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Carlos Hasenbalg
Raich) G09
- onde ¢ preconceite Ena Or EE Alli
se distarga detras do ait) AER ee nec
LUGAR DE NEGRO |
Lugar de negro
Copyr'ght by Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg — Direitos ‘Editora Marco Zero Limitada
ndquiridos pela Editora Marco Zero Limitada, Travessa da Rio de Janeiro
Paz, 15 — 20250 — Rio Comprido — Telefone: 273-2357 1982
A — Rio de Janeiro —- Kj
Indice
Volume 3
Diretores:
-= Sobre os Autores
Movimento ou -:
Projeto Gratico: Experiéneias e tentativas .
Denise Pimentel A retomada politico-ideolégica
O Movimento Negro Unificado contra a
Discriminacao Racial
Raga, Classe e Mobilidade
CiP-Brasil. Catalogqacao-na-Tonte Carlos Alfredo Hasenbalg
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
O Estudo das relacdes raciais nos Estados
Gonzales, {Jrjdos
Lugar de negro / Léha Relagées entre negros e brancos no Brasil
Carlos Hasenbalg. — Rilo de Janeiro : Racismo e desigualdades taciais no Brasil
Marco Zero, 1982. Conclusdo
(Colegao 2 Pontos ; ¥.3)
1. Negros no Brasil 2. Negros no O Negro na Publicidade
— Segregacao 3. Problemas ra- Carlos Alfredo Hasenbalg
ciais -|l. Hasenhbalg, Cariog
Me
Tituio
"Tth Série
opp —~— 301 45196084
CDU — $23.118(8t =<96)
Sobre os Autores
1 dlia Gonzalez
O golpe de 64, o novo modelo
econémico e a populagao negra
Carios A. Hasenbalg
Fede Brasuctra
cledade acne apresentada
para o Progres & da
eressO 35.
x
Reunlio
Cs
Ciéncia, Anual
Salvador, da So-
juiho de 1981,
a
as Valiosas sugestdes de Lélia Gonzalez, Cesar
Guimaraes © Wanderley Guilherme dos Santos.
No registro que o Brasil tem de si mesmo o
negro tende a condicao- de invisibilidade. Alguns
exemplos servem para ilustrar as manifestagdes sin-
tomaticas desta tendéncia: o Jugar irrisério que a
historiografia destina 4 experiéncia e contribuicfo
do negro na formacéo desta sociedade; a queima
dos documentos relativos. ao tréfico de escravos ¢
ao regime escravista; a retirada do quesito sobre a
cor da populacéo nos censos demogréficos de 1900,
1920 e 1970, e a nmegacdo obstinada de discutir a
existéncia de qualquer problema de indole racial.
O_intento de fazer do negro um_ser invisiyel
deyeria chamar a atengao ¢ na cultura que,
_ proclamando-se racialmente democrdtica, est4 per-
meade pelo ideal obsessiyo do embranquecimento.
Basta lembrar os fatos pertinentes. Enquanto milha-
res de trabalhadores chineses chegavam a Cuba,
Peru costa ceste dos Estados Unidos, o Brasil
tra o tinico pais das Américas que, tendo passado
pela experi¢ncia do escravismo, nos anos posterio-
res a aboligao utilizou fartos. recursos ptblicos para
subsidiar. a imigracdo européia e assim evitar a
“mongrelizacao” do pais. Depois do episédio. da
imigracao japonesa, o decreto-lei n.° 7969 de 1945
destinava-se a garantir & “composicdo étnica da po-
pulagao as caracteristicas mais convenientes da sua.
ascendéncia européia”. Entretanto, o resultado de- definido por Lélia Gonzalez: “As imagens mais po-
moprafico do ideal de embranquecimento, através sitivas vistas das pessoas negras sio aquelas que
do “‘processo de foi a gradual representam os papétis sociais atribuidos pelo siste-
do segmento propriamente negro da populagao e o ma: cantor e/ou compositor popular, jogador de
reforcamento da propalada “‘meta-raga” mestiga. futebol e ‘mulata’. Em todas estas ‘imagens: ha um
Esta “tirada de cena” do negro pode ser vista como © elemento em comum: a pessoa negra é um objeto de
uma forma de resolver a tensao entre os sentimen-— divertimento’ >
tos de superioridade branca e a culpa de infringir
os ditames da mitologia racial vigente. A tipificacio cultural do negro nos polos de
trabalhador desqualificado e¢ “entertainer” remete,
Por sua vez, o escamoteamento do registro his-
térico e a invisibilidade do negro relacionam-se com
por sua vez, a outro elemento em comum, conden-
sado em atributos do co 9: vigor e resisténcia Lisl-
o processo de construgao de sua identidade. Apesat
dos intentos em sentido contrario, a identidade do =, vite e sexual ar 6. Ao negar outras catacter S-
elo branco. Neste ficas, a estereotpia nega oO negro que nao encalxa
negro esta
aT eae basicamente definiaa
nesses dois polos: o operario qualificado, o empre-
r duas identidades. A
pont mie
primeira, deBa
garéter ptblicoe oficial, deriva das gado de escritério, o bancério, ° universitario ete
concepcdes formuladas por Gilberto Freyre na deé-
cada de 1930. Neste caso a identidade do negro esta lo _branco_providencigm
balizada pelos paradmetros de uma democracia ra- s para analisar as
cial: o negro & um brasileiro como qualquer outro
e, como tal, nao estd sujeito_a preconceitos e discri- medida em que a publicidade opera segundo a linha
A segundatidentidads corresponde a0 pla- do mencr resisténcia e que sua fungio é vender
Tid) riva e incorpora duas dimensdes. Uma delas, produtos ao maior némero possivel de pessoas é nao
a nivel mais consciente e detiberado, traduz aquilo — mudar esteredtipos, a expectativa inicial é que ela
gue, A boca pequena e em conversa entre brancos, — tende a reproduzir as manifestagdes de racismo pre
constitui o repertério de ditados populates carrega- sentes ‘na cultura. Dentre as diferentes
dos de imagens negativas sobre o negro. A outra, ie publicidade, optou-se pela observagao daquela
em ‘plano mais inconsciente, corresponde a estereoti- veiculada pela televisiio e um conjunto de revistas.
pacio dos papéis e lugares do negro. Nesta dimensao A ‘observacdo resultou no registro de 117 antincios
o negro é representado ora como trabalhador bragal,
nio qualificado, ora como aquele que ascendet so- publicitérios transmitidos pelos tres canals comer.
da televisio do Rio de Janeiro e 87 andncios
cialmente pelos canais:de mobilidade considetados
publicados em sete revistas selecionadas.’
| legitimos para o negro. Este dltimo grupo € assim
A ptimeira constatacdo derivada desse conjunto negro, executando tarefas ho convés de proa de um
de antncios relaciona-se diretamente. a invisibilida- navio de guerra. A mensagem transmitida nesta ta-
de do negro e & auto-imagem embranquecida do refa de. equipe apela para a defesa da patria, tarefa
Brasil. Segundo a estimativa mais atualizada, pro- Je todo brasileiro, independentemente da cor. A se-
veniente da PNAD de. 1976, a- populacgo do pais sunda propaganda do governo consiste em uma
contava com 41% de pretos e pardos. No mundo © campanha de alistamento nas Forgas Armadas. Ela
da publicidade a realidade é outra. Em um total de mostra um fovem negro navegando em canoa um
203 antincios publicitérios de revistas e televisio o rio, dirigindo-se 4 cidade mais proxima para apre-
negro esta presente em apenas nove, sendo que em sentar-se no posto de alistamento. O antincio insi-
tres deles aparece em propagandas do governo, de nua.a presenca do negro que, no cumprimento ae
carater nao comercial, ‘Desta acentuada despropor- um dever civico, transita confiante e de maneira
¢ao pode-se derivar a conclusao de que no raciocinio desimpedida pelo mundo dos brancos, neste caso
do publicitario o negro quase. que inexiste como con- representado pelo funcionario da junta de alista-
sumidor. A limitada capacidade aquisitiva da popv- mento. A ultima propaganda governamental ¢ uma
lagéo negra poderia dar conta da auséncia de ape- campanha de vacinagio contra o sarampo © mostra
los publicitarios ao negro como consumidor poten- um grupo de criangas pobres, brancas ¢ negras, que
cial de carros de luxo, banheiras com hidro-massa- constituem a populacdo alyo da campanha. Além de
gem ¢ solisticados equipamentos de som. Nao obstan- mostrar & ‘preocupa¢ao do governo com a sade da
te 1SSO, oO leque de produtos anunciados inclui uma populacéo, particularmente das camadas mais Ca-
variedade de bens e servicos de consumo popular rentes, uma das mensagens implicitas reside na ine-
diiundido. Na Idgica subjacente & publicidade a per- xisténcia de divisdes raciais no seio do povo. Estas
gunta possivelmente 6: se anunciando para brancos trés aparicGes do negro na publicidade tiliam-se a
O negro também compra, por que arriscar-se.a ‘‘de- sua identidade oficial. Os antincios estdéo isentos de
negrir’” a imagem do produto?* implicacdes racistas, Como- cidadio brasileiro, no
-
Constatada a invisibilidade do negro na publi- desempenho de suas obrigagGes civicas, o negro apa-
cidade, o préximo passo consiste em determinar rece junto ao branco em situagdes de igualdade.
como € em que circunstancias ele faz suas raras Considerando o exiguo 3% de antincios pubii-
Como as aparicdes sia. raras, elas permi- citdrios de cardter comercial em que o negro aparece
tem unt exame.caso a caso, comegando com 4S pro- de alzuma forma, ‘sero analisados primeiros aque-
pagandas goyernamentais na televisfo. — les mostrados na televisdo. A propaganda mais neu-
A primeira delas é uma campanha de recruta- tra do ponto de vista de stias implicagSes raciais &
mento de marinheiros para a Armada e mostra um a de um supermercado que atualmente expande sua
grupo de marinheiros de varias cores, de branco a rede de pontos de comercializagio da zona sul para
a zona morte do Rio de Janeiro. Nela aparece uma na comm outro grupo branco bebendo. Este é o tinico
muitidgao de pessoas em um espaco aberto, que vai antincio que, possivelmente pela popularidade do
se juntando lentamente até formar uma massa ¢om- produto, estabelece uma associagao entre O negro €
pacta. O grupo d& uma visao do corpo de funcioné- o produto, ainda que esta associaco esteja diluida
rios da empresa e na seqtiéncia final sao destacados pela presenca majoritéria de pessoas brancas.
em close os rostos de varias pessoas brancas e ne- Deslocando a atencio para a publicidade das
sras. Apesar da auséncla de implicacdes raciais, este revistas, ingressa-se no 4mbito de produtos mais so-
anuncio evidencia um procedimento publicitdrio fisticados, onde se eleva rapidamente a proporcao
onde existe uma assimetria no tratamento dado a de modelos publicitérios brancos do mais puro tipo
brancos e negros. Trata-se de evitar a associacio di- nordico.
reta entre o negro e produtos especificos, particular- Neste caso, a publicidade em que a estereotipagao
mente de uso pessoal. A tinica excecdo desta do negro aparece de forma mais evidente anuncia
associacao direta que vem a memoédria 6 a da empre- uma linha de vefculo de transporte. A composi¢ao —
gada domeéstica negra que, autorizada pelos seus inclui as fotografias de quatro vefculos, Em trés de-
longos anos de experiéncia na cozinha, pode atirmar las aparecem seus donos, brancos e um casal japones,
que a marca x faz o cafezinho mais gostoso ou o junto a produtos hortigranjeiros a serem transpor-
detergente y lava melhor a louca. O antincio seguinte tados, insinuando tratar-se de pequenos e meédios
corresponde a uma rede de lojas que disputa a fatia asvicultores. A quarta fotografia mostra um cami-
mais popular do mercado de eletrodomésticos. A nhzo de mudancas junto ao motorista branco e a um
sequéncia inicial mostra um casal negro cantando e catregador negro, este tiltimo apresentado na ima-
dancando ao ritmo de um samba, segue enfocando gem mais contundente de trabalhador bragal desqua-
outro casal branco e termina mostrando um grupo lificado.
de pessoas de varias cores. Novamente, inexiste uma
assoclacao entre o negro e produtos especificos. Por A segunda publicidade, de uma empresa de
outro lado, apesar da propaganda fazer um apanhado produtos metaltirgicos, baseada na fotografia de
ae pessoas comuns em situagdes de rua, & coreogra- um homem negro mestre-sala e uma porta-bandeira
fia do casal negro entoando um samba faz com que mestica apresentando-se frente As arquibancadas. O
ele se aproxime da categoria de “entertainer”, A anuncio sugere o contraste entre dois Brasis. Um, o
Gltima propaganda televisiva € a de uma marca de Brasil de sempre, “tropical e abengoado”, represen-
cerveja (n.° 39). Dentro de um botequim e em um tadd por negros desfilando numa escola de samba.
cima festivo, com samba como misica de fundo, Outro, pela rigidez e eficiéncia das arquibancadas
ela mostra um grupo de jovens brancos bebendo de aco, de onde se vé o desfile. Este tiltimo ¢ o Bra-
chopp, segue enfocando um homem negro e termi- sii nove, de mudanca e progresso. Assim, temos
uum contraponto entre a idéia de desenvolvimento,
positivamente conotada, ¢ seu negativo “abencoa- c) A publicidade reprdduz os esteredtipos cul-
do”’: o mero folclore, representado por negros. Além turais sobre o negro, assim contribuindo para deli-
do mais, o antincio é uma instancia de apropriacio mitar, no plano ideoldégico, “seus lugares apropria-
de produtos culturais do negro, apresentados como Os’. Estes lugares esgotam-se na polaridade traba-
tipicamente brasiieiros, na sua versao mais folclo- Tho desqualificado/“entertainer”’, “objeto de con-
tizada e. mercantilizada.
(oa
en 7 yf
fe 7 Num pais ae a
- onde o precenceito racial ative des brancos dominanies i
|
se disfarga detras de mito da democracia racial,
* LUGAR DE NEGRO en
poe, efetivamente, muitas coisas No lugar.
Gonzalez — militanie do Movimento Negro -~ -
mostia os avancos da consciéncia negra entre os Nogros
brasileiros, e Carlos Hasenbalg socialogo e pesguisader
ns
..— 4
do problema do negra no Brasil —
desmonta as utilizacées “bouzinhas” dos negros
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