmente situados nos países desenvolvidos. É o mesmo contexto
contemporâneo, onde o capitalismo da acumulação flexível incha os setores de
prestação de serviços, os tempos de trabalho, deslocamentos, descanso, lazer e
estudo são diversificados e as minorias se transformam cada vez mais em grupos
periféricos - econômica, social e geograficamente - dentro do mercado de trabalho
(HARVEY, 1989)
Em especial, após as décadas de 1980 e em especial a de 1990, as
economias latinoamericanas sofrem com um processo generalizado de liberalização,
marcado pela abertura econômica, pela diminuição do poder do estado e uma maior
ênfase aos comportamentos mercantis das economias. Neste contexto, o transporte
urbano se vê tomado por novas realidades, em especial assimilar e integrar as
novas complexidades de transportes e deslocamentos, lidar com o aumento agudo
no uso do automóvel e sucateamento do sistema, e a própria expansão urbana que
cria áreas mais extensas, porém com menor demanda (FIGUEROA, 2005).
O transporte coletivo então se apresenta no Brasil como um serviço público
repleto de contradições, inserido ao mundo produtivista do capitalismo, onde o lucro,
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sendo o maior objetivo, impede a concretização de um serviço de qualidade, mesmo


este sendo direito constitucional . As concessões e licitações, presentes na maioria
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dos municípios brasileiros se baseiam justamente na produtividade financeira do


sistema, característica que é intrinsecamente oposta ao objetivo do mesmo. Além
disso, o contexto político dos anos 2000 democratizou a compra de moradias,
normalmente em locais afastados, através do programa Minha Casa Minha Vida, a
compra de automóveis através de incentivos fiscais e reduziu drasticamente a
pobreza, incluindo dentro do mercado grupos antes totalmente ignorados. Assim, a
já arraigada desigualdade brasileira toma uma nova face, não somente financeira,
mas também no acesso aos serviços públicos e direitos básicos, como saúde,
educação e segurança pública. (COCCO & SILVEIRA 2013)
No mesmo contexto contemporâneo levantado, a questão de gênero insere-
se como um tema importante nas discussões sobre as cidades. Planejadas
privilegiando o sistema patriarcal, no qual, homens e mulheres possuem papéis
destinados culturalmente, setoriza a cidade de acordo com esses papéis
preestabelecidos, construindo cidades e espaços destinada ao masculino e
secundarizando demandas e percepções femininas. O transporte público neste meio
é elemento central na discussão. Seu planejamento prioriza deslocamentos
considerados obrigatórios, que ligam áreas residenciais a locais de trabalho e, não
leva em consideração os deslocamentos femininos - mais complexos e difíceis de
serem analisados, por não fazerem caminhos diretos - aproveitando o percurso para
desempenhar outras atividades em diferentes locais. (MONTANER & MUXÍ 2014)

3 TRANSPORTE PÚBLICO NOTURNO EM FLORIANÓPOLIS

Nessa contradição entre o objetivo do sistema como modelo de mercado e o


sistema como serviço público e direito constitucional, marcado pelas dificuldades
financeiras e de segregação socioespacial, é que nos damos contas das
características que tornam o transporte público Florianopolitano tão problemático. A
capital é marcada por processos de formação no qual o deslocamento para áreas
distantes era realizado inicialmente por transporte marítimo, contribuindo para que
muitas áreas dentro da ilha fossem desconexas ou isoladas. Na década de 1960,
houveram incentivos para a abertura de grandes vias e conexões, priorizando o
setor de turismo, gerando assim grandes intervenções viárias ligando o continente a
balneários. Estes fatos, somados a conformação físico-ambiental da capital, de
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tecido urbano fragmentado e complexo, na qual 42% de seu território é área de


preservação permanente (APP) e na qual os investimentos de agentes públicos e
privados estão direcionados a áreas específicas, acarretam em uma forte
especulação imobiliária e diversas ocupações irregulares que dificultam suas
conexões (SUGAI, 2002).
Ao mesmo tempo, nos resta um processo de integração e consolidação de
um sistema de transporte público metropolitano integrado ainda muito jovem onde
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as instituições de planejamento são frágeis, com pouco diálogo entre sí (COCCO


2016).
O processo então se dá num contexto onde o automóvel, que já ocupa uma
posição ideológica e prática no imaginário brasileiro³, visto que o mesmo é objeto de
desejo, como ferramenta de ascensão de classe social, aumentando a liberdade das
famílias, permitindo acesso à serviços e equipamentos públicos e privados com
maior facilidade, e possibilitando inclusive outras formas de complementação de
renda (o caso Uber por exemplo) além de resolver imediatamente diversas
aspirações de mobilidade das famílias (QUADROS JÚNIOR 2011).
Assim, Florianópolis lida com um contexto acirrado na discussão do
transporte público, com greves frequentes dos trabalhadores deste serviço, com
aumentos praticamente anuais das tarifas, se utilizando de um sistema marcado
pela distribuição desigual de horários e linhas, com concentração excessiva em vias
e horários específicos e veículos de baixa qualidade (são frequentes veículos velhos
serem “maquiados” como novos). Da mesma forma, a concepção de mercado do
sistema de transporte, de lucro, se utiliza de qualquer forma de redução de gastos,
em especial na diminuição excessiva das linhas em horários de menor movimento,
como é o caso dos períodos noturnos. O uso reduzido do transporte público seria
justamente um resultado da posição ideológica que o carro ocupa no imaginário
brasileiro, das péssima condições de mobilidade a pé e do sucateamento
generalizado no sistema de transporte coletivo (COCCO & SILVEIRA 2013).
O transporte noturno então se apresentaria como mais uma das situações de
precarização de serviços públicos, onde em casos extremos como em Lima, capital
do Peru, a resolução se dá pela total desregulação do estado, e sua consequente
informalidade no serviço, marcado pela falta de segurança, pelos longos tempos de
espera, e pelo baixa capilaridade do sistema, com poucas vias atendidas (TOLEDO
2014). Em Brasília, Distrito Federal, o transporte fica marcado pela baixa frequência
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dos horários, longos períodos de espera, longos trajetos, com muitos passageiros
em cada linha, diminuindo a segurança ao usuário nas paradas de ônibus
(VELLOSO, 2016).
Florianópolis, por sua vez, não possui estudos acadêmicos aprofundados
sobre a situação do transporte coletivo noturno, e consequentemente não se tem
documentado qual seriam as práticas correntes, a qualidade do serviço, o real
atendimento do mesmo à população e muito menos dados de violência e segurança
pública. Em menor escala, em “Etnografando o Ônibus: Individualismo e Gênero em
Florianópolis”, Scirea descreve experiências vividas como usuária do transporte
público Florianopolitano, dando destaque para experiências noturnas, no Terminal
de Integração do Centro - TICEN e nas linhas de ônibus “UFSC - Semidireto” e na
noturna “Madrugadão Continente”, dando assim um ponto de vista sobre a questão
do TPNF.
Registram-se comportamentos comuns vivenciados, em especial sob a lente
dos estudos de gênero e da experiência como mulher em um espaço aparentemente
hostil e individualista, sugerem-se algumas práticas correntes que indiquem as reais
características daquele serviço. Em especial a menor presença de mulheres durante
a madrugada, e quando presentes estão normalmente acompanhadas. Da mesma
forma os usuários, por se verem em menor número que durante o dia e obrigados a
esperar mais tempo no terminal, costumam interagir mais com desconhecidos do
que durante o período comercial, sendo as mulheres desacompanhadas, ou
mulheres acompanhadas de mulheres os interlocutores preferenciais (SCIREA,
2012).
Também são frequentes ocorrências descritas por outros usuários e por ela
mesma que circundam o aspecto de segurança da mulher na cidade, como
situações de discussão sobre a questão com outras usuárias, e comentários de um
um usuário que indica ter “salvado” uma outra usuária que andava sozinha no centro
durante a madrugada. Da mesma forma os cobradores e motoristas (todos homens)
frequentemente conversam entre si e com os usuários, em diversos momentos
perguntando aos mesmos (em especial às mulheres) o ponto de descida, indicando
inclusive já possuir conhecimento do local de residência da autora (“Vai descer no
ponto da sua casa”) (SCIREA, 2012).
A questão se volta justamente para condições até então inexploradas, como a
relação dos usuários com este serviço, com problemas oriundos das deficiências do
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sistema de transporte noturno, ou até uma possível satisfação com o serviço, visto
que a percepção do usuário não foi documentada de forma mais ampla. A lacuna no
campo de pesquisa é grande e o presente estudo não pretende portanto caracterizar
o sistema em sua totalidade, se focando principalmente em aspectos e inquietações
advindas dos próprios usuários.
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4 METODOLOGIA

De acordo com a problemática apresentada e a definição dos objetivos, foi


possível inferir algumas hipóteses orientadoras da pesquisa. Estas hipóteses tentam
então caracterizar a dimensão do resultado que se esperava da pesquisa, assim
como auxiliar na própria construção do método de apreensão dos dados, se
baseando nos conhecimentos já obtidos pelo campo de pesquisa para formular
novos olhares e novos aprofundamentos sobre o assunto
As hipóteses levantadas são:

i. O transporte público Noturno de Florianópolis não é satisfatório para o


usuário, sobretudo no que diz respeito aos itinerários, frequência das
viagens e segurança.

i. As mulheres se sentem mais inseguras no transporte público noturno


do que os usuários homens.

ii. O TNCF não atende de forma suficiente diversas áreas do município.

Após a formulação das hipóteses, se procurou encontrar formas de se adquirir


os dados necessários para testá-las, dando abertura para que novos caminhos de
pesquisa fossem possíveis, garantindo o caráter exploratório da mesma, sendo
condizente também com a pequena quantidade de informações existentes sobre o
tema. Desta forma se prosseguiu por duas frentes principais de avaliação da
situação do TPNF:

a. Aplicação de uma Consulta Pública de método misto,


predominantemente quantitativo, no Terminal de Integração do Centro
(TICEN), em dois dias, para possibilitar a abordagem de diferentes
usuários (ANEXO I)

b. Levantamento de mapas de rotas, itinerários e horários (pelo site da


empresa de transporte responsável pelos ônibus neste período) e de
dados estatísticos do IBGE referentes à população da capital, usuária
em potencial do sistema

Entende-se que para a compreensão da complexidade do assunto, somente


os usuários do transporte poderiam responder os questionamentos levantados, e por
isso, a Consulta Pública foi realizada 05/06/2018 (Quarta-Feira) e 09/06/2018 (
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Sábado), no período de 00:30 a 4:30 am. Foi escolhido Terminal de Integração do


Centro (TICEN), visto que todos os ônibus noturnos tem como origem o local, e
assim, ser possível realizar a consulta com usuários de todas as linhas.
Após, os levantamentos iniciais, prosseguiu-se para:

c. tratamento de dados dos questionários, através de gráficos e tabelas


de acordo com critérios de satisfação com os horários, com os
itinerários, percepção de segurança (em especial sua relação com o
gênero dos usuários), quantidade de usuários nas linhas, localização
de origem e destino (bairro), e categorias de destinações e origens
(residência, trabalho, lazer).

d. confecção de tabelas de quantificação de usuários em cada linha

e. Comparação dos dados adquiridos através das diversas fontes,


testando as hipóteses e observando novos padrões e possibilidades de
pesquisa.

Devido à brevidade do estudo e à complexidade do tema, algumas limitações


se tornaram claras durante a execução da pesquisa

1. O transporte público, seu uso e usuários apresentam variações de


acordo com diversos fatores, como o clima (durante a aplicação dos
questionários na quarta feira, foi notável o número reduzido de
usuários, justamente após uma noite de muita chuva), a sazonalidade
(Florianópolis é uma cidade turística, e como tal os fluxos se alteram
drasticamente em determinadas épocas do ano, com destaque para o
verão e feriados prolongados, portanto esse aspecto e os
deslocamentos oriundos do mesmo não foram captados pela
pesquisa), o dia da semana em que se avalia o transporte (os fluxos de
finais de semana destinados à atividades de lazer são mais frequentes)
e o local analisado (visto que existem zonas com maior predominância
comercial por exemplo, sendo o Centro de Florianópolis um exemplo
claro).
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2. A própria aplicação do questionário, por ser limitada à um curto período


e a um único local limita a amostragem aos usuários que
necessariamente utilizem as linhas noturnas a partir do TICEN,
excluindo assim passageiros que utilizem o serviço a partir de pontos
de ônibus espalhados pela cidade.

3. Os próprios dados, por serem referentes à opinião e experiência dos


usuários se limita às mesmas. Desta forma, pretende-se justamente
preencher as lacunas de contexto, caracterização e situação do
transporte com os dados primários levantados através de outras fontes,
de modo a criar uma pesquisa mais completa e representativa.

4. Assim, uma parcela dos usuários se negou a participar da entrevista,


por falta de tempo ou de interesse, o que limitou ainda mais o tamanho
da amostra. Este dado contudo é importante por si só, podendo indicar,
por exemplo, a falta de segurança percebida pelo usuário, ou a
hostilidade do espaço na madrugada.

5. Pelas limitações já mencionada no tamanho da amostra, poderia se


atingir um número de participantes inferior ao necessário para se
formular ou comprovar/refutar hipóteses, devido à baixa
representatividade do grupo analisado. Felizmemente foi possível
entrevistar 30 pessoas, derca de 48% dos usuários nos dois dias,
garantindo assim uma amostra representativa do universo em questão.
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5 CARACTERIZAÇÃO DO USUÁRIO

Idade

O primeiro dado que podemos analisar, é sobre a faixa etária dos usuários
(Gráfico 1). Esta informação implica que somente maiores de 15 se encontravam no
Terminal nas datas das pesquisas realizadas. Esse dado mostra como o local pode
ser hostil ou perigoso para algumas idades, e como famílias não costumam usar o
transporte noturno.

Figura 1 – Gráfico da Distribuição de Idade dos Usuários

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores.

Figura 2 – Distribuição por idade dos Residentes em Florianópolis

Fonte: Censo 2010 – IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Gênero

Outro dado interessante é que a quantidade de mulheres - que é maioria da


população Florianopolitana, com 52%, segundo o Censo 2010 do IBGE - no terminal
é ⅓ comparando com a quantidade de homens (Gráfico 2). Podemos associar esse
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dado a insegurança que as usuárias sentem ao utilizarem o transporte noturno como


mostrado adiante, ao “discurso de perigo” que é reproduzido pelos usuários
(SCIREA 2005) e à própria característica complexa dos deslocamentos femininos.
Sendo normalmente a responsável por cuidar do lar e das crianças, a mulher
é aceita com mais facilidade tanto em empregos que se associam aos atos de
cuidar, cozinhar, limpar e organizar (normalmente diurnos, como as empregadas
domésticas, babás e diaristas) como também se espera que a mesma se faça
presente durante os períodos noturnos, pela responsabilidade para com as crianças
ou idosos. Assim, o espaço do TPNF não é visto como o espaço ideal para a
apropriação feminina.
Ao mesmo tempo a condição de insegurança imposta às usuárias, dificulta a
apropriação do serviço por elas, visto que os deslocamentos noturnos fora do TPNF
são necessariamente inseguros na visão do usuário.

Figura 2 – Gráfico de distribuição de Gênero dos Usuários

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores.

Agrupamento do Usuário

Indo de encontro com a caracterização de Scirea (2005) os usuários do


transporte público utilizam o TPNF quase que exclusivamente desacompanhados.
Isso advém tanto das características complexas dos deslocamentos noturnos (muito
longos, com poucas variantes e pouca capilaridade, dificultando caminhos
alternativos) e da característica predominantemente profissional durante a semana e
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de lazer durante os finais de semana. Este aspecto corrobora a percepção de Scirea


que menciona a característica individualista do Transporte noturno.

Figura 2 – Gráfico de Agrupamento dos Usuários

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores.


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Profissão

É notável como os usuários do TPNF, que foram entrevistados e eram


oriundos do local de trabalho, são predominantemente de serviços de suporte à
atividades de lazer noturna. Isso vai de encontro com o entendimento da cidade
contemporânea de Harvey, em especial quanto ao inchamento do setor de serviços
e a complexificação dos usos na cidade, em especial ao espalhamento urbano que
separa cada vez mais o trabalhador do posto de trabalho, e obriga o mesmo a se
sujeitar a condições de sucateamento (nesse caso explicitada pela dependência do
TPNF).

Figura 2 – Gráfico de Profissões dos Usuários

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Frequência de Uso

O Gráfico 5 mostra que 59% dos usuários do TPNF possuem uma frequência
regular no transporte, mostrando como muitas pessoas dependem desse meio de
locomoção diariamente. Comparando com o Gráfico XX, Atividade de origem de
terça para quarta, é possível enfatizar esse fato, ao notarmos que, 73% dos usuários
tinham como local de origem seus trabalhos. Outro dado interessante é que quase a
metade dos usuários utilizam o transporte eventualmente, e portanto, pode-se
17

concluir que esse uso é oriundo do lazer, como fica evidente do Gráfico XX,
atividade de origem de sexta para sábado.

Figura 2 – Gráfico de Frequência de Uso

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

6 AVALIAÇÃO DOS TRAJETOS

Bairro de Origem

O Gráfico 6 mostra que metade das pessoas que estavam esperando no


Terminal nas noites das entrevistas eram oriundas da área central. Este fato é dado
devido o Terminal estar localizado nesta área, mas também, devido ao centro
concentrar número de bares, casas noturnas e casas de show e que a maioria das
pessoas que estavam trabalhando encontravam-se em funções desempenhadas
nesses lugares como podemos ver no Gráfico 04, e que as pessoas que não
estavam trabalhando, vinham de atividades de lazer, (Gráfico XX, atividade de
origem sexta para sábado)
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Figura 2 – Gráfico de distribuição dos Bairros de Origem

Bairro de Origem
(por áreas)
Continente
7%
13% 3%
Norte da Ilha

17% UFSC e Entorno

50%
10% Lagoa da Conceição
e Leste da Ilha
Centro

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Bairro de Destino

O Gráfico de Destino dos usuários (figura 44), nos deixa claro, que a maioria
das pessoas estavam indo para a porção continental da cidade. Podemos levantar
duas hipóteses para esse resultado. Comparando os madrugadões sul e norte da
ilha, suas rotas passam por diversas áreas sem população para ligar a malha
fragmentada da cidade, e o Madrugadão continente passa por diversos bairros
populosos em seu percurso.
Outra hipótese, e mais plausível, é dos horários que se encontram
disponíveis. O Madrugadão Continente possui uma certa regularidade e frequência
grandes em relação aos dois outros.
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Figura 2 – Gráfico de distribuição dos Bairros de destino

Bairro de Destino
(por áreas)

17% Continente

3%
Norte da Ilha

54% Lagoa da Conceição e


23% Leste da Ilha
Centro

Sul da Ilha
3%

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Natureza das Atividades de Origem

Figura 2 – Gráfico de distribuição das Atividades de Origem

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de distribuição das Atividades de Origem (terça para quarta)


20

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de distribuição das Atividades de Origem (sexta para sábado)

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Natureza das Atividades de Destino

É de grande importância notar que grande parte das pessoas, possuem o


mesmo destino, chegar em suas residências (Gráfico XX). Este fato é crucial para
compreendermos que sem o transporte noturno, ou quando ele não é eficaz, pode
acarretar que um grande número de pessoas não consigam chegar às suas casas
no final do dia.

Figura 2 – Gráfico de distribuição das Atividades de Destino


21

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de distribuição das Atividades de Destino (terça para quarta)

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de distribuição das Atividades de Destino (sexta para sábado)

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores


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Tempo de Deslocamento Médio

Em uma comparação breve dos resultados obtidos na Pesquisa de Opinião


Pública com os dados do IBGE, fica fácil notar que a média de tempo de
deslocamento dos trabalhadores aumenta significativamente durante o período
noturno. Enquanto a ampla maioria dos residentes em Florianópolis (figura x) leva
menos de 30 minutos nos trajetos Casa-Trabalho, nenhum dos entrevistados
registrou tempo de deslocamento menor do que 30 minutos (figura x). A ampla
maioria se encontra na faixa dos 50 aos 70 minutos, praticamente dobrando a
duração dos trajetos. Avaliando-se os valores gerais da amostra (figura y), incluindo
deslocamentos de outras naturezas, a média pouco se altera, pela predominância do
uso por motivo de trabalho do TPNF.

Figura 2 – Gráfico de Tempo de Deslocamento geral

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de Tempo de Deslocamento Casa-Trabalho


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Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Tempo Habitual de Deslocamento para o trabalho em Florianópolis

Fonte: Censo 2010 – IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Abrangência do TPNF

Em complemento às informações de duração dos trajetos, podemos avaliar os


trajetos complementares, fora do TPNF. Se deslocando predominantemente a pé, os
usuários andam em sua ampla maioria menos de dez minutos entre os pontos de
ônibus e terminais e os destinos e origens dos trajetos. A média de duração dos
trajetos (figura x) não ultrapassam a média de duração dos itinerários dos
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madrugadões (50 minutos) o que corrobora os deslocamentos pequenos entre o


TPNF propriamente dito e os destinos e origens. Considerando então os outros 23%
que levam mais do que 70 minutos para atingir o destino, começam-se a considerar
casos um pouco mais complexos, em especial com tempos de espera maiores.
Em conjunto com o gráfico de caracterização dos modais (figura z) nota-se
que de fato, os deslocamentos a pé são preferenciais, e consequentemente mais
curtos (até 10 minutos), o que evidencia a característica básica dos deslocamentos
noturnos. Os usuários saem da origem, andam pouco até o ponto de ônibus ou
terminal, passam a maior parte do trajeto dentro do ônibus ou aguardando o
próximo, e após sair do sistema de transporte público continuam a pé, andando
muito pouco. Essa característica explicita que o usuário padrão do TPNF, em sua
maioria, se utiliza de rotas que o pegam muito próximo da origem e o deixam muito
próximo do destino final.
Considerando a pesquisa de Scirea, essa situação faz sentido, em especial
às usuárias mulheres, que são vistas como “desviantes ou transgressoras”, e
corrobora com o “discurso de perigo” recorrente entre os usuários, independente de
gênero. A criação de um perfil recorrente transcreve também o conceito de “não-
lugar” de Marc Augé(1994 apud SCIREA 2005), com a criação de regras a serem
seguidas que são ditadas pelo próprio lugar, e não pelos usuários (“não andar na rua
sozinho após a meia noite”). A própria mulher aqui estaria então quebrando as
regras básicas do espaço do Transporte Público como não-lugar.

Figura 2 – Gráfico de Modais complementares

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores


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Caracterização dos Modais Complementares

Complementando o gráfico de percurso para chegar em casa, o gráfico de


Tipos de modais complementares nos traz um aspecto novo. Os usuários de
transporte noturno, quando sentem a necessidade de completar seu trajeto com
outro transporte, acaba utilizando também de táxi ou uber. Esse fato, faz com que o
usuário do transporte tenha que pagar por outro tipo de transporte que o TPNF não
consegue suprir.
Figura 2 – Gráfico de Caracterização dos Modais Complementares

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

7 AVALIAÇÃO DO TRANSPORTE

Qualidade Geral

Quando os usuários foram perguntados sobre satisfação, o resultado foi


positivo em diversos aspectos, como qualidade geral do Transporte (Gráfico XX),
seus horários (Gráfico XX), e seus itinerários (Grafico XX). Este fato pode ser
relacionado ao Gráfico XX que demonstra que a maioria dos usuários se deslocam
pouco a pé para chegar nos pontos de ônibus ou nos destinos finais. Assim, os
usuários que avaliaram o transporte de forma negativa normalmente não o utiliza
com frequência, pois a possibilidade de necessitar de outro modal de transporte para
a complementação do percurso é grande.
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Figura 2 – Gráfico de Satisfação Geral do TPNF

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de Satisfação com os Horários

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de Satisfação com os Itinerários

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores


27

Sensação de Segurança

A sensação de segurança, analisada na pesquisa pública, traz diversos


pontos de análise que se relacionam. O Primeiro deles é a situação inesperada onde
os homens entrevistados se sentem mais inseguros que as mulheres. A princípio,
pelo número reduzido de usuárias, espera-se que a sensação de segurança das
mesmas seja reduzida, contudo os dados nos mostram o contrário. Analisando-se
este fato em conjunto com a análise de Scirea, podemos notar que por se tratar de
espaço hostil, a mulher já se encontra em situação de “transgressão”, e portanto, já
está quebrando as regras do espaço em que se encontra.
Uma hipótese levantada para esse resultado inesperado, é que as mulheres
que não se sentem seguras neste tipo de ambiente, sequer se arriscam a tentar
utilizar desse transporte e, assim, ao menos chegam ao terminal, enquanto as que
se encontram nesse ambiente sentem certa segurança, e por isso estariam em
número reduzido.
Outro fato interessante relacionado a segurança, é que as pessoas se sentem
mais seguras dentro do ônibus do que fora dele. A sensação de segurança geral cai
18% quando questionados se se sentiam seguras fora do transporte. Esta sensação
é ainda mais clara quando perguntadas ao gênero feminino.

Figura 2 – Gráfico de Sensação de Segurança Geral

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de Sensação de Segurança em mulheres


28

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de Sensação de Segurança em homens

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de Sensação de Segurança Geral fora do TPNF em mulheres

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores


29

Figura 2 – Gráfico de Sensação de Segurança Geral fora do TPNF em mulheres

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Figura 2 – Gráfico de Sensação de Segurança Geral fora do TPNF em homens

Fonte: Pesquisa de Opinião Pública aplicada pelos autores

Avaliação dos Itinerários e Horários

Diante da tabela de itinerários e mapas de ônibus disponibilizados pela


empresa responsável pelo transporte noturno, podemos avaliar alguns aspectos
importantes. Inicialmente, é possível analisar que os ônibus possuem uma certa
regularidade de seus horários se comparado entre dias úteis e finais de semana,
mas que o número de usuários possui uma grande diferença se comparado os
mesmos horários em dias diferentes. (tabela X). Estranho notar, como algumas
linhas possuem regularidade de horários, com saídas relativamente frequentes,
30

enquanto outras possuem grandes lacunas, ou até mesmo ausência de ônibus,


como é o exemplo do madrugadão norte.
Outro fator importante, é o mapa de rotas que o ônibus percorre até retornar
ao TICEN. Em teoria, o transporte atende as quatro extremidades, Norte, Sul, Leste,
e Centro da Ilha, e também sua parte continental da cidade. Comparando tais rotas
com o gráfico XX de Modais complementares, e analisando o dado, de que a maioria
das pessoas não andam mais de 10 min a pé para chegarem em suas residências, é
possível concluir que o TPNF atinge uma parcela muito reduzida da população, que
possui residência perto das rotas de tais onibus.

Tabela 1 – Distribuição dos horários – Dias Úteis

Fonte: Consorcio Fênix

Tabela 2 – Distribuição dos horários - Sábado

Fonte: Consorcio Fênix

Tabela 3 – Distribuição dos horários - Domingo

Fonte: Consorcio Fênix


31

Tabela 4 – Distribuição dos usuários saídos do TICEN por horário – dia 06/06/2018

Fonte: Observação em campo realizada pelos autores.

Tabela 5 – Distribuição dos usuários saídos do TICEN por horário – dia 09/06/2018

Fonte: Observação em campo realizada pelos autores.

Figura 2 – Gráfico de distribuição dos usuários durante a aplicação da Pesquisa de Opinião


Pública – dia 06/06/2018

Fonte: Observação em campo realizada pelos autores.

Figura 2 – Gráfico de distribuição dos usuários durante a aplicação da Pesquisa de Opinião


Pública – dia 09/06/2018
32

Fonte: Observação em campo realizada pelos autores.


33

8 AVALIAÇÃO DAS HIPÓTESES

i. O transporte público Noturno de Florianópolis não é satisfatório para o


usuário, sobretudo no que diz respeito aos itinerários, frequência das
viagen e segurança.

De acordo com a Pesquisa de Opinião Pública aplicada aos usuários ficou


evidente que a maioria dos usuários se encontra satisfeita com o Transporte Público
Noturno de Florianópolis, tanto nos aspectos de itinerários e horários, como no
aspecto de segurança, inclusive sob a análise de gênero.
Vale salientar que a pesquisa analisa somente o TPNF pelo seu usuário, e
portanto, não engloba os habitantes da cidade que por ventura não utilizem o
transporte devido à uma possível dificuldade de acesso, seja por itinerário, por
horário, ou por segurança (usuários em potencial).
Também não foi possível avaliar a demanda real do transporte, fator
importante para a avaliação do atendimento, contudo, vale questionar se uma cidade
de mais de 400 mil habitantes realmente teria somente 50 usuários durante uma
madrugada inteira. O número soa como pouco representativo, considerando o
tamanho da população que habita no município, isso sem considerar que a região
metropolitana soma população similar à do município (IBGE, 2010)
Da mesma forma, a pesquisa não analisou o aspecto financeiro do uso do
transporte, fator importante a ser levado em conta, considerando que a tarifa do
transporte público configura porcentagem importante do orçamento familiar, em
especial em famílias de baixa renda, podendo portanto ser fator de exclusão do
acesso ao serviço (QUADROS JÚNIOR, 2011)
Como a pesquisa se propunha ao questionamento da visão do usuário do
transporte, podemos refutar a hipótese, visto que nos o usuário se mostra satisfeito
com o serviço oferecido, mesmo este obrigando deslocamentos mais longos que o
habitual e exposição á situação de insegurança fora do sistema. Este aspecto
dialoga com o fato de que apenas tipos específicos

ii. As mulheres se sentem mais inseguras no transporte público noturno


do que os usuários homens.
34

Esta hipótese dialoga com diversos aspectos da pesquisa, em especial aos


gráficos de segurança, aos modais complementares, à natureza dos deslocamentos
das usuárias e a abrangência do sistema.
Primeiramente, registra-se a sensação de segurança dentro do TPNF maior
para as mulheres do que para os homens, o que foi inesperado para a pesquisa,
denotando que os próprios pesquisadores talvez reproduzam o “discurso de perigo”
mencionado por Scirea. Denota-se também que a maioria das usuárias anda a pé,
tanto quanto os homens, o que também subverte a relação de insegurança aparente
promovida pelo transporte público. Da mesma forma, os homens se sentem mais
inseguros fora do TPNF.
Esta situação tem duas conclusões possíveis:
- a primeira, entende que ao se colocar em posição de subversão,
a mulher usuária do transporte noturno, aceita a quebra de regras como
realidade, e se desvencilha do “discurso de perigo” tanto como ferramenta de
apropriação de um direito, como forma de garantia de segurança, se
baseando no próprio entendimento de individualismo e autopreservação.
- a segunda é que a mulher ainda se veja pouco usuária do TPNF,
pela reprodução do “discurso de perigo” na vida cotidiana, que dificulta sua
apropriação do serviço mesmo em condições proprícias (como é o caso dos
deslocamentos com ponto de origem e destino muito próximos dos pontos de
entrada e saída do sistema, reduzindo assim a exposição à cidade durante a
madrugada, espaço hegemonicamente visto como inseguro pelos usuários,
independente de gênero). Assim, mesmo morando em locais bem servidos de
transporte noturno a mulher prefere não fazê-lo, se mantendo apenas como
uma usuária ocasional, ou em potencial, prevenindo-se de situações de
perigo.
Portanto, a hipótese analisada também é refutada, visto que considerando as
usuárias entrevistadas, a sensação de segurança para ambos os casos – dentro e
fora do TPNF – é maior nas usuárias.

iii. O TNCF não atende de forma suficiente diversas áreas do município.

Considerando as rotas realizadas pelo TPNF, os itinerários e horários, as


quantidades de usuários registrados no Terminal de Integração do Centro, e os
35

dados interpretados referentes aos deslocamentos dos usuários, podemos começar


a responder esta pergunta, ao menos parcialmente.
Inicialmente, avaliando-se os itinerários dos madrugadões, pode se notar que
duas grandes áreas urbanizadas ficam inscritas dentro de duas das principais rotas
dos madrugadões – o Madrugadão Continente e o Madrugadão Centro-UFSC. Estas
áreas correspondem no caso da ilha ao Maciço do Morro da Cruz - abrigo de
diversas comunidades marcadas por ocupações irregulares, baixas condições de
saneamento básico e infraestrutura, conflitos permanentes entre áreas de
preservação permanente, ocupações irregulares, ZEIS e áreas de risco – e no
continente pelos bairros Capoeiras, Coloninha, Vila Aparecida, Monte Cristo e
Jardim Atlântico – bairros de níveis socioeconômicos diversos, com altos níveis de
segregação e desigualdade socioespacial.
Ao mesmo tempo, notam-se também as porções de terra do Rio Vermelho e
Jurerê no norte, e do Riberão da Ilha no sul que não são atendidas diretamente pelo
TPNF.
Considerando portanto, a característica recorrente dos deslocamentos, com
pouca complementação de deslocamentos a pé (pela insegurança ou por outros
motivos) é fácil notar que existem áreas onde simplesmente não há alternativa de
transporte coletivo durante o período noturno. Analisando-se as respostas às
entrevistas e os gráficos produzidos, fica fácil notar que não existem usuários com
destino ou origem nos locais supracitados.
Da mesma forma, nota-se que aparentemente regiões com menores
densidades urbanas (Riberão e Rio Vermelho por exemplo) não são atendidas
diretamente por transporte público, enquanto regiões mais densamente urbanizadas
tem o atendimento mais frequente e contínuo, como é o caso do continente e da
área central o município.
Considerando-se então que o usuário padrão não anda mais do que dez
minutos até algum ponto de acesso ao sistema de transporte público noturno, é fácil
inferir que as localizações que não têm atendimento praticamento direto dos
itinerários do TPNF não têm usuários frequentes.
A partir daqui, começa-se a delinear uma resposta à questão. Os usuários
destas áreas, não tendo como acessar o sistema acabam recorrendo à outras
alternativas, sejam elas utilizar outros métodos de deslocamento – Uber, veículo
próprio, bicicleta, a pé ou Taxi - , evitar os deslocamentos noturnos ao máximo, ou,
36

extrapolando a situação, se mudar da área em questão, quando a falta de acesso se


torna insustentável, por motivo de trabalho ou deslocamento frequente.
Assim, apesar de não conseguirmos confirmar ou refutar a hipótese, podemos
fazer as seguintes considerações
- O TPNF não atende igualmente todas as áreas do município de
Florianópolis, e o critério de atendimento não aparenta ser o número de
usuários em potencial (o maciço do morro da cruz apresenta áreas com
densidades de ocupação altíssimas, o Rio Vermelho é uma área em grande
expansão, enquanto o Riberão da Ilha é uma área de baixa densidade)
- Os usuários noturnos em sua maioria não se deslocam a pé ou com
modal complementar mais do que dez minutos para utilizar o sistema úblico
de transporte, portanto diversas partes da ilha e do continente apresentam
uso irrisório em comparação com outras áreas não muito distantes.
- Da mesma forma, os critérios não aparentam ser de infraestrutura
(todas estas áreas contam com ruas que recebem ônibus durante o período
diurno)
- A ausência total de transporte público em uma área por um grande
período significa per se que o sistema é deficiente. Compreendendo-se o
transporte público como serviço público e direito constitucional inalienável, a
negação do mesmo em períodos do dia é por sí só uma violação à
Constituição Federal e um grave ataque ao direito de acesso à outros
serviços públicos, à outros direitos constitucionais (como saúde e educação) e
ao direito à cidade, sendo a própria caricatura da segregação socioespacial.
Se os motoristas e cobradores, em greves, não podem interromper totalmente
o atendimento do transporte público, entendido como serviço essencial,
porque os patrões e investidores podem? Afinal, a quem serve o serviço
público?
- Nos rresta então relembrar que como são áreas que até então não
possuem atendimento algumde transporte público noturno, é difícil estipular a
real demanda, e consequentemente o tamanho real do deficit gerado – um
número divido por zero tende ao infinito, afinal – e como previamente
estipulado, este não é o objetivo da pesquisa.
37

9 O QUE NOS RESTA?

Como pesquisa exploratória, este trabalho não é um fim em si mesmo e


portanto cabe aqui elencar alguns caminhos de continuidade possíveis para os
pensamentos aqui desenrolados. As contradições do Transporte Público em um
contexto capitalista são grandes e não é uma pesquisa exploratória que sanará as
diversas lacunas de compreensão da realidade complexa que nos ronda, mas ao
mesmo tempo, o esforço aqui presente serve como indicação de novas discussões a
serem abertas no campo de pesquisa da mobilidade, em especial a mobilidade
noturna, essa tão misteriosa e pouco pesquisada.
As dúvidas que nos levaram a fazer este trabalho trespassam pela própria
experiência como usuários do sistema e portanto sua compreensão se alimenta das
experiências vividas não só como pesquisadores mas também como atores neste
contexto.
Em primeiro lugar, observando os padrões de usuários frequentes,
demonstrados através da pesquisa de opinião pública, podemos inferir que o
“usuário padrão” mais frequente do TPNF é homem, que trabalha em emprego
noturno, normalmente relacionado ao setor de serviços (bares, restaurantes,
lachonetes), mora em bairros providos de horários frequentes de Madrugadão e em
localização próxima à uma parada de ônibus ou à um terminal, andando pouco para
acessar o sistema de transporte público, e se sente satisfeito com o sistema atual de
transporte.
Da mesma forma podemos compreender que as mulheres que utilizam o
transporte, apesar de minoritárias, vêem tanto o espaço do TPNF como o espaço da
cidade durante a madrugada como mais seguros do que os usuário correspondentes
do sexo oposto. Vale ressaltar que o estudo foi breve, e portanto as diversas
divergências e discrepâncias são significativas, e que os perfis mencionados não
são regra, e sim indicação.
Quanto à utilização do transporte, fica claro que diversas áreas da cidade de
Florianópolis não são devidamente atendidas pelo TPNF, com baixa capilaridade e
frequência, contribuindo para a quantidade pequena de usuários durante a
madrugada, e para o númro reduzido de mulheres no sistema como um todo.
Continuando esta interpretação, nota-se que justamente as áreas mais centrais, em
38

especial a Continental se mostra muito melhor atendida pelo TPNF, com maior
quantidade de usuários.
Por fim, vale ressaltar que os achados aqui regitrados dizem respeito em
especial aos usuários do sistema, e portanto não contabilizam a experiência e
opinião dos usuários em potencial, que não utilizam o sistema por dificuldade de
acesso, pelo impacto financeiro do mesmo na renda familiar, ou mesma pela
sensação de insegurança.
Desta forma existem lacunas a serem preenchidas, através de novas
pesquisas, que podem se focar na percepção do usuário fora do ambiente, durante o
período diurno, englobando uma seleção mais ampla de residentes e usuários do
sistema como um todo. Além disso, o sistema noturno por si só exclui a presença de
usuários da região metropolitana, que é parte extremamente costurada economica,
urbanística e socialmente à cidade de Florianópolis. Outros estudos podem ser
então direcionados à pesquisas com grupos específicos das cidade do entorno, com
o intuito de sugerir novas diretrizes para um sistema integrado.
Por fim outros espaços podem ser ainda explorado durante a madrugada,
como o próprio ônibus, os pontos de ônibus, o centro como ponto de culminação de
trajetos de lazer e trabalho, aumentando o entendimento tanto do transporte público
como fenômeno urbano e como sistema de mobilidade. Da mesma forma outros
atores podem ser contabilizados, como é o caso dos motoristas e cobradores que
são parte integrante do sistema, e que acumulam uma carga muito grande de
experiências sobre a rotina noturna.

Nota(s) explicativa(s)

1 - Neste trabalho entende-se por “transporte público noturno” o serviço público prestado fora
do horário comercial, em especial das 24h às 5h, que normalmente apresenta grande diminuição de
horários em comparação ao serviço executado em horário comercial.
2 - o PLAMUS - Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis - é um
conjunto de estudos técnicos contratados pelo Governo do Estado de Santa Catarina em conjunto
com as Prefeituras Municipais da Grande Florianópolis, finalizado em 2015, objetivando a criação de
diretrizes e soluções para a questão da mobilidade nos municípios da região metropolitana de
Florianópolis. Sua aplicação infelizmente se dá a passos lentos.
3 - 70% das famílias catarinenses possuíam automóvel em 2016 segundo o Diário Catarinense,
em análise de dados cruzados do IBGE e da CNT - Confederação Nacional dos Transportes
4 - Artigo 6º da Constituição Federal de 1988, alterado pela EC Nº90 de 2015.
39

ANEXOS

ANEXO I – Pesquisa de Opinião Pública


40
41

REFERÊNCIAS

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BRASIL DE 1988. Brasília, DF, 1988. Disponivel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
Acesso em: 26 de maio de 2018.

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42

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2002.
43

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