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Conforme:
Aulas teóricas do Prof. Doutor Miguel Teixeira de
Sousa
SOUSA, MIGUEL TEIXEIRA DE, Introdução ao
Direito (Coimbra: Almedina 2012)
1. Caraterísticas do sistema
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1.2. Princípios programáticos
o Definem objetivos a alcançar e fins a atingir
o Função orientadora, procurando levar a que sejam alocados os meios
necessários para atingir determinados objetivos e fins, tais como a título
de exemplo, a construção da sociedade livre, justa e solidária a que se
refere o artigo 1º CRP
o Estes princípios indicam apenas que eles devem ser realizados na maior
medida possível (pro tanto)
o Tornam obrigatórias todas as medidas que favoreçam a obtenção desses
objetivos e fins e proíbem todas aquelas que impeçam vir a alcançá-los
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• Eficiência- princípio da alocação dos meios necessários/suficientes
para atingir os objetivos definidos, não menos do que os meios
necessários e não mais do que os meios suficientes
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2.2 Aplicação dos princípios
o Segundo a construção de Dworkin, os princípios, ao contrário das regras,
não fornecem uma razão conclusiva ou definitiva a favor de uma certa
solução ou decisão, mas apenas uma razão prima facie (à 1ª vista)
o Assim sendo, a crítica mais importante que pode ser dirigida à construção
de Dworkin é a de que o critério por ele proposto não é específico das
regras jurídicas, pois que também há princípios que estão submetidos a
esse critério
o A aplicação deste critério também se impõe quando houver a necessidade
de escolher, num caso concreto, a aplicação de um dos princípios
conflituantes. Nesta hipótese, o princípio que prevalece (mais
importante/pesado) afasta completamente o outro princípio conflituante
o Conclui-se assim que o critério do «tudo ou nada» não é suscetível de ser
utilizado para alicerçar uma distinção entre os princípios e as regras
jurídicas, pois que os princípios- como, aliás, as regras- só podem ser
aplicados na medida do «tudo». Deste modo se verifica que também os
princípios são totalmente aplicados (ou não)
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eficiência; as regras jurídicas são concretizações daqueles mesmos valores
ou são, certos casos, valorativamente neutras
o Há assim dois aspetos que distinguem os princípios das regras:
• Os princípios são sempre estruturantes e valorativos, visto que
permitem a produção de regras válidas ou determinam a invalidade
de regras com eles conflituantes; já as regras são sempre
instrumentais e podem não ser
o Por vezes os princípios são «abertos» e por vezes são «fechados»
o Os princípios e as regras são ambos elementos do sistema jurídico com
aptidão para servirem de critérios de decisão de casos concretos; esta
conclusão atenua a importância da sua distinção
o São apenas realidades axiologicamente distinta.
o A solução de um caso concreto tem exatamente o mesmo valor se for
fundamentada num princípio com uma grande dimensão axiológica ou
numa regra sem nenhuma carga valorativa; também enquanto critérios de
decisão, os princípios não se distinguem das regras
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o A concretização legal de um princípio estende-se a todas as demais
possíveis do mesmo princípio
• Para que o sistema jurídico seja autónomo, é necessário que ele comporte
princípios e regras cuja validade seja aferida por ele próprio
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secundárias, que são aquelas que conferem poderes a determinadas
pessoas ou instituições. Estas regras secundárias permitem criar
novas regras primárias, determinar a sua incidência ou fiscalizar a
sua aplicação
• A regra de reconhecimento é uma regra secundária que permite
aferir a validade das outras regras do sistema e que decorre da
prática dos tribunais, dos funcionários e dos particulares
• Esta regra permite obviar à incerteza do regime das regras
primárias
o Ao contrário de Kelsen, a regra de Hart não é uma ficção, mas uma regra
do próprio sistema jurídico
o Diferente conceção da normatividade entre os 2 modelos teóricos:
• A norma fundamental é um pressuposto da validade das regras do
sistema, transmitindo ao sistema a validade
• A regra de reconhecimento reflete a aceitação social das regras do
sistema, fornecendo ao sistema a efetividade
• Enquanto a 1ª é necessária para justificar a validade das regras do
sistema jurídico, a 2ª limita-se a reconhecer como direito aquilo
que é aceite como direito
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o A construção da autonomia de um sistema normativo não exige uma regra
de seleção exterior a esse sistema, basta uma regra de seleção do próprio
sistema
o Esta regra de seleção tem o seguinte enunciado:
• O que é válido num sistema normativo é definido exclusivamente
pelo próprio sistema, as fontes de um sistema são assim definidas
pelo próprio sistema
o Esta delimitação do sistema jurídico é incompatível com a atribuição do
caráter de fonte do direito ao costume
o A anterior afirmação não é considerada verdadeira pois que se o costume
é fonte do direito e se, portanto, as regras consuetudinárias pertencem ao
sistema jurídico, então este sistema comporta necessariamente uma regra
segundo a qual as regras de origem consuetudinária são regras válidas do
sistema jurídico. A referida regra é a regra de seleção
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3.4. Limites da autonomia
o Entre os sistemas jurídicos também se pode verificar uma relação de
subordinação
o Nesta situação, um sistema encontra-se subordinado a um outro sistema, o
que implica duas consequências:
• As fontes que são válidas no sistema subordinante também são
válidas no sistema subordinado
• As fontes produzidas no sistema subordinado só são válidas se
forem aceites pelo sistema subordinante
o O sistema português- como, aliás, muitos outros- não é autónomo dada a
aceitação da prevalência das disposições do direito europeu e do direito
internacional público (ius cogens)
1. Funcionamento do sistema
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3. Funcionamento do sistema (consistência)
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o Segundo Ross (1899-1979), existem 3 espécies de incompatibilidade entre
regras jurídicas:
• A incompatibilidade total-total- verifica-se quando nenhuma das
regras for aplicável, em nenhuma circunstância, sem conflituar
com uma outra
• A incompatibilidade total-parcial- ocorre quando uma das regras
não puder ser aplicada, em nenhuma circunstância, sem conflituar
com a outra, ao passo que esta tem um campo adicional de
aplicação que não entra em conflito com a primeira
• A incompatibilidade parcial-parcial- verifica-se quando uma das
regras tiver um campo de aplicação que não conflitua com o da
outra, mas também tiver um campo adicional de aplicação que é
conflituante com o daquela regra
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(entre um sistema subordinado e um sistema superior). As regras do
sistema superior prevalecem sobre as do sistema subordinado
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Título IV. Situações subjetivas
2.1. Conduta
o Se a regra jurídica tiver por objeto uma conduta, as hipóteses são as
seguintes:
o Se o operador deôntico for um comando uma proibição, a situação
constituída é um dever
o Se o operador deôntico for uma permissão, a situação jurídica
constituída é um direito
o Distinguindo entre situações subjetivas opostas, correlativas e
contraditórias, Hohfeld (1879-1918) apresenta, quanto às situações
relativas a condutas, a seguinte construção:
2.2. Poder
o Se a regra tiver por objeto um poder, os casos possíveis seguem-se:
• Se o operador deôntico for uma proibição, a situação jurídica
constituída é uma sujeição (ou uma incompetência)
• Se o operador deôntico for uma permissão, a situação jurídica
constituída é uma faculdade (ou uma competência)
o Com base na distinção entre situações subjetivas opostas, correlativas e
contraditórias, Hohfeld apresenta, quanto às situações relativas a poderes,
a seguinte construção:
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Faculdade (S₁) Não- faculdade (S₁)
1. Lógica da ação
• Uma ação introduz uma modificação no mundo e uma omissão não causa
nenhuma modificação no mundo. A lógica da ação refere-se às opções de
conduta (ação ou omissão) que, num certo momento, se abrem a um agente
• Os agentes podem confrontar-se com conflitos normativos (regras
contraditórias sobre direitos e deveres)
• Os agentes também podem confrontar-se com conflitos de situações
subjetivas, isto é, quando há direitos ou deveres cujo gozo ou cumprimento
impede o gozo ou o cumprimento de outros direitos ou deveres
• Estes conflitos não pressupõem nenhuma incompatibilidade entre regras
jurídicas
• Estes pressupõem apenas que, num caso concreto, se mostra impossível
gozar todos os direitos ou cumprir todos os deveres que constam de regras
válidas
• Mesmo que o sistema seja consistente, não é possível assegurar que todos
os direitos possam ser simultaneamente gozados e que todas as obrigações
possam ser simultaneamente cumpridas
• Mesmo o que é consistente no sistema, pode não ser consistente na prática
• Nunca é possível assegurar a consistência pragmática num sistema jurídico
• Nas situações abordadas vemos que se verifica uma colisão de deveres ou
de direitos. Casos mais frequentes:
o Os conflitos interpessoais de direitos- a impossibilidade de vários
titulares gozarem simultaneamente os seus direitos
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o Os conflitos unipessoais de deveres- a impossibilidade de uma
mesma pessoa cumprir simultaneamente todos os seus deveres
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• O titular só está obrigado a cumprir o seu dever perante alguém se,
na situação concreta, não houver um dever perante outrem que
deva prevalecer
o As situações subjetivas que cedem perante outras estão sujeitas a uma
pragmatic defeasibility
o No que se refere aos deveres prima facie, importa referir que se pode
entender que a prevalência de um deles torna inexistentes os deveres
conflituantes ou considerar que todos eles se mantêm existentes, embora
releve uma causa que justifica o não cumprimento de um deles
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Título V. Direito Transitório Formal
3.1. Referências da LN
o Existem duas possíveis referências da LN no que diz respeito à aplicação
da lei no tempo e à sucessão de matérias:
• Esta pode referir-se a factos jurídicos, i.e., a acontecimentos que
ocorreram num determinado momento e num determinado lugar.
Nestes há que distinguir 2 modalidades:
• Os factos instantâneos- os de verificação instantânea
• Os factos duradouros- os que perduram no tempo
• Estes pode também referir-se a efeitos jurídicos. Nestes importa
distinguir 2 modalidades:
• Os efeitos instantâneos- que são consequências
momentâneas de factos jurídicos
• As situações jurídicas- que são consequências duradouras
de factos jurídicos
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3.3. Enunciado dos princípios
o A resolução dos conflitos de leis no tempo orienta-se pelos princípios da
não retroatividade da LN e da aplicação imediata da LN
• A não retroatividade da LN constitui um reflexo do interesse na
estabilidade e uma emanação do princípio da confiança,
significando o seguinte:
• A LN não se aplica a factos passados
• A LN não se aplica a efeitos passados
• A aplicação imediata da LN reflete o interesse na adaptação e
constitui uma exigência do Estado de direito e do caráter
tendencialmente abstrato e genérico das regras jurídicas:
• A LN aplica-se a todos os factos futuros que venham a
ocorrer na sua vigência
• A LN aplica-se a todos os efeitos futuros que venham a
ocorre na sua vigência
• A LN aplica-se a todos os factos jurídicos que se tenham
iniciado na vigência da LA e que ainda estejam em curso
no início de vigência da LN
• A LN aplica-se a todas as situações jurídicas que se tenham
constituído na vigência da LA e que não se tenham
extinguido antes da vigência da LN
1. Direito transitório
o O direito transitório resolve os problemas suscitados pelos conflitos de leis
no tempo
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2.3. Regras de conflitos
o O direito transitório formal escolhe se a lei aplicável ao facto ou ao efeito
jurídico é a LA ou a LN
o Este direito é constituído por regras de conflitos- regras que determinam,
através de uma escolha entre a LA e a LN, qual a lei competente para
regular um certo facto ou um certo efeito jurídico
o Estas regras comportam uma previsão e uma estatuição:
• A previsão contém 2 elementos:
▪ O objeto de conexão- define o campo de aplicação da regra
de conflitos, servindo-se, para isso, de um conceito-quadro
(facto/situação jurídica/efeito jurídico que se procura se é
regulado pela LA ou pela LN
▪ O elemento de conexão- é o elemento utilizado pela regra
de conflitos para estabelecer a conexão com a LA ou com
a LN
o No caso das regras de direito transitório é a
ocorrência do facto, a existência da situação
jurídica ou produção do efeito na vigência da LA ou
da LN
• A estatuição é a determinação da lei competente para regular o
facto, a situação jurídica ou o efeito jurídico
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2.2. Título constitutivo
o É importante determinar se a situação jurídica tem um conteúdo que
depende do seu facto constitutivo ou se esse conteúdo é independente deste
facto. Devem assim admitir-se 2 hipóteses:
• Uma delas é aquela em que o título não modela a situação jurídica,
dado que a situação jurídica tem sempre o mesmo conteúdo,
qualquer que seja o título que a ela esteja subjacente (art.12º/2 2ª
parte, CC)
• Outra hipótese é aquela em que o título modela a situação jurídica,
i.e., em que o conteúdo da situação jurídica varia de acordo com o
respetivo título constitutivo (art.12º/2 1ª parte, CC)
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1.3. Situações jurídicas
o Para que se verifique a aplicação imediata da LN a situações jurídicas que
se constituíram na vigência da LA e que transitam para o domínio da LN
(art.12º/2 2ª parte, CC) é necessário que a LN disponha diretamente sobre
o conteúdo de certas situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes
deram origem (título constitutivo). Nesta hipótese, o título não modela o
conteúdo da situação jurídica, pelo que nada obsta à aplicação imediata da
LN
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3.2. Admissibilidade da retroatividade
o Existem duas exceções ao princípio da não retroatividade:
• A LN pode ter eficácia retroativa- (art.12º/1 2ª parte, CC)
• A lei interpretativa tem caráter retroativo- (art.13º/1, CC)
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3.7. Graus de retroatividade
o Na ordem jurídica portuguesa, são admissíveis os seguintes graus de
retroatividade:
• Ordinária- é a que respeita todos os efeitos já produzidos antes da
entrada em vigor da LN (art.12º/1 2ª parte, CC)
• Agravada- “ “ “ “ determinados efeitos produzidos antes da
vigência da LN, mas que atinge outros (art.13º/1, CC)
• Quase-extrema- “ “ “ só respeita o caso julgado obtido antes da
vigência da LN
• Extrema- “ “ “ nem sequer respeita o caso julgado anterior à
vigência da LN
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• Na total, a LN é aplicada imediatamente a factos ou a efeitos
totalmente passados
• Na parcial, a LN é imediatamente aplicada, em parte, a factos ou a
efeitos passados e, em parte, a factos ou a efeitos presentes
3.1. Extensão
o O art.297º/3, CC, determina que as regras relativas à sucessão de leis sobre
prazos são igualmente aplicáveis aos prazos fixados pelos tribunais ou por
qualquer outra autoridade
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3.2. Restrição
o O disposto no art.297º/1 e 2, CC é aplicável a todos os prazos que sejam
fixados por uma LN? A resposta é negativa
o O artigo abordado não é aplicável quando os prazos tenham sido definidos
pelas partes ou quando estas não tenham estipulado quaisquer prazos e
tenham aceite os prazos legais supletivos
o Relativamente à aplicação do regime estabelecido no art.297º CC aos
prazos legais, há que considerar 2 situações:
• Se a LN aumentar o prazo que consta da LA, aplica-se sempre o
disposto no art.297º/2, CC
• Se a LN encurtar o prazo que consta da LA, importa distinguir 2
hipóteses:
▪ Se a aplicação imediata do prazo mais curto criar um
desequilíbrio entre as partes, o disposto no art.297º/1 CC,
acautela suficientemente os interesses de todas as partes
▪ Se a aplicação imediata do prazo mais curto não originar
nenhum desequilíbrio entre as partes, nomeadamente
porque qualquer delas pode beneficiar desse mesmo prazo,
a solução é a aplicação imediata da LN de acordo com o
disposto no art.12º/1 1ª parte CC, não havendo qualquer
necessidade de aplicar o art.297º/1 CC
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Título I. Linguagem e Direito
1. Dualidade da linguagem
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2. Dualidade da linguagem (conceitos determinados)
2.1. Noção
o Os conceitos determinados são conceitos que possuem uma extensão
determinada
2.2. Modalidades
o Estes podem ser normativos ou empíricos
o Os conceitos normativos são próprios de uma ordem normativa. Eles
englobam conceitos que só significam algo no âmbito de uma ordem
normativa
o Nos conceitos determinados normativos cabem também aqueles que têm
aceção extrajurídica, mas que, para o direito, só podem ser considerados
no seu sentido jurídico
o Os conceitos determinados empíricos são conceitos próprios de uma
realidade não normativa
3.1. Noção
o Os conceitos indeterminados são conceitos de extensão variável, ou seja,
são conceitos vagos. Estes comportam, quanto ao seu significado, um
núcleo e um halo ou uma zona iluminada e uma zona de penumbra. Estes
são próprios de uma fuzzy language, i.e., de uma linguagem na qual, em
certos casos, é claro a quê que ela se refere e, noutros, não é claro a quê
que ela não se refere
3.2. Preenchimento
o O conceito indeterminado está preenchido não só quando a situação
concreta se inclua no seu núcleo, mas também quando essa situação ainda
possa ser incluída no halo ou na penumbra desse conceito
o O juízo sobre um conceito indeterminado pode conduzir a um de 3
resultados:
• Este conceito é indiscutivelmente aplicável, porque a situação
concreta se integra no núcleo do conceito
• Este conceito é manifestamente não aplicável, porque a situação
concreta está para além do que pode ser abrangido pelo seu halo
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•
Este conceito não é como nenhum dos primeiros, sendo certo que
a situação concreta não cabe no núcleo do conceito, não é, no
entanto, certo que ela não possa ser abrangida pelo seu halo
o O que torna os conceitos indeterminados problemáticos é a circunstância
de eles poderem ser concretizados em diferentes medidas e de, portanto,
ser fluida a fronteira entre o seu preenchimento e o seu não preenchimento
3.4. Concretização
o Estes conceitos só podem ser compreendidos e aplicados através de uma
concretização pela qual se ajuíza o que neles é integrável e o que deles está
excluído
4.1. Noção
o A palavra «tipo» designa um arquétipo ou uma entelequia ou algo de
paradigmático, de exemplar ou de modelar
4.2. Classificação
o Pode distinguir-se entre um tipo médio e um tipo constitutivo
o O tipo médio ou tipo de frequência descreve o que se verifica com maior
frequência
o O tipo de totalidade ou constitutivo descreve uma realidade de acordo com
os seus traços caraterísticos, os seus elementos essenciais ou as suas notas
distintivas
• O conceito tem uma função classificatória, pelo que o tipo tem uma função
ordenatória
• O tipo é fluido e os tipos representam sempre ilustrações ou manifestações
de um conceito, podendo-se concluir que um tipo não pode ser definido,
mas apenas descrito
• Disto decorre que, enquanto o conceito é sempre (+/-) abstrato, o tipo é
sempre (+/-) concreto
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2. Redução tipológica (Conceito vs. Tipo)
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1.2. Consequências da distinção
o A divisio é própria da dimensão conceptual da linguagem e de um sistema
fechado
o A partitio é própria da dimensão tipológica da linguagem e de um sistema
aberto
2.1. Apresentação
o A importância da distinção entre a divisio e a partitio resulta da
circunstância de que ela acompanha a diferença entre o conceito e o tipo.
A divisio é a divisão de um conceito mais extensão (género) em todos os
conceitos menos extensos (espécies) que aquele comporta
o A partitio é a decomposição de um conceito nos seus elementos
caraterísticos. É por isso que a partitio constitui a primeira operação que é
necessária para passar do conceito para o tipo
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Título I. Hermenêutica e Direito
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o São as normas que estão implícitas na prática que permitem compreender
as regras explícitas
o O que é dito torna explícito o que está implícito no que é feito, pelo que
de um knowing-how resulta num knowing-that
o Com base no pressuposto, de ordem pragmática, de que o que é importante
são as consequências de um enunciado, o conteúdo deste é determinado
pelo seu lugar numa rede de inferências materiais assumidas numa prática
discursiva
o Disto resulta que o significado de uma expressão decorre do papel
inferencial que ela pode desempenhar. Brandom fundamenta uma
semântica inferencial numa pragmática normativa
o Quanto ao «vocabulário normativo» e ao domínio do raciocínio prático, «a
sua função expressiva é tornar explícitos compromissos de inferências»
práticas, pelo que as regras tornam explícito o que está implícito numa
inferência prática
33
1. Hermenêutica jurídica (enquadramento geral)
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1.3. Normatividade da interpretação
o A hermenêutica jurídica não pode dispensar um método na interpretação
das fontes do direito
o Na interpretação de uma fonte, o intérprete procura inferir qual a regra que
se contém nessa fonte, pelo que se conclui que «a interpretação jurídica
nunca é um fim em si mesmo, antes está ao serviço da aplicação do direito»
e que a hermenêutica jurídica «é aplicativa e nunca apenas reconstrutiva».
Nenhuma fonte assegura, ela mesma, a correção da sua interpretação: essa
correção só pode ser avaliada em função de elementos estranhos à fonte
interpretada. É por isto necessário recorrer a regras na interpretação das
fontes do direito
o A vinculação à lei abrange necessariamente uma vinculação ao método da
sua interpretação. Esta vinculação à lei vale para qualquer intérprete do
direito. A subordinação do intérprete ou aplicador à lei não pode deixar de
se refletir na atribuição de um caráter normativo aos critérios de
interpretação da lei (art.9º CC)
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2.3. Natureza da subsunção
o Esta não é uma atividade lógica ou conceptual e o juiz não é um «autómato
de subsunção»; é antes um juízo valorativo que utiliza como critério a
analogia, dado que a comparação entre a realidade que se procura subsumir
e o tipo a que se refere a fonte exige um raciocínio analógico
o O caráter analógico do raciocínio que permite a subsunção do caso à lei se
explica tendo presente que a interpretação de qualquer fonte do direito é
sempre pragmática, pois que a inferência de uma regra de uma fonte é
sempre determinada pelos casos aos quais essa fonte é aplicável
o Assim, de molde a ultrapassar a dificuldade de comparar um caso concreto
com o caso típico constante da previsão legal, o que há que fazer quando
se procura subsumir um facto a uma lei é comparar este facto com os factos
a que a lei é indubitavelmente aplicável.
o Se o facto for análogo aos factos aos quais a lei é aplicável, então aquele
facto é subsumível à lei. Como foi afirmado na «teoria da equiparação», a
«subsunção significa a equiparação do caso concreto em apreciação com
os casos indiscutivelmente abrangidos pela previsão legal. Assim a
subsunção não é a integração de um concreto num abstrato, mas a
comparação entre vários concretos
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o As dificuldades da interpretação não surgem normalmente quanto ao
significado deôntico da fonte, mas sim na previsão: o que pode ser
duvidoso é a que casos é que a fonte é aplicável
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4. Hermenêutica jurídica (dificuldades da interpretação)
38
Título I. Interpretação da Lei
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1.2. Semântica vs. Pragmática
o O subjetivismo fica-se por aquilo que foi querido (pelo legislador) e, por
isso, esgota-se na dimensão semântica
o O objetivismo orienta-se por aquilo que pode ser feito (pelo destinatário
da regra) e, por isso, move-se numa dimensão pragmática
o Subjetivismo atribui à interpretação uma dimensão factual ligada à
determinação da vontade do legislador
o Objetivismo permite uma interpretação puramente normativa, já que não
importa determinar, como facto interpretativo, a intenção do legislador
2.1. Justificação
o A favor das correntes objetivistas é frequente argumentar com a igualdade
perante a lei (cf. art.13º/1 CRP). Invoca-se também a impossibilidade de
determinar a intenção do legislador histórico, atendendo à
insusceptibilidade de definir uma vontade comum a todos os
intervenientes no processo legislativo. Aduz-se também a necessidade de
assegurar a integração da lei no ambiente social. A lei deve libertar-se do
legislador e passar a valer com um significado objetivo adequado às
circunstâncias existentes no momento da sua interpretação. Torna-se assim
necessário atender ao significado atual perante uma modificação do
significado da palavra. Esta é especialmente frequente em conceitos
indeterminados (ainda que também ocorra com conceitos determinados)
tais como os de alteração de circunstâncias, de boa fé, de bons costumes,
de censurabilidade ou de gravidade da violação
o A intenção relevante é, no entanto, aquela com a qual o legislador agiu,
isso sucede, no entanto, quase sempre a propósito da finalidade da lei, o
que muitas vezes está longe de poder desvendar a intenção do legislador
o A lei é um enunciado linguístico através do qual o legislador estabelece
um determinado dever ser para certos destinatários
o O parâmetro de interpretação da lei devendo ser objetivista, o
conhecimento da real intenção do legislador pelos destinatários da lei não
é um elemento que deva ser considerado na sua interpretação? A resposta
é negativa, pois que:
• Mesmo que os destinatários conheçam a real intenção do
legislador, isso não justifica nem que o legislador possa invocar
contra eles a sua intenção, nem que os destinatários possam utilizar
a seu favor a intenção do legislador
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• A justificação da 1ª conclusão baseia-se na invocação da confiança
no sistema, não podendo ninguém ser prejudicado por uma
intenção do legislador que não encontra expressão no texto da lei
• Já a da 2ª conclusão tem por base que desde que todos os
destinatários fossem beneficiados com a intenção do legislador, o
caráter geral da lei seria respeitado
o A interpretação subjetivista encontra-se excluída no disposto no art.9º/2
CC, segundo o qual o que conta é o que está expresso na lei
o Este último aspeto marca a diferença fundamental entre a interpretação da
lei e a interpretação dos negócios jurídicos. Na 1ª, a intenção do legislador
não prevalece sobre o sentido objetivo da lei; na 2ª, a proteção do
declarante impõe a prevalência da sua vontade real
2.2. Consequências
o A prevalência das orientações objetivistas significa que o intérprete não
tem de procurar nem a intenção do legislador, nem sequer o significado
que um ficcionado ou suposto legislador teria querido exprimir numa certa
fonte. Consequentemente:
• A competência para interpretar não coincide com a competência
para legislar
• O poder jurisdicional prevalece sobre o poder legislativo, pois que
o direito não é o que o legislador quis que fosse, mas o que o juiz
considera que é
o Esta preferência objetivista não implica a irrelevância da intenção do
legislador pois que esta pode ser coincidente com o significado objetivo
da lei
o O intérprete não tem, em todo o caso, de procurar resolver as dúvidas sobre
a verdadeira intenção do legislador
o A «idade» da lei possui uma grande importância: quanto mais recente,
maiores são hipóteses de o seu significado objetivo coincidir com a
intenção do legislador; quanto mais antiga, menores são as hipóteses
41
3.2. Tendências subjetivistas
o O art.9º/2 CC estabelece que não pode ser considerado pelo intérprete o
pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal
Historicismo Atualismo
Subjetivismo 1 2
Objetivismo 3 4
42
Atualismo
Historicismo Atualismo projetivo prospetivo
Projeção na
Subjetivismo Vontade do atualidade da Prospeção da
legislador histórico vontade do vontade do
legislador histórico legislador atual
Projeção na
Objetivismo Significado atualidade do Prospeção do
objetivo histórico significado objetivo significado objetivo
histórico atual
3.4. Conclusão
o O art.9º/1 CC manda atender, na reconstituição do pensamento legislativo,
às condições específicas do tempo em que a lei é aplicada. Este consagra
uma orientação atualista prospetiva: o significado que o intérprete deve
atribuir à lei é aquele que ela possui no momento da sua interpretação.
Sendo assim, conclui-se que o art.9º/1 CC ao referir-se ao «pensamento
legislativo» o considera como o complemento natural daquela orientação
atualista. Esta expressão deve ser entendida no sentido de pensamento da
lei. A interpretação é correta, não se ela estiver de acordo com a vontade
do legislador, mas antes se ela observar as regras definidas no art.9º CC
o A finalidade da interpretação não é explicar a lei, mas antes aplicá-la e
encontrar a sua razão de ser como elemento de um raciocínio prático. A
interpretação é assim realizada no sentido da fonte para a sua aplicação,
sendo assim atualista e objetivista
43
2. Elementos da interpretação (enunciado)
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o Resultado- Como se diz no art.9º/1 CC: o intérprete deve
reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto da lei com
base nos elementos não literais e porque qualquer divergência entre
a letra da lei e o seu espírito é resolvida através da prevalência deste
último, os elementos não literais prevalecem sobre o elemento
gramatical
o Pode-se assim estabelecer uma hierarquia entre o elemento relativo
à letra da lei (gramatical ou dimensão semântica) e os elementos
relativos ao espírito da lei (não literais ou dimensão pragmática)
1. Significado literal
• Toda a interpretação da lei deve começar pela análise da sua letra e pela
tentativa da compreensão do seu significado.
45
• A letra da lei é assim a base textual da interpretação
46
relevantes as definições legais, pois que o intérprete está vinculado a
atribuir ao definido o sentido que resulta da definição
o Pode ainda suceder que haja diferentes aceções jurídicas para a mesma
palavra em distintos ramos do direito. Assim sendo, há que considerar
apenas o significado que for específico do ramo do direito a que pertence
a lei interpretada, valendo, por isso, uma regra de especialidade na
interpretação da lei
o As palavras técnicas devem ser interpretadas com o significado que elas
têm no respetivo ramo do conhecimento, salvo se houver que concluir que
elas são empregadas com o seu sentido mais corrente
• Ex. Uma lei considera justificadas as faltas ao trabalho motivadas
por doença do trabalhador- e se esta for a esterilidade?
o As palavras da linguagem corrente devem ser interpretadas com o
significado que possuem no seu uso quotidiano. Só assim não sucede se o
legislador tiver usado o termo de acordo com uma definição legal ou se a
palavra tiver um significado jurídico distinto daquele que ela possui no
quotidiano. Quando assim aconteça, a palavra deve ser interpretada
segundo a sua aceção jurídica
1. Elemento histórico
48
o Os precedentes doutrinários- para interpretar a lei é também
relevante conhecer o ambiente doutrinário que existia no momento
da sua elaboração
o A occasio legis- condicionalismo que rodeou a formação da lei, a
realidade política, social, económica, cultural ou outra; pelo que o
conhecimento desta realidade ajuda a compreender o seu
significado. Encontra-se no art.9º/1 CC quando neste se alude às
circunstâncias em que a lei foi elaborada
1. Elemento sistemático
49
podem ser completamente compreendidos e baseia-se no pressuposto de
que o significado de uma lei resulta normalmente do seu contexto. Assim,
este é tanto uma consequência, como um postulado da unidade do sistema
jurídico pois que ele visa assegurar que nenhuma fonte seja interpretada
em divergência com esse sistema
• Este impõe uma interpretação sistemática, mas não garante que o resultado
seja uma interpretação conforme ao sistema, dado que é possível que o
intérprete conclua que nenhuma interpretação da lei é suscetível de
assegurar a conformidade com o sistema. Nesta hipótese torna-se
necessário resolver o conflito normativo através da revogação ou da
invalidade de uma das regras, da qualificação de uma das regras como
excecional ou especial perante a outra ou da escolha das regras
conflituantes através da ponderação dos respetivos interesses
• Este está consagrado no art.9º/1 CC, na parte em que este preceito impõe:
o Que, na reconstrução do pensamento legislativo, se considere a
unidade do sistema jurídico
o Que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, i.e.,
que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para
o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico.
o Nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as
quais apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários
significados literais possíveis, há que preferir o que for compatível
com o significado de outras leis
1.2. Importância
o Este:
• Orienta-se pelo princípio da igualdade:
▪ Consagrado no art.13º CRP, onde se afirma que o que é
igual deve ser tratado de forma igual em todo o sistema
jurídico
• Permite resolver uma das principais dificuldades na interpretação
da lei: polissemia ou ambiguidade
• Perspetiva historicista:
o O intérprete tem de considerar a integração sistemática que existia
no momento da formação da lei
• Perspetiva atualista
o O intérprete tem de considerar a integração sistemática da lei na
atualidade
50
• Embora o art.9º CC não forneça nenhuma resposta à questão de saber qual
destas orientações deve ser seguida, este deve ser entendido numa
perspetiva atualista
• Qualquer lei deve ser consistente com os princípios e as demais leis do
sistema jurídico durante toda a sua vigência, devendo ser interpretada de
acordo com as sucessivas integrações sistemáticas e segundo a aquela que
se verifique no momento da sua interpretação
• Expressa-se em 2 vertentes:
o Relação de contexto, pois que o intérprete só pode interpretar a lei
depois de a ter enquadrado no conjunto mais vasto em que ela se
integra
o Princípio de consistência, que é tanto uma consequência da
unidade do sistema jurídico, como um postulado da construção
dessa unidade
• Este traduz-se em 2 regras interpretativas:
o A regra positiva- impõe que o significado a atribuir à lei deve ser
o que melhor se harmoniza com outras fontes ou com outros
preceitos da mesma fonte
o A regra negativa- impede que o intérprete atribua à lei um
significado que não seja consistente com outras fontes ou com
outros preceitos da mesma fonte ou que seja redundante em relação
a outras fontes
51
3.3. Contexto vertical
o O contexto vertical implica que, na interpretação da lei, deve ser
considerada a sua coordenação com a respetiva fonte de produção
o Tomando como base a fonte de produção, há que considerar, como
modalidades da interpretação, a interpretação conforme:
• À Constituição- implica que o direito ordinário deve ser
interpretado de acordo com os respetivos preceitos constitucionais,
de molde a evitar interpretações inconstitucionais de leis
constitucionalmente válidas
▪ Através desta pode obviar-se à inconstitucionalidade da lei
a interpretar: «controlo antecipado de normas»
• Ao direito europeu- decorre do primado deste direito sobre o
direito dos Estados-membros. Dado que as diretivas europeias
devem ser transpostas para a ordem jurídica dos Estados-membros,
as leis que procedem a esta transposição devem ser interpretadas
de acordo com a respetiva diretiva. Esta interpretação pode evitar
uma violação desse direito pela lei interpretada
• Ao direito ordinário- a lei deve ser interpretada de acordo com a
respetiva fonte de produção ordinária
52
3.5. Princípio da consistência
o Este decorre da unidade do sistema jurídico. Para este efeito revela o
chamado «sistema interno», ou seja, o sistema que corresponde às
«conexões materiais» e a uma «ordem imanente»
o Este vale num duplo sentido, sendo indispensável tanto para encontrar o
significado da lei na unidade do sistema jurídico, como para afastar
significados incompatíveis com essa unidade
o Assim, o elemento sistemático da interpretação funciona de uma forma
construtiva: ele impõe que a lei seja interpretada de molde a assegurar a
unidade do sistema jurídico, i.e., de molde a garantir uma harmonização
contextual da lei interpretada como todas as demais leis do mesmo sistema
o Conclui-se que a unidade do sistema jurídico não é uma realidade da qual
o intérprete se possa limitar a partir, mas algo que deve ser construído por
ele através da interpretação das fontes
• A construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência
a uma interpretação que seja compatível com o maior número
possível de regras do mesmo sistema jurídico
o O que vale para o sistema jurídico considerado na sua globalidade vale
também para cada um dos seus subsistemas. Atendendo a um princípio de
proximidade, a lei a interpretar tem de ser integrada, antes do mais, no
respetivo subsistema
1. Elemento teleológico
53
1.2. Relevância da estatuição
o Para determinar a teleologia da lei é necessário compreender, antes do
mais, a sua estatuição. Só percebendo o que é que a lei estatui- permite,
proíbe ou obriga- é possível determinar qual a finalidade por ela
prosseguida
o Para a compreensão desta pode ser necessário considerar o enquadramento
sistemático da lei, pois que, muitas vezes, o que a lei permite, proíbe ou
obriga só pode ser entendido no âmbito do seu contexto
54
3.2. Fatores sistémicos
o A interpretação da lei deve considerar os princípios do sistema jurídico e
do respetivo subsistema em que ela se insere
o Este elemento releva sobretudo na interpretação conforme aos princípios:
esta interpretação determina que a lei deva ser interpretada em
consonância com os princípios formais e materiais que ela concretiza
o O intérprete deve procurar descobrir o princípio formal ou o respetivo
princípio material que fundamenta a lei e visar a sua otimização através da
interpretação. A melhor interpretação é aquela que conseguir a melhor
otimização do princípio formal ou material que está subjacente à lei
o Pode suceder que o intérprete se defronte com a dificuldade de determinar
o princípio formal que o deve orientar na interpretação da lei, i.e., pode
acontecer que, antes de procurar interpretar a lei de acordo com um dos
princípios formais, o intérprete tenha de procurar o próprio princípio
formal que o deve orientar nessa tarefa
o A escolha deste exige uma ponderação entre os princípios de justiça, de
confiança e de eficiência, devendo o intérprete escolher o princípio formal
que melhor se adequar aos interesses que a lei visa proteger
55
4. Elemento teleológico (importância do elemento)
56
Título I. Resultados da interpretação
1. Generalidades
57
1. Interpretação reconstrutiva
2.1. Configuração
o Na interpretação extensiva, o resultado da interpretação é mais amplo do
que o significado literal da lei: o espírito da lei vai além da sua letra, pelo
que essa fonte permite inferir uma regra que não está abrangida na sua letra
o Esta interpretação é uma interpretação prater litteram: a dimensão
pragmática da lei vai para além da sua dimensão semântica
o Nesta interpretação, há casos não abrangidos pela letra da lei que também
devem ser atingidos pela regra a inferir da lei
o A mesma ocorre sempre que a letra se refira à espécie e o seu significado
deva abarcar, por imposição dos elementos não literais da interpretação, o
género ou sempre que a letra de uma tipologia taxativa respeite a um ou a
alguns subtipos e o seu significado deva abranger, pelo mesmo motivo,
outros subtipos do mesmo tipo
o A esta interpretação está subjacente um juízo de agregação: o que vale para
a parte deve valer igualmente para o todo
o Nesta, a letra da lei comporta uma exceção implícita que não é admitida
pelo seu espírito
o Nada impede que as regras excecionais possam ser obtidas através de uma
interpretação extensiva das respetivas fontes
58
2.3. Delimitação
o A interpretação extensiva não se confunde com a interpretação declarativa
lata. Enquanto na 1ª o significado da lei vai além do seu significado literal,
na 2ª o significado da lei é o seu significado literal mais extenso
o Esta não deve ser confundida com a situação em que a previsão da lei é
uma tipologia ou uma enumeração não taxativa e em que a lei é aplicada a
um subtipo ou a uma situação que não está prevista. Assim sendo, cabem
na previsão legal não só os casos tipificados ou enumerados, como também
os casos análogos a esses casos
o A aplicação da lei a um caso não previsto, mas análogo aos casos
tipificados ou enumerados, não decorre de nenhuma interpretação
extensiva, pois que ela está em completa correspondência com a previsão
aberta da lei
3.1. Configuração
o Na interpretação restritiva, o resultado da interpretação é mais restrito do
que o significado literal da lei: o espírito da lei fica aquém da letra da lei,
pelo que não se justifica que se infira uma regra que seja aplicável a todos
os casos que são abrangidos pela sua letra
o Esta é uma interpretação citra litteram e baseia-se num princípio de
restrição, pois que a dimensão pragmática da lei fica aquém da sua
dimensão semântica
o Nesta, o mundo é mais pequeno do que a letra da lei, pois que há casos
abrangidos por esta letra que não devem ser abarcados pela lei
o Esta verifica-se sempre que a letra da lei respeite ao género e o seu
significado deva limitar-se, por imposição dos elementos da interpretação,
à espécie ou sempre que a letra da lei se refira a várias concretizações de
um tipo e o seu significado deva restringir-se, pela mesma, razão, a alguma
ou algumas dessas concretizações. Baseia-se assim num juízo de
desagregação, pois que o que está estabelecido para o todo só deve valer
para a parte
o Nesta interpretação, a letra da lei é «derrotada» pelo seu espírito, dado que,
apesar de essa letra não comportar nenhuma exceção, o espírito da lei
implica que ela seja interpretada como comportando uma exceção. Esta
constitui, neste sentido, exemplo de uma self defeasibility, pois que a lei
«derrota-se» a si própria
59
3.3. Delimitação
o Esta interpretação é distinta da interpretação declarativa restrita
o Enquanto na interpretação restritiva o significado da lei fica aquém do seu
significado literal, na declarativa restritiva o significado da lei é o seu
significado literal menos extenso
3.4. Consequências
o Esta interpretação conduz à inaplicabilidade da lei a factos ou situações
que são abrangidos pela sua letra, o que implica que esses factos ou
situações vão ser regulados por um outro regime jurídico. A determinação
deste regime comporta várias hipóteses:
• Quando a interpretação restritiva implica que o caso não tem
relevância jurídica e pertence ao espaço livre do direito
• Quando a interpretação restritiva da lei deixa espaço para a
aplicação de uma outra lei também vigente no ordenamento
• Quando a interpretação restritiva da lei não conduz à aplicação de
uma outra lei vigente no ordenamento, porque este não comporta
nenhuma lei aplicável aos factos ou situações que não são
abrangidos pela lei interpretada. Nesta hipótese, a interpretação
restritiva tem como resultado a construção de uma regra
excecional, aplicável aos casos que não são abrangidos por essa lei.
Esta solução fundamenta-se no seguinte argumento: se a regra é
constituída com base numa interpretação restritiva da lei, então o
que não cabe nesta lei é regulado, na falta de qualquer outra regra
aplicável, por uma regra de significado contrário à lei, i.e., por uma
regra excecional
Interpretação extensiva C₁ → p C₁ V C₂ → p
Interpretação restritiva C₃ V C₄ → q C₃ → q; C₄ → ~q
60
o Esta é uma importante garantia do Estado de direito e da separação
(cf. art.111º/1 CRP), porque ela não só assegura a prevalência da
lei sobre qualquer intuição ou sentimento do juiz, como obsta à
substituição do legislador pelo juiz
• A vinculação do juiz não é à letra da lei, mas ao resultado da interpretação
(interpretação declarativa/extensiva/restritiva)
• Em que condições o juiz- ou qualquer outro intérprete- pode não aplicar a
regra inferida da fonte? Isso implica a análise da interpretação ab-rogante
e da interpretação corretiva
2.1. Caraterização
o Esta é imposta por um ato de comunicação falhado e pode ser qualificada
como:
• Singular- quando a fonte não é inteligível em si mesma, i.e.,
quando o intérprete não lhe pode atribuir nenhum significado
• Sistémica- quando a fonte remete para um regime que não existe
no sistema jurídico; esta remissão é vazia de sentido, pois que a
fonte não tem nenhuma referência
2.2. Efeitos
o A interpretação ab-rogante da lei remissiva pode originar a chamada
lacuna oculta, porque, onde se pensava haver um regime jurídico, não há,
afinal, nenhum regime
o Há, então, que proceder à integração dessa lacuna (cf. art.10º CC)
• Esta pode manifestar-se tanto na aplicação da lei a um caso que ela exclui,
i.e., na eliminação de uma exceção prevista na lei, como na não aplicação
da lei a um caso que ela abrange, i.e., na construção de uma exceção não
prevista na lei
• Esta é justificada pela incompatibilidade da fonte com valores jurídicos
fundamentais, nomeadamente os que se referem aos princípios formais da
justiça, da confiança e da eficiência
• Esta não se confunde com a interpretação restritiva ou extensiva. Nestas,
os elementos não literais conduzem a uma restrição ou a uma extensão do
significado literal da lei. Já na corretiva, a letra e o espírito da lei são ambos
61
desconsiderados, dado que essa interpretação implica que a lei deixa de
ser aplicada a um caso que ela abrange
3.2. Concretização
o Esta interpretação foi entendida por Aristóteles (384-322 a.C.) como
constituindo a base da equidade
o A generalidade das ordens jurídicas exclui a interpretação corretiva, não
admitindo sequer o recurso à equidade para evitar consequências legais
tidas por indesejáveis. É esse também o caso do direito português, onde se
expõe no art.8º/2 CC que o dever de obediência à lei não pode ser afastado
sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legal
o Neste contexto é importante fazer 2 observações, ambas visando
demonstrar que o rigor do estabelecido no art.8º/2 CC não é tão acentuado
como, à primeira vista, poderia parecer:
• Uma interpretação corretiva pode ter alguma justificação naquelas
ordens jurídicas em que a letra da lei ou a vontade do legislador
sejam os elementos determinantes para a interpretação da lei. Esta
não é a orientação do direito português. Acresce que, sempre que
a injustiça ou imoralidade da lei interpretada constitua igualmente
uma violação de preceitos ou princípios constitucionais, essa lei é
inconstitucional (cf. art.277º/1 CRP)
o A solução estabelecida no art.8º/2 CC encontra a sua justificação na
vinculação do decisor à lei. Esta vinculação fundamenta-se na falta de
legitimidade do decisor para se afastar da lei e para a substituir por
qualquer outro critério na solução de um caso concreto
o Ao aspeto relativo à separação de poderes acresce ainda um outro
respeitante ao estatuto do juiz. Este não pode ser responsabilizado pelas
suas decisões, salvo em termos disciplinares, civis ou penais (cf. art.216º/2
CRP). Esta responsabilidade é uma consequência da vinculação do juiz à
lei
62
Título I. Deteção de Lacunas
63
• A lacuna pressupõe uma incompletude no ordenamento jurídico quanto a
certos casos, decorrendo da conjugação de 2 fatores:
o Fator negativo- a ausência de uma regulamentação legal
o Fator positivo- a exigência dessa regulamentação
64
CC) e a regra hipotética criada dentro do espírito do sistema (art.10º/3 CC);
estes critérios apenas podem completar o sistema jurídico, nunca podendo
desconsiderá-lo ou, menos ainda, violá-lo
o Do afirmado conclui-se: os sistemas jurídicos podem ser incompletos ao
nível das fontes- possuindo lacunas-, mas são sempre completos ao nível
das regras quando admitem critérios de integração de lacunas extraídos
deles próprios. O sistema pode assim ser lacunoso ao nível das fontes, mas
é sempre completo ao nível das regras que fornecem as soluções para os
casos com relevância jurídica. Pode-se assim falar de uma incompletude
no sistema, mas não de uma incompletude do sistema
65
que há lacunas que têm de ser detetadas sem haver um caso análogo
regulado na lei, pelo que também constitui indício de uma lacuna a
inexistência de regulamentação para um caso que não é análogo a nenhum
caso previsto. O que é relevante é que a regulamentação do caso seja
exigida pelo sistema jurídico
66
2. Classificações das lacunas (concretização)
67
Título I. Integração de Lacunas
68
1. Analogia jurídica (generalidades)
69
o O exposto significa que há que encontrar um critério que permita justificar
a proibição da aplicação analógica das regras excecionais que consta do
art.11º CC. Esse critério assenta na distinção entre uma excecionalidade:
• Substancial- é aquela que constrói um ius singulare, i.e., um direito
que é introduzido por razões de utilidade particular contra a razão
geral
• Formal- é aquela que contraria uma regra geral sem contrariar
quaisquer valores fundamentais do sistema jurídico ou que, apesar
de contrariar os valores fundamentais da regra geral, se apoia em
outros valores fundamentais. Isto explica-se pelo facto de que se a
excecionalidade é justificada por valores fundamentais diferentes
daqueles que justificam a regra geral, há apenas uma escolha do
legislador entre dois valores fundamentais: um deles orienta a regra
e o outro subjaz à exceção
o Só a excecionalidade substancial é incompatível com a aplicação
analógica das regras excecionais. Já a formal é compatível com a aplicação
analógica a casos omissos
o Do exposto decorre que o art.11º CC deve ser objeto de uma interpretação
restritiva, dado que não são todas as regras excecionais que não podem ser
aplicadas analogicamente, mas apenas aquelas que contêm um ius
singulare
70
o O que foi explicado a propósito das tipologias também vale para as
enumerações, i.e., para um mero enunciado sem referência a um mesmo
tipo
71
3.4. Analogia e ratio legis
o A identidade de razões que integra a noção de analogia fornecida pelo
art.10º/2 CC leva a concluir que a consequência jurídica que é atribuída ao
caso previsto deve ser igualmente adequada para o caso omisso
o Assim, se a regra estabelecer a proibição, a obrigação ou a permissão de
uma conduta, de um poder ou de um efeito, essa proibição, obrigação ou
permissão tem de ser apropriada para o caso omisso; se a regra definir um
desvalor jurídico, este desvalor tem de ser apropriado para o caso omisso
o O caso omisso só é análogo ao caso previsto quando os princípios que
orientam a regulação do caso previsto puderem ser transpostos para a
solução do caso omisso
72
• Analogia legis
▪ Aquela em que se utiliza, na procura dos princípios
orientadores de um regime jurídico, apenas a regra jurídica
que regula um caso análogo
• Analogia iuris
▪ Aquela em que se utiliza, na busca desses princípios, uma
pluralidade de regras jurídicas
o A distinção entre estas não se resume à utilização de uma única regra
jurídica ou de uma pluralidade de regras jurídicas na procura dos
princípios que devem orientar uma solução jurídica. Esta passa também
pela existência ou inexistência de uma regra jurídica que regula um caso
semelhante: na analogia legis, essa regra existe; na analogia iuris, essa
regra não existe, mas decorre do ordenamento jurídico um princípio que
permite resolver o caso em apreciação
1. Regra hipotética
73
2. Regra hipotética (construção da regra)
• A regra hipotética não cria direito, porque não é uma fonte de direito
• Pode, no entanto, ser considerada como construção jurisprudencial do
direito quando realizada por um juiz
74
Título II. Critérios de solução
1. Generalidades (enunciado)
2. Generalidades (ponderação)
75
2. Critérios não normativos (equidade)
2.1. Noção
o Esta é a justiça do caso concreto
2.2. Antecedentes
o O primeiro teorizador da equidade foi Aristóteles (384-322 a.C.)
o Em contraposição ao caráter abstrato e geral da lei, a equidade atende às
especificidades do caso concreto e procura encontrar uma solução justa
considerando essas especificidades
76
1. Critérios normativos (generalidades)
• Se, no ordenamento jurídico, houver uma única regra que regula o caso, é
ela que vai ser aplicada na sua solução
• Pode, no entanto, haver uma pluralidade de regras potencialmente
aplicáveis ao caso, assim sendo:
o Ou todas as regras são aplicadas ao caso, porque elas definem
diferentes efeitos jurídicos que são compatíveis entre si-
cumulação de regras
o Ou qualquer das regras pode ser aplicada ao caso, porque todas elas
definem o mesmo efeito jurídico- concurso de regras
o Ou só umas pode ser aplicada ao caso, porque elas são
incompatíveis entre si- conflito (pragmático) de regras
77
• Se uma das regras for geral e outra for especial, prevalece a regra
especial sobre a regra geral
• Se uma das regras for geral e a outra regra excecional, prevalece a
regra excecional
• Se uma das regras for principal e outra subsidiária, a regra
subsidiária só pode ser aplicada quando a regra principal não for
aplicável ao caso
• Se uma das regras consumir uma outra regra, só se aplica a regra
consumptiva
78
Título II. Teoria da argumentação jurídica
1. Função da argumentação
1. Teoria processual
79
o Alexy entende que a razão prática é a faculdade de chegar a conhecimentos
práticos através do sistema de regras próprias do discurso. Este defende a
tese de que o discurso jurídico é um caso especial de discurso prático
o Apesar de entre o discurso prático e o discurso jurídico não haver nenhuma
diferença quanto ao objeto (ambos procuram determinar o que é correto e
permitem aferir o que deve ser realizado ou omitido), o discurso jurídico
ocorre num ambiente que limita os argumentos que podem ser utilizados
pelos seus participantes. O discurso jurídico é, por isso, um discurso
prático com uma racionalidade própria, nomeadamente ao nível da sua
justificação argumentativa
80
• Racionalidade- garantem a igualdade da posição dos participantes
no discurso, a universalidade da argumentação e a liberdade desses
participantes perante qualquer coerção
• Sobre o ónus da argumentação- de caráter técnico, que repartem,
pelos participantes no discurso, o ónus de argumentar e de
justificar
• De justificação- relativas aos argumentos utilizados no discurso
prático
• De transição- baseiam-se na circunstância de os resultados de um
discurso prático poderem depender dos resultados conseguidos
noutras espécies do discurso, nomeadamente, no discurso
linguístico-analítico e no discurso teórico sobre o discurso
81
Título II. Análise da argumentação jurídica
Premissa P Conclusão C
Argumento A
Dado D Conclusão C
Razão R Exceção E
Fundamento F
82
1. Matéria de direito (generalidades)
2.2. Concretização
o Este permite integrar, através de um raciocínio por analogia, uma lacuna
(cf. art.10º/1 e 2, CC). Este só pode ser utilizado quando a analogia seja
admissível, o que o exclui sempre que a regra defina um ius singulare ou
contenha uma tipologia ou uma enumeração taxativa
o Este também pode ser utilizado pelo legislador para delimitar o campo de
aplicação de uma regra: nesta situação, o legislador previne a lacuna
através da inclusão dos casos análogos na previsão de uma mesma regra
83
3.2. Sentido forte
o Para se determinar se o argumento a contrario (no sentido forte) é
admissível, há que atender ao seguinte fator: a regra que o fundamenta tem
de ser uma regra insuscetível de aplicação analógica aos casos nela não
previstos, de molde a poder dizer-se que todos os casos que ela não
abrange são regulados por uma regra de sentido contrário
o Se a regra excecional constituir um ius singulare, a sua aplicação analógica
está necessariamente excluída (cf. art.11º CC), pelo que o argumento a
contrario é admissível
o Se a regra excecional não constituir um ius singulare, ainda há que
ponderar se, no caso concreto, se justifica a aplicação analógica dessa
regra ou a aplicação da regra contrária baseada no argumento a contrario
o As regras que contêm uma tipologia taxativa são insuscetíveis de aplicação
analógica e, por isso, também fundamentam o argumento a contrario. O
mesmo pode ser dito das enumerações taxativas
o O argumento a contrario também pode ter por fundamento a interpretação
restritiva de uma fonte, sempre que aquela não implique a aplicação de
outra regra do sistema jurídico
4.3. Funções
o Estes dois argumentos constituem 2 dos principais elementos de que se
pode servir o aplicador para resolver as inconsistências valorativas que
existem no ordenamento jurídico
85
2. Matéria de facto (argumentos presumptivos)
3.1. Origem
o A abdução é o processo de formação de uma hipótese explicativa
3.2. Caraterização
o Por vezes, a dificuldade não reside em determinar o facto, mas em
encontrar a sua causa (ou explicação)
o O argumento abdutivo é aquele que, partindo de uma conclusão de facto,
procura encontrar o facto que a justifica da forma mais plausível possível.
Portanto, o argumento abdutivo visa determinar o facto que constitui a
causa (dado) de uma conclusão de facto (conclusão)
3.3. Importância
o Estes argumentos relevam:
• No âmbito da matéria de facto- perante uma conclusão de facto, há
que encontrar as suas causas, pois que estas condicionam a regra
aplicável ao caso concreto
• Pois que a dialética de argumentos abdutivos é frequente em
qualquer processo judicial
86
Título II. Construção da decisão
87
3. Generalidades (fundamentação da decisão)
3.1. Necessidade
o As decisões dos tribunais aplicam uma regra a um facto, pelo que elas
conjugam matéria de facto (constituída pelos factos juridicamente
relevantes) e matéria de direito (constituída pela regra jurídica que é
aplicada a esses factos). É por isso que a decisão comporta premissas de
facto (relativas aos factos relevantes) e de direito (relativas à regra
aplicável)
• A matéria de facto deve ser alegada pelas partes do processo, i.e.,
pelo autor e pelo réu
• A matéria de direito é sempre conhecida oficiosamente pelo
tribunal
3.2. Importância
o Esta é essencial para o controlo da sua racionalidade, podendo dizer-se que
esta racionalidade é uma função da fundamentação da decisão
o Esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade da decisão
pois que esta só pode ser aferida pela fundamentação
3.3. Tipos
o Os tribunais devem fundamentar as suas decisões (art.205º/1, CRP). Esta
exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a
coerência interna e a correção externa da decisão:
• Coerência interna- coerência com as respetivas premissas de facto
e de direito
• Correção externa- correção da construção das suas premissas de
facto e de direito (as premissas têm de ser obtidas corretamente)
o A coerência interna só pode fornecer uma justificação ex post da decisão
o As dificuldades não residem na coerência interna da decisão, mas na sua
correção externa: extrair a conclusão adequada das premissas de facto e de
direito não é difícil; o que pode ser muito difícil é estabelecer essas
mesmas premissas
o Dificuldade de assegurar a correção externa da decisão: grande nos hard
cases e menor nos easy ou clear cases. Quanto maior for a dificuldade em
averiguar os factos relevantes, em interpretar a fonte ou em concretizar
efeitos indeterminados mais o caso se aproxima de um hard case
88
1. Correção externa
89
o Para aligeirar o ónus da prova do autor e a própria atividade dos tribunais,
o ónus da prova é distribuído de forma a evitar que o autor tenha de provar
todos os factos dos quais depende a procedência da sua ação
• O autor só tem de provar os factos constitutivos do direito de que
se arroga (cf.art.342º/1, CC)
• Ao réu incumbe provar qualquer facto impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito invocado pelo autor (cf. art.342º/2, CC)
o O esquema de repartição do ónus da prova assenta, quando visto pela
perspetiva do autor da ação, numa distinção entre probanda e non-
refutanda:
• Probanda- factos que têm de ser provados pelo autor, i.e., factos
constitutivos
• Non-refutanda- factos que o autor não tem de provar, mas que, para
que a ação possa proceder, não podem ser refutados pelo réu; estes
podem ser refutados por factos impeditivos, modificativos ou
extintivos
90
• Estando provado- há um facto que pode ser integrado na previsão
de uma regra jurídica
• Não estando provado- não há qualquer facto que possa ser incluído
na previsão de uma regra
o Mais problemática é a situação em que se verifica a insuficiência de prova
e em que, portanto, não há motivos nem para avaliar o facto como
verdadeiro, nem para qualificar esse facto como não verdadeiro
o Dado que o art.8º/1 CC não permite que o tribunal deixe de se pronunciar
invocando uma dúvida sobre os factos relevantes, há que encontrar um
critério que permita ultrapassar essa dúvida
o No âmbito da generalidade dos processos judiciais, a solução baseia-se no
seguinte critério: o tribunal decide contra a parte sobre a qual recai o ónus
de provar o facto controvertido
o O critério de solução é distinto no âmbito do processo penal: neste
processo, em consequência da presunção de inocência do arguido (cf.
art.32º/2 CRP), vale o princípio in dúbio pro reo, pelo que a insuficiência
de prova sobre um facto desfavorável ao arguido é sempre resolvida a seu
favor
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o Quando se trata de escolher entre 2 princípios ou 2 regras conflituantes
não pode deixar de se considerar a influência que cada um dos
princípios/regras exerce na aplicação do outro princípio/regra
o Esta influência é notória atendendo ao seguinte critério: compara-se a
razão que o princípio ou regra fornece para a sua aplicação com a
contrarrazão para a sua não aplicação que é fornecida pelo princípio/regra
conflituante
o Após esta comparação, prevalece o princípio ou a regra que «derrotar» a
contrarrazão fornecida pelo outro princípio/regra
o Verifica-se, assim, que o princípio/regra nunca são escolhidos pelo que
valem em si mesmos, mas pelo que eles valem no confronto com outros
princípios ou regras conflituantes ---» escolhe-se a opção que afastar (ou
«derrotar») todas as demais opções fornecidas pelo sistema
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• Outra é aquela em que o caso é omisso, mas não tem relevância
jurídica e, por isso, pertence ao espaço livre de direito; nesta
hipótese, o decisor decide com base na falta de relevância jurídica
do caso, o que só lhe permite proferir uma decisão que rejeita o
pedido do autor da ação
1. Coerência interna
o A coerência interna da decisão respeita à sua adequação com as respetivas
premissas de facto e de direito. Os efeitos jurídicos definidos nessa decisão
têm de ser coerentes com os factos apurados e com a regra aplicável
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2. Coerência interna (silogismo judiciário)
2.1. Estrutura
o A aplicação da regra jurídica a um caso concreto costuma ser descrita
através do chamado silogismo judiciário, que tem a seguinte estrutura:
(1) A premissa maior é constituída por uma regra jurídica
(2) A premissa menor é integrada por um facto incluído na previsão
da regra jurídica
(3) A conclusão é constituída pelo efeito decorrente da aplicação da
regra jurídica ao facto
2.2. Consagração
o As decisões dos tribunais devem comportar os fundamentos de facto e de
direito e concluir pela decisão final (art.659º/2, CPC), pelo que essas
decisões devem ser estruturadas segundo o esquema do silogismo
judiciário, utilizando um método dedutivo na sua fundamentação e na
relação desta com a conclusão
o A falta de coerência entre a decisão e as suas premissas é um vício lógico
a que corresponde um desvalor jurídico específico: a contradição entre a
decisão e os fundamentos gera a nulidade da decisão (cf. art.668º/1 c),
CPC)
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(2) Regra jurídica: aplicação da regra R₁ ao facto F₁
(3) Consequente: produção do efeito E₁
1. Aceitabilidade da decisão
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3.2. Escolha do critério
o Perante o afirmado, coloca-se a questão de saber que critérios podem ser
utilizados na concretização de efeitos indeterminados
o Resposta mais óbvia- há que dar relevância aos princípios formais e aos
respetivos princípios materiais que estão subjacentes à regra aplicável. A
decisão deve otimizar o princípio de justiça, de confiança ou de eficiência
que subjaz à regra aplicável, pelo que tudo se resume a saber qual a decisão
que é (a mais) correta em termos de justiça, de confiança ou de eficiência
o Há casos nos quais a construção da decisão requer uma ponderação entre
vários princípios que fornecem soluções opostas (mais difíceis de resolver)
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positivismo mais radical: o sistema já contém a resposta correta e o juiz só
tem de a descobrir
o A right answer thesis é ainda criticável numa outra perspetiva. Aceitando
que é possível atingir a única solução correta do caso, a discussão sobre a
correção de qualquer decisão fica restrita a uma opção entre uma resposta
favorável e uma desfavorável. Esta circunstância diminui a margem de
legitimação das decisões e aumenta as hipóteses de elas serem
consideradas incorretas, porque qualquer desvio da única solução correta
implica a sua qualificação como decisão incorreta
o Este inconveniente pode ser evitado se se utilizar um mais abrangente e
mais facilmente controlável critério de «aceitabilidade racional» ou de
razoabilidade da decisão
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