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14295, DOUTRINA ESTRANGEIRA JURISDIGAO CONSTITUCIONAL E DEMOCRACIA' Dieter Grimm? SUMARIO: |. Reconhecimento mundial, situagao precaéria. Il. Nem contradi¢ao nem necessidade. II.1. Sem contradigao; 1I.2. Sem necessidade. III. Vantagens e riscos para a Democracia. Ill.1. Vantagens; Ill.2. Riscos. IV, Evitando os riscos A Democracia. Iv.1. Enfoque substancialista; |V.2. Enfoque funcional. V. Compen- sagao dos déficits democraticos 1, Reconhecimento mundial, situagao precaria A jurisdigao constitucional é tao antiga quanto o constitucionalismo de- mocratico. Mas por um longo periodo de tempo os Estados Unidos da América permaneceram como 0 tinico Estado a submeter as decisdes emanadas do Po- der Legislativo, dotado de legitimagao democratica, a jurisdigaéo constitucional. Enquanto as constituipdes foram largamente adotadas pelos paises ainda no séc. XIX, levou-se quase duzentos anos para que a jurisdigao constitucional ob- tivesse reconhecimento em nivel mundial’. No séc. XIX, apenas a Suica outorga- ra a sua Suprema Corte a competéncia para exefcer a jurisdicdo em matéria constilucional, entretanto tal poder nao incluia o controle de constitucionalidade da legistagdo federal. Todas as outras tentativas de Se introduzir 0 controle de constitucionalidade falharam, isso se aplica & Alemanha, cuja Constituigao de 1 Tradugao para 0 portugues do artigo inthuladie Constitutional Adjudication and Democracy por Bianca Stamato Fernandes. Mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pala PUC-Rio Doutoranda em Direita Publico pela UERU. 2 Prolessor de Direito Pablico da Universidade Humboldt de Berlim € Protessor convidado das Universidades de Yale e Nova York. Doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt. Master of ‘Lsws pela Universidade de Harvard. Ex-juiz do Tribunal Constitucional da Republica Federal da Alemantia 3 Vide CN, Tate e F. Vallinder (eds.), The global expansion of judicial review, 1995. RDE | Revista de Direito dolEstado Ano 1 n° 4:3-22 out/dez 2006 3 1849 previa uma jurisdi¢ao constitucional de forrna ampla. Todavia, tal Constitui- G40, fruto da assembidia revolucionaria de Paulskirchen’, nao chegou a entrar em vigor porque oS monarcas naa a promulgaram quando o movimenta revolu- Cionario foi debelado, Arazao da rejei¢ao do controle de constitucionalidade durante 0 séc. XIX foi a sua alegada incompatibilidade com 0 principio da soberania do monarca, que vigorava na maioria dos Estados europeus de entao. Quando se cau a der- rocada das monarquias, estas foram substituidas pela soberania popular, como na Franga em 1871 @ nos demais Estados depois da Primeira Guerra Mundial, & o.controle de constitucionalidade passou a ser visto como em contradigao com a democracia. O Parlamento — como representante do povo — néo deveria estar submetido a qualquer controle externo. A unica excecao a esse quadro foi a Aus- tria, que, na sua Constituigao de 1920, estabelecia a Gorte Constitucional com o poder expresso dle rever os atos emanades do Poder Legislative. A Austria, en- tao, inaugurou um novo modelo de controle de constitucionalidade; aquele exer- cido por uma Corte Constitucional especial. Na Austria essa corte ocupa uma posigdo semelhante a outras cortes supremas, que s&0 especializadas, porém, em muitos Outros paises que adotaram esse modelo na segunda metade do séc. XX, a corte constitucional esta situaca no topo da hierarquia do Pader Judiciario local Na Alemanha, @ exemplo austriaco, somado as dificuldades sofridas pela Constituigao de Weimar de 1919, redundou num intenso debate sobre a ju- ‘TiSdi¢&o constitucional em que Hans Kelsen (que foi o sutor da Constituigdo Aus- triaca) e Carl Schmitt foram 9s principais contendores®. Kelsen, tendo como pre- missa a Sua teoria da hierarquia das normas, entendia a jurisdi¢ao constitucional como um elemento necessario do constitucionalismo. Se a lei infraconstitucional era inferior a !ei Constitucional, essa sé podia reivindicar validade sé estivesse de corde com a moldura constitucional; era imprescindivel uma instituig¢ao para de- terminar se amoldura fora transgredida ou nao. Schmitt, por seu turna, argumen- tava que a jurisdicdo constitucional importaria perdas tanto para 0 Legislative como para 0 Judiciario. Pois tal atividade necessariamente redundaria em “judi- cializagao da politica" e a "politizagdo do Judiciario". Na pratica, as estreitas 4 NI: A Consiituico alema de Frankfurt ou Paulskirchenverfassung é ‘ruto das chamadas revo- lugdes de 1848 na Europa;que se voltavam contra as monarquias cutoritérias e tinham como pano de fundo uma crise econémica generalizada, A revolugde dé 1348 iniciou-se na Franca influen- ciando vérias paises ca Europa central @ ocidental. O povo exigia uma Constituicdo para a Alemanha que 2 unificasse & fase de cunho liberal. Assim, ern 1849 foi redigida urna Constituigao alema por um Parlamento qua abrangia todas as tendéncias paltinas de entao, Mas o rei Frederica Guilnerme IV, pressionado pela nodreza, ndo acsitou esta Constituigao. 8H. Kelsen, Wesan und Entwicklung der Staatsgerichisbarkelt, Verbifentlichungen der Vereini- gung der Deutschen Siaaisrechtstehrer, 1329, p. 5; 1. Kelssn, Wer soll hiter der Vaerfassung sein?, Die Justiz, 1930/31, p. 576; C. Schmitt, Das Reichsgericht als HOter der Verfassung, Die Fleichsgedchispraxis (a douchtschen Rechisieben, v. |, 1929, p. 184; C. Schmitt, Der Hiter der Verfassung, 1931. Para uma discusséo, ver H. Wendenburg, Die Debatte um die Verfassungge- richtsbarke.t und det Methodenstreit der Staatsachts in der Weimarer Republik, 1984. competéncias do Staatsgerichtshof naa foram alargadas, mas em algumas raras ocasides a Suprema Corte (Reichsgericht) reivindicou o poder para controlar a constitucionalidade de leis federais. Foi preciso a experiéncia vivida no séc. XX através de ditaduras que des- denharam os direitos humanos de tal forma para qué fossem superadas as anti- gas reservas @0 controle judicial de Constitucionalidade e as portas se abrissem para ele. A Alemanha ca Italia instituiram Cortes Constitucionais através de suas Constituigdes pds-guerra. Espanha ¢ Portugal seguiram o exemplo apos as suas. respactivas revolugdes. Depois da queda dos regimes comunistas, que foram ferrenhos opositores de qualquer forma de controle judicial de atos estatais — com excegao da lugoslavia e depois da Polénia —, todos os ex-membros da Unido Soviética e da Alianga do Leste europeu criaram as suas Cortes constitu- cionais. Cortes constitucionais também surgiram no leste da Asia e na América Latina apés a queda das respectivas ditaduras e, posteriormente, na Africa, mor- mente na Africa do Sul, apos a derrocada do regime do apartheid, Em outros paises ateitos a tradicAo inglesa como Canada, Australia ¢ India, as respectivas Supremas Cortes logo passaram a exercer a jurisdig&o constitucional. O mesmo éverdade para a Noruega e Isracl®. Ha outros Estados, entretanto, alguns deles com insuspeita tradigao de- mocratica como Reino Unido e Holanda, que se recusam a adotar o controle ju- dicial de constitucionalidade com base no argumento de que a democracia im- pediria tal atividade, Em muitos Estados @x-Gomunistas as recém-implantadas Cortes Constitucionais estae sob forte ataque, por parte dos politicos que antes estimularam o Controle judicial da constitucionalidade para curar antigos vicios do regime, mas hoje o acham moroso é ineficiente quando dirigido para os seus tos e por parte das tradicionais supremas Cortes, que nao estéo acostumadas a ficar relegadas a um segundo plano. Mas mesmo nos paises onde a existéncia Ou 0 escopo da jurisdigdo constitucional ndo 6 seriamente desafiado, a questéo da legitimidade do controle da constitucionalidade pelo Judicidrio e a sua com- patibilidade com a democracia e os principios a ela inerentes 6 freqaentemente suscitada, Essa é uma assertiva verdadcira para os Estados Unidos com o seu intermindvel debate acerca da dificuldade “contramajoritaria”’, mas de uma cer- © AS pesquisas antigas sobre a disseminagao @ organizacao da jurisdigao constitucional $80 desatualizadas em razdo de desenvolvimento da Ukima década, Para um registro mais recente, vide K. G. Zierlein, Die Bedeutung der Varfassungsrechtsprechung tir die Be wahrung und Durchsetzuny der Staatsverfassung. Europaische Grundrechte Zeitschrift, 1991, p. 301; limitado a varias regioes: ©. Starck e A... Weber (eds.), Verfassunasgerichtsbarkeit in Westeuropa, 2 vols., 1986; H-R Horne A. Weber (eds.), Rictherliche Veriassungskontrotie in Lateinarierika, Spanien un Portugal, 1989; A. V. Brinneck, Verfssungsgerichisbarkeit in westiichen Damokratien, 1992; D Greenberg et al. (2ds.), Constitutianalism and Democracy. Transitions in the Contemporary World, 1993; J. A. Frowein eT. Marauhn (eds.), Grunofragen der Verfassungsgerichtsbarkeil in Mitte!- und Osteuropa, 1998. Para 0 caso da Noruega, v. Mads Andenas ¢ |, Willberg, The Constituion of Nonway, 1987, p. 99. 7 Comezando com A.M. Bickel, Tie feast dangerous branch, 1962. ADE || Revista de Oireitodo Estado Ano 1_1n”4:.3-22 out/ddez 2006 5

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