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EDITORIAL

ISSN eletrônico 2526-1487 Trabalho (En) Cena, 2017, 2(2) pp. 01-02
DOI: 10.20873/2526-1487V2N2P01

TRABALHO COMO ESTRUTURANTE PSÍQUICO E


SOCIOPOLÍTICO EM TEMPOS DE HIPERMODERNIDADE

Emílio Peres Facas 1


Liliam Deisy Ghizoni2
Editores Gerais da revista Trabalho (En)Cena

O atual contexto da sociedade Tais avanços tecnológico s


contemporânea notabiliza-se pelas acelerados a partir das últimas três décadas,
constantes mudanças econômicas, sociais e em especial os da informática e das
culturais. Segundo Lipovetsky (2004, comunicações, bem como as mudanças
2007), os “tempos hipermoder nos ” econômicas e culturais, transformaram de
caracterizam-se pela primazia do aqui - forma profunda o modo como o trabalho é
agora, a rápida expansão do consumo e da organizado e pensado. Reforça-se a
comunicação, enfraquecimento das normas mentalidade do curto prazo. A lógica
e, principalmente, pela individualização. exposta por Lipovetsky (2004) do “sempre
Nessa sociedade, tudo precisa evoluir, mais” e “mais rápido” é central nas novas
acelerar para não ficar para trás – formas de gestão do trabalho. Para girar a
privilegiando a cultura do “mais rápido” e grande roda do consumo e acelerar a
“sempre mais”. A obsolescência obsolescência, é preciso maximizar a
potencializa-se e, em todas as esferas da produção, minimizar os custos e ter sempre
vida, o tempo torna-se objeto de obsessão. clareza de quais são os desejos e anseios de
Priorizam-se os resultados em curto prazo, quem vai alimentar essa lógica, isto é, o
o fazer mais em menos tempo, o urgente e a consumidor.
ação imediata. A popularização da Internet Frente a isso, espera-se dos
trouxe a facilidade de acesso às informa ções trabalhadores características que poderiam
em tempo real, reforçando a lógica da muito bem descrever uma espécie de
rapidez e aceleração por meio da sensação superprofissional. Muitas vezes de forma
sempre presente de imediatismo e vaga e contraditória, exige-se agilidade,
simultaneidade. abertura a mudanças em curto prazo,
capacidade de assumir riscos

1 Professor Adjunto da Universidade de Brasília. Colaborador dos Programas de Pós -Graduação em Psicologia
Social, do Trabalho e das Organizações (UnB) e em Psicologia da Faculdade de Educação (UFG). Psicólogo,
Doutor em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília com período
sanduíche na Université Catholique de Louvain. Coordenador do Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do
Trabalho - LPCT/UnB.
2 Professora Adjunta da Universidade Federal do Tocantins, atua na Graduação em Administração e no Programa

de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade. Psicóloga, Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das


Organizações pela Universidade de Brasília com período sanduíche na Université Catholique de Louvain La
Neuve. Líder do Grupo Trabalho e Emancipação: Coletivo de pesquisa e extensão (CNPQ/UFT).
2

continuamente, menor dependência de algo instrumental, que dá status e se


procedimentos e leis formais, ser dinâmico, expressa pelo poder de consumo.
proativo, talentoso, flexível, estratégico, Deste modo, estudos sobre a
saber trabalhar em equipe, domínio da categoria “trabalho” guardam uma
língua portuguesa e de línguas estrangeiras, responsabilidade: romper com essa
dentre outras capacidades. O sujeito deve distorção do sentido do trabalho e entende-
assumir esse ideal de comprometimento e lo para além de uma mera ação de produção
competitividade, tomando para si o papel objetiva. Assumir esta responsabilidade
esperado e submetendo-se aos desejos das faz-se ação política e de resistência aos
organizações. modos perversos de estruturação das
Todo esse processo de organizações do trabalho. Tal
transformação e mudança impacta posicionamento, ao considerar as
diretamente a vida do trabalhador. Nesse dimensões psíquica e sociopolítica do
contexto, as incertezas e a falta de trabalho e entender o trabalho vivo dos
perspectivas estão presentes em todos os trabalhadores, permite que o
aspectos da vida. Para Sennett (1999), a pesquisador/estudioso desta categoria torne
flexibilidade causa ansiedade, pois não há vivo seu próprio trabalho e rompa com o
garantia de compensação para os riscos. O sentido instrumental do trabalho.
autor mostra que, apesar do discurso fazer Esse caráter transgressor das
referência a uma suposta liberdade para pesquisas sobre o trabalho é caro à Revista
moldar suas vidas, a flexibilidade impõe Trabalho (En)Cena, como bem pode ser
novos controles, muitas vezes difíceis de percebido nos artigos desta edição. Sob
serem compreendidos. Bauman (2001) diferentes perspectivas teóricas, críticas e
pontua que as incertezas que vieram com clínicas, os textos refletem sobre esse novo-
essas transformações têm como principa l velho mundo do trabalho, consideram suas
característica sua força individualizadora – metamorfoses e implicações, e possibilita m
a ansiedade e o medo são vivenciados em avanços na discussão do trabalhar enquanto
solidão uma vez que, com as constantes estruturante psíquico e sociopolítico. Que as
mudanças da situação dos trabalhadores leituras possibilitem novos encontros e
dentro da empresa, a ideia de “interesse ações de resistência.
comum” fica para trás.
Depara-se, então, com uma
constatação desanimadora: por um lado, Referências
reconhece-se a importância e a centralidade
do trabalho para o sujeito. Por outro, deve- Lipovetsky, G. (2004). Os Tempos
se admitir que o cenário do mundo do Hipermodernos. São Paulo:
trabalho é precário e desfavorável aos Barcarolla.
trabalhadores. As características
apresentadas da pós-modernidade e da Lipovetsky, G. (2007). A Felicidade
acumulação flexível do capital, bem como Paradoxal – Ensaio sobre a
suas consequências, trazem uma nova Sociedade de Hiperconsumo. São
leitura sobre qual o papel do trabalho na Paulo: Companhia das Letras.
sociedade. A lógica do capital vincula o
trabalho à inserção do sujeito na sociedade Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida.
de consumo – você trabalha, você ganha, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
você compra. Se o sujeito não ganha para
consumir, é excluído. Essa lógica perversa Sennet, R. (1999). Corrosão do caráter:
da acumulação exagerada, do produtivis mo, Consequências pessoais do trabalho
distorce o sentido do trabalho, tornando- o no novo capitalismo(a). Rio de
Janeiro: Record.

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