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6.1. Introdução
Para se calcular a perda de carga em condutos, antes do advento das máquinas de calcular
eletrônicas portáteis, evitava-se o emprego de fórmulas que exigissem métodos iterativos. Como solução
menos trabalhosa, empregavam-se equações empíricas de expoentes fracionários, evitando-se por
completo, mesmo para o simples cálculo de um conduto único, o uso da fórmula Universal de Perda de
Carga de Darcy-Weisbach com o fator de perda de carga calculado pela equação de Colebrook-White.
Esta fórmula não era usada, porque exigia um processo trabalhoso para o estabelecimento dos
coeficientes de perda de carga, os quais deviam ser determinados manualmente, ou por máquinas de
calcular eletro-mecânicas ou ainda empregando-se os diagramas de Moody ou de Rouse.
Mesmo para o cálculo da perda de carga utilizando fórmulas com expoentes fracionários, o
trabalho não era fácil. A forma encontrada pelos engenheiros do passado para superar estas dificuldades
era o uso de ábacos / tabelas ou o uso de outras equações com expoentes inteiros e coeficientes variáveis
em função do tipo de conduto e diâmetro. A engenhosidade era demonstrada também através da
confecção de réguas de cálculo para o dimensionamento de condutos. Todos estes artifícios permitiam,
por exemplo, a rápida obtenção de uma perda num conduto simples ou a determinação do diâmetro.
Exemplos da criatividade utilizada para superar estes tipos de barreiras podem ser vistos nos Manuais de
Hidráulica do Prof. Eurico Trindade Neves e do Prof. Azevedo Neto.
Caso os problemas em hidráulica ficassem resumidos ao cálculo de condutos simples, não seria
necessário se seguir mais adiante. Entretanto, como os problemas mais correntes em hidráulica são o
cálculo e a otimização de sistemas de abastecimento, o emprego de tabelas ou ábacos nestes casos torna-
se inviável, pois é necessário o cálculo de vários trechos de condutos simultaneamente.
A partir dos comentários anteriores, no que segue serão descritas, brevemente, as principais
fórmulas empíricas de perda de carga, com suas limitações e seus campos de emprego. Após esta
descrição será feito um estudo comparativo entre as principais fórmulas e a formula Universal de Perda
de Carga.
A multiplicidade de fórmulas de perda de carga é tanta que o Prof. Azevedo Neto, no seu livro,
Manual de Hidráulica, apresenta uma listagem de quarenta fórmulas, começando pela fórmula de Chézy
(1775) e terminando em Hazen-Williams (1903). Todas estas fórmulas foram desenvolvidas antes do
surgimento da Teoria da Camada Limite, elaborada em 1904 por Prandtl, das hipóteses de perfil de
velocidade e tensão de cisalhamento de Kármán (1930) para condutos lisos e das experiências de
Nikuradse (1933) para condutos rugosos. Desta forma, nenhuma das equações empíricas considera todas
as variáveis, das quais a perda de carga é dependente.
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A fórmula de Chézy, originalmente deduzida para canais, foi utilizada por seu autor em cálculos
de condutos forçados, sendo a primeira fórmula conhecida de perda de carga em condutos sob pressão.
Esta fórmula correlaciona diretamente, a perda de carga com o quadrado da velocidade e com o
perímetro molhado e, inversamente, com a área e o quadrado de um coeficiente C dependente do tipo de
superfície. Em resumo pode-se escrever a equação de Chézy por:
2
V P
J= . M (1.a)
C A
No caso de condutos circulares cilíndricos, onde o perímetro molhado é dado por PM= π .D e a área
por A=( π .D2)/4, substituindo-se na equação (1.a) resulta em:
2 2
2 V V2
J= . = λ. (1.b)
C D D
Se substituirmos o coeficiente λ , que é uma constante a ser definida, por f 2 g , tem-se uma
terceira forma da equação de Chézy, ou seja:
V2
J = f. (1.c)
2.g.D
que é a equação de Darcy-Weisbach. Esta equação não leva a denominação de equação de Chézy, pois o
mesmo não estabeleceu uma lei para a variação do coeficiente f (fator de perda de carga), embora
houvesse suposto que o mesmo variaria. Note-se que este desenvolvimento foi feito em 1775.
Dos diversos equacionamentos obtidos, talvez o que mais se revelou consistente ao longo do
tempo foi o de Darcy em 1855, no qual os coeficientes para o caso de tubos de ferro fundido usados são
α1=0,0000327 e β1=0,00000001604, α2=0,000443, β2=0,0000124, α=0,000507 e β=0,00001294. Para
ferro fundido novo, Darcy propôs uma redução nos valores desses coeficientes de aproximadamente 50%
(apud BRESSE 18791). Os coeficientes são válidos somente para o Sistema Internacional de Unidades
(SI), uma vez que esta fórmula não é homogênea.
Darcy, além de ter constatado a influência da rugosidade dos tubos na perda de carga, verificou
que a equação da perda, variando quadraticamente com a velocidade, não era válida para pequenos
diâmetros e pequenas velocidades, situação que se reconhece hoje em dia como escoamentos a baixos
números de Reynolds. Assim, Darcy identificou indiretamente dois regimes, turbulento liso e turbulento
rugoso, que somente meio século após tiveram sua existência discutida e formulada.
Com o objetivo de simplificar o cálculo de perda de carga, vários autores sugeriram fórmulas
monômias com expoentes fracionários. Estas fórmulas têm sua gama de aplicação restrita às
características do material da canalização utilizada na sua determinação, sendo resumidas em
Q = A.D B .J C (3.a)
1 BRESSE. 1879. Cours de Mécanique Appliquée: Seconde Partie- Hydraulique. Gauthier-Villars. Paris, 602p
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O valor do coeficiente C foi inicialmente proposto como constante para cada tipo de conduto,
conforme se vê na tabela 2.
A primeira restrição ao uso das fórmulas empíricas está na sua não homogeneidade, obrigando que
a cada sistema de unidades, elas tenham seus coeficientes alterados. Como segunda restrição tem-se a
limitação dos intervalos de validade e do tipo de fluido que passa no conduto. Cada fórmula tem uma
gama bem delimitada de diâmetros (Darcy e Hazen-Williams: grandes diâmetros, Fair-Whipple-Hsiao:
pequenos diâmetros) e tipo de fluido (água quente ou fria). A partir das duas restrições anteriores tem-se a
terceira que é a não generalização dessas fórmulas para outros fluidos ou geometrias.
A vantagem principal das fórmulas empíricas em relação à fórmula Universal de Perda de Carga,
perdeu sua razão principalmente com o advento das máquinas de calcular programáveis, conforme
explicitado anteriormente, pois as restrições de dificuldade de cálculo desapareceram.
Com a limitação de cálculo eliminada cabe a verificação da precisão das fórmulas empíricas de
perda de carga, que se faz comparando-as com a fórmula Universal de Perda de Carga, supondo que esta
última seja mais exata.
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Antes da verificação da precisão das fórmulas empíricas, será apresentada uma tabela com o
resumo de algumas rugosidades absolutas ( ε ) para diversos materiais.
Para a comparação numérica dos resultados da fórmula de Darcy com a fórmula Universal de
Perda de Carga, consideraremos canalizações de ferro fundido usado, com um valor médio de velocidade
de 1,5m/s e diâmetro de 250mm (Darcy testou velocidades variando entre 0,03m/s e 6m/s e diâmetros de
0,0122m a 0,50m), verificando-se o erro relativo para os extremos, supondo uma temperatura média da
água de 15°C. Para estas condições, aplicando-se a equação (2) com os coeficientes a=0,000507 e
b=0,00001294 obtêm-se:
b
Resultados: b1=0,0005586 J=0,020110 b1 = a +
D
Resultado: ε=3,75mm
Com o valor de rugosidade absoluta e com a equação de Darcy elabora-se a tabela 5, conservando-
se o diâmetro e variando a velocidade.
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Tabela 5 Erro relativo da equação de Darcy variando-se a velocidade considerando o diâmetro constante
(D=250mm).
Da tabela 5 vê-se que a variabilidade da perda de carga calculada pela fórmula de Darcy, para um
mesmo conduto (de alta rugosidade ε=3,75mm), em relação à fórmula Universal de Perda de Carga
(considerada como exata) não é muito significativa, o que é uma vantagem em relação a outras fórmulas
empíricas. Este erro é maior para baixas velocidades onde o escoamento torna-se turbulento liso ou na
zona de transição entre laminar e turbulento; esta imprecisão já tinha sido detectada por Darcy em seus
ensaios, como citado anteriormente.
Supondo uma mesma rugosidade absoluta (ε=3,75mm, condutos de ferro fundido em serviço),
variando-se os diâmetros dos condutos e conservando constante a velocidade (V=1,5m/s), a precisão da
fórmula de Darcy não é em nada satisfatória (tabela 6), pois o erro em relação a fórmula Universal de
Perda de Carga é significativo tanto para os pequenos diâmetros como os grandes.
Para melhor visualização do erro dado pela equação de Darcy, considerando a velocidade
constante e variando o diâmetro, calculou-se, para três velocidades significativas (0,5m/s, 1,5m/s e
3,0m/s), a perda pela equação de Darcy e a partir dela determinou-se à rugosidade equivalente através da
fórmula Universal de Perda de Carga. O resultado foi de uma rugosidade crescente, conforme o diâmetro,
variando para a situação pesquisada entre 1,52mm a 6,62mm, ou seja, quatro vezes entre os menores e os
maiores diâmetros (Tabela 7).
Relembrando que esta fórmula foi largamente empregada no cálculo de redes de distribuição
pública numa época em que os condutos eram praticamente todos de ferro fundido e com diâmetros de
50mm a 250mm, a variabilidade desta fórmula não invalidava de todo seu uso nestas condições, porém,
fora desses limites, as tabelas apresentadas evidenciam os seus erros.
Tabela 7. Coeficientes de rugosidade absoluta calculados a partir da perda determinada por Darcy
De forma análoga à anterior, será conduzida a análise comparativa entre a fórmula de Hazen-
Williams e a fórmula universal de perda de carga, com a diferença de que, sendo a primeira empregada
para qualquer tipo de conduto, o teste de perda deverá ser feito com condutos de alta, média e baixa
rugosidade, tais como aço corrugado, ferro fundido novo e plástico, cujos coeficientes C são,
respectivamente, iguais a 60, 100 e 140.
e substituindo os valores de C, para o aço corrugado, o ferro fundido novo e o plástico, tem-se:
V 1,852
J = 0,003477 1,167 (3.d)
D
V 1,852
J = 0,00135 (3.e)
D1,167
V 1,852
J = 0,000724 (3.f)
D1,167
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A tabela a seguir mostra os resultados do cálculo da perda de carga unitária para condutos de
250mm conduzindo água a 15°C, confeccionados com três tipos de materiais, comparando a equação de
Hazen-Williams com a Universal de Perda de Carga em termos de rugosidade equivalente:
V D J ε J ε J ε
(m/s) (mm) equivalente equivalente equivalente
C=60 (mm) C=100 (mm) C=140 (mm)
0,25 50 0,008800 8,23 0,003417 1,10 0,001832 #
1,00 50 0,1147 5,94 0,04453 0,70 0,02388 0,0305
2,00 50 0,4140 4,97 0,1607 0,53 0,08621 0,0307
0,25 250 0,001345 26,6 0,0005223 2,92 0,0002801 0,105
1,00 250 0,01753 18,2 0,006807 1,64 0,003650 0,090
2,00 250 0,06329 14,8 0,02457 1,19 0,01318 0,066
0,25 500 0,0005991 43,1 0,0002326 4,24 0,0001247 0,190
1,00 500 0,007807 28,8 0,003031 2,27 0,001626 0,119
2,00 500 0,02818 23,1 0,01094 1,61 0,005869 0,081
Tabela 8 Rugosidade equivalente calculadas pela Formula Universal de Perda de Carga a partir dos
resultados de perda de carga obtidos pela equação de Hazen-Williams para diversos diâmetros
(#representa valor sem rugosidade que o corresponda)
O erro na estimativa da rugosidade também pode ser avaliado, de forma inversa, calculando-se o
coeficiente C equivalente para diferentes rugosidades. A tabela 9 apresenta este tipo de comparação
efetuada para um conduto de 1000mm com a rugosidade variando de 13mm à 0,01mm.
Vê-se que o coeficiente C varia com a velocidade e a rugosidade, o que não seria compatível com
as hipóteses da equação de Hazen-Williams, a qual supõe um coeficiente constante para um mesmo tipo
de conduto e uma mesma temperatura da água.
6.3.3. Conclusões
As formulas empíricas apresentam validade restrita às condições nas quais a equação foi obtida.
Por exemplo, a fórmula de Darcy é adequada para regime turbulento rugoso, enquanto que a fórmula de
Hazen-Williams é mais adequada para escoamento turbulento liso.
Desta forma, para evitar a multiplicidade de fórmulas é mais conveniente o uso de uma única
fórmula, a fórmula Universal de Perda de Carga, para a qual, eliminado o problema de avaliação inicial
da rugosidade absoluta, não tem outras limitações a seu emprego. Note-se que este problema de avaliação
da rugosidade é comum a todas as equações.