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Organização e Prefácio
Lígia Cademartori
Adalberto Müller
Apresentação
Benedito Nunes
2012
1
SUMÁRIO
AMOR
Eu tenho um coração maior que o mundo
2
Amor, esse sufoco/Amor, então – Paulo Leminski
As coisas da casa – Marcelo Sandmann
Faz a imaginação de um bem amado – Cláudio Manoel da Costa
Recordação – Gonçalves Dias
Nel mezzo del camin… - Olavo Bilac
Duas Almas – Alceu Wamosy
O adeus de Teresa – Castro Alves
Teresa – Manuel Bandeira
A D. Bárbara Heliodora – Alvarenga Peixoto
Me chupe com muita pena – Armando Freitas Filho
Mapa – Orides Fontela
Não prometo que as laranjas amadureçam – Carpinejar
Amor e medo – Casimiro de Abreu
Vendo a Anarda, depõe o sentimento – Manoel Botelho de Oliveira
Não saberia dizer a hora – Eucanaã Ferraz
Helena – Alexei Bueno
3
Separação – Affonso Romano de Sant’Anna
Na presença de duas damas – Gregório de Matos
Ars amandi – José Paulo Paes
MORTE
4
Os nomes – Manuel Bandeira
Convívio – Carlos Drummond de Andrade
Vozes da morte – Augusto dos Anjos
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APRESENTAÇÃO
autores assinado, já diz tudo. E por isso nos aventuramos a só acrescentar a tão
adotado e que a ele se acrescenta, para o tema do amor – a cruciante oposição que, por
decadência do corpo, prenunciando a morte, como no soneto Nam Sibyllam... (Lá onde
Estâncias (Amor? Amar? Vozes que ouvi, já não me lembra / onde: talvez entre grades
solenes...), Permanência (Agora me lembro um, antes me lembrava outro), Nudez (Não
cantarei amores que não tenho), Os últimos Dias (Que a terra há de comer. / Mas que
não coma já), Elegia (Ganhei (perdi) meu dia) e, ainda, reforçaria a linha humorística
Falta pouco (Falta pouco para acabar / o uso desta mesa pela manhã) ou Cantilena
6
Prévia (Don don dorondondon / É o castelo de Drummond que vai à penhora) de A falta
que ama.
proposta nada mais é do que uma cômoda divisória, fazendo realçar aquilo que não
Leopardi (Irmãos gêmeos que são, Amor e Morte / engendrou-os a sorte), e que
Benedito Nunes
7
Prefácio
Reúnem-se aqui poemas que partilham uma afinidade básica: é de amor e morte
que falam. Evocam os chamados temas de sempre, os temas líricos por excelência.
Escritas em diferentes épocas e distintos lugares, as composições repercutem sentidos
coincidentes ou opostos. Sucedem-se sem obedecer à ordem no tempo nem à seqüência
de estilos. O que importa são as relações que os poemas estabelecem entre si, quando
postos em ordem que não a habitual.
Um possível fio narrativo se insinua na seleção e organiza os poemas em temas –
amor e morte – e em seções que aproximam composições com propriedades em comum:
imagens similares, ecos semânticos, gradação de sentidos. Em lugar de títulos, as seções
são identificadas pelo que sugerem certos versos, como o de Tomás Antonio Gonzaga –
‘eu tenho um coração maior que o mundo’ – que dá início à antologia. Os poemas da
primeira seção têm como característica a expressão da intensidade amorosa. Imagens
marítimas, figurações do olhar percorrem vários poemas. A celebração e o júbilo
amoroso não dispensam, porém, indagações sobre a verdadeira natureza desse
sentimento, como nos poemas dos contemporâneos Elisabeth Hazin e Ivan Junqueira,
postos aqui em diálogo imaginário com Gregório de Matos, que responde, na
contramão, com sua peculiar definição de amor.
‘Ele me guia a mim, não eu a ele’ é o verso de Alexandre Gusmão que anuncia a
seção 2, onde a consciência da falta se sobrepõe ao entusiasmo da paixão. A tensão,
provocada pelo inacessível objeto de desejo, aguça os versos de poetas antigos,
modernos e novos.
A presença do feminino, na seção 3, seja como expressão, seja como motivo, é
ilustrada pelo verso de Ana Cristina César ‘e ele e os outros me vêem’. A pluralidade da
condição de ser mulher, de que fala Maria Lucia Dal Farra, manifesta-se em vozes
antigas e modernas que nomeiam diversas circunstâncias femininas: de noiva, de
Penélope, de búfalo enfurecido.
8
Na seção seguinte, o excesso de sentido atribuído ao tema amoroso é revertido
pelo tom irônico, satírico ou burlesco das criações. ‘E a paixão será arquivada’ é o verso
de Mário de Andrade que sugere a dessacralização do amor em poemas como os de
Fagundes Varela, Arthur Azevedo, Carlos Drummond de Andrade, Affonso Romano de
Sant’anna.
A morte ganha também múltiplas inflexões poéticas. Na seção 5, o verso de Paulo
Henriques Britto – ‘tudo que pensa passa’ – é emblemático das figurações da morte sem
transcendência.
O pressentimento da morte e a dolorida consciência da finitude reúnem
composições na seção 6, de José de Anchieta a Haroldo de Campos, prenunciadas pelos
versos de Ferreira Gullar: ‘ela veio chegando ao ritmo do pulso, sem pressa nem vagar e
sem perder impulso’.
Na seção 7, é da morte do outro que se trata, e o verso que a ilustra é de Mário de
Andrade: ‘o corpo é que nem véu largado sobre um móvel’. Às previsíveis presenças de
poetas como Castro Alves, Cruz e Souza, Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de
Andrade, somam-se outras, como do bissexto Pedro Nava, ou de Francisco Alvim, com
seu peculiar estilo narrativo.
Na seção 8, o carpe diem dos versos de Junqueira Freire – ‘ao gozo, ao gozo,
amiga, o chão que pisas a cada instante te oferece a cova’ – ressoa em composições
como as de Maria Ângela Alvim, Paulo Leminski, Vinicius de Moraes.
Culmina a seção 9 com a noção de integração no infinito, de que é prenúncio o
conhecido verso de Cecília Meireles ‘não te aflijas com a pétala que voa’, que encontra
ressonâncias em composições de Mario Quintana, Jorge de Lima, Murilo Mendes,
Gonçalves Dias, Machado de Assis.
O leitor verá que são muito variadas e distintas as figurações poéticas do amor e
da morte. Há o amor que idealiza seu objeto a ponto de sacralizá-lo e prestar-lhe culto.
Mas existe outro que percebe seu caráter de efemeridade e contingência. Há poetas que
celebram o encontro; outros, a busca, do modo como propõe Rainer Maria Rilke, em
Primeira elegia de Duíno, ao indagar se não seria tempo de quem ama libertar-se do
amado, como a flecha que supera o arco para ser, no vôo, mais do que apenas flecha.
Há amor como falta e amor como complementação. Amor compungido e amor
burlesco. Festa, falha, farsa. Multiforme é o sentimento, e diferentes as vozes que dele
falam. Por isso, vale o lugar à parte para a concepção feminina do amor, que abriga ela
própria muita diversidade.
9
A simbolização da transitoriedade mostra, do mesmo modo, faces variadas. A
morte, como forma de completude possível, superação e emancipação do homem, está
presente em muitos poemas. Mas, em outros, o enquadramento é trágico. Seguem a
vertente de Sófocles, ao conceber a finitude humana como punição divina, contingência
sem a aura heróica que lhe conferiu Homero.
Na obra de muitos poetas contemporâneos, a morte surge sem qualquer sentido
particular que não seja o de limite humano. É destituída de transcendência. Parecem
seguir Heráclito na recomendação de que não se deve conjecturar à toa sobre as coisas
supremas. Em outras composições, porém, o tema faz-se inseparável da reflexão sobre
a temporalidade, de que é exemplar o singularíssimo poema longo de Joaquim Cardozo,
que ecoa em composição de Ana Cristina César. Versos conversam, o leitor irá
perceber.
Mas àqueles a quem a poesia encanta de modo a não requerer formalidade nem
sistematização, para quem um poema é só um poema, aqui e agora, a liberdade da
leitura prevalecerá sempre. A montagem por seções é algo que acompanhará, se quiser.
Poderá, porém, desconsiderá-la e selecionar livremente os poemas que lhe interessam -
ou que o acaso trouxer - e deflagrar, assim, o diálogo que realmente importa: o do leitor
com o poema ou, em clave mais livre, com o verso. Pois não é de todo impossível que
alguns versos possam abrir caminho a uma constelação de signos, e fazer com que o
leitor sinta, como disse Manoel de Barros, quebrar-se dentro de si “um engradado de
estrelas”.
Poemas e poetas não foram selecionados por representarem o melhor da poesia
brasileira. A palavra antologia, em sua origem grega, dá idéia de colheita de flores.
Coleta que – sabe-se – não exclui o fortuito, o aleatório, ao recolher o belo com sua
promessa de possível felicidade. E, se a delimitação dos temas excluiu da seleção vozes
reconhecidas, permitiu o reencontro com outras que têm estado injustamente
esquecidas.
Os organizadores sabem que, no momento mesmo em que veja o índice, o leitor
pensará em outros recortes, outros poetas, outros poemas. Fatalidade e função das
antologias é serem sempre incompletas e condicionadas por incontornável parcialidade.
Uma antologia, inevitavelmente, estimula a organização de outras. O que já é um bom
motivo para fazê-la.
Reunir poemas que falam de amor e morte não é, claro, prática inocente nem
despida de intenções. Maria Rita Kehl, em ensaio de Os sentidos da paixão (Companhia
10
das Letras, 1987), denunciava: “o mercado se apropria de eros propondo o narcisismo; o
amor de cada um por si mesmo. E se apropria de thánatos propondo aquilo que as
classes média e alta consideram suas conquistas maiores: o conforto e a segurança”. Os
poemas que seguem, exemplos da vitalidade de nossa produção poética, navegam
contra a corrente. Expõem-se aos riscos, nomeiam o que tende ao esquivo,
experimentam a transposição dos limites. São outros modos de ver e dizer o amor e a
morte, em páginas que estão aí para atestar a maturidade e a riqueza de expressão da
literatura brasileira.
*
Os organizadores
11
Amor
SEÇÕES
12
Eu tenho um coração maior que o mundo
13
SONETO DE FIDELIDADE
14
CÂNTICO DOS CÂNTICOS PARA FLAUTA E VIOLÃO(fragmento)
oferta
canção e calendário
Sol de montanha
Sol esquivo de montanha
Felicidade
Teu nome é
Maria Antonieta d’Alkmin
No fundo do poço
No cimo do monte
No poço sem fundo
Na ponte quebrada
No rego da fonte
Na ponta da lança
No monte profundo
Nevada
Entre os crimes contra mim
Maria Antonieta d’Alkmin
15
Sol de montanha
Maria Antonieta d’Alkmin
E se ele vier
Defenderei
E se ela vier
Defenderei
E se eles vierem
Defenderei
16
E se elas vierem todas
Numa guirlanda de flechas
Defenderei
Defenderei
Defenderei
Bonançosa bonança
Cântico dos cânticos para flauta e violão. Obras completas. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1972, vol. 3.
17
SONETO
O homem e sua hora e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
18
MADRIGAIS
I
Navegação amorosa
II
Pesca amorosa
19
III
Naufrágio amoroso
20
CHANSON D’AMOUR
E feliz
enuncio
que és azul
e serás azul
para todo o sempre.
Um azul
que nem conheces.
21
NUPCIAL
22
dormirão como as algas malferidas
de tanto aroma e claridade.
23
POEMA INSPIRADO POR MARTA
24
SONETO DO AMOR TOTAL
25
O SOL DA MEIA NOITE
26
MALÍCIA
27
ÓLEO SOBRE TELA
Quando olhei,
teu cabelo escorregava
sobre a testa,
uma ruga
atravessava
redenção e juras.
Vi teu cabelo a resvalar
sobre uma fenda do tempo,
imagens costuradas,
citações.
Ao te olhar,
Me vi.
28
CHUVA DE GRANIZO
para Maira Weber • 1995
chuva de granizo:
o viso de tudo
através do vidro
(chove cacos de vidro)
nada ninguém
atravessa ouvido
(janela: lágrima
espessa)
tua imagem
não se inverte
na minha retina
(chuva fina)
29
O GONDOLEIRO DO AMOR
Barcarola
DAMA NEGRA
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Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.
31
ESFINGE
32
Há uma alma que suspira
Em cada ponto do espaço
Quando caminhas: teu passo
Murmura como uma lira.
No movimento discreto
Revelas, por entre gazes,
Todo um poema correto
Escrito em versos sem frases.
33
ENCONTREI-TE. ERA O MÊS... QUE IMPORTA O MÊS? AGOSTO,
34
EU TE TRAGO, AINDA FRESCAS E ORVALHADAS...
Je t’apporte l’enfant d’une nuit d’Idumée.
Stéphane Mallarmé
35
NÃO. NADA AQUI
Não.
Nada aqui
e submerge
pois a natureza
abdica de todo espelho
e cai em si
das nuvens
sozinha, ao sol
sem saber, sem quebrar
o silêncio de suas sombras
mesmo quando transborda
e o luar cria um lago
ou algo parecido: um olhar
que alaga este lugar.
36
DECLARAÇÃO DE LERENO
Eu sou Lereno,
De baixo estado,
Choça nem gado
Dar poderei.
Mas se tu queres
Melhor morada,
Vem, minha amada,
Que eu ta darei.
37
OS SEIOS
Quando o descobres, no ar
Morno calor se dissolve
Do aroma em que ele se envolve,
Como em neblina o luar.
38
Minh’alma semelha um lenço
De viva essência molhado.
Poesias escolhidas. Antonio Candido, org. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura,
1960.
39
VAGABUNDO
Eat, drink, and love; what can the rest avail us?
Byron, Don Juan
40
Tenho por meu palácio as longas ruas,
Passeio a gosto e durmo sem temores…
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.
Lira dos vinte anos. Edição preparada por Maria Lúcia dal Farra. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. (Poetas do Brasil)
41
MARÍLIA, TEUS OLHOS...
A vista furtiva,
O riso imperfeito
Fizeram a chaga,
Que abriste no peito,
Mais funda e maior.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Dispus-me a servir-te;
42
Levava o teu gado
À fonte mais clara,
À vargem e prado
De relva melhor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Se vinha da herdade,
Trazia dos ninhos
As aves nascidas,
Abrindo os biquinhos
De fome ou temor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Se alguém te louvava,
De gosto me enchia;
Mas sempre o ciúme
No rosto acendia
Um vivo calor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Se estavas alegre,
Dirceu se alegrava;
Se estavas sentida,
Dirceu suspirava
À força da dor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
43
E eu conhecia
O erro de amor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Movida, Marília,
De tanta ternura,
Nos braços me deste
Da tua fé pura
Um doce penhor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Tu mesma disseste
Que tudo podia
Mudar de figura;
Mas nunca seria
Teu peito traidor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Tu já te mudaste;
E a olaia frondosa,
Aonde escreveste
A jura horrorosa,
Tem todo o vigor.
Marília, escuta
Um triste pastor.
Mas eu te desculpo,
Que o fado tirano
Te obriga a deixar-me,
Pois busca o meu dano
Da sorte que for.
44
Marília, escuta
Um triste pastor.
Poesias e Cartas chilenas. Ed. Rodrigues Lapa. Rio de Janeiro: INL, 1952.
45
NOVA PASSANTE
1. sobre
esta pele branca
um calígrafo oriental
teria gravado sua escrita
luminosa
— sem esquecer entanto
a boca: um
ícone em rubro
tornando mais fogo
suor e susto
tornando mais ácida e
insana a sede
(sede de dilúvio)
2. talvez
um poeta afogado num
danúbio imaginário dissesse
que seus olhos são duas
machadinhas de jade escavando o
constelário noturno:
a partir do que comporia
duzentas odes cromáticas
— mas eu que venero (mais que o ouro verde
raríssimo) o marfim em
alta-alvura de teu andar em
desmesura sobre uma passarela de
relâmpagos súbitos, sei que
tua pele pálida de papel
46
pede palavras
de luz
3. algum
mozárabe ou andaluz
decerto
te dedicaria
um concerto
para guitarras mouriscas
e cimitarras suicidas
(mas eu te dedico quando passas
no istmo de mim a isto
este tiroteio de silêncios
esta salva de arrepios)
47
RETRATA O POETA AS PERFEIÇÕES DESTA DAMA COM GALHARDO
ASSEIO
48
A boca para cravo é pequenina,
Pequenina sim é; será rubi
Rubi não tem a cor tão peregrina,
Tão peregrina cor,eu a não vi:
Vi a boca, julguei-a por divina,
Divina não será, eu não o cri:
Mas creio, que não quer a vossa boca
Por rubi, nem por cravo fazer troca.
49
Tendo de vivo fogo por sinal
Duas vivas empolas de cristal.
50
ESPREMA A VIL CALÚNIA MUITO EMBORA,
51
Verás então que os sábios,
Bem como vivem, morrem.
Poesias e Cartas chilenas. Ed. Rodrigues Lapa. Rio de Janeiro: INL, 1952
52
QUARTO POEMA
53
QUE AMOR É ESSE QUE, DESPERTO, DORME
54
DEFINIÇÃO DO AMOR
ROMANCE
55
um Rei, o mundo sopeia,
sem mais tesouro, que um arco,
sem mais arma, que uma seta.
O arco talvez de pipa,
a seta talvez de esteira,
despido como um maroto,
cego como uma Topeira.
Um maltrapilho, um ninguém,
que anda hoje nestas eras
com o cu à mostra, jogando
com todos a cabra-cega.
Tapando os olhos da cara,
por deixar o outro alerta
por detrás à italiana,
por diante à portuguesa.
Diz, que é cego, porque canta,
ou porque vende gazetas
das vitórias, que alcançou
na conquista das finezas.
Que vende também folhinhas
cremos por cousa mui certa,
pois nos dá os dias santos,
sem dar ao cuidado tréguas;
E porque despido o pintam,
é tudo mentira certa,
mas eu tomara ter junto
o que Amor a mim me leva.
Que tem asas com que voa
e num pensamento chega
assistir hoje em Cascais
logo em Coina, e Salvaterra.
Isto faz um arrieiro
com duas porradas tesas:
e é bem, que no Amor se gabe,
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o que o vinho só fizera!
E isto é Amor? é um corno.
Isto é Cupido? má peça.
Aconselho, que o não comprem
ainda que lhe achem venda.
Isto, que o Amor se chama,
este, que vidas enterra,
este, que alvedrios prostra,
este, que em palácios entra:
Este, que o juízo tira,
Este, que roubou a Helena,
este, que queimou a Tróia,
e a Grã-Bretanha perdera:
Este, que a Sansão fez fraco,
este, que o ouro despreza,
faz liberal o avarento
é assunto dos Poetas:
Faz o sisudo andar louco,
faz pazes, ateia a guerra,
o Frade andar desterrado,
endoudece a triste Freira.
Largar a almofada a Moça,
ir mil vezes à janela,
abrir portas de cem chaves,
e mais que gata janeira.
Subir muros, e telhados,
trepar cheminés, e gretas,
chorar lágrimas de punhos
gastar em escritos resmas.
Gastar cordas em descantes
perder a vida em pendências,
este, que não faz parar
oficial algum na tenda.
O Moço com sua Moça,
57
o Negro com sua Negra,
este, de quem finalmente
dizem, que é glória, e que é pena.
É glória, que martiriza,
uma pena, que receia,
é um fel com mil doçuras,
favo com mil asperezas.
Um antídoto, que mata,
doce veneno, que enleia,
uma discrição sem siso,
uma loucura discreta.
Uma prisão toda livre,
uma liberdade presa,
desvelo com mil descansos,
descanso com mil desvelos.
Uma esperança, sem posse,
uma posse, que não chega,
desejo, que não se acaba,
ânsia, que sempre começa.
Uma hidropisia d’alma,
da razão uma cegueira,
uma febre da vontade
uma gostosa doença.
Uma ferida sem cura,
uma chaga, que deleita,
um frenesi dos sentidos,
desacordo das potências.
Um fogo incendido em mina,
faísca emboscada em pedra,
um mal, que não tem remédio,
um bem, que se não enxerga.
Um gosto, que se não conta,
um perigo, que não deixa,
um estrago, que se busca,
58
ruína, que lisonjeia.
Uma dor, que se não cala,
pena, que sempre atormenta,
manjar, que não enfastia,
um brinco, que sempre enleva.
Um arrojo, que enfeitiça,
um engano, que contenta,
um raio, que rompe a nuvem,
que reconcentra a esfera.
Víbora, que a vida tira
àquelas entranhas mesmas,
que segurou o veneno,
e que o mesmo ser lhe dera.
Um áspide entre boninas,
entre bosques uma fera,
entre chamas Salamandra,
pois das chamas se alimenta.
Um basalisco, que mata,
lince, que tudo penetra,
feiticeiro, que adivinha,
marau, que tudo suspeita
Enfim o Amor é um momo,
uma invenção, uma teima,
um melindre, uma carranca,
uma raiva, uma fineza.
Uma meiguice, um afago
um arrufo, e uma guerra,
hoje volta, amanhã torna,
hoje solda, amanhã quebra.
Uma vara de esquivanças,
de ciúmes vara e meia,
um sim, que quer dizer não,
não, que por sim se interpreta.
Um queixar de mentirinha,
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um folgar muito deveras,
um embasbacar na vista,
um ai, quando a mão se aperta.
Um falar por entre dentes,
dormir a olhos alerta,
que estes dizem mais dormindo,
do que a língua diz discreta.
Uns temores de mal pago,
uns receios de uma ofensa
um dizer choro contigo,
choromigar nas ausências.
Mandar brinco de sangrias,
passar cabelos por prenda,
dar palmitos pelos Ramos,
e dar colar pela festa.
Anel pelo São João,
alcachofras na fogueira,
ele pedir-lhe ciúmes,
ela sapatos, e meias.
Leques, fitas, e manguitos,
rendas da moda francesa,
sapatos de marroquim,
guarda-pé de primavera.
Livre Deus, a quem encontra,
ou lhe suceder ter Freira;
pede-vos por um recado
sermão, cera, e caramelas.
Arre lá com tal amor!
isto é amor? é quimera,
que faz de um homem prudente
converter-se logo em besta.
Uma bofia, uma mentira
chamar-lhe-ei mais depressa,
fogo salvaje nas bolsas,
60
e uma sarna das moedas.
Uma traça do descanso,
do coração bertoeja,
sarampo da liberdade,
carruncho, rabuge, e lepra.
É este, o que chupa, e tira
vida, saúde, e fazenda,
e se hemos falar verdade
é hoje o Amor desta era.
Tudo uma bebedice,
ou tudo uma borracheira,
que se acaba co dormir,
e co dormir se começa.
O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve temor de artérias.
Uma confusão de bocas
uma batalha de veias,
um rebuliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.
61
Ele me guia a mim, não eu a ele
Alexandre de Gusmão
62
OTELO
Poesia. Cassiano Ricardo, org. Rio de Janeiro: Agir, 1959 (Nossos clássicos).
63
NÃO TE CASES COM GIL, BELA SERRANA
64
A UMA PASTORA TÃO FORMOSA COMO INGRATA
65
Que iam comigo ao monte após o gado,
Que não me conheceram de mudado.
Que tal me têm parado os teus rigores!
66
Então não conhecia o que amor era;
Também me ria do tormento alheio;
Oh quão cedo (inda mal) o tempo veio
Que o conheço já mais do que quisera.
Vários escritos inéditos políticos e literários. São Paulo: Edições Cultura, 1943.
67
SOFRER POR GOSTO
68
CONTRA NATURAM
2. rosnar, antes:
mandíbulas à mostra
por todo o corpo
3. (tatear num
corpo que se
despe
a nudez que se
crispa)
69
5. e sua mestria:
com pontas de fogo
tatuar águas-vivas
70
MINERAÇÃO DO OUTRO
71
Amor é compromisso
com algo mais terrível do que amor?
— pergunta o amante curvo à noite cega,
e nada lhe responde, ante a magia:
arder a salamandra em chama fria.
72
O MUNDO QUE VENCI DEU-ME UM AMOR,
O homem e sua hora e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
73
LOGRADOR
74
ESTIVE SEMPRE DE PÉ NO ÔNIBUS, ESPREMIDO ENTRE O FERRO
Descobre-se um amor
na iminência de perdê-lo.
CARPINEJAR [2001]
75
MULHERES
76
O AMOR, ESSE SUFOCO
AMOR, ENTÃO,
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
77
AS COISAS DA CASA
Crestou tudo!
78
FAZ A IMAGINAÇÃO DE UM BEM AMADO
79
RECORDAÇÃO
80
De martírios calar sinto em meu peito
Tão grande plenitude, que a minha alma
Sente amargo prazer de quanto sofre.
Cantos. Edição preparada por Cilaine Alves da Cunha. São Paulo: Martins Fontes,
2001. (Poetas do Brasil)
81
NEL MEZZO DEL CAMIN…
Poesias. Edição preparada por Ivan Teixeira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Poetas
do Brasil)
82
DUAS ALMAS
83
SOB OS RAMOS
In: CAMPOS, Augusto de. ReVisão de Kilkerry. São Paulo: Fundação Estadual de
Cultura, 1970.
84
O "ADEUS" DE TERESA
85
Entrei!… Ela me olhou branca… surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!…
Espumas flutuantes & Os escravos. Edição preparada por Luiz Dantas e Pablo Simpson.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Poetas do Brasil)
86
TERESA
87
A D. BÁRBARA HELIODORA
Bárbara bela,
Do Norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente
Triste somente
As horas passo
A suspirar.
Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa,
Desta fortuna
Me quer privar.
88
Podes gozar;
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dous modos
De me matar!
Poesias. In: LAPA, M. Rodrigues. Vida e obra de Alvarenga Peixoto. Rio de Janeiro:
INL, 1960.
89
ME CHUPE COM MUITA PENA
90
MAPA
A estrela
vôo e luz somente
sempre nasce agora:
desconhece as irmãs
e é sem espelho.
91
NÃO PROMETO QUE AS LARANJAS AMADUREÇAM
CARPINEJAR [2001]
92
AMOR E MEDO
I.
93
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia,
Diz: — que seria da plantinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?
II.
Ai! se eu te visse no calor da sesta.
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas!…
94
As pobres flores da grinalda virgem!
Outubro, 1858.
As primaveras. Edição preparada por Wagner Camilo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
(Poetas do Brasil)
95
VENDO A ANARDA DEPÕE O SENTIMENTO
96
GRAÇA
97
HELENA
98
E ele e os outros me vêem
99
ACEITAÇÃO
100
ROMANCE DAS TRÊS IRMÃS OU MIRAMAR
101
Num castelo ao pé do mar!
Cavaleiros que passavam,
No seu lindo galopar,
Cavaleiros que passavam,
Marfida que ia a espiar.
Tanto espiou, que algum dia
Um deles que ia a apear.
Tão bem que a mão lha pedia,
Que ela a não soube negar.
Montou logo na garupa,
Puseram-se a galopar.
Passava mais de ano e dia
Que tinham ido a casar,
Em derredor do castelo
Se escuta um belo cantar.
O trovador que trovava,
Guiomar que ia a escutar.
A voz que entrava no ouvido,
A saia de lhe apertar!
Chamam dois xastres, a saia
Não na podem consertar.
Só um frade é que o podia,
Que o remédio era casar.
Tão cheinha que ela estava
Das trovas de aquel trovar!
Chamam um frade, ali mesmo
Muito bem que os vai juntar.
Miramar, a malfadada,
Estava mirando o mar.
Passam dias, passam noites,
Passam anos de contar,
Miramar, a malfadada,
Estava mirando o mar.
Arde o castelo com o fogo
102
Que o demo foi atear.
Miramar, a malfadada,
Estava mirando o mar!
Espelho d’água & Jogos da noite. Rio de Janeiro: Terra do Sol, 1931.
103
A NOIVA
Ela passa
(no mínimo)
por dez camadas de felicidade indivisível,
situadas entre a nudez
e o esplendor das vestes coloridas _
e isso porque o quadro é inacabado:
e assim é
certamente pela convicção de que a alegria
não se conta, o gozo
não se enumera.
104
VOA, SUSPIRO MEU, VAI DILIGENTE
105
A MULHER QUE DIZ QUE AMA
Glosa
106
LAMENTO DE PENÉLOPE
de rima em rima
vou removendo a resina
de poeta sem verso e sem poema
de mulher sem nome e sem semema
de anjo sem sêmen e só dilema
de rio em rio
vou cavando o fundo atrás de sono
vou fazendo do leito o escorredouro
de minha mágoa tristeza e abandono
107
AO AMOR BÚFALO
108
EXERCÍCIO
109
AUSÊNCIA
o que as palavras
escondiam
de delicadeza
no meio da violência
o amor
e a fotografia
sobre a mesa
nunca enviada
…
são as palavras
que sofrem
aqui, onde tudo
termina.
110
MINHA ALMA FRIA, E JÁ DESENGANADA
111
TE PROCURO
te procuro
nas coisas boas
em nenhuma
encontro inteiro
em cada uma
te inauguro
MINHA VOZ
minha voz
não chega aos teus
ouvidos
meu silêncio
não toca teus sentidos
sinto muito
mas isso é tudo que sinto
112
PORCO-POETA QUE ME SEI, NA CEGUEIRA, NO CHARCO
É verbo?
Ou sobrenome de um deus prenhe de humor
Na péripla aventura da conquista?
113
PENÉLOPE
114
ULYSSES
toca um tango
uma formiga na pele
da barriga,
rápida e ruiva,
115
QUE ESTE AMOR NÃO ME CEGUE NEM ME SIGA
116
NADA DISFARÇA O APURO DO AMOR
Inéditos e dispersos. Armando Freitas Filho, org. São Paulo: Ática, 1985.
117
POR QUE SOU FORTE
(Resende, 7.9.1886)
118
MUDANÇA
A Walmir Ayala
Viver de vez ,
que amor consuma tudo
corroa em cal toda recusa
toda sombra
que me case
à sua alvura
que o amado
faça em mim a sua casa.
Ah bem-querer-vos
amor meu de domingo e retas claras
e de abraços em cúpulas sonhadas
abertas para o mar do céu aberto
como a flor sobe no ar, não destinada
a nada que não sejam suas pétalas
seu caule vertical na luz do dia
no gratuito arroubo de ser flor.
Assim, donatário, te amaria
floriria para ti a rosa nossa
119
em mim – me habitarias!
(Mas digo não
ao trauma vigilante da paixão,
sua garra, sua devoração.)
Mudança, mudança,
sem tardança, há que prover
dona da casa, um fluido, um fluido cúmplice,
um bem chegar
que imante portas a colheres, luz à letra,
janelas aos vestidos, silêncio à campainha
a cama aos armários da cozinha, o amor ao sono,
há que vibrar o que está solto
numa casa
prover princípios às coisas
perdidas
reperplexas.
120
sobre a cabeça implume a pele doce.
Que importam portas
como fazer
colheres colham,água ágüe
livros livrem, a luz luza
o armário armárie, o corpo corpe
a alma se anime
como que tudo colha, livre, luza, anime, seja?
121
não.
Enquanto, singro minha mudança
danço minha mudança
minha ininterrupta balança
- onde meu número, minha rua, minha cidade –
danço minha dança
de amor, para o que for
o mundo
me desmonta o coração com sua seta
ouço vozes lá fora, são chamados
presenças, familiares vozes
feitas para a mágoa e para o afeto.
Abro devagar as mãos fechadas.
122
E a paixão será arquivada.
Mário de Andrade
123
MODA DO CORAJOSO
124
O meu corpo encasquetou
De não gostar senão de uma...
Pois, pra não fazer feiura,
Meu espírito sublima
O fogo devorador.
Faz da paixão uma prima,
Faz do desejo um bordão,
E encabulado ponteia
A malvadeza do amor.
125
HISTÓRIA NATURAL
O amor de passagem,
o amor acidental,
se dá entre dois corpos
no plano do animal,
O encontro realizado,
juntados em casal,
eis que vão assumindo
o cerimonial
126
No fim, já não se sabe
se ainda é vegetal
ou se a planta se fez
formação mineral
à força de querer
permanecer tal qual,
na permanência aguda
que é própria do cristal,
Vem o desintegrar-se
dessa pedra ou metal
em que antes se soldara
o duplo vegetal.
127
que enquanto embaraçada
lembrava um cipoal
(no de parecer uma
sendo mesmo plural).
Vem o desabraçar-se
sem querer, gradual,
de plantas que não querem
subir ao animal
128
ANTONICO E CORÁ
HISTÓRIA BRASILEIRA
129
Mas as ditas deste mundo
Têm um termo.
130
De três ou de quatro meses
Procurou quem lhe fizesse
Dela as vezes.
131
Jura, jura, como jura
Bom marido e bom cristão,
Sanar de antigos direitos
A lesão.
132
No dia seguinte, humilde,
Nos largos peitos batendo,
Voltou à casa do gordo
Reverendo.
133
Maldito!
134
Surge dentre as vastas ondas
De lençóis;
135
Esfrega as orelhas bentas,
Passa a língua pelos lábios,
Coça as ventas.
136
— A carne de tua carne,
Mais o osso de teu osso;
E assim se expressando, a porta
Mostra ao moço.
Cantos e fantasias e outros cantos. Edição preparada por Orna Messer Sevin. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. (Poetas do Brasil)
137
O AMOR QUE É CÁ DO REINO
Gentes etc.
Gentes etc.
Gentes etc.
Um ir ver-me da janela
Com um modo curioso
E então assoar-se a tempo
É bem bom, é bem gostoso.
Gentes etc.
138
Um temer um ladrãozinho
Que me assaltasse aleivoso
Bater-lhe por isso o peito,
É bem bom, é bem gostoso.
Gentes etc.
Gentes etc.
Gentes etc.
Gentes etc.
139
DOIS SONETOS DE AMOR AO PÉ
28 PSICANALÍTICO
140
46 HINDU
141
PRETENDE O POETA INTRODUZIR-SE, COM A PRIMEIRA, OU SEGUNDA
142
que ambas são moças de porte,
e se não mo estorva a morte,
ambas me hão de vir à mão,
Inácia por eleição,
e Apolônia pela sorte.
Obra poética. Ed. James Amado. 4ª. Edição. Rio de Janeiro: Record, 1999, vol. 2.
143
NECROLÓGIO DOS DESILUDIDOS DO AMOR
Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
144
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
145
NAMORO A CAVALO
146
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada…
Lira dos vinte anos. Edição preparada por Maria Lúcia dal Farra. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. (Poetas do Brasil)
147
TRÊS SONETOS DRAMÁTICOS
ARRUFOS
148
O INCESTO
149
IMPRESSÕES DE TEATRO
A Guimarães Passos
150
SEPARAÇÃO
Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos
das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.
151
numa colagem de afetos natimortos.
152
ARS AMANDI
amar
amar
amar
qual ama
o nascituro a mama
o incendiário a chama
o opilado a lama
153
Morte
SEÇÕES
154
Tudo que pensa passa. Permanece
a alvenaria do mundo, o que pesa.
155
AS COISAS QUE TE CERCAM, ATÉ ONDE
156
com a mais absoluta indiferença,
quando chegar a hora, a tua morte.
(Não que isso tenha a mínima importância.)
157
ANSIOSAMENTE, A ÁSPERA LADEIRA
158
ANIMAL BARBADO
159
QUANDO SE MORRE
Quando se morre
o estômago
é a primeira parte
que se dissolve
mas e os olhos?
sei que se fecham
e sob as pálpebras
(relaxadas)
se dilatam
mas as imagens
de que são feitas
as palavras
também não voltam
ao lugar
de onde vieram
somente os ossos
respondem
ao encanto
como um poema
em branco.
160
FOGO DOS RIOS
(Três fragmentos)
27
Vigia-se a morte
com o farol dos dias.
Mas ela vem chegando
viagem noite adentro
com a boca da luz
aberta no peito.
84-a
161
96
162
AS PERAS
As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede
a sua morte?
Paremos a pêndula. De-
teríamos, assim, a
morte das frutas?
Oh as peras cansaram-se
de suas formas e de
sua doçura! As peras,
concluídas, gastam-se no
fulgor de estarem prontas
para nada.
O relógio
não mede. Trabalha
no vazio: sua voz desliza
fora dos corpos.
Tudo é o cansaço
de si. As peras se consomem
no seu doirado
sossego. As flores, no canteiro
diário, ardem,
ardem, em vermelhos e azuis. Tudo
desliza e está só.
O dia
comum, dia de todos, é a
distância entre as cousas.
163
Mas o dia do gato, o felino
e sem palavras
dia do gato que passa entre os móveis
é passar. Não entre os móveis. Pas-
sar como eu
passo: entre nada.
É tranqüilo o dia
das peras? Elas
não gritam, como
o galo.
Gritar
para quê? se o canto
é apenas um arco
efêmero fora do
coração?
164
MORTO
A J. P. Sartre
morto
sem filho nem
árvore
livros só
enfim
a existência
feita essência:
pó
Melhores poemas. Seleção de Davi Arriguci Jr. São Paulo: Global, 2000.
165
MEIOS DE TRANSPORTE
1
O câncer é aquele ônibus
que ninguém quer mas com que conta;
não se corre atrás dele,
mas quando ele passa se toma;
2
Sem pontos de parada,
solto nas ruas como um táxi,
sem o esperar, querer,
sem ter por que, se toma o enfarte:
166
A FLOR E A FONTE
167
"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!..."
As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...
168
O TEMPO
Espantados olhos
vasculhando a treva
(A ignorância nossa
do mistério é ceva.)
desmantele o escudo e
mostre as faces do
tempo simultâneas?
169
CONSTAT
Me dou conta
neste exato momento
de que sou o homem
que vem pensando
desde o início do Tempo
desde sempre
o mesmo homem
vindo sempre
vindo até este ponto
e este ponto
neste exato momento
se desconcentra.
170
VISÃO DO ÚLTIMO TREM SUBINDO AO CÉU (fragmento)
IX
Fuscos ü
ý reflexos sônicos de cordas infirmes
Fantásticos þ
171
O trem penetra num espaço de curvatura nula,
Interminavelmente nula.
Espaço fibrado sobre uma variedade curvi-pluri-universal.
— Região dos Mortos —
172
O gosto da cicuta —
— E ouviram o que era possível de rezar
(dentro da nuvem escura)
A voz de Maria Caetana,
A que foi professora em Bolonha;
A que descobriu a Cúbica de Agnesi;
E professou depois no convento das Celestes.
A voz de Maria Caetana! Rezando?
173
Todo o conhecer do sentir de ouvir.
(sinal de surpresa)
Por fim!…
— Ninguém — Ninguém! — ouço falar, de súbito,
Uma voz irônica e profunda.
Teria sido a de um Rei, de um Imperador?
De um Presidente de República?
Ninguém!
O único meu conhecido no fim para-chegar
Do último trem.
174
X
Sonho
Sonho do sonho
Sonho do sonho do sonho.
…………………………… (Tudo é sonhado)
175
Pois nunca foi conhecida,
E dela nada se sabe entre as estrelas.
176
E diminui de tamanho, diminui, se condensa
Ao estado super-nuclear; diminui, minidui, nuidimi.
XI
177
Um Toro, um Anel, um Elo de corrente
Uma Aldrava, uma Argola, uma Algema
Rio, 1970
178
Ela veio chegando ao ritmo do pulso,
sem pressa nem vagar e sem perder o impulso
Ferreira Gullar
179
COMO VEM GUERREIRA!
180
a morte espantosa
como vem guerreira
e temerosa!
181
a alma e o corpo arrebata,
Co’o inferno se contrata
a morte espantosa:
como vem guerreira
e temerosa!
Lírica Portuguesa e Tupi. Tradução de Armando Cardoso. São Paulo: Loyola, 1984.
182
NOVA CONCEPÇÃO DA MORTE
183
cortando a luz do corpo — e a máquina pára.
Muito antes, porém, que ocorra esse colapso,
184
Mas, se vinda de dentro ou fora, não se altera
essencialmente o fato: a morte, por si, gera
185
COMO A MORTE SE INFILTRA
186
Outro dia já não distinguiu
noite e dia, tudo é vazio.
187
A MORTE
188
Não há nenhum espelho
que a mostre por inteiro.
esquiva às guloseimas
e a tudo o que não seja
teu híspido esqueleto
servido na bandeja.
189
MAIS FIEL QUE A SOMBRA É A MORTE
190
SE
se
nasce
morre nasce
morre nasce morre
renasce remorre renasce
remorre renasce
remorre
re re
desnasce
desmorre desnasce
desmorre desnasce desmorre
nascemorrenasce
morrenasce
morre
se
Poesia concreta. Iumna Simon & Vinicius Dantas, org. São Paulo: Abril Educação,
1982. (Literatura Comentada)
191
DECADÊNCIA
192
O corpo é que nem véu largado sobre um móvel
Mário de Andrade
193
O EPITÁFIO QUE NÃO FOI GRAVADO
194
A que tinha de morrer fechou os olhos para sempre
e os que a choravam
nunca souberam de alguém que foi de todos junto ao leito
à hora do exausto coração parar
o mais distante,
o mais imóvel,
o que não soluçou
o que não pôde erguer as pálpebras pesadas,
o que sentiu clamar no sangue o desespero de sobreviver,
o que estrangulou na garganta o grito dilacerado do solitário,
o que depôs, sobre a serenidade da morte purificadora,
a redenção do silêncio,
como uma pedra votiva de sepulcro.
Obra completa. Lígia Militz da Costa, Maria Berenice Moreira e Pedro Brum Santos,
org. Porto Alegre: IEL; Santa Maria: UFSM, 1990.
195
O MORTO
A chuva lavou
As pessoas do morto
E lavou o morto
Com a sua fisionomia
De torto
E com seus pés de morto
Que arrastava um rio seco
E suas mãos de morto
Onde se dependurou
Insistente, um gesto oco.
À noite enterrou-se
O homem
Na raiz de um muro
Com sua roupa de corpo.
E a chuva chegou no horto
Desse vitorioso
Homem morto
Enormes violetas
E uns caramujos férteis…
196
II
197
O MORTO
198
de assombrar-se ante si mesmo,
está proscrito. Que agora
irmanados inexistem.
199
VELÓRIO
Bichos empalhados
pequenos ventiladores incidindo
sobre o dossel cujo cortinado —
em tiras —
fora recortado à tesoura
Na cama a morta
À meia-noite apareceu a grande pintora
também passou por lá o grande poeta
acompanhado de seu protegido
(de que só me lembro o nome de guerra: Jungle)
Moço de classe média
entretenu
nunca fez nada
De uma beleza estonteante
que não suportou a perda da mocidade
e um dia se matou
200
UM MORTO, BARCO À DERIVA
201
Ele exige muito espaço
nesse desfluir redondo,
germinação do vazio,
fonte que não se rastreia,
sede que não se interroga
202
ÓRFICO SCIENCE
203
O DEFUNTO
204
Que a não esquecem os amigos
e ela lance nos seus espíritos
a incerteza, o pavor, o pasmo…
E a cada um leve bem nítida
a idéia da própria morte.
205
as partes excomungadas,
as sujas partes sem perdão.
E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
calça listrada, plastron…
E os mais altos colarinhos.
206
— Meus amigos! Lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
deste pobre terrível morto
que vai se deitar para sempre,
calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão
os penetras escorraçados,
as prostitutas recusadas,
os amantes despedidos,
como os que saem enxotados
e tornariam sem brio
a qualquer gesto de chamada.
Rio, 23-VII-38.
207
MOMENTO NUM CAFÉ
208
A UMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO HUMANO
(Traduzido de Byron)
209
Tanto mal, tanta dor aí repousa?
É bom fugindo à podridão do lodo
Servir na morte enfim p’ra alguma coisa!…”
Espumas flutuantes & Os escravos. Edição preparada por Luiz Dantas e Pablo Simpson.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Poetas do Brasil)
210
VIDA OBSCURA
211
IMPROVISO DO RAPAZ MORTO
Não parece que dorme, nem digo que sonhe feliz, está morto.
Num momento da vida o espírito se esqueceu e parou.
De repente ele assustou com a bulha do choro em redor,
Sentiu talvez um desaponto muito grande
De ter largado a vida sendo forte e sendo moço,
Teve despeito e não se moveu mais.
E agora ele não se moverá mais.
Vai-te embora! vai-te embora, rapaz morto!
Oh, vai-te embora que não te conheço mais!
Não volta de-noite circular no meu destino
A luz da tua presença e o teu desejo de pensar!
212
Não volta oferecer-me a tua esperança corajosa,
Nem me pedir para os teus sonhos a conformação da Terra!
(1925)
213
MORTE DA ÍNDIA
214
Respiro o ar da manhã com força e não choro
No entanto sei que vão levá-la da minha esperança,
Sei que me perderei morto também vivendo,
Mas só de contemplá-la neste momento, estou feliz.
Me vingo da sua maldade que era impetuosa e simples.
Lá embaixo está o mar, os rochedos e a espuma.
Lá embaixo está o mar, o mar de ondas enormes.
Quando fechou os olhos e ficou imóvel, sua alma
Desceu a montanha, entrou pelo mar adentro como um raio.
Um grande frio me acordou. A noite morria.
Já a vi morta. Sua mão está pendente da rede.
Foi uma flor misteriosa que se perdeu e nunca mais florirá.
Foi a última flor de uma espécie desaparecida. Lembro do seu perfume.
Está morta. O sol não virá hoje. Tudo está quieto.
Meu coração está parado. Meus olhos fixam seu corpo.
Os seios pequenos. As mãos em cruz. Os lábios. Tudo morto.
Menos os cabelos. Sua beleza está fria. Sinto-me inteiramente lúcido.
215
OS MORTOS
Na ambígua intimidade
que nos concedem
podemos andar nus
diante de seus retratos.
Não reprovam nem sorriem
como se neles a nudez fosse maior.
216
QUANDO EU MORRER
217
Do inverno pelas lúgubres noitadas…
No tombadilho indiferentes chocam-se
E nas trevas esbarram-se as ossadas…
Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas,
Sem ver o branco fumo de seus lares
Levantar-se por entre as avenidas!…
Espumas flutuantes & Os escravos. Edição preparada por Luiz Dantas e Pablo Simpson.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Poetas do Brasil)
218
OS NOMES
219
CONVÍVIO
Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.
Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nossos atuais habitantes
E nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais tênue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe.
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que disfarçados…
220
Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.
221
VOZES DA MORTE
Eu e outras poesias. Edição preparada por A. Arnoni Prado. São Paulo: Martins Fontes,
1994. (Poetas do Brasil)
222
Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova
Junqueira Freire
223
MARGEM
224
LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo
LÁPIDE 2
epitáfio para a alma
viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte
225
MOCIDADE E MORTE
226
Morrer… quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem…
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas…
227
Que o viandante a perpassar consome.
228
Adeus!… arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!…
Espumas flutuantes & Os escravos. Edição preparada por Luiz Dantas e Pablo Simpson.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Poetas do Brasil)
229
SEMPRE DISTANTE AMOR E PERTO ANSEIO
230
ACALANTO
231
MINHA BELA MARÍLIA, TUDO PASSA
232
Ornemos nossas testas com as flores,
e façamos de feno um brando leito;
prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos amores.
Sobre as nossas cabeças,
sem que o possam deter, o tempo corre;
e para nós o tempo, que se passa,
também, Marília, morre.
233
A CAROLINA
234
NÃO ME DEIXES!
235
A afundar-se dizia a pobrezinha:
— “Não me deixaste, não!”
236
LEMBRANÇA DE MORRER
237
De meu pai… de meus únicos amigos,
Pouco, bem poucos! e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.
238
Arvoredos do bosque, abri as ramas…
Deixai a lua pratear-me a lousa!
Lira dos vinte anos. Edição preparada por Maria Lúcia dal Farra. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. (Poetas do Brasil)
239
TEMOR
240
À MORTE
(Rondó)
O prazer, a singeleza,
A beleza, que em ti via,
Num só dia, (ingrata sorte!)
Tudo a morte me roubou.
Esculpido na memória
Amo, ó Glaura, o teu semblante;
Nele vejo a cada instante
Essa glória que passou.
O prazer, a singeleza,
A beleza, que em ti via,
Num só dia, (ingrata sorte!)
Tudo a morte me roubou.
241
Pelas Graças habitado,
Delas hoje desprezado,
Feio e triste se tornou.
O prazer, a singeleza,
A beleza, que em ti via,
Num só dia, (ingrata sorte!)
Tudo a morte me roubou.
O prazer, a singeleza,
A beleza, que em ti via,
Num só dia, (ingrata sorte!)
Tudo a morte me roubou.
242
O prazer, a singeleza,
A beleza, que em ti via,
Num só dia, (ingrata sorte!)
Tudo a morte me roubou.
Obras poéticas. Edição preparada por Fernando Morato. São Paulo: Martins Fontes,
2005. (Poetas do Brasil)
243
VOU MORRENDO DEVAGAR
CANTIGAS
O veneno do ciúme
Já principia a lavrar;
Entre pungentes suspeitas
244
Vou morrendo devagar:
Os Ciúmes, e as Saudades
Cruel morte me vêm dar;
Eu vou morrendo aos pedaços,
Vou morrendo devagar:
245
EPITALÂMIO
uva
pensa da
concha oclusa
entre coxas
abruptas
teu
vinho sabe
a tinta espessa
de polvos noturnos
(falo
da noite
primeva nas águas
do amor da morte)
Melhores poemas. Seleção Davi Arriguci Jr. São Paulo: Global, 2000.
246
COUP D’ÉTRIER
247
Onde o Gênio sucumbe na asfixia
Em meio à turba alvar e zombadora;
Onde Musset suicida-se na orgia,
E Chatterton na fome aterradora!
Onde, à luz de uma lâmpada sombria,
O Anjo-da-Guarda ajoelhado chora,
Enquanto a cortesã lhe apanha os prantos
P’ra realce dos lúbricos encantos!…
248
E as raízes se torcem quais serpentes…
E os monstros jazem no ervaçal dormentes.
Espumas flutuantes & Os escravos. Edição preparada por Luiz Dantas e Pablo Simpson.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Poetas do Brasil)
249
SONETO
amo r
amo r
amo r a
mo r te
r amo
e gamo.
250
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Cecília Meireles
251
ESTUDO N.º 4
Quando se acalmará
Esta doença fértil a que chamam Vida?
Não quero soletrar o horizonte
Nem seguir o desenho da onda na areia,
Nem quero conversar flores no campo idílico.
Quero antes correr a cortina sobre mim mesmo,
Transcender minha história
E esperar que Deus remova meu corpo.
Quero tudo, ou nada:
Todas as paixões, todos os crimes, delícias e propriedades.
Ou então mergulhar num saco de cinzas,
Montar num avião de fogo, e nunca mais descer.
252
ETERNIDADE
Ele reviu-se:
não era mais
nem corpo
nem sombra
nem escombros.
Ele sentiu-se:
recomeçava.
Vivera
morrendo
numa estrela.
Ele despiu-se
de quê?
De tudo
que amara.
253
Surdo-mudo
cegara.
Agora vê.
254
4.º MOTIVO DA ROSA
255
SONETO DO EMPINADOR DE PAPAGAIO
256
O ARRANCO DA MORTE
257
Ah! é chegada a minha hora extrema!
Vai meu corpo dissolver-se em cinza;
Já não podia sustentar mais tempo
O espírito tão puro.
258
VIVER
259
260
OS LADOS
Um animal em mim,
Na solidão, cão,
No circo, urso estúpido, leão,
261
Em casa, homem, cavalo…
262
RESTAURADORA
A morte é limpa.
Cruel mas limpa.
263
UMA CRIATURA
264
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte: eu direi que é a Vida.
265
DESEJO
(HORA DE DELÍRIO)
266
Eu — que tenho provado neste mundo
As sensações possíveis;
Que tenho ido da afecção mais terna
Às penas mais incríveis;
267
AGRADECIMENTOS
268