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Coleção Zero à Esquerda

Coordenadores: Paulo Eduardo.Arantes e Iná Camargo Costa

- Desafommados - Os mocdeiros falsos


David Snow e Leon Anderson José Luís Fiori
- Desorganizando o consenso - Poder e dinheiro: Uma economia po­
Fernando Haddad (Org.) lítica da globalização
- Diccionariode bolso do almanaque Maria da Conceição Tavares e José Luís
philosophico zero àesquerda Fiorí (Orgs.)
Paulo &Juardo Arantes
- Terrenos yuJcânicos
- Os díreirns do antivalor Dolf Oehler
Fra11ásco de Oliveira
- Os últimos combares -
- Em defesa do socialismo Robert Kitrz
Fernando Haddad
Co11selho &Jitorial da Coleção Zero à
- Geopolítica do caos
Esqiterda
Ignacio Ramonet
- Globalização em questão Otília Beatriz Fiori Aranrcs
Paul Hirst e Grahame Thompson Roberto Schwarz
Modesro Carone
-A ílusão do desenvolvimento
Fernando Haddad
Giovanni Arrighi
Maria Elisa Cevasco
-As meramorfoses da quesrão social Ismail Xavier
Robert Castel José Luís Fiori

Dados internacionais de Caralogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Haddad, Fernando
Em defesa do socialismo : por ocasião dos 150 anos do Manifesto
/Fernando Haddad. - Petróp o lis, RJ: Vozes, 1998.

ISBN 85.326.1992-4

1. Socialismo 2. Socialismo � História I. Título.

98-0908 CDD-320.531

Índices para catálogo sistemático:


1. Socialismo : Ciência política 320.531
Fernando Haddad

Em defesa do socialismo
por ocasião dos 150 anos do Manifesto

Ili EDITORA
Y VOZES
Petrópolis
1998
© 1998, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25 689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http://www. vozes.com.br
Brasil

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Editoração e organização literária: Renato Kirchner
Revisão grá/rca: Revirei: S/C
Projeto gráfico e capa: Mariana Fix e Pedro Fiori Arames
Supervisão gráfica: Vruderes Rodrigues

ISBN 85 .326.1992-4

Este livro foi composto e impresso pda Editora Vozes Ltda. em março
<le 1998.
A Eugênio Bucci
SUMÁRIO

9 Prefácio

11 Em defesa do socialismo

13 1 - O legado de Marx

37 II - Propostas de políticas socializantes

59 III - Perspectivas concorrentes

59 a) Welfare State nacional e mundial


60 b) Neonazismo

62 e) Fascismo
67 Agradecimentos
PREFÁCIO

Paul Singer

Em defesa do socialismo, de Fernan do Haddad, lem­


bra o Manifesto Comunista de Marx e Engels muito
mais do que o subtítulo. Ele, de alguma maneira, cobre
o mesmo t erreno do Manifesto: propõe um diagnóstico
do capitalismo atual, que chama de "superindustrial '�,
para si n a liz ar sua etapa cont emporânea (s u perior à eta­
pa "industrial" da época de Marx e E ngels); desenvolve
u m a nova teoria das classe s neste capitalismo, distin­
gu i n do uma classe proprietária e três classes não-pro­
prietárias; analisa diferentes int er-relacionamentos
destas cl asses para propor toda uma estratégia de luta
pelo socialismo que possa unir as classes não-proprie­
tárias nesta empreitada.
Alguns poderão achar que é muita pretensão elaborar
um novo Manifesto no fi n al do século XX, mas (feliz­
mente) não faltou p rete ns ão aos dois jovens intelectuais
alemães - Marx não ti nh a completado 30 anos e Engels,
28 - para escreverem um texto que mudou o curso da

9
história e a mane i ra de en tend ê la Fernando Haddad
- .

tem capac i d ade para fazer o que se propôs e seu texto


poder á abrir um debate que já e stav a tardando. As suas
resp ostas são evidentemente discutíveis, mas não cabe
dúvida que ele se faz as perguntas certas.
Eu resumir i a as questões centrais nos seguintes ter­
mos: o novo capitalismo mudou a organização da pro­
dução e os p roc essos de trabalho. Que e st rutu ra de
classes é determinada pel as atuais r el ações sociais de pro­
d u ção? Como se relaci onam estas novas classes, ao redor
de que elas lutam? Que progra m a de revolução social
pode r ia unificar as clas ses não-proprietárias, dadas as
tendências exc lu dentes da economia atual e alienante do
correspondente sistema de representação política?
Era ne cessário que alguém tivesse a audácia e a pre­
tensão de oferecer uma resposta articulada e consi stente
a estas questões. A resposta de Fern an d o Haddad tem

muito o caráter de hipótes es a serem verificadas por um


extenso programa de pesquisas. Seu mérito maior e s tá
em demonstrar que é possível tratar destas questões em
conjunto e que é possível elaborar uma teo ri a da revo­
lução social socialista à guisa de respos t a Esta teoria não
.

passa de um esboço, a ser usado como roteiro para a


d iscussão que os socialistas devem a si próprios. Marx e
Engels passaram as décadas seguintes ao Manifesto fun­
damentando as pos iç ões assumidas nele. Hoje em dia, o
desafio do texto de Fern a ndo Haddad delineia a ele e a
todos os interessados uma tarefa análoga.

10
Em defesa do socialismo

O mundo administrado perdeu controle. De leste a


oeste, de norte a sul. O Welfare State se desorganizou.
O Sistema S ovi é tic o entrou em co lap so. O Estado De­
senvolvimentista se desarticulou. Do ponto de vista ideô­
lógico, o ocaso dessas estruturas, associadas a práticas
progressistas, sugere, à p rimei ra vista, a vitória esmaga ­
dora do pensamento conservador que desde sempre as
condenava ao fracasso. Contudo, deve-se reconhecer
também que um a ce rta t rad ição m arxista , muito pouco
ouvida politicamente, mas a mais sofisticada t eoricamen­
te, jamais imaginou a emancipação humana como o re­
sultado dessas ex pe riê n c ias que ora naufr agam . É bem
verdade que o descontrole da administração do mundo
não estava no horizonte dessa tradição. Mas não seria o
caso de também p ensá - lo a p arti r da sua perspectiva e

11
não só da perspectiva hoje hegemônica? Será que o pro­
c e sso em m arch a não traz em seu bojo a abe rtura de
brechas que tornam possível a reorganização - a partir
do zero, bem entendido - daqueles que crêem na supe­
ração p os itiva da ordem vigente?
Num momento de refluxo do mo vime nto socialista,
Marx foi lembrado por um ca m arada de que, em uma
de suas obras, Hegel observa que imediatamente antes
que sur j a algo de qualitativamente novo, o antigo estado
r ecu p e ra a sua es s ê nc ia originária, na sua totalidade sim­
ples, u ltrap assando todas as diferenças que abandonara
enquanto era viável. Esse po de ser, precisamente, o caso
da "nova ordem" que aparece como a prova definitiva
da superioridade de uma determinada formação socia l
quando, na ve r dade , seria o sim ples anúncio de s eu es­
gotamento históriCo. Não seria p or i sso que junto com
o neoliberalismo surge uma ap aixonada compulsão a
an u n c iar a m o rte do socialismo e do pens am e n to crítico?
Talvez tudo isso seja uma celebração, mas por que a pres­
sa em encerrá-la, o nervo sismo estampado no rosto dos
convivas?

12
I - O legado de Marx

O principal defeito do movimento socialista até aqui


foi acr ed itar que, sob o capitalismo, o desenvolvimento
das forças produtivas materiais entraria necessariamente
em contradição com as relações de produção vigentes.
Em outras palavras, foi não perce ber o quão el ásti cas são
as relações de p ro du ç ão capitalistas, o quão adap táve l é
o si stem a, de modo que a dialética entre as relações so­
ciais capitalistas e as forças produtivas da socieda de mo­
derna des dob ra-se de uma forma completamente
diferente daq4 ela do pré-capitalismo. No pré-capitalis­
mo, as rel açõ e s de produção eram rígidas, as instituições
políticas e jurídicas eram quase imutáveis e se interpu ­
nham como barreiras ao progresso material. Nesse con­
texto, sim, o desenvolvimento econômico provocava
freqüentement e fissuras no edifício institucional das so­
ciedades, abrindo caminho para eventuais rupturas, le­
vad as a cabo por indivíduos que encontravam terreno
fértil para sua preg ação . Os socialistas incorreram em

13
erro ao pr omover uma indevida extrapolação dessa me­
cânica para a sociedade atual. Pois no caso do capi talis­
mo, ao contrário, o desenvolvimento econômico, longe
de ameaçar, legitima o sistema, torna-o progressivamen­
te· mais amoldável, amplia o grau de liberdade com que
seus gestores podem costurar acordos, alguns sólidos,
outros mais frágeis, mas ainda assim acordos, entre os
diferentes atores sociais. A luta de classes aguça, afr ouxa,
recrudesce e se volatiliza numa arena que é tão maior, e
portanto p e rmite movimentos menos circunscritos,
quanto mais intenso é o grau de desenvolvimento da
pro dução. Os limites do sistema são constantemente
alargados . A l ib erdade de ação, por certo, sofre sempre
o constrangimento do ciclo econ ômico, mas as crises
recorrentes, p elo menos até agora, nã o têm sido capazes
de romper o que parece ser o mau infinito da acumulação
capitalista.
Curiosamente, no plano estritamente econômico, a
teoria do maior pensador s ocialista era bastante flexível
ao formular as leis gerais do sistema capitalista. Toda lei
e conô mic a marxista admite contratendências importan­
tes. Tomada em seu conjunto, a obra de Marx, ao mesmo
tempo em que indica a tese da pau perizaç ão crescente
das classes não-proprietárias, relativiza-a ao contemplar
a possibilid.ade de que a luta de classes provoque efeitos
'
distributivos; ao mesmo tempo em que propõe a tese da
proletarização das antigas classes sociais , aponta pa ra a
emergência e provável crescimento das camadas médias
como fruto do desenvolvimento do sistema; ao mes m o

14
tempo em que desnuda a lei tendencial de queda da taxa
de lucro, admite sua e vit abil i da de pelo barateamento dos
meios de produção conseqüente do progresso técnico.
C on tudo, no plano institucional, esse te óri co genial con­
si de ra toda evolução, do sufrágio universal à s o cie dad e
por ações, co mo prenúncios da nova or dem socialista e
não como aperfeiçoamentos que vêm dar uma capacida­
de ainda maior ao sistema de se adaptar às demandas de
or de m social e de ordem técnica. Essa deficiência, cer­
tamente, não se deve a uma limitação do pensamento de
Marx ou do seu método de investigação, mas a uma li ­
mitação do seu pr ó p r i o tempo que não lhe p er mitiu com­
prov ar em toda sua envergadura a negatividade da sua
dialética.
O mesmo t i po de r ac io cíni o se aplica à chamada acu­
mulação primitiva de capital, "acumulação que não de­
corre do modo capitali sta de produção, mas é se u ponto
de partida ". Acertadamente, Marx previu que o capita­
lismo destruiria até as muralhas da China, obrigando
todos os povos periféricos ao sistem a a adotarem, sob
pena de perecimento, o modo burguês de produção. Mas
a forma como isso se deu nas diferentes regiões do pla­
neta desrespeitou t o da lei e toda l ó gic a. Da m es ma forma
que os liberais americanos dos séculos XVIII e XIX foram
cap azes de con s e rvar a escravidão com vistas a acumular
o necessário para garantir as co ndiç õe s da futura ordem
capitalista, os stalinistas sovié tic os do século XX foram
capazes de exacerbar o des p otism o oriental com essa
mesma finalidade. O capital se apropriou de todo pas-

15
sacio da humanidade1 tomou suas institui ç ões como cáp­
sulas vazias e lh es deu novos c on te údos , n ovas fun çõ es
e novos desígnios. Deu à luz a escravidão e o d e sp o ti s m o
oriental modernos que dos seus antepassados guar da
a aparência sem deles ter herdado um único gene. Todos
os caminh os levaram à Roma do capitalismo finalmente
mundializado, mas cada nação adotou seu passo e sua
trilha, sendo que c ada uma tem sua própria fábula para
narrar e deve fazê-lo sem esquecer, naturalmente, que a
época de transformação p el a qual passou não deve ser
julgada a par tir da sua própria consciência, mas sim a
p a rtir das contradições e constrangimentos reais da vida
material. Pouco importa o que os Pais Fu ndadores e o
Grande Irmão pensavam fazer se, na verdade, m anti ­
nham os grilhões m es mo que em nom e da liberdade.
Sob o capital, os vermes do passado, por vezes pre­
nhes de fa lsas promessas, e os germes de um futuro que
não v i n ga, tudo concorre para convalidar o presente,
enredado nu m a eterna reprod ução am pli ada de si mes­
mo, e que, ao se tornar finalmente onipresente, pretende
arrogantemente an ula r a própria História. Esse é o de­
safio que s e põe aos socialistas. A tarefa, 15 O anos atrás ,
pare cia bem mais fácil. Pensava-se poder contar com o
curs o das coisas. Mas o curso das coisas só faz n os manter
sob seu império. O processo ch egou a tal ponto de tene­
brosa sofisticação que envolveu o plano da cultura e do
comportamento. A todo movimento social contestador
de cunho particul ar corresponde o surgimento de uma
nov a indústría. Toda demanda social de transformação

16
cultural ou comportamental é satisfeita, não com o re­
volucionamento dos hábitos e costumes sociais, mas com
a o fert a abundante qe mercadorias e a reificação das
consciências. O caso mais eloqüente dessa mecânica tal­
vez seja o movimento de libertação sexual que, " vi torio­
so", ao invés de gerar uma s ocie d ade genuinamente
erótica , deu ensejo a um duplo movimento de erotiz a ção
do consumo de b ens e de objetivação das relações se­
xuais, dessublimação repressiva que desemboca na in­
dústri a pornográfica. E o que aconteceu com a sexua­
lidade é o paradigma para e n ten de r o que se passa com
o lazer, a espiritualidade, a ecologia a que corr espon dem
a indústria do entretenimento, a indústria da salvação, a
indú stria do turismo. O tempo livre, a alma e, quem
diria, uma p rótese de primei ra natureza, tudo é insumo
precioso na busca do lucro. Sob o pretexto de satisfazer
as necessidades humanas, a parafernália capitalista não
faz mais do que zelar pela sua perpetuação, rebaixando
os homens a meios de sua própria conserv ação . A saída
desse turbilhão capitalista, portanto, não passa por qual­
quer ti po de reivindicação parcial, pelos chamados mo­
vimen tos alternativos de protesto, que na melhor das
hipóteses " civilizam " o sistema sem superá-lo. Hoje,
como antes, continua valendo a velh a idéia de que "a
história de todas as sociedades que existiram até n ossos
dias tem sido a história das lutas de classes". Só que a
essa história há que se acrescentar um novo capítulo.

17
Poucas áreas do conhecimento alimentaram tantos
qüiproqu ó s conceituais qu a n t o as teorias de classes, de­

senvolvidas ao lon go do século XX. Os burocratas , es­


tatais e pr i va dos, foram acusados de compor uma nova
cl ass e dominante. Assim se passou também com os ge­
rentes, os trabalhadores qualificados e os intelectuais.
Criaram-se novos co nceitos : white collar, trabalhador
em escritório, nova classe média, tecn oc r acia , etc. Velhos
conceit os res surgiram : casta, oligarquia, etc. A um só
tempo, anunciaram a desqualificação e a qualificação de
todo trabalho. Falou-se - às vezes o mesmo teórico em
momentos diferentes de sua trajetória - de uma nova
clas se op e rária, composta por técnicos e engenheiros,
assim como de uma não-classe dos não-trabalhadores,
comp osta p or aque l es que ocupavam posições precárias
no mercado de trabalho. Uniram o lúmpen-proletariado
ao exército i n dustrial de reserva e apartaram-nos dos
trabalhadores com emprego. Fu ndir a m, cindiram, liqui­
dificaram, reclassificaram, tudo à maneira positivista,
.
ou
seja, ao bel-prazer do p esquisador.
Tudo isso teve sua razão de ser. A realidade p ar eci a

ter desautorizado a afirmação de que a época burguesa


teria simplificado os antagonismos de classe. No pré-ca­
pitalismo, Marx constata uma e scal a graduada de con­
diçõe s sociais. Em Roma, patrícios, cavaleiros , pl eb eus
e escravos. Na Idade Média, senhores, vassalos, mestres,
companheir os. Já no capitalismo, Marx supun h a que a
sociedade se div idi r i a em apenas duas classes dia m etr al­
mente opostas - a burguesia e o proletariado-; previsão

18
que, aparentemente, não se verificou. Contudo, ela­
borar uma teoria mais c o mp l ex a não p e r mite declará­
la per se m ai s fiel a uma realidade mais complexa; ela
pode m u i to bem ser apenas mais confusa, se lhe falta
o método adequado.
O conceito de classe social em sentido pleno é cor­
retamente definido, dentro do discurso materialista, pe­
las relações de distribuição que são expressão imediata
das relações de produção. Quando Marx refere-se às três
grandes classes, a dos trabalhadores assalariados, a dos
capitalistas e a dos proprietários fundiários, não quer
dizer que existam outras pequenas c amadas dignas do
nome classe. Embora, por vezes, Marx use esta denomi­
nação para se referir a 'outros grupos distintos dos três
grandes, do ponto de vista da dinâmica do sistema, a ele
só i nt e r es sava estudar as tendê ncia s relativas ao compor­
tamento daqueles grupos imediatamente ligados ao pro­
cesso de r e p ro d u ção material da sociedade. Esse é o
motivo pelo qual Marx, apesar de prever o aumento
numérico relativo dos serviçais domésticos ou dos fun­
cionários de Estado, não lhes dedica atenção especial.
Ainda que assalariada, essa camada não vende sua força
de tr abalho diretamente ao capital , como é o caso dos
trabalhadores da indústria (da fábrica e do escritório),
do com é r c io e das finanças, e, como tal, não pertence
nem constitui propriamente uma classe social.
Quanto aos limites de uma dada c lass e , superior e
inferior, aqui também o critério para defini-los não pode
ser outro senão o materialista. No limite superior, inda-

19
ga-se até que ponto um trabalhador com alta qualificação
e alta remuneração pode ser considerado membro do
proletariado. No plano inferior, indaga- se até que ponto
o desempregado pode ser considerado membro do pro­
letariado. Nos dois planos, a resposta só pode ser: até o
limite em que a d iferen ça entre essas camadas e o traba­
l hador simp l e s empregado, determinada ou anula da pel o
p roce sso real d e produção, é d e tal ordem que ela se
transforme em contradição. O ge r e n te que é assalariado,
m as partiç:ipa ativamente da gestão da empresa, da sua
política de c or tes e contratações, da formulação do seu
organograma, da sua política salari a l, etc., e que submete
todas ess as decisões ao princípio da maximização do lu­
cro, esse indivíduo, não por suas di sposi ções subjetivas,
mas p el o lugar que ocupa no processo de pro dução,
como funcionário do capital, ainda que não proprietário
dele, pertence à classe bu rgu esa. Correlativamente, o de­
sempregado cuja força de trabalho não é mais útil ao
capital, ou seja, cujas habilidades tornaram-se uma mer­
cad oria sem valor, esse p obre di abo , por não ter o que
v e nd e r, nem a si mesmo, n ão pe rtence ao proletariado.
O exér cit o industrial de reserva, não obstante, pela ex­
pectativa de seus membros de ainda p ode rem vender sua
força de trabalho na fase exp ans iva do ciclo dos negócios,
compõe a c la sse dos trabalhadores assalariados. Resumi­
d amente, portanto, a teori a m arxis ta de classe colocava
sob a rubrica de proletariado a massa de trabalhadores
que vendia sua for ç a de trabalho diretamente ao capital
- industrial, c om erc i al ou financeiro - e o exér c i to in-

20
dustrial de reserva; e colocava sob a rubrica de burguesia
os capitalistas, a alta g e rência e os proprietários fundiários.

Tudo a ndav a conforme o p revi s to , até que um fenô­


meno da maior importância, que apenas se d el i nea va no
século passado, tomou conta do cenário, particularmen­
te ap ó s a Segunda Grande Guerra: a transformação da
ciência em fator de produção. É certo que Marx foi o
primeiro economista a de clara r que "a burguesia só po­
de ri a existir com a condição de revolucionar incessante­
mente os instrumentos de produção". Na d é ca da de
1850, Marx foi muito mais além, ao ter afirmado que ,
à medida que a grande indústria se desenvolvesse, ainda
que a posição do trabalho social na forma da oposição
entre capital e trabalho permanecesse o último desen­
volvimento da re lação valor, a criação da riqueza e feti v a
não guardaria mais relação com o tempo de trabalho
im ediato que custa a sua produção, mas dependeria cada
vez mais d a situação geral da ciênci� do progresso da
tecno logia e da utilização da ciência na produção. No
século XIX, nenhum outro economista, clássico ou neo­
clássicol insistiu tanto na idéia de que o progresso tec­
nológico era inerente à lógic a de autovalorização do c a ­
pital, ou m elho r, era, a um só tempo, premissa e resultado
d a reprodução capitalista. E a superioridade da aborda­
gem de Marx era tamanha que esse crítico empedernido
do c apitalismo foi aquele que proj e to u com maior pre­
cisão o que seriam as ''conquistas materiais" desse modo
de produção: o aperfeiçoamento dos instrumentos de

21
trabalho, oconstante p rogre sso dos meios de comunica­
ção e transporte, o surgimento dos grand es centros ur­
banos e o esvaziamento do campo, a supressão da dis­
persão dos meios de produção, concentrados e centrali­
zados em grandes corporações, tudo foi visto e, de certa
forma, an te visto por Marx, que po de ria ser considerado
um visi o nár i o , não fosse o rigor do método que lhe p er­
mitiu tais descobertas. Décadas se p ass a r am até que fi­
n a l me nte um economista conservador se s e n t i s s e
o brigado a reconhecer o óbvio, mesmo que adotando; é
claro, pr emi ss as diferentes das de Marx.
Co ntu do, como· não poderia deixar de s er, foi esse
mesmo eco no mi s ta que, na d éca da de 1940, obsérvou
uma m udança na produção que viria jogar um papel­
a

chave na contemporaneidade. O pr o c ess o de autovalo.:


rização do capital acaba por endogeneizar o processo de
produção da própria ciê ncia e tecnologia, a partir da
criação nas empresas capitalistas dos Departamentos de
Pesquisa e Desenvolvimento. Essa modificação, que pode
ser enfoca da exclusivamente a partir de uma perspectiva
interna à lógica do capital, contou, p a ra seu pleno de­
senvolvimento, com fatores externos a ela, mas dela de­
rivados. A adoção de po l ít i cas keynesianas anticíclicas,
que, contra o se nso comum, permitiram o desentrave
completo do processo de concentração e centralização
do cap ital, o acirramento das disputas iry.t� r es tatais por
m atérias-primas e pelo capital financeiro que e ngordo u
os o rçam e ntos de pesquisa científica dos programas mi­
l i tar e de po is espacial, b enefi c iado s ainda mais pelo pos-

22
terior advento da Guerra Fria, a universalização do en­
sino básico e, em seguida, nos países centrais, do ensino
superior, público ou não, tudo isso preparou e adubou
o terreno dessa transformação radical do processo de
produção.
Do ponto de vista estrito da teoria de classes, essa
transformação do processo produtivo não poderia dei­
xar de trazer profundas conseqüências. A principal delas
foi a emergência de uma nova classe social, uma classe
associada a um novo fator de p rodução - a ciência-, ou
sej a, uma classe que, como as outras, é expressão ime­
diata das relações de produção: a classe dos cientistas,
engenheiros, técnicos e consultores contratados pelo ca­
pital para promover um contínuo processo de inovação
tecnológica e administrativa interno às empresas. Sob a
rubrica esdrúxula de capital humano, todo modelo teó­
rico recente introduz como argumento da função de pro­
dução o fator que essa classe controla. Dirão os menos
atentos que se trata de empregados do capital cujo ren­
dimento tem a forma de salário e que, portanto, perten­
cem à classe dos trabalhadores assalariados, ou seja,
trabalhadores qu alificados que compõem o chamado tra­
b alha d o r coletivo. Contudo, essa classe difere da cate­
goria dos trabalhadores qualificados por várias razões.
Em primeiro lu g a r, o rendimento de um agente
inovador, apesar da forma que assume, não é, a rigor,
salário. Esse rendimento, aliás, guarda algumas seme­
lhanças com a renda fundiária. Da mesma forma que
a propriedade fundiária é, como seu pressuposto, o

23
outro do capital, e a renda fundiária é a contrapartida
do monopólio da classe p r o prietári a da terra , a ciência
como fator de produção é o outro do trabalho, e a renda
do saber é a co nt r aparti da da posse oligopolístíca de
conheciment o relativamente exclusível, para usar um
jargão dos economistas. O processo de inova ção tec­
nológica que, nos tempos de Marx, podia ser visto
como uma sucessão de p onto s discretos relativamente
v is í veis , tornou-se, com a internalização da ciência
c omo fator de produç ão, um processo contínuo. Quan­
do um certo quantum de c onhe c i men t o relativamente
exc l us íve l incorpora-se a uma nova mercadoria, ela
go z a do mesmo grau de irreprodutibilidade daquele
fator de p r o dução que a concebeu. Até que esse co­
n he cimento relativamente e xclusív e l deixe de sê-lo, os
preços das novas mercadorias sofrem uma disto rção
na ex a ta medida do saber que elas comportam. Dessa
distorção apropriam-se os c api t a li st as proprietários
dos meios de produção da ciência e os agentes inova­
dores que os põem em marcha.
Em segundo lugar, a ativi dad e inovadora, ao contrá­
rio do trabalho qualificado, não produz valor. A inter ­
nalização da ciência ao processo produtiv o por meio da
contratação, p e lo capital, de agentes inovadores, fenô­
me no estranho ao s é culo XIX, não muda o fato de que,
por exemplo, o " custo de concepção" de uma nova mti:r­
cadoria não se co n fu n de com o " custo " , medido em tra­
balho social, de reproduzi-l a industrialmente, que é a
única medida do seu valor. Sem dúvida, o resultado d a

24
atividade de pesquisa e desenvolvimento se incorpora às
mercadorias. Mas ela não é uma ativi dad e produtiva, 116
sentido exato da palavra. Ela não produz mercadorias,
embora funcione c o mo promotora do aperfeiçoamento
do processo de pr od uçã o de me rca dorias .
Em terceiro lu gar, a a ti vid a d e inovadora não tem
relação com o tempo de trabalho. Em outras palavras, o
agente inovador, ao contrário do t r abalha dor qualifica­
do, não tem jornada de trabalho. Ele pode até ser obri­
gado a bater o ponto, o q u e em ge r a l não acontece,
mas, a ri go r, não tem j or na da fixa. Isto só é possível
porque os agentes envolvidos com o processo de ino­
vação exercem ativi dad e s de cunho teóri c o abstrato,
dos t écnicos até os cientistas, pas s an do p e los engenhei­
ros e c o n s u l to res . Essas ativi da de s , como se sabe, não
têm ho r a . Se o trabalhador simples vende ao c apital
força física e o trabalhador qualificado, força mental,
os agentes inovadores vendem força anímica - criativa
- que, diferentemen- te, nã o está quase n u n c a sob seu

co m a nd o no seu "tempo liv re ".


Em quarto l u gar, o padrão de reprodutividade dessa
força produtiva guarda mais rela ção com o antigo vir­
tuose medieval do que com o trabalhador m oder no . O
processo de sua reprodução já não é anônimo. A rigor,
o tip o ideal de agente inovador é o pós-graduado que se
submeteu a uma orientação pessoal de alguém que detém
uma p ar ce la de conhecimento não tot al me nte socializa­
do (saber de fronteira), seja por conta do nível de pro­
fundidade, seja por conta do grau de especialização. Há,

25
por certo, muitos agentes inovadores auto didatas ou que
não contaram com um apoio pessoal à moda da relação
mestre/aprendiz medieval ou, ainda, que não contaram
com nenhum apoio institucional, estatal ou privado . Esses
casos, não obstante, tendem a se tornar cada vez mais raros.
Há quem queira, pelas particularidades dessa cla s s e ,
defini-la co m o uma classe média. Certamente, a totali­
dade dos agentes inovadores merece a denominação de
classe por deter aquil o que deixa de ser si mp les produ to
social para se tornar mais um fator de produção. Como
a s demais classes, ela é a expressão imediata de novas
relações de produção, postas pelo capi t al . Mas essa classe
é simpl esm ente outra classe e, a título nenhum, encon­
tra-se no meio de q u a isqu e r outras duas. Há outro s que
pre ferem classificá-la como uma das categorias que com­
põem uma suposta nova classe trabalhadora. Essa classe,
contudo, é distinta da classe dos trabalhadores assalaria­
dos pe l o simples fato de não vender propriamente força
de trabalho - insumo que, ao contrário do que se a firma
atualmente, não desa p are ce do processo de produção. A
relação que esta classe estabelece com a classe dos capi ­
talistas é de outra natu reza : se, por um l ado, e la envolve
o conceito de alienação, tanto quanto a relação entre
capitalistas e trabalhadores, p ois esses agentes não co­
mandam a utilização do saber de que dispõem; por outro,
ela não en vo lve a noção de exploração, tanto quanto a
relação entre capitalistas e proprietários fundiários, p ois
sua atividade não produz valor.

26
H o je , essa classe, nos p aí ses desenvolvidos, já soma
milhões. Ainda que numericamente el a não possa ser
comparada à classe do proletariado, me smo se conside­
rado o contingente científico de reserva alocado ius uni­
versidades, o nde ela se r ep ro duz , seu fl1:0do de ser, seus
hábitos e sua visão de mundo imprimem cada vez mais
suas marcas na cultura contemporânea; en tre outras coi­
sas, p o rq ue seus valores e interesses, relativamente J.os

do proletariado, estão sobre-representados na mídia e,

em parte, incorporados aos bens pr oduzi d o s pela indlis·­


tria cultural onde ela exerce um papel fundamental. Por
outro lado, sua participação no produto, somada aos
lucros extraordinários que gera, aumenta continuamen­
te. É uma das cl ass e s sociais que mais cresceu em termos
absolutos e rel ativ os . Não há uma única co rpor açã o im­
portante no mund o que não conte com uma pequena ou
g r ande legião de p esquisad ores, cientistas, engenheiros
e consultores. Em algumas indústrias de ponta, a rend;:i
do saber sup era o total dos salários pagos. Numa das
novas indústr ias mais impo rtantes, a indústria de soft­
wares, encontramo-la em estado puro, cristalino. Nesse
caso, temos uma indústria literalmente sem operários,
que, a rigor, não p r od uz valor. O preço de um software
é pura renda do saber daqueles en v olvido s na sua elabo­
ração, renda que é r at eada com o capitalista que adiantou
os "salários" durante os meses ou anos que o projeto
consumiu. Como o saber, assim como a terra, só produz
renda se seu uso for, por força de lei, excludente, pode-se
di z er que o c orrel ato moderno da velha cerca de arame

27
farpado é a patente devidamente reconhecida e protegi­
da. Sem a patente, o preço de um software c ai ri a a zer o ,
já que zero é a qu antida de de trabalho socialmente ne­
cessário para r ep r odu zi - lo . A patente, h oj e mais do que
nunc a , assim como a cerca ontem são c o n di ç õ e s neces­
sárias do capital. A elas o capital de ve sua emergência e
seµ dinamismo.
Ao esquema d e Marx, que descreve as etapas de de­
senvolvimento da indústria capitalista, deve-se, p ortan­
to, acrescentar um estágio adicional . No pri me ir o es­
tágio, a manufatura substitui a a nti g a or ganização feudal
da indústria que, circunscrita a corporações fechadas, j á
não p o d i a atender à demanda que cre s c i a c o m a ab ertura
de novos me rcados . C om a ampliação desses, a própria
manufatur a to rnou -se insuficiente p a ra satisfazer as ne­
c ess idad es que cresciam ainda m ais . A grande indústria
supera a manufatura. Posteriormente, contudo, observa­
se a e me rg ê nc i a da su perin dú stri a capitalista, entendida
como aquela que internaliza o processo de inova ção tec­
nológica, que, fi n alme nte , exponencia o desenvolvimen­
to das forças produtivas e a am p li a ç ã o dos mercados
numa escala nunca ima gi nad a .
A cada etapa dessa evol u çã o corresponde, como sa­
b i a Marx, uma etapa p olítica distinta: manufatura e mo­
narquia absoluta; gr an de indústria e Estado de d i r eit o
representativo moderno. Q u ant o à su per í nd ú str i a, numa
primeira fase, nos chamados an o s dourados do capitalis­
mo, a e la corresponde o Welfare State. A superindústria,
inicialme nte, é a base material que pe rmite um a vanç o

28
inaudit o das conquistas do movimento sindical. Ela ga'""
rante, pela r iqueza que p r o duz, a margem de manobra
n e ces s ári a para um c ompromiss o de c l as s e . Che g ou-se a
i m agi n ar que o cap ita lismo p o de ri a, p e lo menos nos cen­
tros tecnologicamente di nâmi c o s , erradicar a mis é ri a e
até m e sm o a pobreza . Declarou-se, p o r conta da p acifi ­
cação d o conflito de classes o p e r a d a p elo Estado social,
que a te or i a de classes teria perdido suas referênci as em­
p íricas . Mas, a superindústria nesse p e r íodo apenas es­
boçava seus p ri m e i r o s movimentos . Ao contrário das
o u tr as formas de organização da i n dú st r ia , suas p re d e­
cessoras, a superindústria p o ss u i uma característica que
a toma o modelo p o r excelência o mais adequado ao
m odo cap i tal i s ta de produção . Enquanto todos os outros
mo de l os tornam-se obsoletos com a a m p l iação dos mer­
cados c o n sumi dor es , no caso da superindústria há uma
inversão dessa re g r a : os m er cad o s (nacionais) é que se
tornam c a da vez mais restritos para essa f orma de orga.,.
nização da p r o d u çã o . Se a grande in dú stri a criou o mer­
ca do mundial, a superindústria acaba por destruir as
bases naci onais sobre as quai s ele se assentava, e, c o m
elas, a base formal do próprio Welfare Sta te que ai n d a
p odia o p e rar, p or vários m e c a ni s m os de gestão, a socia­
lização de suas " conquistas materiais" .
A superindústri a enseja, então, u m p ro c ess o p eculiar
de internacionalização da e c o nomia, a imprecisamente
chamada "globalização " . A base técnica dessa o p e r açã o
é a t e lem ática, p rodu to dileto d o capitalismo sup erin­
du str i al . A telem áti ca , em p rim eir o lugar, faz crescer a

29
escala ótima de produção de uma infinidade de merca­
dorias num ritmo muito sup erior ao c r e scim ento dos
m ercados nacionais. A exp ansão do m e rcado interno dei­
xa d e ser ga r a nti a de qu e uma dada economia p ossa ab­
sorver mais e mais plantas indu str iai s de certos p r odutos .
A polític a i nterestatal d e formação de blocos ou mer ca ­
dos comuns bem como a p o líti ca interempresarial de
fusões e aquisições passa m a ser um imperativo da pró­
pria dinâmica da acumulação . Por outro l ad o, a telemá­
tica p e r m i t e , p el a ca p a c i d ad e d e g e r e n ci am ento e
m on i toramento que pr o p ici a, a descentralização da p ro­
dução dos c o m p on ente s de um determinado bem p or
diversos países, reeditando uma nova versão da l ei das
vantagens c omp a rativas , que fav or e ce a t e rce i rizaçã o e
a ac u mu lação flexível internacionais, p rát i cas que s u r gi ­
ram no Extremo O r i e nte, na década de 1 950, e que hoj e
se generalizam. Po d e - s e agora co.ncentrar a p r o dução de
componentes me n os sofisticados n a q u e l e s países ou re­
giõe s que ofer ec em baixos salários e pouca proteção so­
cial p ara seus trabalhadores, de modo que é mu i to con­
veniente para o c apita l que a formação de bloc o s econô­
micos c o nte mp l e a p ar ti c ip ação de países ou regiões com
essas características. Po r fim, a t e le m átic a, pel a integra­
çã o total dos mercados fin an c e i ro s d o mu ndo , p ermite
um mais fácil e esp eculativo processo de financiamento
externo das dívidas públicas i n t e rn as que custearam, no
perío d o anterior, os gastos mili t ar e s e sociais do Primeiro
Mundo e os gast o s com a industrialização do Terceiro
Mun d o sem iperiférico.

30
Diante di ss o tudo, a p osiçã o relativa de cada p aís no
c enário internacional muda a ca da rodada de transfor­
mações conjunturais. O di nam i s m o tecnológico, a escala
de p r od u çã o p ermitida pe l o me r cad o pote nc i al , o p oder
de cada Estado na disputa pelo capital fi n anc e iro inter­
nac i o n a l , etc. são as va r iáveis que determinam o nível de
a ti vid a d e e de competitividade de uma economia. Os
governo s neoliberais, expressão p o líti ca dessa nova fase,
menos re p resentativos e mai s d el egatár io s , disputam a
ta pa o título de melhor " c o m i t ê p ara gerir os negócios
c omu n s de toda classe b u rgue s a " . As múltiplas possibi­
li d ades de manipulação das variáveis-chave da economia
impli cam diferentes man eiras de i ns e r çã o de uma eco­
no mia nacional na ordem g l o balizad a, a l gu m as mais
bem-sucedidas, outras nem tanto. Entretanto, no agre­
g ado , uma das conseqüências inevitáveis desse processo
é a emergência, em nível m u n di a l, de um lúmpen-pro­
l e ta ria d o de tipo novo, camada que não é mais "o pro-:
duto pass ivo da p utrefação das camadas mais baixas da
velha s o c ie dade ;', como Marx a definiu, mas o r e su ltado
direto da nova forma de organização capitalista. Os des­
classificados p e lo capital superin dustrial, nesse s ent i do,
elementos heterônomos a t iv o s da sociedade moder na ,
não podem mais ser vistos como u ma c ategoria qualquer
e de somenos impo rtâ ncia na ordem atual, mas devem
p assar a ser encarados como uma verdadeira c las se social,
como as demais, entre outras c oi sas porque o não-ren­
d i m ento dessa categoria, ou seja, s e u rendimento extra­
e con ô m i c o oriundo da crimi nalidade, da mendicância,

31
da p equena extorsão, da c hantagem familiar, de favores
do Estado, etc., é também uma conseqüência i mediata
das relações de produção - tanto quanto o salário - e se
generaliza assim que o salário de mercado atinge um
patamar inferior ao mínimo necessário, historicamente
determinado, para a rep ro du ção material dos indivíduos.
Tirante a burguesia, composta pelos proprietários e
funcionários do capital, temos, portanto, três classes so­
ciais não-proprietárias. Durante o século XX, a cada uma
dessas classes, isoladamente ou não, foi atribuído o papel
de liderar a revolução das condições de existência. Mui­
tos continuaram confiando na capacidade do proletaria­
do de romper a o r d e m estabelecida. Outros preferiram
acreditar em quem nada tinha a perder, sequer um em­
prego digno, c omo o lúmpen moderno. E um número
expressivo de teóricos depositou suas esperanças na clas­
se dos agente s i n ova dor e s ou classe tecno-científica.
Contudo, na d a no capitalismo superindustrial é tão sim­
ples assim . O fato é que a condição de vida e a posição
no processo produtivo dessas classes ensejam comporta­
mentos diversos que se articulam ironicamente de tal
forma que acabam por dar uma certa estabilidade ao
siste ma Assim , o i n te resse particular de cada uma dessas
.

classes_, i soladamente consideradas, não parece se con­


fundir c om o interesse universal que todas elas j untas
eventualmente te riam .
No nível cognitivo-instrumental, há uma coalizão de
interesses entre a classe dominante e a classe dos agentes
inovadores, de um lado, e a classe dos trabalhadores e

32
dos desclassificados, de outro. As duas primeiras se be­
nefi ciam imediatamente do avanço tecnológico nos mol­
des c api talís ta s : a pri meira, através da ap reensão do lucro
extraordinário, e a segunda, através da estabilidade e dos
privilé gios (status, m aior renda, etc.) que o processo con­
tínuo de i novação lhe g ar an t e . É m u i to comum, também,
que muitos agentes inovadores não se encontrem exclu­
sivamente nos departamentos de pesquisa e desenvolvi­
mento; podendo ocupar, inclusive, p o s to s de gerência,
sej a na área administrativa, sej a na área produtiva. As
outras duas categorias vêem nesse mesmo processo de
inovação tecnol ógica, ou um estranhamento ou uma
ameaça : quantos e m pr e gos uma nova máquina subs titu i ­
rá ? ; que no vo s produtos s e rão dados à percepção, mas
não à fruição ? ; e tc.
No níve l prático-m oral, há uma comu nhão de valo­
res entre a c lass e dos age nte s inovadores e dos trabalha­
dores assalariados, de um lado, e entr e a classe dominante
e os desclassificados, de outro . No que se refere à l iber..:
d a d e , tanto os a g e nte s inovadores quanto os trabalhado­
res e stã o subsumidos intel ectual e fisicamente aos im­
p erativos da ac umu l aç ão de capital . A atividade criativa
do cie ntista e do técnico não está livre desses imperativos .
Muito menos o trabalho dos o p erár io s do processo de
p r o dução . Ao contrário, ta nto a classe dom in ante q u anto
a dos desclassificados gozam de uma certa l iberdade. Es­
tes últimos, por não terem nada, não têm n ada a perder.
Marx costumava dizer, com ironia, que o proletário é
l ivre em dois sentidos: livre para vender sua fo rça de

33
trabalho e " livre" do s meios de produção . Mas eles não
estavam " li v r e s " de um emprego. Os de sc l as sifi cados es­
tão " li vr e s " até mesmo disso . D e certa maneira, eles não
têm problemas m at e r i a i s porque não há solução p ara
eles. A classe dominante, num o utro sentido, es tá igual ­
mente l i v r e desses problemas, mas por e s tar e m todos
solucionados . Trata-se de uma liberdade diferen te, é cla ­
ro. Não obstante, o resu l tado prático-moral da " libe rda­
de" de que goza o lúmpen e da liberdade de que goza o
b ur gu ê s é o mesmo : um d e s co m pro mi sso, tanto quanto
po ssível , com as regras jurídicas e morai s que garantem
a co e são social, particularmente as regras d em ocráti c as .
No nível estético-expressivo, há uma empatia entre
a classe dos agentes inovadores e os desclassificados, de
um lado, e a classe dominante e a dq s trabalhadores, de
outr o . A po s itivi dad e da atividade destes ú lti m os p rati­
camente os e xcl ui desta dim ensão . No caso dos agentes
inovadores e dos desclassificados, sua posição está afe­
tad a de negatividade . Os desclassificados são forças pro­
dutivas que se transformam em forças destrutivas. Eles
m i m etizam os efe ito s destrutivos da . técnica ainda q ue
sem cons iderar o núcleo racional da m imese que, origi­
nal mente, no trato com a n atu r e z a , buscava resultados
pro du tiv o s . Por outro lado, no caso dos a ge ntes i nov a ­
d ores , a neg a t iv i dad e da atividade téc nic a e c i e n tífica
está, em primeiro lugar, no seu efeito inegavelmente des­
trutivo, conseqüência de seu caráter c r i ativo . Mas não é
só p o r esse caminho que os agentes i nov ad o res aproxi­
mam-se dos desqualificados. Essa re lação é em gra n de

34
parte mediada por u m certo tipo de obra de arte. Embora
arte e técnica não se confunda m - não se pode desco­
nhecer o valor posicional das ciências na realidade em­
píric a que visa o domínio da natureza -, deve-se re­
conhecer que tanto na arte qu anto na técn ica forç as idên­
ti cas atuam em esferas não idênticas. Co m a superi n dús­
tria, ess e vínculo entre arte e técnica se fortalece. Os
agentes p or tad ores da ciê n c i a , p ela primeira vez na his­
tó ria, comp õem uma cl ass e , mas ao mesmo tempo, en­
q u anto classe, estão inte l ectualmente s u bsu m id o s a o
c ap i t al . E s e algumas obras de arte denunciam o caráter
irracional da r eal i da de capitalista, o comportamento dos
desclassificados é a ex p ressão de s sa irracionalidade. Essa
irracionalidade, imediatamente, a m ed r onta e causa re­
v olta em todas as camadas sociais, mas, uma vez m ediada
por certas obras de arte, ela aparece, aos olhos dos agen­
tes inovadores, como uma espécie de reflexo no espelho.
Eles são cap azes de se reconhecer nela.
A teoria de classes prop osta, po rtanto, embora man­
tenha, num pl ano mais geral, uma ce rta visão dicotômica
que coloca proprietários, de um lad o , e não-proprietá­
rios, de outro, não deixa de a ssi n alar, entretanto, a he­
terogeneidade que envolve esses úl timos, dividindo-os
em forças produtivas, forças destrutivas e forças criativas
c uja unidade de perspectivas, a i nda que possível, não
está garantida automaticamente. E c omo nenhuma das
classes não-proprietárias, na sua particularidade, carrega
consigo interesses universais, a única forma de constru­
ção de um projeto alternativo de sociedade pass a pela

35
elaboração de um discurso comum que contemple as
peculiaridades de cada uma, mas que as lance para além
delas mesmas. O s o ciali smo , para de s p ertar o entusiasmo
desses ato r es sociais, não pode ser regressivo em nenhu­
ma das três di mensões mencionadas. Caso contrár io,
nunca será p ossível isolar a classe dominante num p ól o
e as de mai s classes no outro, condição n e ce s s ári a da su­
peração da ordem capitalista. Enquanto isso não se dá,
o neoliberalismo nos coloca à mercê de governos tecno­
cráticos, autoritários ou fascistas, dependendo das força s
sociais que a classe dom inante co nse gue congregar. Po ­
rém, uma coisa é certa : a idéia de um congraçamento
universal de classe nos novos marcos políticos do ca p i­
talism o parece, a essa al tura, pura fantasia.

36
II - Propostas de p olíticas
socializantes

A r i qu e z a das so ciedades onde domina o c a pita l i s m o


sup erindustr i al aparece c o m o imensa acumulação de
me rc adori a s e imensa o fe r ta de bens públicos. Excluídas
as transações internacionais, o produto nacional esgota­
se com os gasto s públicos, o investimento e o co ns umo .
Numa d em o c r aci a representativa, os gastos públicos se­
riam supostamente definidos p or um governo eleito p e l o
conjunto dos c i dadãos e, p o rt anto , deveriam r e fl etir as
preferências i ndividu ais desses c idadão s por e ste ou
a qu el e bem público : educação, saúde, segurança interna,
defesa externa, administração da justiça, etc. Os investi­
mento s, por sua vez, seriam defin idos pela burguesia,
mas seu sucesso ou fracasso s e r ia supostamente decidido,
em última instância, p elos consumidores, pois o dinhei­
ro, no mercado, funcionaria como um voto para conse­
guir que fo s se m feitas as coisas que se d es ej am, pre-

37
miando o e m p re sári o e ficiente. O c ons u m o , p o r sua vez,
rege r - s e-i a também p e l as curvas de preferências indivi­
duai s de cada consumidor que procurar ia maximizar sua
satisfação. Nesse r e i no fantástico onde o indivíduo seria
o senhor absoluto, até p r o b le m as como o desemprego
são vistos como uma opção, no caso, uma opção do tra­
balhad o r que não aceitaria sujeitar-se a um sa l á ri o menor
compatível com sua produtividade. Alguns te ó ri c o s che­
gam a e x p l or ar alguns paradoxos do sistema, m as no
geral concedem que o capitalismo seria o r e i no da l iber·
dade p o l ít i ca e da l i b e r d a de econômica. Uma vez que a
distribuição do p roduto é dada pela produtivi d ad e mar­
ginal d o s fatores, a única acusação que se p oderia fazer
à burguesia é a de consumir s u p é r flu o s ou ent eso urar no
lugar de investir produtivamente, o qu e provoca cr i s es
e e vid e n c i a a des i g u a l d a d e social . Contudo, m e smo
quando o ciclo dos negócios provoca exclusão social até
o li m it e do coletivamente su po rt áv e l , haveria sempre o
mecanismo de redirecionar os gastos públicos, por m ei o
do sistema el ei t o r al , no senti do de minimizar o s efeitos
de uma retração e c on ô mica.
Assim, o p ro j e to socialista, nos dias que correm, apa­
rece como algo mesquinho, fruto de ressentimento, que
p rete n d e ti rar a liberdade dos mais capazes. Um exa me
mais atento da sociedade cap i tal ista revela, entretanto,
u ma realidade oposta da apregoada. Numa passagem im­
portante de sua obra, Marx afirma q u e , nos estágios pré­
capital i stas, o homem era o objetivo da produção e n ­
quanto, no capit3lismo, a produção é o objetivo do ho-

38
mem, e a riqueza, o obj etivo da produção. À luz da in­
versão promovida pelo capitalismo, aqueles estágios pas­
sados ad qu irem uma aura de superioridade moral, p oi s
tinham a satisfação das necessidades humanas como fim .
Essa s e n s a ção s ó se esvai q u and o consi deramos o enorme
incremento que o capitalismo r ep re se n tou no intercâm­
bio universal e n tr e homem e natureza. Nos estágios an�
teriores, dada sua técn i ca rudimentar, a s a ti s façã o das
necessidades humanas era l i mitada. O capitalismo supera
esse constrangimento. C o n t u d o, o dom ínio d a natureza
patrocinado pela técnica cap ita l i sta se dá à cu sta da total
al ien ação do fim, os homens, em benefício da lógica da
acumulação. E isso p or que a or d e m capitalista, p ara so­
b r eviver, apóia-se num padrão tecnológico que cria mais
nece s si da d e s do que satisfaz, transformando-se n o r ei no
da insatisfação.
O proc e s s o de criação de n ec e ssi d ad es respe ita a se­
guinte lógica : o con su mo põe i d ea lm ente o obj e t o da
produção como n e c essi da de ; mas q u an do o c onsu m o se
liberta d a sua r u deza primitiva e perde seu caráter ime­
d iat o , o próprio cons umo é mediado pelo obj eto e a
necessidade que sente de s te objeto é criada pe l a percep ­
ção do mesmo. Assi m , a produção não cria somente um
objeto para o suj eito, mas também um suj e i t o p ara o
o b j et o . Isso significa que aquel e s que decidem o que será
p roduzido pela s o ci e d ad e decidem também o que será
dese j ad o por e la, aind a que de diferentes modos pel os
i ndivíduos isoladamente. A dec isã o do que pr o duzir, por
sua vez, leva em conta o p a drão de distribuição do pro-

39
duto p e l os indivíduos, mas a arti cul ação da distribuição
é i nte i ramen te determinada pela articulação da pro d u­
çã o . A p r ó p r i a distribuição é um produto da p ro du çã o ,
p ois o modo pre c i s o d e p a r ti ci p a ção na produção de­
t er min a as formas p articulares da distribuição. O pa­
drão d e distribuição, p o r fim, circunscrito p e l o modo
de produção, c ont e mpl a mesmo assim inúmeras p os­
sibil i dade s . Uma m e l hor distr i b u ição, resu ltante da
luta entre as cl asses, or i e n ta a pro dução n o s e n t i d o de
uma maior s a ti s fa çã o das necessi dad e s . Mas isso não
reso lve o pro b l e ma de que, s ob o capitalismo, dada a
gestão p.r ivada do processo de i n ovação tecnológica, a
correspondência entr e a p erc e p ção e a possível fruição
não acontece, e a própria luta de classes é alimentada
p e l o desej o ins ati sfei t o de t o d os .
Rigorosamente, a correspondência entre p e r ce p ção
e fruição não está completamente desaparecida, ela per­
manece confinada na dim e n s ão estética. Diante de uma
obra de arte, percepção e fruição coincidem, a necessi­
dade da o b r a é simu ltâ nea ao prazer que ela p roporciona.
Já no âmbito da reprodu çã o material da vida, muito s
percebem e são car ente s daquilo de qu e só alguns u su­
fruem. Nesse processo, o gozo de poucos perverte-se :
acaba tendo menos a fu nç ão de saciá-los e mais a finali­
dade de ac en d er o desej o dos d em ais , subm eti d o s a uma
p rivaç ão que é afinal o que de fato faz com que os poucos
gozem. Não é por ou tr o motivo que o capital i smo supe­
rindustríal "pacifica os es p ír itos " por meio de uma dup l a
estética : uma estética de "feira de exposição", o nde a

40
massa da população vai admirar, muitas vezes sem p oder
comprar, o belo i nc orpo rado aos p ro d utos l ançad o s pela
indústria, o que não deixa de ser uma forma sublimada
de consumo - aquilo que não pode ser comprado é c o n ­ "

sumido" como "obra de arte " -, e uma estética "erudita",


na qual o feio é incorporado à grande arte, como reflexo
da sempre reposta i ndi gên cia so c i a l .

Marx era de o pi ni ão .que a nacionalização ou a so­


cialização d o s meios de produção e distribuição alteraria
p or si o quadro. A organização e a direção de todo apa­
rato p r odu ti vo p e lo s p r oduto r es imediatos organizados
e m comunas hierarquizadas d e forma pi ramid al intro­
duziriam uma modificação qualitativa no padrão tecno­
lógico capitalista, a saber : produção visando à sati s fa ç ão
de n ec essida de s i ndividuais livremente desenvolvidas. O
planejamento econômico e a democracia direta comu nal
seiiam os mecanismos que gar anti ri am um pro cesso so"."
cializado de satisfação e criação de nece s si dade s den tro
de uma ord e m racional imune a crises. Os inve sti m e n­
tos seriam dem ocraticamente redirecionados para a
p r o d u ç ã o dos b en s que viessem a satisfazer as ne cessi­
dades mais prementes, antes de criar n ovas, ao m e s m o
tem p o que a abolição da p ropriedade p rivada geraria
uma distribuição do produto soc i al de ti p o novo, que
te ría como ú ni co critério o trabalho p restado p elos
me mbros da comunidade. Novas necessi dades seriam
criadas som e n t e por decisão coletiva dos produtores,
reconciliando-se os momentos da p rod ução e da s atis­
fação, da p ercepção e da fru ição.

41
Desde que esse quadro foi pi ntado, a intervenção
estatal pla nifi cado ra na econo mia e as formas de dem o ­
cracia direta ou p artici pativa têm sido defe ndidas p elos
socialistas como mecanism o s progressistas de atenuar as
mazelas do livre - mer c ado e os pro b lemas da democracia
re p resentativa. E enquanto formas ne ga da s do mercado
e da representação p olítica, esses mecanismos têm cum­
prido, por vezes, quando utilizados limitadamente, uma
importante função reguladora na ordem capitalista. Mas
quando, na luta pela superação do livre-mercado e da
democracia representativa, essas práticas são levad as ao
paroxismo, a quantid a de se transforma em má qualida­
de : elas acabam por se interverter em inst i tuições regres­
sivas que configuram o que se pode chamar de des­
potismo moderno. Essa de-formação, que padece de uma
contradi ção interna de c urto prazo, se teve algum caráter
progressista, do p o nt o de vist a estritamente ec o nô m ico ,
foi em s o c i e d ades muito atr a s ad a s onde o c apitalismo
mal se form ara, no sen tido de a l avanc a r o proc esso de
acumulação primitiva. Prosperou na Ásia, cujo passad o
p olítico-econômico facilitou sua implantaçã o , e foi im­
p osta, por razões mili tare s , em quase todo Leste Euro­
p eu, causando os estragos conhecidos. Ruiu em boa hora,
ti rando dos ombros dos socialistas um fardo po l ítico des·
comunal, mas lhes impõe, ao m esmo tempo, a tarefa
absolutamente i mprescindível de re p ens ar os es t ági os , a
estratégia e as políti c as que nos conduzirão para for a da
lógica do ca p ital sem ab rir mão da funcionalidade do

42
aparato político e e c o n ômi co e da lib e r d a d e formal dos
indivíduos.
A s ubvers ão da lógica do capital p assa pelo m e r c ad o
assim como a subversão da lógica da democracia burgue­
sa p a ss a pela representação p olítica, numa articulação
que não s im p l esme nt e faz de um o li m i te do outro por
meio de contrapesos e comp ensações, m a s numa articu­
lação por meio da qual e le s se interpenetram, subverten­
do-s e . As tarefas são a s s e gui ntes : no p lano econômico,
trata-se de reorientar a produção e a distribuição da ren­
d a no âmbito do m e rcado ; no plano político, trata-se de
democratizar a d e fin i ção da pauta pol íti c a e a informação
a ela pertinente no âmbito da representação .
Ao invés de tomar o mercado como um prove dor de
s inai s que indica ao ca p it alis ta o que os indivíduos dese­
jam, visão fantasiosa do processo real, os c i d ad ão s , atra­
vés de seus representantes, devem e nco n t rar uma forma
de si n alizar os bens que d e sejam que sej am o bj etos de
desejo. Isso i mpli ca "politizar a economia" de uma ma­
n eira particular. A realização prática dessa proposta passa
pela democratização da pol ític a tributária. A principal
função do si st e m a tributário é a arrecadação, resp eitada
a capac idade contributiva dos c i dadão s e d as empresas.
Por meio dos tributos, o Estado se habilita a prover aque­
les bens pú b li co s materi ais e culturais indispensáveis à
reprodução d a sociedade. Uma função subsidiária, mas
não menos importante, é a utilização d o s impostos como
mecanismo de alocação d e fatores de p r o du ç ã o escassos,
ou sej a, como um e misso r de sinais orientadores da pro-

43
dução no sentido de aumentar o bem-estar social. Os
estudiosos de finanças públicas vêm dando ênfase cres­
ce n te a esse aspecto da questão. Contudo, a cham a d a
Welfare Economics padece de um vício fundamental : to­
mando as preferências dos consumidores como um dos
critérios de formulação tecnocrática de urna política tri­
butária ótima, ela negligencia o fato de que, ao menos
potencialmente, a interação dos cidadãos na esfer a pú­
blica po d e modificar as preferên c i as desses mesmos a gen ­

tes reveladas no ato de consumo na esfera privada. Por


isso, a pergunta "o que quero q u e seja produzido ? " deve
ser respondida, evidentemente que em linhas gerais, tam­
bém naquela esfera. Essa questão, até agora, tem sido
insuficientemente poli tizada O critério para distinguir
.

o necessário do supérfluo deve ser, antes de mais nada,


produto da interação social . Isso implica uma discussão
públ ica que antecede a definição da política tr ibutária
que, corno toda lei, deve subme ter-se ao ju lgamento
p révio dos cidadãos. Dessa forma, a aplicação de um
imposto sobre superfluidade dos bens, que todo sistema
tr ibutá r i o co ntempla sob diferente s denomin ações,
deixaria de respeitar uma lógica burocrática, suj eita a
toda ordem de arb itrari edades; ao contrário, a aplica­
ção a um só tempo m ais radical e mais transp arente de
um imposto como esse dar ia aos cidadãos . condições
de regular democraticame nte o processo de criação de
novas necessi dades e de redirecionar o processo de i no­
vação tecnológica no s entido da satisfação das neces­
sidades mais prementes.

44
Essa medida, e ntretanto, que altera o padrão da ofer­
ta de bens, teria um efeito p r áti co bastante limitado se
o pad r ão da demanda não fosse igualmente alterado por
uma melhor distribuição da renda. No quadro a tual , de
acirramento da competição e da corrida ao corte de cus­
tos, isso só pode ser obtido por meio de uma modificação
daquilo que os economistas c h a m am de d o taçã o i n i c i al
d e fat o r e s, ou, d it o de outra forma, por m e i o da socia­
lização da pr o p rie da d e privada, m anten d o-se, p e l os mo­
tivos já expostos, a independência g e r e n ci al das unidades
p ro du ti vas, ou s ej a , mantendo-se o mercado. A r e a l iz a ­
ção p r ática dessa proposta p as sa p or a l g o próximo (e vai
além) da chamada pro p riedade cooperativa, algo que
difere da propriedade estatal e da propriedade p r i v a d a
e que tem chamado a ate n ç ão de importantes e c ono mis ­
tas e cientistas po l ític os contemporâneos. S em perda de
eficiência e de competitividade, a propriedade coopera­
tiva, por razões óbvias, en s ej ari a uma melhor di str i bui ­
ção de r e n d a que trari a em seu boj o o resultado eco­
nômico de modificar o padrão da demanda e o resultado
p olíti co de fortalecer a democracia.
A tr an siç ão do atual capitalismo de sociedade por
a çõ e sp ara uma esp écie de capitalismo co o p er ativo exi­
giria : 1) estímulo à c o o p e r at i vação dos n ão -proprietá­
rio s , p or m e i o da impl antação de novas u n i dades
produtivas sob esse regime , do estímulo técnico e fin an­
ceiro p ar a que os trabalhadores das emp r e s as em crise
assumam seu comando, da d em o cr ati z aç ão da gestão dos
fundos de pensão, pú blicos ou não, o ri e n t a ndo seus re-

45
cursos para o fi nan ci am e nt o de proj etos dessa natureza,
de estímulos fiscais; 2) i m p osto progressivo sobre a pro­
priedade e sobre sua tra ns m i ss ão inter-uivos e causa mor­
tis; 3 ) centralização p rog r e s s iva nas mãos do Estado
democrático do processo de intermediação fina nc e i r a ,
garantindo-se, por meio do controle do crédito, recursos
para a cooperativação dos não-propri etários e c o n di çõe s
de monitoramento do ciclo dos negócios para o qual as
políticas ke y n e s ianas clássicas se mostram ineficazes.
Sem que seja ne c es sári o expropriar quem q u er que
sej a, o crédito se mostra um mecanismo eficiente de so­
cialização. A co o p erati v a por ele financiada, seja agríco­
la, com er c i a l ou industrial , conta c o m g ran d e s vantagens
com petitivas em relação à sociedade por ações. Embora
ela tenha que p agar os j ur o s à a gê nci a fi nanciadora, tanto
quanto esta última tem que distribuir dividendos, ela
p od e dispor daqu i l o que se ria o " lucr o do empresário"
p ara amortizar o " capital", para investir, ou para aumen­
tar os salários, que seriam móveis tanto quanto a j orn ada
de trabalho. Aliás, a escala móvel de salários e a esc ala
móvel de j o rn ada de trabalho tornariam-na mais apta a
concorrer com a s oc i ed ade p or ações principalmente em
ép ocas de crise dur an te as quais a flexibilidade é um
trunfo imbatível.
Há m uit os casos recentes de coop erativação a serem
estudados, uns bem-sucedi dos, outro s não. Quem quer
que denuncie o caráte r retrógrado de um tal emp r e en ­
dimento simplesmente não sabe o que se passa no mun­
do. Em vários p aíses desenvolvidos há exemplos de

46
trabalhadores que assumiram o controle ac io n á rio de
pequenas, médias e gr andes empresas. Há também exem­
plos de gran d es empresas que foram originalmente or­
ganizadas sob o regime d e cooperativa, por vezes fi­
n ancia das p or bancos p o p u l ar es instituídos com o fim
específico de e st i m u l ar tais iniciativas. Co ntu d o , deve-se
observar que não há p recedente histórico de um governo
que tenha a dota do uma p olíti c a nacional deliberada de
estímulo à coo p erativação, m a nti d o s o mercado e a de­
mocracia re p resentativa. Isso foi ape n as esboçado em
p aís e s escandinavos, mas nunca imp lementado.
Uma iniciativa dessa natureza, sem dúvida, contaria
com o apoio d as três classes sociais não�proprietár i as sem
o que o su cess o do e mpreendim ento e s tar i a comprome­
ti d o . Um dado eloqüente é o apoio dado pelos não-pro­
pri etários de uma maneira geral a um movimento tido
como radical como o Movimento dos Trabalhadores S em
Terra (MST) . Trata-se de um movimento que mudou
completam e nt e a pauta clássica de reivindicações : ele
não reivindica maior remuneração o u m e no r j or na da,
não reivindica igualmente favores do Estado, sej a renda
m íni ma ou seguro-desemprego, ainda que tudo i sso seja
muito j usto . Revolucionariamente, o MST quer crédito,
apoi o técnico e autonomia para organizar s uas coop era­
tivas. Apesar do seu escopo limitadíssimo e ai n d a não
muito nítido, as demandas do MST têm caráter universal,
aplicável a todo ramo de atividade eco n ôm i c a, em pe­
quena e em grande escal a. São iniciativas dessa n a tu re za,
progressivas em todas as di m e n s õ e s da vi d a social, que

47
devem sempre chamar a atenção dos socialistas e lhes
servir de inspiração p ara sua conduta política. Pois são
elas que congregam as três classes não- p roprietárias e
isolam a classe dominante de uma forma cristalina e p o ­
líticamente p rofícua.
Na persp ectiva prop osta, portanto, numa primeira
fase do proj eto socialista conviveriam propriedade so­
cializada e mercado. Mas, p ara que este não pusesse a
p e r d e r a marcha do cooperativismo, nem aquela p u s es se
a pe rd er a funcionalidade do mercado - o que imp l i c a a
autonomia das unidades p r oduti vas e a concorrência en­
tre elas -, far-se-ia necessário gar antir que a p ropri e da de
dos meios de pr o duç ão das empresas cooperativas per­
t e nce ss e a um fundo pú b l i c o não-estatal : público por ser
ve dado aos trabalhadores c o op e r ativ a do s reprivatizar
tais meios de produção ; não-estatal por ser vedado à
autoridade do Estado ferir a autonomia da sua gestão,
que traria consigo ainda todos os vícios burgue s es : ma�
ximização do " lucro", p oderes ilimitados aos gerentes -
ainda que pudessem ser e s col hi do s p elo coletivo dos tra­
balhadores -, div i s ã o autoritária do trabalho, etc . Numa
segunda fase do proj eto socialista, caso todos n ós apren­
dêssemos, tal como os ar ti s tas , a inovar ou criar sem a
necessidade de estímulos pecuniários extraordinários,
p oder-se-ia c o nc eb e r a h i p ó te s e de superação do me r ca­
do, não p elo planejamento burocrático, seu op osto, mas
por uma decorrência até certo ponto natural do proces­
s o : sob o comando dos não-proprietários, as cooperati­
vas, progressivamente, p assariam a coop erar entre si,

48
inclusive transnacionalmente, concorrendo para a supera­
ção do sist em a produtor de mercadorias em escala global.

O m esm o desenvolvímento teórico feito no pl ano d a


ec o nomi a p od e ser transposto mu tatis mutandis p a ra o
plano da política, embora as condições n e s s e caso não
s ej am absolutamente sim é t ri ca s As modernas teorias
.

b ur gu e sas da democracia en c ar a m -n a como um método


de sel e ç ão de líderes que manu fatu ram as vo n tades de
uma massa apaixonada ou como um método de seleção
de plataformas políticas por cidadãos ra cio n ai s orienta­
dos p e l o auto-interesse. A ma ni p ul aç ão e a persuasão,
num e noutro caso, seriam possibilidades oriundas, res­
p ectivamente, ou d a própria irracionali dade do eleito­
r ado no seu conjunto ou da falta de p l e n a informação
derivada dos altos custos a ela asso ci a d os Apesar disso,
.

os liberais insistem que a d e mo c ra c i a burguesa garantiria


a absoluta igualdade de condições de divulgação e a ab­
s ol uta liberdade de formulação de programas políticos.
Essas visões pueris do mo de rn o p r oc es s o p olít i co n ão
levam em conta justame nte o fund am ental O o co rri do
.

.
com a esfera p ública, des d e o seu surgimento com a as­
c e n s ão do Terceiro Estad o, r evela, a qu i também, uma
outra realidade : a igualdade e a liberdade mencionadas
eram reais quando o acesso à esfera pública era restrito
ao círculo dos proprietários; a ulterio r am p l i a çã o desse
acesso aos não-proprietários por meio do sufrágio uni­
versal o cor r e com o surgimento qu as e que co nc o m i t a n t e
dos modernos meios de comunicação de massa, sem os

49
quais a p o l ítica moderna é impensável. E esses m ei o s ,
possuídos p e l o círculo dos proprietári os_, são g e r i d o s se­
gundo a l ógica p rivada qu e vai definir, e m última instân­
cia, a pauta po lít i c a em d is c ussão numa esfera p ú b l ic a
que, na modernidade, está toda ela conti da na própria
mídia no lugar de abarcar-lhe.
A primeira conseqüência da lógica do mercado nesse
campo, fruto imediato da concorrência e ntre os diversos
meios de comunicação de massa, é justamente o baratea­
m ento da informação. Só que e s se barateamento não diz
res p e it o unicamente ao preço, mas' particularmente ao
conteúdo da i n fo r m ação : esse é o aspecto relevante. Em
busca de escala de produção, as empresas de comunica­
ção esforçam-se por c o n ce b er um p ro dut o p a dron iz a d o
e p razeroso. Para tanto, o produto não pode exigir gran­
de esforço do co ns um idor que quer se informar. Deve
mover-se nos trilhos das assoc i aç ões habituais por meio
de uma busca compulsiva de c l a r eza. Isso só é poss íve l
se se isola a informação do proc ess o social em seu todo,
o que impõe aos meios de com unicação de massa o mero
registro dos fatos, ou seja, "a duplicação p arc e lada do
mund o com imparcialidade " , uma contradição e m ter­
mos que se interverte em divi nização da realidade tal
como ela é. A ilusão do j ornalismo " progressista" está
em querer romp er essa lei de ferro, ouvindo "o outro
lado " de uma e stó r i a ou se p e rmiti n d o comentários crí­
ticos, sem perceber que o produto atrofia e inibe a ima­
ginação e a espontaneidade do c on su mi d or em virtude
de sua própria constituição o bj eti va . A única maneira d e

50
ganh ar quali dade crítica é p erd er mercado e de fi nh a r A .

oferta d e uma hierarquia de p ro du to s " qualitativamen­


te" distintos tem men os a ver com o conteúdo do que
com a estratégia c om erc i al para q u e nenhum co ns umi dor
de informação escape, reduzin do-o a m er o mate ri al es­
tatístico . Nos canais abertos de TV, a co i sa se c omplica
ainda m ais, p oi s se a míd ia escri ta s e vale de u m uni­
vers o co nc e ituai empobr e ci do p ara rep ortar, a mídia
te levisiva se vale de um ar s en a l p r é -concei tual . Seu pa­
drão de comunicação é dado p e l o s e u suste ntáculo m a ­
terial, a publicidade, cuj a esp e ci a l i dade é provocar o
maior e f e i to p sicológico no tel esp ectador n o menor
la p s o d e temp o . Ne ss e p r o c ess o , a p al a vr a se converte
de veículo substancial do si gnificado em signo desti­
tuído de quali da-de, fechando-se comple tame nte ao
novo. Retroativamente, a mídia impressa tam b é m aca­
ba sendo afetada e, fin<:?-l m e nte, m esmo a p o lítica tem
qu e se r e n der ao marketing, conv ertendo o chamado
"líde r " num p ro du to manu faturado.
O correlato de um i m p o sto sobre a superfluidade
dos bens mate r i ai s s e ri a um imposto sobre a sup erficia�
lidad e dos bens culturais pro duzi do s em massa. Isso po­
rém está fora de cogitação num Estado democrático, p ois
faltaria à maioria p o l ítica o c ri t éri o de aplicação. Uma
política cultural que, por exemp lo, favorecesse a arte
erudita em de trime nt o da arte p opular, ou vice-versa,
seria uma c o mpl e ta aberração. S e , na e sfer a material,
quase todos têm a medida da sua própria carência, n a
esfe r a cultural, quas e ninguém te m a medida d a sua es-

51
tultice . Nesse plano tudo concorre para que a "reprodu­
ção sim p l e s do espírito não leve à reprodução ampl iada" .
Além disso, um m ec ani sm o desse tip o no âmbito d a cul­
tura p o d e r i a representar uma gr ave ameaça ao di rei to
da m i noria . Uma coisa é o c o r p o de representantes dos
ci dad ão s , por meio de uma p o l ítica tributária de mocra­
tizada, orientar a utilização dos fato res de produção num
sentido o p o st o à da . c r i aç ão daquelas n e ce ss i da de s que
só uma minoria c o m recursos p oderia ver satisfeitas, ou­
tr a coisa é esse mesmo corp o atribuir-se po d e r e s para
restringir o camp o de ação e p e r su asão de minorias po­
lítico-culturais sem vez ou voz. A socialização dos m e i os
de comunicação, a partir da criação de cooperativas de
j o r n ali s t a s e a rt i sta s , autônomas frente ao E s ta do , sem
dúvida, alteraria esse quadro substancialmente. A refor­
mulação do ensino básico e a universalização do e ns i no
su p e rio r também. Essas duas m e d i d as sem dúvida e l e va­
riam o p ata ma r cultural da sociedade. Contudo, para o s
socialistas a qu est ão prévia que se coloca é a de como se
apresentar perante as três classes não-proprietárias e co n ­
quistar-lhes a confi a nç a para articular to das aquelas suas
iniciativas que concorrem para a sup eração da o r d e m ,
tanto no plano mate r i al como no cultural. Por tudo o
qu e se disse no p r i m e i ro capítulo, não nos bastaria con­
fiar na co nsciênc i a de cl ass e dos não-proprietários, es­
p on tân e a ou tr azida de fora p or uma vanguarda, nem
tampouco, p e l o que s e di sse n e sse ca p ítulo , confiar uni­
c a m e nte num bom programa de transição, divul gado por
militantes aguerridos, em campanha cívica, emb o r a isso

52
seja muito importante. Restaria entregarmo-nos ao mar­
keting, mas, nesse caso, é a forma qu e contaminaria a
compreensão do conteúdo libertário de um programa
radical. Ainda que o marketíng seja uma exi g ênci a in­
contornável da m o d e rn a política de massa, ele só deve r i a
ser u t i li z a d o sob a con dição de se sujeitar a imperativos
de outra ordem que não os dele mesmo.
Os períodos eleitorais têm s i d o vistos como períodos
de a gitação i d e o l ógí ca nos quais os políticos se dão a
conhecer, esforçando-se por conquistar as simpatias dos
el e i to re s . O pro ce s s o é coroado p el a eleição, entendida
c o m o um método de seleção. Co ntu d o, o que e s cap a a
essa concepção de democracia é o fato de que o p eríodo
el ei t or al é um mo m e nt o riquíssimo no qual o e le i to r não
som ente c o n h e c e as p l a taf o r m as dos candidatos, mas
p rincipalmente se v al e de toda s ua dinâmica pa r a , num
certo sentido, conhecer a si mesmo e se fazer co n h e c e r .
O marketing político, e n tr e t an to , guiado p e l a s concep­
ções rasteiras do el eitor-co nsumidor, só oferece as con­
d i ç õe s p ara que ele c o nfi r m e o juízo que t e m de si e
re afirme suas convi cções e preconceitos. Os i m p ul s o s
lib ertários permanecem adormecidos no inconsci ente :
todos saem do processo como e n tr ar am . Uma r evira­
volta po l íti c a e xi g iri a, portanto, uma forma de discur­
so que desl ocasse os s uj e i t o s de suas p o s i çõe s habituais
mesmo que no interior de um unive rso lingüístico m a is
estreito, p ermitindo-lhes traz e r à consciência esses seus
imp ulsos. Nesse p onto, t e m os todos m u i t o a ap r e nder
com a p sicanálise.

53
A r e c ep ç ã o da psi canálise pelos socialistas foi bastan­
te conturbada. Inicialmente as ten tati va s de c o ncili ar a
p s i c a n ál i s e com o m a rx i s m o foram ridicularizadas. Fal­
taria a o freudismo, principalmente, a compreensão do
c a r át e r histórico da repressão sexual, i mpossibi litando-o
de vislumbrar as possibilidades de mudança social . Mas
alguns s o c i al i s tas não tar da ri a m a p erceber o p ot e nc ial
crítico da nova ciência. O caráter materialista da teoria
da libido e o desmascaramento d a unidade da persona­
lidade p ermitiam um a leitura dial étic a da e s tr utu r a psí­
q u i c a d o s i n d i v í d u o s em t e r m o s d e a p ar ê n c i a (a
c on sc i ê n c i a) e essência (o inconsciente), tal como a te o r i a
crítica tratava os fen ô men o s socíais. A psicanálise viria
assim su p r i r, no seio do marxismo, o degrau faltante
entre b ase econômica e superestrutura ideológica. Além
disso, a psicanálise poderia aj u da r a exp lic ar a est ab il i ­
dade da ordem cap ita l ista num momento em que sua
necessidade obj etiva já havia passado. Numa o u tra chave,
procurou-se extrair dessa teoria sua força crítico-utópi­
ca, m algrado o p e ss im ismo exp r es so p elo seu fundador,
e n fati zan do -s e aqueles e le m e nto s que efetivamente p r o­
j etavam-se para lá do sistema p resente, na di r eç ã o de
um a civilização erótica. Tanto na ve r s ão crítico-resigna­
da como na v e r s ã o crítico-utópica da recepção marxista
da psicanálise, a terapia jamais foi p l en ame nte aceita pois
sempre esteve ass ociad a à i déia de que seria im p ossíve l ao
indivíduo alcançar a cura numa s oc iedade irracional co mo
a capitalista. Quando, finalmente, a te rapia é reconsiderada
pelo membro mais i mp ortante da segunda geração dessa

54
tradição, ela é e nten dida "idealisticamente" como mero
re apren di zado de uma gram áti c a, como recomposição
possível de um i nco ns c iente gramaticalmente deteriora­
do , p e r d endo - s e dessa forma todo potencial materialista
d e crítica social.
O que parece não ter sido suficientemente ex plor ado
ainda é o potencial emancipador da forma di scur s i va da
psicanálise e m política como contrap onto do marketing.
Emb o r a a te or i a crítica j amais tenha deixado de reco­
nhecer o caráter individual da psique, rejeitando o es­
forço revisionista de so ci olo gi z ar o indivíduo, e l a nunca
perdeu de vista que tanto a força das erupções psíquicas
como seu p róp r i o conteúdo estavam condicionados pela
lógica da reprodução material. S e mp re reconheceu que
uma s e l e ção de traços, o núc le o essencial da estrutura
psicológica da maioria dos membros de um grupo, de­
senvolve-se como resultado de exp eriências básicas e do
m o d o de vida c o m um . A rigor, o indivíduo, para o m ar­
x ismo, nem sequer chegou a se constituir historicamente,
p oi s o caráter de classe da s o c i e d a d e fixou cada um n o
estágio do mero ser genérico. O marketing, de certa for­
ma, r e c onhe c e isso, mas c o m o " psicanálise deteriorada"
que se preocupa com o " bem-estar do cliente " e não com
a sua "cura". Uma mudança radical dessa p ostura p a s sa �
ria por t o m a r os eleitores não-proprietários como suj ei­
tos ativos que, na sua particularidade, estão dispostos a
fazer c on he ce r e da r vazão a impulsos emancipatóri os
qu e , em grande p arte, são comuns. O desafio está em
e nco nt r ar a fo rma discursiva que un i fic a essa disposição,

55
respeitàdas as diferenças existentes entre as três classes
dominadas.
O Partido dos Trabalhadores, nos anos 8 0, conse­
guiu, em parte, ess a proeza. S em um programa definido,
num país semi-analfabeto, pela simples forma como se
apresentava ao e l e i t o r a do, conheceu um c re sc i m e nt o
vertiginoso e um p r e s tígi o social espantoso. Não vinha
com fórmulas prontas, mas observava o movi men to so­
c ial mais arrojado, o rga ni zava sua pauta e eventualmente
dava caráter geral a reivindicações particulares. Onde
havia um s op ro de vida social criativa, lá e sta va o PT,
ap r e n dend o a ouvir. Com método, extraía das experiên­
c i as de que participava a qu i l o que tinha força transfo r­

madora. Mesmo s e m ter c o nsegu i d o e laborar u m a


p lataforma política verdadeiramente socialista, quase
chegou ao poder pelo voto. Ninguém sabe ao ce r to como
teria s i d o um governo nacional petista em caso de vitória
eleitoral, mas o PT, mais pela forma do que pelo conteú­
do d o seu discurs o, obteve apoio c r e sc e nte no seio das
três classes não-proprietárias que iam, atr av és de l e, en­
contrando compatibilidades de perspectivas. Nos anos ,
9 0, o PT equivocadamente resolveu atri bu ir às suas vi r­
tudes a resp onsabili dade p e l o seu fracasso e l eito r al.
Hoje, infelizmente, o p a rtido que funcionou como uma
espécie de " p sicanal i s ta sociaP' é que está p recisando de
uma boa ter ap ia .
Os socialistas jamais deveriam d e s p r e z ar a experiên­
cia p e tis ta dos anos 80. E mesmo um governo s ocialista
não deveria abrir mão de ss e aprendizado, p o i s é através

56
del e que se encontrará o caminho de eliminação de todo
mecanismo de coerção estatal sobre a s ociedade : esse é
o único significado plausível p ara a expressão Estado
evanescente . Enquanto isso, cabe aos soci alis t as revitali­
zar a c o mb al i d a democracia representativa que, no pre ­
sente contexto, é a melhor forma de defesa das classes
não-propri etárias e de acomodação dos seus discrepantes
interesses. Mas, tudo dando certo, tão logo a coerção se
mostrasse desnecessária, a própria representação política
p oderia ser sup erada, com a redução do Estado a um
m ero ofertante de bens públicos, m a t e riais e culturais,
desprovido de todo conteúdo p olítico, caso em que não
s e ria mais um corpo destacado que paira por sobre a
sociedade, mas como algo que se con fun diria com el a .
Nesse caso, no lugar dos atuais Estados nacionais con­
correntes , ter-se-ia, finalmente, o advento de uma ver­
dadeira comunidade internacional.

57
Ill - Perspectivas Concorrentes

a) Welfare State nacional e mundial

O socialdemocrata, regra geral, é um sujeito de boa


alma. O social democrata de ti p o nacionalista quer de­
sesperadamente ressuscitar o status quo ante, recom p on­
do a base formal do seu p araíso . O socialdemocrata de
tipo internacionalista, cético em relação às pretensões
do colega, quer estender os tais direitos sociais para toda
p o p u l ação do planeta. O primeiro tem base político-so­
cial, mas o conteúdo do seu programa é retrógrado. O
segundo não tem base político-social, mas o conteúdo
do seu programa é "utópico", daí o interesse que des­
p e rta Ambos compartilham a idéia de que é possível dar
.

fe ição humana para o c apit al i s m o sem macular o sa gr a do


direito de p ropriedade. Ambos d e s c o nh e c em que o Wel-:­
fare State é produto de uma conjunção de dois fatores :
o dinamismo tecnológico, que gera um aumento d a pro ­
dutividade do trabalho doméstico e um fluxo de lucro

59
extraordinário da p eriferia e da semiperíferia para o cen­
tro ; e o endividamento público, que é o mecanismo pelo
qual o Estado socializa esses ganhos sem a necessidade
de taxar o capital ou o trabalho, postergando in d efini ­

damente o acerto de contas entre as classes sociais . Por


não co mp reen der os limites desse mecanismo de socia­
lização, dado pela capacidade de endivi damento do Es­
tado, o socialdemocrata nacionalista pensa ser possível
manter, nas condições atuais, o mesmo padrão de socia­
bi lidade dos anos de ouro do capitalismo. Por não en­
tender o caráter desi gual e combinado do desenvol ­
vimento tecnológico de cada Estado nacional, o social­
democrata internacionalista p ensa ser possível, sob o ca­
pitalismo, a constituição futura de um Estado mundial
ou a adesão dos Estados nacionais a regras universais que
garantam o bem-estar. Os socialdemocratas logo perce­
berão as limitações desses projetos e se dividirão entre
aqueles que aderirão ao ideário neoliberal, tido c omo
alternativa única de i nserção das economias naci onais na
ordem globalizada, e a causa socialista, cuja forma é na­
cional, mas cujo conteúdo é internacional, e que se apre­
senta como o caminho alternati vo que con cilia de­
senvolvimento econômico e universalização de direitos.

b) Neonazismo

É fato comum na História dos povos que formas


dessubstancializadas sirvam, como invólucros, de habi­
tação para discursos e práticas inteiramente novos, cuj o

60
alcance e sentido não r a r o c ol idem com os o rigi n ais . Tal ­
ve z o ne o n azis mo s e nos apresente como mais u m c aso,
uma vez que se u fun damento mate rial , psicológico e ex­
i ste n ci al difere radicalmente daqu e l e em que se apoiou
o mo vim ent o nazista, ainda que os skinheads a dotem
como símbolo a suástica, como ídolo, Hitler, e, como
doutrina, a tese do espaço vital .
No p e r í o do p ós- 1 945 , a manutenção d e uma situa­
ção i nternaci o na l confortável para as e co n o m i as c e n ­
trai s tinha p e l o m e nos dois p ressuposto s : 1 ) um m a i s
ou menos livre trânsito de mercadori as e 2) a i n exis­
tên c ia , tanto quanto possível, de um fluxo de p essoas.
Se a mercadoria deixa um crédito no país de ori ge m
que será tanto maior quanto mais " ciência" ela tiver
em si incorp orada, o i m i grant e desqualificado l eva
consigo um débito, uma vez que s eu trab alho exceden­
te s erá, muito provavelmente, menor do que os b e n e ­
fícios q u e receberá do Welfare State.
Num momento em que este último perde sua base for­
mal como conseqüência da própria lógica de acumulação
de c apital , é justamente em relação a este segundo pressu ­
posto que o discurso neonazista en co ntra o seu eixo. O
neo nazism o assume integralmente o que o neoliberalismo
não diz, mas p r ati ca com reservas. E aí encontra-se o pri­
meiro traço distintivo fundamental entre nazismo e neo ­
nazismo. Se o primeiro é sinto ma da "pobreza" (alemã) em
me i o à aflu ê ncia, o s e gun do é s in toma da afluência (ame­
ricana e européia) em meio à pobreza. Disso de co rr e a
diferença entre as concepções nazista e ne onazi sta de es-

61
paço vital : o conceito nazista implica a expansão do es­
paço vital e, n este sentido, ele é totalizante ; o conceito
neonazista implica a delimitação do espaço vital e, neste
sentido, ele é simplesmente excludente. O neonazismo,
em contraponto ao nazismo, pretende mais preservar o
igual do que eliminar o diferente. Prefere expulsá-lo, o
que é ou tr a coisa, por sutil que seja.
Uma conseqüência marcante disso tudo é que o neo­
nazismo não ex i ge necessariamente a figura do líder ca­
ris m áti c o . A mera delimitação do espaço vital p ode ser
fe i ta de forma d i sp e rs a e, em grande p ar te , anônima. A
ausência do Führer é sintomática. A estatização da di­
mensão estética promovida p elo irracionalismo n azi sta
lhe dava ar e s "pós-modernos" . O neonazismo, ao co n ­
trário, é m ais moderno, mais técnico, mais mesquinho
e, por isso, mais "inofensivo " . Ele não poderia p rovocar
a m or te de 60 m i lh õ e s de seres humanos a bala. Sua
defesa intransigente da ordem econômica vigente p o d e rá
provoc ar a m orte de U:m número ainda maior de p e ss o as,
mas de fom e . Por fim, é p re c iso salientar que o neona­
zismo não é nem será um fenômeno l ocalizado. Ele é
possível onde quer que populações relativamente abas­
tadas convivam com a pobreza etnicamente delimitável,
seja em S ão Paulo ou Berlim.

e) Fascismo

Os economistas sabem que as atividades de " des trui ­


ção criativa" , que são a essência do capitalismo, são aque ­
l as qu e p roporci onam ga n h os extraordi nários muito

62
acima do lucro médio proporcionado p e las atividades
rotineiras. Contudo, o que poucos economistas obser­
vam é que, do mesmo modo que se supõe que as inova­
ções orientadas para o lucro extraordinário e seus efeitos
s e agrupam no tempo, por força da concorrência inter­
capitalista, o que exp licaria a alternância de longas fases
de prosperidade e depressão, poder-se-ia sup or que essas
inovações também se agrupam no espaço, por força da
concorrência interestatal, o que explicaria a divisão da
economia mundial em núcleo orgânico e periferia. Como
essa segunda hip ótese violava as leis do modelo de equi­
líbrio geral wal rasiano, transp osto para o p l ano interna­
cional, os economistas negligenciaram completamente
essa possibilidade. Pregaram que as economias nacionais
convergiriam rumo ao seu paraíso liberal e, quando os
dados lhes negavam cré dito, os acusados eram os gover­
rios e os p ovos dos p aíses atrasados e não suas sacrossan­
tas leis econômicas .
Assim, deixaram de p erceber o óbvio . Quando as
empresas de uma determinada jurisdição política c ome­
çam a inovar, elas acabam fortalecendo indiretamente o
poder político onde operam que, por sua vez, terá maior
liberdade para criar um ambiente jurídico-institucional
e de infra-estrutura econômica mais favorável para a ati­
vidade inovadora, gerando um processo circular e cu­
mulativo. Dito de outra maneira, o processo de inovação
não só gera lucros · extraordinários para as empresas,
como também, através de uma relação simbiótica com o
Estado, gera as externalidades que o retroalimentam. Os

63
páísei tâ�italistas pioneiros formam então um n úcl eo
· ()tgâilicC>que goza de uma riqueza "oligárqu ica" não uni­
.
.• vé:rsalizável. Ao contrário, as tendências do pr oc ess o irn­
. p licam uma polarização c res ce n te da ec o n o mi a mundial
numa zona p e r ifér i c a e numa zona de núcleo o rgân ico
de cuj a rigidez raríssimos p a ís e s conseguem escap ar.
Tudo faz lem b rar um fenômeno físico elementar: soltem­
s e dois corpos l a d eira abaixo, um imediatamente após o
outro, e se perceberá que, quanto maior a distância per­
corrida pe l os mesmos, m ai o r a distância que os separa.
A observação das traj etórias das economias p e riféri­
cas, entretanto, revela a existência de países que c omp õem
um grupo intermediário relativamente e s táv el que con­
s e gu i u até aqui resistir à t en dên ci a de periferização, em­
b o r a n ã o t e n ha c o ns e g u i d o acumu l ar fo r ç as p ara
sup e rá -l a . Esses Esta d o s semiperiféricos, de alguma for­
ma, conseguem i s o la r as atividades inovadoras local i za­
d as dentro de suas jurisdições d as pressões com p eti ti vas
mun diais, mas, ao fazê-lo, privam-nas de possíveis eco­
nomias de escala e daqu ele ambiente comp etitivo mais
agre s siv o que favo r e ce a continuidade do processo de
inovação. D e s sa forma, os países semiperiféricos cons e­
guem industrializar-se sem se desenvolver, conseguem
cres c er, mas apenas para p er m ane c er no mesmo lugar,
relativamente aos países do núcleo orgânico.
As duas estratégias de " desenvolvimento" semiperi­
férico que marcaram o século foram a e str até gi a pró-sis­
têmica, exp erimentada p elos países da América Latina e
do Sul da E u ro p a , e a estratégia anti-sistêmica, que pre-

64
valeceu na URS S e n o Leste Eu r op e u . A primeira p rese r ­
vou as extremas desigualdades de distribuição da riqueza
e a c e i to u desempenhar funções subordinadas nos pro­
cessos globais de acumulação de capital. A segunda con­
si stiu no c o n t r ár i o : numa mai s ou m e no s completa
distribuição de r i q u e z a e nu m a recusa em desempenhar
o tip o de p a p e l subordinado nos p ro ce ss o s globais de
acumulação de capital. .A mb as as estratégias imp l i caram
o uso da coerção sobre o c r e s c e n te proletariado que
e m e rg ia dos processos de industrial ização, e amb as as
estratégias, por razões d i fere n te s , entraram em c r ise no
p resente mo m e nt o histórico .
O colapso do S istema S oviético e a desarticulação do
Estado Desenvolvimentista p o d e m trazer graves conse­
qüências p olíti c a s para as sociedades semiperiféricas do
p l a n e ta . Aque l a s sociedades que não ace i tam os efeitos
nefastos da p eriferização p ode m inclinar-se para a ado­
ção de práticas do velho fascismo, adequando-as à sua
posiçã<? na hi e rarqui a mundial. A hostilidade étnica ou
reli g io s a co ntra p aís e s viz inhos ou contra minorias den­
tro das suas próprias fronteiras acirra-se, bem como o
terrorismo, não raramente a po i ado por go ve rn o s da se­
mi p eriferia contra cidadãos do núcleo orgânico. O mun­
do p e n s o u que não mais conviveria com atrocidades
iguais às cometi das na Segunda Guerra Mundial. A guer­
ra civi l decorrente da desintegr ação da ex-Iugoslávia
mostrou-nos que o mundo se enganou.

65
Agradecimentos

A p r im e ira versão d e s te texto, e sc rita em agosto de


1 997, fo i amplamente d is c utid a numa reunião da qual
participaram vári o s intelectuais : Airton Paschoa, Cícero
Romão Araúj o, Cilaine Alves Cunha, Iná Camargo Cos­
ta, Isab el Maria Loureiro, J orge Mattos Brito de Almei­
da, Leda Maria Pa u la n i , Mar celo Co elho, Marcos
Barb osa de Oliveira, Maria Elisa Cevasc o e Ricardo Mus­
se. Posteriormente, encontrei-me com Eugênio B u cc i ,
Maria Paula Dallari Bucci e Mar ia Rita Kehl, que não
p u d eram estar presentes na p rimeira rodada de debates .
Finalmente, revi o texto ponto a p onto com Paulo Eduar­
do Arantes. A to d o s . eles agradeço profundamente, sem
atribuir-lhes, natural mente, resp onsabilidades sobre o
resultado fi n al .

67
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